Você está na página 1de 132

Edda Augusta Quirino Simões

Klaus Bruno Tiedemann

Psicologia da Percepção

Sobre os Autores

Edda Augusta Quirino Simões é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasilia, mestre
em Psicologia pela California State University e doutora em Ciências (Psicologia) pelo Insti tuto
de Psicologia da Universidade de São Paulo. É Professora Adjunta das Faculdades
Metropolitanas Unidas, responsável pela disciplina Psicologia Geral e Experimental II
(Percepção), e Chefe do 1 aboratório da referida disciplina. Foi Professora Assistente da
Universí dade Federal do Ceará, ocasião em que coordenou a implantação do seu
Departamento de Psicologia e respectivos Laboratórios. Realizou pesquisas no Institute of
Medical Sciences do Pacific Medical Center e na Smith-Kettlewell Eye Research Foundation da
University of the Pacific, em San Francisco, California (USA).

Klaus Bruno Tiedemann é graduado e mestre em Psicologia e doutor em Ciências (Psicologia)


pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E Professor Assistente, responsável
pela disciplina Psicologia da Percepção, no Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo. Fez cursos e pesquisas no Centro de Estudos Avanzados de Caracas (Venezuela), no
Zoologisches lnstitut da Universidade de Munique (Alemanha) e no Instituto de Investigaciones
Biológicas "Clemente Estable" e Faculdade de Medicina de Montevidéti (Uruguai).

Capa: Paulo Hiss

P. L - ditoi Pedogógica e ti :i\ ersitaria Lida., São Paulo. 1955. iodos os dirc-iios esersados .. \
repiodução dcxii obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, seisi 1iutori/açio

expressa e po escuto da liditoia,sueitará o infrator, nos termos da leito 6.595, de 17-12-1950,

ii penalidade prevista tios artigos 154 e 156 do Código Penal, ii saber: reclusão de um a quatro

P Ir. - Telefone (0 II) 3549-6077 - J°ax. (0 II) 3X45-5S03

l'-1aiI: vendas(o epu.com.hr Site na Intcrnct: http: '.vs\ w.epu eom.br

Rua Joaquni t-loriano, 72 - 6 andar - eon(unto 65 65 - 0-1534 000 São 'mio - 5 P

In p10550 no l3rasi 1 Printed is t5t ao

Prefácio geral da Coleção

A Coleção Temas Básicos de Psicologia tem por finalidade apresentar de forma didática e
despretensiosa tópicos que são ministrados em várias disciplinas dos cursos superiores de
Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicológicas.

O objetivo fundamental é o de oferecer leituras introdutórias que sirvam como roteiro básico
para o aluno e que ajudem o professor na elaboração e desenvolvimento do conteúdo
programático.
Neste sentido, selecionamos autores com vasta experiência didática em nosso meio, os quais,
em virtude da profundidade de seus conhecimentos e do contato prolongado com alunos,
cientes da dificuldade de adaptação da literatura importada para o nosso estudante, se
dispuseram a colaborar conosco.

Esperamos, assim, contribuir para a formação de profissionais, psicólogos ou não,


sistematizando e transmitindo, de forma simples, o conhecimento acadêmico e prático
adquirido por nossos colaboradores ao longo dos anos, e também tornando a leitura um
evento produtivo e agradável.

Clara Regina Rappaport

Coordenadora

VII

Sumário

Prefácio geral da coleção VII

Prefácio IX

1. Bases sensoriais da percepção 1

1.1. O ambiente e sua percepção 1

1.2. Transdução sensorial e classificações dos receptores 2

1.3. Após a transdução 6

1.4. Sensibilidade cutânea 8

1.5. Sensibilidade cinestésica 13

1.6. Sentido vestibular 15

1.7. Olfato 16

1.8. Gustação 19

1.9. Audição 21

1.10. Visão 24

1.11. A interação dos diversos tipos de receptores 32

2. Psicofísica - Medidas em percepção 35

2.1. Detecção 37

2.2. Discriminação 44
2.3. Reconhecimento 52

2.4. Formação de escalas 55

3. Atenção 60

3.1. Vigilância 61

3.2. Atenção seletiva 61

3.3. Atenção dividida 64

4. Percepção de brilho ou luminosidade 67

5. Percepção da cor 74

5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young Helmholt 75

5.2. Teoria oponente ou de Hering 78

5.3. Cegueira para cores 80

5.4. Visão de cores - Uma capacidade inata ou

aprendida9 81

5.5. "Ver cores com as mãos" - Uma capacidade extra-

sensorial' 83

6. Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho .. 86

6.1. Percepção visual do espaço 87

6.2. Percepção auditiva do espaço 97

6.3. Percepção espacial tátil 99

6.4. Percepção olfativa do espaço 100

6.5. Interação multi-sensorial 101

6.6. Percepção do tamanho 101

7. Percepção da forma 104

7.1. Neurofisiologia da percepção de forma 105

7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt 109

7.3. O contorno como elemento constituinte da forma 110


Bibliografia básica para consulta do aluno 117

Lâminas coloridas 119

Conteúdo do volume 10-11

8 . Constâncias perceptivas

9 . Ilusões perceptivas

10. Percepção de tempo

11. Percepção de movimento

12. Percepção de eventos e causalidade

13. Percepção de pessoas, expressões faciais e emoções

14. Percepção do corpo

15. Desenvolvimento da percepção em bebês

16. O efeito da aprendizagem sobre a percepção

17. O efeito da motivação sobre a percepção

18. Percepção e cultura

19. Aplicações dos conhecimentos sobre percepção

20. Bibliografia básica para consulta do aluno

VI

Prefácio

A percepção é um dos principais temas da psicologia científica, tanto do ponto de vista


histórico, como da abrangência de seu campo de estudos. Em 1879, Wilhelm Wundt (1832-
1920), usualmente citado como o pai da psicologia científica, fundou, em Leipzig, o primeiro
laboratório de psicologia experimental, no qual estudou principalmente a percepção humana.

O mesmo interesse pela percepção humana norteou as escolas de psicologia que se


sucederam, ou seja, a dos introspeccionistas, dos funciona- listas e dos gestaltistas. A escola
behaviorista foi uma exceção, focalizando sua atenção em mudanças de comportamento
devidas a processos de aprendizagem. Mas mesmo esta corrente da psicologia não esteve
totalmente livre de preocupar-se com aspectos da percepção.

A percepção, portanto, constitui-se num campo muito abrangente da psicologia, já que sempre
há estímulos externos e internos responsáveis pelos comportamentos dos organismos.
Denominamos estímulos àqueles aspectos do ambiente e do organismo que são percebidos. A
percepção é a porta de entrada para toda a informação que a pessoa recebe e processa, o que
por si só já justifica o seu estudo. Mas a percepção não é somente a porta de entrada para os
estímulos, é também uma janela para a observação dos pesquisadores. Através desta janela o
pesquisador pode vislumbrar o funcionamento do cérebro e conjecturar sobre os processos
mentais. E não é este o objetivo final da Psicologia? São numerosos os exemplos de funções
fisiológicas inicialmente descobertas através desta "janela" da percepção.

Falamos de percepção de um modo geral, mas o leitor notará muito

prontamente que este livro restringe-se à percepção humana, dando maior

ênfase à percepção visual, em detrimento dos outros sentidos, abordados

Ix

de maneira mais uperficial. O motivo principal para esta ênfase é que o ser humano é um
animal predominantemente visual. Nenhum outro, nem mesmo os outros primatas, tem seu
sentido de visão tão desenvolvido e tão versátil. A águia pode ter maior acuidade visual que o
homem, mas sua visão de cores é deficiente; a abelha possui uma visão de cores relativamente
melhor que a do ser humano, mas sua acuidade é extremamente pobre; certas aranhas que
habitam permanentemente em cavernas escuras são muito sensíveis a intensidades mínimas
de luz, mas não apresentam visão de cores e sua acuidade visual é quase nula. Por outro lado,
os outros sentidos do ser humano, como o olfato, a gustação e a audição, são relativamente
menos desenvolvidos que a visão. Um segundo motivo para uma maior ênfase na percepção
visual é o simples fato de tratar-se do sentido mais estudado.

Neste livro são tratados os diferentes assuntos de psicologia da percepção de uma maneira
simples e objetiva. Evitamos os relatos longos e detalhados e omitimos numerosos
experimentos realizados sobre assuntos específicos. Procurou-se enfatizar os principais
resultados experimentais e suas conclusões. Obviamente, em ciência não existem conclusões
definitivas. Foram omitidos também os aspectos controvertidos, a fim de dar maior clareza ao
texto. Convém, no entanto, mencionar que são numerosas as controvérsias no estudo da
percepção e, ao dar ênfase a uma ou outra explicação, fazemos opções, que sabemos serem
pessoais.

Discutimos alguns aspectos históricos e metodológicos, os principais aspectos neurofisiológicos


e características e técnicas de mensuração utilizadas em estudos de percepção. Assim,
passamos pela psicofísica, percepção de brilho, espaço, tamanho e forma, para que
pudéssemos chegar às constâncias perceptivas. Abordamos a percepção de tempo, de
movimento, de eventos e causalidade, de pessoas, de emoções e do próprio corpo. Fizemos
também uma revisão do desenvolvimento perceptivo em recém- nascidos e crianças, para a
seguir avaliar os efeitos da aprendizagem, motivação e cultura sobre a percepção. Estes
assuntos estão reunidos em dois volumes desta coleção (10-1 e 10-lI).

Este texto pode ser utilizado por alunos de Cursos de Psicologia e cursos afins, como, por
exemplo, Medicina, Enfermagem, Odontologia, Fisioterapia, Propaganda, Sociologia e Artes
Visuais. O texto também pode ser de interesse para o leitor não-estudante. Em parte ele foi
baseado na experiência que os autores tiveram ao ministrar a disciplina Psicologia da
Percepção para alunos de graduação de Cursos de Psicologia, o que lhe confere certos aspectos
"acadêmicos". Trata-se de um texto introdutório, o que significa dizer que é abrangente e não
se aprofunda em demasia nos tópicos tratados. Como tal, prepara o leitor para o estudo de
textos mais específicos e avançados sobre o assunto. Foi também com esta perspectiva que
organizamos a bibliografia, que não é uma relação das fontes consultadas para a redação deste
livro, tratando-se antes de mais nada de um le vantament

bibliográfico dos principais compêndios e manuais de Psicologia da Percepção, que poderiam


constituir-se em leituras complementares.

O leitor verificará que a quase totalidade das pesquisas mencionadas foram elaboradas por
cientistas estrangeiros. Gostaríamos de poder, em breve, ver um maior número de psicólogos
brasileiros atuando na área da Psicologia da Percepção.

xl

Bases sensoriais da percepção

1.1. O ambiente e sua percepção

Freqüentemente, a Psicologia é definida como a ciência que estuda o comportamento e os


processos mentais. A Psicologia acadêmica aborda diversos assuntos, como bases fisiológicas
do comportamento, desenvolvimento psicológico, aprendizagem, percepção, memória,
motivação, emoção, inteligência, linguagem e pensamento, personalidade, psicopatologia,
influências sociais sobre o comportamento e outros. O estudo da percepção é, talvez, o seu
ramo mais antigo. Cabe à análise experimental compreender as bases sensoriais da percepção,
a fim de desvendar o mistério de como nos é possível perceber o mundo que nos cerca através
dos órgãos sensoriais.

Você acha que a percepção que temos do nosso ambiente é perfeita? Antes de emitir sua
opinião, convém lembrar que não somos capazes de ouvir sons de alta freqüência (ultra-sons)
como os morcegos e os cães; não conseguimos ver o ultravioleta, como as formigas, as abelhas
e outros insetos; não percebemos campos elétricos ou magnéticos, como o fazem os peixes
elétricos e algumas aves migratórias; tampouco conseguimos sentir o cheiro deixado pelo
corpo de uma outra pessoa, fato corriqueiro na vida dos cães. Algumas destas incapacidades
serviram de inspiração para os escritores de ficção científica criarem seres fantásticos, dotados
de uma percepção da realidade diferente daquela que conhecemos.

Se você perguntar a dez pessoas quantos sentidos nós possuímos, a maioria responderá que o
ser humano possui cinco sentidos: visão, audição, tato, olfação e gustação. Talvez alguns
declarem que são dotados de um sexto sentido, cuja função raramente é definida com clareza,
proporcionando-nos a vaga impressão de tratar-se de uma modalidade sen

sorial enigmática que a ciência ainda não conseguiu compreender. Poucos acrescentarão à lista
dos sistemas sensoriais o sentido cinestésico. Ele nos permite perceber a posição dos membros
e o sentido do equilíbrio do corpo, também conhecido como sentido vestibular. Muito
raramente alguém menciona o sentido orgânico. Ele nos fornece informações sobre a
hidratação (sede), nutrição (fome), condição hormonal (sexo) e oxigenação (ar). Além disso,
convém lembrar que a visão, por exemplo, não é um só sentido. Compreende a visão de cores,
forma, movimento e outros, como veremos posteriormente.

De quantos sistemas sensoriais você havia se lembrado?

Para um psicólogo, nem sempre é importante saber o número exato de modalidades sensoriais
do ser humano. E imprescindível, no entanto, saber para que servem e como funcionam, a fim
de compreender os comportamentos que dependem de uma correta percepção dos estímulos
do ambiente e das condições físicas e orgânicas do próprio corpo. Todos os nossos órgãos dos
sentidos têm características comuns: possuem receptores que são células nervosas
especializadas, capazes de responder a estímulos específicos. Recebem, transformam e
transmitem, para o restante do sistema nervoso, um grande número de informações existentes
no ambiente, na superfície e no interior do nosso organismo.

1.2. 'hansdução sensorial e classificações dos receptores

A especificidade dos sistemas sensoriais não é dada apenas pela especialização das células
receptoras. Também o é pelas vias ascendentes e suas conexões neurais com os centros
específicos do sistema nervoso central (áreas sensoriais primárias), onde ocorre a integração
da informação. Devido a esta especificidade, não somos capazes de ouvir música com os olhos,
nem ver cores com os ouvidos ou através da pele.

Os receptores são classificados de diferentes maneiras por diversos autores. Na tabela 1.1
foram reunidas duas das classificações mais freqüentemente encontradas. De acordo com a
primeira, os receptores sensoriais podem ser classificados em quatro grupos, de acordo com o
tipo de estímulo para o qual são especializados. Mecanorreceptores são sensíveis à energia
mecânica (pressão); termorreceptores são sensíveis à energia térmica (calor e frio);
fotorreceptores são sensíveis à energia eletromagnética (luz) e quimiorreceptores são sensíveis
à presença de substâncias químicas. Mecanorreceptores são responsáveis pela audição,
sentidos vestibular e cinestésico e pela sensação de pressão cutânea. Os termorreceptores
encontram-se na pele e em outras regiões do corpo humano. São sensíveis às modificações de
temperatura. Os quimiorreceptores são responsáveis pela olfação e gustação, acusando a
presença de substâncias químicas na

mucosa nasal e na língua. Finalmente, a visão depende dos fotorreceptores presentes na


retina.

Alguns autores acrescentam um quinto grupo referente aos receptores da dor, denominados
nociceptores, os quais se encontram espalhados por quase todo corpo. Trata-se de receptores
que respondem à estimulação mecânica, térmica e química, desde que muito intensa, isto é,
capaz de injuriar o organismo. Entre as poucas regiões que não possuem receptores para a dor,
estão o cérebro e o colo do útero.

A classificação acima é baseada na função dos receptores sensoriais. No entanto, existem


classificações de outro tipo. Uma delas dá ênfase à relação espacial entre o organismo e os
estímulos, sugerindo a divisão dos receptores sensoriais em três grupos: exterorreceptores,
propriorreceptores e interorreceptores.

Exterorreceptores são responsáveis pela captação de estímulos externos ao organismo. Podem


estar distantes, como os estímulos visuais e auditivos, ou próximos, como os estímulos
gustativos, olfativos e cutâneos. No primeiro caso, são denominados telerreceptores e, no
segundo, proxirreceptores. Estes, entretanto, exigem o contato do organismo com o objeto ou
moléculas de substâncias. Os interorreceptores, ou sentidos profundos, são receptores
destinados à percepção do estado interno do nosso organismo, como, por exemplo, fome, sede
e sexo. Trata-se de modificações de funções orgânicas, devidas a alterações na concentração de
diversas substâncias no organismo. Por exemplo, sais minerais, oxigênio, gás carbônico e
hormônios. Os propriorreceptores fornecem informações sobre o movimento, postura e
equilíbrio do corpo, e consistem em receptores do sistema cinestésico e vestibular. Este
conjunto de receptores é responsável por comportamentos como andar a pé ou de
motocicleta, falar, assobiar, suspirar, afagar e beijar. Permitem-nos, também, tomar
conhecimento de modificações que acompanham nossas emoções. Por exemplo, as batidas
fortes do coração num momento de alegria, o "nó na garganta" e o "aperto no coração"
sentidos em outras ocasiões.

A classificação dos receptores de acordo com a localização dos estímulos, no entanto, não é
óbvia. A olfação poderia ser considerada um telerreceptor, porque nos possibilita receber
informações a respeito de objetos nem sempre próximos. Por exemplo, a presença de uma
fábrica pode ser percebida a grandes distâncias através da poluição por ela provocada. E
preciso considerar, porém, que tanto o cheiro agradável de uma flor quanto o cheiro aversivo
de águas poluídas só poderão ser percebidos quando algumas moléculas do perfume e das
substâncias poluentes entrarem em contato com as células receptoras olfativas alojadas em
nossas narinas. O mesmo não acontece com os telerreceptores propriamente ditos. A visão e a
audição proporcionam a percepção de objetos muito distantes. Não há necessidade de contato
com os mesmos.

Na tabela 1.1 podemos comparar as duas classificações descritas an 2

Tabela 1.1. Classificação dos receptores sensoriais quanto à sua função e quanto à localização
dos estímulos.

teriormente. Verifica-se que os mecanorreceptores consistem, na realidade, de receptores


localizados em regiões bem diversas do corpo, como, por exemplo, na pele (tato), no ouvido
(audição) e nos músculos (cinestésico). Os propriorreceptores consistem em um grupo
bastante heterogêneo de receptores. Fornecem informações sobre o equilíbrio, o movimento
dos membros e o perigo de ter o tecido de alguma parte do corpo injuriado. Por outro lado,
verificamos que os receptores da audição foram classificados como mecanorreceptores,
porque respondem à energia mecânica (pressão exercida pelo som), e telerreceptores, porque
informam a respeito de coisas externas e distantes do organismo.

No princípio do capítulo, vimos que as células receptoras são capazes de receber, transformar e
transmitir, para o restante do sistema nervoso, informações a respeito do ambiente.

Em que consiste o ambiente? Basicamente, em duas coisas: matéria e energia. Objetos,


pessoas e animais são feitos de matéria; a luz do sol ou de uma lâmpada, o som que vem do
rádio, a chama que aquece a panela no fogão são diferentes tipos de energia (eletromagnética,
mecânica e térmica, respectivamente). Receptores reagem diante da energia existente no
ambiente, seja ela energia refletida ou produzida pelos objetos, pessoas e animais. Isto é,
quando olhamos para uma criança, as células receptoras dos nossos olhos captam a luz
refletida pela superfície de seu corpo e de sua roupa; no entanto, quando olhamos para uma
lâmpada, a estimulação dos receptores ocorre devido à energia (luz) produzida pela própria
lâmpada. Dependendo do tipo de lâmpada, esta mesma energia eletro-

magnética será captada também por termorreceptores de nossa pele. Neste caso, sentiremos
seu calor.

Nós "ouvimos" um gato miar quando a energia mecânica, produzida por suas cordas vocais, é
transferida para as moléculas existentes no ar e transmitida para nosso ouvido. Ela também
atinge outras regiões de nosso corpo. Porém, como lá não existem receptores para este tipo de
energia mecânica, só ouviremos o miar do gato com nossos ouvidos.

Todas as células receptoras, não importa qual a sua especialização, transformam a energia por
elas captada em um único tipo de energia, comum a todo o sistema nervoso: a energia
eletroquímica, cuja principal característica é o fluxo de íons através da membrana celular,
podendo dar origem ao impulso nervoso (fig. 1.1). Isto é, a resposta das células consiste em
uma mudança no potencial de repouso de suas membranas. Por exemplo, tanto um
fotorreceptor do olho quanto um termorreceptor da pele, quando estimulados, darão origem a
uma mesma resposta: modificação do estado iônico e de suas membranas. Esta transformação,
ou tradução de um tipo de energia em outro, é denominada transdução. E o processo que
caracteriza as células receptoras dos órgãos dos sentidos.

Dendritos

Axônio Impulso

Exterior

lons positivos Na+ Na+

+ + + + +/ 4 + + + + + +j Membrana

ti:i tzi celular

1 lons negativos

Interior
+++++

k fZl LD rii tzt jzt zi Li rzi. LZ] E] [El [E] [El E]

+ + • + + ' 1 / í+ + + + + + ÷

Impulso nervoso em uma parte do axônio

Figura 1.1. Quando o neo ro n lo e a cio 1 epo o o. lii eq o i o ei te o i o n que se encontram nas
vizinhanças da membrana celular: no exterior da célula, nas proximidades da membrana,
encontram-se íons positivos e no interior, íons negativos. Por Outro lado, quando o neurônio
está ativo, isto é, quando conduz um impulso nervoso, ocorrem modificaçôes iônicas no meio
celular, dentre as quais destaca-se a migração de íons positi',os (Na +) para o interior da célula.
A migração destes fons através da membrana semipermeável altera momentaneamente as
características eletroquímicas da célula. (llustração segundo McGuigan, 1974.)

'Çiiizaçãodo

Fun

receptor

Exterorreceptores

Interorreceptores

Propriorreceptores

Telerreceptores

Proxirreceptores

Fotorreceptores

Visão

Mecanorreceptores
Audição

Tato (pressão)

Cinestésico Vestibular

Termorreceptores

Temperatura

Quimiorreceptores

Olfação

Olfação Gustação

Nociceptores

Dor

Dor

Dor

Funções orgânicas

Nutrição

Hidratação

Hormônios

Oxigenação etc.
Para haver transdução, isto é, para podermos ver uma luz, ouvir um som, sentir a temperatura
de um objeto, o cheiro e o gosto de uma substância, é preciso que o estímulo tenha uma
determinada intensidade. O receptor não será excitado por estímulos demasiadamente fracos.
No caso da olfação e da gustação, é a concentração, ou seja, o número de moléculas da
substância que determina a intensidade do estímulo.

1.3. Após a transdução

Depoís que o receptor transformou em energia eletroquímica (neural) a energia recebida do


ambiente, ela será encaminhada para as células nervosas aferentes e a outras partes do
sistema nervoso. No organismo, mais especificamente, no sistema nervoso, a energia elétrica é
propagada na forma de impulsos nervosos através dos milhares de neurônios que o
constituem.

Convém lembrar que o impulso nervoso se propaga de um neurônio para outro através de
estruturas funcionais denominadas sinapses. Em algumas destas sinapses, o impulso nervoso
provoca modificações nas substâncias químicas que se encontram nestes pequenos espaços
entre dois neurônios vizinhos. Estas modificações, por sua vez, desencadeiam um novo impulso
na célula seguinte. E nestas sinapses que age a maioria das drogas capazes de alterar a
sensibilidade e o comportamento, como os anestésicos, analgésicos, alucinógenos,
estimulantes e calmantes.

De sinapse em sinapse, a informação sobre o ambiente é transferida para o cérebro, onde,


finalmente será integrada às demais informações provenientes do mesmo ambiente (fig. 1.2).
Por exemplo, a presença de seu cachorro molhado pela chuva, entrando em sua sala, pode ser
anunciada por vários receptores sensoriais, concomitantemente. Seu sistema visual permitirá
que você veja o pêlo molhado e embaraçado; seu sistema auditivo permitirá que você ouça a
respiração, os latidos e o ruído característico quando se sacode, espalhando gotas de água pela
sala inteira. Seu sistema tátil permitirá confirmar que o pêlo do animal está molhado, frio e
grudento. Finalmente, seu sistema olfativo fornecerá informações sobre o cheiro pouco
agradável de seu cão molhado pela chuva. Só depois que todos estes dados chegarem ao
cérebro, acrescidos da informação, dada pela memória, de que um cão limpo e seco é uma
companhia mais agradável, você chegará à brilhante conclusão de que o seu cachorro precisa
de um banho.

E no cérebro que as informações sobre o ambiente são integradas com nossas experiências
passadas (memória), nossas motivações e emoções presentes. Assim, você desiste de dar um
banho de água fria com a mangueira do jardim, pois, subitamente, lembra-se dos banhos
mornos recomen dado

na última visita ao veterinário. Você também se lembra que sua mãe proibiu terminantemente
banhos mornos no chuveiro do banheiro. Agora, seu estado emocional oscila entre a pena
sentida pelo cão molhado e frio e a preguiça de esquentar água no fogão para lhe dar um
banho no tanque. Você resolve a situação, decidindo enxugar seu cachorro com a toalha e
passar um pouco de perfume.
No momento que você está lendo esta página, seu cérebro também está recebendo
informações de outros estímulos do ambiente em que você se encontra. Por exemplo, a
posição em que se encontra o seu pé esquerdo, os ruídos do motor da geladeira, de um carro
passando na rua, do relógio mais próximo, a cor da pele de sua mão, a temperatura e o cheiro
do ar. Sua atenção, no entanto, não estava igualmente voltada para todos esses estímulos.
Alguns faziam parte de um fundo geral. Outros mereceram mais atenção; esta, no entanto,
deveria estar primordialmente voltada à leitura deste livro.

No capítulo 3, estudaremos melhor a natureza da atenção, para poder avaliar o papel que ela
desempenha na percepção.

Podemos adiantar, em resumo, que muitas coisas podem afetar a nossa atenção: nossas
necessidades, interesses e valores. Obviamente, nossa atenção é voltada para os estímulos
súbitos, novos e intensos. Estímulos intermitentes também são capazes de chamar nossa
atenção. A seleção dos estímulos mais importantes para nossa sobrevivêncía em um dado
momento é um fenômeno importante, pois, se prestássemos atenção igual a tudo que nos
cerca, os estímulos mais importantes não seriam investigados de forma a assegurar um
comportamento ajustado e bem-sucedido.

Córtex

Auditiva

Visual

Figura 1.2. As informações oriundas dos diferentes sistemas sensoriais são integradas em áreas
sensoriais primárias do córtex, como as áreas visual, auditiva e somato-sensorial. A integração
da informação proveniente de várias áreas sensoriais primárias ocorre nas chamadas áreas
associativas do córtex, que ocupam vastas extensões do cérebro. (Ilustração segundo Schmidt,
1980).

motor

Somatosensorial

Entre dois observáveis - o estímulo ao ambiente e a resposta do organismo - te uma grtnde


variedade de mudanças complexas não diretamente observáveis. A análise experimental da
percepção permitiu, por meio de um conjunto de experimentos criteriosamente controlados,
que nós começássemos, finalmente, a compreender um pouco melhor o funcionamento do
nosso próprio corpo. Assim, podemos avaliar em que circunstâncias um estímulo poderá ser
percebido e quando é inútil esperar por uma resposta.

Nas páginas seguintes, analisaremos o processo da transdução em cada um dos sistemas


sensoriais. Começaremos pela sensibilidade cutânea (tato, temperatura e dor). Veremos, a
seguir, a sensibilidade cinestésica, o sentido vestibular, o olfato, a gustação, a audição e,
finalmente, a visão, a mais importante, uma vez que o ser humano pode ser considerado um
ser primordialmente visual.

1.4. Sensibilidade cutânea

Se alguém lhe perguntasse qual é o maior órgão do seu corpo, o que você responderia? O
fígado, o pulmão, o cérebro ou o intestino? Fisiologicamente, a pele pode ser considerada o
órgão mais extenso do ser humano. Para uma pessoa de estatura mediana, sua área
corresponde à de um tapete de, aproximadamente, 1,50 m. Em quase toda a sua extensão,
encontram-se pêlos. Relativamente, poucas regiões são desprovidas dos mesmos, como, por
exemplo, os lábios, a palma das mãos, a sola dos pés e algumas áreas dos órgãos genitais. Esta
vasta superfície que nos reveste possui três tipos de receptores: mecanorreceptores,
termorreceptores e nociceptores. Sentimos cócegas, vibração e a pressão que os objetos
exercem sobre nossa pele através dos mecanorreceptores. Os termorreceptores respondem
quando ocorrem mudanças de temperatura na pele, acarretadas pelo contato com objetos
mais frios ou mais quentes que ela. Os nociceptores são responsáveis pela sensação de dor
causada por uma grande variedade de estímulos. Por exemplo, pressão e calor excessivos, frio
intenso, cortes, picadas, pancadas, beliscões. Isto é, estímulos capazes de danificar o tecido
atingido, podendo produzir lesões. A diferença psicológica entre um afago e um tapa é óbvia:
um é agradável, o outro dói. A diferença física entre os dois, no entanto, é bem mais sutil:
ambos são estímulos táteis que consistem de pressão exercida sobre a pele. A característica
que os distingue é a intensidade do estímulo, o que leva à excitação de receptores cutâneos
diferentes.

A pele é o limite externo de nosso corpo. Sobre ela incide todo tipo de energia. Ela é iluminada
pela luz que vemos com nossos olhos, é atingida pelos sons que fazem vibrar nossos tímpanos
e pelas moléculas de

perfume que penetram pelas nossas narinas. Porém, nossa pele não capta estes detalhes de
nosso ambiente. Ela nos proporciona, no entanto, informações importantes a respeito de
outros aspectos da realidade que nos cerca. Pense, por um momento, na sua sensação quando
uma minúscula abelha anda sobre seu braço. Ela é tão pequena e tão leve. Ainda assim, você a
percebe. Isto ocorre porque as patas do inseto deformam a pele de seu braço e os pêlos nos
quais esbarram. Esta leve pressão exercida sobre a pele e os pêlos é energia mecânica
suficiente para estimular os mecanorreceptores. No caso de uma picada de abelha, sentimos
dor devido às injúrias causadas pelo ferrão e pela substância química injetada na epiderme. O
peso do inseto estimula os mecanorreceptores; a danificação e irritação do tecido epitelial
estimulam os nociceptores. Se, em lugar da abelha, tivéssemos uma minhoca fria e úmida,
você imediatamente perceberia a diferença. Porque, além dos mecanorreceptores, os
termorreceptores, sensíveis à queda de temperatura, também seriam estimulados.

O grande número de fibras nervosas que chegam até a pele, responsáveis pelo exuberante
conjunto de sensações cutâneas, são basicamente de quatro tipos: terminações nervosas
livres; terminações com extremidades expandidas ou dilatadas (discos ou corpúsculos de
Merkel ou Ruffini); terminações encapsuladas (corpúsculos de Paccini, Meissner, Golgi e
Krause); nas regiões dotadas de pêlos, encontra-se um receptor adicional, denominado
terminação nervosa folicular ou peripilosa, que envolve a raiz dos pêlos (fig. 1.3). A princípio,
supunha-se que cada um destes diferentes tipos de receptores fosse sensível a apenas um tipo
de estímulo. Entretanto, por meio de experimentos criteriosamente elaborados, esta hipótese
foi rejeitada. O contra-exemplo mais famoso foi fornecido pelos resultados obtidos com a
estimulação tátil da córnea, uma região inervada apenas por terminações livres. Aplicando-se
estímulos mecânicos térmicos e dolorosos sobre esta parte do olho, as pessoas relatavam
todas as modalidades de sensação: pressão, frio, dor e calor.

A sensibilidade da pele varia de uma região do corpo para outra. Isto é, um estímulo fraco,
imperceptível em um determinado ponto da pele, pode ser suficientemente intenso para ser
percebido em outras regiões. De forma muito simplificada, podemos dizer que a intensidade
mínima necessária para que um estímulo possa ser percebido é conhecida como limiar (no
capítulo 2 você encontrará informações detalhadas a respeito do estudo dos limiares do ser
humano). Podemos afirmar, portanto, que quanto maior o limiar menor a sensibilidade.

Na figura 1.4, encontram-se medidas de limiares, obtidas em diferentes regiões cutâneas.


Neste experimento, empregando um compasso, os pesquisadores estimulavam, ao mesmo
tempo, dois pontos da pele. Eles verificaram que em algumas regiões do corpo, como a ponta
da língua, por exemplo, as pessoas eram muito sensíveis a este tipo de estimulação mecânica.
Isto é, com uma distância minúscula de 1 mm entre as duas pontas

Termina- Corpúsculo Discos Corpúsculos Receptores Discos

ções de Meissner de de Pacini dos folículos táteis

livres Merkel pilosos

Figura 13. Alguns dos numerosos tipos de mecanorreceptores existentes tanto na pele glabra
(a) como na pele dotada de pêlos (b) foram ilustrados esquematicamente. Terminações livres e
corpúsculos de Pacini podem ser encontrados em ambos os tipos de pele. No entanto,
terminações nervosas foliculares ou peripilosas só ocorrem nas regiões dotadas de pêlos (b).
(Ilustração segundo Schmidt, 1980.)

do compasso, os sujeitos já conseguiam relatar que haviam sido estimulados em dois pontos
da língua e não em apenas um. No dorso, por outro

lado, as mesmas pessoas só eram capazes de tais proezas quando a distância entre as duas
pontas do compasso atingia 70 mm. Trata-se, portanto, de uma região bem menos sensível,
uma vez que, nas situações experimentais em que a distância entre as duas pontas do
compasso era inferior a 7 cm, as mesmas eram percebidas como sendo uma única ponta
exercendo pressão sobre a pele.

As diferenças de sensibilidade são devidas, principalmente, ao elevado número de receptores


nas regiões mais sensíveis e a um número igualmente privilegiado de neurônios nas áreas
corticais (áreas sensoriais primárias), para as quais convergem as informações oriundas destas
regiões.
Figura 1.4. Limiares para discriminação de dois pontos de estimulação mecânica sobre a pele.
Se a distância entre dois pontos de pressão sobre a pele é muito pequena, percebemos apenas
um ponto de pressão. Isto pode ser verificado utilizando um compasso de duas pontas como
está ilustrado em a. O gráfico de barras em b apresenta limiares assim obtidos para diferentes
regiões da pele. Regiões muito sensíveis, como a ponta da língua, a ponta do dedo indicador e
lábios, apresentam limiares baixos (os resultados foram ampliados no canto direito da figura).
Regiões menos sensíveis, como o pescoço e o dorso, mostram limiares bem mais elevados.
(Ilustração segundo Weber e Landois, no livro de Schmidt, 1980.)

Na figura 1.5 encontra-se uma secção transversal através do córtex sensorial, mostrando as
diferenças de tamanho das áreas desta região cortical

Epiderme

Tecido

subcutâneo

Pele

Limiar de discriminação espacial simultânea

Termina - ções de Ruffinj

Ponta da língua

Ponta do indicador

Lábios

Bordo da língua

Palma da mão

Fronte

Dorso da mão

Dorso do pé

Pescoço

Dorso
-

1 2 3 4 5mm

O 10 20 30 40 50 60 7Omm

10

11

destinadas ao processamento da informação tátil proveniente de diferentes lugares da


superfície do corpo. Como se observa, áreas relativamente extensas de tecido cortical são
reservadas para processar a informação enviada, pelos receptores, de regiões relativamente
pequenas, como os lábios,

a língua, o pé, a ponta do dedo indicador e a palma da mão. Bem diversas são as condições de
regiões de pouca sensibilidade, como, por exemplo, o tronco, a perna e o cotovelo. Esta
representação distorcida da superfície corporal foi denominada de homúnculo sensorial ou
homúnculo de Penfleld em homenagem ao pesquisador que descobriu este importante
aspecto da diferença de sensibilidade tátil.

A sensibilidade cutânea é de extrema importância para a sobrevivência da espécie humana.


Permite-nos procurar abrigo do frio e calor, interagir fisicamente com o meio e nossos
semelhantes e evitar estímulos que possam causar injúria ao nosso corpo. Os exaustivos
estudos feitos por psicólogos dedicados ao desenvolvimento infantil não deixam dúvidas
quanto à importância da estimulação tátil adequada durante a infância. Mesmo depois de
adultos, homens e mulheres continuam buscando o contato com determinados estímulos que
lhes proporcionam prazer. Te,tcntunho disto são as características táteis de determinados
tecidos, corno a fc'fura da flanela e da lã angorá, a maciez da seda e do algodão, o elevado
número de produtos cosméticos e farmacêuticos destinados a diminuir a aspereza da pele, e a
proliferação das casas de massagem nos grandes centros urbanos.

1.5. Sensibilidade cinestésica

A sensibilidade cinestésica, ou simplesmente cinestesia, refere-se às sensações produzidas


pelos movimentos dos membros e corpo. Isto é, a partir de estímulos fornecidos por regiões
específicas do organismo, percebemos a postura e movimentos de nosso próprio corpo, bem
como a força despendida em cada gesto. Esta modalidade sensorial difere, portanto, da
sensibilidade cutânea. Esta é incumbida de captar, sobretudo, estímulos fornecidos pelo
ambiente.

Se pedíssemos a você para adivinhar onde se encontram os receptores da inestesia


(proprioceptores), que regiões de seu próprio corpo você apontaria? Vamos considerar o gesto
simples de estender a mão para cumprimentar um amigo. Ao executá-lo, você distende e
contrai um conjunto específico de músculos e tendões do braço e da mão, modificando o
ângulo formado pela articulação do antebraço com o braço (cotovelo), e do braço com a mão
(pulso). Dependendo da posição em que você estiver e do entusiasmo ao cumprimentar seu
amigo, você exercerá mais ou menos força ao apertar-lhe a mão. E precisamente nos músculos,
tendões e articulações que estão situadas as células nervosas receptoras da cinestesia. Trata-se
de receptores sensíveis à energia mecânica. Podem ser de três tipos: fusos musculares (fig.
l.6a), órgãos tendinosos (fig. l.6b) e receptores articulares.

b)ferio

e maxilares

Figura 1.5. Com o consentimento e colaboração de pacientes adultos submetidos a cirurgia


cerebral, foi possível estimular diferentes pontos do córtex somato-sensorial, observando as
sensações resultantes. A ilustração acima, conhecida como Homúnculo Sensorial de Penfield,
consiste no mapeamento das regiões do córtex somato-sensorial, mostrando a localização e a
extensão das regiões corticais em que a informação proveniente da pele é processada. Observe
como as informações provenientes de pequenas superfícies de pele muito sensíveis como a
língua, dedo indicador e lábios, são processadas por extensas áreas do córtex. Por outrb lado,
as informações sensoriais oriundas de grandes áreas cutâneas menos sensíveis, como as
costas, ombros e quadris, convergem para regiões proporcionalmente menores do córtex
somato-sensorial. (Ilustração segundo Penfield e Rasmissen, 1950, no livro de Shmidt, 1980.)

12

13

Para o cérebro

• Extenso-receptor (terminações anulospirais)

Cápsula do fuso (tecido conjuntivo(

Placa terminal das fibras motoras

Durante a contração ou distensão muscular, a transdução nos fusos musculares consiste na


transformação da energia mecânica sobre eles exercida em energia eletroquímica. Esta é
transmitida, na forma de impulsos nervosos, através de uma cadeia de neurônios e sinapses,
até o córtex sensorial e demais áreas do sistema nervoso. Nos órgãos tendinosos, alojados nos
tendões, o processo desenvolve-se da mesma forma. Através destes dois tipos de receptores, é
fornecida a informação a respeito da força desenvolvida pelos músculos em cada movimento.
Os mecanorreceptores encontrados nas articulações proporcionam sensações posturais e
cinestésicas (não de força) porque os impulsos nervosos, resultantes da transdução da

energia mecânica exercida sobre eles, preservam informações sobre a posição, velocidade e
direção do movimento articular. Estes três tipos de receptores sensíveis à energia mecânica,
situados nos músculos, tendões e articulações, fornecem informações sobre características
qualitativas da propriocepção: sensibilidade postural (percepção da posição dos membros,
mesmo no escuro), sensibilidade aos movimentos (percepção da direção e velocidade do
movimento) e sensibilidade para força (percepção da for-
ça exercida em cada movimento).

E fácil compreender, portanto, o papel importante da sensibilidade cinestésica no dia-a-dia de


manequins, intérpretes, esportistas ou estivadores. Sua competência profissional depende,
justamente, da percepção acurada de seu próprio corpo, de seus movimentos e da força
despendida.

Para um psicólogo empenhado na compreensão do comportamento, o conhecimento dos


processos sensoriais envolvidos nos movimentos do corpo é extremamente útil. Permite um
exame mais detalhado das relações entre estímulos e respostas, proporcionando ao
profissional maior probabilidade de acerto ao tentar auxiliar o ser humano em seu
relacionamento

com seus semelhantes e com seu meio.

1.6. Sentido vestibular

Figura 1.6. Ilustração de mecanorreceptores encontrados em músculos (a) e tendões (b)


responsáveis pela cinestesia. Nos músculos (a) os receptores encontram-se enrolados ao redor
das fibras musculares contidas dentro da cápsula do fuso. Quando o músculo é estendido,
aumenta a freqüência de impulsos nervosos enviados ao cérebro. O contrário ocorre quando o
músculo é contraído. Desta forma, o sistema nervoso central recebe ininterruptamente
informações sobre o comprimento dos músculos, isto é, a respeito da força por eles exercida.
As ramificações da fibra sensitiva sobre o tendão (b) são conhecidas como órgãos ou fusos
tendinosos ou ainda como órgãos de Golgi. Como no caso dos músculos, a freqüência de
impulsos nervosos enviados ao cérebro aumenta à medida que o tendão é estirado,
fornecendo desta forma informações a respeito da força exercida pelo músculo a ele
conectado. (Ilustração a, segundo Schmidt, 1979; b, segundo McGuigan, 1974.)

Já vimos que o sentido da cinestesia é responsável pela percepção da posição e dos


movimentos de nossos membros no espaço. O sentido vestibular refere-se à percepção e
manutenção do equilíbrio do corpo como um todo. Isto é, informa-nos se estamos de pé,
caindo ou de cabeça para baixo. A sensação de perder o equilíbrio depende da inclinação e do
movimento da cabeça. Basicamente, há duas maneiras de perder o equilíbrio:

cair em linha reta no chão (aceleração linear), ou cair lentamente para a frente ou para trás,
enquanto nosso corpo descreve uma trajetória circular (aceleração angular). Estes dois tipos de
aceleração são os estímulos captados pelos mecanorreceptores do labirinto ou aparelho
vestibular.

Fibras motoras

Tendão Fibra muscular

Órgão tendíneo de Golgi

Fibras musculares internas do fuso

14
15

O órgão vestibular consiste em duas cavidades alojadas no osso temporal do crânio, nas
imediações da cóclea, que se encontra no ouvido interno. Há uma de cada lado da cabeça e
são repletas de fluido (endolinfa). Cada cavidade é constituída de duas partes distintas: três
canais semicirculares e duas estruturas saculiformes, o sáculo e o utrícolo. As células
receptoras encontram-se na cúpula de uma região dos canais semicirculares, denominada
ampola. Respondem a movimentos circulares e rotatórios da cabeça e os impulsos nervosos
resultantes da transdução propagam-se pelo nervo vestibular. Nas regiões das máculas do
sáculo e do utrícolo, encontram-se células receptoras que respondem a movimentos retilíneos
(para a frente - para trás; para cima - para baixo; para a direita

- para a esquerda). Trata-se de células receptoras ciliadas, estimuladas através da energia


mecânica proporcionada pela inclinação de seus cílios mergulhados na endolinfa. Esta é
agitada com os movimentos da cabeça (fig. 1.7).

Quando o dentista aumenta ou diminui a inclinação do encosto da cadeira (aceleração


angular), são estimuladas as células receptoras dos canais semicirculares; quando, no entanto,
ele eleva a cadeira a uma certa distância do chão (aceleração linear), são estimuladas as células
receptoras do sáculo (sensíveis a movimentos verticais). Uma parada brusca no veículo
(aceleração linear) no qual viajamos estimula as células receptoras do utrículo (mais sensíveis a
movimentos horizontais). Obviamente, da estimulação conjunta destes três tipos de células
resulta a percepção de movimentos muito sutis e complexos. Isto permitirá avaliar com
precisão a posição da cabeça no espaço, em cada momento.

1.7. Olfato

O sentido do olfato permite-nos distinguir uma série de substâncias químicas pelo seu cheiro.
As sensações olfativas são transmitidas por uma série de células sensoriais, alojadas em uma
pequena região do epitélio olfativo, que reveste a cavidade nasal (fig. 1.8a). Estas células são
estjmuladas por uma mistura de ar e moléculas. Estes se desprendem de objetos contidos em
nosso ambiente. Isto é, a presença de um objeto-estímulo, de uma pessoa ou de uma
substância, como um perfume francês, só poderá ser detectada por nosso olfato se algumas de
suas moléculas atingirem as células sensoriais olfatórias sensíveis a elas. Compreende-se,
portanto, por que substâncias muito voláteis, como, por exemplo, éter, álcool e gasolina são
tão prontamente percebidas por estes quimiorreceptores. A volatilidade de uma substância é
necessária, porém não é suficiente. E preciso também que suas moléculas sejam solúveis no
muco que reveste a região olfa a

Figura 1.7. a) O aparelho vestibular é formado por três canais semicirculares, sáculo e utrículo.
b) A ampliação no alto da figura mostra os mecanorreceptores, células ciliadas que se
encontram nas ampolas dos canais semicirculares e nas máculas do saculo e utrículo. Nas
ampolas, os cílios destas células reúnem-se formando a crista. Esta, envolta por uma substância
gelatinosa, dá origem à cúpula, que fica mergulhada na endolinfa e oscila quando o líquido se
agita em decorrência dos movimentos da cabeça. Desta oscilação resulta a deformação dos
cílios que excita as células receptoras, desencadeando os impulsos nervosos que serão
enviados para o cérebro. (ilustração a, segundo Alpern, 1971.)
tória da cavidade nasal. Deste modo, podem entrar em contau' com os cílios dos receptores
olfativos que ali se encontram mergulhados (fi. 1 8b).

Ampola

vestibular auditivo

Sáculo

Ducto coclear

16

17

1.8. Gustação

Figura 1.8. a) Os receptores do olfato encontram-se na parte superior da cavidade nasal e estão
em contato direto com o bulbo olfatório, que é uma estrutura do cérebro. b) A ampliação no
alto da figura mostra as células receptoras ciliadas, cujos cílios encontram-se mergulhados no
muco que reveste a cavidade nasal, onde se dissolvem as moléculas das substâncias que
excitam os cílios destas células. (Ilustração a, segundo Mcouigan, 1974.)

A importância do olfato para a sobrevivência dos organismos pode ser avaliada, constatando-se
que uma parte das substâncias odorosas naturais é produzida por flores e frutos, pela
decomposição de organismos mortos e pelas glândulas de alguns animais. Isto é,
desempenham o importante papel de estímulos discriminativos, que sinalizam a presença de
alimento, perigo ou de parceiros sexuais. Porém, nem todas as substâncias dotadas de
volatilidade e solubilidade são capazes de desencadear a sensação de cheiro. Para explicar por
que determinadas substâncias são inodoras, enquanto outras possuem odor, isto é, para
esclarecer a função olfativa, foram elaboradas diversas teorias. Dentre elas, a mais conhecida é
a teoria estereoquímica desenvolvida por Amoore. Este pesquisador verificou que todos os
odores podiam ser agrupados em apenas sete categorias: canfórico, almiscarado, floral, de
hortelã, etérico, penetrante e pútrido. Verificou, também, que uma grande parte das
substâncias percebidas como pertencentes a uma destas sete categorias possuía forma e
tamanho molecular semelhantes. Este fato levou-o a estabelecer uma relação hipotética entre
a forma e o tamanho da molécula de uma substância química e o seu cheiro.

relativamente grande o número de substâncias que diariamente levamos à boca. No entanto,


para descrever o seu gosto, referimo-nos a apenas quatro tipos de sabor: doce, salgado, azedo
e amargo. Sentimos o gosto dos alimentos, medicamentos e outras substâncias quando
algumas de suas moléculas dissolvidas na saliva atingem as células receptoras. Estes
quimiorreceptores são os corpúsculos gustativos, alojados nas papilas distribuídas pela
superfície da língua (fíg. 1.9). Nossa sensibilidade a diferentes substâncias não é a mesma em
toda a extensão da língua. Na ponta, somos mais sensíveis ao doce e, na base, ao amargo. Nas
laterais, nossa sensibilidade é maior ao azedo, e nas bordas da língua somos muito sensíveis ao
salgado (fig. 1.10). A magnitude das respostas dos corpúsculos gustativos varia de acordo com
a intensidade do estímulo, permitindo a discriminação entre uma sopa gostosa e outra muito
salgada.

Na olfação, segundo a teoria estereoquímica, o cheiro de uma substância depende,


aparentemente, da forma e do peso molecular. Ainda não são conhecidas, no entanto, as
características responsáveis pelo gosto das substâncias. Sabe-se, apenas, que o sabor azedo
dos ácidos, por exemplo do suco do limão e do vinagre, é devido ao íon H + (hidrogênio) de sua
composição química.

Poro gustativo

Receptores gustativoS

Figura 1.9. Os corpúsculos gustativos encontram-se nas papilas gustativas da língua. São
formados por um aglomerado característico de células receptoras, que lançam seus
prolongamentos (microvilosidades) para o poro gustativo, onde entram em contato com
moléculas de substâncias dissolvidas na saliva, resultando na excitação dos receptores.
(Ilustração segundo McGuigan, 1974.)

Odor

Receptor olfativo

Cavidade nasal

Superfície da língua

Células-suporte

Para o cérebro

Fibras nervosas

18

19

As modernas indústrias de medicamentos e gêneros alimentícios adicionam substâncias


químicas aos seus produtos com a finalidade de controlar seu consumo. Assim, por exemplo,
são acrescentados "flavorizantes" e aromatizantes às geléias e gelatinas que, em seu estado
natural, não teriam gosto nem cheiro. Produtos destinados a diabéticos e a pessoas que estão
se submetendo a dietas alimentares desprovidas de açúcar são adoçados artificialmente. Os
medicamentos preparados para crianças merecem um cuidado todo especial por parte da
indústria farmacêutica. Acrescentam-se a eles substâncias de gosto e odor agradáveis para
garantir seu consumo. Por Outro lado, medicamentos muito perigosos, que poderiam ser
ingeridos por engano pelas crianças, são acrescidos de substâncias amargas para que sejam
rejejtados imediatamente.
O emprego indiscriminado de substâncias aromatizantes e "flavorizantes" pode colocar em
risco a saude do ser humano. Tomemos, por exemplo, uma sobremesa preparada com muitos
ovos, portanto rica em proteínas. Se, no entanto, for preparada sem ovos e a ela se
acrescentarem substâncias com gosto, cheiro e cor de gema de ovo, continuará sendo um
saboroso "quindim", porém, sem valor nutritivo.

1.9. Audição

Quando você liga um rádio portátil, a membrana de seu alto-falante começa a vibrar. Esta
vibração é transferida para as moléculas de ar mais próximas. Estas, por sua vez, transmitem a
energia mecânica assim recebida para as moléculas vizinhas, permitindo a propagação da
energia a grandes distâncias. Se colocássemos o rádio em um recipiente do qual fosse retirado
todo o ar, deixaríamos de ouvir o som porque a vibração de seu alto-falante não se propagaria
no vácuo. O som se propaga em forma de ondas que se deslocam no ar a uma velocidade de,
aproximadamente, 340 metros por segundo, e de forma mais rápida na água (fig. 1.11). Trata-
se, portanto, de uma velocidade comparável à dos modernos aviões a jato, com exceção dos
supersônicos capazes de se deslocarem a velocidades superiores à do som. As ondas sonoras
podem ser divididas em ciclos. Sua freqüência depende do número de ciclos por segundo - cps
- (ou Hertz) e é responsável pela diferença entre um tom grave e um tom agudo, uma nota Dó
e uma nota Mi. A nota Lá, usada para afinar os instrumentos

Para o cérebro

Nervo

glossofaríngeo'

Nervo facial

circunvaladas Papilas foliadas Papilas fungiformes

Ponta da língua

Figura 1.10. A sensibilidade às diferentes qualidades gustativas não é a mesma em toda


superfície da língua. Na ponta da língua encontra-se a maior sensibilidade ao doce; no extremo
oposto, na base da língua, a sensibilidade ao amargo é mais acentuada; a sensibilidade ao
azedo é maior nas laterais e ao salgado, nas bordas. (Ilustração segundo Schmidt, 1980.)

4 Um ciclo

Onda sonora

- tom puro

Onda sonora complexa


Figura 1.11. As ondas sonoras podem ser simpLes, como no caso dos tons puros, ou complexas
como a maioria dos sons que ouvimos no dia-a-dia. São medidas em ciclos por segundo (cps ou
Hertz).

20

21

musicais, tem 400 ciclos por segundo. Tons de alta freqüência, acima de

700 cps, são percebidos como agudos. Tons de baixa freqüência, abaixo

de 700 cps, como graves. Quanto maior a freqüência de um tom, maior

a probabilidade de que seja percebido como agudo.

O nosso ouvido não é igualmente sensível a todos os tons. Somos mais sensíveis a tons cuja
freqüência oscila entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. A sensibilidade não é a mesma para
todos os animais dotados de audição. Cães e morcegos, por exemplo, são capazes de ouvir tons
para os quais o ser humano é insensível. As ondas sonoras, vindas de longe ou de perto,
encontram nossas orelhas, penetram pelo canal auditivo e, finalmente, atingem a membrana
timpânica. Esta passa a vibrar na mesma freqüência que a fonte sonora.

Nosso ouvido é constituído por três partes bem distintas: ouvido externo, médio e interno (fig.
1.12). A orelha e o canal auditivo fazem parte do ouvido externo, que é separado do ouvido
médio pelo tímpano. No ouvido médio, encontra-se um conjunto de três ossos muito
pequenos conhecidos como ossículos. O primeiro ossículo, chamado martelo, apóiase na
membrana timpânica e transfere para os seguintes, denominados bigorna e estribo, a vibração
recebida. O último ossículo apóia-se sobre uma membrana conhecida como janela oval, que
separa o ouvido médio do ouvido interno. Ela é responsável pela transferência da vibração para
a região mais interna do ouvido. O ouvido interno consiste de um canal repleto de líquido e
enrolado como um caracol, denominado canal coclear. Dentro deste canal, ao longo de toda
sua extensão, encontra-se a membrana basilar, com suas células ciliadas. Estas células são os
receptores da audição. Eles respondem à deformação, tração ou torção produzidas pela
vibração do líquido no qual estão mergulhados.

Diferentes tipos de fontes sonoras, por exemplo, campainhas, instrumentos musicais (de corda,
como o berimbau e o violão, ou aqueles dota-

dos de membranas, como o tambor e a cuíca), motores a explosão de veículos (como


motocicletas e aviões), jatos de ar (como apitos e assobios), desencadeiam a vibração do ar e
das estruturas do ouvido os quais terminam por deformar as células receptoras. Estas, por sua
vez, transformam a energia mecânica sobre elas exercida em energia eletroquímica, isto é,

efetuam a transdução dos estímulos ambientais.

Nossa sensibilidade é maior para tons de 2.000 a 3.000 cps. Isto significa que tons com esta
característica qualitativa podem ser ouvidos em intensidades muito baixas (fig. 1.13). Por outro
lado, os tons de 20 ou 20.000 cps deverão ser muito intensos, uma vez que somos pouco
sensíveis a eles. Qualquer tipo de tom dentro da nossa faixa de audibilidade, no entanto,
necessita sempre de um mínimo de energia para que possa ser ouvido. Es-

ta intensidade mínima necessária para se ouvir um som é denominada de limiar absoluto


auditivo. Denominamos de subliminares aqueles estímulos cuja intensidade é mais baixa que o
limiar absoluto.

Figura 1.12. a) O ouvido é composto de três partes: ouvido externo, ouvido médio e ouvido
interno. O ouvido externo consiste no pavilhão auditivo (orelha) e no canal auditivo. Após
penetrar no ouvido através destas estruturas, a onda sonora choca-se contra a membrana do
tímpano, que separa esta parte do ouvido médio. A trompa de Eustáquio liga o ouvido médio à
faringe, permitindo assim que a pressão do ar existente nesta parte do ouvido seja igual à
pressão do outro lado da membrana timpânica. As vibrações provocadas pela onda sonora
sobre o tímpano são transmitidas à cadeia dos três ossículos (martelo, bigorna e estribo), que
por sua vez as transmitem a outra membrana, conhecida como janela oval, fronteira entre
ouvido médio e ouvido interno. Esta última parte do ouvido contém a côdea, uma estrutura
tubular dentro da qual se encontram outros tubos como o canal coclear, a rampa timpânica e a
rampa vestibular. b) As células receptoras localizam-se sobre a membrana basilar, que se
estende através de todo canal coclear. Trata-se de células ciliadas, cujos cílios, mergulhados na
endolinfa contida no canal, estendem-se até a membrana tectória. Os cílios encontram-se,
portanto, presos entre as duas membranas. A vibração das estruturas do ouvido, causada pelo
som, provoca a flexão, torção e tração dos cílios, resultando na excitação das células receptoras
e dando origem ao impulso nervoso que será enviado ao cérebro. Observe que as vibrações
sonoras são transmitidas através de um meio gasoso no ouvido externo (ar), a seguir são
transferidas para um meio sólido (ossículos) no ouvido médio, e finalmente no ouvido interno
propagam-se através de um meio líquido (endolinfa). (Ilustração a, adaptada de McGuigan,
1974; b, adaptada de Mueller.)

Ouvido externo Ouvido médio Ouvido internv

22

23

31,5 125 500 2.000 8.000

Freqüência

Figura 1.13. A curva do gráfico corresponde ao limiar absoluto da audição e mostra que o ser
humano não é igualmente sensível a diferentes tons (freqüências), uma vez que a intensidade
mínima necessária para que possam ser ouvidos (limiar) é grande para os tons de freqüência
muito baixa (20 Hz) e de freqüência muito alta (16.000 Hz). O contrário ocorre com tons
compreendidos em regiões intermediárias da faixa de audibilidade (4.000 Hz), que são ouvidos
com pouca intensidade, uma vez que é muito acentuada a sensibilidade a este tipo de
freqüência. A faixa designada "Região da fala" corresponde ao conjunto de freqüências e
intensidades das quais a voz humana se compõe. Observe que as freqüências contidas na fala
correspondem aos valores aos quais somos mais sensíveis. (Ilustração adaptada de Schmidt,
1980.)

Nos grandes centros urbanos, o barulho é cada dia mais intenso. Esporadicamente, surgem
pesquisas feitas com seres humanos e animais, mostrando as conseqüências da poluição
sonora para a saúde física e mental. No ser humano, a poluição sonora é responsável por
distúrbios circulatórios gástricos e perda da audição. A saúde mental pode ser afetada quando
o indivíduo não consegue dormir o número mínimo de horas necessárias para um repouso
adequado, ou quando a poluição sonora o impede de raciocinar, dificultando a execução de
tarefas que exigem concentração. Disto pode resultar um elevado grau de ansiedade que
dificulta o ajustamento do sujeito ao seu ambiente.

de ondas muito longas (como, por exemplo, ondas de rádio, televisão e infravermelho) e ondas
curtas (como, por exemplo, o ultravioleta, os raios X, raios gama e raios cósmicos) (lâmina 1.1,
ver p. 119). Apenas as ondas de 450 a 750 nm (namômetros) são captadas e transduzidas pelos
fotorreceptores do olho. Este pequeno conjunto de ondas corresponde a aproximadamente
1/100 de toda a energia eletromagnética conhecida. As ondas de 450 nm, quando captadas
pelos receptores do olho, dão-nos a sensação de azul. Diante de ondas um pouco mais curtas,
temos a sensação de ver o violeta. Ondas mais curtas ainda, da região do ultravioleta, não são
percebidas, uma vez que nossa córnea e nosso cristalino filtram estes comprimentos de onda.
Além disso, os fotorreceptores são pouco sensíveis a esta faixa do espectro.

Existe porém, entre os animais invertebrados, uma infinidade de espécies que possuem
receptores para esta faixa de espectro. Por exemplo, as abelhas, as formigas e outros insetos.
Ondas de 500 nm dão a sensação de verde e de 750 nm, de vermelho. As ondas mais longas,
denominadas infravermelho, não são captadas pelo olho. Elas correspondem a ondas térmicas
que estimulam termorreceptores da pele e dão origem à sensação não de uma cor, mas de
calor. Eis aí um dado intrigante: dois estímulos que, fisicamente, correspondem a ondas
eletromagnéticas muito semelhantes (quanto a intensidade e comprimento de onda) nos
proporcionam sensações muito diferentes - um é responsável pela sensação de "vermelho"

A sensação das cores, da claridade, da escuridão e do brilho dos objetos nos é proporcionada
por um conjunto de células receptoras que revestem o interior do globo ocular. Trata-se de
células nervosas especializadas, sensíveis a uma pequena faixa da energia eletromagnética
existente no universo. Esta faixa da energia é denominada espectro visível (fig. 1.14) ou,
simplesmente, luz. Além da luz, a energia eletromagnética compreen Figur

1.14. O espectro de radiações eletromagnéticas pode ser dividido em uma região visível e
outras não visíveis. A parte inferior da figura mostra o espectro que é visível como luz de várias
cores e corresponde a uma região muito pequena do espectro total ilustrado na parte superior
da figura. Tanto ondas eletromagnéticas muito longas (ondas de rádio, radar e infravermelho),
como ondas muito curtas (raios gama, raios X e raios ultravioleta) não são visíveis para o ser
humano.

dB

100
80

60-

40

20

co

co

o,

• cl)

Regilo da tala

20

63

1.10. Visão

Muito Muito

longas curtas

Raios

Raios

gama

Espectro visível

Vermelho Laranja Amarelo Verde Azul Violeta


700 600 575 525 450 400

-4

Comprimento de onda (nm)

24

25

- -,-

-.-

z :z

;::

:-1--

'E

E
-

1 i.doo 1 4.000 16.000 Hz

Ondas de rádio

11

1 Radar 1

Infra- I

vermelho 1

I Ultra- 1

1 violeta

e outro, pela de "calor". Deve-se isto ao simples fato de serem captados e transduzidos por
receptores pertencentes a sistemas sensoriais muito

distintos.

Nossos olhos são compostos por um conjunto de estruturas destinadas à captura e ao controle
da luz que penetra em seu interior. Para facilitar a compreensão da localização e do
funcionamento dessas estruturas, sugerimos que você consulte a figura 1.15. Como é possível
ver, trata-se de um órgão bastante complexo, composto de diversos elementos. Alguns são
transparentes, permitindo a passagem da luz - são conhecidos como aparelho dióptrico. A
conjuntiva, por exemplo, é a parte anterior do glo Par
o cérebro

Figura 1.15. O olho é um órgão muito complexo, composto de diversas partes, algumas das
quais são transparentes como a córnea, o humor aquoso contido na câmara anterior do globo
ocular, o cristalino e o humor vítreo, substância gelatinosa que ocupa toda a câmara posterior.
Depois que passou por estes elementos, a luz atinge e atravessa todas as camadas da retina,
uma vez que os fotorreceptores se encontram na última, adjacente à membrana coróide. Esta é
constituída por uma rede de vasos sanguíneos e encontra-se entre a retina e a esclerótica, que
é a estrutura mais externa, responsável pela forma característica do globo ocular. Córnea e
cristalino formam o sistema óptico responsável pela focalização da imagem sobre a fóvea, a
região mais delgada da retina. A fóvea também é conhecida como mancha amarela ou mácula
lútea. Há na região posterior do globo ocular um pequeno orifício, por onde penetram vasos
sanguíneos e fibras do nervo óptico, conhecido como ponto cego, no qual não há receptores. O
cristalino é mantido na sua posição por um conjunto de delicadas fibras que partem de sua
borda e se inserem no músculo ciliar; são as fibras da zônula, estruturas responsáveis pela
rcomodação do cristalino. L.ogo à frente do cristalino encontra- se o conjunto de músculos que
formam a íris e a pupila, o orifício pelo qual a luz penetra no olho. (Ilustração adaptada de
Schmidt, 1980.)

bo ocular, a primeira, portanto, a ser atravessada pela luz. A seguir encontra-se a córnea.
Constitui-se numa lente poderosa, responsável pela convergência dos raios luminosos sobre a
retina. Desprovida de vasos sangü mneos, torna-se muito vulnerável às infecções. Por outro
lado, a ausência de vasos permite a perfeita passagem da luz e diminui o risco da rejeição de
enxertos, o que torna o transplante de córneas uma operação bastante simples e segura. No
Brasil, o transplante não é realizado com maior freqüência por falta de córneas no banco de
olhos.

A córnea transparente funde-se com a esclerótica, a parte branca e externa do globo ocular.
Esta região não transparente é ricamente irrigada por vasos sangüíneos. Eles se tornam visíveis
quando choramos, por exemplo.

Há uma pequena região do nosso olho que foi cantada em prosa e verso por poetas de todo o
mundo:

"Teus olhos (ão negros, tão belos, (ão puros, de vivo luzir "Olhos encantados, olhos cor do mar

Estamos nos referindo à fris. Encontra-se logo atrás da córnea. Consiste em um conjunto de
músculos e células pigmentadas, responsáveis por

sua coloração característica: azul, verde, castanho ou preto. A íris tem forma de disco. No
centro, há um orifício, por onde penetra a luz refletida dos objetos do ambiente. Esta abertura,
que parece uma pequena mancha preta, é a pupila. Quando a luz é muito intensa, ela se
contrai. Aumenta de diâmetro no escuro, chegando a ficar 7 vezes maior. Este fenômeno é
facilmente observável. Peça para um colega de íris clara olhar para uma pare-

de ou folha de papel branca bem iluminada, enquanto você observa o tamanho da pupila dele.
A seguir, peça para ele cobrir os olhos abertos com as palmas das mãos por um breve período
de tempo e depois retirar rapidamente as mãos, enquanto permanece olhando para o objeto
claro. Você

verá nitidamente a pupila, que havia aumentado de diâmetro no escuro, diminuir, contraindo-
se rapidamente. Trata-se de uma resposta reflexa dos músculos da íris que evita a entrada de
quantidades excessivas de luz no olho. Na penumbra, por outro lado, é preciso que a pouca luz
existente penetre no olho para facilitar a visão. Isto é favorecido pelo aumento da pupila.

Entre a córnea e a íris encontra-se a câmara anterior do olho, repleta de fluido transparente,
conhecido como humor aquoso. Atrás da íris, na câmara posterior, encontra-se o cristalino. Ele
funciona como uma lente

elástica que, junto com a córnea, é responsável pela focalização precisa da imagem sobre a
retina, fenômeno denominado de acomodação. A acomodação da imagem de objetos a
diferentes distâncias é obtida pelas mudanças na espessura do cristalino. A medida que as
pessoas envelhecem, o cristalino perde a sua elasticidade. A sua capacidade de acomodação

26

27

fica reduzida (presbiopia). No entanto, isto pode ser contornado com o emprego de lentes
corretivas capazes de restaurar a visão de objetos próximos. A leitura muito freqüente e o
trabalho com objetos muito próximos dos olhos pode causar problemas semelhantes em
pessoas jovens, O uso de óculos também é necessário quando ocorrem deformações do globo
ocular. Ele pode tornar-se achatado (miopia ou hipermetropia) (fig. 1.16) ou apresentar uma
córnea cuja curvatura não é perfeitamente esférica (astigmatismo).

Figura 1.16. Miopia e hipermetropia referem-se a deformações do globo ocular. O olho míope é
alongado, não permitindo que se formem imagens nítidas de objetos distantes sobre a retina
(a). Para corrigir este problema, a pessoa míope (sem óculos) costuma aproximar os objetos
dos olhos (b). Com o uso de lentes corretivas (óculos), passa a ver normalmente (c). O oposto
ocorre com o olho hipermetrope, que é muito curto, não permitindo a formação de imagens
nítidas de objetos próximos sobre a retina (d). Para superar esta dificuldade a pessoa
hipermetrope afasta os objetos dos olhos (e). O emprego de lentes corretivas devolve a visão
normal (t).

Atrás do cristalino, encontra-se a câmara posterior. Ela é formada pelo espaço interno do globo
ocular, ocupado por uma substância transparente e gelatinosa, o humor vítreo. Quase toda a
superfície interna desta câmara é revestida pela retina, formada pelas células receptoras e
outras células nervosas. A imagem dos objetos é focalizada com maior precisão sobre um
ponto da retina denominado fóvea. Este se apresenta como uma pequena depressão, cujo
diâmetro chega a ter um milímetro de extensão. E com esta minúscula região do olho que
vemos as cores e os detalhes das coisas que nos cercam. Atrás da retina, encontra-se uma rede
de vasos sangüíneos conhecida como camada coróide. Finalmente, a camada branca e mais
externa do olho, a esclerótica, constituída de tecido de sustentação, é responsável pela forma
característica do globo ocular.
Na retina encontram-se diversos tipos de células. A camada de fotorreceptores é formada pelas
células nervosas sensíveis à luz. Na figura 1.17 você encontrará uma ilustração esquemática da
retina. Preste atenção a um detalhe interessante e muito intrigante: após atravessar todas as
estruturas transparentes do olho, a luz atinge finalmente a retina; porém, antes de ser
absorvida pelos fotorreceptores, terá que atravessar também todas as camadas da própria
retina, uma vez que os receptores estão localizados na última camada e virados para trás. A
primeira camada corresponde a fibras nervosas que darão origem ao nervo óptico. A seguir, a
luz atravessa a camada das células ganglionares, amácrinas, bipolares e horizontais.
Finalmente, na última camada da retina, a luz é absorvida pelos fotorreceptores que ali se
encontram. A reação fotoquímica dos receptores dá origem a uma resposta neural, que é
transmitida às células bipolares. Estas, por sua vez, transmitem seus sinais às células
ganglionares, cujos axônios se agrupam. Formam, assim, o nervo óptico, que levará os impulsos
nervosos ao sistema nervoso central. As células amácrinas e horizontais proporcionam a
comunicação entre neurônios de uma mesma camada, permitindo uma sofisticada elaboração
da informação captada pelos receptores. Na realidade, a atividade da retina é tão complexa
que pode ser considerada um "minicérebro"

Depois de tomar conhecimento de um conjunto tão complexo e elaborado de estruturas, talvez


você se surpreenda com o fato de existir um ponto cego na retina, isto é, uma região que não
dispõe de receptores. Trata- se do local em que o nervo óptico e os vasos sangüíneos chegam à
retina. E conhecido como papua ou ponto cego. Com o auxílio do desenho da figura 1.18 você
poderá convencer-se da existência de seu ponto cego e demonstrar a si mesmo que, em
determinadas circunstâncias, uma pequena parte dos estímulos que nos cercam não pode ser
vista.

Um exame microscópico da retina mostra dois tipos de receptores:

cones (6 milhões) e bastonetes (120 milhões), devido à sua forma aproximadamente cônica e
cilíndrica, respectivamente. Os bastonetes localizam- se na periferia da retina e são excelentes
detectores de luz graças à rodop Olh

miope

Olho hipermetrope

Aproximando-se do objeto

28

29
Célula horizontal

i- Células bipolares

Células ganglionares

Fibras nervosas

Para o cérebro

Figura 1.17. A retina é formada de diversas camadas de células nervosas. Na primeira camada a
ser atravessada pela luz, encontram-se as fibras nervosas que formarão o nervo óptico. Na
segunda camada, organizam-se as células ganglionares que dão origem a estas fibras nervosas.
A seguir encontra-se um conjunto de neurônios, as células amácrinas, que através de sinapses
múltiplas entre as células ganglionares permitem uma ampla difusão da informação recebida
por cada uma delas, transmitindo o impulso nervoso a numerosas células vizinhas. A camada
das células bipolares é formada de neurônios que recebem a excitação de diversos
fotorreceptores e transmitem esta informação para as ganglionares. Entre a camada de células
fotorreceptoras e as bipolares há uma camada de células horizontais que é responsável pela
difusão da informação entre receptores vizinhos. Finalmente, a luz atinge a última camada de
células nervosas, os fotorreceptores, onde é absorvida pelos cones e bastonetes para, após a
sua transdução, dar origem ao impulso nervoso que se propagará para as demais células da
retina. No seu trajeto para o cérebro, o impulso nervoso é transmitido das células bipolares
para as ganglionares e finalmente através do nervo óptico deixa a retina e segue em direção ao
cérebro. Por Outro lado, as camadas de células horizontais e amácrinas são responsáveis pela
difusão de informação dentro de uma mesma camada. (Ilustração adaptada de Boycott e
Dowling, no livro de Schmidt, 1980.)

Figura 1.18. Para você se convencer de que existe um ponto cego na retina do olho direito,
proceda da seguinte maneira: segure o livro com o seu braço estirado, feche seu olho esquerdo
e olhe fixamente para o ponto da figura. A seguir, aproxime lentamente o livro de seus olhos.
Você notará que, em dado momento, o passarinho desaparecerá permanecendo, no entanto,
as grades da gaiola. Isto ocorre porque o ponto cego corresponde a uma pequena área da
retina, sobre a qual agora incide a imagem do passarinho, que não é percebido.

sina, substância fotossensível neles encontrada. Muito sensíveis à luz, são responsáveis pela
visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações no nível de
iluminação se torna importante. Se

quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto que surge na periferia do nosso campo visual,
e cuja luz foi captada pelos bastonetes da periferia da retina, teremos que movimentar os
olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão, sobre a região central dos
cones da fávea. Os receptores desta região, no entanto, somente reagem quando a luz

é mais intensa (visão fotópica).

A fóvea é a região de maior acuidade visual da retina, dotada exclusivamente de cones.


Quando observados ao microscópio, anatomicamente parecem semelhantes. Sabe-se, no
entanto, que de acordo com o seu funcionamento existem três tipos de fotorreceptores nesta
região.

Os três tipos de cones diferem quanto ao tipo de substância fotossensível neles contida. Um
tipo de cone capta principalmente a luz de comprimento de onda curta, proporcionando-nos a
sensação do azul. A substância química fotossensível que reage a estes comprimentos de ondas
foi denominada cianolábio (do grego: ciano azul; lábio, do verbo lambdno = captador).

O segundo tipo de cone reage, sobretudo, a comprimentos de onda intermediários, dando-nos


a sensação do verde. A substância química nele encontrada foi denominada clorolábio (do
grego: cloro verde; lábio, do verbo lambdno captador).

Epitélio pigmentado

Bastonete

Fotorre Con ceptores

retiniano

Célula amácrina

Incidência da luz

30

31

Finalmente, o terceiro tipo de cone responde, principalmente, aos comprimentos longos de


onda, e a substância fotossensível nele encontrada foi denominada eritrolábio (do grego: entro
= vermelho; lábio, do verbo lambáno captador). Como o ser humano possui três tipos de
receptores para a visão de cores, seu sistema visual é denominado tricomático. Já vimos que
nos bastonetes apenas uma substância fotossensível é encontrada (a rodopsina). Trata-se
portanto de um sistema visual monocromático que não participa da visão de cores. Conclui-se,
portanto, que a retina do ser humano é dotada de quatro tipos de receptores: os bastonetes e
três tipos de cones.

Você certamente se recorda de ocasiões em que, depois de andar por uma rua ensolarada e
entrar em um cinema, a princípio você não consegue ver nada além da imagem projetada na
tela. Lentamente, é possível vislumbrar uma poltrona vazia. Somente muito tempo depois, é
possível ver outros objetos e pessoas a seu redor com maior clareza. Passada uma hora, com os
olhos completamente adaptados ao escuro, para grande surpresa sua, você consegue ver com
nitidez até mesmo pessoas distantes. Em condições controladas de laboratório, é possível
mostrar que os bastonetes precisam de mais tempo do que os cones para atingir a sua
sensibilidade máxima. Mas, uma vez completamente adaptados ao escuro, sua sensibilidade à
luz é mais pronunciada que a dos cones. Isto quer dizer que os bastonetes reagirão diante de
estímulos luminosos bem mais fracos (de menor intensidade).

Na figura 1.19 encontram-se os resultados obtidos em uma situação experimental deste tipo.
Foram reunidas medidas obtidas em três situações distintas: projetando-se um diminuto feixe
de luz numa região do olho dotada tanto de cones como de bastonetes, foi obtido o traço
contínuo. Na realidade, este consiste em dois "degraus": o superior corresponde à adaptação
ao escuro dos cones e o inferior à dos bastonetes. A linha tracejada superior foi obtida
projetando-se um feixe de luz sobre a fóvea. E a linha tracejada inferior foi obtida projetando-
se um feixe de luz sobre os bastonetes de uma pessoa que não possuía cones; portanto,
completamente cega a cores. Como se pode verificar, a curva de dois "degraus" corresponde à
adaptação ao escuro de uma região mediana da retina, onde são encontrados tanto cones
quanto bastonetes. Estes resultados mostram que os dois tipos de receptores se comportam
de forma bem distinta

no escuro.

1.11. A interação dos diversos tipos de receptores

A descrição das diversas modalidades sensoriais vista nas páginas anteriores deixa claro que os
mecanismos de captação de energia do ambiente e a fisiologia da transdução são os mesmos
em todos os seres humanos.

O 5 10 15 20 25 30min

Período de adaptação ao escuro

Figura 1.19. Curvas de adaptação ao escuro. A linha contínua (a) corresponde ao curso da
adaptação ao escuro, numa região nas vizinhanças da fóvea de um indivíduo possuidor de
visão normal, em que são encontrados tanto cones como bastonentes. Verifica-se que a curva
é composta por duas partes bem distintas. A curva pontilhada (b) corresponde à adaptação ao
escuro da fóvea, região em que existem apenas cones. Verifica-se que a curva corresponde
perfeitamente ao primeiro degrau da curva anterior, mostrando que a adaptação ao escuro
inicial do olho humano é devida ao aumento de sensibilidade dos cones, o que ocorre durante
os primeiros 7 ou 8 minutos no escuro. A linha tracejada (c) foi obtida com uma pessoa cuja
retina era dotada apenas de bastonetes. Isto é, desprovida de cones, era totalmente cega a
cores (visão monocromática). Verifica-se que esta curva corresponde perfeitamente à segunda
parte da primeira curva (a), demonstrando que a sensibilidade máxima do olho humano só é
atingida após 25 ou 30 minutos de adaptação ao escuro, ocasião em que estímulos de
pouquíssima intensidade podem ser vistos. Esta sensibilidade acentuada é devida à adaptação
dos bastonetes e ocorre muito tempo depois da adaptação inicial dos cones. (Ilustração
adaptada de Schmidt, 1980).

O que difere de uma pessoa para outra, diante de uma mesma situação de estímulos, é a
percepção. Ou seja, a seleção e interpretação dos dados sensoriais. Todo conhecimento que
temos de nosso próprio corpo e do ambiente, constituído tanto de nossos semelhantes quanto
de objetos inanimados, é fornecido por nossos órgãos dos sentidos. Eles transformam
diferentes tipos de energia (mecânica, térmica, eletromagnética etc...) em energia
eletroquímica, que chega ao nosso cérebro na forma de impulsos nervosos. No cérebro, serão
integradas as informações provenientes dos diversos órgãos sensoriais. Isto, porém, não basta
para nossa percepção do ambiente. Ela dependerá também de nossa experiência passada, de
nosso estado emocional e motivacional, bem como de nossas atitudes, preconceitos e de
nossas expectativas a respeito do futuro. O filósofo Immanuel

6-

5-

4-

3-

2-

1-

0-

co

>

co

5)

5)

co

5)

32

33

Kant, pensando neste assunto, chegou à conclusão de que "nós não vemos as coisas como elas
são, porém como nós somos".

E graças à integração de todas as informações provenientes de um dado estímulo que pessoas


portadoras de deficiências sensoriais, como, por exemplo, daltonismo ou surdez, vivem
ajustadas em seu ambiente. Uma pessoa daltônica, cujos cones estão desfalcados de uma das
substâncias fotorreceptoras, poderá, ocasionalmente, mostrar dificuldades para discriminar
dois objetos pela cor. Porém, raramente terá transtornos maiores, uma vez que os objetos
também diferem quanto ao brilho, forma, tamanho, aspereza, temperatura e outras
características. O mesmo ocorre com uma pessoa parcial ou totalmente cega. Ela poderá
perceber o espaço através da informação fornecida por outras modalidades sensoriais como,
por exemplo, a audição e o tato.

34

Psicofísica Medidas em percepção

A Percepção é uma disciplina da Psicologia com ênfase muito grande em investigações


científicas e em experimentos de laboratório e pesquisas de campo. Precisa, portanto, de
alguma forma, preocupar-se com as medidas e a quantificação de seus resultados. Em geral,
toda disciplina desenvolve técnicas específicas e especializadas para lidar com seus problemas
particulares de medida. Assim, também o campo da percepção tem suas técnicas especiais de
medida, geralmente estudadas sob a denominação de métodos psicofi'sicos.

Inicialmente, os métodos psicofísicos foram desenvolvidos para uma disciplina chamada


Psicofísica. Como o próprio nome sugere, a Psicofísica procura relacionar funcionalmente os
estímulos ou eventos físicos e as sensações ou perceptos. De maneira ampla, é este o objetivo
da disciplina Percepção. Originou-se com Gustav Fechner (1801-1887), um estudioso de
Medicina, Física e Filosofia. Sua primeira preocupação em Psicologia Experimental foi medir as
sensações (os perceptos), de forma acurada, em termos do referencial dos estímulos físicos.
Mesmo que a Filosofia e a teoria psicológica que fundamentaram os estudos de Fechner hoje
somente possuam valor histórico, os métodos psicofísicos desenvolvidos por ele são ainda
amplamente utilizados. Na verdade, transcendem o campo da Percepção (e da Psicologia
Experimental) inicialmente procurado: também são empregados em pesquisas de outras
ciências, como a Sociologia ou a Fisiologia.

De maneira mais abrangente, a Psicofísica busca a relação funcional entre as sensações


provocadas por estímulos de diferentes magnitudes ou valores. Se houvesse uma relação
simples e constante entre os valores físicos de um estímulo e as sensações provocadas, a
questão não apresentaria maiores problemas. Não é assim. Isto pode ser facilmente intuído:
em pri35

meiro lugar, as escalas físicas utilizadas para medir os estímulos são, em sua maioria, até certo
ponto arbitrárias. Podemos medir uma distância em centímetros ou polegadas ou anos-luz; o
brilho de uma lâmpada pode ser expresso em watts ou candeias ou Lamberts, e assim por
diante. A maioria das escalas utilizadas para medir um estímulo físico é independente do
observador humano. Mas há algumas notáveis exceções, como o brilho de uma luz expressa
em lumens ou o volume de um som expresso em decibéis relativos à sensibilidade auditiva
humana. Em segundo lugar, a sensação não corresponde sempre ao estímulo físico de uma
forma simples, a ponto de o observador se dar conta disto: o mesmo observador olha o
comprimento de uma escada deitada no chão e a altura do telhado; tem a nítida sensação de
que a distância é a mesma. Mas ao encostar a escada à parede percebe que faltam alguns
centímetros. Evidentemente, o relógio não deixa de fazer tique-taque quando o afastamos do
ouvido:

o estímulo físico continua presente, mas não há mais uma sensação correspondente. A
Psicofísica, em sua busca da relação entre o valor do estímulo físico e a sensação, defronta-se,
basicamente, com quatro questões. Estas podem ser distinguidas apenas artificialmente, uma
vez que em nosso comportamento habitual nos deparamos, constantemente, com os quatro
aspectos e os solucionamos de uma forma conjunta.

A primeira questão é: qual é a energia mínima (ou grandeza) que um estímulo deve ter para
provocar em nós uma sensação (ser percebido)? Isto é normalmente considerado como um
problema de sensibilidade absoluta, e o valor físico desta magnitude de estímulo é chamado de
limiar absoluto. Para que um médico possa detectar uma mancha na radiografia dos pulmões
de seu paciente, que tamanho ela precisa ter? Se o filme estiver embaçado, será ainda mais
difícil detectar a mancha: haverá elementos perturbadores. Para o observador, o limiar
absoluto apresenta, portanto, uma questão de detecção.

A segunda questão diz respeito à sensibilidade diferencial, ou seja, quanto dois estímulos
precisam diferir entre si, para que provoquem sensações diferentes? A menor diferença entre
os valores físicos de dois estímulos, que provocam sensações diferentes e que, portanto,
podem ser discriminados, é chamada de limiar diferencial. Por exemplo, o médico tem diante
de si a radiografia dos pulmões. Ambos os pulmões estão com uma mancha. Quanto uma
mancha tem de ser maior que a outra para o médico decidir qual dos dois pulmões está mais
afetado? Para o observador, trata-se de uma tarefa de discriminação. Ele precisa distinguir, isto
é, discriminar, vários estímulos que variam entre si quanto a um mesmo aspecto físico.

A terceira questão refere-se ao que representa, para o observador, uma tarefa de


reconhecimento. O estímulo, depois de detectado, precisa ser reconhecido ou identificado. O
médico detectou uma mancha na radiografia. Agora precisa identificar a mancha. Trata-se de
um tumor, uma infec ção

corpo estranho? O reconhecimento implica a comparação do estímulo detectado com outros


perfeitamente definidos. Estes podem estar presentes (o médico pega um manual e compara
os vários tipos de manchas). Mas, na maioria das vezes, o observador faz o reconhecimento em
função de imagens que possui na memória. Quando reconhecemos que a pessoa que se
aproxima é nosso irmão ou que a fruta sobre a mesa é uma maçã, valemo-nos de imagens de
nossa memória.

Por fim, a quarta questão nos transforma num instrumento de medida. Agora queremos, a
partir da magnitude de nossa sensação, chegar ao valor físico de estímulo. A tarefa com a qual
o observador se defronta é a da construção de uma escala. O médico que encontrou uma
mancha nos raios X e a reconheceu como sendo um tumor, vai avaliar a profundidade deste
baseando-se na densidade da mancha (que ele pode medir). Constantemente, estamos nos
valendo de escalas de sensação. Por exemplo, quando estimamos a distância até uma árvore
ou o tempo que passou desde que o filme começou.

Estas quatro tarefas perceptivas, detecção, discriminação, reconhecimento e formação de


escalas, são os temas principais da Psico física. Relacionam sensações com valores físicos do
estímulo. Para o estudo científico destas tarefas, foram desenvolvidos os métodos de medição -
métodos psicofísicos - que são utilizados na quantificação na maioria dos estudos de
percepção.

2.1. Detecção

O problema básico de qualquer sistema sensorial é detectar a presença de alterações de


energia no ambiente, ou seja, a presença de estímulos, sejam estes olfativos, gustativos,
visuais, auditivos etc. Para que ocorra a detecção da energia por algum de nossos sistemas
sensoriais, é preciso haver um mínimo de energia presente, que corresponde ao limiar
absoluto.

O conceito de limiar absoluto foi introduzido, em Psicologia, por Johann Herbart, em 1824, ao
escrever a respeito de limiar de consciência. Ou seja, uma "idéia" somente se tornaria
consciente para o observador se tivesse uma certa "força", do contrário permaneceria no
inconsciente. Gustav Fechner retomou este conceito e o aplicou diretamente ao conceito de
sensação, tal como é empregado ainda hoje. Portanto, um estímulo de energia inferior ao
limiar absoluto nunca é percebido. E acima do valor de limiar sempre seria percebido. Observa-
se, no entanto, que o valor do limiar não pode ser fixado tão precisamente. E impossível
estabelecer um limite exato entre estímulos supra e subliminares. Valores de estímulo
próximos ao limiar absoluto ora são percebidos ora não, o que implica dizer que o limiar
absoluto flutua em torno de um valor, o que pode tanto ser devido a flutuações intrínsecas do
limiar decorrentes de modificações na sensibilidade, como a lapsos de atenção por parte do
sujeito que se sub-

36

37

mete ao experimento, fadiga e outras variações de cunho psicológico ou fisiológico. Devido a


esta flutuação do valor de limiar, foi necessário para sua determinação desenvolver métodos
específicos que envolvessem um critério estatístico.

Os principais métodos psicofisicos são: método dos limites e método dos estímulos constantes.

2.1.1. Método dos limites

A forma mais intuitiva para a determinação de um limiar absoluto seria apresentar a um


sujeito, sob condições bem controladas, um valor de estímulo imperceptível (subliminar) e
aumentá-lo, gradativamente, até que fosse percebido. O valor de transição seria o limiar
absoluto. Pelo método dos limites, o limiar é determinado exatamente assim. Mas, devido à
flutuação do limiar, não é suficiente se fazer apenas uma determinação, mas várias, obtendo-
se, finalmente, a média de todas as determinações. Ainda como um controle adicional,
também seriam apresentadas séries de estímulos iniciadas com valores bem acima do limiar e
diminuídos gradativamente, até que o sujeito deixasse de perceber o estímulo. Como o valor
do estímulo diminui nestas apresentações, elas são chamadas de séries descendentes. As
primeiras são chamadas de séries ascendentes. Costuma-se alternar os dois tipos de séries,
procurando apresentar pelo menos umas dez séries ao todo. Esta alternação de séries visa
compensar os erros de habituação de série que podem ocorrer na determinação de um limiar
pelo método dos limites.

Há dois tipos de erros de habituação: 1) erro de antecipação, quando o sujeito sente uma
pressão psicológica muito grande para inverter seu julgamento, pelo simples fato de já ter
emitido um mesmo julgamento repetidas vezes (por exemplo, o sujeito não percebe o estímulo
numa série ascendente - pois está subliminar -, então, sabendo que a intensidade do estímulo
está aumentando gradativamente, acredita que já deve ter chegado o momento de perceber o
estímulo e, por isto, inverte seu julgamento; o inverso ocorreria numa série descendente). 2)
Erros de persistência: o sujeito mantém o julgamento anterior por muito tempo, e só quando o
estímulo, numa série ascendente, já está bem perceptível, se dá conta de que já o percebe; ou,
numa série descendente, que deixou de percebê-lo. O fato de o sujeito apresentar erros de
antecipação ou persistência tem relação com sua personalidade, o que pode ser controlado em
parte pelas instruções fornecidas pelo experimentador. A alternância de séries ascendentes e
descendentes compensa os dois erros, uma vez que o sujeito apresente sempre um só tipo de
erro. Na figura 2.1 estão apresentados os dados de um experimento de determinação de um
limiar auditivo, com os respectivos cálculos estatísticos e a maneira prática de dispor a folha de
registro para um experimento deste tipo.

Séries de apresentação

Figura 2.1. Folha de registro, com dados, para a determinação de um limiar auditivo pelo
método por limites. Como valores de estímulos a serem apresentados, foram escolhidos 10
valores, de modo que se tivesse certeza de que a menor intensidade (10 dB) nunca poderia ser
ouvida, e a maior intensidade (100 dB), sempre. Desta forma, o limiar auditivo absoluto
necessariamente cai entre estes valores. As séries de apresentação dos estímulos são
alternadamente ascendentes e descendentes. As setas indicam a direção de apresentação dos
estímulos. Dez séries correspondem a um número mínimo de séries, sendo que 10 a 12 valores
discretos de estímulos devem ser utilizados. As séries de apresentação são interrompidas na
primeira inversão de julgamento. Assim, numa série ascendente, os primeiros julgamentos
serão "não ouço" (-), até atingir-se um valor no qual o sujeito dirá "ouço" (+). Neste momento,
a série de apresentação pode ser interrompida, para se passar à próxima série. As séries não
devem ser iniciadas todas nos mesmos valores, para evitar que o sujeito simplesmente inverta
seu julgamento após um número fixo de apresentações. O limite de série corresponde ao
ponto médio numa inversão. O limiar é calculado pela média aritmética dos limites de série.
Pode-se, a fim de analisar o padrão de respostas do sujeito, obter separada- mente o limiar
para as séries ascendentes e descendentes, ou para a primeira e segunda parte do
experimento. A vantagem deste método está em sua simplicidade.

Talvez o maior inconveniente do método dos limites, tal como foi apresentado aqui, seja o fato
de que inúmeros estímulos apresentados na verdade não entram no cálculo do limiar,
prolongando desnecessariamente um experimento. Por esse motivo, Cornsweet (1962) criou
uma variante do método dos limites, denominada método da escada dupla. Neste mé Valore

do estimulo (intensidade sonora em dB)

limites de série (45+55+65+55+55+65+45+45+65+55)

Limiar = = =

n 10

Limiar = = 55 dB

lo

38

39

lo

20

-
-

30

40

-
50

60

i-

70

+
+

80

90

+
+

100

Limites da série (dB)

45

55

65

55

55

65

45

45

65

55

todo, também se utiliza uma série ascendente e uma descendente, alternadamente. Mas, de
cada série, é apresentado um só valor de estímulo, alterando-se a direção da série após cada
mudança de julgamento do sujeito (mudança de "perceber" para "não-perceber" ou vice-
versa). O limiar é calculado simplesmente pela média aritmética de todos os valores
apresentados após a primeira inversão de cada série. A figura 2.2 mostra um exemplo de
aplicação deste método simples e rápido para a determinação de limiares.

• 70÷70+80+60+70+80+60+90+70+80÷80+90÷70÷8O+80+90+70+80+60÷70

Limiar =

1.500

Limiar = 75 dB 20

Figura 2.2. Folha de registro com dados, para a determinação de um limiar absoluto pelo
método da "escada dupla". Este método, derivado do método dos estímulos constantes,
também se vale de duas séries (a e b) em alternação simples (pode ser também alternação
aleatória). De cada série é apresentado um só valor. Se a resposta a uma apresentação numa
série a for "não", a próxima apresentação para esta mesma série a será de um valor
imediatamente maior (mais intenso). Por outro lado, se a resposta for "sim", a próxima
apresentação será de um valor imediatamente menor. Esta é a única regra que governa os
valores apresentados. E preciso lembrar ainda que as duas séries, a e b, são totalmente
independentes durante a apresentação. De forma análoga no método dos limites, deve-se
partir de 10-12 valores de estímulos, O número de séries deverá ser acima de 30. O limiar é
calculado pela média aritmética de todos os valores apresentados, sem levar em conta se são
de séries a ou b, ou se tiveram resposta "sim" ou "não", após o primeiro "contato" das duas
séries. A vantagem deste método está no número bem menor de apresentações do estímulo
para determinação do limiar.

2.1.2. Método dos estímulos constantes

Consiste no segundo método clássico, ainda desenvolvido por Fechner. Neste método,
apresentam-se, repetidas vezes, valores de estímulos muito próximos ao suposto limiar (que
deve ser estimado previamente por algumas séries do método dos limites). Em geral,
escolhem-se por volta de 10 valores próximos ao limiar. Num experimento ideal, os valores de
menor magnitude serão subliminares (nunca serão percebidos no experimento) e os de maior
magnitude serão supraliminares (e serão percebidos em cada tentativa em que forem
apresentados). Cada valor de estímulo deve ser apresentado o maior número de vezes possível
(nunca menos de 10), de maneira aleatória. Determina-se, então, a freqüência de percepção
para cada valor. O limiar absoluto corresponderá ao valor de estímulo que foi percebido 50%
das vezes. Este valor pode ser estimado estatistícamente ou determinado de forma gráfica,
como mostra a figura 2.3, na qual se apresenta a determinação de um limiar pelo método dos
estímulos constantes.

O limiar determinado pelo método dos estímulos constantes seria muito preciso se a resposta
do sujeito dependesse unicamente do valor de estímulo apresentado. Mas isto, infelizmente,
não ocorre. Há outros fatores que influenciam a resposta do sujeito e nada têm a ver com a
intensidade do estímulo. O que mostra que um limiar absoluto não é tão "absoluto" assim: é
sempre "relativo" às outras condições que atuam sobre a resposta do sujeito. Os outros fatores
que influenciam a resposta do sujeito, e, portanto, indiretamente, o limiar medido, são
estudados pelo que se convencionou de teoria de detecção de sinais.
O primeiro fator que influencia as respostas do sujeito é a sua motivação em dizer sim (percebo
o estímulo) ou não (não percebo o estímulo). Num experimento de detecção, o sujeito,
sabendo que o estímulo às vezes sub e às vezes supraliminar é apresentado em cada tentativa,
pode dizer sempre "sim", simplesmente por se sentir motivado, apresentando um limiar muito
baixo e, assim, gabando-se de uma "supervisão" ou "superaudição". E claro que o
experimentador perceberia imediatamente a artimanha do sujeito e o repreenderia por sua
falta de colaboração com o experimento. Uma maneira de "pegar" o sujeito mais facilmente
nesse comportamento pouco simpático, é introduzir tentativas-armadilha, nas quais nenhum
estímulo é apresentado. Se o sujeito disser um "sim" numa tentativaarmadilha, estará
desmascarado, e o experimentador poderá "puni-lo" para extinguir este comportamento, pois,
sem a punição, o sujeito poderá continuar neste padrão de respostas. Por outro lado, se o
experimentador resolver punir somente as respostas "sim" às tentativas-armadilha, o sujeito
poderá passar a responder sempre "não", só para esquivar-se de todas as punições. Assim,
novamente, o limiar medido não corresponderá ao real. O que o experimentador precisa fazer
é punir as respostas "sim" em tenta-

Séries

valores após cruzamento = Limiar =

Cruzamento das duas séries

40

41

Intensidade luminosa (unidades arbitrárias)

b 100

90

80

70

60

o.

e
Figura 2.3. a) Tabela de dados obtidos num experimento de determinação de limiar absoluto
de intensidade luminosa. A intensidade luminosa está expressa em unidades arbitrárias, sendo
que previamente foi determinado "a grosso modo" (fazendo-se algumas séries pelo método
dos limites) que o limiar absoluto realmente se situa, para o sujeito estudado, entre as
intensidades 10 e 90. Em seguida, os 9 valores de intensidade (10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80,
90) foram apresentados ao sujeito numa seqüência aleatória, até que cada um dos valores
tivesse sido apresentado por 10 vezes. Portanto, ao todo foram apresentados 90 estímulos.
Para cada valor de intensidade luminosa foi então determinada a proporção (porcentagem) de
respostas "sim, vejo a luz". b) Os resultados do protocolo a foram apresentados graficamente, a
fim de que pudesse ser determinado o limiar absoluto. A curva contínua corresponde a uma
ogiva interpolada "a olho" (naturalmente também é possível fazer-se uma determinação
matemática utilizando-se o método dos quadrados mínimos para determinação da
interpolatriz). O limiar corresponde ao valor de intensidade que é percebido em 50% (metade)
das apresentações. Portanto, traçando-se uma linha na altura de 50% de respostas "sim" até a
interpolatriz e verificando-se a que valor de intensidade corresponde, obtém-se o limiar
absoluto. Este valor, determinado graficamente, pode também ser determinado
matematicamente, bastando lembrar que corresponde à determinação da mediana.

Sim

o.

Não

Figura 2.4. Resultados possíveis num experimento no qual o sujeito se depara com duas
situações: presença de um sinal (s) ou ausência deste sinal (ruído-n). Em cada tentativa o
sujeito deve dizer se o sinal foi apresentado ou não. A ausência de sinal é chamada de ruído,
uma vez que sempre ocorre alguma estimulação ou ruído de fundo que pode provir da
aparelhagem que produz o sinal, do ambiente externo ou do próprio sujeito com suas
expectativas. Há dois resultados desejáveis - o acerto e a rejeição correta - e dois resultados
indesejáveis - a omissão e o alarme falso. Observe e avalie se cada resultado tem seu valor
intrínseco, pois em determinadas situações os acertos podem ser muito importantes, e as
rejeições corretas-menos importantes, ou vice-versa. Ou, então, os resultados são indesejáveis
se possuem valores diferentes. Além dos valores intrínsecos que os diferentes resultados
possuem, pode- se criar valores artificialmente, através de uma matriz de pagamento que pune
e reforça diferencialmente os resultados. As respostas do sujeito vão depender da matriz de
pagamento.

'o

a.

tivas-armadilha (chamadas de alarmes falsos) e reforçar as respostas "sim" quando


efetivamente esteve presente um estímulo (chamadas de acerto). E preciso também
estabelecer uma matriz de pagamento, pois, havendo tentativas com e sem estímulo
(chamadas de sinal e ruído) e respostas "sim" e "não", temos, ao todo, quatro situações
possíveis, como na figura 2.4. Precisamos recompensar o acerto e a rejeição correta, e punir o
erro e o alarme falso. Num experimento de laboratório, a matriz de pagamento é representada
por fichas, dinheiro, pontos ou algo semelhante. Na vida real, é dada por outras motivações.
Por exemplo, o custo de um alarme falso para um operador de radar na fronteira de um país é
muito grande, pois, se o ponto luminoso observado na tela do radar não for um avião inimigo,
milhões serão gastos no disparo de foguetes, pode ocorrer um incidente diplomático ou a
destruição de um avião nacional. Por outro lado, o custo da omissão de um médico em
detectar câncer numa radiografia é muito alto, conquanto o custo de um alarme falso seja
relativamente baixo (levaria o paciente a fazer alguns exames a mais). Portanto, em nossa vida
diária, as inúmeras "detecções" são controladas por matrizes de pagamento inconscientes, na
maioria das vezes. E bastante óbvio como a ma 40

30

20

10
Limiar

10 20 30 40 50 60 70 80 90

Estimulação

Sinal lsl

Ruído ln)

42

43

10

20

30

40

50

60

70

80

90

s
s

n
ri

ri

ri

ri

n
n

ri

ri

s
10

ri

ri

% Sim

10

20

40

60

60

80

100

100

Acerto

Alarme falso

Omissão

Rejeição

correta
triz de pagamento influencia o limiar de detecção: o sujeito procurará otimizar seu ganho,
adotando um critério de respostas mais ou menos rígido. Há formulações matemáticas que
relacionam os diversos valores da matriz de pagamento para estimar o critério do sujeito.

Não é somente a matriz de pagamento que influencia as respostas do sujeito num experimento
de detecção, mas também o número de vezes que o estímulo é apresentado em relação às
apresentações-armadilha, além, é claro, do limiar absoluto propriamente dito, que o sujeito
tem para o estímulo em causa, ou seja, a intensidade real do estímulo. Em teoria de detecção
de sinais, as tentativas-armadilha são denominadas ruído, isto é, há apenas estimulação
aleatória, e não aquela que nós queremos detectar. Imagine que se queira detectar as luzes de
um avião num céu estrelado. As estrelas serão o ruído e a luz do avião, o estímulo. Se num
experimento, na maioria das vezes, for apresentado apenas o ruído, sem estímulo, o sujeito
dirá "não" com freqüência cada vez maior, diminuindo desta forma a possibilidade de alarmes
falsos. Ao contrário, se o estímulo quase sempre for apresentado, o sujeito tenderá a dizer
sempre "sim" para evitar as omissões. Esta tendência é óbvia: se, sempre que ouvimos um
som, também vemos uma luz, depois de algum tempo nem vamos olhar mais, pois iremos
supor que a luz está presente, mesmo que não esteja mais.

Portanto, a resposta do sujeito será determinada pela matriz de pagamento, pela probabilidade
de, em uma tentativa, haver apenas o ruído ou o sinal e, obviamente, pela intensidade do
estímulo. E possível relacionar estes três fatores matematicamente entre si, e a partir disto
conhecer muito sobre o limiar absoluto e o próprio critério de respostas do sujeito. Na figura
2.5, apresenta-se um exemplo que elucida um pouco mais a teoria de detecção de sinais
aplicada à Psicologia da Percepção.

2.2. Discriminação

A questão colocada pela discriminação é saber quanto dois estímulos devem diferir para que
sejam percebidos como diferentes. E preciso definir em que dimensão se dá a diferença, pois
duas luzes, apesar de terem a mesma cor, podem ter brilhos diferentes ou, ao contrário,
podem ter cores diferentes e brilhos iguais. E preciso fixar todas as dimensões e variar apenas
uma, como é feito nos experimentos de laboratório que estudam problemas de discriminação.
Nestes experimentos de discriminação, o propósito geral é determinar o limiar diferencial, isto
é, a mínima diferença, perceptível pelo sujeito entre dois estímulos. Para tanto, utilizam- se um
estímulo padrão e vários estímulos de comparação, que são julgados como sendo mais
intensos (maiores, mais brilhantes, mais pesados etc.), iguais, ou menos intensos. Alguns
estudos mostram que é conveniente eliminar o julgamento de igualdade, pois este é muito
susceptível às instruções dadas aos sujeitos. Pelas instruções, o sujeito pode ser compelido a

Figura 2.5. Na teoria de detecção, considera-se que a situação normal, isto é, ausência do
estimulo, corresponde a uma situação de ruído n (noise em inglês). A presença de um estímulo
corresponde à situação de sinal (na verdade a soma de ruído + sinal). Cada uma das situações
provoca com certa probabilidade sensações ao longo do contínuo sensorial, o que é
representado em a. A tarefa do sujeito é diferenciar em cada tentativa se se tratou de ruído (n)
ou sinal (s). Esta diferenciação não é imediata, pois as duas curvas têm uma zona de
sobreposição, isto é, onde a mesma sensação poderia ser interpretada tanto como n ou s. Nas
figuras b e c estas zonas estão marcadas. Em b esta zona é grande, pois a curva de n sobrepõe
em grande parte a curva de s, ou seja, o sinal pode ser diferenciado do ruído apenas com
grande dificuldade. A distância entre as duas curvas é chamada de d'. Na figura e, sinal e ruído
são muito diferentes, isto é, provocam sensações bem distintas. O valor de d'
conseqüentemente é grande. Do valor de d' dependerá a facilidade com a qual o sujeito
consegue distinguir o sinal do ruído. Mas como em todos os casos existe uma zona de
sobreposição onde os estímulos podem ser confundidos, o sujeito procura estabelecer um
critério (B) que fixa um valor de sensação a partir do qual emitirá o julgamento "sim" (isto é,
"sim, percebi o sinal") e abaixo deste valor emitirá o julgamento "não" (isto é, "não percebi o
sinal' trata-se portanto de um ruído). As figuras d e e ilustram isto, mostrando uma situação de
critério relaxado ( na qual o sujeito julga muitos valores de sensação como provenientes do
sinal, e portanto comete muitos alarmes falsos. Ao contrário, numa situação de critério estrito
(e), o sujeito cometerá muitas omissões. Onde o sujeito vai posicionar seu critério depende de
uma série de fatores, como a proporção de situações de sinal/ruído, a valorização de cada tipo
de erro (omissão em alarme falso), as instruções que o sujeito recebe e sua própria atitude
com o experimento.

Distribuição do ruído

Distribuição de

1 + ruído

b Contínuo sensorial

Não...- --Sim

- critério relaxado

= critério estrito

44

45

Séries de apresentação

dizer "igual" sempre que não puder definir exatamente se um estímulo é mais intenso que o
outro ou não (haverá muitas respostas "igual' sempre que o sujeito estiver em dúvida). Ou,
então, poderá, dizer "igual" apenas quando tiver certeza de que os dois estímulos são
realmente iguais (haverá poucas respostas "igual"). Prefere-se, portanto, fazer um experimento
de "escolha forçada", obrigando o sujeito a optar por "mais" ou "menos" em cada tentativa. Os
resultados de experimentos com escolha forçada se mostram mais precisos e facilitam o
cálculo do limiar diferencial.

Para a determinação do limiar diferencial podem ser utilizados os mesmos métodos


empregados na determinação de um limiar absoluto. Na figura 2.6, há um exemplo de
determinação de limiar diferencial pelo método dos limites, e na figura 2.7, um exemplo de
limiar diferencial calculado pelo método dos estímulos constantes, deixando claro que o limiar
diferencial é uma medida de variabilidade.

O ponto onde a probabilidade de julgamento "maior" ou "menor" é igual, isto é, 50%, é


denominado ponto de igualdade subjetiva (PIS). Corresponde ao valor que, subjetivamente,
parece ao sujeito ser igual ao estímulo padrão. A diferença entre o ponto de igualdade
subjetiva e o estímulo padrão é denominada erro constante. Admitia-se que o erro constante
surge porque o estímulo padrão e o estímulo de comparação não eram julgados
simultaneamente, mas sim, em geral, um após o outro. Quando um estímulo de comparação é
julgado, a "imagem mental" do estímulo padrão já se esvaneceu um pouco. Por isto, o erro
constante era chamado de erro de tempo. No entanto, a explicação do esvanecimento da
imagem do estímulo padrão se mostrou falsa: o erro de tempo, ou erro constante depende,
simplesmente, de fatores de configuração do estímulo padrão e de comparação que não são
controláveis pelo experimentador.

Os pontos onde a probabilidade de resposta "mais intenso" (ou "menos intenso") é 25% e 75%
correspondem a valores que são discriminados com 50% de probabilidade, ou seja, que são
discriminados do estímulo padrão em 50% das apresentações, como pode ser visto na figura
2.6. A distância entre estes dois pontos corresponde ao intervalo de incerteza, cuja metade é o
limiar diferencial, também denominado diferença apenas perceptível (DAP). Portanto, o sujeito
é capaz de discriminar dois estímulos que distam entre si pelo menos uma DAP. A figura 2.8
apresenta duas curvas de discriminação, uma de discriminação precária (limiar elevado) e
outra de boa discriminação, mostrando que a inclinação da curva de discriminação é um
indicador do limiar de discriminação.

Vimos que o limiar diferencial é determinado em função de um estímulo padrão, que é


mantido constante no decorrer de um experimento. Parece óbvio que o valor do limiar
diferencial varia em função do estímulo padrão. Se, por exemplo, conseguimos discriminar um
peso de 1.000 g de outro de 1.100 g (limiar diferencial DAP = A 1 = 100 g), é óbvio que não
conseguiremos discriminar 10.000 g de 10.100 g (A 1 = 100 g). Tal-

lx - x)2

LD desvio padrão dos limites de série = a = '4I 1 4,83

Figura 2.6. Determinação do limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método dos
estímulos constantes. A intensidade luminosa está indicada em unidades arbitrárias, O
estímulo padrão (Sp) tem intensidade 25. Em cada apresentação os estímulos de comparação
(Sc) são comparados ao Sp e julgados como menos intensos (m) ou mais intensos (M). No
demais, o método é igual ao apresentado na figura 2.1 para a determinação de um limiar
absoluto. A média aritmética dos limites de série corresponde agora ao ponto de igualdade
subjetiva (PIS), que é o valor de estímulo que em média parece para o sujeito ter a mesma
intensidade que o Sp. A diferença entre PIS e Sp dá o erro constante (EC). Neste exemplo em
particular o EC é extremamente grande, mostrando que possivelmente houve um erro entre o
Sp e os Sc, provavelmente decorrente da calibração do aparelho, ou, então, que o método de
comparação deixava os Se parecerem muito mais escuros. O limiar diferencial (LD) corresponde
a alguma medida de variabilidade dos limites de série. Para tanto há várias possibilidades, mas
as mais comuns são a semi-amplitude de variabilidade e o desvjo padrão dos limites de série.
Ambos os valores estão calculados acima. A semi-amplitude de variabilidade corresponde à
metade da diferença entre o maior e o menor valor dos limites de série, O desvio padrão é
calculado da maneira habitual.

vez precisemos de 11.000 g (A 1 = 1.000 g) para notar uma diferença de peso. Ernst Heinrich
Weber (1834) mostrou que havia uma relação constante entre o limiar diferencial (A 1) e o
valor de estímulo padrão (ou intensidade do estímulo 1), ou seja, A 1 = KI (K constante de
proporcionalidade). Fechner denominou a relação K = A 1/1 fração ou constante de Weber. Ela
corresponderia a uma função constante, ou seja, para discriminar dois estímulos entre si, é
preciso diferenciá-los por uma proporção constante.

Intensidade luminosa (Sc)

Intensidade padrão (Sp)-'-25

Limites de série 32,5 37,5 27,5 32,5 37,5 42,5 32,5 37,5 32,5 42,5

Ponto de Igualdade Subjetiva = limites de séries

n 10

Erro Constante = EC = PIS - Sp = 35,5 - 25,0 = 10,5 42,5 - 32,5


Limiar Diferencial = LD semiamplitude de variabilidade = = 5,0

46

47

10

15

m
m

30

35

40
M

45

50

M
M

Intensidade luminosa Sp

'1

a,

'o

a,

ai

'1

a,

a,

ai

b%

100

80

60

40

20

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Figura 2.8. Resultados de um experimento de discriminação (limiar diferencial) para unidades


arbitrárias de um estímulo. A curva A corresponde aos resultados de um sujeito de pequena
capacidade de discriminação uma vez que o LD, que seria a metade do intervalo de abscissa
correspondente a 253/4 e 753/4 de respostas "maior", é de mais de 2 unidades de abscissa. Já
a curva B corresponde aos resultados de um sujeito de ótima capacidade discriminativa. O LD
corresponde a 0,5 de unidade da abscissa. Os exemplos mostram claramente que a inclinação
das curvas de discriminação indica a sensibilidade do sujeito em diferenciar os estímulos.
A figura 2.9 mostra o gráfico da fração de Weber, tal como assumida por ele e por Fechner,
bem como os dados reais de um experimento. Fica evidente que a lei de Weber é válida para
uma ampla gama média dos estímulos. Mas há desvios grandes da relação nos extremos da
faixa de variação do estímulo padrão. Este resultado é esperado, pois, quando o padrão se
aproxima do limiar absoluto, o aparelho sensorial em causa está operando no limite de sua
sensibilidade. Por isto, para diferenciar dois estí Figur

2.7. Exemplo dc um e\perirnento no qual foi determinado o limiar diferencial de intensidade


luminosa pelo método dos estímulos constantes, a) A intensidade luminosa é indicada em
unidades arbitrárias de 5 a 50. O estímulo padrão (Sp), em relação ao qual foi determinado o
limiar diferencial, tinha uma intensidade igual a 25. Cada um dos 10 valores de intensidade (5,
10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45 e 50) foi apresentado por 10 vezes, sempre pareado com o Sp (25)
em ordem completamente casual. O sujeito foi instruído a julgar o estímulo de comparação
(Sc) em relação ao Sp, sendo que lhe eram permitidos três julgamentos: 1) Se tem menor
intensidade que Sp (-); 2) Se tem intensidade igual a Sp(=), e 3) Se tem intensidade maior que
Sp (+). Para cada valor de Se calculou-se a porcentagem de cada um dos três tipos de resposta,
que aparecem nas três últimas linhas da figura a. b) Representação gráfica dos resultados. A
determinação do limiar diferencial (LD), ponto de igual-

dade subjetiva (PIS) e erro constante (EC) pode ser feita matematicamente ou simplesmente de
forma gráfica. O PIS pode ser considerado o valor de abscissa no qual as curvas (-) e (+) se
cruzam, ou então o ponto máximo da curva (=). No caso, ambos os valores são coincidentes e
iguais a 25, o que resulta num EC = O (EC PIS - Sp). O limiar diferencial pode ser tomado como o
valor no qual o julgamento (=) seja igualmente frequente aos julgamentos (+) e (-). No exemplo
teremos LD = 25 - 14 = 11 ou LD = 36-25 11. No caso os valores são coincidentes, mas poderiam
não ser se os resultados não fossem simétricos. Neste caso pode-se tomar a média dos dois
LDs calculados. O experimento também pode ser feito permitindo-se ao sujeito apenas
julgamentos (+) e (-). Os cálculos e resultados são semelhantes. Neste caso, o LD é determinado
em função dos valores da abscissa que correspondem respectivamente a 25% e 75% de
respostas (+) ou (-). Estas percentagens são arbitrárias, mas comumente empregadas neste tipo
de cálculo.

5 10 15 20 30

35 40 45 50

7
8

100

90

80

.2 70

60

a,

50

• 40

ri

Intensidade do estímulo

Intensidade

48

49

=
=

=
-

+
+

=
+

10

100

90

40

20

10

%=
O

10

60

80

80

80

70

30

20

%+

10

20

30

70

80

100

Figura 29. A curva A (no caso uma reta) representa a fração de Weber ±j ideal, ou seja,

trata-se de uma curva de um valor constante para todos os valores de intensidade 1. A curva

B representa a curva da fração de Weber usualmente obtida para a maioria dos contínuos

físicos (estímulos): para valores de intensidade (1) baixos, próximos ao limiar absoluto (LA),

a fração de Weber torna-se muito grande, sendo que são necessárias diferenças grandes entre
estímulos para que possam ser discriminados. Na região central do contínuo de estimulação

a fração de Weber é aproximadamente constante. Próximo ao limiar terminal (LT) a fração

de Weber assume novamente valores maiores.

Figura 2.10. O limiar diferencial para um contínuo sensorial qualquer pode ser determinado
pela utilização de uma técnica da teoria de detecção de sinais, apresentando-se o estímulo
padrão (que corresponde ao ruído n) e o estímulo de comparação (que se diferencia muito
pouco do primeiro e corresponde ao sinal s). Em seguida, o sujeito em cada tentativa deve
dizer qual é o estímulo menor ou maior, assumindo, por exemplo, 5 níveis de certeza: 1) se ele
estiver absolutamente certo que é menor; 2) se tem alguma certeza que é menor; 3) se não
sabe; 4) se tem alguma certeza que é maior e 5) se tem absoluta certeza que é maior. Cada um
destes tipos e respostas corresponde a um critério B (veja fig. 2.5). Em seguida, com estes
dados traça-se graficamente a relação entre a probabilidade dos alarmes falsos e acertos.
Supondo-se que o número de tentativas de sinal e ruído seja idêntico, e que o sujeito não
consiga discriminar os estímulos, a probabilidade de alarme falso é igual à probabilidade de
acertos p (alarme falso) p (acerto), e disto resultará a curva d' = O da figura. Quanto mais o
sujeito conseguir discriminar os estímulos, tanto maior será o valor de d' obtido. O valor de d'
corresponde ao limiar diferencial.

tempo de reação de escolha, quando há, por exemplo, vários botões, e o sujeito deve
pressionar aquele que corresponde a determinado estímulo que, ao ocorrer, foi discriminado
de todos os outros. Seja qual for o paradigma experimental utilizado, mostra-se que o tempo
de reação diminui quanto mais diferenciáveis forem os estímulos entre si. O leitor mesmo pode
comprovar isto, medindo o tempo que leva para separar um baralho, uma vez em naipes pretos
e vermelhos e, na outra, em copas mais paus e em ouros mais espadas. Na figura 2.11, são
apresentados dados de discriminação de comprimento de retas a partir do tempo de reação.

mulos, é preciso uma diferença muito maior que a prevista pela fração de Weber para um
sistema sensorial em particular. A situação é idêntica quando o estímulo padrão atinge valores
próximos ao limiar terminal (intensidade máxima à qual o aparelho sensorial responde
normalmente - com valores maiores de estímulo pode haver lesão dos órgãos sensoriais, como
na visão, ou dor, como na audição).

A discriminação também pode ser encarada do ponto de vista da teoria de detecção de sinais,
assim como o limiar absoluto (detecção), considerando que há tentativas nas quais é
apresentado apenas o estímulo padrão (ruído) ou o estímulo de comparação (sinal). A figura
2.10 mostra um exempio com a devida explicação e as decorrêncías de um experimento deste
tipo.

Um outro modo de estudar a discriminação de estímulos é pelo tempo de reação. Esta é uma
das formas mais antigas de medição em Psicologia da Percepção. Foi amplamente empregada
por Herinann Helmholtz (1850) e por Wundt (1879). Pode-se diferenciar dois tipos de tempo
de reação: tempo de reação simples, quando há, por exemplo, um botão que o sujeito deve
pressionar sempre que discriminar um estímulo diferente, e

1,0
0,75

o.

Fração de Weber

0,50

0,25

o 0,25 0,5 0,75

Probabilidade de alarme falso p(sim/n)

1,0

LA LT

1 (intensidade do estímulo padrão)

50

51

-.--_
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Diferença no comprimento (milímetros)

Figura 2.11. Neste experimento os sujeitos tinham que separar cartões em pilhas, de acordo
com o comprimento de duas linhas traçadas nos cartões. Uma das linhas sempre media 45
mm, e a outra, sempre mais longa, media de 1 a 11 mm a mais. Mediu-se o tempo total que o
sujeito levava para fazer a separação de acordo com as diferenças de comprimento. O tempo
total corresponde à soma dos tempos de reação frente a cada um dos cartões. Nitidamente se
observa que quanto maior a diferença de comprimento, mais rapidamente o sujeito consegue
formar as pilhas, pois o tempo de reação frente a cada cartão é menor.

2.3. Reconhecimento

O observador constantemente se depara com a tarefa de reconhecer, isto é, identificar


estímulos, saber do que se trata além de simplesmente detectar sua presença. O interessante é
que, muitas vezes, antes de reconhecer um estímulo, detecta-se sua presença. Isto mostra que
se trata, realmente, de dois processos distintos. Muitas vezes é preciso, por exemplo, olhar por
mais algum tempo antes de reconhecer o estímulo detectado. Existe uma hierarquia da
percepção. Há, inicialmente, a detecção do estímulo e depois seu reconhecimento, sendo que
mais energia é necessária para que se atinja o estágio do reconhecimento.

Intuitivamente, pode-se concluir que o número de alternativas, isto é, o número de diferentes


estímulos possíveis determina a dificuldade de reconhecimento. Se o sujeito sabe que apenas
um tipo de estímulo pode ocorrer, e ele observa (detecta) algo, saberá imediatamente que se
trata daquele único estímulo que pode ocorrer. Mas, se existem duas alternativas, há 50% de
probabilidade de acertar ao acaso qual estímulo foi detectado. Portanto, o reconhecimento é
fácil. Se existem 100 alternativas, a pos-

sibilidade de acertar ao acaso se reduz para 1/100. Se o estímulo for corretamente


reconhecido, pode-se ter quase certeza de que o sujeito não adivinhou, mas que extraiu do
estímulo aquela porção de energia (ou informação) a mais que é necessária para passar da
simples detecção ao reconhecimento. Portanto, se, num experimento, se quiser determinar o
limiar para o reconhecimento, por exemplo, de uma letra, é preciso levar em consideração que
existem 26 letras diferentes; se forem algarismos, são apenas 10. Por isto, o limiar de
reconhecimento de algarismos será mais baixo, isto é, serão reconhecidos mais prontamente
desde que mantidos constantes todos os outros parâmetros.

Para lidar com este aspecto do reconhecimento, os psicólogos da percepção tomaram


emprestada a teoria da informação desenvolvida por Shannon e Weaver (1940) e por Wiener
(1948), que na realidade é um sistema da mensuração. Este sistema pode ser aplicado à
percepção na medida em que perceber é extrair informação dos estímulos, isto é, quanto mais
informação o observador obtiver do estímulo (observando por mais tempo ou com maior
atenção; o estímulo sendo mais intenso etc.), maior número de detalhes será apreendido por
ele. Portanto, cada estímulo possui dentro de si uma certa quantidade de informação que o
diferencia de outros estímulos, e que não chega, necessariamente, ao observador em sua
totalidade. E preciso, pois, quantificar a informação contida num estímulo e também a
quantidade de informação transmitida ao sujeito (ou recebida). A teoria da informação utiliza,
para esta quantificação, exatamente o número de alternativas, como já foi apontado acima. No
conjunto de letras A B, cada letra contém apenas pouca informação, pois são apenas duas
alternativas. Já dentro do alfabeto completo, cada letra contará muito mais informação. No
primeiro caso, a letra A precisa ser diferenciada apenas da letra B. No caso de todo o alfabeto,
no entanto, a letra A precisa ser diferenciada de B, de C, de D e de todas as outras letras. A
teoria da informação utiliza um sistema binário para medir a quantidade de informação. Ou
seja, o número de questões que podem ser respondidas apenas por sim ou não, necessárias
para especificar completamente determinado estímulo no conj unto das alternativas. Se
existem apenas duas alternativas, A e B, uma só questão basta: E A? Se a resposta for "sim",
trata- se do estímulo A, e se a resposta for "não", obviamente será o estímulo B. Se existirem
quatro alternativas, A, B, C ou D, duas perguntas serão necessárias para identificar uma das
alternativas: E A ou B em, oposição a C ou D? Se a resposta for "sim", a próxima questão será: E
A? Se a resposta tiver sido não, a próxima questão será: E C? Cada questão sempre deverá ser
formulada de modo a eliminar exatamente a metade das alternativas. Cada questão define um
"bit" de informação (bit = binary digit). Portanto, com duas alternativas temos um bit de
informação. Com quatro alternativas há dois bits de informação. A quantidade de informação
em bits corresponde ao logaritmo de base 2 (log2n) do número de al a

52

g' 50 a

o 48

ia

o.

a 46

e.

42

e. 40 E

52

53
ternativas: 1og22 1, log4 2 etc. A quantidade de informação pode ser também um número
fracionário, por exemplo, em 11 alternativas, cada estímulo possui 3,46 bits de informação.

Uma vez conhecida a maneira de medir a informação contida num estímulo, pergunta-se qual a
informação recebida quando o observador percebe o estímulo. Imaginemos que, num
experimento a respeito de percepção auditiva, o sujeito deva identificar letras ditadas pelo
experimentador, mas numa intensidade quase inaudível. O sujeito sabe que o experimentador
pode dizer 8 letras diferentes: A, B, C, D, E, F, G, H. Cada estímulo contém, portanto, 3 bits de
informação (log2 8 3). O sujeito, numa tentativa, ouve um som "...eeeeeeee. . . '. Conclui que a
letra dita pelo experimentador foi 8 ou C ou D ou E, reduzindo as alternativas de 8 para 4; ou
seja, foi recebido apenas um bit de informação e restam ainda 2 bits a serem transmitidos.
Existe transmissão perfeita quando, em cada tentativa, o sujeito reconhece o estímulo,
Nenhuma informação é transmitida quando as respostas do sujeito são totalmente aleatórias.
Havendo um número de acertos (reconhecimentos) maior que o esperado pelo acaso, existe
transmissão de alguma informação, que pode ser estimada a partir da proporção de acertos.

No entanto, o observador nem sempre pode receber toda a informação transmitida ou contida
num estímulo. Verificou-se, por exemplo, que observadores humanos conseguem receber
apenas 2,3 a 3,0 bits de informação, ou seja, podem lidar, simultaneamente, com
aproximadamente 7 estímulos diferentes. Esta é a capacidade de canal do observador. Foi
determinada em experimentos nos quais o sujeito tinha de diferenciar um certo número de
estímulos entre si. Estes variavam num determinado contínuo, isto é, numa única dimensão
verificando-se que a capacidade de canal era aproximadamente a mesma para brilho, cor, som,
forma etc. No entanto, todos sabem que qualquer observador pode diferenciar em sua vida
normal mais do que 7 estímulos entre si. Isto ocorre porque os objetos variam em mais de uma
dimensão, simultaneamente (brilho e cor e tamanho e forma etc.). As pesquisas mostram que,
nestes casos, o limite de canal para cada dimensão combina-se com as outras dimensões. A
combinação resulta num valor um pouco inferior à soma simples da capacidade de canal, para
cada dimensão em separado. Um experimento mostrou que para estímulos variando em
forma, cor e posição espacial há uma transmissão de 17 bits, o que corresponde a 131.072
alternativas.

A medida de quantidade é apenas o aspecto mais simples da teoria de informação. Outros


conceitos desta teoria também se aplicam, de forma bastante prática, ao problema da
percepção. O importante é compreender que o reconhecimento de um estímulo depende do
número de alternativas existentes, da capacidade de canal, do número de dimensões
envolvidas e, por fim, de características próprias do sujeito, que constituem seu limiar de
reconhecimento específico.

2.4. Formação de escalas

Por fim, o observador não está apenas interessado em detectar o estímulo, discriminá-lo de
outros e reconhecê-lo. Ele está interessado em fazer também um julgamento de magnitude ou
intensidade do estímulo. Neste caso, ele enfrenta o problema de formação de escalas de
sensação, pois o julgamento não será do estímulo propriamente dito, mas da sensação
provocada pelo estímulo no sujeito. Há duas maneiras de abordar a formação de escalas
sensoriais. Uma delas baseia-se na afirmação de Gustavo Fechner (1860) de que não é possível
medir uma sensação diretamente, mas apenas de forma indireta, através de sucessivos limiares
diferenciais ou diferenças apenas perceptíveis (DAP). A idéia de Fechner era determinar o
limiar diferencial para cada valor do estímulo, desde o limiar absoluto até o limiar terminal,
cobrindo toda a gama de variação do estímulo à qual o aparelho sensorial em causa é sensível.
Uma escala de sensação assim construída incorpora três pressupostos básicos: que a DAP é a
unidade de sensação; que diferentes DAPs correspondem a uma mesma sensação e que as
DAPs podem ser somadas para formarem uma escala. E facilmente demonstrável que uma
escala assim construída (o que é bastante trabalhoso) corresponde a uma função logarítmica
do tipo R = K log S, onde R é a sensação, S o valor do estímulo e K uma constante de
proporcionalidade. O interessante é que esta função pode ser deduzida matematicamente,
partindo da lei de Weber ( 1/1 K) e dos três pressupostos citados, e constitui uma das poucas
deduções matemáticas encontradas em Psicologia (veja fig. 2.9).

Em muitos experimentos de determinação de escalas sensoriais, realmente foi encontrada uma


função logarítmica esperada pela lei de WeberFechner (R = K log S). Mas algumas críticas
podem ser feitas a esta formulação. Em primeiro lugar, a função logarítmica deste tipo prevê
sensações negativas (seriam sensações subliminares?; veja fig. 2.9). Além disto, as DAPs não
são verdadeiras unidades de sensação, pois as sensações parecem ser contínuas. Por fim, as
escalas construídas sob os pressupostos desta teoria são influenciáveis pelas condições do
experimento, em especial pelos valores particulares de estímulo utilizados dentro da gama de
variação. Uma escala de sensação deveria ser independente da situação, por ser intrínseca ao
observador.

Em contraposição, S. S. Stevens (1951) mostrou que é possível ao observador construir escalas


diretamente a partir de julgamentos de magnitude. As escalas assim construídas não são
susceptíveis às criticas feitas às de Fechner. Stevens mostra que, fazendo-se um julgamento
direto de magnitude (pede-se ao sujeito que dê medidas em números aos diferentes estímulos,
com ou sem unidades, baseando-se unicamente no princípio de que estímulos que parecem
iguais devem receber números iguais, o que parece ser o dobro do outro, deve receber um
número (magnitude) que

54

55

seja o dobro, e assim por diante - veja fig. 2.12), obtêm-se funções do tipo R KS, onde R é a
sensação, S o estímulo julgado, K uma constante de proporcionalidade e n um expoente
constante para uma determinada dimensão sensorial, mas que assume valores diversos para
cada dimensão sensorial. A figura 2.13 mostra que a forma da função R = KS pode variar
bastante, conforme n < 1, n = 1 ou n > 1. A tabela 2.1 fornece uma relação de sensações e
valores de n correspondentes.

A diferença entre a escala de Fechner e a escala de Stevens pode ser definida no seguinte
sentido: a primeira diz que a razões (proporções) iguais de estímulos correspondem djferenças
iguais de sensações; a segunda afirma que a razões iguais de estímulos correspondem iguais
razões de sensação.
Na prática, podem-se obter escalas de razão (como também são chamadas as escalas de
Stevens) pela estimação direta de magnitude, como

foi explicado na figura 2.12, ou pelo método do fracionamento ou da mul 20

•0

4-

16

uJ

10

10

12

e,

14

/
/

S = 0,75 1 1,11

16

Magnitude física (II cm

18 20

18

14

12

ul

ti)

o
a

.3

n=1

n< 1

Figura 2.12. Em a apresenta-se uma tabela dos resultados de um experimento, no qual o


sujeito deveria julgar o comprimento de 6 linhas (1). A linha mais curta tinha 10 cm e a mais
longa 20 cm. A diferença de comprimento entre elas era de 2 cm. O sujeito julgou os
comprimentos diretamente em centímetros, sendo que cada linha foi julgada dez vezes. Os
resultados que aparecem na tabela são as médias dos 10 julgamentos (S). Na figura b encontra-
se a representação gráfica destes dados. A linha tracejada corresponde à curva (função de
potência) interpolada aos dados pelo método dos quadrados mínimos. A expressão numérica
correspondente é S = 0,75 1.11, mostrando que, para o julgamento de comprimento de linhas,
o valor de n na função de S. S. Stevens (S = KIfl) é próximo à unidade.

Figura 2.13. a) Representação gráfica das 3 formas muito diferentes que a função de potência
de Stevens, S Kl1, pode assumir para diferentes contínuos físicos e diferentes valores de n. Na
curva A, n > 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento de magnitude de
choques elétricos. Na curva B, n = 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento
de compilmentos de linhas; na curva C, n < 1, o que ocorre para o julgamento de brilho. b)
Apresentação gráfica da função de Stevens para quatro contínuos físicos diferentes que geram
valores de n entre 3,6 (choque elétrico) e 0,3 (brilho). Observe que agora ambas as escalas
(escala física de magnitude dos estímulos e escala das magnitudes julgadas) estão expressas
em unidades logarítmicas, de modo que as curvas de potência da forma S = Kl geram retas para
qualquer valor de n.
s

10

12

14

16

18

20

9,7

11,8

14,0

16,2

18,6

20,9

Magnitude do estímulo (1)

Log magnitude do estímulo (Iog 1)

56

57

Tabela 2.1. Expoente da função de Stevens para diferentes Contínuos sensoriais.

a.

Figura 2.14. O gráfico mostra os resultados de um experimento no qual o sujeito devia estimar
a pressão exercida por um peso sobre sua palma da mão através do comprimento de linhas
traçadas numa folha de papel. O procedimento era o seguinte: o experimentador aplicava um
dos pesos sobre a palma da mão do sujeito e lhe pedia para traçar uma linha correspondente
de qualquer comprimento. Em seguida, aplicava-lhe um segundo peso sobre a palma da mão, e
o sujeito traçava uma outra linha correspondente ao peso, seguindo a regra de que ao dobro
da pressão a linha deveria ter o dobro de comprimento; se a sensação de pressão fosse apenas
1/3 da pressão da primeira aplicação do peso, a linha também deveria ter apenas 1/3 do
comprimento. Os resultados do gráfico mostram que a curva correspondente é quase linear,
pois tanto a estimação de pressão como de comprimento de linhas resulta em funções de
Stevens com o expoente n próximo da unidade. Como foi explicada no texto, a estimativa da
magnitude entre modalidades sensoriais distintas resulta num coeficiente que corresponde à
relação entre os coeficientes das duas modalidades sensoriais.

80

70

60

50

40

30

tiplicação, no qual o sujeito é convidado a escolher ou formar estímulos que correspondem a


uma fração (1/2, 1/3, 1/4 etc.) ou, respectivamente, a múltiplos (x2, x3, x4 etc.) de um estímulo
padrão.

Outra variação interessante na consrrução de escalas de Stevens é não utilizar julgamentos em


números, mas sim sob forma de outras estimações de magnitude. Assim, o sujeito pode ser
instruído a fazer corresponder, a diferentes intensidades de um som, diferentes intensidades
de luz. O interessante é que se obtêm novas escalas de razão, nas quais a curvatura (n)
corresponde à relação das curvaturas (n1/n2) de cada uma das dimensões dos estímulos (som
e luz). A figura 2.14 mostra um exemplo de um experimento deste tipo.

20

10

100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Pressão (g*)

58

59

Brilho

0,3
Gosto para sal (NaC1)

0,4

Cheiro para café

0,5

Volume sonoro

0,6

Gosto para açúcar (sacarina)

0,8

Vibração (60 Hz)

0,9

Comprimento linear

1,0

Temperatura (frio)

1,0

Abertura entre dedos

1,3

Gosto para açúcar (sucrose)

1,3

Peso

1,4

Temperatura (calor)

1,6

Saturação da cor vermelha

1,7

Choque elétrico (corrente contínua)

2,5

Choque elétrico (corrente alternada)


3,5

Atenção

Todos sabem o que vem a ser "prestar atenção". Ao receber esta ordem, o interlocutor saberá
o que deve fazer para "prestar atenção" e também que perceberá melhor os estímulos aos
quais estiver "prestando atenção". Com isto talvez deixe de perceber alguns outros estímulos
presentes (aos quais não estará "prestando atenção"). Mas, afinal, o que, exatamente, é esta
"atenção", que parece atuar tão diretamente sobre nossa capacidade de perceber?

Nos primórdios da Psicologia científica, na mudança do século, os manuais de Psicologia


sempre traziam capítulos dedicados ao estudo da atenção. Mas, com a difusão do
"behaviorismo' a atenção deixou de ter a antiga importância. Segundo os behavioristas,
atenção não é um comportamento, podendo ser inferida do comportamento global
apresentado pelo animal. Se um animal respondeu a um estímulo, conclui-se que esteve atento
a ele. Mas a atenção não pode ser definida, simplesmente, como a capacidade de responder a
um estímulo, ou percebê-lo. Vejamos, por exemplo, o caso do estudante que está lendo um
livro e liga o rádio. micialmente, ele está lendo o texto e compreendendo o que lê. De repente,
o rádio toca uma música da qual gosta muito. Ele começa a acompanhar mentalmente a letra.
A despeito disto, continua lendo. Os estímulos que o estudante percebe continuam sendo os
mesmos: de um lado, as palavras do texto; do outro, a música. Mas algo mudou
completamente: o texto lido deixou de ser compreendido, pois sua atenção se deslocou do
texto para a música. Não é possível prestar atenção a um grande número de estímulos ao
mesmo tempo. Por isto, em geral não o fazemos. Quando estamos lendo, o estímulo principal
deve ser a informação visual; a informação auditiva do rádio deve ser, no máximo, um "fundo
musical", como o avião que passa, as crianças que gritam na rua, o peso do relógio de pul so

nosso próprio peso sobre a cadeira e a mordida do mosquito. Isto nos faz voltar ao que foi dito
no capítulo 1, onde mencionamos que há um limite na quantidade de informação que pode ser
processada ao mesmo tempo pelo nosso cérebro, o que corresponde ao limite do canal de
transmissão de informação.

3.1. Vigilância

Chamamos de vigilância ao estado de atenção mantida. Experimentalmente, isto é, em


laboratório, costuma-se estudar a vigilância, dando ao sujeito a tarefa de detectar um sinal que
ocorre de tempos em tempos. Os experimentos clássicos utilizam o "teste do relógio de
Mackworth", onde o sujeito observa o movimento do ponteiro de um relógio que avança aos
saltos. Os saltos são iguais, mas, de tempos em tempos, ocorre um salto duplo ao qual o
sujeito deve responder apertando uma tecla. Este estímulo é muito óbvio, de modo que
qualquer falha de reconhecimento é uma questão de "atenção" e não de "detecção". Observa-
se que, após aproximadamente 20 minutos, o desempenho do sujeito passa por um máximo,
estabilizando-se logo em seguida num valor ligeiramente inferior. Quanto mais simples é a
tarefa, mais rapidamente é atingido o máximo, e menor será o nível de desempenho médio
estabilizado que ocorre em seguida. No entanto, este resultado não pode ser generalizado para
todas as tarefas que envolvem vigilância. Pois, quando estão envolvidos vários estímulos e
respostas diferentes, a queda de desempenho não ocorre após ter sido atingido um
desempenho máximo.

Outros estudos mostram que a vigilância muda com o estado de excitação do sujeito. Se o
sujeito ouve, por exemplo, um sinal acústico, um pouco antes do estímulo visual que deve
detectar, seu desempenho será significativamente melhor. O desempenho atingirá o máximo se
o estímulo de "aviso" ou de excitação for apresentado entre 200 a 500 m antes do estímulo a
ser detectado. Isto demonstra que a atenção é máxima dado um certo grau de excitação do
organismo. Este fato levou à formulação da lei de Yerkes-Dodson, que estipula que o
desempenho tem uma relação de Uinvertido com o nível de excitação do sujeito, conforme é
esquematizado na figura 3.1.

3.2. Atenção seletiva

Como já foi dito no item anterior, é difícil prestar atenção a um grande número de estímulos
simultaneamente. Apesar disto, podemos, na maioria das vezes, escolher prontamente a que
nós queremos prestar atenção. A isto chamamos de atenção seletiva.

Na visão, a seleção se dá, basicamente, através do posicionamento de nossos olhos, quer pela
orientação de nosso corpo ou cabeça, quer pelo direcionamento direto de nossos olhos. Em
geral, prestamos atenção àque 60

61

Nivel de excitação

Figura 3.1. O desempenho numa tarefa perceptiva aumenta com o nível de excitação geral até
atingir um máximo. Com níveis de excitação ainda maiores, o desempenho decresce. Esta
relação é conhecida como Lei de Yerkes-Dodson.

les estímulos visuais focalizados na região central de nossas retinas, a fóvea. Na verdade, é
muito difícil prestar atenção a estímulos que se encontram na periferia de nosso campo visual.
Olhe para a figura 3.2, mantendo o olho direito tapado com a mão direita, fixe o X e tente
contar o número de pontos existentes em cada um dos agrupamentos à esquerda. Você notará
que esta tarefa se torna mais difícil à medida que os agrupamentos de pontos estão mais à
esquerda. Além disso, será difícil manter seu olhar fixo no X, pois o seu olho escapará repetida
e involuntariamente para a esquerda. Empenhado na tarefa de contar os pontos, seu cérebro
sinalizará que os agrupamentos de pontos são o foco de atenção e fará com que seu olho se
volte diretamente para eles. A tendência de voltar o olho para aquilo a que se deseja prestar
atenção corresponde ao reflexo de orientação visual. Ele não se limita ao movimento do olho,
como neste exemplo, mas também leva a uma reorientação de toda a cabeça ou corpo.

Os experimentos clássicos de atenção seletiva visual são feitos instruindo sujeitos para
procurarem determinadas letras em listas extensas, nas quais as letras aparecem em ordem
casual. Observa-se, então, o movimento de rastreio dos olhos, cobrindo todo o conjunto de
letras apresentadas. Com treino, a velocidade com que a tarefa é executada pode aumentar de
6 a 10 vezes. Numa tarefa destas fica comprovado que a atenção é seletiva, pelo fato de o
sujeito saber relatar unicamente as letras que foi instruído a procurar, e nada sobre as outras
letras existentes (às quais não prestou

Figura 3.2. Mantendo o olho direito coberto, fixe o X com o olho esquerdo e procure
discriminar o número de pontos em cada uma das distâncias, a, b,...f, sem desviar seu olhar do
X. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil!

atenção). As outras letras parecem ao sujeito apenas uma espécie de fundo desfocalizado.
Desfocalizado não visualmente, mas cerebralmente.

Outros pesquisadores, para estudar a seletividade da atenção, empregaram um taquistoscópio,


aparelho que permite apresentar, controlada- mente, estímulos visuais por frações de
segundos. Nestes estudos, o sujeito é convidado a reconhecer letras apresentadâs
taquistoscopicamente, assinalando-as numa folha de respostas. Em geral, os sujeitos não
marcam mais que 3 ou 4 letras com acerto, independentemente de quantas foram
apresentadas (3 a 12 letras). Parece, pois, que num experimento destes a gama de apreensão
dos sujeitos não ultrapassa 4 letras. Estes dados experimentais não nos permitem saber se é a
atenção do sujeito que é limitada à percepção de 4 letras ou se a capacidade de sua memória é
que não lhe permite lembrar-se de maior quantidade. Para responder a esta questão, aliás
fundamental, pode-se fazer o seguinte: após apresentar, por 50 m, um conjunto de 12 letras,
dispostas em três fileiras de quatro letras, faz-se soar um som. Conforme seu tom mais agudo
ou mais grave, o sujeito deve relatar a primeira, segunda ou terceira fileira de letras. O
interessante é que, neste caso, os sujeitos continuam acertando quase sempre três ou quatro
letras. Como o sujeito, antes de ouvir o som indicativo, não sabe qual fileira deverá relatar em
seguida, tudo indica que ele viu (percebeu) três ou quatro letras de cada fileira. Isto é, o sujeito
terá percebido praticamente o conjunto total de letras. A limitação é, portanto, não só da
atenção (apreensão dos estímulos), mas também da capacidade de relembrálos logo em
seguida.

Este tipo de resultado experimental parece sugerir que a percepção em si não é seletiva, mas
sim o processo de memória (os processos de "ar o

o.

e
••••

•••.

••••

••••

•••

•••

••

••

••

f e d c b a.

62

63

quivar" o percebido no cérebro ou de chamar o percebido de volta). Segundo esta visão, o


sistema perceptivo processa sempre toda a informação. Mas nem toda informação pode ser
"arquivada" no cérebro. Deste modo, fica impossível ao observador relembrar todos os
estímulos percebidos. A instrução de "prestar atenção" parece, então, atuar muito mais sobre
a memorização do que sobre a percepção.

3.3. Atenção dividida

Atenção dividida refere-se a certas situações nas quais o observador presta atenção,
simultaneamente, a dois ou mais estímulos. Para poder dividir a atenção entre os estímulos, é
preciso que estes tenham algo que os diferencie. Quanto maior a diferença, mais fácil será
dividir a atenção entre eles. Se forem estímulos visuais, poderão ter brilho e cores diferentes,
localizações diversas e, o que é mais importante e freqüente, conteúdos, isto é, significados
diferentes. Estímulos auditivos podem originar-se de lugares diferentes, ter diferentes
intensidades, alturas ou timbres. Também podem ter conteúdos distintos. Naturalmente,
também existe divisão da atenção entre estímulos de modalidades diferentes, como, por
exemplo, auditivos e visuais, o que constitui uma tarefa bem mais simples para o sujeito.

Como já foi dito, na visão a atenção a um estímulo é geralmente indicada pela direção do olhar.
Isto faz com que o estímulo a que se presta atenção caia sobre a fóvea dos dois olhos, o que
constitui um reflexo. Fica difícil, portanto, prestar atenção a estímulos visuais que distam muito
entre si. O interessante é que, na visão, os dois olhos funcionam conjunta- mente e a
integração de suas imagens proporciona a percepção em terceira dimensão. O observador é
quase sempre incapaz de dizer qual olho está recebendo a imagem (se forem imagens
diferentes). A não ser que feche alternadamente um dos olhos, para se certificar das diferenças
nas imagens.

Em situações específicas de laboratório, é possível fazer com que os dois olhos funcionem
individualmente. Estas situações são conhecidas como situações de rivalidade binocular.
Apresenta-se a cada olho uma imagem completamente diferente, como, por exemplo, cores
diferentes ou padrões de listras horizontais e verticais, semelhantes àqueles ilustrados na
figura 3.3. Como o sistema visual não conseguirá integrar as duas imagens diferentes, para daí
extrair informação de profundidade, o observador tomará consciência, alternadamente, de
cada uma das imagens. A alternação é automática e prosseguirá enquanto o observador olhar
para as imagens. Pelo menos para o ser humano, esta é uma situação completamente artificial
(receber imagens diversas nos dois olhos), de laboratório. Por isso, esta situação não é
relevante para a sobrevivência da espécie humana. Conseqüentemente, seu sistema visual não
está programado para analisá-la. No entanto, em animais, como as aves, cujos olhos não estão
dis Figur

3.3. Tente sobrepor as duas partes da figura forçando seus olhos. Provavelmente você não verá
uma imagem fundida formada pela sobreposição das linhas horizontais e verticais, mas sim a
alternância entre os dois padrões. Isto ocorre pelo fato de os dois padrões serem incompatíveis
para uma fusão binocular.

postos frontalmente como nos seres humanos, a percepção de imagens completamente


diversas é constante. Certamente, seu sistema visual está programado para extrair informações
desta situação.

Já na audição, a situação é totalmente outra: apesar de igual integração entre os estímulos


recebidos em cada um dos ouvidos, essa integração é importante para indicar a direção da
origem do estímulo acústico. Assim, numa situação de estimulação dicótica, isto é, estímulos
diferentes em cada ouvido, o sujeito saberá relatar a informação fornecida a cada ouvido
separadamente. Além disso, poderá concentrar-se, isto é, prestar atenção à estimulação
recebida em cada ouvido separadamente. Uma função primordial do sistema auditivo é
separar a informação que atinge os dois ouvidos. Isto ocorre graças a um processo de inibição
de um ouvido sobre o outro, processo que é hoje amplamente conhecido.

Uma série de experimentos empregando estimulação dicótica mostrou ser mais difícil prestar
atenção a uma seqüência de estímulos apresentada, alternadamente, a cada um dos ouvidos,
do que se toda ela fosse apresentada a um só. A função biológica desta nossa capacidade de
prestar atenção à informação proveniente de um só ouvido é exatamente proporcionar-nos a
opção de prestar atenção a estímulos provenientes de uma fonte localizada, em detrimento de
outros estímulos. Este é o conhecido fenômeno da "reunião social" (cocktail-party problem).
Numa reunião

64
65

social, podemos estar atentos à conversa de uma pessoa, apesar de inúmeras outras falarem
ao mesmo tempo, inclusive gritando ou falando muito mais próximas de nós. Podemos
também alterar nosso foco de atenção quantas vezes quisermos, apesar da diversa localização
da fonte, onde os estímulos tiveram origem. Este é o fator principal. Outros, porém, também
influenciam nosso comportamento de prestar atenção a estes estímulos. Dentre eles, podemos
destacar: o timbre (se é uma voz feminina ou masculina) e o conteúdo (acompanhamos o
conteúdo lógico do que está sendo dito).

O fato de o timbre influenciar a focalização da nossa atenção auditiva é claramente


demonstrado quando ouvimos uma orquestra ou uma banda de "rock": podemos prestar
atenção, por exemplo, somente ao som do piano ou da guitarra elétrica, apesar da execução
dos instrumentos de corda ou da marcação da bateria. Numa orquestra, todos os sons vêm
aproximadamente do mesmo lugar; isto se torna mais evidente ainda num toca- discos: todos
os sons saem de um único alto-falante. Mesmo assim, podemos prestar atenção unicamente
ao piano ou à guitarra, guiados pelo seu timbre. De todos os experimentos que utilizam a
situação da "reunião social", fica claro que o participante consegue prestar atenção a uma
"conversa" definida. Ao mesmo tempo, perde quase toda informação das conversas paralelas.
O curioso é que, no entanto, nem toda informação das conversas paralelas é perdida: se,
repentinamente, for dito o nome do participante ou alguma outra palavra "especial" (o nome
de uma pessoa que ele conheça e na qual esteja especialmente interessado, um "palavrão" ou
então um termo de seu esporte preferido), ele toma consciência disto. Eventualmente, pode
alterar seu foco de atenção. Portanto, alguma informação das outras conversas é captada, mas
não levada à consciência, a menos que tenha um conteúdo especial ("interessante").

Todo este sistema de atenção parece ter um significado muito grande para a sobrevivência.
Consideramos, por exemplo, um animal selvagem na floresta, à escuta: ele precisa ter a
capacidade de dirigir sua atenção auditiva aos ruídos do predador que se aproxima, localizá-los
espacialmente e acompanhar cada um destes ruídos. Mas, ao mesmo tempo, precisa "desligar-
se" dos inúmeros ruídos "normais" de uma floresta, como aqueles provocados pelo vento nos
galhos das árvores ou pelas águas do riacho. A não ser que, repentinamente, outro ruído
"especial" denote a presença de outro predador, que agora deverá tornar-se o centro da sua
atenção.

66

Percepção de brilho ou luminosidade

Neste capítulo e nos seguintes estudaremos as principais capacidades perceptivas do ser


humano, destacando-se entre elas a nossa capacidade de perceber o brilho e as cores dos
objetos que nos cercam, seu tamanho e a distância ou profundidade a que se encontram, bem
como a capacidade de perceber a sua forma e o movimento. Iniciaremos o estudo com a
percepção de brilho ou luminosidade porque, aparentemente, depende em menor grau de
aprendizagem e maturação do que a percepção visual de outras características dos objetos,
como seu tamanho ou sua forma, e por isto pode ser considerada mais simples.

Textos mais recentes empregam o termo percepção de luminosidade, ao passo que nos mais
antigos emprega-se apenas o termo percepção de brilho. Alguns autores mais cautelosos,
refletindo este período de transição na nomenclatura, preferem manter os dois termos. Como
o presente texto tem por objetivo uma introdução ao estudo da percepção, é conveniente que
se mantenham os dois termos, percepção de brilho e percepção de luminosidade, a fim de
alertar o leitor para a existência de ambos na literatura especializada. De uma forma muito
simplificada e resumida, podemos afirmar que a percepção de brilho ou luminosidade refere-
se à nossa capacidade de perceber a luz (daí a preferência pelo termo "luminosidade") que
emana ou se reflete dos objetos de nosso ambiente. Como estes objetos fornecem luz, são
denominados fontes luminosas e podem ser de dois tipos: fontes emissoras e fontes refletoras.
As fontes emissoras, como lâmpadas, velas, vaga-lumes e o Sol, emitem luz própria. As fontes
refletoras são todos os objetos capazes de refletir parte, ou a totalidade, da luz que incide
sobre eles. A intensidade da luz de fontes emissoras é medida em termos de iluminância,
enquanto que no caso de fontes refletoras falamos de medidas de luminância (fig. 4.1).

67

Figura 4.1. Existem dois tipos de fontes luminosas: fontes emissoras e fontes refletoras. Fontes
emissoras como o Sol, lâmpadas, fogo e vaga-lumes emitem sua própria luz. Sua intensidade é
medida em termos de iluminância. Fontes refletoras são todas as superfícies capazes de refletir
total Ou parcialmente a luz que sobre elas incide. Sua intensidade é medida em termos de
luminância. Esta depende tanto da intensidade da luz incidente quanto da proporção de luz
que é refletida pelo objeto.

A luminância de um objeto depende de duas variáveis: em primeiro lugar da intensidade da luz


incidente e, em segundo lugar, da proporção de luz refletida pelo objeto. A proporção de luz
incidente que é refletida é sempre a mesma, e este índice de reflexão é denominado albedo.
Albedo (do latim albus, que quer dizer alvo ou branco) é um termo freqüentemente
empregado pelos astrônomos para designar o poder de reflexão de planetas e satélites. Trata-
se, portanto, de uma medida que nos informa a respeito da proporção de luz incidente que a
superfície de um objeto é capaz de refletir.

O albedo (A) de um objeto pode ser calculado facilmente dividindo- se a intensidade da luz
refletida por este objeto (R) pela intensidade da luz que sobre ele inside (1), isto é, aplicando a
fórmula A = R/I.

Uma superfície muito branca é capaz de refletir 80 por cento da luz que incide sobre ela, ao
passo que uma superfície preta reflete apenas cinco por cento desta luz. Cada objeto tem seu
albedo característico, que é, portanto, uma propriedade deste objeto. No período de 24 horas,
as condições de iluminação do ambiente variam consideravelmente, como porém o albedo de
todos os objetos permanece o mesmo, nossa percepção
da sua luminosidade, ou do seu brilho, permanecerá inalterada. Isto é, o meu tênis branco e o
seu sapato preto sempre serão percebidos como branco e preto, respectivamente, não importa
se caminhamos numa praia ensolarada, à sombra dos coqueirais ou sob o luar.

Para avaliar melhor a magnitude da diferença de iluminação existente durante o passeio ao sol
e o passeio ao luar, convém lembrar que a luz solar é 800.000 vezes mais intensa que a luz da
lua cheia. No entanto, a variação da luz incidente não dificultará a percepção da luminosidade,
ou brilho, dos nossos calçados, pois o seu albedo permanecerá constante, como permanecerão
constantes os albedos da areia da praia, das folhas dos coqueiros e da pele. Cabe dizer que o
sapato preto reflete mais luz de dia que o tênis branco de noite (isto é, tem iluminância maior),
o que mostra claramente que nós reagimos à proporção e não à quantidade de luz refletida
que atinge nossos olhos.

Dissemos no princípio do capítulo que a percepção de luminosidade ou brilho pode ser


considerada simples. Vejamos se você concorda. Tente fazer a seguinte experiência: procure
um material transparente, que filtre uma parte da luz ambiental, como, por exemplo, óculos
escuros. Cubra um de seus olhos com a lente dos óculos escuros e continue a leitura desta
página com os dois olhos bem abertos (fig. 4.2 a e b). Em seguida, tire rapidamente a lente
escura da frente do olho coberto e note que a página ficou muito mais clara, isto é, aumentou
sua luminosidade (fig. 4.2 c). Isto é óbvio porque, quando você retirou a lente que filtrava uma
parte desta luz, realmente aumentou a intensidade de luz que penetrava em seus olhos. Agora
recoloque a lente no lugar em que estava, cobrindo novamente um dos olhos (fig. 4.2 d). Você
notará que a página ficou mais escura. A seguir, com uma de suas mãos, cubra completamente
o olho diante do qual se encontra a lente escura (fig. 4.2 e) e você perceberá uma coisa
surpreendente: apesar da diminuição na intensidade de luz que chega a seus olhos, a página
parecerá bem mais clara, isto é, você percebe um aumento de brilho ou luminosidade. Deixe a
lente escura diante do olho e afaste a mão (fig. 4.2 O a página do livro parecerá mais escura
apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra em seus olhos. Este é o conhecido
Paradoxo de Fechner e nos alerta para o fato de que a relação entre a intensidade da luz que
atinge nossos olhos e a percepção de luminosidade ou brilho não é tão simples como a
princípio poderia nos parecer.

Para estudar esta relação, geralmente são necessários experimentos que permitam um
controle rigoroso de todas as variáveis que participam desta capacidade perceptual. A maioria
dos experimentos feitos para estudar a percepção de brilho ou luminosidade ou a constância
de brilho ou luminosidade (esta e outras constâncias serão estudadas no capítulo 8) obedece a
um esquema básico que consiste em apresentar ao sujeito um estímulo visual padrão de um
determinado tom de cinza, isto é, deter-

Fonte emissora

Fonte refletora

68
69

Figura 4.2. Mudanças na percepção de brilho. Olhe para a página deste livro (a). Cubra um olho
com a lente de uns óculos escuros (b) e continue a leitura da página com os dois olhos abertos.
Você notará que a página parece mais escura. Agora retire os óculos (e) e continue a leitura;
você notará que a página parece mais clara ou mais brilhante. Cubra novamente um olho com
a lente dos óculos (d) e você verificará que novamente a página parece mais escura. Deixe os
óculos onde estão, e a seguir, com auxílio da sua mão, cubra completamente o olho diante do
qual se encontram os óculos escuros (e). Apesar da menor quantidade de luz que chega a seus
olhos (um está coberto), a página parecerá mais clara. Retirando a sua (f) mão, você verificará
que esta página do livro parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz
que penetra seus olhos.

minada luminosidade, e pedir que o compare com um conjunto de outros estímulos visuais de
comparação, que podem variar desde o branco até o preto, passando por todos os tons de
cinza intermediários da escala acromática. Trata-se de uma tarefa relativamente simples
quando a iluminação é a mesma para os dois tipos de estímulos visuais, pois todos os sujei-

tos encontram pouca dificuldade para localizar, dentre os estímulos de comparação, aquele
que é igual ao estímulo padrão. No entanto, quando é modificada a iluminação de apenas um
dos estímulos visuais, o sujeito é confundido pelas diferentes quantidades de energia luminosa
refletidas das duas superfícies, pois ele faz seus julgamentos supondo que todos os estímulos
recebem a mesma quantidade de luz.

Antes porém de analisar alguns trabalhos experimentais, façamos uma rápida recapitulação do
que foi visto até agora. Na tabela 4.1 foram resumidos os principais conceitos mencionados até
o presente momento.

Tabela 4.]. Principais conceitos empregados no estudo da percepção de luminosidade (ou


brilho).

Vejamos agora como se procede para executar um experimento cujo principal objetivo é
estudar a percepção de luminosidade ou brilho.

No nosso ambiente normal, a mesma iluminação que atinge o objeto também incide sobre o
ambiente no qual este objeto se encontra inserido. Da comparação entre a quantidade de luz
refletida de cada objeto ("figura") e aquela refletida pelo ambiente ("fundo") no qual se
encontram, o sujeito pode extrair informações adicionais sobre o objeto, isto é, seu albedo. O
fundo desempenha o importante papel de referência, e isto foi demonstrado em experimentos
nos quais os sujeitos eram convidados a comparar o estímulo padrão com os diversos
estímulos de comparação sem que pudessem ver o fundo, isto é, o ambiente no qual os
estímulos se encontravam. Isto foi possível, colocando entre o sujeito e a situação de estímulos
um anteparo, ou tela de redução, que obriga o sujeito a olhar para os estímulos através de um
minúsculo orifício por onde podia avistar apenas os estímulos (fig. 4.3). Nesta situação
experimental, o julgamento das pessoas foi feito levando em consideração a quantidade de luz
refletida dos estímulos e não seu albedo. Quando a tela era retirada, a percepção de brilho era
novamente quase perfeita.
Diante destes resultados experimentais surge a pergunta a respeito do papel da aprendizagem
nesta capacidade perceptiva. Um levantamento criterioso dos principais experimentos
realizados com o objetivo de verificar a influência da aprendizagem sobre a percepção de
luminosidade mostra que, aparentemente, trata-se de uma capacidade perceptiva inata, que
pouco

-'

/\\

70

71

Conceitos

Comentários

Luminosidade ou brilho

Fator psicológico. Refere-se á percepção que se tem do estímulo.

Albedo OU reflectância

Propriedade da superfície do estímulo (razão entre luz refletida e incidente)

Iluminância

Refere-se à luz emitida.

Luminância

Refere-se á luz refletida

Figura 4.3. Ilustração esquemática de uma situação experimental, vista de cima, a) Sem tela de
redução (anteparo). b) Com tela de redução (anteparo). A: disco giratório branco; B: discos
giratórios branco e preto superpostos que permitem obtenção de diversos tons de cinza para
escolha daquele que parece igual ao disco A; TR: tela de redução; O: observador; J:

janela.

depende da aprendizagem para ser aprimorada. De um ponto de vista ontogenético, verifica-se


que a percepção de luminosidade em crianças é muito semelhante à dos adultos.
Filogeneticamente, experimentos feitos com peixes, pintainhos e macacos mostraram que a
percepção de luminosidade nestes animais, como no ser humano, também depende do albedo
dos objetos. Estes resultados são muito convincentes nos estudos feitos com pintainhos,
animais que logo após a eclosão já possuem comportamentos muito elaborados, como, por
exemplo, sair em busca de alimento e preferir bicar grãos claros. Estes animais foram criados
em completa escuridão até atingirem uma determinada idade e, em seguida, foram testados
com grãos claros em ambientes de pouca luminosidade e grãos escuros em ambientes
fortemente iluminados. Em todos os testes a que foram submetidos preferiram sempre os
grãos claros, demonstrando que possuíam uma capacidade inata de perceber a luminosidade
do seu alimento preferido.

Para evitar a interferência de pequenas manchas e marcas que porventura possam existir sobre
as superfícies dos papéis de várias tonalidades de cinza utilizados nos experimentos a respeito
de percepção de brilho, alguns pesci'i.,adores preferem empregar um disco giratório que pode
ser submetido a altas rotações e assim proporcionar um estímulo visualmente homogêneo. Em
1929, Gelb fez um experimento empregando este tipo de equipamento. Utilizou um disco
completamente preto, sub-

metido a alta rotação, e iluminado por uma lâmpada, de tal forma que nenhuma outra parte
do ambiente, ou do fundo, pudesse beneficiar-se da iluminação proporcionada por esta fonte
luminosa. Os sujeitos eram convidados a se sentar bem em frente ao disco e a responder a
uma única pergunta: "Qual é a cor do disco?" Os sujeitos foram unânimes. Todos responderam
que sem sombra de dúvida o disco era branco. No entanto, quando Gelb pegava um pequeno
pedaço de papel branco e o segurava por alguns segundos na frente do disco, os sujeitos,
muito surpreendidos com o que viam, corrigiam-se imediatamente afirmando que haviam se
enganado; tinham absoluta certeza de que o disco era preto. Quando Gelb retirava o pedaço
de papel branco, afirmavam que não sabiam muito bem o que estava acontecendo, mas
estavam certos de que o disco voltara à sua cor branca inicial. Todos os sujeitos foram
incapazes de perceber a verdadeira cor do disco, isto é, preta, na ausência do papel branco, ou
seja sem um estímulo de comparação. Não importa quantas vezes GeIb repetisse as duas
situações experimentais, os sujeitos não conseguiram aprender a perceber a luminosidade do
disco preto corretamente.

Outros estudos, feitos com crianças de diferentes idades e adultos, mostram que, se houver
alguma aprendizagem de percepção de luminosidade durante o desenvolvimento do ser
humano, ela está completa aos sete anos de idade. E importante ressaltar que o mesmo não
acontece com outras capacidades perceptivas, como, por exemplo, a percepção de tamanho e
sobretudo a percepção de forma, na qual a aprendizagem desempenha um papel
importantíssimo como veremos nos capítulos seguintes.

\A 's/

s \ SI'

5I
J \'t i /

_____________ /

TR

5 t I/

II

OO

ab

72

73

Percepção da cor

Antigamente, na época em que nossas bisavós criaram nossas avós, acreditava-se que o bebê,
ao nascer, era quase incapaz de ver. Supunha-se que o recém-nascido não reconhecia
fisionomias, tampouco distinguia formas e cores. Hoje em dia, em conseqüência das pesquisas
realizadas na área da psicologia do desenvolvimento infantil, os conhecimentos a respeito das
capacidades perceptivas do ser humano por ocasião do seu nascimento estão mudando.

O trabalho realizado por inúmeros cientistas interessados no assunto mostra que, apesar da
acentuada imaturidade e do prolongado período de dependência pós-natal, o bebê vem ao
mundo bem mais preparado para perceber o que acontece ao seu redor do que nossas bisavós,
provavelmente, estariam propensas a acreditar. No capítulo 15 o desenvolvimento perceptivo
será discutido detalhadamente, mas podemos adiantar que dentre os principais resultados
experimentais encontram-se as demonstrações de que nossa capacidade de perceber
distância, profundidade, fisionomia e cor pode ser verificada logo após o nascimento.

No princípio do século passado, Purkinje mostrou que nossa sensibilidade às cores se modifica
quando passamos do escuro para a claridade ou vice-versa. Na lâmina 5.1, encontram-se as
curvas obtidas nestas duas situações. Elas mostram que, no escuro (visão escotópica), o olho é
mais sensível aos verdes (devido à maior sensibilidade dos bastonetes) e, no claro (visão
fotópica), o olho é mais sensível ao amarelo (devido à maior sensibilidade dos cones). Esta
sensibilidade é conhecida como Efeito de Purkinje.

A percepção das cores foi alvo da atenção e curiosidade de numerosos estudiosos, que em
diferentes épocas da história da humanidade tentaram explicá-la. Seus esforços resultaram na
elaboração de teorias, algumas

das quais nos acompanham até hoje. Poetas, como Goethe, e físicos, como Newton, emitiram
suas opiniões a respeito da visão de cores. Após a descoberta, em 1666, de que a luz solar, que
é branca, na realidade é composta por todas as cores do espectro visível, o próprio Isaac
Newton formulou algumas das primeiras hipóteses segundo as quais haveria no olho humano
um receptor para cada cor. As contribuições mais valiosas partiram, no entanto, de fisiólogos
como Thomas Young, Hermann von Helmholtz e Ewald Hering, autores das duas principais
teorias sobre visão de cores.

A primeira, teoria de Young-Helmholtz, também conhecida como teoria tricromática ou teoria


componente, explica de forma satisfatória os resultados experimentais obtidos em pesquisas
que tinham como principal objetivo desvendar o papel dos receptores do olho. A segunda
teoria, de Hering, denominada teoria oponente, explica muito bem os resultados
experimentais obtidos em pesquisas que tomam como indicadores respostas envolvendo
atividade neural além do nível dos receptores propriamente ditos.

5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young-Helmholtz

Segundo a teoria tricromática (Young-Helmholtz), não precisaríamos de um receptor para cada


cor, como havia sugerido Newton; apenas três tipos de receptores seriam suficientes para o ser
humano perceber todas as cores do espectro visível, desde o violeta até o vermelho. Thomaz
Young e Hermann von Helmholtz chegaram a esta conclusão a partir de um conjunto de
experimentos de percepção visual criteriosamente controlados, com os quais conseguiram
demonstrar que, misturando luzes de apenas três cores (azul, verde e vermelho), as pessoas
relatavam ver todas as cores do espectro. Diante disto, desenvolveram a teoria segundo a qual
o ser humanos deveria possuir três tipos diferentes de fotorreceptores: especializados em luzes
de comprimentos de onda curtos, como o azul, intermediários, como o verde, e especializados
em luzes de comprimentos de onda longos, como o vermelho.

Somente um século e meio depois, em 1964, foram publicados os primeiros resultados


experimentais obtidos com receptores da fóvea (cones) de retinas humanas, por duas equipes
de pesquisadores norte-americanos:

a primeira formada por MacNichol, Marks e Dobelle (fig. 5.1), a segunda, por Brown e Wald. De
acordo com estes autores, os cones sensíveis ao azul possuem uma substância fotossensível
denominada cianolábio (ciano em grego quer dizer azul), nos cones sensíveis ao verde há uma
substância denominada clorolábio e nos cones sensíveis ao vermelho encontra-se uma
substância denominada eritrolábio ("cloro" e "entro" são prefixos de origem grega que
significam verde e vermelho, respectivamente). Estas

74

75

pesquisas relatam apenas três tipos de cone, não sendo encontrados cones sensíveis às cores
intermediárias, como cor de jerimum (cor de laranja) ou azul-piscina. Como então somos
capazes de perceber todas as demais cores?

Se você observar atentamente os resultados reproduzidos na figura 5.1 e na lâmina 5.2,


verificará que na realidade existem três tipos de cones que absorvem "preferencialmente"
luzes de uma determinada cor (comprimento de onda). Por exemplo, o cone especializado em
azul absorve preferencialmente luzes de 450 nm, e absorve com eficiência cada vez menor
luzes cujos comprimentos de onda se afastam deste valor, isto é, luzes cada vez mais violáceas
(comprimentos de onda mais curtos) ou mais esverdeadas (comprimentos de onda mais
longos). Isto quer dizer que os comprimentos de onda intermediários também são absorvidos
por estes três tipos de receptores, só que menos prontamente, pois precisam de intensidades
maiores para produzir o mesmo efeito neural.

Figura 5.]. Absorção espectral (ou sensibilidade espectral) de cones em retinas de seres
humanos (parênteses abertos) e macacos (números). Os resultados foram obtidos através da
microespectrofotometria e mostram que, apesar de serem projetadosf!ashes de luz de quase
todas as cores (comprimentos de onda) do espectro visível, os cones absorvem preferencial-
mente três cores (Azul - 445 nm; Verde - 535 nm; Vermelho - 570 nm). Verificou-se também
que cada um dos cones estudados absorvia preferencialmente apenas uma destas três cores
(comprimentos de onda), o que prova a existência de apenas três tipos de cores na retina.
Luzes de cores intermediárias são absorvidas menos prontamente por um (ou mais) destes três
receptores. Isto pode ser visto pela forma característica das curvas e pela considerável
superposição de algumas delas. Baseado em dados de Marks ei ah, 1964 (no livro de Alpern,
1971) e MacNichol, 1964 (no livro de Robinson, 1977).

Se ao invés de analisar o comportamento de um determinado tipo de cone, como acabamos de


fazer, analisarmos o que acontece com uma luz de um determinado comprimento de onda
quando ela atinge nossa retina, talvez fique mais fácil ainda compreender a percepção das
cores intermediárias. Tomemos, por exemplo, um verde-azulado cujo comprimento de onda é
de aproximadamente 490 nm. Um estímulo luminoso com esta característica qualitativa será
absorvido tanto pelos cones especializados em azul quanto pelos cones especializados em
verde. Pelos resultados da figura 5.1, é possível verificar, no entanto, que esta cor, verde-
azulado (490 nm), não é a mais eficiente para nenhum destes dois tipos de cones. Porém,
ambos transduzirão este tipo de energia e enviarão ao cérebro impulsos nervosos. São
precisamente as informações enviadas em conjunto pelos dois tipos de cones conjuntamente
que serão processadas pelo cérebro e permitirão a percepção de uma cor intermediária entre o
azul e o verde. As diferenças entre as informações provenientes dos dois tipos de cones deste
exemplo seriam muito mais acentuadas se o olho fosse estimulado com um azul muito
esverdeado ou então com um verde extremamente azulado. O mesmo tipo de mecanismo é
empregado para a percepção do amarelo, uma cor intermediária entre o verde e o vermelho,
sendo portanto sinalizada a sua presença pela reação, mais ou menos acentuada, dos cones
que têm sensibilidade máxima no verde e no vermelho. A percepção das cores que ficam nos
extremos do espectro visível, como o violeta, por exemplo, depende da reação mais acentuada
de um tipo de cone. No caso, depende dos cones especializados em azul, que também reagem
a comprimentos de onda menores, mas com uma eficiência cada vez mais reduzida.

Para comprimentos de onda mais curtos ainda, que correspondem ao ultravioleta (que não é
visível para o ser humano), nenhum dos três tipos de receptores fará a transdução, portanto
não serão enviados impulsos nervosos ao cérebro. De modo análogo, o infravermelho,
correspondente aos comprimentos de onda muito longos, não será transduzido.
Como você percebe estes tipos de energia? Como escuro, ou seja, como ausência de luz, não
é? No entanto, se você tivesse olhos iguais aos das abelhas, veria o ultravioleta como uma cor,
porém seria cego. Não somente ao infravermelho, mas também ao vermelho. No caso do olho
ser estimulado com uma mistura da luz de três cores - azul, verde e vermelho - em
determinadas proporções, os três tipos de cones reagirão, e os impulsos nervosos resultantes
levarão o ser humano a perceber a luz como branca, semelhante à luz solar. Na lâmina 5.3a se
encontra uma ilustração das conseqüências da mistura de luzes com estas três cores.

Até aqui analisamos a percepção de cores a nível de receptores, porque estivemos destacando
dados que podem ser explicados pela teoria tricromática. Há, no entanto, um outro conjunto
de dados, perceptivos e neurofisiológicos, que não podem ser explicados por esta teoria.

co

"o

co

-o

co

o)

o)

oc

'o

o)

100 -

50 -

0-
Azul 445 Verde 535 Vermelho 570

.-..-. ,:. .

..

.:

:y •.•-

• ,'.•.. ', . .

--..

400 500 600

e øt

76

77

5.2. Teoria oponente ou de Hering

Tente fazer a seguinte experiência: procure uma figura relativamente simples, como um
pequeno círculo, triângulo ou coração, que seja de cor vermelha bem intensa; procure também
uma folha de papel bem branco. Agora sente-se em um lugar bem iluminado, com o seu
material. Olhe para a figura fixamente, sem se mover, durante meio minuto (tente contar
lentamente até trinta). A seguir, substitua rapidamente a figura pela folha de papel branco. O
que aconteceu? Olhando para o papel completamente branco você continua vendo a figura
que acabou de tirar, só que agora não mais em vermelho e sim em verde, a sua cor oponente
(complementar). Se você quiser proceder como Hering, procure outras figuras e você verificará
que, se a figura fixada for verde, a sua pós-imagem será vermelha; se for azul, deixará uma pós-
imagem amarela; e vice-versa, se for amarela, sua pós-imagem será azul. Foi por meio de
experimentos como estes, criteriosamente controlados, que Hering formulou a sua teoria
oponente, na qual afirma que a visão de cores ocorre graças a processos oponentes de três
sistemas de cores que se opõem aos pares: vermelho-verde, azul- amarelo e preto-branco. Isto
quer dizer que, quando ocorre a sensação de uma cor como o vermelho, concomitantemente
ocorre uma alteração na sensação do verde. Por este motivo, nas experiências aqui sugeridas,
quando se olha demoradamente para uma determinada cor, há uma diminuição da
sensibilidade do receptor para esta cor. Assim, quando se olha para um campo neutro (branco
ou cinza), que reflete todos os comprimentos de onda por igual, apenas os oponentes de cada
cor seriam ativados, uma vez que o receptor que captou a luz refletida da figura vermelha
encontra- se insensível.

Após 1950, a neurofisiologia vive um grande avanço, fruto do desenvolvimento de


microeletrodos que podem ser inseridos em uma única célula do sistema nervoso, permitindo
registros incrivelmente detalhados e específicos. Em 1965, De Valois publicou um trabalho
interessantíssimo, no qual relata ter encontrado no cérebro do macaco (núcleo geniculado
lateral) neurônios cuja atividade correspondia ao processo de pares oponentes da teoria de
visão de cores elaborada por Hering, no século passado. Na figura 5.2 você encontra a
reprodução de um registro obtido por De Valois, correspondente à atividade de uma única
célula no cérebro de um macaco anestesiado, cujos olhos eram mantidos abertos e
estimulados com luzes de diversas cores. A célula mostrada da figura 5.2 é um neurônio do
sistema vermelho-verde. Observe que na coluna "escuro" temos a atividade espontânea desta
célula no escuro, o que corresponde a aproximadamente 6 ou 7 impulsos em um determinado
intervalo de tempo. Quando o olho do animal é iluminado com uma luz vermelha (633 nm), a
atividade desta célula aumenta consideravelmente, dobrando o número de impulsos nervosos
durante o mesmo intervalo de tempo. No entanto,

Figura .5.2. Respostas de uma única célula nervosa do cérebro (núcleo geniculado lateral) de
um macaco. Estas respostas foram obtidas inserindo-se um minúsculo microeletrodo no
neurônio, enquanto o animal anestesiado recebia, através dos olhos mantidos abertos, os
estímulos visuais de diferentes cores. E fácil observar que os registros correspondem a uma
célula de atividade oponente do sistema vermelho-verde. Trata-se de um neurônio cuja
atividade espontânea (no escuro) é de aproximadamente 6 ou 7 impulsos. No entanto, quando
o olho é estimulado com luz vermelha (633 nm) sua atividade aumenta, chegando a dobrar o
número de impulsos nervosos. Por outro lado, diante de estimulação com luz verde (533 nm),
sua atividade diminui drasticamente, chegando a uma inibição quase total.

quando, uma luz verde (533 nm) incide sobre o olho do macaco, acontece exatamente o
contrário: as descargas do neurônio cessam quase que completamente, isto é, ocorre uma
inibição da atividade eletro fisiológica da célula nervosa, O mesmo tipo de registro foi
encontrado para células com atividade oponente para azul-amarelo.

Comprimento

Cor de onda nm Luz acesa Escuro

1 III Ii

465

480

Verde 533

563

586

603

Vermelho 633

667

706

78
79

tilili

II 1 1

1 liiIL

a II 1

11111

1111

1 ii ali =1

1 1 III 1

liii

'li 1 II l)

1 1 II

1111111 II J

II a

1 III

iii 1111

a 1 III L_

ii

- ii iii

1 ii__i__I_.

11
--

Fundamentado nos resultados de pesquisas psicológicas e fisiológicas a respeito da visão de


cores, pode-se afirmar, portanto, que na retina existem três tipos de cones, o que está de
acordo com a teoria tricromática (componente), e que nos elos de integração seguintes (células
ganglionares na retina, núcleo geniculado lateral e córtex visual no cérebro) encontram-se
neurônios visuais que têm respostas antagônicas (excitação-inibição) às cores oponentes
(vermelho-verde; azul-amarelo), o que está de acordo com a teoria oponente. A combinação
das duas teorias (tri cromática ou componentes e oponente) não explica todo o processo da
visão de cores, uma vez que apenas mostra como a partir das três cores primárias (verde,
vermelho e azul) chega-se a quatro cores psicologicamente primárias (verde, vermelho, azul e
amarelo). Sabemos, porém, que o ser humano é capaz de distinguir 128 cores espectrais
(matizes). Como isto é possível?

Os resultados experimentais mostram que a oponência dos neurônios visuais é cada vez menos
acentuada. Isto significa que, a nível do olho, uma célula ganglionar responde com excitação
quando os receptores são estimulados com uma luz de 630 nm (vermelho) e, com inibição,
quando a estimulação corresponde a uma luz de 530 nm (verde), portanto é preciso que haja
uma diferença de 100 nm para que esta célula passe do seu estado de excitação máxima para o
estado de maior inibição. No cérebro estas diferenças são gradativamente menores à medida
que se registra a atividade de células nervosas pertencentes a níveis progressivamente mais
elevados do sistema nervoso central. No núcleo geniculado lateral - que corresponde a um elo
intermediário do sistema visual - uma célula que responde com excitação quando o olho do
animal é iluminado com 630 nm (vermelho) passa ao estado de inibição máxima quando sobre
o olho incide uma luz de, por exemplo, 580 nm (amarelo). Neste caso a oponência corresponde
a uma diferença de apenas 50 nm. Em um nível mais elevado ainda, como no córtex visual, a
oponência ocorre entre, por exemplo, 630 nm (vermelho) e 610 nm (laranja), o que
corresponde a uma diferença de apenas 20 nm entre as cores. Com oponências cada vez mais
afinadas, o ser humano finalmente atinge a capacidade de discriminar 128 cores espectrais
(matizes).

5.3. Cegueira para cores

Agora você certamente já tem condições de saber o que é a cegueira para cores ou daltonismo.
A que se deve esta anomalia que leva pessoas a confundir o verde com o vermelho e o azul
com o amarelo? Anomalias no tricromatismo ocorrem, provavelmente, devido a proporções
anormais dos três tipos de cones. Entre os tricromatas anormais, a grande maioria tem
deficiência de clorolábio, pois para obter o amarelo no anomaloscópio precisam acrescentar
muito mais verde a uma mistura de luzes vermelhas

e verdes do que as pessoas com visão de cores normal. O anomaloscópio

é um aparelho empregado para diagnosticar a cegueira de cores. Consiste


em um círculo, cuja metade é iluminada com um amarelo espectral específico. A outra metade
do círculo é iluminada com duas luzes, uma vermelha e outra verde, que podem ser misturadas
em diferentes proporções.

A mistura do verde com o vermelho resulta na percepção de um amarelo.

Comparando o amarelo espectral específico com o amarelo resultante da

mistura de verde com vermelho, a pessoa pode produzir um amarelo que

é percebido como igual ao primeiro.

São poucos os casos de tricromatismo anômalo devido a deficiência de eritrolábio.


Extremamente raros são os casos de deficiência de cianolábio. No caso de uma completa
ausência de um destes tipos de cones, fala- se de dicromatismo, pois nestas circunstâncias o
indivíduo fará discriminações entre cores com apenas dois tipos de cones. Estudos meticulosos,
feitos tanto com tricromatas anômalos como com dicromatas, revelaram que, além da cegueira
para cores, não apresentavam nenhuma outra anomalia, o que nos leva à conclusão de que os
dicromatas desprovidos de cones sensíveis ao verde possuem um número proporcionalmente
maior de cones sensíveis ao vermelho e ao azul.

No caso de tricromatas anômalos, provavelmente há uma proporção diferente da normal dos


três tipos de cones.

Se a pessoa não tiver um dos três tipos de cones, ela será cega a uma das cores, mas também
terá outras deficiências visuais resultantes do menor número de receptores. Quando apenas
um tipo de cone é encontrado, falamos em monocromatas. Da próxima vez que você fizer uma
visita a um oftalmologista, peça para ele lhe mostrar alguns dos testes para cegueira de cores.
Um dos mais conhecidos é o teste de Ishihara e consiste em diversas figuras contendo
pequenos círculos coloridos formando números. Trata-se de um teste muito prático e de fácil
aplicação, pois, se a pessoa tiver visão tricromática normal, reconhecerá determinados
algarismos, se tiver anomalia em um dos tipos de cones, por exemplo se for cega ao vermelho,
reconhecerá outros algarismos. Evidentemente este teste só pode ser utilizado com pessoas
alfabetizadas que saibam ler números. Existem, no entanto, outros testes que podem ser
utilizados com crianças muito jovens e analfabetos. Dentre estes, um dos mais antigos foi
desenvolvido por Alarik Holmgren, na Suécia, e consiste em uma coleção de fios de lã de
diversas cores que deverão ser separados de acordo com a sua cor.

5.4. Visão de cores - Uma capacidade inata ou aprendida?

A suposição de que somos capazes de perceber cores ao nascer fortaleceu-se com dados
obtidos em pesquisas psicológicas e neurofisiológicas. Observando a preferência de bebês
colocados diante de dois estímu 80

81

los de cores diferentes, foi possível determinar que distinguem as diferentes cores e têm
preferências bem determinadas, pois passam mais tempo olhando para as cores de
comprimento de onda longo, isto é, as chamadas cores quentes. Por meio da
eletroencefalografia (potenciais evocados), é possível registrar a atividade de uma dada região
do cérebro. Assim, quando o olho de um ser humano adulto é estimulado sucessivamente com
numerosos estímulos visuais, cada um de uma cor, observa-se uma resposta característica na
região do córtex occipital (área sensorial primária da visão). Quando se faz o mesmo tipo de
registro com bebês recém-nascidos, obtém-se, aproximadamente, o mesmo tipo de resultado,
indicando que a estrutura neural da visão de cores, aparentemente, já está pronta quando
nascemos. Significa que não precisamos aprender a discriminar as cores. O que aprendemos,
mais tarde, é denominar as cores de acordo com os padrões da nossa cultura. Desta forma, um
esquimó tem cerca de 10 nomes distintos para diferentes tonalidades de branco, que nós
brasileiros aglomeramos entre o "branco" e o "gelo". Para descrever tonalidades
intermediárias, recorremos a adjetivos, sufixos e outros artifícios de linguagem, a fim de poder
transmitir a nossa percepção: falamos de um branco "sujinho" ou de um gelo "claro" ou "muito
clarínho". Para o ouvinte, obviamente, estas explicações .nem sempre serão muito úteis.

Pense, por um momento, na seguinte afirmação: " a arara é azul". Quando fazemos
declarações deste gênero a respeito das cores dos objetos que se encontram em nosso
ambiente, não temos consciência de que na realidade ocorre uma série de coisas muito
interessantes entre a luz do Sol (que é branca, portanto, composta de todos os comprimentos
de onda do espectro visível) que incide sobre as penas da arara, a luz que é refletida da
superfície do corpo da ave e a minha afirmação de que o animal "é azul". Na realidade, o que
se verifica é que, de todos os comprimentos de onda que incidem sobre as penas da arara,
todas as cores são absorvidas pelas penas, exceto a cor azul, que é refletida e atinge minha
retina quando observo o animal. Quando misturamos nossas tintas para pintar, estamos
misturando diversos pigmentos que têm a capacidade de absorver uma parte das luzes do
espectro e refletir outras. Já vimos que misturando três cores de luzes - azul, verde e vermelha
- obtém-se uma luz branca (lâmina 5.3a). O mesmo não acontece, porém, se misturarmos
nossas tintas azul, amarela e vermelha, porque desta vez estamos misturando substâncias
químicas (pigmentos) que têm propriedades próprias, e o resultado será uma tinta de cor
preta. Estas três (azul, amarelo e vermelho) são as cores primárias (lâmina 5.3b). Para obter
uma tinta de cor branca, precisamos de um pigmento que tenha a capacidade de refletir todos
(ou quase todos) os comprimentos de onda da luz solar. A cor que percebemos como preta é
precisamente a quase ausência de luz refletida da superfície de um objeto.

Vamos refletir a respeito dos termos empregados para designar as cores. Percebemos de
imediato que temos apenas quatro termos básicos: vermelho, amarelo, verde e azul. Temos
ainda dois termos relativamente distintos: marrom e violeta. Existem algumas cores que são
designadas pela combinação dos termos acima mencionados, como, por exemplo, azul-
esverdeado, verde-azulado, amarelo-esverdeado e assim por diante. Um grande número de
matizes são descritos através da comparação com objetos característicos, como, por exemplo:
azul-celeste, verde-garrafa, amarelo-ouro, vermelho-tijolo e cor de areia. Deve-se ter em
mente, porém, que este tipo de designação não está completamente livre de ambigüidades,
pois os "objetos característicos" podem ser incomuns, não existir ou apresentar coloração
diferente em diferentes regiões geográficas. A designação "cor de laranja", usual nos Estados
do sul do Brasil é freqüentemente substituída por "cor de jerimum" no nordeste, pois nesta
região as laranjas, além de menos freqüentes, têm usualmente uma coloração amarelo-
esverdeada.
Por outro lado, dar nomes cientificamente corretos às cores sempre foi um problema difícil, e
dentre as propostas mais importantes para uma solução encontra-se a sugestão dada em 1915
por um retratista americano de nome Albert Munseli. Ele criou um sistema de representação
tridimensional de cores que permite incorporar as variáveis brilho, matiz e saturação. O brilho
refere-se à intensidade de cor. O matiz refere-se ao comprimento de onda e é a característica
do estímulo que percebemos como cor; a saturação refere-se à pureza da cor. Tomemos o cor-
de-rosa como exemplo: vermelho e cor-de-rosa têm o mesmo matiz, isto é, a mesma cor, o que
os distingue é sua saturação, pois o cor-de-rosa é um vermelho diluído. O sólido elaborado por
Munsell assemelha-se a uma laranja de 20 gomos, na qual cada gomo é reservado para uma
determinada cor que pode variar de saturação, dependendo da distância a que ela se encontra
do eixo central onde se concentram os tons mais acinzentados (menos saturados). Variações no
brilho, que é outra variável das cores, são ordenadas de baixo para cima em cada gomo e
dependem da quantidade de branco ou preto que foi adicionado à cor. Aproximadamente a
mesma representação foi adotada por Geldard quando elaborou o fuso de cor mostrado na
figura 5.3. Na lâmina 5.4, encontra-se um círculo de cores, ou círculo cromático, contendo as
cores do espectro solar e a púrpura, que não faz parte deste espectro.

5.5. "Ver cores com as mãos" - Uma capacidade extra-sensorial?

Depois que duas repórteres americanas divulgaram o caso de uma camponesa russa que era
capaz de discriminar cores com as mãos, verificou- se que muitas pessoas possuíam esta
mesma capacidade, para a qual não

82

83

Verde

Figura 5.3. Uma forma simples do fuso de cor. A dimensão de brilho é representada pelo eixo
vertical, que vai do branco ao preto, passado por todos os cinzas discrimináveis. A saturação da
cor é representada pelo raio do círculo central e seu perímetro representa o matiz. E no
perímetro do fuso que se encontram todos os comprimentos de onda do espectro visível
(cores), bem como as púrpuras que são cores não espectrais resultantes da mistura de cores
das extremidades do espectro (violeta e vermelho). Trata-se, portanto, de cores que não são
monocromáticas.

teloso conseguiu demonstrar que não se tratava de poderes misteriosos que estas pessoas
possuíam. Seu primeiro cuidado foi medir a quantidade de calor que era absorvida ou refletida
de superfícies de diferentes cores. A seguir, comparou estas medidas com os limiares
diferenciais para temperatura e descobriu que a diferença entre a quantidade de calor refletida
por uma superfície vermelha e uma superfície azul é muito maior que o limiar diferencial
médio para temperatura do ser humano. Isto é, os receptores de temperatura da palma da
mão têm sensibilidade suficiente para perceber o calor refletido pelos objetos. Depois que
foram demonstradas as propriedades do sistema sensorial envolvido, o assunto passou da
percepção extra-sensorial para a percepção sensorial.

havia uma explicação. Não se encontrava na pele destas pessoas nada que
se assemelhasse a um fotorreceptor. Alguns autores chegaram a afirmar que aproximadamente
trinta por cento das pessoas teriam esta capacidade, e publicaram-se manuais ensinando as
principais etapas para a aquisição desta discriminação. Após muita controvérsia, um cientista
mais cau o

Branco

Preto

84

85

Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho

O espaço que nos cerca e os objetos nele contidos podem ser percebidos através de várias
modalidades sensoriais. Por exemplo, você está lendo uma revista em seu quarto. De repente,
ouve o choro de um bebê. O choro persiste. Você resolve ir até o berço instalado em outro
quarto para ver o que aconteceu. Lá, você se depara com uma pequena criatura muito infeliz,
que rapidamente se aloja em seus braços. Por meio da visão você pode comparar o bebê com
o tamanho do berço e o comprimento de seus braços. Desta forma, avalia corretamente o
tamanho do rebento. O corpo do bebê exerce pressão sobre a pele de seus braços e, para
mantê-lo aconchegado em seu colo, os músculos dos seus braços se contraem. Esta pressão e
contração fornecem informações adicionais a respeito do peso e tamanho do pequeno chorão.
Ao afagá-lo, você sente a maciez da sua pele e verifica que sua temperatura está normal. Ao
beijar-lhe a cabeça, sente aquele cheirinho característico de bebê novo.

Neste exemplo, as informações foram captadas e transduzidas por, pelo menos, quatro
modalidades sensoriais: audição, visão, tato e olfato. Pela audição você tomou conhecimento
da presença do bebê chorão. A intensidade do som permitiu avaliar a distância a que se
encontrava, isto é, se estava dentro da casa, no quintal ou no vízinho. A direção do som, por
sua vez, forneceu informações sobre o local da residência em que o bebê se encontrava.
Através destas informações auditivas, você foi capaz de identificar, com precjsão, uma parte do
espaço ao seu redor. Avaliou alguns dos elementos nele contidos como, por exemplo, o local e
a distância a que se encontrava a fonte sonora, e então deu início a uma seqüência de
comportamentos que culminaram com a sua presença diante do berço. Através da visão, olfato
e tato você pôde coletar mais informações a respeito do estado físico e emocional do bebê:
não estava ferido (visão), não

havia vomitado (visão e olfato), não estava molhado (visão, tato e olfato)

e não estava com febre (tato). Suas conclusões seriam bem diferentes se

o bebê fosse membro da família dos seus vizinhos e estivesse acomodado


na casa adjacente à sua. Nestas circunstâncias, as informações seriam, provavelmente, apenas
auditivas.

Freqüentemente, procuramos enriquecer nossas informações a respeito de objetos que nos


cercam estimulando, adequadamente, o maior número possível de orgãos sensoriais. Há
pessoas que, ao comprar arroz e feijão, no mercado ou na feira, não se contentam em olhar o
produto. Antes de escolher o "melhor", pegam os grãos na mão e os examinam com o tato,
para verificar a sua consistência. Muitos dão uma cheiradinha; outros, no entanto, só
conseguem decidir-se depois de morder um grão. Neste capítulo, analisaremos separadamente
a percepção visual, auditiva, tátil e olfativa do espaço. E preciso lembrar, no entanto que, em
nosso dia-a-dia, todos os órgãos dos sentidos estão simultânea e constantemente fornecendo
um rico e complexo conjunto de informações a respeito do espaço que nos cerca, bem como
do tamanho e distância das coisas nele contidas e, obviamente, de seu significado.

6.1. Percepção visual do espaço

Para compreender melhor os aspectos visuais da percepção espacial, podemos iniciar nosso
estudo com situações mais simples. Dediquemos nossa atenção a apenas duas dimensões do
espaço: a verticalidade (para cima - para baixo) e a horizontalidade (esquerda - direita). O
exame destes aspectos bídimensionais do espaço permite avaliar a largura, altura, forma e
tamanho de figuras e objetos. O ser humano, no entanto, vive em um mundo tridimensional,
onde a percepção da espessura ou profundidade dos objetos e a distância que deles nos separa
também é fundamental. Veremos mais adiante a delicada relação entre a percepção visual do
espaço bi e tridimensal, a percepção da contração e relaxamento de nossos músculos e a
percepção do equilíbrio de nosso corpo.

6.1.1. Percepção do espaço bidimensional

De 1930 a 1960, Witkin e outros pesquisadores realizaram uma série de experimentos que
consistiam, basicamente, em pedir às pessoas que colocassem uma haste na posição vertical. A
princípio, isto parecia muito simples. Mas começou a ganhar complexidade à medida que
novas condições experimentais foram sendo investigadas. Por exemplo: a presença ou

86

87

ausência de outros estímulos visuais além da haste vertical; a orientação espacial destes, como
paredes e molduras verticais ou inclinadas; a variação das condições posturais, acomodando os
sujeitos em cadeiras inclinadas; a alteração da estimulação proprioceptiva, pela força
centrífuga e gravitacional resultante da rotação do cubículo em que o sujeito se encontrava.
Estes experimentos mostraram que nossa percepção de verticalidade e horizontalidade
(espaço bidimensional) é resultante da interação entre fatores visuais e proprioceptivos.

Os indícios visuais são predominantes. Porém, à medida que são removidos, a percepção do
espaço bidimensional passa a depender, cada vez mais, da estimulação proprioceptiva
resultante da contração dos músculos e do equilíbrio ou desequilíbrio do corpo. E mais ou
menos como diz o velho ditado "quem não tem cão, caça com gato".
Um resultado adicional, encontrado nestas pesquisas sobre percepção do espaço, mostrou
uma relação entre características de personalidade e a maior ou menor dependência de
indícios visuais ou proprioceptivos. Pessoas extrovertidas tendem a basear-se mais em indícios
externos fornecidos pela visão, para colocar a haste na posição vertical. Pessoas introvertidas
utilizam, predominantemente, indícios fornecidos pelo próprio corpo, através das sensações
proprioceptivas.

A contribuição dos indícios proprioceptivos torna-se evidente quando tentamos nos locomover
num recinto completamente escuro. Apalpando aqui e ali, conseguimos recolocar em sua
posição vertical correta móveis e objetos derrubados, tendo como único ponto de referência
nossa própria postura e sensação de equilíbrio. Se você quiser testar sua capacidade de
perceber a verticalidade de objetos, experimente, com os olhos venda- dos, recolocar na
posição vertical um quadro anteriormente desalinhado na parede. A incrível interação entre
indícios visuais e proprioceptivos pode ser avaliada nos relatos de pessoas que foram
submetidas à gravidade próxima de zero, isto é, ficaram sem peso como os astronautas no
espaço. A princípio, elas têm dificuldades de orientar-se, mas acabam se adaptando a um
ambiente no qual tudo flutua. Documentários filmados durante os vôos espaciais e a
caminhada dos astronautas na Lua mostram claramente esta capacidade de adaptação.

6.1.2. Percepção do espaço tridimensional

Além da verticalidade (altura) e horizontalidade (largura), percebemos uma terceira dimensão:


a espessura (ou profundidade) dos objetos e a que distância se encontram uns dos Outros ou
de nós. Há um fato interessante a respeito da percepção desta terceira dimensão: as imagens
do mundo tridimensional são projetadas sobre a retina, que é uma estrutura bidimensional.
Nosso comportamento, porém, mostra que percebemos cor-

retamente a terceira dimensão (distância e profundidade). Como esta informação é


preservada? Resultados experimentais, obtidos de estudos diversos, permitiram reunir três
tipos de indícios de profundidade responsáveis pela nossa percepção de distância: musculares,
binoculares e monoculares.

6.1.2.1. Indícios musculares

Dois conjuntos distintos de músculos proporcionam informações sobre a distância.

- Primeiro, os músculos que controlam a posição dos nossos olhos quando fitamos objetos
próximos e distantes (fig. 6.1). Se você quiser sentir estes músculos, experimente a seguinte
ginástica. Segure um lápis com o braço estirado à sua frente (fig. 6.2). Olhe para o lápis,
prestando atenção ao tamanho e visibilidade dos objetos atrás dele. A seguir, olhando
fixamente para o lápis, aproxime-o de seu nariz. Seus olhos estarão convergindo para uma
posição gradativamente mais desconfortável. Quando estiver com o lápis bem próximo de seu
nariz, preste atenção novamente ao tamanho dos objetos atrás do lápis. Você notará que
parecem consideravelmente menores. Isto é, à medida que aumenta a distância entre o lápis

Músculo reto superior

Músculo elevador da pálpebra superior


Músculo reto interno

Músculo reto externo

Nervo óptico

Músculo reto inferior

Músculo oblíquo inferior

Figura 6.1. Músculos do olho.

Músculo oblíquo superior

Tróclea

88

89

e os objetos do fundo, estes parecem menores. Portanto, a convergência

dos olhos proporciona informações tanto sobre a que distância se encontra o objeto que
estamos observando, quanto sobre a distância entre ele

e outros objetos do ambiente. Os indícios fornecidos por estes músculos

proporcionam informações sobre objetos próximos (a menos de 25 metros).

- Segundo, os músculos ciliares (fig. 6.3), responsáveis pela curvatura e espessura do cristalino,
que, por sua vez, tem a finalidade de acomodar a imagem do objeto com nitidez sobre a retina.
Para objetos que se encontram a distâncias superiores a 8 metros, estes músculos não
fornecem indícios de profundidade. A esta distância, o cristalino já tem sua curvatura mínima.

Os indícios provenientes destes dois conjuntos de músculos proporcionam informações a


respeito da distância de objetos muito próximos de nós. São, portanto, indícios não mediados
pelos fotorreceptores da retina, e sim pelos mecanorreceptores que se encontram nesses
músculos.

6.1.2.2. Indícios binoculares

Você já pensou como deve ser o mundo visual das galinhas? Cavalos e algumas espécies de
aves e peixes possuem olhos voltados para duas regiões completamente diferentes do
ambiente. Disto resultam duas imagens retinianas bem distintas. Elas têm em comum apenas
uma pequena parte do campo visual situada bem à sua frente. No ser humano, no entanto,
Figura 6.3. Músculos ciliares, responsáveis pela espessura do cristalino, a) Músculo relaxado

- cristalino achatado (acomodação para longe). b) Músculo contraído - cristalino de curvatura


aumentada (acomodação para perto).

os olhos estão na frente da cabeça, ambos voltados para o mesmo campo visual. A distância
relativamente pequena (aproximadamente 6,5 cm) entre as duas pupilas dá origem a duas
imagens retinianas levemente discrepantes. Para avaliar a magnitude das diferenças, faça a
seguinte tentativa:

pegue um lápis, feche um olho, e com o outro olhe para um objeto a uma certa distância, como
um quadro na parede, por exemplo. A seguir estenda seu braço. Tente alinhar o lápis, de tal
forma que ele cubra uma parte específica do quadro. Permaneça imóvel nesta posição. Agora,
feche o olho que estava aberto e abra aquele que estava fechado. O que acontece? Parece que
o lápis mudou de posição em relação ao quadro, o que não é verdade, pois o seu braço
permanece firme e imóvel no mesmo lugar. Comece a piscar, fechando e abrindo os olhos
alternadamente. Você verá o lápis "pulando" de um lado para o outro. Isto ocorre porque cada
olho recebe uma imagem um pouco diferente dos mesmos objetos, isto é, há uma discrepância
entre as duas imagens. Esta discrepância é conhecida como disparidade bin ocular, disparidade
retiniana ou estereopsia. E precisamente da desigualdade das imagens projetadas nos dois
olhos que o cérebro extrai a informação sobre a que distância o objeto se encontra do obser
Acomodaçã

para longe

Acomodação para perto

Figura 6.2. A convergència dos olhos, a) Diante de objetos distantes. b) Diante de objetos muito
próximos.

ciliar

90

91

('/:

dq,o

vador. Isto pode ser comprovado com o auxílio de aparelhos conhecidos como estereoscópios.
O efeito é obtido tirando-se duas fotos do mesmo objeto, no mesmo momento, com duas
máquinas fotográficas colocadas a 6,5 cm uma da outra, ou seja, à mesma distância de um olho
para o outro. As duas fotos levemente desiguais são colocadas no estereoscópio, que projeta
imagens separadas e diferentes em cada olho. Portanto, o observador encontra-se numa
situação semelhante àquela verificada durante a visão normal. Da diferença entre a
estimulação, resulta a impressão de profundidade.

6.1.2.3. Indícios monoculares

Além dos indícios musculares e binoculares, há uma série de outros que permitem a percepção
de espaço quando a observação é feita com um olho apenas. Os denominados indícios
monoculares são comumente utilizados quando se deseja criar a percepção de espaço em
fotografias, desenhos e pinturas. O cinema e a televisão, que nada mais são do que a projeção
de imagens em telas, recorrem a estes recursos com muita freqüência. E difícil imaginar que,
em outras eras da civilização ocidental, os artistas não tivessem conhecimento de muitas
normas hoje consideradas elementares. L.eonardo Da Vinci (1452-1519), durante o
Renascimento, foi responsável pela primeira descrição detalhada da perspectiva, um dos
indícios monoculares de distância. Dentre os vários indícios monoculares, destacaremos
alguns, como: tamanho relativo dos objetos, perspectiva linear, gradiente de textura e
densidade, superposição ou interposição, luz e sombra, perspectiva aérea e paralaxe de
movimento (fig. 6.4).

Figura 6.4. Alguns dos principais indícios monoculares de distâncias. Tamanho relativo: objetos
de mesmo tamanho colocados a diferentes distâncias projetam imagens de diferentes
tamanhos sobre a retina - os próximos produzem imagens grandes e os distantes, imagens
pequenas. Isto é, o tamanho relativo da imagem retiniana pode proporcionar informações
sobre a distância a que o objeto se encontra. Uma imagem pequena pode significar um objeto
grande distante ou um objeto pequeno próximo. Perspectiva linear: paralelas sâo retas que nâo
se encontram. Porém, os trilhos da ferrovia e as marcas dos pneus na auto-estrada parecem
convergir à distância no horizonte. Esta convergência aparente de paralelas é um dos sinais dos
quais nosso cérebro extrai informações a respeito da distância. Gradiente de textura: sempre
que nos deparamos com numerosos elementos semelhantes formando uma superfície como
ladrilhos, tacos ou pedras no chão, aqueles que estão próximos projetam imagens retinianas
maiores que os distantes. Esta diferença progressiva das imagens retinha- nas proporciona um
gradiente de textura no qual os elementos distantes parecem gradativamente menores e mais
numerosos. Superposição: dados dois objetos, se um oculta parcial- mente o outro, este é
percebido como estando mais próximo. Luz e sombra: a maioria das fontes luminosas
encontra-se no alto conferindo um conjunto característico de luz e sombras ao ambiente. Em
geral a parte superior dos objetos é mais brilhante, havendo sombra na parte inferior. Se você
virar o livro de cabeça para baixo, provavelmente a "bola" sobre a caixa parecerá uma
cavidade, e a cavidade parecerá uma bola pendurada no teto. Perspectiva aérea: objetos muito
distantes parecem embaçados e azulados.

Tamanho relativo Perspectiva linear

Gradiente de textura Superposição

Luz e sombra Perspectiva aérea

92

93
• Tamanho relativo dos objetos

Como vimos, quando um objeto se afasta do observador, sua imagem projetada na retina
diminui gradativamente de tamanho. Portanto, dois objetos conhecidos e de igual tamanho,
um próximo e outro distante, projetarão imagens de tamanhos diferentes na retina. E
precisamente desta diferença de tamanho que o cérebro extrai informação sobre a distância a
que se encontram os objetos. Como se vê, a percepção de tamanho e a percepção de distância
estão vinculadas. A importância desta relação torna-se óbvia nas discrepâncias encontradas em
descrições de objetos desconhecidos encontrados em lugares ermos ou mal iluminados,
desprovidos de pontos de referência para o julgamento do tamanho ou da distância.

• Perspectiva linear

Você certamente já notou que os trilhos de uma estrada de ferro, apesar de paralelos, parecem
convergir em algum ponto no horizonte distante. O mesmo acontece com os acostamentos das
estradas de rodagem e com as árvores que ladeiam longas alamedas. A esta convergência
aparente de linhas paralelas no horizonte damos o nome de perspectiva linear. Na
representação bidimensional em desenhos e fotografias, os trilhos sempre aparecem como
convergentes. Disto resulta a impressão de profundidade e distância.

• Gradiente de textura e densidade

Superfícies inteiramente lisas são raras. De um modo geral, a superfície dos objetos é irregular,
possuindo estruturas que se distribuem de forma mais ou menos uniforme por toda a sua
extensão, dando-lhe uma textura particular. E o que ocorre com a pele, a areia da praia, as
pedras do chão, o veludo, um gramado ou uma parede de tijolos. Da próxima vez que você
estiver no corredor da sua Faculdade, preste atenção ao chão, em particular ao piso de taco,
ladrilho ou pedra. Verifique como, à medida que seu olhar se fixa mais longe, as pedras
parecem menores e mais numerosas. Sua textura adquire um aspecto gradativamente mais
fino ou mais denso. Portanto, a textura da superfície fornece informações importantes a
respeito da distância a que se encontram as pessoas e objetos do nosso ambiente. Por
exemplo, observe dois amigos jogando bola em um campo de futebol. Aquele que estiver
sobre a região do gramado que se assemelha a um denso tapete de veludo parecerá mais
distante do que o outro, que joga na região do campo mais próxima de você, onde ainda é
possível discriminar folhas e falhas na grama. Estas modificações gra duai

formam um gradiente de textura em que objetos distantes são encontrados nas regiões do solo
cujas projeções retinianas são pequenas. Nas regiões do solo que projetam imagens maiores,
estarão os objetos mais próximos.

Além das modificações na textura, é preciso lembrar que, na forma dos elementos da
superfície, também ocorrem modificações aparentes, conforme as regras da perspectiva
descritas anteriormente. Voltemos ao chão do corredor da sua Faculdade: além de parecerem
menores e mais numerosos à distância, os ladrilhos (tacos ou pedras) que são quadrados (ou
retangulares) parecem possuir uma forma trapezóide. Ou seja, o lado mais distante do ladrilho
projeta uma imagem menor na retina do que o lado mais próximo de você.
O gradiente de textura da superfície varia de acordo com a sua inclinação, fornecendo
informações importantes sobre subidas e descidas de ruas, rampas e estradas e a presença de
despenhadeiros ou degraus. Quando a superfície do chão é muito lisa, uniforme e mal
iluminada, é difícil perceber degraus. Por esta razão, é prudente acrescentar faixas coloridas ou
de material contrastante, para criar um gradiente de textura e assim evitar acidentes.

E preciso não esquecer que estamos estudando cada um destes indícios, separadamente, com
o intuito de conhecê-los melhor. Porém, quando nos movimentamos em nosso dia-a-dia, todos
eles operam em conjunto, proporcionando-nos meios de julgar o ambiente pronta e
precisamente.

• Superposição, interposição ou oclusão

Há uma lei da Física que afirma, muito acertadamente, que dois objetos não podem ocupar o
mesmo espaço ao mesmo tempo. Na retina, as imagens dos objetos de um mundo de três
dimensões são projetadas sobre uma superfície de apenas duas dimensões, na qual não existe
a dimensão da profundidade. A informação sobre a distância e a profundidade é preservada
por meio da oclusão parcial de uma imagem pela outra. Se estivermos observando três ou
quatro objetos enfileirados à nossa frente, o primeiro projetará sobre nossa retina uma
imagem que encobrirá parcialmente o segundo. Este, por sua vez, ocultará uma parte do
seguinte, e assim sucessivamente. Esta interposição, superposição ou oclusão proporciona um
forte indício para a percepção da distância relativa entre objetos.

• Luz e sombra

No mundo em que vivemos, a iluminação vem quase sempre de cima, do Sol, da Lua ou das
luminárias do teto. Iluminação colocada em outras regiões do ambiente proporciona efeitos
surpreendentes e por ve 94

95

zes assustadores. Decoradores e diretores de filmes de terror utilizam-se deste recurso com
freqüência. Experimente olhar-se no espelho, num recinto completamente escuro, tendo como
única fonte de iluminação uma lanterna, colocada um pouco abaixo do seu queixo, iluminando
seu rosto de baixo para cima. Que tipo de emoção você sentiu ao contemplar-se assim no
espelho? Peça a participação de familiares e amigos. Verifique como a sua reação muda à
medida que uma outra pessoa movimenta lenta- mente a posição da lanterna do queixo para a
testa, onde a luz deverá ser apresentada de cima para baixo.

Em parte, a beleza surpreendente do nascer e pôr do Sol é devida aos efeitos de luz e sombra
criados nos objetos e paisagens, alterando seu tamanho e forma. Proprietários de casas
noturnas de espetáculos aproveitam-se deste indício para criar climas especiais de
entretenimento, instalando a iluminação no chão. Diretores de filmes de terror e técnicos de
efeitos especiais, no cinema e na televisão, lançam mão deste indício para nos proporcionar
espetáculos convincentes. Técnicas modernas de maquilagem oferecem à mulher a
oportunidade de alterar o rosto, através dos efeitos de luz e sombra, permitindo ressaltar
alguns aspectos de sua fisionomia e atenuar outros. E fácil entender que cosméticos mal
empregados podem produzir drásticos efeitos, contrários aos desejados.
Já vimos, no item anterior, que a oclusão parcial de imagens na retina é um indício da distância
relativa entre objetos.

Perspectiva aérea

Eis aí um indício de distância muito conhecido de todos que vivem na zona rural e em cidades
poluídas. Quanto maior a distância maior o número de partículas de água, pó e poluentes
existentes no ar, entre observador e objeto observado. Disto resultam objetos que parecem
progressivamente menos nítidos, mais azulados, violáceos ou acinzentados. Cor
seqüentemente, menos detalhes poderão ser discriminados. O recurso c empregar figuras
pouco nítidas e azuladas é freqüentemente utilizado por artistas que desejam criar a percepção
de profundidade em seus desenhos, pinturas e filmes, O emprego de fumaça e vapor nos
modernos shows de música alteram a percepção de distância nos palcos de pouca
profundidade.

• Paralaxe de movimento

Este é o último dos indícios de profundidade que descreveremos, lembrando que ainda
existem outros. Trata-se de um indício cinético, pois é produto da movimentação do próprio
observador ou dos objetos observados. Da próxima vez que você estiver em um veículo em
movimento,

preste atenção ao seguinte detalhe: objetos próximos, como postes, árvores, portões e
porteiras, parecem movimentar-se rapidamente no sentido contrário ao seu. Ao passo que
edifícios, casas e colinas distantes, além do seu ponto de fixação visual, parecem deslocar-se
lentamente com você, isto é, no mesmo sentido. Esta aparente discrepância entre o
movimento de objetos próximos e distantes fornece importantes indícios sobre a profundidade
do espaço em que você se encontra. E denominada de paralaxe de movimento. Se, por outro
lado, você não quiser esperar até seu embarque em um veículo, tente a seguinte experiência
imediatamente: pegue dois lápis; segure um com a mão esquerda, próximo de seu rosto; o
outro com a mão direita e com o braço bem esticado à sua frente. Olhe fixamente para o lápis
próximo e mova a sua cabeça de um lado para o outro, sem perder o lápis de vista. Observe o
que acontece com o lápis distante: ele parece mover-se na mesma direção que a sua cabeça.
Agora faça o mesmo, olhando fixamente para o lápis distante. Mova novamente a cabeça de
um lado para o outro. Você verá que, desta vez, o lápis próximo, para o qual você não estava
olhando, desloca-se na direção contrária ao movimento lateral da sua cabeça.

A paralaxe de movimento pode ser considerada o principal indício de profundidade, pois está
presente em recém-nascidos mesmo antes que estes possam coordenar os movimentos de
seus olhos. Adultos que possuem apenas uma vista funcional valem-se do mesmo indício,
como é possível verificar pela movimentação característica de sua cabeça quando querem
julgar a distância. E utilizada também por animais, como, por exempio, galinhas e cavalos,
dotados de olhos cujos campos visuais são separados ou têm pouca ou nenhuma sobreposição.

No transcorrer deste capítulo, analísamos a percepção do espaço bi e tridimensional


separadamente. E óbvio, no entanto, que a percepção do espaço que nos circunda depende da
interação de todos os indícios. Seguramente, esta riqueza tão grande de indícios visuais
contribui para a sobrevivência e formidável adaptação do ser humano sobre o planeta.

6.2. Percepção auditiva do espaço

Já vimos, no exemplo de nosso bebê chorão do princípio do capítulo, que a percepção do


espaço é proporcionada por diversas modalidades sensoriais. Vimos o importante e complexo
papel desempenhado pela percepção visual. Vale a pena acrescentar mais alguns detalhes
úteis sobre a percepção auditiva do espaço.

Por meio do sistema auditivo, muitos objetos e elementos do ambiente podem ser detectados,
localizados e identificados, permitindo que sua natureza e trajetória no espaço sejam
prontamente percebidas. Você, certamente, ainda se recorda da importância de possuirmos
dois olhos e do fa 96

97

to de que o cérebro extrai informação sobre a localização no espaço tridimensional da


discrepância entre as duas imagens retinianas, parcialmente diferentes. Também possuímos
dois ouvidos, e as diferenças temporais na estimulação de suas respectivas células receptoras
fornecem informações sobre a localização da fonte sonora. Raramente as fontes sonoras em
nosso ambiente se encontram à nossa frente. Freqüentemente, os sons são emitidos por
objetos, animais ou pessoas que, como nós, movimentam-se pelo espaço. Assim sendo,
atingem primeiramente um ouvido e a seguir o outro. Se você encostar um despertador a seu
ouvido direito, você ouvirá o seu tique-taque primeiramente com este ouvido e, apenas meio
milionésimo de segundo depois, poderá ouvi-lo também com o ouvido esquerdo. Não é apenas
quanto ao tempo de chegada que o estímulo sonoro difere; quanto à intensidade também. O
som que atinge o segundo ouvido é sempre menos intenso: é atenuado pela barreira do crânio.

Destas diferenças temporais e de intensidade, o cérebro extrai informações sobre a localização


da fonte sonora no espaço. A informação visual e auditiva do ambiente é captada por dois
órgãos sensoriais simetricamente localizados na cabeça. Os impulsos nervosos oriundos de um
olho (ou ouvido) diferem ligeiramente daqueles oriundos do outro. Desta diferença não resulta
nenhuma confusão na percepção, como poderíamos esperar. Muito pelo contrário, a
discrepância fornece ao cérebro elementos para uma correta percepção do espaço visual
(distância e profundidade) e auditivo (localização). Quando, por exemplo, olhamos para uma
pessoa que está falando conosco bem na nossa frente, a discrepância de vermos com os dois
olhos e ouvirmos com os dois ouvidos é mínima. Disto resultará um julgamento correto a
respeito do local e da distância em que se encontra nosso interlocutor. A intensidade do som
também nos fornece informação sobre a distância em que se encontra uma fonte sonora
conhecida. A experiência nos ensina que os sons diminuem de intensidade à medida que se
distanciam as suas fontes sonoras. Em recintos grandes, como cinemas, teatros, igrejas e salas
de conferência, é preciso tomar providências para que a platéia possa ouvir bem em qualquer
lugar. Atualmente, é possível superar muitas dificuldades com o auxílio das modernas soluções
eletrônicas, empregando amplificadores e alto-falantes. No passado, uma parte do sucesso dos
cantores de ópera, corais e das grandes orquestras e bandas era devida à grande intensidade
dos sons emitidos nestes espetáculos. Durante muitos séculos, arquitetos de todo o mundo
vêm desenvolvendo normas para construção de grandes espaços que favoreçam a propagação
do som, evitando, porém, a formação de ecos. De um modo geral, estes recintos têm um teto
muito elevado que não é paralelo ao chão. As velhas e famosas catedrais européias e nossas
igrejas coloniais fornecem exemplos de soluções arquitetônicas bem-sucedidas.

Há situações em que o eco é propositadamente criado e empregado para a percepção de


objetos no espaço. Este procedimento é freqüente por

parte das pessoas portadoras de deficiências visuais. Elas se utilizam do eco de seus próprios
passos para obter informação sobre a presença de objetos próximos. Neste caso, os ecos
desempenham um papel importante em sua locomoção. Um mecanismo de orientação
espacial semelhante é utilizado pelos morcegos enquanto voam. Através do eco de sons
gerados por eles mesmos, caçam mjnúsculos insetos. Evitam colisões com objetos do
ambiente, voando com espantosa agilidade e precisão. O "sonar" provoca eco no meio líquido
e permite detectar, com auxílio de aparelhos especiais, cardumes e objetos submersos. Na
Medicina, sua aplicação oferece a oportunidade de obter informações sobre as características e
funcionamento de estruturas anatômicas, como o coração e os órgãos genitais do feto, muito
antes de seu nascimento. Desta forma, o médico avalia o desenvolvimento do feto e, também,
os pais são auxiliados na escolha do nome e da cor do enxoval do bebê. A ecografia é uma
descrição muito útil da forma e funcionamento do coração. O ser humano não tem receptores
adequados para captar os sons empregados no sonar. Estes são emitidos e captados por
aparelhos especiais que os transformam em estímulos visuais.

A percepção auditiva é apenas um aspecto da complexa percepção

espacial do ser humano. Informações audiovisuais a respeito de objetos

e pessoas são comparadas com informações táteis, cinestésicas, olfativas

e gustativas. Portanto, quanto mais abundantes forem as informações,

maior a probabilidade de um julgamento correto do espaço e dos objetos

nele contidos.

6.3. Percepção espacial tátil

Dizem que "tamanho não é documento". Convém lembrar, no entanto, que a pele é o maior de
nossos órgãos sensoriais. E prontamente empregada pelo bebê recém-nascido, ao iniciar sua
interação com o ambiente. De certa forma, a pele se assemelha à retina do olho e à cóclea do
ouvido. Nos três órgãos sensoriais, os receptores encontram-se agregados, um ao lado do
outro, em uma superfície sobre a qual incide a energia existente no ambiente. Por meio da
visão e da audição, freqüentemente tomamos conhecimento de objetos muito distantes, como,
por exemplo, um avião a grande altitude. As vezes, o tato também nos auxilia a perceber
melhor objetos distantes. E o que ocorre quando passamos em frente de uma geladeira cuja
porta está entreaberta. O ar frio que sai da fresta é prontamente percebido pelos receptores
térmicos da pele. A intensidade da temperatura permitirá avaliar se estamos próximos ou
distantes do aparelho. Quando adormecemos sobre a esteira, na praia ou na beira da piscina,
os receptores térmicos não permitirão que o sol seja esquecido. De um mo 98

99

6.5. Interação multi-sensoríal

do geral, no entanto, o tato fornece informações sobre objetos que já estão em contato com
nossa pele. Um exame mais detalhado pode fornecer informações importantes a respeito da
temperatura, forma e tamanho do objeto. O tato contribui para tomarmos consciência de
nosso próprio corpo, auxiliando-nos a discriminar o "Eu" do "Não Eu", isto é, diferenciar nosso
corpo dos demais objetos do ambiente.

A interação entre tato e cinestesia permite a obtenção de informações importantes e


detalhadas sobre objetos próximos, ao alcance da mão. Percebendo a temperatura, a textura
dos tecidos que nos envolvem e a posição de nossos braços, mãos e dedos, somos capazes de
puxar o lençol e descartar o cobertor, sem precisar acender a luz do quarto nas noites quentes
de verão. O tato permite discriminar um do outro. Através da cinestesia, afastamos o cobertor
indesejável a uma distância adequada de nosso corpo. A percepção do espaço imediato e
distante é perfeita, graças à sofisticada interação múltipla das modalidades sensoriais.

6.4. Percepção olfativa do espaço

Enquanto escrevíamos estas linhas, sentimos o cheirinho da carne assando sobre a brasa da
churrasqueira de um de nossos vizinhos. Com um leve movimento de cabeça, foi fácil localizar
a fonte do conhecido odor:

estava na direção do quintal. Portanto, sem sair do gabinete, foi possível tomar conhecimento
de objetos relativamente distantes, como a churrasqueira, carvão e carne de casas vizinhas. A
intensidade do cheiro permitiu avaliar a distância do churrasco. Para maiores informações
sobre a localização exata, forma, cor e tamanho do churrasco, precisamos da visão. Para saber
se o tempero estava bom, bastou felicitar o vizinho aniversariante e aceitar o prato que nos
ofereceram. Estava delicioso! Temos duas narinas pelas quais o odor das substâncias penetram.
Portanto, se o odor está sendo propagado por uma brisa que vem da direita para a esquerda,
atingirá primeiramente uma narina e, depois de fração de segundos, a outra. Como na audição,
o resultado é uma diferença temporal entre a estimulação olfativa proveniente dos receptores.
Porém nós não percebemos dois cheiros; percebemos um odor que vem de um lado. Isto é, a
discrepância temporal entre os estímulos permite perceber a localização da fonte de
estimulação. Através do olfato, recebemos informações sobre determinadas características
qualitativas do espaço, imediato e distante. Por exemplo, podemos avaliar se o local em que
nos encontramos é arejado ou se está abafado, se a água da piscina contém cloro, se há ou não
vazamento de gás no fogão. Estas informações a respeito do espaço e dos objetos nele
existentes são fundamentais para a nossa sobrevivência. Não poderiam ser fornecidas pela
visão e audição. ,.--

/ 3_' '.

/ \'
100

Graças à riqueza de informações existentes a respeito do espaço e à extraordinária interação


entre todas as modalidades sensoriais, somos capazes de perceber e viver adequadamente,
mesmo quando ocorrem deficiências temporárias ou permanentes em uma destas
modalidades, como por exemplo, na cegueira e surdez.

6.6. Percepção do tamanho

Nossa percepção de tamanho é excepcional. Vejamos se você concorda: coloque sobre uma
mesa um objeto qualquer, como um copo ou este livro. A seguir, dê um passo para trás. Olhe
bem para o objeto e diga, em voz alta, quantos centímetros você acha que ele tem de altura
(ou comprimento). A seguir, dê mais um passo para trás e faça um novo julgamento de seu
tamanho que seja independente do julgamento anterior. Continue procedendo da mesma
maneira por mais uns cinco ou seis passos, sempre observando atentamente o objeto. Você
verificará que, à medida que você se afasta do objeto, sua percepção de tamanho permanece
inalterada. Esta singela experiência pode parecer uma tolice. Mas é justamente a constância de
seu julgamento sobre o tamanho do objeto que é intrigante.

Tente repetir a mesma experiência. Porém, desta vez, sejamos mais cautelosos. Afaste-se mais
ou menos um ou dois passos do objeto e feche um olho; com um lápis na mão, estenda o braço
bem à sua frente. Tente marcar a altura do copo ou do livro com o polegar sobre o lápis, como
fazem os desenhistas e pintores quando querem medir o tamanho de objetos. A seguir, dê um
passo para trás e torne a medir o tamanho do copo com o seu lápis; proceda desta maneira a
cada passo que se distanciar. E agora, o que você verificou? Quanto maior a distância entre
você e o copo, menor o tamanho assinalado com o seu polegar no lápis. A imagem projetada
na retina sofre modificações semelhantes. Com o aumento gradual da distância, verifica-se a
correspondente diminuição do tamanho da imagem. E é desta imagem na retina que resultarão
os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. O que intriga, no entanto, é que seu
julgamento a respeito do tamanho do objeto corresponde ao tamanho real e imutável. Isto é,
apesar da redução do tamanho da imagem na retina você não percebe o objeto como se
estivesse encolhendo. Como explicar esta excepcional capacidade de perceber corretamente o
tamanho dos objetos?

Movidos por esta curiosidade, vários pesquisadores dedicaram seu tempo e interesse ao
estudo da percepção de tamanho. Verificaram que ela depende da percepção da distância (ou
profundidade) e dos demais objetos próximos. Tudo indica que a correta percepção de
tamanho só é pos101

sível porque respondemos a uma relação entre objetos. Isto é, objetos e demais elementos do
ambiente, próximos do objeto observado, determinam a nossa percepção de seu tamanho.
Disto se aproveitam diretores de cinema, televisão, teatro e companhias de propaganda,
confeccionando mobília e outros objetos de grandes dimensões, para dar a impressão de que o
personagem da história é muito pequeno. Quando o efeito contrário é desejado, ou seja,
proporcionar-nos a impressão de que determinado modelo de automóvel ou poltrona é grande
e espaçoso, esses objetos são inseridos entre outros objetos pequenos, ou, então, são
contratados apresentadores muito charmosos, porém de baixa estatura. Já vimos que um dos
indícios de tridimensionalidade do espaço, o gradiente de textura, informa sobre a que
distância se encontram partes diferentes de grandes superfícies, como o solo e as paredes,
uma vez que os seus elementos, como pedras e tijolos, localizados a grandes distâncias,
projetam imagens retinianas muito pequenas.

A conhecida ilusão visual de Ebbinghaus, apresentada na figura 6.5, ilustra claramente a


importância da relação entre elementos diversos do ambiente. Consiste de dois círculos de
igual tamanho; um circundado por círculos pequenos e outro por círculos grandes. Os círculos
pequenos e suas respectivas imagens retinianas proporcionam indícios de objetos distantes; as
imagens retinianas dos círculos grandes proporcionam indícios de objetos próximos.
Conseqüentemente, os dois círculos centrais iguais são percebidos como sendo de tamanhos
diferentes, pois este julgamento é produto da interação entre todos os elementos presentes na
figura.

Figura 6.5. Ilusão de Ebbinghaus.

Quando somos convidados a julgar o tamanho de objetos, em circunstâncias nas quais não é
possível compará-los com outros objetos, nem julgar a distância, verifica-se que, se o objeto é
conhecido, nossa percepção do seu tamanho é correta porque o julgamos de memória. Se,
porém, o objeto é desconhecido, cometemos erros perceptivos. Esta é uma das causas
prováveis das discrepâncias entre os relatos de pessoas que alegam terem visto discos
voadores. Os erros perceptivos serão obviamente maiores quando as circunstâncias forem
pouco propícias para o julgamento da profundidade, isto é, quando forem vistos em céu
aberto, em praias ou campos desertos, ou na penumbra. Quando a distância entre observador
e objeto for muito grande, a percepção de tamanho pode ficar comprometida. Por isto nos
surpreendemos que automóveis vistos do alto de arranha-céus pareçam brinquedos e pessoas
se assemelhem a formiguinhas. Existem, no entanto, relatos de pedreiros e limpadores de
janelas, acostumados a trabalhar a grandes alturas, mostrando que a experiência desenvolve
uma correta percepção do tamanho dos objetos e pessoas observadas no solo. Estes
profissionais não relatam a sensação de ver miniaturas.

O tamanho dos objetos também pode ser percebido pela interação entre tato e cinestesia. Para
pegar uma chave escondida sobre um guarda-roupa, em um quarto completamente escuro,
dependeremos do tato e da cinestesia para encontrar o guarda-roupa. Levantando os braços a
fim de alcançar o alto do móvel, os receptores cinestésicos nos informam se ele é mais ou
menos da nossa altura. Se precisarmos ficar na pontinha dos pés, os receptores cinestésicos
das pernas permitirão um julgamento mais seguro de que se trata de um objeto bem mais alto
que nós. Ao esbarrar com a mão na chave, tato e audição fornecerão informações conjuntas
sobre as suas características.

Resumindo, podemos afirmar que nossa percepção de espaço, distância, profundidade e


tamanho depende da interação de muitos indícios captados por várias modalidades sensoriais,
principalmente visuais e cinesté o

oQo

o
o

sicas.

102

103

Percepção da forma

Em todos os objetos que percebemos visualmente, o que mais nos chama a atenção e o que
nos parece mais importante é a sua forma. Em geral, quando solicitados a descrever um objeto,
definimos em primeiro lugar sua forma, só depois descrevemos sua cor, seu brilho e, talvez, por
último vamos nos referir a um seu possível movimento. Por ordem de importância, esta é a
seqüência que as qualidades de um objeto têm para nós. Mas de modo algum corresponde à
seqüência da percepção mais elementar à mais complexa. Como veremos no capítulo 11,
referente à percepção de movimento, é este o percepto mais primitivo. Muitos animais apenas
vêem um objeto quando está em movimento. A habilidade que os seres humanos têm em
olhar para um objeto estacionário e perceber até os mínimos detalhes de sua forma é
reservada apenas aos animais que se encontram nas posições mais elevadas na escala
filogenética. A habilidade de ver formas estacionárias envolve um alto grau de atividade e
desenvolvimento cortical. Certamente, envolve algumas das funções mais complexas do
sistema visual.

Ao estudar percepção de forma, o pesquisador de comportamento se preocupa basicamente


com um problema: como é que um objeto em nosso campo visual - com seus inúmeros
elementos constituintes (ângulos, contornos, áreas contínuas, padrões repetitivos, curvas etc.)
projetados pelo sistema ótico sobre a retina - passa a ser visto como um objeto integrado,
dotado de significado? Em outras palavras, como emerge a forma (no sentido mais amplo
possível), a partir dos elementos constituintes do objeto? Este problema único pode receber
explicações em várias abordagens, num primeiro instante completamente diferentes, mas que
talvez se unam, um dia, sob uma teoria única. Aqui abordaremos apenas duas linhas de ataque
ao problema de percepção (visão) de forma: uma tomando

como ponto de partida recentes descobertas fisiológicas a respeito do sistema visual, e outra,
uma teoria clássica, a teoria da Gestalt. Esta última é tradicionalmente considerada a psicologia
da forma por excelência, tendo constituído uma escola. Nascida na Alemanha no início do
século XX, com Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Kõhler, em oposição ao behaviorismo
dos Estados Unidos, mantém adeptos até os dias de hoje.

7.1. Neurofisiologia da percepção de forma


A imagem luminosa projetada pela córnea e cristalino sobre a camada de receptores - primeiro
elo neural do sistema visual - apenas representa um padrão claro-escuro sem significado
algum. Vamos neste momento deixar de considerar os matizes (cores), uma vez que a
percepção de forma pode ser entendida totalmente desvinculada da percepção de cores.
(Aliás, o próprio sistema visual faz esta separação.)

O padrão claro-escuro (a imagem) estimula diferencialmente os receptores, de acordo com a


iluminação que cai sobre cada receptor "e seus vizinhos". Esta última expressão - "e seus
vizinhos" - é extremamente importante. Na verdade, é a chave da percepção de forma: se cada
receptor reagisse somente à intensidade da luz que cai sobre ele mesmo, jamais poderia ser
extraída alguma informação a respeito do conjunto de elementos do objeto. O objeto como um
todo nunca poderia ser percebido. Mas se a resposta de cada receptor depende também da
iluminação incidente sobre os receptores vizinhos, obtém-se informação da parte e do todo,
pois a resposta neural do receptor será diferente se a iluminação a seu lado for totalmente
diversa (mais brilhante ou mais escura), determinando um contorno, ou se a iluminação é
exatamente igual, determinando, portanto, uma área homogênea.

Esta atuação recíproca entre neurônios no sistema visual não se limita aos receptores e outros
neurônios da retina, mas se verifica também entre os neurônios de todos os elos de integração
do sistema visual. Já no segundo neurônio após os receptores - as células ganglionares -, mas
ainda na retina, pode-se verificar nitidamente o início da percepção de forma. Foi demonstrado
que, em retina de gatos, as células ganglionares já diferenciam linhas retas de diferentes
inclinações. O mesmo ocorre ao nível do corpo geniculado lateral, onde existem neurônios que
respondem, de forma muito nítida, a linhas em diferentes orientações.

Investigando os neurônios do sistema visual do córtex visual de gatos (córtex estriado, área 17),
Hubel e Wiesel encontraram neurônios que respondem a características cada vez mais
específicas de forma. Chamaram a estes neurônios de "simples" ou "complexos", de acordo
com a especificidade a que respondiam. Ao nível das áreas do córtex pré-estriado (áreas 18 e
19), que são elos na integração da informação visual, foram encon 104

105

tradas células, muitas vezes denominadas de "super e hipercomplexas". Respondiam a


estímulos mais específicos ainda, isto é, não só a linhas e bordas, mas já impondo restrições ao
comprimento máximo das linhas. E claro que uma linha com um comprimento limitado ainda
não é uma forma ou um objeto, como o vemos no dia-a-dia. No entanto, um segmento de linha
já constitui um elemento que compõe uma forma. Sem dúvida, aponta para a maneira como o
sistema visual consegue extrair, de um estímulo visual dotado de forma complexa, os
elementos constituintes para proceder à análise do percepto. E importante notar também que,
quanto mais "complexas" as células neurais do sistema visual, isto é, quanto mais específicos
devam ser os estímulos visuais para que ocorra uma reação máxima da célula, maior é seu
campo receptivo na retina.

Por campo receptivo, entendemos o conjunto de receptores que se conectam a um neurônio


do sistema visual, em qualquer um dos níveis de integração da informação visual, O campo
receptivo corresponde a uma área da retina, sobre a qual se projeta a imagem de uma região
específica do campo visual. Deste modo, se os campos receptivos se tornam maiores para os
neurônios visuais mais complexos, estes responderão a partes maiores do campo visual. Isto
significa que, para "perceber a forma" em causa, há uma dependência cada vez menor de
localizar o objeto no campo visual. O significado é realmente adaptativo, pois uma árvore deve
ser reconhecida como tal, independentemente de onde esteja no campo visual, isto é, da área
específica da retina sobre a qual é projetada a imagem desta árvore.

Outros pesquisadores, dentre os quais o brasileiro Rocha Miranda, estudando o sistema visual
de macacos, procuraram neurônios visuais num nível de integração ainda mais elevado que o
córtex estriado e pré-estriado, ou seja, no córtex ínfero-temporal. Enquanto os córtex estriado
e pré- estriado ainda correspondem a áreas exclusivamente visuais, isto é, todos os seus
neurônios possuem função visual, o córtex ínfero-temporal já é, nitidamente, uma área de
integração poli-sensorial, na qual ainda podem ser encontradas muitas células visuais. Nesta
área foram encontradas células que emitiam sua resposta máxima diante de estímulos visuais
extremamente específicos e complexos, como, por exemplo, uma pata de macaco. A pata de
macaco podia ser apresentada com igual efeito em qualquer parte do campo visual e em
tamanhos diversos, mostrando que a célula era responsável apenas pela visão da forma do
objeto e não de sua localização no espaço ou de seu tamanho. Já a posição dos dedos da pata e
a direção em que apontavam influenciavam a intensidade da resposta deste neurônio. Estas
alterações correspondiam a uma mudança da forma do estímulo.

Pode-se, pois, conjecturar que o circuito neural visual é arquitetado de maneira a, inicialmente,
desdobrar as imagens visuais em linhas de diferentes inclinações, depois limitar o
comprimento das linhas, combinan do-a

entre si, até que cheguem a combinações quase únicas, como uma pata de macaco ou, até, a
face específica do experimentador. Se, de um lado, já podemos entender como se forma, da
combinação de várias células simples, uma de campo complexo, por Outro lado ainda nos são
totalmente desconhecidos os circuitos neurais para obter as combinações mais específicas.
Entretanto, inúmeros trabalhos de pesquisa da atualidade abordam o problema.

Vamos recordar: da simples projeção da imagem ótica (luminosa) sobre os receptores da


retina, é extraída a forma como um todo, pelas sucessivas convergências da informação,
gerando combinações (padrões) únicas. Sobreposta a esta convergência existe também uma
divergência do fluxo de informação visual. A convergência se evidencia pelo fato de que o
objeto, como um todo, estimula um grande número de neurônios da retina e, ao nível do
córtex ínfero-temporal, neurônios individuais são responsáveis pela percepção da forma deste
objeto. Por outro lado, devido à divergência, nos primeiros elos de integração, o local de
estimulação da retina é importante. No entanto, nos níveis corticais superiores, a localização já
não importa mais. Na verdade, a divergência é muito maior que a convergência, pois o número
de receptores na retina é bem inferior ao número de neurônios visuais no córtex visual e no
córtex de integração poli-sensorial.

Na figura 7.1 estão representadas, esquematicamente, a convergência e a divergência neural


do sistema visual, que leva à análise e à percepção integral das formas.

106
107

'o O

C) -v

-5

o,

O, E o

oo

L) L) Q

>

O)

>

O)

o.

'o 0.0) O

00

'o

'oO 0

o
o

•0

>

o, -o 1: .E

o,

•0

>

oc

.0

c0

7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt

>

-o

'-0

O,
o,

O,

a eles.

Esta segunda abordagem, que procura explicar como ocorre a percepção de formas, é
totalmente oposta à primeira, pois não parte de dados fisiológicos do sistema visual mas sim,
partindo de perceptos de formas, procura, pela formulação de certas regras, mostrar como se
chegou

'-0

-v

E ao,

'o

'o a o,

'o

'3

'o,

.5

aa

-o, 0.)
-o

>

O,

-o

LO

o,

O-)

A teoria da Gestalt é bastante conhecida daqueles que estudaram história da Psicologia.


Certamente, tomaram contato com as leis e princípios da Gestalt para a percepção de forma.
De imediato, parecem muito óbvios e explicativos. Mas, em geral, não é explicitado o que
realmente sigiiificam para o problema da percepção de formas, assim como o formulamos no
princípio deste capítulo.

O que preocupou os psicólogos da Gestalt foi: como, a partir de elementos isolados, poderia
ser percebido um todo que representava algo de novo, isto é, não a simples soma das partes?
Como, das partes, pode surgir um todo com um significado próprio? Como este todo pode se
impor mais ao sujeito que as partes? Foi para responder a estas perguntas que foram
formuladas as leis da Gestalt. São leis a posteriori, ou seja, sempre que era possível se perceber
um determinado todo, verificava-se que seus elementos guardavam entre si uma certa relação.
Os psicólogos da Gestalt acreditavam que havia, nos organismos, algo (uma estrutura
representativa das leis da Gestalt) que os levava a organizar as partes de certo modo.
Obviamente, as leis da Gestalt não podem, na maioria das vezes, explicar a percepção dos
elementos no percepto total. Seria como que postular, para estes elementos, a existência de
um mecanismo pré-programado de percepção.

A lei básica que governa a percepção de uma forma, segundo a Gestalt, é a Lei da Boa Forma
ou Lei da Pregnância. Todo objeto é visto de modo a apresentar uma forma "harmoniosa",
"boa", "estável", que se imponha, que seja mais regular, mais simétrica ou mais simples. Para
tanto, a Lei da Boa Forma pode ser dividida numa série de leis secundárias que regulam o
agrupamento dos elementos, a fim de que a forma total seja "boa". Na verdade, estas regras
pouco ajudam o pesquisador. O que realmente dirá se uma forma é "boa" ou não é seu efeito
sobre o observador. As principais regras que levam a uma "boa forma" são as seguintes:

1. agrupamento por proximidade - elementos próximos uns aos outros parecem fazer parte de
um mesmo todo;

2. agrupamento por similaridade - elementos semelhantes ou iguais parecem fazer parte de


um mesmo todo;

3. boa continuidade - elementos que estão na mesma direção de partes do padrão regular são
a ele integrados, dando continuidade a este padrão;

O)

-o

'o 0

o,

O,

"o O)

108

109
4. fechamento - os elementos são agrupados de modo que o todo forme uma figura fechada.

A figura 7.2 ilustra, através de exemplos clássicos, estes princípios da Gestalt. Sua insuficiência
para explicar a percepção de uma forma complexa, como a pata de um macaco, parece óbvia.
Para um estudo mais pormenorizado da percepção, sob o ponto de vista da Gestalt, é
interessante combinar estes vários princípios e observar a rivalidade entre eles. A figura 7.3
ilustra a rivalidade entre o princípio de proximidade e de similaridade: na medida em que os
elementos semelhantes se afastam um do outro, deixa-se de perceber colunas de elementos
iguais para perceber fileiras de elementos diferentes, mas próximos entre si. Este exemplo
mostra como as leis atuam em conjunto, proporcionando a percepção de um padrão global.

Há uma terceira maneira de analisar a percepção de formas, sem reduzir o sistema visual ao
nível fisiológico, nem enquadrar em princípios ou leis as maneiras que temos para agrupar
elementos de um percepto:

verificar como, de modo geral, ocorre a percepção de uma forma, quando um observador olha
para um objeto.

Um elemento básico necessário para a percepção de uma forma visual é a presença de um


contorno. Este poderia ser definido como uma variação, ou alteração abrupta de luminância,
em nosso campo visual. Uma área completamente envolta por um contorno, em geral é vista
como uma forma distinta (ou figura). Contornos, ou seja, variações repentinas de luminância
no campo visual, são necessários para que ocorra percepção de qualquer forma. São bastante
conhecidos os estudos feitos com campos homogêneos, muitas vezes designados pela palavra
alemã Ganzfeld, nos quais o sujeito não percebe coisa alguma. Por exemplo, bolas de
pinguepongue são ótimos difusores de luz. Permitem que nossos olhos recebam uma
iluminação homogênea, sem a possibilidade de vermos formas ou contornos. Se cobrirmos
nossos olhos com metades dessas bolas e olharmos para uma luz vermelha, verificaremos que
esta cor se esvanecerá, em poucos minutos, tornando-se um campo incolor. Se sobre cada bola
traçarmos uma linha escura, introduzindo, portanto, um contorno em nosso campo visual, a
cor se manterá por muito mais tempo. Na verdade, somente desaparecerá quando a própria
linha se dissolver no campo homogêneo. A cegueira provocada por campos extensos de neve
não é nada mais que um exemplo natural deste fenômeno.

7.3. O contorno como elemento constituinte da forma

cd

Figura 7.2. Exemplos de princípios de "Boa Forma" da Gestalt. a) Por "agrupamento", os pontos
são reunidos e separados em quatro grupos distintos. b) Por "similaridade", o quadrado de
elementos (visto como um todo por "agrupamento") é separado em quatro quadrados
menores, cujos elementos se juntam por "similaridade". c) A "boa continuidade" faz o
observador ver uma figura fechada e uma linha curva. d) As três figuras são vistas como um
círculo, quadrado e triângulo pela lei do "fechamento' que faz o observador ignorar as
interrupções nos lados destas figuras.

ELILILILIEI
ii•i••

DE LI LI

Figura 7.3. Pela lei da proximidade devemos ver colunas verticais de elementos. Pela lei da sim
ilaridade devemos ver carreiras horizontais. E possível construir esta figura de tal maneira que
as distâncias horizontais e verticais possam ser alteradas. Com uma figura destas, torna-se
possível determinar exatamente a distância entre os elementos, para que as duas leis atuem
com igual força. Neste caso o sujeito verá uma oscilação entre os dois perceptos.

110

111

00

00

c OOO

000

000

0000 00

DLJLI000

0000 0 O

0000 00

OA E

Mas por que é necessário um contorno para que ocorra visão de formas? Já respondemos no
princípio deste capítulo. Dissemos que a função mais primitiva do sistema visual é a percepção
de movimento e que, na verdade, a percepção de formas estáticas é uma conquista da
evolução fi logenética

Quando há algum contorno em nosso campo visual, a movimentação contínua de nossos olhos
(nistagmo) transforma a variação de iluminação numa variação temporal para cada sítio da
retina. Isto ativa o sistema visual e permite a visão contínua do contorno, O contorno é

visto como estando parado, devido a processos que veremos no capítulo dedicado à visão de
movimento. Se não houver variação de iluminação no campo visual (isto é, um contorno), por
mais que ocorra movimentação dos olhos, a estimulação visual não adquire uma variação
temporal, o que leva à desativação do sistema visual. E o que ocorre no Ganzfeld.

Uma linha pode ser considerada a forma mais simples, isto é, um único contorno que divide o
campo visual em duas partes. Mas a maioria dos objetos com que nos deparamos no nosso
dia-a-dia são compostos por unidades integradas, que chamamos de figuras. Figura é,
portanto, um grupo integrado de contornos. Nossa experiência pessoal mostra que a
percepção de figuras é básica. Ou seja, a percepção de uma figura, na maioria das vezes,
impõe-se ao observador, destacando-se do restante a que chamamos de fundo. O livro em
cima de uma mesa é percebido como uma figura e o tampo da mesa como o fundo; o tampo
da mesa, por sua vez, é figura em relação ao chão. Estas sensações se impõem de maneira
inquestionável. Mas nem sempre o problema é tão simples, como pode ser visto na figura 7.4,
que mostra o clássico exemplo do vaso e dos dois perfis de Rubin. Este tipo de figura é
chamada de reversível. Olhando-a por algum tempo, veremos alternadamente os dois perfis ou
o vaso, isto é, alternadamente, partes diferentes de nosso campo visual se tornam figura ou
fundo. Em outras palavras, às vezes será figura a região branca e o fundo será a região preta; e
às vezes acontecerá o inverso. Nunca veremos simultaneamente as duas regiões como figuras!
O contorno, que define a figura como dissemos acima, será visto sempre fazendo parte da
região que, naquele momento, vemos como figura.

Mesmo numa figura reversível, pois, o contorno continua sendo o determinante da figura. Só
que o que é visto como contorno não é determinado, unicamente, pelo arranjo espacial das
bordas, mas também por uma interpretação visual do estímulo. Existem alguns parâmetros
que tornam maior a probabilidade de uma parte ser vista como figura: a forma se parece mais
com alguma "coisa' é mais fechada, é menor, tem um significado, é mais brilhante, é simétrica,
e assim por diante. Mas a percepção de uma figura reversível também é influenciada por
algumas variáveis, como a expectativa do observador ou o treino que ele possa ter tido. A
figura 7.5 mostra alguns contornos que se impõem como figuras, indicando quais os
parâmetros mais prováveis para que isto ocorra.

Figura 7.4. a) O famoso vaso de Rubin, que pode ser visto como sendo um vaso sobre um
fundo branco ou como dois perfis sobre um fundo escuro. Os dois perceptos podem flutuar
entre si, se olharmos demoradamente. Mas também podemos "querer" ver um ou outro. b)
Figura modificada por Gombrich, enfatizando tanto o vaso através das flores como as faces
pelas orelhas. Se mantivéssemos apenas um destes indícios, o percepto correspondente
tornar- se-ia bem mais pronunciado e estável.

altllb
fleflf

Figura 7.5. Exemplos de princípios que determinam a percepção de formas, a) O losango é visto
como figura por ser menor, mais brilhante, simétrico e central. b) As colunas escuras

são vistas como figuras por serem simétricas. e) O perfil escuro é visto como figura por ser
dotado de um significado. d) O coração é visto como figura por ser simétrico, fechado e dotado
de significado. e) O triângulo é visto como figura por ser menor. J) O retângulo todo é visto
como figura por adquirir o significado de um quadro pendurado num prego.

112

113

Recentemente, receberam muita atenção figuras que não possuem contornos reais, isto é, são
determinados por uma variação abrupta de luminância, assim como havíamos definido
contornos no princípio. São figuras que possuem contornos subjetivos, pois seus contornos
sobressaem de uma região totalmente homogênea. As figuras 7.6 e 7.7 mostram alguns
exemplos. E fácil verificar que os contornos subjetivos podem ser retos, curvos, podem
aparecer numa região clara ou escura e delimitar uma figura com ou sem significado. Na
verdade, ainda não se conhece exatamente o mecanismo que faz surgirem os contornos
subjetivos. Supõe-se que, de alguma forma, o mecanismo de percepção de contornos é ativado
pelos elementos contidos no padrão da figura, eliciando contornos subjetivos. Normalmente,
são os contornos que determinam a figura. Aqui, no entanto, é a figura que determina os
contornos. Neste fato, provavelmente, reside a explicação de sua origem: trata-se de figuras
tão "óbvias", que se impõem ao sujeito. Este vê contornos inexistentes, mas que deveriam
existir para completar a figura. Os contornos subjetivos guardam muitas propriedades dos
contornos verdadeiros, como pode ser visto na figura 7.8.

Figura 7.6. As figuras a e b mostram respectivamente contornos subjetivos claros e escuros.


Observe que o triângulo formado pelos contornos subjetivos em ambos os casos parece estar à
frente, num outro plano. Ele parece mais branco em a e mais preto em b. Até hoje não existe
uma explicação convincente e definitiva sobre o mecanismo que nos leva a ver contornos
subjetivos.

Figura 7.7. Alguns exemplos curiosos de contornos subjetivos, a e b) Estes dois exemplos de
figuras formadas por contornos subjetivos mostram que estes também podem ser curvos, isto
é, são adequados ao contexto e não seguem uma regra de menor distância. c) O fenômeno dos
contornos subjetivos não está limitado a figuras geométricas simples: no caso, é formado o
contorno de uma pêra. d) Esta figura mostra claramente que os contornos subjetivos não
podem ser considerados um simples prolongamento das linhas formadas pelos círculos
interrompidos, e) Há também contornos subjetivos que não formam uma figura fechada. J)
Aqui ocorre a formação de um contorno subjetivo circular, sem haver elementos circulares
formadores. Observe que o disco "branco" formado pelo contorno subjetivo parece mais
"brilhante" que o disco formado pelo contorno real.

4y0

Figura Z8. Dois exemplos que mostram que os contornos subjetivos agem como linhas reais.
Em a, a ilusão de Poggendorff, que faz as linhas oblíquas parecerem desencontradas, é
provocada pelas duas linhas subjetivas paralelas induzidas pelos três semicírculos negros. Em
b, a ilusão de Ponzo, que faz a linha vertical direita (próxima ao vértice) parecer mais longa que
a esquerda, é produzida dentro de um triângulo de contornos subjetivos.

e ________

'a

///4

Ia

114

115

iA,

a.

b
c

Bibliografia básica para consulta do aluno

Aipern, M.; Lawrence M. e Wolsk, D. Processos Sensoriais. São Paulo, Editora Herder e

Editora da Universidade de São Paulo, 1971.

Barber, P. J. e l..egge, D. Percepção e Informação. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1976.

Brearley, M. e Hitchfield, E. Guia Prático para Entender Piaget. São Paulo, IBRASA, 1973.

Cratty, B. J. Perceptual and Motor Development in Infants and Children. London, The Macmillan
Company.

Day, R. H. Percepção Humana. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda.,

1972.

Day, R. H. Psicologia dci Percepção. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1974.

Dember, W. N. e Warm, J. S. Psychology of Perception. New York, Holt, Rinehart and Winston,
1979.

Forgus, R. H. e Melamed, L. E. Perception - A Cognitive-Stage Approach. New York,

McGraw-Hill Book Company, 1967.

Forgus, R. H. Percepçãt o processo básico do desenvolvimento cognitivo. São Paulo, E.P.U.

- Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1971.

Gaiarsa, J. A. Estudo sobre a fisiologia das emoções que nascem - e morrem - em nosso

peito, iluminada pelos pintores surrealistas. Vogue, 1984.

Gaiarsa, J. A. Respiração e Angustia. São Paulo, Ed. Informática.

Gregor R. L. Olho e Cérebro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979.

Krech, D. e Crutchfield, R. S. Elementos de Psicologia. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1963.

Hastorf, A. H.; Schneider, D. J. e Polefka, J. Percepção de Pessoa. São Paulo, Editora Edgard
Blücher Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

Hochberg, J. E. Percepção. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1966.

Manmng, S. A, e Rosenstock, E. H. Psicof(sica Clássica. São Paulo E.P.U. - Editora Pedagógica e


Universitária Ltda., 1974.
Segall, M. H.; Campbell, D. T. e Herskovits, M. J. The Influence of Culture on Visual Perception.
Indianapolis, The Bobbs-Merrill Company, mc., 1966.

Mcguigan, F. J. Bases Biológicas do Comportamento. São Paulo, E.P.U. - Editora Pedagógica e


Universitária Ltda., 1974.

Messenger, J. 8. Nervos, Cérebro e Comportamento. São Paulo, E.P.U. - Editora Pedagógica

e Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo, 1980.

Montagu, A. Touching, The Human Signjficance of the Skin. New York, Harper & Row,

Publishers, 1971.

Mueller, C. G. Psicologia Sensorial. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1966.

117

Mueller, C. G.; Rudolph, M. e Redatores de LIFE. Luz e Visão. Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio Editora, 1970.

Piaget, J. e Inhelder, B. The Child's Conception o! Space. London, Routledge & Kegan Paul,

1956.

Robinson, D. N. Introdução Analítica à Neuropsicologia. São Paulo, E.P.U. - Editora Pedagógica e


Universitária Ltda. e EDUSP, 1977.

Sandor, P. Técnicas de Relaxamento. São Paulo, Vetor Editora Psicopedagógica, 1974.

Schmidt, R. F. Fisiologia Sensorial. São Paulo, E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária

Ltda., Springer e Editora da Universidade de São Paulo, 1980.

Schmidt, R. E Neuroftsiología. São Paulo E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária, Springer

e Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

Stevens, S. S.; Warshofsky, E e Redatores de LIFE. Som e Audição. Rio de Janeiro, Livraria

José Olympio Editora, 1968.

Teitelbaum, P. Psicologia Fisiológica. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1969.

Vernonb M. D. Percepção e Experiência. São Paulo, Editora Perspectiva, 1974.

118

Você também pode gostar