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Caminhos da Semiótica literária Introdução

imensa variedade de seus panteões: “ a ideologia das três 78 ) , ela subjaz à sua abordagem relativista de um sentido, se
funções hierarquizadas”, fun ção má gica e religiosa, fun ção nã o sempre incompleto, pelo menos sempre pendente nas
guerreira e fun ção de reprodu çã o. Ele escreve: “ um verda- tramas do discurso.\Ela define o estatuto das formas signifi-
deiro progresso se efetivou no dia em que eu reconheci [...] cantes como um espa ç o intersticial entre o sensível e o inte-
que a 'ideologia tripartite' não era acompanhada forçosa- ligível , entre a ilusão e a crença partilhada, na relação reci-
mente, na vida de uma sociedade, da divisã o tripartite real procamente fundadora entre sujeito sensaí W e objeto perce-
dessa sociedade. [ ...] Em vez de fatos isolados e por isso bido, destacando-se no horizonte da sensãçkq/ f ] á em Semân-
mesmo incertos, uma estrutura geral se propunha ao obser- tica estrutural ( 1966) , a ligação estava explicitamente assumi-
vador, na qual , como num vasto quadro, os problemas par- da: ... ] nos propomos a considerar a percepção como o lu -
ticulares encontravam seu lugar preciso e limitado”.10 Tan - ^
gar não linguístico onde se situa a apreensão da significação/
( p. 15). ponto pacífico, entretanto, que a semiótica não po- ^
to no caso das relações, sociais como no das mitologias , a
apreensã o de um conjunto de rela ções conceituais simples
e hierarquizadas, subjacentes à diversidade empírica , pode
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deria ser considerada um ramo da fenomenologia. Ela se de-
fine, muito ao contrá rio, a uma certa distâ ncia do paradigma
dar conta da maneira como se organiza uma realidade sig- filosófico, como uma teoria descritiva da significação discur-
nificante infinitamente complexa . Princípios similares co- siva: quando fala de ser, ela designa gramaticalmente um pre-
mandam , como veremos, a metodologia semió tica em sua dicado de estado, fora de qualquer visão ontologia)/ Mas se a
abordagem do discurso. Compreendemos assim por que distinção disciplinar vem assim ostentada, talvez seja porque
ela mantém, para além dos seus pró prios objetos, um estrei- o ancoradouro filosófico da semiótica está claramente situa-
to parentesco teórico com a antropologia estrutural ( Lévi- y do: suas referências essenciais, nesse domínio, são as Idées di-
Strauss ) e com a mitologia comparada ( G. Dum ézil ). l rectrices pour une phénoménologie , de Husserl 12 e a Fenome-
Enfim, no campo da filosofia, é *da fenomenologiâl o • nologia da percepção, de M. Merleau-Ponty.13 Teremos a
que a semiótica extrai, à distâ ncia, uma parte importante de oportunidade de evocar novamente ejsa ligação no momen-
sua concepção da significa ção. A prop ria ( expressã g /parecer, to de nossas reflexões sobre a \figurafividade, caracterfetjca
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do sentido/, que utilizamos no in ício, ilustra essa inspiração '
central da literatura: a figuratividade faz surgir abs olhos do
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íenomenológica. Nós a encontramos vá rias vezes nos escritos
de Greimas: desde o “véu do parecer \ ( em Du sens, 1970, p.
100)11 até a “feia do parecer? ( em De l'imperfection, 1987, p.
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leitor a “aparência ” do mundo sensíve Olhando com mais
euidado, notamos porém que os limites entre essas disciplinas
nã o sã o assim tã o estanques, e podemos citar ainda o filósofo
Paul Ricoeur, pá ra quem a mediação do signo e das obras é
10. DUMEZIL, G. Mythe et é popée. L'idéologie des trois fonctions dans les
- .
é popées des peuples indo européens Paris: Gallimard, 1968.1. 1, p. 15 e 16. 12. HUSSERL, Edmund. Idées directrices pour une phénoménologie .
11. Edição brasileira: GREIMAS, Algirdas Julien . Sobre o sentido: en- Tradução de Paul Ricoeur. Paris: Gallimard,1950. v
saios semióticos. Traduçã o de Ana C. Cruz Cezar ef al . Petrópolis: Vo- 13. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução de
I zes, 1975. p. 93. ( N.T. ) . j Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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