Você está na página 1de 4

Revoluções

Eduardo de Oliveira Tavares

“Mas, simultaneamente com o racionalismo, surgiu a invenção da máquina a


vapor, que revolucionou tudo e modificou fundamentalmente o quadro
económico do mundo. Até então, a Natureza prestara certos serviços. Daí em
diante é submetida ao jugo, qual escrava, e seu trabalho é medido – parece
sarcasmo – por cavalos de força. O que se desenvolve, no decorrer de um
século apenas, é um espetáculo de tamanha grandeza que os homens de
culturas vindouras, com outra alma e paixões diferentes, deverão ter a
impressão de que, naqueles dias, a Natureza ficou abalada.”
Osvald Spengler1

Do mesmo modo em que, com respeito ao tema do Renascimento, nos


debatemos como as dificuldades de delimitação de conceitos e periodização história,
assim teremos que começar por dizer que os conceitos de revolução, seja industrial,
social, agrícola, ou outra, são questionáveis, e questionadas 2…. Começámos assim, pela
citação de Spengler, que tem da história uma visão algo distante dos caminhos mais
comuns, com uma linguagem e categorizações muito próprias. Interessou-nos sobretudo
por isso, e porque ao não falar em concreto deste ou aquele aspeto da Revolução
Industrial (nem sequer a designa), coloca toda a ênfase em algo de muito concreto, que
ninguém pode contestar no que respeita a este período: que foi uma mudança completa
de paradigma, do próprio modo como o homem se relaciona com a natureza.

Se é verdade que há muitas abordagens que procuram delimitar o que seria a


etiologia da Revolução Industrial, interessava talvez voltar ao trabalho que efetuamos
sobre o Renascimento, no e-folio A. Com efeito, pudemos aí identificar um profuso
conjunto de fatores e razões na sua origem, e também, em relação à Revolução
Industrial podemos fazê-lo, apontando um equivalente conjunto multifatorial de

1
Spengler, Oswald, A decadência do Ocidente, esboço de uma morfologia de História Universal, 3ª ed.,
Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 437.
2
e.g.: “Certains historiens contestent la validité scientifique de cette expression[révolution industrielle].
Pour Werner Sombart (Le Capitalisme moderne, 1902) la « révolution industrielle » est un phénomène
ancien, qui commence en fait à Florence au XIVe siècle avec l'émergence de la civilisation bourgeoise.
Fernand Braudel fait observer que le caractère brutal qu'implique le terme de « révolution industrielle »
ne peut a priori s'appliquer qu'au Royaume-Uni. Tandis que pour les autres pays, le terme
d'industrialisation qualifie mieux un processus en réalité assez progressif. Patrick Verley insiste sur la
continuité du phénomène, le moteur de la croissance de l'industrie, à la fin du XVIIe siècle, résidant
d'abord dans le dynamisme de la demande de biens de consommation, qui stimule en retour le progrès
technique.” In fr.wikipedia.org [em linha]. n/a, atual. 10 dez. 2016 [consult. 09 jan. 2017]. Disponível na
Internet <URL: https://fr.wikipedia.org/wiki/Révolution_industrielle />
elementos que confluem no conceito que tentamos abordar. Poderíamos até voltar ao
Renascimento, como Werner Sombart3, fazendo dele raiz da Revolução Industrial…

Tentaremos, pois, procurar saber quais os principais fatores que determinaram


que esta mudança fundamental do quadro económico do mundo, nas palavras de
Spengler, ocorresse na Inglaterra do século XVIII, e não em outro lado. Porque não em
França ou Alemanha, por exemplo?

A Inglaterra passara uma boa parte do seu século XVII em guerras civis, de
caráter ideológicas, religiosas ou sociais, de grande complexidade. Saiu, porém, desse
período com uma monarquia parlamentar moderna, com leis e instituições fortes, que
permitiram uma grande plasticidade e capacidade de ajustamento a novas realidades. É
porventura um dos principais fatores distintivos da situação inglesa, em comparação
com o que se passou em França e outros países. Em França, o século foi perdido
precisamente no sentido oposto, na consolidação das estruturas do Ancien Régime, na
consolidação do absolutismo e das estruturas económicas anquilosadas, de base
agrícola, que se tornarão a seu turno os próprios impedimentos de uma entrada na
revolução industrial, dando antes azo à sua já tardia guerra civil, por assim dizer, a
Revolução Francesa. A Alemanha não era ainda uma nação unificada e um dos motivos
da sua unificação foi a necessidade de se organizar no sentido de uma industrialização,
já na segunda metade do século XIX…

Os ingleses estavam, pois, bem à frente. Começando ainda no século XVII, e


tendo a sua maior expressão no início do século XVIII, o ordenamento fundiário
conhecido por Enclosures, permitirá um melhor uso das terras e corresponde também ao
destroçar das nobrezas fundiárias de tipo feudal (que se manterão com mais vigor em
França). Este ordenamento trazia consigo o desenraizamento das populações rurais que
eram por vezes simplesmente expulsas das terras. Iriam para as cidades ser a massa
proletária, ou embarcar para a aventura do Império Britânico, agora em expansão. À
aristocracia e à burguesia o apelo será o mesmo, o da produtividade, o do rendimento
líquido. O apelo de um capitalismo agrícola… Na agricultura e pecuária, por causa da
disponibilização de terras, haverá uma verdadeira e prévia revolução, com a introdução
de novas técnicas, novas formas de cultivo e uso do solo. Será também este um fator
importante para a preparação da Revolução Industrial. A libertação de mão-de-obra
acontece ao mesmo tempo em que a produtividade agrícola dispara. Menos pessoas a
3
Ibidem
trabalhar nos campos, precisamente quando não eram já precisas tantas pessoas… não
dando por isso origem a conflitos sociais. Pelo contrário, em França, até à Revolução, o
quadro social do campesinato é basicamente mesmo, com uma enorme dependência dos
bons e maus anos agrícolas. E isso terá uma grande importância no desencadear de
Revolução Francesa…

No campo do conhecimento, aparentemente, o século das luzes francês teria


todas as bases para atingir o mesmo que o que conseguirá em Inglaterra. Porém, não
havia como em Inglaterra, uma ligação prática entre o saber e as realizações de ordem
económica. O empirismo inglês trabalhava na busca de frutos objetivos. Em França,
podemos referir o caso de Lavoisier, talvez o maior cientista da sua época – a sua
relação maior com os aspetos económicos da vida, foi, porém, o de estar ligado à
taxação de impostos, o que mais tarde lhe irá custar a vida, condenado por isso à morte
durante o Terror. Não era também a melhor maneira de a França tratar os seus
melhores…

Um outro fator, da maior importância, foi a disponibilidade em Inglaterra de


grandes depósitos de carvão e ferro, que com as novas técnicas de Altos Fornos, uso do
coque, e o desenvolvimento do uso do vapor, se conjugarão de forma única, permitindo
à Inglaterra um enorme avanço relativamente às outras nações.

Tudo isto se conjugava também com a expansão do Império Britânico, que trazia
matérias-primas fundamentais, e fornecia potenciais mercados.

A revolução na produção têxtil será outro importante elemento, em que


novamente estarão à frente de todos os outros, em desenvolvimento de máquinas, em
disponibilidade de trabalhadores, e capacidade produtiva.

A riqueza, a população, a produtividade, tudo dispara no século XVIII inglês.


Nas colónias também, a riqueza será muita, e suficiente para, no caso americano, haver
a ideia, muito cedo, de que podem se separar da Inglaterra. Defendendo o princípio de
no taxation without representation, cedo a América fará a sua declaração de
independência, baseada em valores básicos de liberdade, democracia e direito natural. O
inglês John Locke influencia essa América que irá por sua vez influenciar a França,
numa volta comprida, interessante e irónica. Os valores da revolução Francesa por aí
andarão também, embora com todos os posteriores desvios e terrores do Terror…
Será, pois, a conjugação de todos estes fatores que propiciará o desenvolvimento
em Inglaterra de um enorme conjunto de novas realidades, novas técnicas, enorme
riqueza, e a seu tempo, um cada vez maior poder económico e militar.

E será a ausência destes fatores, os diferentes tempos de desenvolvimento social,


político e económico, em outros países, que os colocarão atrás da Inglaterra.

A grande riqueza agrícola da França, medida no tempo e na tecnologia antiga,


tornou-se o impedimento de ir em busca de novas soluções. Eles eram mais ricos que a
Inglaterra do século XVII… porque mudar?

Também os principados e pequenos reinos da atual Alemanha, não sentiram


talvez a necessidade de buscar uma nova economia. Tinham o comércio do norte da
Europa, uma posição de charneira entre os povos do centro da Europa…

A Inglaterra teve, pois, a necessidade, a possibilidade, as condições e o mérito,


de iniciar essa modificação profunda de tudo e da vida de todos, com todos os aspetos
positivos que teve - mas também com todos os negativos, de esgotamento progressivo
dos recursos do planeta, poluição, falta de sustentabilidade dos modelos económicos e
sociais de desenvolvimento. Tudo isso começou também aí…

Ou terá sido na Renascença…?

Bibliografia

Todos os textos disponibilizados na plataforma.

Spengler, Oswald, A decadência do Ocidente, esboço de uma morfologia de História


Universal, 3ª ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 437

fr.wikipedia.org [em linha]. n/a, atual. 10 dez. 2016 [consult. 09 jan. 2017]. Disponível
na Internet <URL: https://fr.wikipedia.org/wiki/Révolution_industrielle />

Você também pode gostar