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ADRESON VILSON VITA DE SÁ

DOS FOTOGRAMAS AO CLICHÉ VERRE

Porto Alegre

2010
Adreson Vilson Vita de Sá

Dos Fotogramas ao Cliché Verre

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como pré-requisito para
obtenção do título de bacharel, do curso de
Artes Visuais do Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Orientador:
Professor Dr.Luiz Eduardo Achutti

Banca examinadora:
Prof. Sérgio Sakakibara
Prof. Rodrigo Nuñez

Porto Alegre, julho de 2010


AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os amigos e


colegas que colaboraram no
desenvolvimento deste trabalho.

Meus agradecimentos
também aos professores Patrícia
Camera e Sérgio Sakakibara.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 2
SOBRE FOTOGRAFIA .......................................................................................... 4
Uma introdução à história da fotografia....................................................... 4
Talbot e os desenhos fotogênicos............................................................... 5
Porque fotogramas.................................................................................... 10
MAN RAY E O DADAÍSMO.................................................................................. 11
COMO É QUE SE FAZ / TRABALHO PRÁTICO ......................................................... 15
Fotogramas ............................................................................................... 15
Sobre a prática do trabalho ....................................................................... 16
Os meus fotogramas ................................................................................. 17
IDÉIAS : SIGNIFICADOS/SENTIDOS/TEMAS ........................................................... 19
PORQUE FAZER ESTAS IMAGENS DIFÍCEIS .......................................................... 31
CONCLUSÃO ................................................................................................... 34
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 35
Introdução

"Interpretar o mundo não basta, é preciso transformá-lo."


Louis Althusser

Para que se entenda este trabalho é necessário voltar ao primeiro semestre de

2007, na primeira disciplina de fotografia do curso de Artes Visuais.

Normalmente os primeiros exercícios dentro do laboratório é produzir

fotogramas simples1, e assim fiz com a Professora Patrícia Camera durante as

aulas. Resolvi ir além dos objetos comumente utilizados para estas práticas e

aproveitei transparências com desenhos feitos em uma disciplina de desenho.

Surgiu ali a primeira imagem do fotograma (cliché verre): "Noiva-cadáver" (ver

na pág. 24) que era uma montagem a partir de uma foto de revista, desenho

anatômico e rabiscos, que logo resultaram em mais imagens. Ao descobrir as

possibilidades utilizando outros desenhos e estudos anatômicos percebi que

havia um universo para explorar. Onde voltei em 2009, ao refazer os exercícios

num laboratório fotográfico da Casa de Cultura Mário Quintana, sob a

coordenação do professor Sérgio Sakakibara. Lá ele nos apresentou um

material que estava vencido, os alunos tinham pouco interesse e que de

alguma maneira ainda era utilizável. Comecei a experimentar novamente os

fotogramas, partindo da mesma temática iniciada dois anos antes. Logo a

exploração foi tomando novos rumos. Neste trabalho busco apresentar os

resultados desta pesquisa, além das relações com a obra de Man Ray

encontradas ao longo do percurso, e também da pesquisa sobre técnicas

1
Para demonstrar o efeito da luz sobre o material fotossensível , ou seja, colocar um objeto
sobre um pedaço de papel fotográfico e projetar luz sobre ele. O revelador então escurece as
áreas atingidas pela luz.

2
antigas que remotam ao início da história da fotografia. Ao descrever a técnica

do fotograma, explico também o que é o cliché-verre, uma técnica relacionada.

Procuro distinguir o método que utilizo dos antigos cliché-verre, que tinham

como base as gravuras e desenhos, praticamente um meio de realizar

fotogravura. Enquanto determino que cada composição produzida seja única.

Isto foi proposital desde que passei a me dedicar aos meus fotogramas. E é

este o termo utilizado neste estudo.

3
Sobre fotografia

Uma introdução à história da fotografia

Antes do advento da fotografia, os experimentos com dispositivos óticos já

eram realizadas desde meados do século XVII2, quase nada era conhecido

sobre químicos fotossensíveis até o início do século XVII, quando um cientista

americano notou a ação da luz solar sobre o nitrato de prata, que ficava preto

quando exposto. A partir desta constatação, várias tentativas foram feitas por

outros cientistas até o século seguinte. As primeiras imagens que poderiam ser

consideradas fotográficas foram realizadas por Schulze3 em 1725 e em cerca

de 1800 por Thomas Wedgwood, precursores da fotografia. Suas experiências

aconteciam sem o uso de dispositivo ótico, buscavam o aperfeiçoamento do

processo químico de substâncias sensíveis à luz. Baseado nos experimentos

de Schulze outros químicos produziram imagens com materiais fotossensíveis.

Porém não conseguiam encontrar um método de fixar estas imagens

(interrompendo a ação da luz sobre o papel).

Usando uma camada fotossensibilizada de Betume da Judéia, Niepce teve

sucesso, em meados de 1826, ao fazer um certo número de fotogramas em

placas de vidro e de estanho e denominou-os como heliografias4. A descoberta

2
ver DUBOIS, 2009, p. 129.
3
Schulze era um professor alemão na Universidade de Altdorf, cujos experimentos pavimentou
o caminho para a fotografia. Apesar de se saber que certos químicos escureciam quando
expostos ao sol, mas não estava claro se era devido à ação da luz ou do calor que causava
este efeito. HOLTER, 1972. P. 11.
4
Eram cópias de gravuras, colocando papel encerado impresso sobre a chapa sensibilizada. A luz agia
através do papel translúcido e fazendo o betume insolúvel exceto onde haviam linhas entintadas da
gravura. Retirando-se as partes não expostas da camada fotossensível, obteve um positivo direto, com o
betume dando as luzes e o metal dando as sombras. Chamou as figuras de heliografias, ou desenhos
solares, e usou o mesmo processo para fotografar com uma câmera." HOLTER, 1972. p.11

4
de Niepce deu origem, de fato, à fotografia como a conhecemos. Após realizar

heliografias com Niepce, Daguerre desenvolveu seu próprio processo

fotográfico, substituindo as chapas de estanho por prata iodada. Daguerre

observou que ao invés de esperar a imagem aparecer como resultado de ação

da luz, poderia elaborar uma imagem latente na chapa exposta fumegando-a

vapor de mercúrio. O daguerreótipo reduziu o tempo de horas para minutos e

tornou possível o uso das chapas nas câmeras.

Talbot e os desenhos fotogênicos

Apesar o mérito de ter inventado a fotografia seja de Daguerre, Talbot é que

tornou viável seu desenvolvimento ao inventar um sistema simples (o calótipo)

para a produção de cópias, a partir da chapa exposta.

Talbot. Photogenic drawing, 1835-1839.

5
Entre 1834 e 1835 Fox Talbot produziu vários fotogramas em papel, usando o

processo denominado "photogenic drawing" (ou desenhos fotogênicos).

Talbot Fox. Duas delicadas folhas de plantas, Photogenic drawing em negativo, 1839.

Os "photogenic drawing" eram preparados por imersão de uma folha de papel

em uma solução de sal comum, e com uma solução de nitrato de prata, e

6
posteriormente lavando-a em uma forte solução de sal comum. A exposição

era feita geralmente colocando objetos sobre o papel e deixando a luz do sol

agir até aparecer a imagem negativa. Talbot utilizou uma solução concentrada

de sal comum para fixar a imagem. Posteriormente Herschel sugeriu usar

tiossulfato de sódio que dissolvia o nitrato de prata remanescente de forma

mais eficiente e, posteriormente, se tornou o padrão para todos os processos

de prata.

Anna Atkins, Dictyola dichotoma (alga marinha), cianotipia 1843-53, British Library.

Os fotogramas foram fundamentais para o avanço dos processos fotográficos.

Após estes primeiros experimentos, a idéia de de fotografia sem uma câmera

7
foi deixada de lado por aproximadamente um século. Como os filmes foram

melhorados e os dispositivos ópticos foram refinados, os fotógrafos foram,

compreensivelmente, mais interessados em explorar os aspectos da vida e da

natureza que a câmera pode capturar tão bem. Os fotógrafos influenciaram os

pintores a detalhar com a mesma precisão da fotografia, mas a partir de 1890

eles mesmos ficaram sob a influência das imagens desfocadas do

impressionismo, que eles tentaram imitar usando lentes de foco suave e telas.

Christian Schad. sem título (Schadograph no. 4), 1919.

Por volta de 1918, os trabalhos de Christian Schad foram apresentadas à Man

Ray por Tristan Tzara, ambos participantes do movimento dadaísta em

Zurique. Os schadographs eram fotogramas inspirados no processo de Talbot,

8
Schad usava recortes e objetos planos sobre um um papel autorevelador

pouco sensível à luz5. As schadographs chamaram atenção do artista

americano que estava instalado em Paris. Man Ray começou a fazer seus

próprios fotogramas, que ele chamou de Rayographs ou Rayografias.

Introduzindo objetos tridimensionais nas composições, obteve novos e

inusitados efeitos ao utilizar de objetos transparentes e translúcidos.

Fotograma de Moholy-Nagy, 1922

Inspirado por algumas Rayografias que tinha visto, Moholy-Nagy começou a

produzir suas próprias fotografias sem câmera, as quais ele denominou

"fotogramas". As suas técnicas logo foram adaptadas ao uso em publicidade,

tornando-a mais conhecida. Atualmente a prática da fotografia sem câmera é

5
ver p. 16 de Man Ray, TASCHEN

9
muito mais simples, os materiais como fontes de luz, papéis e químicos são

produzidos industrialmente.

Porque fotogramas

A nomenclatura das técnicas e equipamentos foi mudando ao longo da história

da fotografia, e a medida que novas descobertas eram realizadas se fazia

necessário definir seus conceitos estéticos e técnicos. As primeiras

experiências fotográficas foram realizadas sem câmera e resultaram em

imagens que hoje chamamos fotogramas. Estas receberam vários nomes

diferentes por seus inventores. Wegwood chamou de "perfis agenciados pela

luz", Niepce fez as suas "heliografias" e Talbot com os "desenhos fotogênicos".

Já em meados do século XIX algumas pessoas consideravam "fotograma" o

termo mais correto para todas imagens produzidas em materiais

fotossensíveis. Entretanto a diferenciação entre os termos fotografia e

fotograma levou um tempo a serem assimilados, somente com Moholy-Nagy

que o termo passou a ser aplicado às fotografias sem câmera.

10
Man Ray e o Dadaísmo

Através de seu amigo Marcel Duchamp, Man Ray conheceu e se integrou ao

grupo dadá em Paris. No grupo de poetas e escritores estava André Breton,

que aproveitou o talento de Man Ray na revista Littérature. O sucesso de seu

trabalho fotográfico deu-lhe oportunidade para conhecer artistas como Picasso

e Braque, e vários clientes abonados. Não tardou para que passasse a publicar

em diversas revistas como Vogue e Vanity Fair.

Man Ray converteu-se num mestre da manipulação fotográfica produzindo

criativos e surpreendentes efeitos. Enquanto a maioria dos fotógrafos

buscavam uma imagem técnicamente perfeita, Man Ray investia numa

fotografia mais criativa, com técnicas de dupla exposição, solarização e

inversões, recortes e até a fotografia sem câmera. Por isso, além da invenção

da rayografia, ele criou a fotografia surrealista.

A rayografia busca dar outra aparência às coisas, levando objetos

reconhecíveis a um outro mundo. Através dessa relação pode abrir o espírito à

uma realidade criativa, cheia de poesia, dinâmica e iluminada.

Em 1922 Tristan Tzara considerava as rayografias como verdadeiras criações

dadá. Outros consideraram os fotogramas de Man Ray obras surrealistas −

11
antes mesmo do surrealismo aparecer em 1924 − por tratar se de uma técnica

inovadora mas em suas representações não haviam o inconsciente e o onírico,

temas do surreal. Os dadaístas não consideravam a representação abstrata na

pintura como aceitável pois ainda empregava os meios tradicionais de criação

artística. As rayografias não eram abstratas, haviam objetos reais que

representavam uma realidade distinta.

Photogram by Man Ray, c. 1922

12
O êxito desta obra não é fortuito. Para se ter uma noção de como era o

tratamento dado à invenção por Man Ray, temos esta definição:

"A rayografia é um fotograma, colocando-se objetos


sobre um papel fotossensível e expondo-os sob uma
fonte de iluminação. A grande diferença é a maneira
como ele considerou o trabalho, não apenas
experimental mas como trabalho de arte. diferente das
fotografias tradicionais, o resultado impresso é obtido
sem a necessidade de um negativo. Cada rayografia é,
entretanto, única [...] Entretanto, Man Ray sentiu-se
perfeitamente na liberdade de duplicar imagens
rayográficas selecionadas, então ele ocasionalmente
tirou fotos das impressões prontas, criando assim um
negativo e providenciando meios pelos quais poderia
fazer quantas cópias precisasse." (Tradução do autor)6

Sua atitude de valorizar e elevar seus fotogramas ao status de arte foram

importantes aos movimentos dadá e surrealista, ao contrapor-se a conceitos

predominantes, liberando-se da mimese.

6
Man Ray : 1890-1976. New York: Harry N. Abrahms, 1995.

13
Rayografias

Man Ray, "Rayograph" (1926)

14
Como é que se faz / trabalho prático

"Os efeitos do encanto entorpecente o deixaram aos poucos. Agora que as luzes
estavam acesas e a realidade retornara, olhou ao redor."
John Fante

Fotogramas

Um fotograma é obtido de maneira simples. Coloca-se um ou mais objetos

diretamente sobre o papel fotossensível, projeta-se a luz do ampliador durante

alguns segundos e segue o tradicional ritual dos banhos químicos (revelador +

interruptor + fixador). Os resultados são infinitos, dependerá do artista e seu

repertório de objetos e negativos. Os pioneiros da fotografia costumavam

copiar folhas e retalhos de tecidos em seus experimentos com fotogramas7.

No início deste estudo sobre minha produção, descobri que o método que

venho utilizando é mais semelhante ao cliché verre que fotogramas por utilizar

transparências ao invés de objetos tridimensionais. O cliché verre8, é um

contato ou impressão ampliada de um objeto bidimensional. Este pode ser

negativos manipulados manualmente, papéis transparentes, stencils ou vidro

riscado. Pela sua bidimensionalidade, é uma técnica que se assemelha à

7
Em seu livro "Fotografia Pensante", o professor Luiz Guimarães Monforte descreve uma
receita detalhada de como fazer fotogramas, cliché verre e várias outras técnicas sem
câmera.Ver bibliografia.
8
Cliché-verre: Nome francês que se dá a um procedimento no qual umas imagens
desenhadas ou pintadas sobre vidro se copiam sobre papel fotográfico. Os desenhos se pintam
em uma placa de vidro com verniz semitransparente ou pintura a oleo, ou riscando com um
buril de gravador uma camada de revestimento opaco de verniz escuro ou colódio sensibilizado
escurecido expondo-o à luz, disposta sobre a placa de vidro. Talbot foi a primeira pessoa que
fez estas «gravuras» desta maneira (até 1835). A técnica a base de verniz foi idealizada,
independentemente de Talbot, por William e John Havell e J.T. Wilmore em Londres (1839). O
colódio como revestimento foi usado em 1853 pelos três fotógrafos aficcionados franceses
Constant Duttilleux, L. Grandguillaume e Adalbert Cuvelier. Camille Corot, amigo de Dutilleux,
fez muitos clichés-verre, assim como Daugbiny, Millet, Théodore Rousseau e outros pintores
franceses. O procedimento ao cliché-verre já foi reinventado muitas vezes, mas nunca
alcançou grande popularidade.

15
gravura e ao desenho. Apesar da proximidade, pela ausência dos objetos

direto sobre o papel, ainda considero os meus trabalhos como fotogramas pois

ao utilizar recortes e fragmentos que dispensam um simples desenho como

matriz, não há imagens que se repetem em uma série. Cada revelação traz

uma nova imagem. É uma mescla das técnicas (hibridismos pós-modernos)

porque não procuro a repetição da imagem como as gravuras permitem e ao

mesmo tempo não uso objetos tridimensionais para que, segundo alguns

autores, se caracterizem como fotogramas num sentido mais rigoroso do

conceito. A determinação de que cada fotograma tivesse uma composição

única era na intenção de que seu valor seja superior à uma cópia fotográfica.

Como obra de arte, cada exemplar é único9. As suas reproduções possuem as

mesmas qualidades pictóricas (a mesma imagem), porém dependem de outros

meios para serem produzidas, como qualquer outra fotografia

Sobre a prática do trabalho

Para definir mais adequadamente a minha prática considero importante

esclarecer que além da formação do Instituto de Artes estudei Desenho

Industrial (Design Gráfico) em Santa Maria. Lá tive contato com a prática de

gravuras e fotografia no laboratório e no estúdio. Nos últimos anos, estudei

novos autores e redescobri técnicas como o fotograma e a gravura. Desta vez

numa abordagem mais livre e mais dedicada à prática e experimentações.

9
Longe da pretensão de ser irreprodutível, mas aspirando a ser original (que dá origem a) nos
arranjos visuais de cada fotograma.

16
Através da busca de um trabalho que fosse diferente da minha produção

fotográfica comecei a investir numa experimentação de uma prática simples

que é a do fotograma. Indo além dos exercícios iniciais básicos (folhas e

objetos simples) das aulas de fotografia no laboratório, explorei composições e

resultados através do processo tradicional (já quase histórico). Utilizando

referências da tipografia, anatomia, gravuras medievais, mapas estelares e

inclusive a própria fotografia. São como elementos sintáticos de uma linguagem

em formação, buscando ser autônoma apesar de ser constituída de inúmeras

"citações" ou apropriações de elementos visuais pré-existentes em sua

totalidade.

Os meus fotogramas

Na prática, antes de tudo, faço uma seleção de imagens. Digitalizo através de

um scanner de mesa (quando o material original é manuscrito ou impresso) e

imprimo em transparências para apresentações10.

No Laboratório, as transparências são recortadas e dispostas sobre o papel.

Mais frequentemente, utilizando a sobreposição e justaposição, empilhando os

pedaços plásticos de maneira assimétrica. A disposição dos fragmentos é

decidida na hora, variando de acordo com as peças e quantidades disponíveis

e até mesmo do tamanho do papel. Gerando composições mais complexas e

saturadas ou páginas limpas com poucos elementos. A exposição de luz sob o

ampliador pode levar de 30 a 60 segundos. Tempo maior que uma exposição

normal devido ao uso de papel fotográfico vencido. Este não é mais adequado

10
Utilizo vários materiais que estão caindo em desuso: transparências, papel fotográfico,
laboratório, reveladores.

17
para revelação com o Dektol (o revelador mais utilizado para papéis). A

revelação é feita utilizando uma solução concentrada de revelador Kodalith11,

que se tornou chave para o desenvolvimento destes trabalhos dando

resultados de qualidade gráfica superiores às expectativas iniciais.

11
Kodalith é uma linha de materiais de alto contraste que foi lançada em 1929, substituindo as
chapas de vidro úmidas de colódio na indústria de artes gráficas.

18
Idéias : significados/sentidos/temas

"Quanto mais o artista se curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais aumenta a
anarquia"
C. Baudelaire

Sobre as imagens

Realizadas nas disciplinas de fotografia, as imagens deste estudo não se

propõem a criar novos enredos ou outras perspectivas mas trazem a

lembrança de que "é preciso reinventar os modos de habitar o mundo"

19
(BOURRIAUD, 2009) e estas reflexões (sobre o mundo e como nos

relacionamos com ele) são necessárias e uma das razões da Arte estar

presente no espaço da universidade. As imagens propõe ao público e aos

artistas que deve-se usar o mundo para criar novas narrativas, não resignar-se

a uma contemplação passiva. Há uma míriade de elementos: tipografia

(caracteres e palavras), circuitos eletrônicos, jogos, esqueletos, corpos,

absurdo, non-sense, fragmentos de outras fotografias, mapas, gravuras antigas

e até meus próprios desenhos. Sobre os temas escolhidos posso afirmar que,

além de constituir parte de meu repertório cultural, também representam os

infinitos pensamentos que nem sempre se concatenam, em meio a uma rotina

acelerada e desconexa que induz a fazer tudo ao mesmo tempo, numa

crescente vertiginosa. As características formais das composições: saturação,

fragmentação, sobreposição, assimetria, equilíbrio, densidade, complexidade,

multiplicidade; são parte do objetivo de elaborar imagens diversas, únicas entre

si, mesmo contendo o mesmo conjunto de elementos pictóricos.

20
Photographia, 2009. Onde os dispositivos fotográficos se tornam o tema do próprio processo.

21
fotogramas eros11. fotograma, 2009. Em <http://www.flickr.com/photos/adreson/4117657412/>

22
ossos (1). fotograma, 2009. Em <http://www.flickr.com/photos/adreson/4013532355/>

23
corpos (2). fot ograma, 2009 - em <http://www.flickr.com/photos/adreson/4013532305/>

24
fotograma 6. fotograma, 2009 - em <http://www.flickr.com/photos/adreson/3544026714/>

"A tipografia, em sua condição pós-moderna, caminha pelo solo pouco firme da

ambiguidade, das imagens indefinidas, das formas imperfeitas mal acabadas.

De fato, não há mais a distinção entre o que é tipografia e o que são imagens,

formas e cores" (JACQUES, 2002)

25
Noiva Cadáver. fotograma, 2007.

Aqui é a primeira imagem produzida no laboratório. É a figura já mais

conhecida desta minha produção, que aparece em diversas versões e

composições diferentes. Num tempo sob o império das imagens, onde

"vivemos segundo um imaginário generalizado" (BARTHES, 1979), o que

temos quando podemos contestar ou ironizar esse imaginário? Imagens como

esta "noiva" cuja pose é mesclada, sobreposta à um manequim de revista

26
temos um esqueleto humano. Em algumas pessoas esta imagem lhes causa

horror, uma certa perturbação tétrica. Talvez por jogar com com dois

imaginários, o da modelo e seu ideal de beleza, e do esqueleto como

personificação da morte. Outros a consideram divertida, vêem a ironia dessa

figura híbrida que pela vestimenta parece uma noiva - e não é. Os outros dois

elementos, as coroas podem ser associadas à ditadura das imagens

publicitárias e da beleza irreal das modelos; e a coluna vertebral às verdades

(nossas crenças), que aos poucos vamos descobrindo que são sinuosas (ora

vão pra lá e ora vão pra cá) e um dia podem acabar com o indivíduo.

27
photograma 14052010. fotograma, 2010.

O "photograma 14052010" é uma manifestação visual do poder massivo das

imagens que atuam em minha mente. É uma das várias composições

28
complexas e intricadas, onde a fusão dos elementos é onírica, surreal e às

vezes agressiva.

Fotograma, 2009.

Na imagem acima, a imagem está congestionada pelo colapso do cotidiano

acelerado, da cultura do excesso e da efemeridade. Onde o tempo é escasso.

Nas letras há o excesso de informações. Os corpos e elementos anatômicos

são a preocupação inútil com a vaidade nos detalhes mais irrelevantes, já que

no futuro sobram apenas fragmentos da existência: esqueletos e ossos. O

ritmo supersaturado é como uma música eletrônica. Os tempos são curtos e os

sons de outros artistas são recortados e sobrepostos, gerando nova música.

Não ocorrendo aqui a modulação regular, o padrão simétrico de uma batida

29
musical. As imagens tem uma assimetria que explora e acentua o jogo de

forças entre os fragmentos dispersos sobre a composição. Todos ocorrem ao

mesmo instante, não há narrativas lineares. Como o clarão inverso de um raio

numa tempestade, é tudo ao mesmo tempo agora.

30
Porque fazer estas imagens difíceis

Resolvi, inicialmente denominar esta parte do trabalho como imagens difíceis,

pois as leituras são em diversos níveis. Diferentemente da pintura não há

camadas de tintas, existem camadas de imagens que dão aos fotogramas uma

profundidade colapsada. A imagem que se vê é determinada pela distância do

observador em relação à obra. Nuances e detalhes vão se revelando a medida

que o olhar percorre e explora os fotogramas.

Apesar da cibercultura se referir/pertencer ao mundo virtual (web, internet,

videogames e outros ambientes) nestes trabalhos aqui apresentados, e em

outros que não fazem parte deste estudo, é possível estabelecer relações com

as definições de obras da cibercultura segundo de Pierre Lévy

(Cibercultura,1999). Pois "admitem uma multiplicidade de interpretações" e põe

em xeque a "importância a e a função do signatário". Não só por constituir-se

de uma obra aberta, cujo sentido é construído a partir do próprio processo de

observação desta por quem a lê ou observa. São imagens que permitem ao

observador a possibilidade de ir explorando e descobrindo a obra, e "construir

não apenas o sentido variável, múltiplo, inesperado, mas também a ordem de

leitura a as formas sensíveis". A função do artista como criador é questionada

sabendo-se que a elaboração dos trabalhos, se dá retirando fragmentos de

outros autores de forma anárquica, e restando, muitas vezes, apenas os

índices das fontes, das imagens de origem. Não se trata de apropriação como

as assemblages ou colagens (que os surrealistas já faziam). Nem é apenas

justaposição de objetos desconexos, recurso que se utiliza há décadas e

31
continua sendo procedimento usual na produção contemporânea. É o uso

destas obras alheias como dispositivos para composição dos fotogramas. Os

fragmentos fazem parte de uma outra obra mas não estão lá. Assim como a

música eletrônica, que pode ser elaborada a partir de inúmeros samples

(amostras) de outras músicas ou de ruídos e sons banais e cotidianos, assim

estas imagens são constituídas de muitos elementos pictóricos.

O que Lévy denomina cibercultura é bastante semelhante a uma nova forma

cultural que Nicolas Bourriaud define como cultura de uso12 onde "a obra de

arte funciona como término provisório de uma rede de elementos

interconectados" (Pós-produção, 2009). As narrativas não se completam, são

reinterpretadas a cada exposição, e a cada montagem o sentido estabelece-se

a partir "de uma negociação entre o artista e as pessoas que vêm observá-la".

Cada imagem produzida até aqui tem seu aspecto único, a composição se

altera a cada fotograma revelado; e mantém um mesmo repertório, um

conjunto de imagens elementares que se repetem e interagem entre si em

novas combinações, aparentemente aleatórias. Temos aqui os esfacelamento

das "noções de originalidade (estar na origem de...) e mesmo de criação (fazer

a partir do nada)" (BOURRIAUD, 2009). Os trabalhos constituem-se de objetos

culturais selecionados sem critérios aparentes e re-inseridos em contextos

completamente distintos.

12
Na cultura de uso, a obra de arte "funciona como um agente ativo, uma distribuição, um
enredo resumido, uma grade que dispõe de autonomia e materialidade em diversos graus, com
uma forma que pode variar da simples idéia até a escultura ou o quadro." BOURRIAUD, 2009
(pág. 17).

32
Alheio às críticas ao ecletismo13 característico da cultura global em que

estamos vivendo, posso afirmar, sem pudores, que para produzir estas

imagens, são absorvidas todo o tipo de signo, de imagem e de texto.

Desfazendo a realidade idealizada pela sociedade de consumo e (re)utilizando

suas imagens em uma miscelânea caótica e imprevisível. Cuja produção é

paradoxalmente anacrônica ao mesclar as bases de uma atividade

tecnologicamente obsoleta e sem o reconhecimento de fazer artístico14 dos

chamados processos alternativos (como a cianotipia por exemplo) com as

idéias saturadas de informações fragmentadas e de referências científico-

culturais, contidas nos elementos pictóricos.

Ao procurar ser uma diferença, sem a aderir a um enredo específico, estes

trabalhos podem ser relacionados ao conceito de desconstrutividade de

Jameson. Onde há uma força pictórica perturbadora nas superposições e

"assegura a incapacidade de qualquer sistema hermenêutico ou interpretativo

de domesticar essas justaposições e transformá-las em sentidos

aproveitáveis". A segmentação do fotograma, dentro da composição, é uma

barreira da obra ser apresentada como um discurso ideológico.

13
"Em Greenberg e na maioria das histórias da arte ocidental, a cultura está ligada àquela
monomania que considera o ecletismo (ou seja, qualquer tentativa de sair dessa narrativa
purista) um pecado capital. A História deve ter um sentido. E esse sentido deve se organizar
numa narrativa linear." BOURRIAUD, 2009. Pág. 105.
14
poucos artistas se dedicam aos fotogramas de maneira efetiva, sempre referem-se à Moholy-
Nagy e a Man Ray como expoentes desta prática. À exceção do fotógrafo americano Robert
Heinecken.

33
Conclusão

"Tempos estranhos. Era um entardecer apenas para viver e respirar."

John Fante

Encontrei uma boa explicação porque sinto feliz com este trabalho nas palavras

de Man Ray, onde "o sucesso do experimento é proporcional ao desejo de

descobrir e apreciar"15. Esse tesão é justamente o de investigar, procurar

sutilezas e resgatar no que era dado como incerto, beleza a ser admirada.

Trabalhava solitariamente no laboratório, elucubrando com as minhas idéias

procurando resultados que, inicialmente não sabia se dariam certo nem que

fosse aceitas pelo público. As diferentes reações estimuladas pelas imagens

deram a certeza que estava no caminho certo.

15
MAN RAY, 1945

34
Referências bibliográficas

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arte e política. São Paulo: Brasiliense. 1996.

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FLUSSER, Vilem. A Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: HUCITEC, 1985

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