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O conceito de subjetividade considerado tem o sentido de processo de produção de si ou processo de
subjetivação, que se realiza com componentes heterogêneos, materiais distintos ou vetores de existencialização
diversos. Não somente baseado nas relações familiares, na infância ou componentes biológicos, mas também
atravessada por relações diversas, como com a cidade, com os meios de comunicação, com as novas tecnologias,
com as políticas de Estado, e também com a violência institucional (RAUTER, PASSOS & BENEVIDES, 2002).
* Mestranda na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”- Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
E-mail: juhf_julia@hotmail.com
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os pés na lama”, que leva a refletir as instituições, ou ainda, a ética e sua relação com o jogo de
forças, de poder e resistência que atravessa as práticas de atenção e cuidado condizentes à
profissão e os paradoxos que se apresentam de fato. (GUIRADO, 2009, p.351).
Nos casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes, os profissionais da
Psicologia, de acordo com seu código de ética, possuem o imperativo da quebra de sigilo
considerada a leitura concomitante dos seguintes artigos:
Art. 10° - Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes
do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código,
excetuando-se os casos previstos em lei2, o psicólogo poderá decidir pela quebra de
sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Ou seja, nos casos previstos em lei o psicólogo será obrigado a quebrar o sigilo
não importando se isso comprometerá negativamente uma das prerrogativas do contrato
terapeuta/paciente: a confidencialidade. O Estado retira da categoria profissional a sua autonomia
para proteger a intimidade dos atendidos com os quais estabeleceu uma relação profissional.
Diante disto os profissionais que atuam no atendimento destes deverão
considerar qual a autonomia da categoria profissional em relação às exigências de um Estado, o
que nos leva efetivamente a questionar sobre a serviço de quem estaria esta categoria atuando
mediante uma proposta que pré supõe um entendimento universal de maus-tratos.
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Grifo meu.
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partir da denúncia, esconde o fato de que a violência poderia ter sido evitada caso as relações
entre adultos e crianças fossem submetidas a leis que não privilegiassem, respectivamente, a
autonomia de um sobre o outro.
Considerada a infância uma produção social como proposto por Ariès (2006),
pretende-se neste trabalho uma observação análoga relativa à sexualidade infantil, vivência esta
que possui uma economia de mistério e importância singular, por conter culturalmente “todo
material central do qual se forma a sexualidade do adulto [...] Apesar, ou talvez devido a esta
importância, o conhecimento sobre a sexualidade infantil permanece como terra incógnita para
adultos, como área proibida e assustadora” (CONSTANTINE; MARTINSON, 1984, p. 03).
Porém, as diferentes culturas nos possibilitam observar as inúmeras abordagens possíveis quanto
aos modos de aceitação na sexualidade infantil, Currier (1984, p.11-13), apresenta uma divisão
em quatro categorias:
- Culturas sexualmente repressivas – nega a sexualidade, exige castidade pré-
matrimonial, proíbe todas as formas de sexo que não tenha por objetivo a procriação, não são
permitidos jogos sexuais na infância e a sexualidade do adolescente e do adulto são
acompanhadas de culpa, medo e raiva;
- Culturas sexualmente restritivas – são impostas limitações para a sexualidade,
a castidade pré-matrimonial é exigida pelo menos a um dos parceiros, e a possibilidade de buscar
prazer fica restrita ao sexo oposto, apesar de lhe ser permitido alguma liberdade sexual, os jogos
sexuais infantis são desencorajados, o sexo possui caráter ambivalente nestas culturas, é temido,
não por sua natureza, mas pelos problemas que pode causar;
- Culturas sexualmente permissivas – possuem proibições que são
constantemente violadas, os jogos sexuais infantis são teoricamente proibidos, mas possíveis de
ocorrerem longe dos olhos dos adultos, a prática sexual antes do matrimonio não gera polemica,
estas culturas se preocupam mais se os comportamentos sexuais são adequados do que se estão
ou não ocorrendo, ambos os sexos valorizam e buscam prazer sexuall.
- Culturas corroboradoras quanto ao sexo- a experiência sexual precoce é
valorizada e considerada necessária para o adequado desenvolvimento social e biológico, os
jovens são incentivados a freqüentarem espaços especiais de encontros com áreas apropriadas
para encontros sexuais entre as crianças e principalmente entre os adolescentes, possuem
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cerimônias para simbolizar a puberdade, nas quais podem ocorrer instruções sexuais formais, o
prazer sexual é valorizado por ambos os sexos e a falta de gratificação sexual é intolerável.
Pode-se observar também os relatos relativos aos povos tribais não hindus da
Índia, estes ficam ansiosos para que as crianças atinjam a satisfação social e sexual, e esta
conquista é um requisito que as farão desejáveis para o casamento (CURRIER, 1984, p. 10). Na
Grécia Antiga, na Índia Antiga as relações entre jovens e adultos eram estimuladas ou poderiam
até possuir caráter pedagógico, vale lembrar ainda que no ocidente, durante um longo período as
mulheres se casavam muito cedo e quase sempre com homens bem mais velhos, nota-se,
portanto, que as práticas sexuais entre crianças e adultos foram durante muito tempo, e em
diversas culturas toleradas e até mesmo estimuladas (FELIPE, 2003, p. 53).
Estas diferenças culturais quanto às experiências sexuais, mais permissiva ou
mais restritiva nos demonstra o quanto cada verdade sobre as sexualidades são produzidas social
e historicamente e permanecem em constante processo de transformação. Na cultura ocidental a
partir do século XVII, a interdição do sexo se torna um imperativo, ao ponto de não se poder nem
mesmo chamá-lo pelo nome, e sistematicamente é instalada sua censura (FOUCAULT, 1988, p.
23). Porém é necessário que não se perca de vista a existência de uma política interna nas formas
institucionais concretas da sexualidade em determinado tempo e lugar e que tais manobras
políticas, deliberadas ou acidentais, possuem conflitos de interesses permanentemente
renegociáveis (RUBIN, 1998).
Rubin (1998) nos apresenta o percurso socio-histórico em que a sexualidade é
engendrada, no qual controles formais e informais a atravessaram (e ainda a atravessam) na
sociedade ocidental. Para a autora a sexualidade se estruturou num contexto social de caráter
punitivo, no qual a noção de uma libido natural deveria ser reprimida, neste contexto é ressaltada
uma negatividade do sexo, o sexo é considerado como “força perigosa, destrutiva e negativa”:
primeiramente a sexualidade é atravessada pelo caráter pecaminoso atribuído pela tradição cristã,
no qual o sexo é admitido somente no casamento, sem que se admita chamar atenção para
qualquer possibilidade de prazer, o sexo é permitido somente para a procriação. Posteriormente
estes aspectos são ainda mais reforçados pela legislação que incorpora a crença religiosa e atribui
ao sexo que não cumpre as normas impostas pela igreja os castigos mais severos. Mais tarde, para
multiplicar ainda mais as categorias de má conduta sexual, a medicina e a psiquiatria se
apropriaram da sexualidade mapeando-a a partir de uma hierarquia moral, atribuindo disfunções
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baseia-se na sabedoria popular das sociedades ocidentais, que considera o sexo eternamente
imutável, associal e não histórico” (RUBIN, 1998).
Com o advento do modelo da família conjugal, procriadora, as questões da
sexualidade são cuidadosamente encerradas, silenciadas e as crianças que anteriormente vagavam
sem escândalos entre as transgressões visíveis dos adultos passam a ter um estatus de assexuadas,
mobilizando atitudes de interdição e controlado silenciamento quanto aos assuntos que tratavam
da sexualidade infantil, como se o mutismo e simulação de inexistência do sexo dirigida às
crianças pudessem protegê-las dos desejos violentos e/ou da sedução perpetrada pelos adultos
que mantiveram como norma maior a reprodução hierárquica de poder (FOUCAULT, 1988).
Este tema tem sido ponto de divergência entre teóricos desde o século XVIII
quanto às reais conseqüências da precocidade sexual, esta experiência foi pontuada em geral
como prejudicial à saúde. Diante desta crença disseminada discursivamente enquanto verdade a
partir de instituições de saber, as mais diversas e bizarras técnicas de inibição da excitação sexual
infantil foram utilizadas: “para proteger os jovens do despertar prematuro para o sexo, os pais
amarravam as crianças à noite para que não pudessem se tocar; os médicos amputavam os clitóris
das meninas que se masturbavam”. As atitudes, as legislações em relação ao sexo, são fortemente
influenciadas pelas marcas deixadas pelo pânico moral perpetrado no século XIX, através de
campanhas educacionais e políticas, apoiadas pelo saber médico e jurídico para a promoção da
castidade, uma histeria erótica é despertada eficientemente pela convocação da sociedade para
proteger as crianças (RUBIN, 1998).
A existência de variações culturais contradiz as noções de uma sexualidade
infantil ideal e deve nos fazer refletir sobre “quais são as condições que fizeram com que
determinadas praticas passassem a ser consideradas impróprias, sendo alvo de controle por parte
das autoridades médicas, religiosas e políticas” (FELIPE, 2003, p.59).
Rubin (1993) nos chama atenção para como geralmente tem sido vista a missão
das práticas clinicas:
como sendo o reparo de indivíduos que de algum modo perderam o rumo de seu
objetivo “biológico”. Transformando a lei moral em lei científica, a prática clínica agiu
para impor a convenção sexual sobre seus participantes indisciplinados. Neste sentido, a
psicanálise tornou-se, com freqüência, mais do que uma teoria dos mecanismos da
reprodução de arranjos sexuais; ela foi um destes mecanismos.
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Outro importante mecanismo que atualmente não pode deixar de ser analisado é
a constante erotização dos corpos infantis que se apresenta como paradoxo ao pânico moral que é
disseminado quanto a qualquer atividade sexual realizada na companhia ou presença de uma
criança. Com o surgimento das tecnologias de comunicação em massa, primeiramente com a TV
e agora ainda mais abrangente através da internet, a propagação das imagens passa a fazer parte
das formas de eleição dos objetos de desejo da população, a infância tem sido apresentada entre
eles, “como objeto a ser apreciado, desejado, exaltado numa espécie de “pedofilização”
generalizada da sociedade” (FELIPE, 2003, p. 57). Considerando-se, como nos aponta Louro
(2000, p. 65-66) que a direção dos interesses eróticos é construída a partir dos disparadores que
nos atravessam no decorrer de nossas vivencias e dos significados atribuídos às mesmas na
formação das subjetividades não há como deixar de considerar o excesso de exposição dos corpos
infantis como paradoxo em relação às determinações sociais e legislativas que abordam o tema da
VSCA.
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REFERÊNCIAS
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Janeiro:LTC, 2006.
FELIPE, Jane. Erotização dos corpos infantis. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane;
GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.) Corpo, gênero e Sexualidade. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 2003.
LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, v. 25, jul.-dez.,
p.59-76. Porto Alegre, 2000. Acesso em
MILLER, Dusty. Incesto: o centro da escuridão. In: IMBER-BLACK, Evan et all. Os segredos
na família e na terapia familiar. Trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, pp. 185
-199.
RUBIN, Gayle. O Tráfico de Mulheres: Notas sobre a “economia polílica” do sexo. Recife, PE:
SOS Corpo, 1993.
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____________. Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality. In: NADIR,
Peter & SCHNEIDER, Beth. (Eds.) Social perspectives in lesbian and gay studies: a reader.
London: Routledge, 1998.
SOARES, Liziane do Espírito Santo. Pesquisa em Comunicação Social: um inventário das teses
e dissertações defendidas no programa de pós – graduação da FAMECOS/PUCRS. (Dissertação
de Mestrado em Comunicação Social) PUCRS, Porto Alegre, 2004.