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Primeira Parte
Namo Guru
Namo Buddha
Namo Dharma
Namo Sangha
Boa inspiração!
Lama Lhundrup
***¹
Pode ser que a nossa vida até o presente nos aborreça; pode ser que nossa
vida não seja assim tão má, que talvez tenhamos apenas uma impressão que
ela poderia ser mais útil; pode ser que nós nos achemos em plena crise e
estejamos desesperadamente a procura de uma saída; pode ser que estejamos
doentes e coloquemo-nos a pensar sobre a morte - pouco importa a situação
atual: o caminho começa justamente aqui. Não há nenhuma situação da vida
que não seja adequada para se interrogar profundamente sobre a vida. No
entanto, devemos aprender a nos relaxar um pouco. Isto porque, uma vez
distendidos, estamos mais bem dispostos para abordar este gênero de
questionamento com melhor clareza do que quando estamos pressionados e
tensos. A fim de nos distender, alguns minutos de pausa na vida
quotidiana são suficientes. O seguinte exercício é um primeiro ensaio.
Nós nos ocuparemos dos detalhes mais tarde.
2. Distender-se
***²
Na tradição tibetana tomamos o fio do caminho espiritual através das quatro contemplações que
desviam a mente das ocupações exteriores e a orientam para o essencial da vida:
• Contemplação da preciosa vida humana
• Contemplação da impermanência
• Contemplação das causas e efeitos (karma)
• Contemplação dos três tipos de sofrimento (samsara)
3. Desenvolver o reconhecimento
Preparação: Sentemo-nos novamente numa posição confortável. Respiremos inicialmente de
forma consciente durante um certo tempo, sem perseguir qualquer objetivo. Deixemos
nossos pensamentos seguirem livremente, isto é, não os persigamos, mas retornemos sempre
à respiração. Assim, regozijemo-nos simplesmente desse momento.
a) Em seguida, voltemos nossa mente para a pergunta: Por quais razões eu poderia sentir a
alegria e a gratidão neste momento? Muitas respostas podem surgir, pequenos detalhes, que
parecem ser quase sem importância, ou então, podem surgir fatos e condições muito
marcantes, que tornam nossa existência humana possível neste mundo. Tudo, mesmo o
menor detalhe, merece ser levado em consideração. Podemos igualmente - caso facilite
nossa reflexão- anotarmos num bloco de papel.
A almofada sobre a qual estou sentado foi confeccionada por uma pessoa, a casa foi
construída por alguém, os alimentos foram cultivados e preparados. Cada objeto tem sua
história, mesmo os maiores eventos como a guerra e a paz no mundo, as grandes invasões,
as descobertas...
b) A contemplação tradicional começa pela tomada de consciência de todas as condições
desfavoráveis das quais estamos livres. Reflitamos agora sobre a que ponto nossa vida
poderia ser mais difícil. Qual seria nossa situação, se isso ou aquilo não fosse possível?
______________________________
¹ As instruções tradicionais para gerar a gratidão encontran-se nos livros do Dharma, nos capítulos que tratam d « o precioso
corpo humano » ou d «a preciosa existência humana ( por exemplo o capítulo n° 2 de « O Precioso Ornamento da Liberação »
de Gampopa. Nele, primeiramente são explicadas as três liberdades e em seguida as dez condições favoraveis ou riquezas de um
nascimento humano, que representa todas as condições indispensaveis para a prtática do Dharma. E aconselha-vel estudar essas
instruções e integrá-las gradualmente na contemplação do exercício n° 3).
Em seguida, pensemos em todos esses seres que não são assim tão livres como nós.
Examinemos claramente com quais desvantagens ou limitações os outros seres estão
constrangidos a viver, e a que ponto, em tais condições, deve ser difícil para eles avançar no
caminho espiritual. E desejemos que eles possam delas se libertar.
c) Em seguida, desenvolvamos o reconhecimento de podermos gozar das liberdades
interiores e exteriores. Voltemo-nos para todas estas condições favoráveis que estão
reunidas para nos permitir estar agora aqui sentados e orientar nossa mente para o caminho
interior. Isso exige uma grande quantidade de fatores: é essencial estar gozando de boa
saúde e possuir uma mente aberta. Em particular, os ensinamentos sobre o caminho interior,
o Dharma, devem estar disponíveis e nossa situação atual deve estar apropriada à prática
espiritual. Pensemos nos numerosos seres que contribuíram para essa situação em que a
transmissão do Dharma nos é acessível - quanta gente, por exemplo, se empenhou para
salvaguardar os ensinamentos espirituais para as futuras gerações. Eles estudaram,
contemplaram e meditaram sobre o Dharma. Eles ensinaram, copiaram os textos,
traduziram e comentaram. Eles reuniram os discípulos em torno de si, construíram edifícios
e criaram estruturas apropriadas para a transmissão espiritual.
Às vezes, temos a tendência de nos queixar de todas as dificuldades que a vida nos propicia. Esta
contemplação nos ajuda a mudar nossa forma de ver - segundo o pensamento: "meu copo não está
vazio pela metade, mas cheio pela metade - ou então - quase cheio! Logo, finalmente, sou bastante
rico!" Assim, desenvolvemos a gratidão e uma grande alegria. Descobrimos que a nossa existência
humana é alguma coisa de muito preciosa, um presente magnífico, uma oportunidade.
Contudo, em que sentido nossa vida é um presente? Nem mesmo ainda elucidamos completamente
a questão relativa ao objetivo de nossa vida. É aconselhavel respirar profundamente e voltar ao
exercício n° 1, para o aprofundar .
Você está numa viagem de descoberta. Cada vez que fizer este exercício, descobrirá um novo matiz,
um novo plano de significados e experiências. Encontrará igualmente coisas bem conhecidas, mas,
a cada vez um aprofundamento ou um esclarecimento se manifestará. As respostas às suas
perguntas deverão ser descobertas por você através de sua prática pessoal. Por conseguinte, estes
ensinamentos explicarão apenas a maneira de proceder e como utilizar o material do ensinamento
tradicional. É preciso que esta se torne uma viagem de descobertas pessoais, senão faltará ardor,
“eletricidade” à sua prática. Esforce-se para procurar sempre mais longe, para examinar cada vez
mais claramente.
***³
Desenvolver a confiança
Para que esta viagem de descoberta no relaxamento da mente tenha sucesso, não basta reunir todas
as condições sobre as quais refletimos no exercício n° 3. É preciso ainda mais. Segundo Gampopa,
grande mestre do budismo tibetano, uma outra condição primordial é a confiança². Vários tipos de
confiança são necessários para seguir o caminho interior. Porém, antes de ocuparmo-nos desse
assunto mais precisamente, vamos aprofundar por mais tempo a nossa capacidade de relaxamento.
4. Aprofundar a capacidade de se distender através da respiração
Sente-se confortavelmente, se possível com as costas bem retas, mas ao mesmo tempo de
forma relaxada. Relaxe seus ombros e coloque suas mãos no colo. As pernas também devem
estar numa posição confortável, mantenha-se nesta posição sem esforço durante um certo
tempo. Para relaxar as tensões na nuca, recomenda-se fazer leves rotações da cabeça e dos
ombros. Relaxe os membros. Em seguida, fique na sua posição preferida e mantenha-a sem
se mexer - "como uma montanha".
Deixe entrar e sair a respiração. Sinta a respiração no baixo ventre. Seguindo os
movimentos do ventre, fique com o momento presente, tal como se apresenta. A fim de
tornar-se mais sensível aos movimentos de respiração, você pode colocar suas mãos sobre o
ventre. Não há nada a mudar na respiração. Se existem tensões no corpo ou na mente, você
pode usar a expiração para dissolvê-las. A cada respiração existe a possibilidade de se
distender dentro do espaço infinito - deixar-se simplesmente deslizar nessa dimensão vasta.
A inspiração vem automaticamente e, com a expiração nós podemos soltar as tensões. Em
seguida, pousamos nossa consciência no vai-e-vem da respiração, como se nós olhássemos
o vai-e-vem das ondas à beira do mar. Assim que tomarmos consciencia de haver
acompanhado um pensamento, voltamos calma, mas instantaneamente, à respiração.
O "não fazer nada" consciente
Não existem atualmente muitas pessoas capazes de ficarem tranquilamente sentadas durante quinze
minutos, sem conversar, sem ouvir o rádio, olhar a televisão ou ler, sem comer ou beber e sem
dormir. Ficar simplesmente sentados e nada fazer. Isso pode não ser assim tão difícil? Bem,
comecemos com cinco minutos. Cinco minutos sem fazer nada já mudam sua jornada. Esta
atividade de não fazer nada é consciente e voluntária e não prejudica. Ela desperta níveis de
consciência mais profundos, através dos quais retomamos em mãos o fio das nossas verdadeiras
questões. Sobretudo por enquanto, não chamemos a isso de "meditação" - para não fazer algo
considerado exótico ou um exercício altamente espiritual. Trata-se aqui simplesmente de não fazer
nada, livre de toda a distração que venha de fora. Não é necessário chamar a isso de meditação.
A prática de sermos conscientemente não-ativos é estreitamente ligada à confiança. Desenvolvemos
mais confiança em nossa mente, pois aprendemos a melhor conhecê-la e, com o tempo, nos damos
conta que não temos necessidade de abafar ou combater nossos pensamentos e nossas emoções.
Elas vêm e se vão por si sós. Progressivamente, percebemos que existe alguma coisa como uma
saúde natural em nossa mente na qual podemos confiar. Além disso, tomamos consciência de que o
mundo não desaparecerá por que de vez em quando ficamos alguns poucos minutos sem nada a
fazer.
Tente introduzir na corrente do seu dia alguns minutos de uma não-atividade consciente. É
muito refrescante e não pode ser assim tão difícil.
***4
_____________________________
² As instruções tradicionais relativas ao desenvolvimento da confiança encontram-se em « O Precioso Ornamento da Liberação » de
Gampopa nos capítulos n° 1 ( a natureza do Buddha), n° 2 ( os 3 tipos de fé ), n° 3 ( O amigo espiritual ), n° 20 ( a Buddheidade) e n° 21
(a atividade despertada )
Mais complexo é o exercício que vem a seguir. Nós iremos tentar desenvolver mais confiança no
fato de que um caminho espiritual é realmente possível. Para isso precisamos tradicionalmente:
- da confiança na base fundamental, nosso ser profundo (no nosso potencial mental, também
chamado de "a natureza de Buddha")
- da confiança no objetivo de nosso caminho espiritual ( na realização da budeidade)
- da confiança nos métodos e nos assistentes ao longo do caminho ( no Dharma e na Sangha).
Para desenvolver a confiança em nosso ser profundo, tradicionalmente são dadas instruções
relativas à natureza de Buddha, que está presente em cada ser. Este potencial é a base sobre a qual o
caminho interior se estende. A natureza de Buddha é também chamada "a causa" do despertar.
A confiança no objetivo é despertada pelas instruções sobre as qualidades da budeidade, o despertar
último como sendo o resultado do caminho.
A confiança nos métodos e nos assistentes ao longo do caminho a percorrer desenvolve-se
recebendo as instruções do Dharma e aplicando os métodos explicados, como pelo suporte sobre o
caminho dado pelos amigos, a Sangha. Todavia, é sobretudo a pessoa do mestre, nosso amigo
espiritual mais próximo, quem despertará essa confiança. Em resumo, isso corresponde às
indicações tradicionais para desenvolver a confiança.
Desenvolver a confiança na base, a natureza de Buddha
Queremos, agora, aprofundar o primeiro aspecto, a confiança no nosso ser profundo, a natureza de
Buddha.Comecemos com um exercício, no qual nós nos ocupamos diretamente de nossa própria
mente e examinanos o jogo interativo dos pensamentos e do espaço. Este exercício não se faz
apenas uma só vez. Ele nos acompanhará provavelmente durante anos, antes de termos obtido a
certeza relacionada às seguintes perguntas:
****5****
Desenvolver a confiança no objetivo, o Despertar Último
Agora, abordemos a confiança no objetivo. No exercício n° 1 vimos o sentido de nossa vida. Desta
feita, trata-se de sua aplicação, isto é, de olhar mais de perto qual direção deve tomar a nossa
prática espiritual, e se o caminho é realmente praticável. É muito importante ter uma concepção
clara do lugar onde queremos ir, da mesma forma que para uma viagem. Se não tivermos um
objetivo claro tornar-nos-emos um briquedo de nossos impulsos, seguindo às vezes numa direção,
às vezes por outra. E quando obstáculos surgirem, nós mudamos de estrada. Por outro lado, ter um
objetivo claro dá força e direção.
Cada um de nós suspeita que não é desejável precipitar-se em aceitar um objetivo espiritual, de
deixar-se submergir simplesmente. Acaso aceitaria, nessa expedição chamada "vida", de tal
importância, objetivos que se colocam diante do seu nariz, simplesmente como uma receita?
Certamente que não. Devemos ser muito claros neste assunto. Porém, os outros podem nos ajudar.
1
Cada livro do Dharma é basicamente uma exposição da visão e da conduta despertada. As qualidades de um
Buda ou de um Bodhisattva são explicadas nos capítulos sobre a bodhicitta (capítulo n° 10, 11), sobre as
qualidades liberadoras (as paramitas, capítulo n° 12 a 17) e sobre a budeidade (capítulo 20,21) em "O
Precioso Ornamento da Libertação", de Gampopa
2
. A descrição da vida dos mestres despertados encontra-se, por exemplo, em "Cem Mil Cantos de Vajra", de
Milarepa, e na descrição da vida do Buda Shakyamuni, de Thich Nhat Hanh. ****6****
7. Que lugar ocupa a apreensão egoísta( relação autocentrada) ? 3
Observe novamente a lista das qualidades e das imagens modelares que você anotou. Quais
destes objetivos são egoístas? Assinale-os. Existe, entre as que você anotou, idéias relativas
aos objetivos ou qualidades que não estão ligadas à apreensão egoísta? A mesma qualidade
pode ser egocêntrica e às vezes não-egoísta? O que faz a diferença? Existe alguma vez em
nossa vivência um estado livre da apreensão egoísta? Medite a respeito destas questões.
Você notou? Como pessoa egocentrada parece praticamente impossível experimentar uma só
qualidade completamente isenta da apreensão egoísta ou mesmo pensar em uma vida livre da lógica
egocentrada. Pois, estar livre da apreensão egoísta signfica não apenas estar livre de um interesse
pessoal, mas também não estar sob o domínio desse sentimento do "eu". Mesmo as qualidades tão
supremas como o amor, a sabedoria e a compaixão tomam facilmente uma coloração da tinta da
apreensão egoísta : "eu amo"; "eu, que sou tão sábio"; "eu, que experimento compaixão". É um
verdadeiro dilema que parece difícil de resolver. Estaríamos quase prontos a ceder a esse dilema e
nos acomodarmos à idéia de ficamosr para sempre nas estruturas da apreensão egoísta. Mas, os
caminhos espirituais nos ensinam como sair desse impasse. Sobretudo o Buddha tomou por tarefa
descrever-nos em detalhe os meios de dissolver essa lógica egocentrada.
Porém vamos inicialmente dar um passo atrás. Antes de mais nada, devemos claramente determinar
se é isto que nós queremos realmente - isto é, se a dissolução da apreensão egoísta constitui
verdadeiramente o objetivo de nosso caminho espiritual ou não. Dado que esta é uma questão
crucial, vamos consacrar-lhe um outro exercício.
****7****
3
Com relação à apreensão egoísta, existem mais detalhes em todas as instruções do Lama Guendune Rimpoché.
8. Examinar mais de perto a apreensão egoísta (relação autocentrada)
Afim de que as qualidades desejadas tornem-se verdadeiras qualidades espirituais, é preciso
que elas sejam isentas de toda lógica egocentrada. Você está de acordo com este
comentário?Tome um tempo para meditar a respeito. A lógica egocentrada e a
espiritualidade ficam bem juntas? Quero mesmo dissolver a lógica egocentrada no meu
caminho? Porque é vantajoso estar livre da apreensão egoísta? Em que consistem as cadeias
da apreensão egoísta? A lógica egocentrada é realmente a raiz de todas as emoções e
sofrimentos, como o Dharma pretende?
A lógica egocentrada significa que é o "eu" que está no centro. "Eu quero, eu não quero". O
"eu" reina e cada situação é observada do ponto de vista do "eu": como posso eu tirar
proveito da situação? Do que é preciso que eu me proteja? Tudo, os obejtos como todos os
seres, é examinado pelo "eu". "Isto ou aquilo pode ser-me útil ou proporcionar-me uma
sensação agradável? Existe algum perigo para mim? Isto poderia resultar em qualquer coisa
de desagradável? "Estamos sempre em vias de inspecionar tudo e todo o mundo, tomados
permanentemente em um processo dualista: eu e o meu redor. O "eu" coloca-se
constantemente em relação com alguma coisa que é o "outro". "Essa coisa representa uma
ameaça para o meu território, ou eu posso tirar proveito dela?" Com uma tal atitude
egocentrada estamos continuamente sob tensão. Tal tensão é expressão do apego e da
aversão, bem como a fonte de todas as emoções.
Se você acha que a libertação da apreensão egoísta é verdadeiramente merecedora de esforços para
ser atingida, o caminho do Dharma é seguramente feito para você. Se, na sua lista do exercício n° 6,
você escreveu após cada qualidade que você considera digna de ser adquirida as palavras "livre de
toda apreensão egoísta", estas qualidades tornam-se qualidades de Buddha. Mesmo se
originalmente nós anotamos qualidades mundanas, tais como o poder, a riqueza ou a beleza, elas
tornam-se por tal importante precisão qualidades de um Buddha, qualidades de um ser
completamente despertado, livre de todos os véus da apreensão egoísta. Mesmo a cólera pode
tornar-se uma qualidade de Buddha se estiver livre de toda a apreensão egoísta. Ela mantém seu
poder, mas é impregnada de compaixão.
Mas, voltemos agora à nossa preocupação inicial: despertar a confiança no objetivo do caminho.
Para isso definimos inicialmente, no exercício n° 6, nosso objetivo pessoal, retratado por todas as
qualidades que nós anotamos. Em seguida, servimo-nos de instruções tradicionais e refinamos a
definição do objetivo esclarecendo o papel da apreensão egoísta nos exercícios n° 7 e 8.
Provavelmente, você chegou agora a um ponto onde pode dizer: "é verdade, as qualidades que
anotei não se desenvolverão em toda a sua força se não estiverem livres de toda a apreensão egoísta.
Aceito este complemento."
Afim de estarmos ainda mais seguros de nosso objetivo espiritual, podemos comparar as idéias
formuladas com aquelas de outros caminhos espirituais. Existe alguma coisa de essencial que não
tínhamos ainda levado em consideração? Tenho ainda dúvidas? Se sim, guarde-as na memória a fim
de poder procurar as respostas que você busca.
De todo modo, determinaremos nosso objetivo ainda mais ao longo do caminho, porém nossa
principal orientação pessoal está agora precisa. Nosso intelecto tem agora o direto de repousar, após
este trabalho exigente. Já estabelecemos uma base sólida para nossa confiança ao definirmos nosso
objetivo. Exploramos toda a extensão de nossa consciência e levamos em consideração nossas
dúvidas.Por agora o intelecto não pode ir mais longe.
****8****
Todavia, além da confiança na definição do objetivo é preciso igualmente um pouco de confiança
para acreditar que esse objetivo é acessível. Tal confiança, tão essencial, de que o caminho seja
praticável, surge graças a encontros pessoais com mestres, que - segundo nossa visão - realizaram o
objetivo. A confiança sobrevem espontaneamente assim que nós os encontremos, ou mesmo, se
escutamos falar deles ou lemos textos a seu respeito. A cada encontro, a confiança cresce um pouco
mais: frequentemente temos de início uma atitude crítica, mas os encontros repetidos com um
mestre autêntico fazem desenvolve-se mais e mais a confiança.
Muitas pessoas gostariam de achar um caminho interior e encontrar um mestre autêntico; contudo,
suas experiências anteriores demonstram que elas não podem confiar totalmente nos outros. Mesmo
aqueles que se dizem mestres espirituais revelam-se duvidosos, assim que os olharmos mais de
perto. Entre aqueles que buscam, alguns podem já ter abandonado a esperança de achar um mestre
inteiramente digno de confiança sobre esta terra. Mas eles existem! Poder encontrá-los e constatar
que sua conduta, seu amor e sua sabedoria são realmente equivalentes àquilo que nós definimos
intelectual e intuitivamente como sendo nosso objetivo, dá a confiança no objetivo.
O terceiro tipo de confiança que é mencionado é a confiança nos métodos que nos servirão de
suporte, a fim de percorrer o caminho até o fim. É evidente que esses métodos devem nos parecer
indubitáveis, pelo menos em parte. No entanto, a maneira de desenvolver uma confiança certeira é
aplicá-los e verificar sua eficácia. É indispensável aplicar as instruções do dharma exatamente como
são explicadas. E ao obtermos os resultados de nossos esforços, desenvolvemos a confiança. A
confiança deve ser baseada nas experiências pessoais. Devemos colocar o Dharma à prova de
nossas experiências. A viagem de descoberta do caminho interior tem lugar na nossa própria mente.
Não há outro laboratório para pesquisa dos valores espirituais. Nossa confiança nos métodos cresce
com cada instrução que aplicarmos com sucesso em nós mesmos. Desse jeito, cresce paralelamente
nossa confiança nos amigos espirituais, a Sangha; pois experimentamos que os conselhos ajudam
realmente. Todavia, é preciso munirmo-nos de paciência neste caminho. O que importa é uma
prática contínua.
Após tantas palavras a respeito da base, do caminho e do objetivo é bom mencionar, em segundo
lugar, que nada disso existe finalmente. No momento que praticamos o caminho de maneira
autêntica, a base (a natureza de Buddha), o caminho (o Dharma) e o objetivo (a budeidade) são
indissociadas. Mas, o fato de que é necessário exercitar-se muito para poder praticar
verdadeiramente o Dharma de maneira autêntica, nos permite falar de um caminho com um objetivo
que se apoia sobre uma base.
****9****
Aqui, é preciso advertir que o Dharma não pode ser um simples conhecimento livresco com o qual
se atavia como uma nova roupa. Isso propicia apenas uma aparência de Dharma ,um Dharma-look,
muito chique com muitos conhecimentos teóricos mas sem liberação da apreensão egoísta. No
entanto, o primeiro contato com o Dharma passa, quase que inevitavelmente, pela leitura. Por essa
razão um pequeno exercício:
9. A leitura contemplativa
Cada linha dos textos do Dharma existe para ser tomada de coração e ser aplicado, não em
relação aos outros, mas sim a nós mesmos. Dedique-se, então, a ler atentamente e meditar
sobre o sentido. Uma frase ou um parágrafo é suficiente amplamente, em regra geral. Uma
leitura atenta e contemplativa constitui uma parte improtante da prática espiritual. Existem
duas maneiras de ler desta forma.
a) Escolhamos um livro do Dharma, coloquemo-no aberto diante de nós e leiamos algumas
linhas, no máximo um parágrafo de uma passagem interessante. Paremos, fechemos
eventualmente os olhos um instante e perguntemo-nos: qual é a relação entre essas
linhas e eu, a minha situação atual?Qual é o sentido profundo dessa passagem? O que
devo mudar se admitir as verdades ali exprimidas? Coloque cada passagem, mesmo
aquela mais abstrata, diretamente em relação à sua vida. Assim, você irá tirar o máximo
proveito das instruções.
b) Em outros momentos, não nos sentimos prontos para este estilo intenso de leitura. Então,
lemos simplesmente com o desejo de que o texto tenha sobre nós uma influência benéfica
e que o nosso espírito se acalme e se abra. Lemos sem ativar especialmente nosso
intelecto. Para tanto, os textos que já conhecemos são particularmente adequados.
A leitura dos textos do Dharma deveriam estimular uma mudança pessoal. Uma tal leitura não deve
ficar sem consqüências, pois o Dharma não é um jogo intelectual. O Dharma deve ser aplicado; não
é apenas uma matéria a conhecer. O Dharma é a descoberta da verdade em nós. Não podemos de
fato dizer, como escutamos por vezes, que se trata de "integrar o Dharma". Isso dá a impressão de
que o Dharma seria alguma coisa separada de nós. Trata-se, sim, de aplicá-lo em nós a cada
situação.
O Dharma é o potencial liberado de cada situação, de cada pensamento. Trata-se de descobrí-lo.
Dharma é uma palavra do sânscrito e uma de suas dez definições é "verdade".4 A verdade não é
separada de nós. Ela não é o bem de uma cultura ou de um ser humano. Não podemos nos apropriar
dela.
E isso não se passa assim, que ao reconhecermos a verdade, ela torna-se nosso bem, de uma vez por
todas. Cada situação é novamente um desafio para entrar em contato com o Dharma, que é inato. A
realização da verdade é um processo permanente. Durante esse processo, a leitura dos textos do
Dharma e a troca com os amigos do Dharma e mestres asseguram um suporte considerável. Dessa
maneira aumentamos a compreensão do funcionamento da mente, de nossas emoções, relações
inter-humanas e, paralelamente, do caminho para a liberação. Quando a compreensão cresce, a
confiança na base, o objetivo e o caminho se amplificam.
4
Dharma em sânscrito tem vários significados: lei (direito, justiça), verdade, costume (tradição), dever
(obrigação), virtude, fenômeno (coisa), característica (atributo, particularidade), prática (método), doutrina
(teoria), ensino (caminho religioso)
A contemplação de impermanência
No início, no exercício n° 3, tomamos conhecimento da possibilidade de apreciar mais nossa
situação atual.. Era a contemplação da qualidade preciosa de cada situação. Agora, passaremos à
segunda das quatro contemplações tradicionais, a qual nos familiariza com um outro aspecto de
nossa vida: a impermanência.5
Provavelmente, você agora precisa de uma pausa. Quando você se sentir de novo em forma, poderá
retomar o exercício n° 10 e, em seguida, passar ao exercício n° 12.
*****11*****
5
As instruções a respeito da impermanência são encontradas em quase todos os livros do Dharma. Uma
descrição bem estruturada está no capítulo n° 4 em "O Precioso Ornamento da Liberação".
Quando você se sentir de novo em forma, poderá retomar o exercício n° 10 e, em seguida, passar ao
exercício n° 12. Este exerício levanta um outro aspecto da impermanência:
*****12*****
Retome a prática com o exercício n° 10 a fim de continuar com o exercício n° 13.
Você precisa de uma pausa? Relaxe um pouco, beba água e continuamos em seguida:
*****13*****
14. A impermanência das experiências mentais.
Mesmo os pensamentos e sensações de nossa mente são todos impermanentes. Chegam e vão
sem cessar. Nada persiste, nem os bons sentimentos, nem as sensações desagradáveis. Eles
não se deixam aprisionar. Quanto mais nós nos distendemos, mais experimentamos o vai-e-
vem dos pensamentos como sendo simultâneos: nascimento e morte no mesmo instante.
Quem irá desgastar-se para reter pensamentos e sensações? Mas, não é examente isso que
fazemos?
A contemplação da impermanência de todas as coisas nos permite largar o nosso apego às coisas
aparentemente concretas. A vida inclui a impermanência e a morte. Se nunca nada mudasse, como a
vida poderia existir? O mundo seria rígido e esclerosado. Para que haja vida é necessário mudar. Se
nos conscientizarmo-nos da impermanência de nossa situação, tentaremos nos servir de cada
situação impermanente da melhor forma. Quem sabe se amanhã a mesma possibilidade de praticar o
Dharma se apresentará ?
Não se aconselha adiar o percurso do caminho interior para amanhã, senão, de repente, a morte se
manifestará e nós não estaremos preparados. A prática do Dharma - e sobretudo a contemplação da
impermanência - vai facilitar encarar a morte. Seria bom viver cada dia consciente que hoje poderia
ser o último dia de nossa vida. Isso não é uma visão pessimista da vida, mas vinda de um realismo
franco, que tem a faculdade de liberar muita energia. Assim, faremos o que nos importa mais e não
desperdiçaremos tempo com coisas insignificantes.
Guardar a morte como nosso perpétuo companheiro na mente, é confirmadamente de uma grande
ajuda no caminho espiritual. Pensar na morte nos ajuda a largar o apego aos amigos, à família, aos
divertimentos e aos bens, mesmo o apego ao nosso corpo e a tudo aquilo com que nos
identificamos. Por que de tudo isso nada subsistirá uma vez que estejamos mortos.
*****14*****
O que é que permanece mesmo na morte? O que é que nos acompanha na próxima vida? Não
sabemos. Evidentemente, a esse respeito, há ensinamentos de mestres despertados. Eles dizem que
restam apenas duas coisas: (a) tudo aquilo que elaboramos em compreensão e em qualidades e (b)
tudo o que edificamos em forças e tendências cármicas.
A contemplação das causas e efeitos, o karma
Para entender o Karma, não é necessário especular sobre as vidas futuras. Podemos atingir a
compreensão do Karma observando, por exemplo, as tendências com as quais as crianças chegam a
este mundo. As crianças são todas diferentes, e isso desde o dia que nascem. Qual é a causa? Pode
ser que isso dependa de sua história anterior? O que é que formou sua mente até aqui? Quais são as
tendências que elas trazem a este mundo? Como nós mesmos nos tornamos tal como somos agora?
Examinemos estas questões olbservando quais são as forças que condicionam nossa situação atual e
quais são as forças que determinarão o porvir. Pelas contemplações precedentes desenvolvemos
uma apreciação da qualidade preciosa e da impermanência de nossa situação. Agora, trata-se de
reconhecer as forças que nos preparam e nos formam. Chamamos a isso tradicionalmente a
contemplação do karma.6
Karma é uma palavra do sânscrito que significa « ação ». Inclui, igualmente, num sentido mais
amplo, a conseqüência dos atos. A palavra Karma, tal como a empregou Budhda, engloba atos
cometidos tanto pelo corpo, como pela palavra e pela mente. Os atos físicos, as palavras e os
pensamentos são, todos os três, « atos » no sentido búdico, pois eles possuem efeitos sobre nós e os
outros. São a força geradora de nosso mundo. O que nós vivemos e a maneira como vivemos são a
conseqüência dos atos do corpo, da palavra e da mente que nós ou outros cometeram. Vamos
examinar isso mais de perto num exercício :
6
Você encontrará ensinamentos sobre o karma em todos os livros budistas.
ações concretas estão mais à mão. No entanto, a partir do momento em que olhamos mais de perto,
aparece claramente a que ponto os pensamentos são decisivos para nossa orientação espiritual e
nossa motivação.
Cada ação física é antecedida de pensamentos. Elas são todas planejadas e ainda acompanhadas por
pensamentos. Pode-se quase dizer : « os pensamentos criam o mundo». Porém, o Buddha precisou
mais : « as ações criam o mundo». Pois os pensamentos, os atos mentais por si sós, sem atos da
palavra e do corpo, não podem tudo engendrar.
O fato de que uma mesma situação seja vivida de maneira diferente por cada participante e, às
vezes, surpreendentemente diferente, mostra a que ponto os pensamentos são importantes. Isso é
verdadeiro mesmo se todo mundo estiver fazendo a mesma coisa, ou dividindo os mesmos valores e
as mesmas responsabilidades. Mesmo se diferentes pessoas têm a mesma orientação interior, a
mesma motivação e as mesmas prioridades, elas percebem sempre a mesma situação exterior
diferentemente. A que se deve isso ? Deve-se à história prévia de cada um, às forças que agem na
pessoa ; pois nossa percepção de uma situação está impregnada pelos nossos pensamentos, nossas
ações e experiências precedentes. Ela é o reflexo do nosso karma, da nossa atividade anterior e das
tendências que nele resultam.
*****15*****
Até aqui o karma é relativamente fácil de compreender. Mas porquê, por exemplo, « meu karma »
é ficar doente ? Essa pergunta não podemos respondê-la que não seja na medida onde nossa
memória nos permite descobrir relações significativas. Se resfriei-me porque ontem eu saí
insuficientemente agasalhado, parece evidente que colho agora o fruto de minha estupidez. A coriza
é, neste caso, realmente a conseqüência visível de um ato que cometi. A mesma coisa é válida no
caso de um acidente de automóvel, se negliciarmos revisar os freios. O acidente é a conseqüência de
minha própria ação, de andar com um carro que está defeituoso.
Bem mais complicado verifica-se a questão do karma em relação a acontecimentos com os quais,
aparentemente, não contribuimos ; por exemplo, um acidente de avião onde somos apenas um dos
numerosos passageiros ou a morte de um recém-nascido que acaba de vir ao mundo. Aqui há
limites impostos à nossa compreensão. Não vemos as relações. Provavelmente, por que nossas
visões e lembranças são limitadas a esta vida. Se nós pudéssemos ver mais longe veríamos essas
relações. Porém, não temos a visão de um ser despertado. A capacidade limitadade nossa memória e
as experiências desta vida bastam, no entanto, amplamente para compreender os princípios de base
das conseqüências dos atos cometidos.
Nossa experiência pessoal prova-nos que as ações altruístas liberam alegria entre a maioria das
pessoas. Quanto mais cometermos esses atos, mais seremos felizes. Eles mudam nossa mente e
nossa situação. Mesmo que os efeitos não sejam sempre visíveis imediatamente, eles aparecem da
mesma forma, quase sempre, nesta vida. É extremamente raro que alguém só faça coisas positivas,
e só lhe aconteçam coisas desagradáveis.
Da mesma forma, nós experimentamos que as ações egocentradas, ou desprovidas de atenção para
com os outros, estreitam a extenção da mente, a nossa como a daqueles que nos cercam, e provocam
tensões. Quanto mais cometermos esse gênero de atos, mais nos tornamos egoístas e morosos. Tais
atos são diretamente (para os outros) e indiretamente (para nós mesmos) fontes de sofrimento. Eles
têm a faculdade de nos proporcionar satisfação e felicidade por um curto momento, porque nós
satisfizemos um desejo pessoal. Contudo, essa felicidade é efêmera e se transforma freqüentemente
e de forma rápida em descontentamento e negatividade. É extremamente raro que alguém que tenha
realizado apenas coisas negativas venha a provar da felicidade e que esta perdure.
O amadurecimento dos frutos de nossos atos é uma questão de tempo. Os atos egocêntricos
propiciam o sofrimento, os atos altruístas propiciam a felicidade, os atos mistos têm efeitos mistos,
parcialmente agradáveis e parcialmente desagradáveis.
Se seguirmos um pouco essa reflexão, torna-se evidente que o presente é o fruto do passado – e o
porvir será fruto de nossas ações presentes, em relação a todos os atos do passado que ainda não
atingiram a maturidade de suas conseqüências.
− Ao orientar todas as nossas ações para um objetivo altruísta e beneficente, estamos fazendo
crescer a porção das forças aportam felicidade no seio do potencial global de todas as forças
que determinam o porvir.
− E, à medida que nós aceitemos nossas dificuldades e não reagimos com uma atitude negativa
recidivante, a porção das forças aportam o sofrimento diminui.
Se compreendermos isso poderemos forjar nosso destino nós mesmos. Isso exige apenas um pouco
de perseverança na aplicação do que é positivo e de paciência quando é necessário suportar coisas
desagradáveis. Assim nos tornaremos o « forjador de nossa felicidade » ; todavia, nenhuma
felicidade da qual nos glorifiquemos, mas uma felicidade saída da dissolução progressiva da lógica
egocentrada.
Contemple ainda uma vez nesse sentido. Verifique quais são as perguntas que ficaram sem
respostas. Fale, eventualmente, com um lama. Os efeitos interativos do karma não são fáceis de
compreender. Diz-se que só um Buddha seria capaz de reconhecer toda a sua extensão. No entanto,
não temos necessidade de esperar até a budeidade para fazer um inventário de nosso estoque
kármico. Encontramos em nossa vida, em nossa memória, suficientes indicações para reconhecer o
tamanho da carga do karma negativo a ser purificado e daquela relativa ao tesouro sobre o qual
podemos construir :
O inventário de nosso estoque kármico
Para as contemplações seguintes é igualmente requerido que se distenda durante alguns
minutos e os faça preceder por um momento sem fazer nada. Logo após, reflitamos sobre as
perguntas seguintes e voltemos, para isso, até a nossa infância.
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17. Os atos cometidos pela palavra
Durante uma outra contemplação, olhemos todas as tendências que se manifestam na nossa
forma de falar. Vamos examinar os quatro tipos de ações ligadas à palavra que são
enunciadas tradicionalmente e inspecionar escrupulosamente de que maneira nós nos
servimos das palavras :
a) Menti ou falei franca e honestamente de coração aberto ?
b) Discuto freqüentemente, insulto os outros com palavras grosseiras e ofensivas ? Denegri
ou difamei outras pessoas, lhes desacreditei abertamente e as envergonhei? Ou pronunciei
palavras reconfortantes e delicadas, reforçei por minhas palavras as qualidades dos outros e
enunciei críticas apropriadas, levando socorro ?
c) Causei intrigas, separei amigos por observações, semeei disputas e falei mal de
terceiros ? Ou tive uma influência harmonisante, fiz cessar disputas tentando suscitar a
compreensão para com terceiros ?
d) Desperdicei tempo em tagarelices inúteis, em mexericos e brincadeiras duvidosas ? Ou
falei de coisas sensatas, respeitei a intimidade de outros e mantive um bom humor ?
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18. Os atos cometidos pela mente
A seguir, olhemos nosso mundo de pensamentos e emoções. Quais são os impulsos kármicos
que temos depositados em nossa mente ? Examinemos os três domínios clássicos de
atividades doentias da mente : a maldade, a avidez e as visões errôneas bem como as cinco
emoções : a ignorância, o desejo, o ódio, o orgulho e a inveja.
a) Meus pensamentos são ou foram impregnados de maldade ? Fui ou sou bastante
rancoroso, cheio de cólera e de intenções malévolas ? Sou impaciente, irritadiço, deprimido
e introvertido ? Que pensamentos plenos de ódio tenho tido ? Guardo ressentimentos por
longo tempo ? Ou melhor, tenho uma propensão pela reconciliação, pela clemência e pela
paciência ? Sou afetuoso e compassivo, alegre e aberto ? Posso facilmente perdoar ?
b) Meus pensamentos são ou foram impregnados de avidez ? Sou invejoso do bem dos outros
e de suas qualidades ? Quero tudo para mim ? Tenho ambição e cobiça ? Ou ofereço aos
outros o bem, a felicidade e o sucesso ?Fico sinceramente contente quando os outros fazem
o bem, quando tudo vai bem para eles e que eles estão felizes ? Amo dividir meus bens com
os outros e renuncio com prazer quando eles querem obter qualquer coisa ?
c) Meus pensamentos estão ou foram impregnados de visões errôneas ? Mantenho
obstinadamente dogmas e dou ordens aos outros sobre o que eles tem que pensar ? Sou
arrogante, sempre persuadido de ter razão ? Meu amor próprio é facilmente ferido ? Ou
deixo que me digam coisas e aceito a crítica ? Estou pronto a examinar minhas opiniões e a
mudá-las ? Minha mente é aberta e pronta para adotar novas maneiras de ver ? Sou capaz
de ficar na sombra, de não ser aplaudido e glorificado ?
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Observando mais precisamente, a questão seguinte se coloca :
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Existe um outro aspecto de nossa revisão kármica, que merece ser levada em conta, que é a
interrogação sobre a negatividade latente em nós. Ocupamo-nos já do potencial positivo em nós, ou
seja, das qualidades da natureza de Buddha que são a expressão espontânea da mente livre da
apreensão egoísta, como a sabedoria, o amor, a compaixão, a devoção, etc. Porém, o que é a
expressão « espontânea » (ou melhor, automática, compulsiva) da mente impregnada da apreensão
egoísta, quando ela é submetida a pressão por circunstâncias específicas?
20. Que atos negativos sou potencialmente capaz de cometer ?
Com tal contemplação, deixemo-nos deslizar num jogo de pensamentos desagradáveis. Por
favor, não se engage a não ser que sinta-se pronto e se compreender bem o sentido da
pergunta.
Imagine as piores situações que poderiam provocar nosso ódio, medo, avidez, orgulho e
inveja. Como agiríamos nós se em uma tal situação nossos pontos emocionais mais sensíveis
fossem tocados ?Podemos nos imaginar batendo em alguém ? Podemos visualizar situações
onde nós pegaríamos em armas ? A que ponto será preciso nos perseguir para que estejamos
prontos para matar ? Talvez, em sonho, já tenhamos matado alguém ? Temos tido já
fantasias de assassinato ou uma cólera quase mortal ? O que será necessário para que nos
levem a roubar, violar, torturar mentir, provocar disputas ou a guerra ?
Provavelmente, a maior parte dessas ações não as cometemos, mas é possível, imaginável, que nós
poderíamos cometer ou que nós cometemos em vidas anteriores. Se cremos nos Buddhas, temos já
um número incalculável de vidas atrás de nós e temos estado implicados em praticamente todas as
situações imagináveis.
Nossa vida atual – as tendências manifestas nos sonhos fazem parte igualmente– é como um
espelho de nossas ações do passado. Esse espelho revela muitas das nossas tendências kármicas,
mas não todas. Diz-se que uma boa parte do nosso potencial kármico fica atualmente impenetrável
para nós, pois as condições, que tornariam sua aparição possível sobre o espelho, não estão reunidas
atualmente.
Nosso « fardo kármico » é constituído de forças que foram postas em ação por nossos atos
egocentrados e nefastos, e nosso « tesouro kármico » é constituído de forças que resultam de nossos
atos altruistas e benfazejos. É aí que se acha a nossa sorte : temos a escolha de reforçar tal ou tal
tendência. Aí está a nossa liberdade. No entanto, as dificuldades encontradas no caminho que
escolhemos demonstram igualmente nossa falta de liberdade, pois somos muito facilmente
arrastados pelas tendências egocêntricas, profundamente enraizadas em nós. É preciso desenvolver
uma força para poder resistir !
O caminho da liberação consiste em cultivar o treinamento da mente, a distensão e a compaixão. É
isso que nos permite realizar mais e mais ações benevolentes. Quando a energia positiva cresce, o
caminho se torna mais fácil. Não somos mais prisioneiros dos esquemas coalhados de reações
emocionais.
Se examinamos a vida através dos últimos exercícios e se nos medimos a que ponto somos
prisioneiros de nossas emoções, a liberdade humana, tão venerada, nos parece uma farsa. Assim que
uma coisa agradável se manifeste na mente nós nos apegamos a ela, e assim que uma coisa
desagradável aparece nós reagimos com aversão. Isso ocorre tão rapidamente que não temos
escolha. Pelo menos, assim parece. Felizmente, entretanto, temos a possibilidade de « fechar a porta
com nossos pés », antes de deixarmo-nos levar ; veremos isso mais tarde, na segunda parte. Antes
porém trata-se de completar ainda a nossa análise da situação presente.
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A contemplaçãodos três tipos de sofrimentos no samsara
O Buddha chama esta vida, com suas estruturas coercitivas de reações emocionais, de « samsara » -
o que é geralmente traduzido como « ciclo de existências ». Isso significa : girar perpetuamente em
círculos em diferentes mundos de existência, todos eles marcados por uma falta de liberdade e pelo
sofrimento – vidas após vidas7. Quando o Buddha começou a ensinar, ele abriu de imediato os olhos
de seus auditores a fim de reconhecerem sua situação real – e, em seguida, demonstrou-lhes o
caminho da liberação. Chamou esta análise de base de nossa situação a « verdade do sofrimento » .
Nela, ele via mais longe que os seres ordinários, que legitimamente – mas talvez um pouco mais
rápido, demonstravam que ele tinha igualmente muito prazer e liberdade nesta vida. O Budhda foi
uma pessoa bastante alegre e percebia bem todos os aspectos maravilhosos da vida. Apenas, para
conduzir os seres sobre o caminho da liberação, ele institiu sobre o fato que seus discípulos
deixassem de se iludir, e lhes ensinou os três tipos de sofrimentos que marcam o samsara. O
segundo e o terceiro tipos de sofrimento são igualmente válidos para situações que são
subjetivamente vividas como situações extremamente felizes – um fato difícil de aceitar para muita
gente.
Para uma compreensão do que foi exposto concernente aos três tipos de sofrimento, não é
necessário crer no renascimento ou na existência de outros domínios de existência. Podemos
realizar essa análise búdica durante uma contemplação pessoal. Para fortalecer nossa motivação
sobre o caminho, examinemos nossa vida sob o ângulo dos três tipos de sofrimento : o sofrimento
devido a experiências desagradáveis, o sofrimento devido à mudança das situações agradáveis e o
sofrimento devido à apreensão dualista inerente.
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7
Os três tipos de sofrimento são explicados no capítulo n° 5 do « Precioso Ornamento da Libertação ».
Há muito desse sofrimento tangível, mesmo se as situações particulares podem ser liberadas de
sofrimento durante curta duração. Essas situações, aparentemente livres de sofrimento, nós as
chamamos de situações de felicidade. Elas são agradáveis ou, pelo menos, não desagradáveis. No
entanto, elas fazem-nos viver uma forma de sofrimento que chamamos de « sofrimento devido à
mudança ». Isso surge em razão da nossa falta de compreensão da impermanência. Uma
contemplação torna-a mais acessível :
Sim, efetivamente é pedir muito estarmos completamente livres do apego e das esperanças. Esta é
uma questão retórica. Mesmo aquele que encarou freqüentemente as profundezas do abismo da
impermanência, ainda saboreia as circunstâncias agradáveis e frequentemente digere menos bem as
dificuldades. Isso constitui o segundo tipo de sofrimento, o qual é inato a todas as situações
agradáveis e mutáveis quando estamos apegados a elas. Se formos conscientes da impermanência
da situação, nosso apego diminuirá e, logicamente, também o nosso sofrimento por causa dessa
impermanência indesejada, que lhe é associada.
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O terceiro tipo de sofrimento, o sofrimento devido à apreensão dualista inerente, não é percebido
pela maioria das pessoas. O desejo de querer liberar-se desse sofrimento manifesta-se, por vezes,
através do desejo que querer unir-se, fundir-se e experimentar a união total, um estado onde a
separação entre eu e o outro se dissolve. A experiência da separação e seus efeitos representa o
terceiro tipo de sofrimento.
Mesmo o praticante da meditação não consegue discernir de imediato essa separação como um
sofrimento. Nós não nos damos conta imediatamente a que ponto esse dualismo esconde o
sofrimento. O praticante da meditação (aquele que, conscientemente, nada faz) percebe apenas que
em sua mente existe um observador que comenta, julga e tudo examina. Sob diversos pontos de
vista, esse observador é o que poderíamos chamar de nosso ego. Ele é ativo de múltiplas maneiras.
Vamos inspecioná-lo mais de perto :
23. O sofrimento devido à apreensão dualista – o observador
Deixe sua mente repousar até que esteja relativamente calma. Quando ela estiver relaxada e
voce consiguir olhar e escutar seus pensamentos, você tem consciência do observador ?
Nessa turbulência de pensamentos, há aqueles que dizem : « eu medito », outros dizem : « eu
não deveria pensar tanto » ou « eu estou muito excitado », « que calma bonita », etc.
Continue a deixar a mente num estado calmo e distendido, segundo a sua capacidade. Se
você observar mais precisamente, pouco a pouco irá descobrir que essa sensação de um
« eu » representa um estado contínuo de tensão. Tudo é observado, julgado, classificado.
Esse « eu » está sempre à espreita e é constantemente ativo. Nada escapa a esse vigia.