HERANÇAS SECRETAS:
AS MEMÓRIAS AFRICANAS NO COTIDIANO DAS REZADEIRAS
DE POJUCA.
CDD:
398.353
HERANÇAS SECRETAS:
AS MEMÓRIAS AFRICANAS NO COTIDIANO DAS REZADEIRAS
DE POJUCA.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Profª. Drª. Marise de Santana
Universidade do Sudoeste da Bahia
_________________________________________________
Profª Drª
Universidade
_________________________________________________
Prof. Dr.
Universidade
Seja calma como a luz do sol rasgando a negra noite dor de março.
Seja fruto do suor tão santo que envolve o trabalho flor de maio.
Será justiça para com as mãos cobertas de tanto calor flor de outubro.
Será beleza como a chegada do colorido das primaveras.
Seja forte como a união dos nossos corações trabalho e dor.
Seja firme como as águas lentamente tomando as tantas terras.
Será o fogo que arde em cada peito nas fogueiras das paixões.
E violento como o amor o corpo exige, grita, toma e berra.
Que seja um parto dolorido e farto de vida e alegria trabalho e festa.
Que seja novo como a emoção de um cego vendo a luz de um dia.
Será justiça para com as mãos cobertas de tantos calos flor de
outubro.
Seja fruto do suor tão santo que envolve o trabalho flor de maio.
Gonzaguinha
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus irmãos e irmãs: Kel, Tonho, Del, Eto, Jó e Ito
(relacionados por ordem cronológica, para evitar ciúmes) com os quais aprendi
partilhar, respeitar, amar, fazer festa e também brigar pela justiça. Onde, ainda
que sem noção, aprendi a importância da história de vida na nossa vida.
Agradeço aos meus amigos, especialmente Anilton, Dirceu, Jailton,
Jarbas, Lene, Nice e Noélia, (também relacionados em ordem alfabética, para
não despertar ciúmes) pessoas tão presentes na minha vida, tão dispostas a
ajudar e a caminhar comigo, verdadeiros irmãos e irmãs.
Agradeço a Karlinha, amiga que me recebeu em sua casa em Santo
Antonio de Jesus e além da acolhida, me presenteou com a oportunidade de
conviver com sua sabedoria, espiritualidade, carinho e sensatez.
Agradeço a Zé Carlos e Marcos, queridos que me ajudaram a pegar livros
nos seus cadastros em outras universidades.
Agradeço a minha orientadora, professora doutora Marise de Santana,
pelas longas conversas, que me provocavam e proporcionaram descobertas e
decisão. Em nenhum momento se impôs, sempre refletiu comigo os caminhos
dessa pesquisa com humildade e senso democrático.
Agradeço também aos colegas do mestrado, especialmente, Anderson,
pelo carinho, caronas e incentivo.
Agradeço com muita ternura a todas as rezadeiras que me receberam em
suas casas, seus quintais, que me presentearam com seu tempo, suas rezas,
saberes e histórias.
Que toda Força de Bondade e Resistência que firma esse mundo faça
seus caminhos permanecerem sempre abertos.
8
Lista de siglas
Lista de Tabelas
Texto:
Tabela I - Engenhos matriculados pela Junta da Real Fazenda e pelo governo
provincial, Bahia 1807 – 1874 -------------------------------------------------------------------------
--- 93
Tabela II - Nação dos escravos africanos em Salvador, 1802 – 35 -----------------103
Tabela III - Escravos crioulos e africanos em nove engenhos baianos, 1739----- 105
Anexos:
Tabela I - Relação das rezadeiras de Pojuca – entrevistadas -----------------------------
142
Tabela II – Outras rezadeiras de Pojuca ----------------------------------------------------- 143
Tabela III - Outras pessoas entrevistadas --------------------------------------------------- 143
Tabela IV – Espaços e práticas de conteúdo do legado africano em Pojuca ------- 144
10
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
Introdução
1
Então Javé Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem
tornou-se um ser vivente. Gn, 2:7.
19
dona Eremita, essas duas últimas mãe e filha, respectivamente. Todas sabiam
algum tipo de reza, de cura. Minha mãe também sempre nos rezava, quando
estávamos adoentados e ela dizia que não era doença de médico ou, ainda que
fosse sempre recorria também aos chás, banhos e benzeções.
Fui educada em meio a muitas crenças. Muitas histórias povoaram e ainda
povoam meu imaginário. Kel, minha irmã mais velha, nasceu no dia treze de
junho, dia de Santo Antonio, por isso minha mãe rezou durante muitos anos as
treze noites em homenagem ao Santo. Para mim aquilo era mágico. Durante o
mês de junho, praticamente todos os dias tinha festa na minha casa, pois eram
muitas as pessoas que iam rezar para o Santo, fazer pedidos e pagar
promessas. Tinha os puxadores do ofício, um altar muito bonito, cada dia
decorado com cores e flores diferentes; ofício cantado, incenso, palmas, doces...
Assim, eu também me tornei uma devota de Santo Antonio.
Quando fui me dando conta de todas essas questões, inundando-me das
lembranças da minha infância, entendi porque o resultado daquele censo cultural
tanto me incomodou. Percebi que existe uma perfeita simbiose entre eu (a
pesquisadora) e os sujeitos sociais da minha pesquisa (as rezadeiras). Digo isso
sem nenhum receio, pois, longe do discurso da neutralidade científica, posso
dizer que foi o tema que me escolheu e não eu que escolhi o tema, assim, como
ouvi alguém dizer recentemente num terreiro: “O candomblé é uma religião muito
exigente. É ele que escolhe as pessoas e não as pessoas que escolhem o
candomblé”.
Mergulhei no universo das rezadeiras em busca da memória africana na
cultura de Pojuca. Apesar de trabalhoso, não muito difícil, pois essas mulheres,
embora nos primeiros contatos se apresentassem um tanto tímidas e dessem
respostas muito diretas e pouco profundas, gostam de falar. Então, quando
consegui conquistar a confiança, essas mulheres, tornaram-se faladeiras,
passaram a narrar sobre as importantes curas que conseguiram realizar ao longo
dos anos do ofício de rezadeiras. Bastam algumas perguntas para termos
importantes e curiosos relatos, que fluem juntamente com curiosas maneiras de
ver o mundo e de fazer as coisas.
Na perspectiva de responder o problema provocador dessa pesquisa,
busquei traçar as respostas a essa pergunta com o objetivo de investigar e
analisar o papel das rezadeiras de Pojuca no processo de preservação da
22
Censo afirma a existência de três, mas cita apenas duas. No entanto nas
investidas dessa pesquisa, consegui identificar 27 (vinte e sete) rezadeiras entre
as que acompanhei e as outras que foram indicadas durante o processo da
pesquisa; dentre elas, dois homens, no entanto, ao lado dessa constatação
animadora, veio uma angustiante: a maioria dessas mulheres não são de Pojuca,
menos da metade são nascidas nessa cidade, as demais já vieram para Pojuca
em idade adulta, confirmando a idéia de que há um excessivo fluxo migratório
naquela cidade.
Diante dessa realidade, resolvi entrevistar todas as mulheres com idade
superior a sessenta anos e as informações que contribuíssem para a elaboração
de uma conceituação de rezadeiras seriam consideradas nessa pesquisa, no
entanto, para efeito da memória africana de Pojuca através das rezadeiras,
limitei-me a interpretar as informações das cinco rezadeiras que nasceram em
Pojuca, com idade a partir de setenta anos e tiveram sua formação dentro da
realidade do município. A saber: dona Dida (70 anos), dona Djão (74 anos), dona
Laura (81 anos), dona Senhora (80 anos) e dona Zilda (72 anos).
E assim, depois de todas essas investidas e de acordo com os referenciais
teóricos e metodológicos citados acima, essa dissertação foi elaborada,
organizada em quatro capítulos assim apresentados:
Capítulo I, O caminho teórico-metodológico, no qual discorro sobre as
categorias de análise que serviram para embasar as reflexões e interpretações
dos dados coletados e informo quais linhas metodológicas utilizei e como as
utilizei para realização da pesquisa, considerando, principalmente, o referencial
da Hermenêutica profunda - HP.
Capítulo II, A História de Pojuca nas memórias guardadas pelas
rezadeiras, no qual me encarrego de fazer a reconstituição da história de Pojuca,
tendo como referência informações fornecidas pelas rezadeiras, bem como
informações fornecidas por outras pessoas mais antigas da cidade, as quais
meus pais também contribuíram, além de dados oficiais e de outros
pesquisadores. Nesse capítulo tento identificar indícios da presença africana na
constituição histórico-cultural de Pojuca.
Capítulo III, Rezadeiras: guardiãs da memória, o maior dos capítulos, pois
é nele que realizo a discussão central dessa pesquisa, onde procuro responder
ao problema apresentado por ela, conjugando as reflexões dos dados coletados
25
Capítulo I
1 O caminho teórico-metodológico
1.1 O caminho percorrido
2
BOAS, F. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, 96.
3
Ibid., p. 107;
27
Essas palavras de Freire (1982) nos fazem crer que a vivência das
diversas experiências é a mais significativa lição para qualquer ser humano. As
palavras ganham sentido real, na medida em que, traduzem sentimentos,
sensações, desejos, compreensões de uma experiência vivida.
Também, ao ler as palavras de Lênin presentes no texto de Minayo
“pensar a metodologia como a articulação entre conteúdos, pensamentos e a
existência5”, imediatamente nos remetem à mesma compreensão que a idéia
freiriana. Tal concepção nos faz crer que as nossas experiências e compreensão
de mundo, bem como dos nossos sujeitos sociais, são fundamentais no processo
de construção do conhecimento.
4
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três textos que se completam. 3. ed. São Paulo: Autores
Associados: Cortez, 1982. (Coleção Polêmicas do nosso tempo), p. 11.
5
MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 2. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 1994, p. 16.
28
Não sei, mas você vê, a gente usa; você vê; qualquer
coisa que Jesus fez de cura, qualquer coisas que Jesus fez de
cura, ele curou o cego, ele usou remédio, não? Que quando
Jesus curou o cego, ele mandou ele cuspir no chão. Jesus
cuspiu no chão, fez a lama e passou na vista. Não foi um
remédio?7
6
GOLDEMBERG, Míriam. A Arte de Pesquisar. Rio de Janeiro, Record, 1999, p. 27.
7
Conversa realizada com dona Laura, 81 anos, em 22/01/2010.
29
10
MINAYO, Maria Cecília de Souza et al. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 2. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 1994, p. 22.
31
primordial a vida cotidiana dos sujeitos sociais, que ele chama de campo-sujeito-
objeto e tem como objetivo:
11
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna... Op. Cit. P. 369.
12
Ibid., p. 370;
32
por Grretz (1989)17 e tendo como base o livro a Verdade seduzida: por um
conceito de cultura no Brasil, de Muniz Sodré (2005)18, mais a “A identidade
cultural na pós-modernidade” de Hall (2005)19 fomos cruzando com
conceituações feitas pelos outros autores já citados acima, o que nos permitiu
concluir a significação de Identidade Cultural enquanto um processo de
sentimento de pertencimento, como mais apropriada para a abordagem em
questão.
Por considerar a memória também como um elemento de resistência, a
construção da sua significação teve como pressuposto a memória conflitiva das
rezadeiras no processo de manutenção das suas crenças, seus saberes e
fazeres. Assim, optamos por teóricos que abordam a memória a partir dessa
compreensão, como Pollak (1989; 1992)20; de Pierre Nora (1993)21, embora
discordemos da sua idéia de que já não há memória, concordamos com a idéias
de lugares da memória,
De Maurice Halbwachs (1990)22 aderimos a sua concepção de Memória
Coletiva, quando referida à pequenas esferas, como família, grupos – a memória
coletiva “fixa sua atenção sobre o grupo23; porém, compreendendo a memória,
principalmente, enquanto individual, para a qual também nos apoiamos nas
reflexões de Thomson (1997)24
Autores como Heller (1992)25, Lefevbre (1991)26 e Certeau (1999)27
abordam o cotidiano por caminhos diferentes, mas é possível encontrar
confluência entre suas abordagens, especialmente, ao considerar a modernidade
como ponto de partida para a compreensão dessa categoria, o que nos permitiu
17
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
18
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 3ª
ed.
19
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
20
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos; Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989; POLLAK, Michel. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos; Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10,
1992.
21
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.. In: Projeto História. São Paulo: Brasil,
1993.
22
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
23
Ibid., p. 109.
24
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias.
In: Projeto História; São Paulo, n. 15. 1997.
25
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1992, 4ª ed.
26
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática S/A, 1991.
27
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petropólis: Vozes, 1999.
35
28
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 6ª ed, 2002.
29
SANTOS, Rafael Beondani dos. Martelo dos hereges: militarização de Santo Antonio no Brasil colonial.
Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2006_SANTOS_Rafael_Brondani_dos-S.pdf . Acessado em
25/06/2010.
30
SANTANA, Marise de. O legado ancestral africano na diáspora e o trabalho docente: desfricanizando para
cristianizar. Tese de Doutorado, São Paulo: PUC, 2004.
36
diziam que não existia mais rezadeiras, outros começavam a dar informações
onde eu encontraria, outros perguntavam se eu acreditava “nisso” e outros até se
colocavam à disposição para me levar até rezadeiras conhecidas suas.
Aceitamos de bom grado as solicitudes, mas fomos primeiramente ao
encontro das duas rezadeiras indicadas no I Censo Cultural da Bahia, dessas só
tivemos êxito com dona Zilda (72 anos), a outra, dona Joana Elisa, infelizmente,
não conseguimos localizar, nem por telefone, nem no endereço informados no I
Censo Cultural. Em seguida realizamos diversas visitas, tivemos contato inicial
com doze rezadeiras e ao longo da pesquisa fomos recebendo informações de
mais quinze rezadeiras.
Para estabelecermos os limites de rezadeiras que comporiam o quadro
dos sujeitos sociais dessa pesquisa, definimos como critérios a idade, a partir dos
setenta anos e a naturalidade, nascidas em Pojuca. Das doze entrevistadas no
primeiro momento, seis tinham idade a partir dos setenta anos, porém, apenas
quatro entre essas seis nasceram em Pojuca. Diante desse quadro,
consideramos como sujeitos sociais da nossa pesquisa, as quatro rezadeiras
nascidas em Pojuca, como idade a partir dos setenta anos, mas, ao longo da
pesquisa tivemos a oportunidade de conhecer dona Djão (74 anos), e, como ela
preenchia todos os critérios, além de disposição e muita informação interessante
para nos oferecer, também a incluímos nesse processo.
Então apresentamos como sujeitos sociais dessa pesquisa, cinco
rezadeiras, a saber: Aldir dos Santos Souza – dona Dida (70 anos), Jardelina
Moura Silva – dona Senhora (80 anos), Laura Alves Costa – dona Laura (81
anos), Maria José Cardoso Ferreira – dona Djão (74 anos) e Maria Zilda Moura
Nonato – dona Zilda (72 anos).
No período em que essas mulheres que nos contaram histórias, falaram
das suas vidas, nos apresentaram muitas folhas, declamaram rezas e nos
permitiram observar suas benzenções no momento em que atendiam as
pessoas; tivemos a oportunidade de penetrar nos seus espaços, perceber e
conhecer a simbologia em todo o seu contexto e nos dedicamos à interpretá-las,
pois:
De acordo com Thompson (1995):
37
31
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna... Op. Cit. 363;
32
Ibid., p. 366
33
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna... Op. Cit. 366;
34
Ibid., p. 366; 368;
38
37
Ibid., p. 412;
38
Ibid., p. 336;
40
39
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. Op. Cit.; p. 9;
41
40
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 05/05/2010.
41
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 25/10/2010.
42
Isso por que o nosso olhar perante o mundo é determinado por nossas
experiências de vida vividas ou aprendidas a partir das experiências dos mais
velhos. Assim, no dia-a-dia, muitas vezes fazemos coisas que não sabemos o
porquê nem nunca nos preocupamos em saber, apenas fazemos porque “é
assim que se faz”. Quando perguntamos a dona Senhora42 porque ela prefere
rezar no quintal, ela respondeu: “por que não sei, sempre fiz assim”.
Sodré (2005) esclarece esse comportamento comum entre os praticantes
das religiões de matriz africana dos dias atuais:
42
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 05/05/2010.
43
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p.137;
44
Preceito, para as rezadeiras está relacionado a obrigações do candomblé. Dona Dida, ao se referir ao caruru
que sua mãe fazia porque teve filhos trigêmeos esclareceu: “mas não era de preceito, não”.
45
GEERTZ, C. A interpretação das culturas... Op. Cit.; p. 15;
43
46
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Op. Cit.; p.75;
47
Ibid., p. 69;
48
Embora os diferentes autores apresentem conceituações bem definidas para cada termo, todos, ao referirem-se
a tanto à globalização quanto à modernidade, geralmente consideram o mesmo período e as mesmas
características e conseqüências para ambos. Assim, para efeito dessa pesquisa, considerando as abordagens de
autores como Sodré (2005) e Hall (2005), dentre outros, ainda que globalização e modernidade não sejam,
necessariamente, a mesma coisa, são aqui referências para as mesmas características do mundo atual.
44
Um sério estudo da história dos africanos no Brasil nos faz saber, que
posturas de resistências diante de situações de extrema opressão, foram
largamente adotadas pelo povo negro, escravizado, especialmente no que se
refere às imposições culturais, aos valores que foram impostos aos africanos
pela sociedade cristã católica, como afirma Sodré (2005):
49
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 90;
50
Id.
45
51
Id.
52
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 05/05/2010.
53
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 14/04/2010.
54
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 10/03/2009.
46
55
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2005. p. 104.
56
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade... Op. Cit., p. 49;
47
57
Id.
58
Ibid., p. 48;
59
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 56.
60
Ibid.; p.57.
48
61
Ibid., p. 59;
62
Ibid., p. 66;
63
Ibid., p. 69;
49
Num primeiro momento essa percepção causa certa estranheza, mas, com
o aprofundamento da leitura, é possível compreender que ambos os autores
identificam um conflito eminente entre diferentes comportamentos culturais, que
ocorrem ao mesmo tempo e no mesmo espaço e, a partir desses conflitos é
possível perceber que outros atores e outros comportamentos emergem
reivindicando e/ou reinventando suas identidades.
Sodré argumenta sobre da disputa entre o subcampo da cultura elevada e
o subcampo da indústria cultural, que provocado por esse último, dá origem ao
pós-modernismo:
64
Ibid., p. 70;
65
Grifo nosso.
66
Ibid., p. 88;
67
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade... Op. Cit.; p. 73;
50
68
Ibid., p. 59;
69
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... p. 81;
51
71
Com um olhar muito diferente da “visão indiferenciada do humano” , da
antropologia do século XIX, o qual inaugura o preconceito racial do europeu
frente aos outros povos, compreendemos que essa situação nos faz perceber
uma inquestionável dificuldade em apontar a cultura desse ou daquele grupo e
ou sociedade. Também esses se vêm fragmentados, e, se fragmentados,
inevitavelmente fragilizados, necessitam recompor suas memórias, seus mitos,
suas origens.
É o que Hall nos afirma nas palavras abaixo:
70
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 89;
71
Ibid., p. 28;
72
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade... Op. Cit.; p. 85;
52
73
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 99;
74
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 22ª Ed; 2008, p. 80.
53
75
Conversa com o índio Otto Payayá, 49 anos, em 20/07/2009.
76
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia: rito nagô, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, 29.
54
77
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 03/2009.
78
SANTANA, Marise de. O legado ancestral africano na diáspora e o trabalho docente... Op. Cit.; p. 52;
79
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... ... Op. Cit.; p. 11;
55
85
SANTANA, Marise de. O legado ancestral africano na diáspora e o trabalho docente... Op. Cit.; p. 41;
86
As rezadeiras se referem a preceito como obrigação de candomblé.
57
87
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 04/05/2010.
88
Exéquias são cerimônias de honras fúnebres.
58
justifica por que não, deixa transparecer como água cristalina o seu
pertencimento.
E ela tem consciência disso. Porque será então, que a primeira vista ela
nega esse pertencimento? Vejamos o que ela continua dizendo para justificar o
medo que sente do candomblé:
Embora dona Zilda (72 anos) ache o candomblé bonito, com as danças, as
roupas, ela se nega participar das festas. Acreditamos que pelo fato de saber e
sentir que tem um forte pertencimento – as sensações que tem são evidentes –
então ela teme ter que assumir um orixá, ter que “fazer a cabeça” – o que ela diz
89
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 05/05/2010
90
Id.
59
não querer – e, como se para assegurar que isso não vai acontecer ela prefere
não ir às festas do candomblé e busca refúgio na igreja católica.
Como mais um exemplo dessa constatação, relembramos a explicação de
dona Laura sobre a necessidade do pedido de licença para colher as folhas a
serem utilizadas na benzeção, quando ela nos disse que todas as folhas têm um
dono e, depois de certa pausa, revelou que o dono das folhas é Jesus. É a Ele
que se pede licença.91
Para compreendermos melhor esse exemplo, precisamos saber que dona
Laura (81 anos) é católica, membro da Pastoral da Criança há 22 anos, já ajudou
a organizar três comunidades e tem um discurso bem católico, para justificar o
seu ofício de rezadeira:
91
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 02/06/2010.
92
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 04/05/2010.
60
93
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 04/05/2010.
94
O mito-cristão se move na sociedade educando para que indivíduos se tornem racionais lógicos e percam a
dimensão das emoções, da intuição, da imaginação, enfim, criatividade. (SANTANA, 2004: 126);
95
BERKENBROCK, Volney J. E experiência dos Orixás: um estudo sobre a experiência religiosa no
candomblé. Petrópolis, Vozes, 3ª ed, 2007, p. 343.
61
96
SANTANA, Marise de. O legado ancestral africano na diáspora e o trabalho docente: Op. Cit.; p. 43;
97
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 22/01/2010
62
dos seus pais, contudo, ainda que seja repetido e afirmado por essas mulheres
através de seus saberes, especialmente a benzenção, elas sofrem um conflito entre
assumir e omitir suas origens. Por isso percebemos que há a preocupação com a
preservação do ofício de rezadeira, mas tal preocupação não se traduz em esforços
para garantir que seus saberes sejam preservados, provavelmente por conta do
processo de cristianização, já mencionado acima.
Entendemos o legado africano conforme Santana (2004) nos apresenta:
98
SANTANA, Marise de. O legado ancestral africano na diáspora e o trabalho docente: Op. Cit.; p. 24;
99
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... Op. Cit.; p. 12.
63
100
ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.b
101
Movimento iniciado na Igreja Católica na década de 60 do século passado, que tem como princípio a “volta
ao espírito” a "inspiração pessoal do Espírito Santo", a exemplo das igrejas “protestantes”. Esse movimento é
chamado de Renovação Carismática Católica – RCC e tem ganhado muito espaço também midiático,
especialmente com a propagação de alguns padres como Fábio de Melo e Marcelo Rossi.
64
102
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p. 25.
65
Observemos que dona Senhora tem certa dificuldade para acreditar nos
diagnósticos dos médicos, pois esses contrariam o que ela aprendeu com sua
mãe. Seus filhos, por sua vez, não dão valor ao seu ofício e a sua sabedoria, não
têm interesse em aprender e se deixam levar pela conversa do médico, que pode
contribuir para que fique ainda mais doente, pois dizem que “é uma coisa e é
outra.” Em outro memento ela deixa ainda mais clara essa preocupação:
103
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 04/05/2010;
104
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 04/05/2010;
105
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 05/05/2010;
66
existência, que explicam o mundo, que abrandam suas angústias. Esse passado,
muitas vezes está para além da sua existência; aliás, nossa existência, de fato, é
muito anterior a nós mesmos. Não é incomum sentirmos saudades ou medo de
algo, de um tempo que, necessariamente não vivemos, mas sabemos que
existiu, que aconteceu e sentimos suas sensações... Mas, o passado, passado,
só pode nos socorrer ou até mesmo nos atormentar se revivificado e a única via
para essa revivificação é a memória.
A memória, assim como assinala Guarinello (1995):
Temos clareza de que não existe apenas uma definição para memória, no
entanto, a definição elaborada por Guarinello (1995) é muito interessante e nos
oferece elementos para análises, especialmente quando confrontada com
abordagens de outros autores como Halbwachs (2006), Nora (1993), Pollak
(1989; 1992) e também Thomson (1997). Desse confronto de idéias pretendemos
estabelecer significados para o tema, que nos permitam interpretar o
comportamento das rezadeiras frente suas memórias.
De imediato, podemos confrontar a idéia de lugares da memória. Enquanto
Guarinello (1995) afirma que a memória não está em lugar algum, pois ocupa
todos os lugares, Nora (1993) sentencia: “Fala-se tanto de memória porque ela
não existe mais”107. Para ele, existem lugares de memória.
Num primeiro momento pode parecer que as abordagens referidas aqui
são contrárias, mas ao analisarmos com mais precisão, percebemos que também
Nora, concebe a memória como preenchendo todos os espaços: “a memória se
enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto...” Entretanto,
106
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e história científica... Op. Cit.; p. 187;
107
NORA, Pierre. Entre memória e história... Op. Cit.; p. 7;
67
108
Ibid., p.9;
109
NORA, Pierre. Entre memória e história... Op. Cit.; p. 9;
110
Ibid., p. 7;
111
Ibid., p. 715;
68
112
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio... Op. Cit.; p.5
113
NORA, Pierre. Entre memória e história... Op. Cit.; p. 14;
69
114
Processo de formação/educação pautado no ensinamento do mito cristão. A catequese do período colonial já
tinha esse propósito.
70
século XIX até as primeiras décadas do século XX) em que Pojuca era uma
grande produtora leiteira, pois até os dias atuais os pojucanos identificam-se com
o perfil pecuarista.
Até hoje, nas datas festivas como independência do Brasil e aniversário de
emancipação política da cidade, dentre outras, é comum ver muitas pessoas
desfilando montadas pelas ruas da cidade, embora, do ponto de vista econômico,
essa ostentação não tenha mais nenhum sentido; pois, de acordo com alguns
dados (IBGE)115, numa área de 318,21 km2, com população estimada em 32.225
habitantes, dos quais 21.884 vivem na cidade e apenas 4.319116 vivem no
campo, Pojuca conta com PIB de R$ 818.159, 00, sendo que a agropecuária
contribui com apenas 6.768, 00, enquanto os serviços contribuem com R$
170.204, 00 e a indústria com R$ 532.736.
É nesse aspecto, da universalização da cultura, que a história, cria e
manipula os locais da memória e tenta generalizá-la, impondo a experiência de
uns para todos e, para efetivar tal esforço, se vale do sentimento de que não há
memória espontânea, como afirma Nora:
115
IBGE Cidades. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1, acesso em 23/05/2010.
116
IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/universo.php?tipo=31&paginaatual=1&uf=29&le
tra=P, acesso em 23/05/2010.
117
NORA, Pierre. Entre memória e história... Op. Cit.; p. 13;
118
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... Op. Cit.; p. 17;
71
Tiradentes, perguntamos aos nossos alunos se sabiam por que não haveria aula
e nenhum deles soube informar o motivo do feriado.
Durante essa pesquisa também tivemos a oportunidade de saber que o
Conselheiro Saraiva, grande figura política do último período do império, morava
em Pojuca e era dono do Engenho da Purificação ou Engenho Central de Pojuca.
Contudo, ainda que exista uma escola e uma rua com o seu nome no município
de Pojuca, nem alunos, nem professores têm a mínima noção de quem tenha
sido o patrono da referida escola. Esses exemplos nos levam a crer que não
basta “imortalizar” o feito ou determinado personagem através dos lugares de
memória. Se não houver ações que estimulem a lembrança do significado desses
lugares de memória, com o tempo eles perdem o sentido e, consequentemente a
significação.
Também Pollak (1989) acredita na apropriação da memória pela história,
quando nos fala sobre o enquadramento da memória:
Embora Guarinello (1995: 182) não trate dos lugares de memória, assim
como Nora (1993) ou de enquadramento da memória como Pollak (1992),
também compreende a história (a partir de uma crítica à lógica positivista) como
limitadora da memória: “A função mesma da história como ciência, carregava em
si uma condenação da memória”120.
119
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio... Op. Cit.; p. 11;
120
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e história científica... Op. Cit.; p. 182;
72
Não sei, mas você vê, a gente usa; você vê, qualquer
coisa que Jesus fez de cura, qualquer coisas que Jesus fez de
cura, ele curou o cego, ele usou remédio, não? Que quando
Jesus curou o cego, ele mandou ele cuspir no chão. Jesus
cuspiu no chão, fez a lama e passou na vista. Não foi um
remédio? Foi remédio, quando ele mandou que o cego
levantasse e andasse, o que foi que ele fez? Ele não mandou
que ele se molhasse na água? Silule (?), mandou que ele
pegasse a cama e andasse, foi um remédio. Tudo que Jesus
fez, ele não fez nada só com falar. Ele, em nome disso, tudo
ele fez, tudo ele usou a palavra, não teve nada que ele não
usasse a palavra do Pai. Ele fez, eu te faço isso, a gente
sempre reza em nome do Pai, em nome do Filho em nome do
Espírito Santo, porque são os três que une o Pai com o Filho. É
o pai, o Filho e o Espírito Santo que nos defende de tudo
quanto for ruim, é quem nos cura, é quem nos salva, é quem
nos faz tudo. É Deus, primeiramente que e nosso pai, Jesus
que é nosso irmão e o Espírito Santo que une os três em um
só.121
121
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 22/01/2010;
122
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva... Op. Cit.; p. 185;
73
123
Grifo nosso.
124
Ibdi., p. 100;
74
125
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva... Op. Cit.; p. 101;
126
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 12/05/2010;
75
127
Id.
128
Na “sociedade terrorista” reina um terror difuso. A violência permanece em um estado latente. As pressões se
exercem de todos os lados sobre os membros dessa sociedade; eles têm uma enorme dificuldade para se
desembaraçar delas, para afastar esse peso. Cada um se torna terrorista dos outros e seu próprio terrorista; cada
76
um aspira a tornar-se terrorista (...). Não é preciso ditador, cada um se denuncia a si mesmo e se pune (...).
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 158;
129
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 07/2009;
130
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 02/06/2010;
77
131
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias.
In: Projeto História; São Paulo, n. 15. 1997, p. 56.
132
Ibid., p.70;
133
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: Op. Cit.; p. 67.
78
134
POLLAK, Michel. Memória e identidade social... Op. Cit.; p.205;
135
POLLAK, Michel. Memória e identidade social... 135 Op. Cit.; p. 204;
136
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... 136 Op. Cit.; p. 13;
79
137
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 93;
138
Conversa com dona Quita, 89 anos, em 03/06/2010; moradora de Catu, cidade a qual Pojuca pertenceu antes
da sua emancipação.
139
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva... Op. Cit.; p. 39;
80
mãe era tão bom... Agora hoje em dia não, mas no tempo da minha mãe...”140 Ao
mesmo tempo ela revela que o que aprendeu com sua mãe foi muito pouco, pois
essa faleceu quando ela ainda era muito nova “uma garotinha”
d) a memória figura como instrumento fundamental de reconstrução da
identidade: “eu fico muito feliz em saber a reza que minha mãe me ensinou,
deixou para mim, minha mãe tem trinta e poucos anos de morta, mas me deixou
essa bênção, essa glória, que eu fico muito feliz...”141. É dessa maneira que dona
Dida descreve sua sensação por ser rezadeira;
e) por último, ao contrário do que Nora (1993) afirma, a memória existe e
resiste, ainda que silenciada, ainda que enquadrada ou camuflada, porém,
quando de alguma forma provocada pode surgir com uma força devastadora,
capaz de destruir locais, discursos e histórias cristalizados; ou sorrateira, através
de uma reconstrução que só tem sentido, se coletiva para garantia da
preservação e/ou re-composição da identidade de determinado grupo ou
sociedade. Pois, como afirma Pollak:
140
Conversa com dona Lindu, 98 anos, em 12/05/2010. Dona Lindu é responsável pelo bumba-meu-boi, que sai
às ruas de Pojuca nas festas de reis todos os anos, há quase 80 anos.
141
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 10/03/2009;
142
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio... Op. Cit.; p. 5;
81
147
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 258;
84
148
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 156;
149
Ibid., p. 208;
150
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 07/05/2010;
85
foge desse cotidiano oprimido da cidade e fica à vontade. Esse ficar à vontade é
cheio de significações. É o lugar onde ela se realiza; onde pode rezar em
qualquer lugar, pois “todo canto é quintal”; onde se veste como quiser, come o
que gosta e prepara do jeito que gosta. A roça é o lugar onde dona Senhora vive
sem as cobranças, sem as imposições, sem se sentir vigiada pelos seus filhos,
pela sociedade como um todo.
Esse comportamento de dona Senhora expressa o que Certeau (1999)
denomina de antidisciplina. E representa um comportamento de resistência.
Ainda podemos observar essas palavras de dona Senhora a partir da ótica
do mal-estar, abordado por Lefebvre, que por sua vez, não se dá apenas no
campo das artes e do lazer.
A forma como Certeau (1999) lida com a situação de opressão contra o
cotidiano, lhe permite atribuir caráter fictício à ordem imposta pela técnica e pela
teoria à realidade cotidiana, quando diz que:
151
Tradução do inglês: terra de ninguém.
152
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano... Op. Cit.; p. 308;
153
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p.18;
86
Heller (1989), por sua vez, admite que a vida cotidiana é heterogênea e
hierárquica, especialmente no que concerne ao conteúdo, significação e
importância dos tipos de trabalho. O que nos faz entender que essa hierarquia
determina e é determinante da estrutura social e, consequentemente, determina
a ordenação da cotidianidade. No entanto, a autora diz que “a ‘ordenação’ da
154
cotidianidade é um fenômeno nada cotidiano” , e sugere como forma de
superação da alienação, provocada por essa “ordenação” a “condução da vida”:
154
Ibid., p. 41;
155
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história... Op. Cit.; p. 41;
156
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 99;
87
157
As táticas “tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do
poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia. Em, suma,
tática é a arte do fraco” (CERTEAU, 1999: 101).
158
Grifo nosso. Para nossa pesquisa, essas palavras são elucidativas, pois fala através de nós, que as ações das
rezadeiras, bem como de quem recorre à elas, fazem parte das táticas que correspondem à vitória dos fracos
sobre os mais fortes.
159
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano... Op. Cit.; p. 47;
88
amplitude), a religião e o uso do espaço; logo, nos damos conta de que ele se
refere a uma “rede de antidisciplina”.
Podemos exemplificar isso com o uso que as rezadeiras dão às folhas,
como se relacionam com os santos, os objetos utilizados nos rituais de
benzeção, as palavras usadas, a preservação dos quintais... Mulheres que se
utilizam de conhecimentos antigos e misturam crença com conhecimento de
plantas, ervas e outros elementos e realizam cura, ainda que a ciência e a
sociedade de consumo e repressora não admitam e tentem reprimir. Assim,
medicina alopática e tratamento alternativo existem concomitantemente, ainda
que não seja de forma harmoniosa. E, contrariando o discurso da eficácia da
medicina alopática/oficial versus a ineficácia dos benzimentos, elas resistem até
mesmo nas grandes cidades.
Essa constatação tem particular importância, pois as rezadeiras, enquanto
mulheres que também vivem essa realidade do cotidiano conseguem sobrepor a
lógica de que, segundo Lefebvre (1991), são os principais alvos da cotidianidade
da sociedade terrorista do consumo e, por isso, vítimas da vida cotidiana, como
podemos observar no fragmento abaixo:
160
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 83;
89
Mulher franzina, de voz baixa, mas, com uma força de determinação que
não permitiu que o marido a impedisse de fazer o que gostava. Conquistas
gradativas, que ela atribui ao fato de ter rezado muito, mas que é marca da sua
insistência e resistência. Não se acomodou, perseverou e conseguiu impor a sua
vontade. Não se enquadra no comportamento das mulheres descrito por
Lefebvre. Afinal, é o autor quem afirma que: “Apesar dos esforços para
161
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 10/03/2009;
90
162
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 193;
163
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história... Op. Cit.; p. 38;
91
164
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 24;
92
165
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano... Op. Cit.; p. 157;
166
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 02/06/2010;
167
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 35;
93
Capítulo II
94
A Constituição do Estado da Bahia, no inciso VII do artigo 59, que versa sobre
a competência dos municípios, diz que cabe à esses “garantir a proteção do
patrimônio ambiental e histórico-cultural local168”, no entanto, em muitos municípios
da Bahia nos deparamos com situações que ignoram por completo tal determinação
legal. Pojuca é um exemplo típico dessa constatação.
Na tentativa de investigar aspectos da sua história a partir do Arquivo Público
Municipal, tivemos a oportunidade de ver que tratamento tem sido dado aos
documentos oficiais do município. Num local de muita umidade, inclusive com
infiltração no teto, encontramos várias pastas e caixas, contendo documentos,
jogadas de forma aleatória nas prateleiras e pelo chão. Até uma poça de água,
formada pela infiltração foi possível verificar naquele local. Porém, não tivemos a
oportunidade de acesso a nenhum documento, pois não foi-nos dada autorização
pela prefeita do município para tal propósito.
Tratamento parecido tem sido dado ao conjunto arquitetônico e objetos
antigos, que serviriam como “locais de memória”, como define Nora (1993). Casas e
prédios do início do século XX são demolidos ou reformados sem o mínimo pudor e
objetos antigos ou encontrados em obras de escavação não são guardados ou
expostos em nenhum local adequado.
Essas considerações nos fazem voltar às reflexões do capítulo anterior, nas
quais verificamos o esforço para a construção e manutenção de uma cultura geral e
uma história oficial organizadas pelo Estado, que representa os grupos dominantes,
aos quais, diante dos seus objetivos, nos posicionamos criticamente. Os poderes
públicos de Pojuca, não se interessam, nem sequer em conservar os documentos
oficiais do município.
168
BAHIA, Constituição do Estado, Assembléia Legislativa da Bahia, 2002.
95
169
Contagem da população, IBGE 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1.
Acessado em 08/06/2010.
96
Atlântica, com clima temperado e solo úmido, de massapé, propício para o plantio de
cana-de-açúcar, por exemplo.
170
170
Localização de Pojuca, disponível em:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9c/Bahia_Municip_Pojuca.svg/579px-
Bahia_Municip_Pojuca.svg.png acessada em: 20/08/2009.
171
Pojuca corr. yapó – yuca, o pântano corrupto, apodrecido; estagnado, podre. In: SAMPAIO, Teodoro. O tupi
na geografia nacional. São Paulo: Brasiliana, 1987, 5ª ed. P. 305.
97
FORMAÇÃO ADMINISTRATIVA
O Distrito foi criado pela Lei municipal de 5 de setembro de
1892, como componente do Município de Santana do Catu.
Desmembrou-se deste em virtude da Lei estadual n.º 979, de
29 de julho de 1913 que criou o Município de Pojuca. A
172
IBGE/ BA, Monografia nº 262, 1963. Disponível em:
- http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/pojuca.pdf, acesso em 01 maio de 2009.
98
173
IBGE/ BA, Monografia nº 262, 1963.
174
Esses dados podem ser observados entre as páginas 71 e 130, onde o autor representa-os através de tabelas.
BRITO, Cristóvão. A Petrobrás e a gestão do território no Recôncavo Baiano. Salvador: EDUFBA, 2008.
99
Pojuca tem sido induzido. Como conseqüência dessa situação, encontramos uma
população com pouca ou nenhuma consciência da sua identidade cultural,
especialmente no que se refere à presença africana, ainda que a grande maioria dos
seus habitantes seja notoriamente negra.
Pojuca tem dois inegáveis indícios da presença africana desde os primórdios
da sua história oficial. Primeiro as características físicas e culturais do seu povo, que
é uma conseqüência do segundo indício, a sua localização, no recôncavo, que não
deixa dúvidas da presença africana nessa região, pois os colonizadores ocuparam
suas terras com a criação de gado e, principalmente com a construção de engenhos
de cana-de-açúcar, para os quais foi introduzida a mão-de-obra escrava dos negros
africanos.
Como a grande maioria dos municípios baianos, Pojuca também se formou às
margens de um rio, seu homônimo. De acordo com os dados do Relatório de
Monitoramento das Águas do Estuário do Rio Pojuca (2005)175, esse rio é o principal
de uma bacia que recebe águas de doze rios, possui cerca de 4.341 km² e percorre
quase de 200 km, sendo a bacia de maior extensão do Recôncavo Norte. Nasce no
município de Santa Bárbara , na Serra da Mombaça e desemboca no Oceano
Atlântico entre a Vila da Praia do Forte e Itacimirim.
Além de Pojuca, suas águas atravessam os territórios de vários municípios
como Feira de Santana, Irará, Teodoro Sampaio, Terra Nova, Coração de Maria,
Alagoinhas, Catu, Mata de São João e Camaçari.
175
BAHIA, Relatório de Monitoramento das Águas do Estuário do rio Pojuca. Salvador, Bahia, 2005.
Disponível em: http://www.semarh.ba.gov.br/gercom/relatorio_monitoramento.pdf, acessado 20/06/2009.
176
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos, e escravos na sociedade colonial 1550 – 1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 79;
100
177
Grifo nosso.
178
REGO, Alfredo Antonio Silva. Breve notícia sobre a emancipação de Pojuca: 1913 – 1930. Pojuca, 1988, p.
7;
179
FILHO, Walter Fraga. Histórias e reminiscências da morte de um senhor de engenho no Recôncavo. In: Afro-
Ásia nº 24. Salvador: UFBA, 2000, pp. 165 – 189.
180
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos, e escravos na sociedade colonial... Op. Cit.; p. 81;
101
Nº médio de novos
engenhos Nº total de novos Total
Anos
matriculados por ano engenhos cumulativo
matriculados
181
Embora existia alguma discrepância quanto ao número total de engenhos, vários relatos dão conta de
cinqüenta deles funcionando na capitania da Bahia em 1590. (SCHWARTZ, 1988: 72)
182
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro, 1851. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003015.pdf . Acesso em 02/06/2010, p. 141;
183
Temos a boa sorte de possuir descrições minuciosas, embora incompleta, referentes a 1587, (...) as quais
fornecem um excelente panorama dos contornos demográficos e econômicos dessa região. (SCHWARTZ, 1988:
82);
184
SCHWARTZ, Stuart. B. Segredos internos... Op. Cit.; p. 85;
185
BARICKMAN, Bert Jude. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 75.
102
186
SCHWARTZ, Stuart. B. Segredos internos... Op. Cit.; p.93;
187
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 12/05/2010;
188
Participou da cerimônia de posse do prefeito Pacífico de Azevedo Lima, no dia 08 de dezembro de 1930,
quando da “Revolução de 30”, conforme constatamos em Rego (1988:17).
103
duas vezes, de 1984 a 1988 e de 1993 a 1996 e, por último, Luiz Eduardo Bastos
Leite (neto), que governou de 2006 a 2008. Fato que comprova que ainda hoje a
situação política de Pojuca é marcada por profundos resquícios do período
escravocrata.
Segundo os relatos de dona Djão, toda a região do bairro Shangri-lá pertencia
a João Alfredo Leite. Suas lembranças indicam que ainda no inicio do século XX,
existiam engenhos – usinas – em Pojuca e que o tratamento dado aos trabalhadores
era como se ainda fossem escravos:
Região de tabuleiro do recôncavo, mas ainda com clima úmido e solo fértil,
Pojuca oferecia todos os aspectos necessários para favorável produção de cana-de-
açúcar, mas além da cana, também produziu em mandioca, fumo e desenvolveu a
criação de gado leiteiro.
De acordo com informações tiradas do Livro Tombo da Paróquia Bom Jesus
da Passagem (1917), ao apresentar os limites da nova paróquia, conseguimos
identificar mais cinco engenhos, a saber: Engenho Santiago, Engenho Remédios,
Engenho Gameleira, Engenho Pindobal e Engenho Onça190.
189
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 12/05/2010;
190
Pela presente Havemos por bem, usando da Nossa jurisdição ordinaria e na forma do Sagrado Concílio
Tridentino, ouvido o Nosso Ilmº Revmº Caleido Metropolitano, attendendo aos interesses espirituaes dos fieis,
elevar à categoria de freguezia, que se denominará = Freguesia do Bom Jesus da Passagem =, o segundo districto
de paz e policial da Villa e Freguezia de Sant’anna de Catú, cuja séde é no arraial de Pojuca, ficando desde já
separado, dividido e desmembrado o mesmo districto da mensionada parochia de Sant’Anna do Catú, e erigido
economicamente instituída em o dito districto a nova Parochia sob o Orago de Bom Jesus da Passagem, cuja
linha divisoria é a seguinte: No rio Pojuca, do lugar onde desagúa o rio Una, por este rio acima até a estrada
denominada dos Olheiros; por esta acima comprehendendo as terras dos extintos engenhos: Remédios, Santiago,
Gameleira, Pindombal e Onça ate os limites que tinha o territorio desmembrado da freguezia de Sant’anna do
Catú com as freguezias de Alagoinhas, Abrantes, Mata de São João e Villa de São Francisco e dali ate o lugar
onde se principiou a traçar a linha divisoria, isto é, na foz do rio Uma no Rio Pojuca: limites estes que são os do
104
actual segundo districto de paz e policial da Villa de Sant’anna do Catú... Livro Tombo da freguesia de Bom
Jesus da Passsagem, 1917.
191
Grifo nosso.
192
ARAÚJO, Tatiana de Freitas. Os engenhos centrais e a produção açucareira no Recôncavo Baiano: 1875-
1909. Salvador, FIEB, 2002, p. 117;
193
Ibid., p. 116;
105
194
OTT, Carlos. Povoamento do Recôncavo pelos engenhos: 1536 – 1888. Salvador: Bigraf, 1996, p. 309;
195
PARTIDO LIBERAL. Noticia descriptiva da felicitação dirigida em nome do Partido Liberal ao Sr.
Conselheiro José Antonio Saraiva (1870): em sua residência à Pojuca. Bahia: Typographia do Diario, 1870.
196
Grifo nosso.
197
LIVRO DE TOMBO DA FREGUEZIA DE POJUCA, Pojuca – BA, 1917 – 1960, p. 3 (verso).
106
Nessa foto (2010) podemos identificar a Fazenda São José do Caboclo, com sua torre, com data de
1894 a linha férrea São Francisco, com parte do prédio da Estação Central, no atual bairo de Central.
198
Conversa com dona Helena, 99 anos, em 09/12/2009; (faleceu em Janeiro de 2010).
199
Julga-se interessante ressaltar que a política encetada oficialmente para aplicação de recursos na implantação
de engenhos centrais tende a ser gradualmente abandonada, à medida que se opera a transição do regime
monárquico para o republicano, até ser definitivamente abandonada em 1909. (ARAÚJO, 2002: 139)
107
Inscrição da placa da base da torre da fazenda São José dos Caboclos, 2010.
Das terras desse engenho muito já foi vendido, mas até hoje suas terras
atingem os territórios de Catu e São Sebastião do Passé, segundo o seu dono, Sr.
Luis Claudio Vasconcelos de Aguiar, neto do então barão de Pojuca. Foi
conversando com ele que conseguimos elucidar a dúvida se o engenho São José
dos Caboclos e o engenho Pojuca eram o mesmo estabelecimento, possibilidade
negada pelo herdeiro do barão de Pojuca.
Outro engenho citado pelas rezadeiras foi o Engenho Pitanga. Citado tanto
por dona Laura (81 anos) e também por dona Helena (99 anos), mas, como dona
Laura sinalizou não pertence à Pojuca e sim ao município de Mata de São João.
Dado confirmado por Filho (2006:51): “em 12 de fevereiro de 1881, o chefe de
polícia recomendou ao subdelegado de Mata de São João que informasse ao dono
do Engenho Pitanga200 que o escravo José de Santana, crioulo, fora à sua presença
queixar-se do feitor do mesmo engenho201”. Dona Helena ainda nos informou que “a
200
Grifo nosso.
201
FILHO, Walter Fraga. Encruzilhadas da Liberdade. Campinas: UNICAMP, 2006, p.
108
usina da Pitanga era o arrimo do povo de Pojuca. Tinha de tudo lá: feira, tão grande
quanto a de Pojuca, tinha dentista202, tinha feira sábado e domingo”203.
No entanto, o fato do Engenho Pitanga não pertencer a Pojuca e sim a Mata
de São João204 não interfere na nossa investigação, pois, nesse caso, a questão de
limites é apenas política, já que antes mesmo de Santana do Catú ser uma
freguesia, ela também compunha o território matense. Por outro lado, até os dias
atuais as pessoas dessas imediações se consideram pojucanas e são atendidas em
todas as questões como educação, água, saúde e comércio, dentre outros, em
Pojuca.
Por último, ainda que apenas como suposição, vemos como possível a
presença da família do barão de Jeremoabo – Costa Pinto – também em Pojuca. O
cruzamento de duas informações nos permite verificar tal possibilidade:
204
Vamos ao segundo engenho, o de Pitanga da Freguesia de Bonfim da Mata. (OTT, 1996: 36)
205
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos... Op. Cit.; p. 93;
109
Já segundo Mattos (2007: 104), o Brasil recebeu cerca de cem mil africanos
só no século XVI. Eram povos mandingas, jalofos, balantas, bijagós, dentre outros,
oriundos da região da Senegâmbia208.
Observemos que Mattos indica um número de africanos no Brasil três vezes
maior que a estimativa de Berkenbrock, de trinta mil africanos. O que causa
estranheza é que Mattos utiliza como fonte Alencastro (O trato dos viventes, 2000) e
apresenta estimativa tão diferente da sua fonte, que, assim como Berkenbrock,
apresenta uma estimativa de 40209 mil escravos.
O aumento do comércio de escravos também fez expandir os territórios de
onde os africanos eram capturados e ou comprados. Assim, a partir do final do
século XVIII, os nagô passaram a ocupar lugar no cenário de escravidão no Brasil.
Nagô também era um nome genérico, como nos informa Sodré (2005);
206
BERKENBROCK, Volney J. E experiência dos Orixás... Op. Cit.; p. 67;
207
Ibid., p. 70;
208
A área entre o deserto do Saara e a floresta equatorial, nas bacias dos rios Senegal e Gâmbia, era conhecida
como Senegâmbia. Habitada pelos povos sereres e jalofos, que no segundo milênio da era cristã, vindos do vale
do Senegal aí se fixaram, fugindo da seca e da expansão do islamismo (MATTOS, 2007: 31).
209
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006, p. 69.
110
Nessa perspectiva, de uma forma geral, quando ouvimos falar das nações
africanas no Brasil, especialmente na Bahia, é mais comum ouvirmos falar no povo
nagô – “baianidade nagô” – e/ou no povo banto. É bem verdade que também se
ouve falar em povo jeje-nagô.
No entanto, considerando que “jeje” não se refere a um termo corriqueiro, o
fato de as rezadeiras ao se referirem aos escravos só atribuírem o termo “jeje”, nos
faz presumir que a maioria dos negros escravizados em Pojuca originaram-se dessa
nação. Assim, tornou-se imprescindível aprofundar um pouco mais as reflexões em
torno da origem dos africanos que foram trazidos como escravos para o Recôncavo
baiano.
Assim, dona Djão (74 anos) disse que o seu pai era jeje, quando perguntei o
que era jeje, ela prontamente respondeu que jeje era quem era escravo: “(...) meu
pai que era jeje, seu Bernardo era jeje. Jeje, quer dizer... Jeje é a primeira parte de
africano, né?...”211 Também dona Senhora (81 anos) assim identificou a senhora que
lhe ensinou a rezar: “ela era assim, bem pretinha, era jeje”. Lembramos então já ter
ouvido essa denominação em outros momentos e com o mesmo significado, o que
sugere a probabilidade da presença de negros jeje ou nagô em terras pojucanas.
Informação que nos surpreendeu e, exigiu maior aprofundamento, uma vez
que o nosso propósito é identificar a memória africana de Pojuca, através da vida
cotidiana das rezadeiras. Mas, infelizmente, essas informações só foram reveladas
no período final da pesquisa, o que não nos permitiu fazer buscas mais profundas à
documentos e referências bibliográficas, e mesmo nas entrevistas, no intuito de
atribuir maior precisão às suspeitas então suscitadas. Porém, ainda que com o risco
de cometer equívocos, nos mobilizamos nessa empreitada.
Assim, encontramos autores que convergem quanto a terminologia jeje, ao
tempo em que aprofundam a classificação de forma mais detalhada que a acima
apresentada por Sodré (2005), como são os casos de Reis (2003: 162) “(...) Daomé,
210
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 89;
211
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 12/05/2010;
111
terra dos chamados jejes (povos do grupo lingüístico gbe, sobretudo fon-ewe”212 e
Parés (2007):
212
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil
213
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia.Campinas:
UNICAMP, 2007, p. 30.
112
Observemos que na tabela extraída de Reis (2005: 309), com a projeção das
nações dos escravos africanos em Salvador, na primeira metade do século XIX, os
Jejes aparecem como o segundo grupo mais numeroso entre as nações da África
Ocidental que foram trazidos para o Brasil.
216
TABELA II – NAÇÃO DOS ESCRAVOS AFRICANOS EM SALVADOR, 1802 - 35
1835
1802 – 6 1819 – 20
NAÇÃO (ESTIMATIVA DA
(AMOSTRA) (AMOSTRA)
POPULAÇÃO)
ÁFRICA
OCIDENTAL
Mina 223 21 1681
Haussá 22 34 1611
Nagô 51 36 5388
Jeje 72 47 2668
Outros 6 26 1268
Total 374 (67%) 164 (68,6%) 12616 (72, 8%)
214
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil... Op. Cit.; p. 308;
215
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé... Op. Cit.; p. 53;
216
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil... Op. Cit.; p 309;
217
Embora se possa admitir que entre os muitos minas listados por volta de 1835 nos inventários e nos registros
de alforria – base para minhas estimativas – pudessem estar incluídos nagôs, jejes, haussás etc. (REIS, 2003:
328)
113
histórico escravocrata, como Haiti, Cuba e Trindade, dentre outros. Por outro lado,
mesmo no Brasil, essa nomenclatura não se espalhou, ficando restrita apenas à
Bahia e ao Maranhão218.
Isso significa que o estudo desse povo é algo bastante localizado,
especialmente em Salvador e no recôncavo baiano, onde autores vão contribuir com
dados sobre a presença jeje no recôncavo da Bahia, sendo assim, nos engenhos de
Pojuca igualmente, afinal, de acordo com Araújo (2006):
218
Parés, 2007: 47).
219
Grifo nosso.
220
ARAÚJO, Jean Marcel Oliveira. Bahia: negra, mas limpinha. Dissertação de Mestrado. Salvador,
Universidade Federal da Bahia, 2006, p. 55;
221
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos... Op. Cit.; p. 87;
114
Pindobas 9 3 9 2 24 48 87,4 42 53
Sapucaia 3 5 2 2 14 17 81,4 19 24
Caboto 6 9 3 1 15 23 73,7 24 33
222
Pojuca 4 1 14 7 27 14 92,5 45 22
Cornubuçu 1 0 0 0 12 11 97,1 13 11
Total 86 50 60 23 174 212 77,4 321 285
(Porcentagem de (53,2) (72,3) (45,1) (52,9)
homens)
(a) Inclui crioulos, mulatos, mestiços. (b) Inclui angolas, são-tomés, benguelas,
congos, gagos. (c) Inclui minas, jejes, calabares, ardas.
222
Grifo nosso.
223
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil... Op. Cit.; p. 308;
224
Ver tabela em: PARÉS, 2007: 66.
115
225
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé... Op. Cit.; p. 68;
226
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos... Op. Cit.; p. 84;
116
227
REGO, Alfredo Antonio Silva. Breve notícia sobre a emancipação de Pojuca... Op. Cit.; p. 9;
228
ARAÚJO, Tatiana de Freitas. Os engenhos centrais e a produção açucareira no Recôncavo Baiano... Op. Cit.;
p. 116
118
Pojuca recebeu também a Ferbasa, empresa que produz ferros e liga de ferro
e exporta para outros estados e países e implicou em conseqüências muito
parecidas como as provocadas pela Petrobrás para Pojuca e região:
Por volta dos anos 90, o que se manifestou como destaque econômico da
cidade foi o crescimento do comércio de bens e serviços e de pequenas indústrias,
porém esse crescimento, não parece ter alguma outra explicação, do ponto de vista
local, senão o crescimento da população e as exigências da pequena burguesia da
cidade.
229
CHAGAS, Jonilson Batista. Recôncavo Baiano: as transformações em curso. Dissertação de Mestrado em
Análise Regional e Urbano. Salvador: UNIFACS, 2008. Disponível em:
http://tede.unifacs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=375 Acesso em 23/06/2010, p. 84.
230
Tradução: exploradora.
231
BRITO, Cristóvão. A Petrobrás e a gestão do território no Recôncavo Baiano. Salvador: EDUFBA, 2008, p.
200.
119
232
COSTA, Edil Silva. Comunicação sem reservas: ensaio da malandragem e preguiça. Tese de doutorado em
Comunicação e Semiótica. São Paulo: USP, 2005, p. 109;
120
Essa dada situação evidencia como tem sido difícil a livre expressão da fé, da
cultura e, consequentemente das origens das pessoas em Pojuca. Há uma forte
repressão que se revela em todos os espaços: nas próprias casas, nas escolas, nos
espaços públicos... No entanto, as reflexões em torno de cotidiano, memória e
identidade, nos ajudam a compreender que esse comportamento da população de
Pojuca não é algo singular diante do cenário contemporâneo. E nos faz crer que,
silenciosamente as pessoas vão desenvolvendo “formas de fazer”, pois, ao mesmo
tempo em que dizem que “em Pojuca não há cultura”, “não tem nada”, estão
reagindo contra a apatia aparente, reinante na cidade, se percebem diferentes dos
moradores das cidades vizinhas, tanto quanto, das mais distantes.
É bem verdade, que geralmente essas percepções são expressas nas piadas,
muitas vezes preconceituosas e com comentários pejorativos, quando se vêm diante
do diferente. Deduzimos, então, que essa percepção do comportamento
diferenciado é a prova de que há uma assimilação da sua identidade histórico-
cultural, ainda que isso não seja verbalizado ou entendido como tal. Sendo
necessário, assim, realizar atividades que despertem a população para essa
questão. Acreditamos que a plena efetivação da Lei 11. 645, de 10 de março de
2008, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena,
africana e afro-brasileira nas escolas, já é um bom começo, para superação do
preconceito religioso tão agressivo em Pojuca.
Outra iniciativa que se pode ser tomada é a realização de levantamento dos
espaços, práticas e ou discursos que tenham conteúdos africanos no dia-a-dia da
população pojucana, além das rezadiras:
Religião – As pesquisas nos indicaram, por exemplo, onde existiram dois
terreiros, um na parte rural do bairro Shangrí-la e o outro na Rua dos Pires, às
margens da ponte velha. Também nos indicaram nove locais onde existem ou
existiram barracões ou locais onde realizam ou realizavam atividades mais
simples.233 O interessante é notar que no bairro da Pojuca Nova é onde se
concentra o maior número de espaços do culto afro em Pojuca. Acredita-se que é
porque, embora hoje ele seja um bairro de centro, já foi a grande periferia da cidade.
233
Ver tabela IV dos anexos.
121
234
Idem.
235
Verificar tabela IV dos anexos.
122
236
Arquivo da Biblioteca Municipal de Pojuca.
123
A história oficial tem sido, ao longo dos tempos, muito injusta com as
mulheres. Geralmente omite sua participação nos diversos movimentos pelo mundo
a fora. Atribuímos esse comportamento da história a dois motivos que se completam.
O primeiro refere-se ao que Hall chama de cultura nacional. O segundo, associado
ao primeiro, refere-se aos conceitos e concepções machistas que determinam o
comportamento das sociedades em quase todas as partes do mundo e rotulam as
mulheres como fúteis, como tivemos a oportunidade de verificar em Lefebvre
(1991)239.
No entanto, as mulheres estiveram e estão sempre presentes e atuantes em
toda e qualquer sociedade, mesmo naquelas em que sistemas bastante fechados
oprimem e submetem-nas a condição de meros objetos ou simplesmente “mães”.
Contudo, ressaltamos que ainda que a cultura tenha a capacidade de libertar,
também, quando a sua origem é opressora, pode aprisionar e, anos a fio serão
necessários para que um povo construa postura crítica frente a sua própria cultura,
capaz de forjar as possibilidades de libertação dentro da sua mesma cultura, como
já afirmava Paulo Freire (2008):
239
São ao mesmo tempo sujeitos da cotidianidade e vítimas da vida cotidiana, portanto objetos, álibis (a beleza, a
feminilidade, a moda, etc.) e é a elas que os álibis maltratam. São igualmente compradoras e consumidoras e
mercadorias e símbolos da mercadoria (na publicidade: o nu e o sorriso). (LEFEBVRE, 1991: 83)
240
Nos sentimos a vontade para acrescentar a alternativa feminina no texto de Freire por fidelidade ao nosso
tema e também por acreditarmos que se hoje fosse vivo, Freire faria revisão no seu discurso, considerando a
presença feminina.
126
241
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2008, 47ª ed, p. 58;
242
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro: revisto, atualizado e ilustrado. São Paulo:
Global, 1999, p. 587;
127
243
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem: e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 158;
244
Ibid., 271.
128
245
OLIVEIRA, Elda Rizzo de. O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 26;
246
Ibid., 32;
247
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem... Op. Cit.; p. 112;
248
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... Op. Cit.; p. 13;
129
249
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade... Op. Cit.; p.17;
250
Grifo nosso.
251
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia... Op. Cit.; p. 327;
252
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2005.
130
Observemos que dona Senhora tem clara consciência das fronteiras que
separam as duas religiões, ou as duas crenças. A forma como ela revela sua
devoção pela “Santa Bárbara do candomblé” é enfática e não deixa dúvidas de que
havia um conflito entre ela e o seu marido, que era católico da Irmandade do
Coração de Jesus, por conta da sua identidade religiosa.
Vale ressaltar que quando perguntamos qual a sua religião, dona Senhora
respondeu imediatamente que é católica e que antes rezava para Santo Antonio e
Nossa Senhora do Parto, mas não revelou sua crença por Santa Bárbara; revelação
253
GASPAR, Eneida D. Guia de religiões populares do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2004, p. 123;
254
BERKENBROCK, Volney J. E experiência dos Orixás... Op. Cit.;
255
Conversa com dona Senhora, 80 anos, em 04/05/2010;
131
que só foi feita a partir do nosso terceiro encontro. Porém, percebemos que quando
ela sentiu segurança passou a assumir outro discurso, falou das festas de
candomblé que freqüentava, das pessoas e locais onde aconteciam as festas. Mas
disse que não existia terreiro em Pojuca.
Intimamente ligada ao aspecto da dupla pertença, aparece também o
sincretismo. “É a Santa Bárbara do candomblé”. Assim, uma mesma denominação
para dois entes diferentes. Dona Senhora, como exemplo do povo afro-brasileiro,
vive as duas experiências, a do duplo pertencimento, especialmente determinante
para a sua identidade de descendente africana e também a do sincretismo,
determinante da formação da cultura brasileira.
Não queremos, com isso, estabelecer antagonismos entre identidade e
cultura; são, pois, faces da mesma moeda, porém, cada uma com sua significação.
A cultura nacional brasileira, como uma cocha de retalhos, é constituída de
fragmentos das culturas dos diferentes povos que construíram essa nação. Os
“elementos básicos de sua organização simbólica de origem”256, ainda que com
traços mais acentuados da cultura cristã ocidental, devido o processo colonizador, e
permanece em constante conflito, devido essa diversidade contida nela, bem como
devido o elitismo, o que Sodré (2005) chama de cultura elevada.
Cada fragmento de cultura terá significado diferenciado para a população
(consideremos aqui, mais uma vez, a idéia da recepção), o que, por sua vez, vai ser
determinado pelo sentimento de identificação, pelo pertencimento. Contudo, mesmo
os traços identitários de cada grupo, já são marcados pela influência dos diferentes
fragmentos ou elementos culturais. A cultura é dinâmica e dialética.
Ao analisarmos as considerações de Consorte (2006) em relação ao
“manifesto de ialorixás baianas contra o sincretismo”, percebemos esse enquanto
inegável, do ponto de vista da construção da cultura nacional brasileira. Ainda que
os fiéis tenham consciência das fronteiras de cada religião, num contexto geral, que
envolve linguagem, crenças, experiências de fé, música, ditos, dente outros, o
sincretismo apresenta-se “inapelavelmente ligado ao processo de inserção do negro
na sociedade brasileira”.257
256
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 90;
257
CONSORTE, Josildeth Gomes. Em torno de um manifesto de ialorixás baianas contra o sincretismo. In:
BACELAR, Jéferson & CARDOSO, Carlos (org.). Faces da Tradição Afro-Brasileira. Rio de Janeiro: Pallas,
Salvador: CEAO, 1999, p. 79;
132
258
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 20/01/2010;
259
SANTOS, Rafael Beondani dos. Martelo dos hereges: militarização de Santo Antonio no Brasil colonial.
Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006., p. 97. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2006_SANTOS_Rafael_Brondani_dos-S.pdf . Acessado em
25/06/2010.
134
260
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 25/10/2009.
261
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 05/05/2010;
135
A cruz é a senha de que o que elas fazem é permitido por Deus. “Deus é
quem cura”. Porém, seus ritos de cura deixam escapar traços de outras identidades
culturais e, conseqüentemente, religiosas. Afinal, nos ritos de origem africana
simbologia da cruz também aparece, porém, na forma da encruzilhada, que sugere
as várias possibilidades de caminhos a se trilhar, como Santos (2005) esclarece:
262
SANTOS, Denilson Lessa. Nas Encruzilhadas da Cura: Crenças, Saberes e Diferentes Práticas Curativas.
Santo Antonio de Jesus – Recôncavo Sul – Bahia (1940 – 1980) – Dissertação de Mestrado. UFBA, Bahia, 2005,
p. 13;
136
263
SANTOS, Rafael Beondani dos. Martelo dos hereges: militarização de Santo Antonio no Brasil colonial.
Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2006_SANTOS_Rafael_Brondani_dos-S.pdf . Acessado em
25/06/2010, p. 81;
264
SANTOS, Rafael Beondani dos. Martelo dos hereges: militarização de Santo Antonio no Brasil colonial.
Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006, p. 75. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2006_SANTOS_Rafael_Brondani_dos-S.pdf . Acessado em
25/06/2010,
265
Id.
137
anos a trezena de Santo Antonio, pois já não o faz mais em sua casa, uma vez que
o padre disse que lugar de rezar é na igreja:
Os relatos de dona Zilda, dona Djão e também dona Lindu (98 anos), que não
é rezadeira, mas rezou para Santo Antonio durante muitos anos, só deixou depois
que uma das suas filhas faleceu. Para todas essas o processo de construção da
devoção a Santo Antonio foi o mesmo. Dona Senhora (80 anos) também rezava
para Santo Antonio e deixou de rezar depois que uma de suas filhas faleceu, só
266
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 04/05/2010;
267
Id.
138
continua rezando para Santa Bárbara. Embora não tenham dito claramente, parece-
nos que deixaram de rezar para o santo, como se fosse uma espécie de castigo ou
mágoa, que passaram a cultivar contra o santo, por não ter conseguido livrar as
filhas de ambas da morte. Esse comportamento é muito típico na relação de
intimidade que os devotos estabelecem com seus padroeiros.
Mas não acreditamos que essa devoção seja resultado apenas da forma
como chegou ao Brasil. Como já abordamos sobre a recepção e o sentimento de
identificação, acreditamos que ambos também influenciaram na adoção de Santo
Antonio como santo padroeiro de tantos brasileiros, especialmente das rezadeiras
de Pojuca. Em primeiro lugar, a devoção a Santo Antonio já era uma realidade no
Congo e também em Angola, na África, ligado às lutas revolucionárias. Diante disso
é provável que muitos dos africanos que foram trazidos para o Brasil na condição de
escravos já conhecessem o santo, de acordo as informações de Santos (2006):
268
SANTOS, Rafael Beondani dos. Martelo dos hereges... Op. Cit.; p. 75;
269
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos... Op. Cit.; p. 282.
139
Por último, para decifrar o mito que embasa as práticas das rezadeiras, como
já começamos, temos um conteúdo africano muito denso, ainda que, em alguns
momentos, negado ou camuflado. Lembremos os ramos verdes citados por Cascudo
(1999).
A utilização de folhas em ritos, chás e efusões é uma prática muito antiga e os
índios utilizavam várias e conheciam também os espíritos das doenças. Mas as
folhas não são utilizadas apenas pelos índios, os africanos já chegaram aqui com
muitos conhecimentos de ervas e dos seus usos, além da concepção de que as
doenças têm origem mágica ou espiritual. Assim, os africanos acreditam que não
basta o uso dessa ou daquela erva; é fundamental que juntamente com os ritos,
chás ou efusões sejam pronunciadas palavras “mágicas” que têm poder de curar.
De acordo com Verger (2009): “entre os iorubas a preparação de remédios e
trabalhos mágicos deve ser acompanhada de encantações (ọfọ) com o nome das
plantas, sem as quais esses remédios e trabalho não agiriam”271.
Assim, folhas e palavras são bases de quase todas as rezas, são poucas as
doenças que não exigem o uso de folhas no processo de benzimento. Abaixo
apresentamos relação de algumas folhas utilizadas pelas rezadeiras e para que
serve:
Água – não é folha ou erva, mas muito presente em vários rituais. Serve para
rezar de olhado e dor de cabeça, principalmente;
Afavaca de galinha – febre, gripe;
Alecrim – dor de cabeça, sinusite;
270
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé... Op. Cit.; p. 111;
271
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewé: O uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, p. 35;
140
Alfazema - olhado
Algodão – dor no corpo, para ajudar no parto;
Alho – embora não seja uma folha ou erva, foi citado por todas as rezadeiras,
para diversos fins como dor de cabeça, dor de dente, inflamação, coceira;
Alumã – fígado, estômago;
Aroeira – para olho grosso, gripe;
Assa peixe – rins, dor no corpo, impinge
Babosa – emplasto, deve preparar com mel e vinho, serve para câncer e
doenças desse tipo;
Boldo – fígado, estômago, intestino;
Capeba – banhos, febre, estômago, fígado, intestino;
Carqueja – diarréia;
Capim santo – pressão alta, gripe;
Cidreira – gripe, dor de cabeça, pressão alta;
Fedegoso – erisipela;
Folha da costa – prepara o xarope, serve para asma;
Gonçalinho – dor de barriga, disenteria;
Guiné – olho grosso,
Jurubeba – diabetes;
Mandacaru – rim, tuberculose;
Melão de são Caetano – fígado, sarna, ferida, coceira;
Pinhão branco – intestino;
Pinhão roxo – intestino;
Pitanga – gripe, garganta, osteoporose;
Quarana – dores no corpo, osteoporose, a vermelha;
Quiôiô – febre, olhado, serve para fazer banhos e chás;
Tapete de Oxalá – serve para tudo, qualquer tipo de dor;
Vassourinha – olhado, febre, erisipela;
Velaminho – dor de cabeça, febre;
272
Conversa com dona Djão, 74 anos, em 02/06/2010;
273
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 05/05/2010;
142
Ela afirma ser católica, mas confessa que vai a qualquer igreja. Um dos seus
filhos bebia muito, mas depois que foi para a igreja dos mórmons ele deixou de
beber e ela agradece muito a Deus. Às vezes vai com o filho na igreja que ele
freqüenta. Mas esclarece: “não saio da minha religião”
O conteúdo africano presente nas práticas das rezadeiras de Pojuca é
inegável, ainda que tentem fazer isso. Percebemos que algumas delas, como dona
Zilda e dona Senhora, num primeiro momento omitiram seu pertencimento, noutro
tentou até negar, dizendo que não gosta, mas no decorrer da pesquisa, foram
confirmando o que não conseguiam esconder.
Já dona Djão, que logo deixou transparecer seu pertencimento, embora
afirme ser índia, pois sua avó era índia e embora o seu pai fosse negro jeje, como
ela afirmou. Numa das nossas conversas, ela disse que uma das filhas “vê as
coisas”, que quando era criança, sempre ganhava presente da mãe d’água, mas que
não quer “mexer”, porque “é coisa de herança e ia mexer com muita gente”.
Por outro lado, dona Dida (70 anos) e dona Laura (81 anos), as mais católicas
entre as cinco, pois participam ativamente da vida na comunidade e fazem parte do
Apostolado da Oração e da Pastoral da Criança, respectivamente. Não abrem mão
do ofício, mas tentam passar uma idéia de “pureza” das suas práticas. “Jesus deixou
as folhas para curar”. Essa frase foi proclamada por dona Laura várias vezes.
Dona Dida, inclusive negou que cada reza tenha o seu patrono, embora
reconheça que os versos das orações citam vários santos, que seriam responsáveis
por aquelas doenças. Discurso fortemente controverso, por isso mesmo, muito
confuso:
Lembramos que dona Dida, em outro momento revelou ser devota de Santo
Antonio desde os 13 anos de idade. Que na sua família tem várias pessoas com
esse nome. E que deixou de rezar em casa porque o padre disse que não era para
fazer “cultos em casa”, deveriam rezar nas missas. Suspeitamos que esse
comportamento é fruto da ação da igreja, dos discursos dos padres sobre seus fiéis,
pois são justamente, as duas rezadeiras mais atuantes na igreja Católica, que
apresentam discurso dessa natureza. Aquelas que não têm vivência tão presente na
igreja, devem se sentir mais livres, quanto ao seu pertencimento, por isso, apesar
dos subterfúgios, falam com mais abertura sobre o assunto.
Outro fator que ilustra o conteúdo africano nas práticas e saberes das
rezadeiras é o processo de aprendizado e ensinamento do ofício. Nos causou
surpresa constatar que a maioria das rezadeiras aprendeu rezar com pessoas fora
do seu ciclo familiar. Apenas dona Zilda revela que aprendeu rezar observando e
auxiliando o seu pai no momento em que ele fazia os benzimentos. Ela conta que
começou rezar com apenas vinte anos de idade.
Todas as outras aprenderam fora do seio familiar. São os casos de dona Djão
(74 anos), que aprendeu com uma velha senhora que morava próximo da sua casa;
dona Dida, que embora sua avó e sua mãe fossem rezadeiras também, ela conta
que aprendeu com várias pessoas diferentes, desde sua mãe até um compadre;
também dona Senhora revelou que aprendeu por curiosidade, ficava olhando as
pessoas rezarem. Quem lhe ensinou foi a parteira, dona Vicença, que “pegava” e
rezava; uma senhora “bem pretinha”. Dona Senhora (80 anos) também foi parteira,
fez o curso, mas sua mãe jogou seu diploma fora, mas ela exerceu o ofício durante
274
Conversa com dona Dida, 70 anos, em 02/06/2010;
144
muitos anos. Também dona Laura aprendeu a rezar com outra pessoa. Ela diz que
sua mãe não sabia nem rezar o “Pai Nosso”:
Minha mãe não sabia rezar nada, ela não sabia rezar
nem o Pai Nosso. Quem me ensinou foi uma senhora chamada
Salu. O nome dela era Salustiana, ela morava na usina Pitanga
e morreu com mais de cem anos. Ela rezava alto para agente
aprender, depois vinha e dizia como era que rezava.275
275
Conversa com dona Laura, 81 anos, em 02/06/2010;
276
VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In: KI-ZERBO, Joseph (org). História Geral da África. I -
Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p. 157;
277
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewé... Op. Cit.; p. 35;
145
teu corpo será preso, Claudia, nem tua alma perdida, Jesus,
ave Maria, Jesus, ave Maria.278
Contudo, algo ainda ficou por ser dito. Durante o período da pesquisa,
algumas vezes as respostas e histórias se repetiam, noutras silêncios eram a
resposta e noutros momentos ainda se desviava perguntas.
Algumas com mais sede de falar que as demais; outras com muito mais
interesse em falar da sua vida amorosa ou dos problemas com seus maridos, ou das
suas viagens. Sempre ficava algo no ar, uma informação que não foi dita, palavras
que não foram usadas...
Algumas respostas não nos deixaram dúvidas de que havia segredos,
informações que não foram reveladas. Quando perguntamos a dona Dida (70 anos)
sobre os patronos das orações, ela teve uma incrível dificuldade em responder.
Citou diversos nomes de santos, mas ainda assim, negou ter algum patrono. Então,
uma pergunta ficou sem resposta: se ela acredita no poder das rezas, se reza muita
gente e todos aqueles que ela reza ficam bons, conforme seus relatos; e as rezas
são todas invocando vários santos, por que então, ela nega a existência do
padroeiro?
Duas possibilidades são plausíveis, ou ela está tentando respeitar com
exatidão as orientações do padre, que sugere a abolição dos santos, em nome de
Jesus, ou ela tem consciência que no seu processo de aprendizado, aprendeu que
quem está por trás das folhas, não são os santos, mas sim outras entidades, os
orixás ou pode ter qualquer outra resposta muito distante dessas aqui apresentadas.
Postura parecida teve dona Zilda (72 anos), quando perguntamos sobre as
“simpatiazinhas” que ela realiza às vezes, ela respondeu evasivamente:
278
Dona Zilda, 72 anos. Observação em: 12/05/2010;
279
Conversa com dona Zilda, 72 anos, em 05/05/2010;
146
E mudou de assunto. O que será que tem nas “simpatiazinhas”? Por que a
necessidade de enfatizar que não era coisa de candomblé? Por que a confusão com
as palavras no momento da resposta?
Muitas perguntas esse comportamento pode provocar. Portanto, embora não
tenhamos as respostas para essas perguntas, temos uma resposta que nos faz
compreender esse comportamento. Trata-se do segredo, elemento muito presente
na sabedoria africana. Segundo Sodré (2005) “é de separação o ato inaugural do
segredo, um ato de hierarquia daquele que sabe ‘alguma coisa’ – que o outro não
sabe”280. Ou seja, diante dos conteúdos do conhecimento a ser ensinado, algumas
coisas são retiradas, mas não são omitidas. O autor diz que o segredo deve ser
revelado de alguma forma, porém não para toda e qualquer pessoa, pois: “Entrar no
segredo de alguém e entrar na regra – de um jogo. A regra que permite as
identificações no interior de um determinado nível, circula, distribuí-se divide-se
entre os parceiros de um processo comunitário”.281
No caso das rezadeiras, essa vivência, de certa forma é individual, pois,
embora todas elas estejam inseridas numa comunidade, sejam reconhecidas pela
comunidade, não estão organizadas como num terreiro, então o processo de
aprendizagem é bem diferente. Cada uma vive uma experiência bem específica de
aprendizado, porém, identificamos um comportamento de segredo. Provavelmente
sejam aquelas coisas que só são reveladas quando o outro está pronto para
conhecer o segredo. Sodré confirma tal suposição quando afirma: “o enigma é uma
provocação ou um desafio à luta para conhecer a regra do jogo, é uma exibição do
segredo”282.
Não descartamos, contudo, que os segredos de hoje sejam apenas a
tentativa de camuflar ou negar o legado africano embutido na prática das rezadeiras,
especialmente no ato de rezar.
280
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 130;
281
Ibid., p. 103;
282
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida... Op. Cit.; p. 106;
147
Notemos que o último eixo engloba os três primeiros, mas não se confunde
com eles, então nos deparamos numa encruzilhada, como diz Santos (2005), numa
situação de várias possibilidades de caminhos. Qual caminho devemos seguir para
decifrar o mito fundador que embasa as práticas das rezadeiras?
Talvez pudéssemos dizer que elas não dissociam as práticas de cura de
ações místicas ou ainda, que suas ações são inevitavelmente justificadas pela fé,
pela crença em diferentes forças que tem o poder de curar e transformar situações
(santos, orixás, espíritos...).
Pois, podemos dizer que a religião é fator determinante da vivência cultural
dessas mulheres. A religião, no entanto, é uma faca de dois gumes. Sua importância
na vida das pessoas, inevitavelmente, está associada ao tipo de organização social.
Por isso, Lefebvre (1991), Certeau (1999) e Heller (1992), se referem à religião
enquanto instrumento de dominação, utilizado pela sociedade terrorista para manter
as pessoas presas ás imposições das elites. Segundo Lefebvre (1991)283, onde a
igreja Católica não conseguiu fazer esse papel, a igreja protestante, muito mais
283
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno... Op. Cit.; p. 157;
148
284
LÜHNING, Angela. Ewé: as plantas brasileiras e seus parentes africanos. In: BACELAR, Jéferson &
CARDOSO, Carlos (org.). Faces da Tradição Afro-Brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, Salvador: CEAO, 1999, p.
311;
149
285
SANTOS, Denilson Lessa. Nas Encruzilhadas da Cura... Op. Cit.; p. 160;
150
Considerações finais
Os mitos resistem: novas indagações para o tema
Yapô Yuca é um lugar muito próximo, que era habitado por seres muito especiais.
Contam que naquelas terras habitava um povo muito feliz. Um povo que vivia no mato, na
mata. Tudo o que possuíam e tudo o que consumiam vinha da mata. Havia uma grande
relação de respeito entre o povo, os encantados, as águas, a terra, a flora e a fauna daquele
lugar.
Lá havia um rio maravilhoso, que também se chamava Yapô Yuca. Esse rio além de
ser a força vital daquelas terras, servia de morada para muitos encantados.
Certo tempo chegou em Yapô Yuca uma gente muito estranha; essa gente falava
uma língua que ninguém conhecia, mas foi obrigado a conhecer e aprender a falar. Eles
usavam muitas coisas estranhas e invadiram aquelas terras sem pedir licença; não
respeitaram nenhum dos habitantes de Yapô Yuca e foram se apropriando daquele lugar.
Todos os habitantes lutaram contra os invasores. Foram conflitos desleais e por isso,
muitos foram massacrados, mas ainda assim o povo continuou resistindo. O povo irmão se
juntou para lutar contra os invasores; não conseguiram expulsá-los, mas resistiram e
conseguiram permanecer em suas terras.
151
Passado mais algum tempo, outras pessoas chegaram em Yapô Yuca, mas dessa
vez não eram como os primeiros, essas outras pessoas foram trazidas como escravas pelos
primeiros; por isso chegaram muito tristes. Vendo a profunda tristeza dos novos hóspedes, os
yapôyucanos resolveram acolhe-los e confortá-los ainda que também tristes, há algum
tempo.
Entre esse novo povo, chegaram três pessoas/seres muito especiais e levaram
consigo algumas coisas muito interessantes, que eles chamavam de tesouro. A primeira era
uma senhora muito velha, mas incrivelmente forte. Segundo ela essa força vinha da lama e
que no percurso da viagem veio muito fraca, perdendo todas as suas forças; pensou que não
resistiria, mas ao chegar em Yapô Yuca, suas forças se restabeleceram, pois aquele lugar lhe
era muito familiar, lembrava muito o seu berço, por isso, sentiu-se cheia da sua força vital. E
como forma de gratidão se comprometeu em adotar todos os filhos de Yapô Yuca e cuidar
deles. Ela levou na sua bagagem um pouco de lama, que misturou com toda a lama existente
em Yapô Yuca, e dotou-a de poder vital.
O segundo era um ser muito misterioso, pois ninguém conhecia a sua face, mas, ao
mesmo tempo, tinha aspectos de todas as plantas e ervas, por isso, imediatamente se
relacionou muito bem com toda a flora da sua nova morada e logo descobriu seus segredos.
Nunca se viu tanta intimidade! Mas não divulgou o que descobriu, assim como fazia na sua
terra natal. Também trouxe consigo muitas sementes, que se adaptaram muito bem na nova
terra. Em sinal de gratidão, se comprometeu em cuidar da saúde de todo o povo que o
acolheu.
A última era uma fascinante serpente encantada. Umas vezes preta, outras colorida.
Ela era mágica, aparecia e desaparecia de repente, mas estava sempre presente. Tudo
ouvia, tudo via. Essa serpente se relacionou muito bem com o rio, vivia nas suas margens e
conversavam horas a fio. A serpente trouxe consigo um tesouro encantador, um arco
colorido, muito bonito e com esse tesouro se comprometeu em proteger o rio e todas as
águas daquela terra.
Apesar de todas as tormentas sofridas pelos dois povos, agora irmãos, o encontro
entre eles foi motivo de muita alegria, pois sabiam que se ajudariam mutuamente, sempre.
Dizem que sempre que podiam faziam muita festa. As moças da lagoa, se uniram com as
mães-da’água que vieram das terras distantes. Elas dançavam, cantavam, nadavam sem
parar; sempre muito bonitas e arrumadas. Recebiam muitos presentes e às vezes doavam
alguns desses. Contam que elas guardavam um baú com um grande tesouro no fundo do rio
Yapô Yuca, mas quem se atrevesse a pegar se daria muito mal.
Juntos, esses dois povos se tornaram um, e combateram incessantemente os
invasores. Tiveram a alegria de também poder contar com entes especiais da origem dos
invasores, também bravos guerreiros, que não concordavam com aquela forma deles se
comportarem, e foram aliados dos povos da mata e combateram juntos em grandes batalhas.
Às vezes, batalhas demoradas e silenciosas.
152
286
GIL, Gilberto. A grande Refazenda: África e Diáspora pós CIAD II. Brasília: Fundação Cultural Palmares,
2007, p. 7;
154
REFERÊNCIA
_______. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2008, 47ª ed.
GIL, Gilberto. A grande Refazenda: África e Diáspora pós CIAD II. Brasília:
Fundação Cultural Palmares, 2007.
Anexos
161
Espaços de culto Não existem mais Não vendem mais: Bumba-meu-boi (se.
desativados: Carapeta) – Pau Dárco.
Barracão de d. Odete Movimento Cultural d. Odete Parou pois o responsável
(falecida) – Wanderlino de Pojuca; (falecida); encontra-se muito
Nogueira; doente;
Barracão de João Associação do d. Avani (deixou
Borges (falecido) – Reggar de Pojuca; de vender) Bumba-meu-boi (Sr.
Antonio Mota; Pedro) – Shangri-la –
Casa de d. Loló Escola de Samba d. Dolores (deixou deixou de fazer;
(falecida) – Pojuca Descendo o Morro; de vender)
Nova; Lavagem das escadarias
Casa de d. Lourdes Baianas da Igreja com baianas a
(falecida) caráter;
Casa de Juvêncio
(falecido) – Antonio Semana da Consciência
Mota; Negra – Os grupos que
Barracão de d. realizavam não existem
Ernestina/ Faterinha mais.
(deixou de bater) –
Beira Rio/ 29 de Julho.
Barracão de d.
Ormina (falecida) – às
margens da ponte
velha
Terreiro (?) – Shangri-
lá
Locais de oferendas: Nos pontos
Encruzilhada do comerciais é
cemitério; comum a venda
Entrada da cidade. de “comida baiana
nas sextas-feiras.
165
Vestígios da capela da
Purificação – Fazenda São
José dos Caboclos. Em
13/06/2010.
A lagoa encantada –
águas turvas – leito
completamente poluído.
Em, 02/06/2010.
Símbolo da Petrobrás.
Entrada de Pojuca.
Em, 13/06/2010.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )