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Psicologia da Percepção
Sobre os Autores
Edda Augusta Quirino Simões é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasilia, mestre
em Psicologia pela California State University e doutora em Ciências (Psicologia) pelo Insti tuto
de Psicologia da Universidade de São Paulo. É Professora Adjunta das Faculdades
Metropolitanas Unidas, responsável pela disciplina Psicologia Geral e Experimental II
(Percepção), e Chefe do 1 aboratório da referida disciplina. Foi Professora Assistente da
Universí dade Federal do Ceará, ocasião em que coordenou a implantação do seu
Departamento de Psicologia e respectivos Laboratórios. Realizou pesquisas no Institute of
Medical Sciences do Pacific Medical Center e na Smith-Kettlewell Eye Research Foundation da
University of the Pacific, em San Francisco, California (USA).
P. L - ditoi Pedogógica e ti :i\ ersitaria Lida., São Paulo. 1955. iodos os dirc-iios esersados .. \
repiodução dcxii obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, seisi 1iutori/açio
ii penalidade prevista tios artigos 154 e 156 do Código Penal, ii saber: reclusão de um a quatro
A Coleção Temas Básicos de Psicologia tem por finalidade apresentar de forma didática e
despretensiosa tópicos que são ministrados em várias disciplinas dos cursos superiores de
Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicológicas.
O objetivo fundamental é o de oferecer leituras introdutórias que sirvam como roteiro básico
para o aluno e que ajudem o professor na elaboração e desenvolvimento do conteúdo
programático.
Neste sentido, selecionamos autores com vasta experiência didática em nosso meio, os quais,
em virtude da profundidade de seus conhecimentos e do contato prolongado com alunos,
cientes da dificuldade de adaptação da literatura importada para o nosso estudante, se
dispuseram a colaborar conosco.
Coordenadora
VII
Sumário
Prefácio IX
1.7. Olfato 16
1.8. Gustação 19
1.9. Audição 21
1.10. Visão 24
2.1. Detecção 37
2.2. Discriminação 44
2.3. Reconhecimento 52
3. Atenção 60
3.1. Vigilância 61
5. Percepção da cor 74
aprendida9 81
sensorial' 83
8 . Constâncias perceptivas
9 . Ilusões perceptivas
VI
Prefácio
A percepção, portanto, constitui-se num campo muito abrangente da psicologia, já que sempre
há estímulos externos e internos responsáveis pelos comportamentos dos organismos.
Denominamos estímulos àqueles aspectos do ambiente e do organismo que são percebidos. A
percepção é a porta de entrada para toda a informação que a pessoa recebe e processa, o que
por si só já justifica o seu estudo. Mas a percepção não é somente a porta de entrada para os
estímulos, é também uma janela para a observação dos pesquisadores. Através desta janela o
pesquisador pode vislumbrar o funcionamento do cérebro e conjecturar sobre os processos
mentais. E não é este o objetivo final da Psicologia? São numerosos os exemplos de funções
fisiológicas inicialmente descobertas através desta "janela" da percepção.
Ix
de maneira mais uperficial. O motivo principal para esta ênfase é que o ser humano é um
animal predominantemente visual. Nenhum outro, nem mesmo os outros primatas, tem seu
sentido de visão tão desenvolvido e tão versátil. A águia pode ter maior acuidade visual que o
homem, mas sua visão de cores é deficiente; a abelha possui uma visão de cores relativamente
melhor que a do ser humano, mas sua acuidade é extremamente pobre; certas aranhas que
habitam permanentemente em cavernas escuras são muito sensíveis a intensidades mínimas
de luz, mas não apresentam visão de cores e sua acuidade visual é quase nula. Por outro lado,
os outros sentidos do ser humano, como o olfato, a gustação e a audição, são relativamente
menos desenvolvidos que a visão. Um segundo motivo para uma maior ênfase na percepção
visual é o simples fato de tratar-se do sentido mais estudado.
Neste livro são tratados os diferentes assuntos de psicologia da percepção de uma maneira
simples e objetiva. Evitamos os relatos longos e detalhados e omitimos numerosos
experimentos realizados sobre assuntos específicos. Procurou-se enfatizar os principais
resultados experimentais e suas conclusões. Obviamente, em ciência não existem conclusões
definitivas. Foram omitidos também os aspectos controvertidos, a fim de dar maior clareza ao
texto. Convém, no entanto, mencionar que são numerosas as controvérsias no estudo da
percepção e, ao dar ênfase a uma ou outra explicação, fazemos opções, que sabemos serem
pessoais.
Este texto pode ser utilizado por alunos de Cursos de Psicologia e cursos afins, como, por
exemplo, Medicina, Enfermagem, Odontologia, Fisioterapia, Propaganda, Sociologia e Artes
Visuais. O texto também pode ser de interesse para o leitor não-estudante. Em parte ele foi
baseado na experiência que os autores tiveram ao ministrar a disciplina Psicologia da
Percepção para alunos de graduação de Cursos de Psicologia, o que lhe confere certos aspectos
"acadêmicos". Trata-se de um texto introdutório, o que significa dizer que é abrangente e não
se aprofunda em demasia nos tópicos tratados. Como tal, prepara o leitor para o estudo de
textos mais específicos e avançados sobre o assunto. Foi também com esta perspectiva que
organizamos a bibliografia, que não é uma relação das fontes consultadas para a redação deste
livro, tratando-se antes de mais nada de um le vantament
O leitor verificará que a quase totalidade das pesquisas mencionadas foram elaboradas por
cientistas estrangeiros. Gostaríamos de poder, em breve, ver um maior número de psicólogos
brasileiros atuando na área da Psicologia da Percepção.
xl
Você acha que a percepção que temos do nosso ambiente é perfeita? Antes de emitir sua
opinião, convém lembrar que não somos capazes de ouvir sons de alta freqüência (ultra-sons)
como os morcegos e os cães; não conseguimos ver o ultravioleta, como as formigas, as abelhas
e outros insetos; não percebemos campos elétricos ou magnéticos, como o fazem os peixes
elétricos e algumas aves migratórias; tampouco conseguimos sentir o cheiro deixado pelo
corpo de uma outra pessoa, fato corriqueiro na vida dos cães. Algumas destas incapacidades
serviram de inspiração para os escritores de ficção científica criarem seres fantásticos, dotados
de uma percepção da realidade diferente daquela que conhecemos.
Se você perguntar a dez pessoas quantos sentidos nós possuímos, a maioria responderá que o
ser humano possui cinco sentidos: visão, audição, tato, olfação e gustação. Talvez alguns
declarem que são dotados de um sexto sentido, cuja função raramente é definida com clareza,
proporcionando-nos a vaga impressão de tratar-se de uma modalidade sen
sorial enigmática que a ciência ainda não conseguiu compreender. Poucos acrescentarão à lista
dos sistemas sensoriais o sentido cinestésico. Ele nos permite perceber a posição dos membros
e o sentido do equilíbrio do corpo, também conhecido como sentido vestibular. Muito
raramente alguém menciona o sentido orgânico. Ele nos fornece informações sobre a
hidratação (sede), nutrição (fome), condição hormonal (sexo) e oxigenação (ar). Além disso,
convém lembrar que a visão, por exemplo, não é um só sentido. Compreende a visão de cores,
forma, movimento e outros, como veremos posteriormente.
Para um psicólogo, nem sempre é importante saber o número exato de modalidades sensoriais
do ser humano. E imprescindível, no entanto, saber para que servem e como funcionam, a fim
de compreender os comportamentos que dependem de uma correta percepção dos estímulos
do ambiente e das condições físicas e orgânicas do próprio corpo. Todos os nossos órgãos dos
sentidos têm características comuns: possuem receptores que são células nervosas
especializadas, capazes de responder a estímulos específicos. Recebem, transformam e
transmitem, para o restante do sistema nervoso, um grande número de informações existentes
no ambiente, na superfície e no interior do nosso organismo.
A especificidade dos sistemas sensoriais não é dada apenas pela especialização das células
receptoras. Também o é pelas vias ascendentes e suas conexões neurais com os centros
específicos do sistema nervoso central (áreas sensoriais primárias), onde ocorre a integração
da informação. Devido a esta especificidade, não somos capazes de ouvir música com os olhos,
nem ver cores com os ouvidos ou através da pele.
Os receptores são classificados de diferentes maneiras por diversos autores. Na tabela 1.1
foram reunidas duas das classificações mais freqüentemente encontradas. De acordo com a
primeira, os receptores sensoriais podem ser classificados em quatro grupos, de acordo com o
tipo de estímulo para o qual são especializados. Mecanorreceptores são sensíveis à energia
mecânica (pressão); termorreceptores são sensíveis à energia térmica (calor e frio);
fotorreceptores são sensíveis à energia eletromagnética (luz) e quimiorreceptores são sensíveis
à presença de substâncias químicas. Mecanorreceptores são responsáveis pela audição,
sentidos vestibular e cinestésico e pela sensação de pressão cutânea. Os termorreceptores
encontram-se na pele e em outras regiões do corpo humano. São sensíveis às modificações de
temperatura. Os quimiorreceptores são responsáveis pela olfação e gustação, acusando a
presença de substâncias químicas na
Alguns autores acrescentam um quinto grupo referente aos receptores da dor, denominados
nociceptores, os quais se encontram espalhados por quase todo corpo. Trata-se de receptores
que respondem à estimulação mecânica, térmica e química, desde que muito intensa, isto é,
capaz de injuriar o organismo. Entre as poucas regiões que não possuem receptores para a dor,
estão o cérebro e o colo do útero.
A classificação dos receptores de acordo com a localização dos estímulos, no entanto, não é
óbvia. A olfação poderia ser considerada um telerreceptor, porque nos possibilita receber
informações a respeito de objetos nem sempre próximos. Por exemplo, a presença de uma
fábrica pode ser percebida a grandes distâncias através da poluição por ela provocada. E
preciso considerar, porém, que tanto o cheiro agradável de uma flor quanto o cheiro aversivo
de águas poluídas só poderão ser percebidos quando algumas moléculas do perfume e das
substâncias poluentes entrarem em contato com as células receptoras olfativas alojadas em
nossas narinas. O mesmo não acontece com os telerreceptores propriamente ditos. A visão e a
audição proporcionam a percepção de objetos muito distantes. Não há necessidade de contato
com os mesmos.
Tabela 1.1. Classificação dos receptores sensoriais quanto à sua função e quanto à localização
dos estímulos.
No princípio do capítulo, vimos que as células receptoras são capazes de receber, transformar e
transmitir, para o restante do sistema nervoso, informações a respeito do ambiente.
magnética será captada também por termorreceptores de nossa pele. Neste caso, sentiremos
seu calor.
Nós "ouvimos" um gato miar quando a energia mecânica, produzida por suas cordas vocais, é
transferida para as moléculas existentes no ar e transmitida para nosso ouvido. Ela também
atinge outras regiões de nosso corpo. Porém, como lá não existem receptores para este tipo de
energia mecânica, só ouviremos o miar do gato com nossos ouvidos.
Todas as células receptoras, não importa qual a sua especialização, transformam a energia por
elas captada em um único tipo de energia, comum a todo o sistema nervoso: a energia
eletroquímica, cuja principal característica é o fluxo de íons através da membrana celular,
podendo dar origem ao impulso nervoso (fig. 1.1). Isto é, a resposta das células consiste em
uma mudança no potencial de repouso de suas membranas. Por exemplo, tanto um
fotorreceptor do olho quanto um termorreceptor da pele, quando estimulados, darão origem a
uma mesma resposta: modificação do estado iônico e de suas membranas. Esta transformação,
ou tradução de um tipo de energia em outro, é denominada transdução. E o processo que
caracteriza as células receptoras dos órgãos dos sentidos.
Dendritos
Axônio Impulso
Exterior
+ + + + +/ 4 + + + + + +j Membrana
1 lons negativos
Interior
+++++
+ + • + + ' 1 / í+ + + + + + ÷
Figura 1.1. Quando o neo ro n lo e a cio 1 epo o o. lii eq o i o ei te o i o n que se encontram nas
vizinhanças da membrana celular: no exterior da célula, nas proximidades da membrana,
encontram-se íons positivos e no interior, íons negativos. Por Outro lado, quando o neurônio
está ativo, isto é, quando conduz um impulso nervoso, ocorrem modificaçôes iônicas no meio
celular, dentre as quais destaca-se a migração de íons positi',os (Na +) para o interior da célula.
A migração destes fons através da membrana semipermeável altera momentaneamente as
características eletroquímicas da célula. (llustração segundo McGuigan, 1974.)
'Çiiizaçãodo
Fun
receptor
Exterorreceptores
Interorreceptores
Propriorreceptores
Telerreceptores
Proxirreceptores
Fotorreceptores
Visão
Mecanorreceptores
Audição
Tato (pressão)
Cinestésico Vestibular
Termorreceptores
Temperatura
Quimiorreceptores
Olfação
Olfação Gustação
Nociceptores
Dor
Dor
Dor
Funções orgânicas
Nutrição
Hidratação
Hormônios
Oxigenação etc.
Para haver transdução, isto é, para podermos ver uma luz, ouvir um som, sentir a temperatura
de um objeto, o cheiro e o gosto de uma substância, é preciso que o estímulo tenha uma
determinada intensidade. O receptor não será excitado por estímulos demasiadamente fracos.
No caso da olfação e da gustação, é a concentração, ou seja, o número de moléculas da
substância que determina a intensidade do estímulo.
Convém lembrar que o impulso nervoso se propaga de um neurônio para outro através de
estruturas funcionais denominadas sinapses. Em algumas destas sinapses, o impulso nervoso
provoca modificações nas substâncias químicas que se encontram nestes pequenos espaços
entre dois neurônios vizinhos. Estas modificações, por sua vez, desencadeiam um novo impulso
na célula seguinte. E nestas sinapses que age a maioria das drogas capazes de alterar a
sensibilidade e o comportamento, como os anestésicos, analgésicos, alucinógenos,
estimulantes e calmantes.
E no cérebro que as informações sobre o ambiente são integradas com nossas experiências
passadas (memória), nossas motivações e emoções presentes. Assim, você desiste de dar um
banho de água fria com a mangueira do jardim, pois, subitamente, lembra-se dos banhos
mornos recomen dado
na última visita ao veterinário. Você também se lembra que sua mãe proibiu terminantemente
banhos mornos no chuveiro do banheiro. Agora, seu estado emocional oscila entre a pena
sentida pelo cão molhado e frio e a preguiça de esquentar água no fogão para lhe dar um
banho no tanque. Você resolve a situação, decidindo enxugar seu cachorro com a toalha e
passar um pouco de perfume.
No momento que você está lendo esta página, seu cérebro também está recebendo
informações de outros estímulos do ambiente em que você se encontra. Por exemplo, a
posição em que se encontra o seu pé esquerdo, os ruídos do motor da geladeira, de um carro
passando na rua, do relógio mais próximo, a cor da pele de sua mão, a temperatura e o cheiro
do ar. Sua atenção, no entanto, não estava igualmente voltada para todos esses estímulos.
Alguns faziam parte de um fundo geral. Outros mereceram mais atenção; esta, no entanto,
deveria estar primordialmente voltada à leitura deste livro.
No capítulo 3, estudaremos melhor a natureza da atenção, para poder avaliar o papel que ela
desempenha na percepção.
Podemos adiantar, em resumo, que muitas coisas podem afetar a nossa atenção: nossas
necessidades, interesses e valores. Obviamente, nossa atenção é voltada para os estímulos
súbitos, novos e intensos. Estímulos intermitentes também são capazes de chamar nossa
atenção. A seleção dos estímulos mais importantes para nossa sobrevivêncía em um dado
momento é um fenômeno importante, pois, se prestássemos atenção igual a tudo que nos
cerca, os estímulos mais importantes não seriam investigados de forma a assegurar um
comportamento ajustado e bem-sucedido.
Córtex
Auditiva
Visual
Figura 1.2. As informações oriundas dos diferentes sistemas sensoriais são integradas em áreas
sensoriais primárias do córtex, como as áreas visual, auditiva e somato-sensorial. A integração
da informação proveniente de várias áreas sensoriais primárias ocorre nas chamadas áreas
associativas do córtex, que ocupam vastas extensões do cérebro. (Ilustração segundo Schmidt,
1980).
motor
Somatosensorial
Se alguém lhe perguntasse qual é o maior órgão do seu corpo, o que você responderia? O
fígado, o pulmão, o cérebro ou o intestino? Fisiologicamente, a pele pode ser considerada o
órgão mais extenso do ser humano. Para uma pessoa de estatura mediana, sua área
corresponde à de um tapete de, aproximadamente, 1,50 m. Em quase toda a sua extensão,
encontram-se pêlos. Relativamente, poucas regiões são desprovidas dos mesmos, como, por
exemplo, os lábios, a palma das mãos, a sola dos pés e algumas áreas dos órgãos genitais. Esta
vasta superfície que nos reveste possui três tipos de receptores: mecanorreceptores,
termorreceptores e nociceptores. Sentimos cócegas, vibração e a pressão que os objetos
exercem sobre nossa pele através dos mecanorreceptores. Os termorreceptores respondem
quando ocorrem mudanças de temperatura na pele, acarretadas pelo contato com objetos
mais frios ou mais quentes que ela. Os nociceptores são responsáveis pela sensação de dor
causada por uma grande variedade de estímulos. Por exemplo, pressão e calor excessivos, frio
intenso, cortes, picadas, pancadas, beliscões. Isto é, estímulos capazes de danificar o tecido
atingido, podendo produzir lesões. A diferença psicológica entre um afago e um tapa é óbvia:
um é agradável, o outro dói. A diferença física entre os dois, no entanto, é bem mais sutil:
ambos são estímulos táteis que consistem de pressão exercida sobre a pele. A característica
que os distingue é a intensidade do estímulo, o que leva à excitação de receptores cutâneos
diferentes.
A pele é o limite externo de nosso corpo. Sobre ela incide todo tipo de energia. Ela é iluminada
pela luz que vemos com nossos olhos, é atingida pelos sons que fazem vibrar nossos tímpanos
e pelas moléculas de
perfume que penetram pelas nossas narinas. Porém, nossa pele não capta estes detalhes de
nosso ambiente. Ela nos proporciona, no entanto, informações importantes a respeito de
outros aspectos da realidade que nos cerca. Pense, por um momento, na sua sensação quando
uma minúscula abelha anda sobre seu braço. Ela é tão pequena e tão leve. Ainda assim, você a
percebe. Isto ocorre porque as patas do inseto deformam a pele de seu braço e os pêlos nos
quais esbarram. Esta leve pressão exercida sobre a pele e os pêlos é energia mecânica
suficiente para estimular os mecanorreceptores. No caso de uma picada de abelha, sentimos
dor devido às injúrias causadas pelo ferrão e pela substância química injetada na epiderme. O
peso do inseto estimula os mecanorreceptores; a danificação e irritação do tecido epitelial
estimulam os nociceptores. Se, em lugar da abelha, tivéssemos uma minhoca fria e úmida,
você imediatamente perceberia a diferença. Porque, além dos mecanorreceptores, os
termorreceptores, sensíveis à queda de temperatura, também seriam estimulados.
O grande número de fibras nervosas que chegam até a pele, responsáveis pelo exuberante
conjunto de sensações cutâneas, são basicamente de quatro tipos: terminações nervosas
livres; terminações com extremidades expandidas ou dilatadas (discos ou corpúsculos de
Merkel ou Ruffini); terminações encapsuladas (corpúsculos de Paccini, Meissner, Golgi e
Krause); nas regiões dotadas de pêlos, encontra-se um receptor adicional, denominado
terminação nervosa folicular ou peripilosa, que envolve a raiz dos pêlos (fig. 1.3). A princípio,
supunha-se que cada um destes diferentes tipos de receptores fosse sensível a apenas um tipo
de estímulo. Entretanto, por meio de experimentos criteriosamente elaborados, esta hipótese
foi rejeitada. O contra-exemplo mais famoso foi fornecido pelos resultados obtidos com a
estimulação tátil da córnea, uma região inervada apenas por terminações livres. Aplicando-se
estímulos mecânicos térmicos e dolorosos sobre esta parte do olho, as pessoas relatavam
todas as modalidades de sensação: pressão, frio, dor e calor.
A sensibilidade da pele varia de uma região do corpo para outra. Isto é, um estímulo fraco,
imperceptível em um determinado ponto da pele, pode ser suficientemente intenso para ser
percebido em outras regiões. De forma muito simplificada, podemos dizer que a intensidade
mínima necessária para que um estímulo possa ser percebido é conhecida como limiar (no
capítulo 2 você encontrará informações detalhadas a respeito do estudo dos limiares do ser
humano). Podemos afirmar, portanto, que quanto maior o limiar menor a sensibilidade.
Figura 13. Alguns dos numerosos tipos de mecanorreceptores existentes tanto na pele glabra
(a) como na pele dotada de pêlos (b) foram ilustrados esquematicamente. Terminações livres e
corpúsculos de Pacini podem ser encontrados em ambos os tipos de pele. No entanto,
terminações nervosas foliculares ou peripilosas só ocorrem nas regiões dotadas de pêlos (b).
(Ilustração segundo Schmidt, 1980.)
do compasso, os sujeitos já conseguiam relatar que haviam sido estimulados em dois pontos
da língua e não em apenas um. No dorso, por outro
lado, as mesmas pessoas só eram capazes de tais proezas quando a distância entre as duas
pontas do compasso atingia 70 mm. Trata-se, portanto, de uma região bem menos sensível,
uma vez que, nas situações experimentais em que a distância entre as duas pontas do
compasso era inferior a 7 cm, as mesmas eram percebidas como sendo uma única ponta
exercendo pressão sobre a pele.
Na figura 1.5 encontra-se uma secção transversal através do córtex sensorial, mostrando as
diferenças de tamanho das áreas desta região cortical
Epiderme
Tecido
subcutâneo
Pele
Ponta da língua
Ponta do indicador
Lábios
Bordo da língua
Palma da mão
Fronte
Dorso da mão
Dorso do pé
Pescoço
Dorso
-
1 2 3 4 5mm
O 10 20 30 40 50 60 7Omm
10
11
a língua, o pé, a ponta do dedo indicador e a palma da mão. Bem diversas são as condições de
regiões de pouca sensibilidade, como, por exemplo, o tronco, a perna e o cotovelo. Esta
representação distorcida da superfície corporal foi denominada de homúnculo sensorial ou
homúnculo de Penfleld em homenagem ao pesquisador que descobriu este importante
aspecto da diferença de sensibilidade tátil.
b)ferio
e maxilares
12
13
Para o cérebro
energia mecânica exercida sobre eles, preservam informações sobre a posição, velocidade e
direção do movimento articular. Estes três tipos de receptores sensíveis à energia mecânica,
situados nos músculos, tendões e articulações, fornecem informações sobre características
qualitativas da propriocepção: sensibilidade postural (percepção da posição dos membros,
mesmo no escuro), sensibilidade aos movimentos (percepção da direção e velocidade do
movimento) e sensibilidade para força (percepção da for-
ça exercida em cada movimento).
cair em linha reta no chão (aceleração linear), ou cair lentamente para a frente ou para trás,
enquanto nosso corpo descreve uma trajetória circular (aceleração angular). Estes dois tipos de
aceleração são os estímulos captados pelos mecanorreceptores do labirinto ou aparelho
vestibular.
Fibras motoras
14
15
O órgão vestibular consiste em duas cavidades alojadas no osso temporal do crânio, nas
imediações da cóclea, que se encontra no ouvido interno. Há uma de cada lado da cabeça e
são repletas de fluido (endolinfa). Cada cavidade é constituída de duas partes distintas: três
canais semicirculares e duas estruturas saculiformes, o sáculo e o utrícolo. As células
receptoras encontram-se na cúpula de uma região dos canais semicirculares, denominada
ampola. Respondem a movimentos circulares e rotatórios da cabeça e os impulsos nervosos
resultantes da transdução propagam-se pelo nervo vestibular. Nas regiões das máculas do
sáculo e do utrícolo, encontram-se células receptoras que respondem a movimentos retilíneos
(para a frente - para trás; para cima - para baixo; para a direita
1.7. Olfato
O sentido do olfato permite-nos distinguir uma série de substâncias químicas pelo seu cheiro.
As sensações olfativas são transmitidas por uma série de células sensoriais, alojadas em uma
pequena região do epitélio olfativo, que reveste a cavidade nasal (fig. 1.8a). Estas células são
estjmuladas por uma mistura de ar e moléculas. Estes se desprendem de objetos contidos em
nosso ambiente. Isto é, a presença de um objeto-estímulo, de uma pessoa ou de uma
substância, como um perfume francês, só poderá ser detectada por nosso olfato se algumas de
suas moléculas atingirem as células sensoriais olfatórias sensíveis a elas. Compreende-se,
portanto, por que substâncias muito voláteis, como, por exemplo, éter, álcool e gasolina são
tão prontamente percebidas por estes quimiorreceptores. A volatilidade de uma substância é
necessária, porém não é suficiente. E preciso também que suas moléculas sejam solúveis no
muco que reveste a região olfa a
Figura 1.7. a) O aparelho vestibular é formado por três canais semicirculares, sáculo e utrículo.
b) A ampliação no alto da figura mostra os mecanorreceptores, células ciliadas que se
encontram nas ampolas dos canais semicirculares e nas máculas do saculo e utrículo. Nas
ampolas, os cílios destas células reúnem-se formando a crista. Esta, envolta por uma substância
gelatinosa, dá origem à cúpula, que fica mergulhada na endolinfa e oscila quando o líquido se
agita em decorrência dos movimentos da cabeça. Desta oscilação resulta a deformação dos
cílios que excita as células receptoras, desencadeando os impulsos nervosos que serão
enviados para o cérebro. (ilustração a, segundo Alpern, 1971.)
tória da cavidade nasal. Deste modo, podem entrar em contau' com os cílios dos receptores
olfativos que ali se encontram mergulhados (fi. 1 8b).
Ampola
vestibular auditivo
Sáculo
Ducto coclear
16
17
1.8. Gustação
Figura 1.8. a) Os receptores do olfato encontram-se na parte superior da cavidade nasal e estão
em contato direto com o bulbo olfatório, que é uma estrutura do cérebro. b) A ampliação no
alto da figura mostra as células receptoras ciliadas, cujos cílios encontram-se mergulhados no
muco que reveste a cavidade nasal, onde se dissolvem as moléculas das substâncias que
excitam os cílios destas células. (Ilustração a, segundo Mcouigan, 1974.)
A importância do olfato para a sobrevivência dos organismos pode ser avaliada, constatando-se
que uma parte das substâncias odorosas naturais é produzida por flores e frutos, pela
decomposição de organismos mortos e pelas glândulas de alguns animais. Isto é,
desempenham o importante papel de estímulos discriminativos, que sinalizam a presença de
alimento, perigo ou de parceiros sexuais. Porém, nem todas as substâncias dotadas de
volatilidade e solubilidade são capazes de desencadear a sensação de cheiro. Para explicar por
que determinadas substâncias são inodoras, enquanto outras possuem odor, isto é, para
esclarecer a função olfativa, foram elaboradas diversas teorias. Dentre elas, a mais conhecida é
a teoria estereoquímica desenvolvida por Amoore. Este pesquisador verificou que todos os
odores podiam ser agrupados em apenas sete categorias: canfórico, almiscarado, floral, de
hortelã, etérico, penetrante e pútrido. Verificou, também, que uma grande parte das
substâncias percebidas como pertencentes a uma destas sete categorias possuía forma e
tamanho molecular semelhantes. Este fato levou-o a estabelecer uma relação hipotética entre
a forma e o tamanho da molécula de uma substância química e o seu cheiro.
Poro gustativo
Receptores gustativoS
Figura 1.9. Os corpúsculos gustativos encontram-se nas papilas gustativas da língua. São
formados por um aglomerado característico de células receptoras, que lançam seus
prolongamentos (microvilosidades) para o poro gustativo, onde entram em contato com
moléculas de substâncias dissolvidas na saliva, resultando na excitação dos receptores.
(Ilustração segundo McGuigan, 1974.)
Odor
Receptor olfativo
Cavidade nasal
Superfície da língua
Células-suporte
Para o cérebro
Fibras nervosas
18
19
1.9. Audição
Quando você liga um rádio portátil, a membrana de seu alto-falante começa a vibrar. Esta
vibração é transferida para as moléculas de ar mais próximas. Estas, por sua vez, transmitem a
energia mecânica assim recebida para as moléculas vizinhas, permitindo a propagação da
energia a grandes distâncias. Se colocássemos o rádio em um recipiente do qual fosse retirado
todo o ar, deixaríamos de ouvir o som porque a vibração de seu alto-falante não se propagaria
no vácuo. O som se propaga em forma de ondas que se deslocam no ar a uma velocidade de,
aproximadamente, 340 metros por segundo, e de forma mais rápida na água (fig. 1.11). Trata-
se, portanto, de uma velocidade comparável à dos modernos aviões a jato, com exceção dos
supersônicos capazes de se deslocarem a velocidades superiores à do som. As ondas sonoras
podem ser divididas em ciclos. Sua freqüência depende do número de ciclos por segundo - cps
- (ou Hertz) e é responsável pela diferença entre um tom grave e um tom agudo, uma nota Dó
e uma nota Mi. A nota Lá, usada para afinar os instrumentos
Para o cérebro
Nervo
glossofaríngeo'
Nervo facial
Ponta da língua
4 Um ciclo
Onda sonora
- tom puro
20
21
musicais, tem 400 ciclos por segundo. Tons de alta freqüência, acima de
700 cps, são percebidos como agudos. Tons de baixa freqüência, abaixo
O nosso ouvido não é igualmente sensível a todos os tons. Somos mais sensíveis a tons cuja
freqüência oscila entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. A sensibilidade não é a mesma para
todos os animais dotados de audição. Cães e morcegos, por exemplo, são capazes de ouvir tons
para os quais o ser humano é insensível. As ondas sonoras, vindas de longe ou de perto,
encontram nossas orelhas, penetram pelo canal auditivo e, finalmente, atingem a membrana
timpânica. Esta passa a vibrar na mesma freqüência que a fonte sonora.
Nosso ouvido é constituído por três partes bem distintas: ouvido externo, médio e interno (fig.
1.12). A orelha e o canal auditivo fazem parte do ouvido externo, que é separado do ouvido
médio pelo tímpano. No ouvido médio, encontra-se um conjunto de três ossos muito
pequenos conhecidos como ossículos. O primeiro ossículo, chamado martelo, apóiase na
membrana timpânica e transfere para os seguintes, denominados bigorna e estribo, a vibração
recebida. O último ossículo apóia-se sobre uma membrana conhecida como janela oval, que
separa o ouvido médio do ouvido interno. Ela é responsável pela transferência da vibração para
a região mais interna do ouvido. O ouvido interno consiste de um canal repleto de líquido e
enrolado como um caracol, denominado canal coclear. Dentro deste canal, ao longo de toda
sua extensão, encontra-se a membrana basilar, com suas células ciliadas. Estas células são os
receptores da audição. Eles respondem à deformação, tração ou torção produzidas pela
vibração do líquido no qual estão mergulhados.
Diferentes tipos de fontes sonoras, por exemplo, campainhas, instrumentos musicais (de corda,
como o berimbau e o violão, ou aqueles dota-
Nossa sensibilidade é maior para tons de 2.000 a 3.000 cps. Isto significa que tons com esta
característica qualitativa podem ser ouvidos em intensidades muito baixas (fig. 1.13). Por outro
lado, os tons de 20 ou 20.000 cps deverão ser muito intensos, uma vez que somos pouco
sensíveis a eles. Qualquer tipo de tom dentro da nossa faixa de audibilidade, no entanto,
necessita sempre de um mínimo de energia para que possa ser ouvido. Es-
Figura 1.12. a) O ouvido é composto de três partes: ouvido externo, ouvido médio e ouvido
interno. O ouvido externo consiste no pavilhão auditivo (orelha) e no canal auditivo. Após
penetrar no ouvido através destas estruturas, a onda sonora choca-se contra a membrana do
tímpano, que separa esta parte do ouvido médio. A trompa de Eustáquio liga o ouvido médio à
faringe, permitindo assim que a pressão do ar existente nesta parte do ouvido seja igual à
pressão do outro lado da membrana timpânica. As vibrações provocadas pela onda sonora
sobre o tímpano são transmitidas à cadeia dos três ossículos (martelo, bigorna e estribo), que
por sua vez as transmitem a outra membrana, conhecida como janela oval, fronteira entre
ouvido médio e ouvido interno. Esta última parte do ouvido contém a côdea, uma estrutura
tubular dentro da qual se encontram outros tubos como o canal coclear, a rampa timpânica e a
rampa vestibular. b) As células receptoras localizam-se sobre a membrana basilar, que se
estende através de todo canal coclear. Trata-se de células ciliadas, cujos cílios, mergulhados na
endolinfa contida no canal, estendem-se até a membrana tectória. Os cílios encontram-se,
portanto, presos entre as duas membranas. A vibração das estruturas do ouvido, causada pelo
som, provoca a flexão, torção e tração dos cílios, resultando na excitação das células receptoras
e dando origem ao impulso nervoso que será enviado ao cérebro. Observe que as vibrações
sonoras são transmitidas através de um meio gasoso no ouvido externo (ar), a seguir são
transferidas para um meio sólido (ossículos) no ouvido médio, e finalmente no ouvido interno
propagam-se através de um meio líquido (endolinfa). (Ilustração a, adaptada de McGuigan,
1974; b, adaptada de Mueller.)
22
23
Freqüência
Figura 1.13. A curva do gráfico corresponde ao limiar absoluto da audição e mostra que o ser
humano não é igualmente sensível a diferentes tons (freqüências), uma vez que a intensidade
mínima necessária para que possam ser ouvidos (limiar) é grande para os tons de freqüência
muito baixa (20 Hz) e de freqüência muito alta (16.000 Hz). O contrário ocorre com tons
compreendidos em regiões intermediárias da faixa de audibilidade (4.000 Hz), que são ouvidos
com pouca intensidade, uma vez que é muito acentuada a sensibilidade a este tipo de
freqüência. A faixa designada "Região da fala" corresponde ao conjunto de freqüências e
intensidades das quais a voz humana se compõe. Observe que as freqüências contidas na fala
correspondem aos valores aos quais somos mais sensíveis. (Ilustração adaptada de Schmidt,
1980.)
Nos grandes centros urbanos, o barulho é cada dia mais intenso. Esporadicamente, surgem
pesquisas feitas com seres humanos e animais, mostrando as conseqüências da poluição
sonora para a saúde física e mental. No ser humano, a poluição sonora é responsável por
distúrbios circulatórios gástricos e perda da audição. A saúde mental pode ser afetada quando
o indivíduo não consegue dormir o número mínimo de horas necessárias para um repouso
adequado, ou quando a poluição sonora o impede de raciocinar, dificultando a execução de
tarefas que exigem concentração. Disto pode resultar um elevado grau de ansiedade que
dificulta o ajustamento do sujeito ao seu ambiente.
de ondas muito longas (como, por exemplo, ondas de rádio, televisão e infravermelho) e ondas
curtas (como, por exemplo, o ultravioleta, os raios X, raios gama e raios cósmicos) (lâmina 1.1,
ver p. 119). Apenas as ondas de 450 a 750 nm (namômetros) são captadas e transduzidas pelos
fotorreceptores do olho. Este pequeno conjunto de ondas corresponde a aproximadamente
1/100 de toda a energia eletromagnética conhecida. As ondas de 450 nm, quando captadas
pelos receptores do olho, dão-nos a sensação de azul. Diante de ondas um pouco mais curtas,
temos a sensação de ver o violeta. Ondas mais curtas ainda, da região do ultravioleta, não são
percebidas, uma vez que nossa córnea e nosso cristalino filtram estes comprimentos de onda.
Além disso, os fotorreceptores são pouco sensíveis a esta faixa do espectro.
Existe porém, entre os animais invertebrados, uma infinidade de espécies que possuem
receptores para esta faixa de espectro. Por exemplo, as abelhas, as formigas e outros insetos.
Ondas de 500 nm dão a sensação de verde e de 750 nm, de vermelho. As ondas mais longas,
denominadas infravermelho, não são captadas pelo olho. Elas correspondem a ondas térmicas
que estimulam termorreceptores da pele e dão origem à sensação não de uma cor, mas de
calor. Eis aí um dado intrigante: dois estímulos que, fisicamente, correspondem a ondas
eletromagnéticas muito semelhantes (quanto a intensidade e comprimento de onda) nos
proporcionam sensações muito diferentes - um é responsável pela sensação de "vermelho"
A sensação das cores, da claridade, da escuridão e do brilho dos objetos nos é proporcionada
por um conjunto de células receptoras que revestem o interior do globo ocular. Trata-se de
células nervosas especializadas, sensíveis a uma pequena faixa da energia eletromagnética
existente no universo. Esta faixa da energia é denominada espectro visível (fig. 1.14) ou,
simplesmente, luz. Além da luz, a energia eletromagnética compreen Figur
1.14. O espectro de radiações eletromagnéticas pode ser dividido em uma região visível e
outras não visíveis. A parte inferior da figura mostra o espectro que é visível como luz de várias
cores e corresponde a uma região muito pequena do espectro total ilustrado na parte superior
da figura. Tanto ondas eletromagnéticas muito longas (ondas de rádio, radar e infravermelho),
como ondas muito curtas (raios gama, raios X e raios ultravioleta) não são visíveis para o ser
humano.
dB
100
80
60-
40
20
co
co
o,
• cl)
Regilo da tala
20
63
1.10. Visão
Muito Muito
longas curtas
Raios
Raios
gama
Espectro visível
-4
24
25
- -,-
-.-
z :z
;::
:-1--
'E
E
-
Ondas de rádio
11
1 Radar 1
Infra- I
vermelho 1
I Ultra- 1
1 violeta
e outro, pela de "calor". Deve-se isto ao simples fato de serem captados e transduzidos por
receptores pertencentes a sistemas sensoriais muito
distintos.
Nossos olhos são compostos por um conjunto de estruturas destinadas à captura e ao controle
da luz que penetra em seu interior. Para facilitar a compreensão da localização e do
funcionamento dessas estruturas, sugerimos que você consulte a figura 1.15. Como é possível
ver, trata-se de um órgão bastante complexo, composto de diversos elementos. Alguns são
transparentes, permitindo a passagem da luz - são conhecidos como aparelho dióptrico. A
conjuntiva, por exemplo, é a parte anterior do glo Par
o cérebro
Figura 1.15. O olho é um órgão muito complexo, composto de diversas partes, algumas das
quais são transparentes como a córnea, o humor aquoso contido na câmara anterior do globo
ocular, o cristalino e o humor vítreo, substância gelatinosa que ocupa toda a câmara posterior.
Depois que passou por estes elementos, a luz atinge e atravessa todas as camadas da retina,
uma vez que os fotorreceptores se encontram na última, adjacente à membrana coróide. Esta é
constituída por uma rede de vasos sanguíneos e encontra-se entre a retina e a esclerótica, que
é a estrutura mais externa, responsável pela forma característica do globo ocular. Córnea e
cristalino formam o sistema óptico responsável pela focalização da imagem sobre a fóvea, a
região mais delgada da retina. A fóvea também é conhecida como mancha amarela ou mácula
lútea. Há na região posterior do globo ocular um pequeno orifício, por onde penetram vasos
sanguíneos e fibras do nervo óptico, conhecido como ponto cego, no qual não há receptores. O
cristalino é mantido na sua posição por um conjunto de delicadas fibras que partem de sua
borda e se inserem no músculo ciliar; são as fibras da zônula, estruturas responsáveis pela
rcomodação do cristalino. L.ogo à frente do cristalino encontra- se o conjunto de músculos que
formam a íris e a pupila, o orifício pelo qual a luz penetra no olho. (Ilustração adaptada de
Schmidt, 1980.)
bo ocular, a primeira, portanto, a ser atravessada pela luz. A seguir encontra-se a córnea.
Constitui-se numa lente poderosa, responsável pela convergência dos raios luminosos sobre a
retina. Desprovida de vasos sangü mneos, torna-se muito vulnerável às infecções. Por outro
lado, a ausência de vasos permite a perfeita passagem da luz e diminui o risco da rejeição de
enxertos, o que torna o transplante de córneas uma operação bastante simples e segura. No
Brasil, o transplante não é realizado com maior freqüência por falta de córneas no banco de
olhos.
A córnea transparente funde-se com a esclerótica, a parte branca e externa do globo ocular.
Esta região não transparente é ricamente irrigada por vasos sangüíneos. Eles se tornam visíveis
quando choramos, por exemplo.
Há uma pequena região do nosso olho que foi cantada em prosa e verso por poetas de todo o
mundo:
"Teus olhos (ão negros, tão belos, (ão puros, de vivo luzir "Olhos encantados, olhos cor do mar
Estamos nos referindo à fris. Encontra-se logo atrás da córnea. Consiste em um conjunto de
músculos e células pigmentadas, responsáveis por
sua coloração característica: azul, verde, castanho ou preto. A íris tem forma de disco. No
centro, há um orifício, por onde penetra a luz refletida dos objetos do ambiente. Esta abertura,
que parece uma pequena mancha preta, é a pupila. Quando a luz é muito intensa, ela se
contrai. Aumenta de diâmetro no escuro, chegando a ficar 7 vezes maior. Este fenômeno é
facilmente observável. Peça para um colega de íris clara olhar para uma pare-
de ou folha de papel branca bem iluminada, enquanto você observa o tamanho da pupila dele.
A seguir, peça para ele cobrir os olhos abertos com as palmas das mãos por um breve período
de tempo e depois retirar rapidamente as mãos, enquanto permanece olhando para o objeto
claro. Você
verá nitidamente a pupila, que havia aumentado de diâmetro no escuro, diminuir, contraindo-
se rapidamente. Trata-se de uma resposta reflexa dos músculos da íris que evita a entrada de
quantidades excessivas de luz no olho. Na penumbra, por outro lado, é preciso que a pouca luz
existente penetre no olho para facilitar a visão. Isto é favorecido pelo aumento da pupila.
Entre a córnea e a íris encontra-se a câmara anterior do olho, repleta de fluido transparente,
conhecido como humor aquoso. Atrás da íris, na câmara posterior, encontra-se o cristalino. Ele
funciona como uma lente
elástica que, junto com a córnea, é responsável pela focalização precisa da imagem sobre a
retina, fenômeno denominado de acomodação. A acomodação da imagem de objetos a
diferentes distâncias é obtida pelas mudanças na espessura do cristalino. A medida que as
pessoas envelhecem, o cristalino perde a sua elasticidade. A sua capacidade de acomodação
26
27
fica reduzida (presbiopia). No entanto, isto pode ser contornado com o emprego de lentes
corretivas capazes de restaurar a visão de objetos próximos. A leitura muito freqüente e o
trabalho com objetos muito próximos dos olhos pode causar problemas semelhantes em
pessoas jovens, O uso de óculos também é necessário quando ocorrem deformações do globo
ocular. Ele pode tornar-se achatado (miopia ou hipermetropia) (fig. 1.16) ou apresentar uma
córnea cuja curvatura não é perfeitamente esférica (astigmatismo).
Figura 1.16. Miopia e hipermetropia referem-se a deformações do globo ocular. O olho míope é
alongado, não permitindo que se formem imagens nítidas de objetos distantes sobre a retina
(a). Para corrigir este problema, a pessoa míope (sem óculos) costuma aproximar os objetos
dos olhos (b). Com o uso de lentes corretivas (óculos), passa a ver normalmente (c). O oposto
ocorre com o olho hipermetrope, que é muito curto, não permitindo a formação de imagens
nítidas de objetos próximos sobre a retina (d). Para superar esta dificuldade a pessoa
hipermetrope afasta os objetos dos olhos (e). O emprego de lentes corretivas devolve a visão
normal (t).
Atrás do cristalino, encontra-se a câmara posterior. Ela é formada pelo espaço interno do globo
ocular, ocupado por uma substância transparente e gelatinosa, o humor vítreo. Quase toda a
superfície interna desta câmara é revestida pela retina, formada pelas células receptoras e
outras células nervosas. A imagem dos objetos é focalizada com maior precisão sobre um
ponto da retina denominado fóvea. Este se apresenta como uma pequena depressão, cujo
diâmetro chega a ter um milímetro de extensão. E com esta minúscula região do olho que
vemos as cores e os detalhes das coisas que nos cercam. Atrás da retina, encontra-se uma rede
de vasos sangüíneos conhecida como camada coróide. Finalmente, a camada branca e mais
externa do olho, a esclerótica, constituída de tecido de sustentação, é responsável pela forma
característica do globo ocular.
Na retina encontram-se diversos tipos de células. A camada de fotorreceptores é formada pelas
células nervosas sensíveis à luz. Na figura 1.17 você encontrará uma ilustração esquemática da
retina. Preste atenção a um detalhe interessante e muito intrigante: após atravessar todas as
estruturas transparentes do olho, a luz atinge finalmente a retina; porém, antes de ser
absorvida pelos fotorreceptores, terá que atravessar também todas as camadas da própria
retina, uma vez que os receptores estão localizados na última camada e virados para trás. A
primeira camada corresponde a fibras nervosas que darão origem ao nervo óptico. A seguir, a
luz atravessa a camada das células ganglionares, amácrinas, bipolares e horizontais.
Finalmente, na última camada da retina, a luz é absorvida pelos fotorreceptores que ali se
encontram. A reação fotoquímica dos receptores dá origem a uma resposta neural, que é
transmitida às células bipolares. Estas, por sua vez, transmitem seus sinais às células
ganglionares, cujos axônios se agrupam. Formam, assim, o nervo óptico, que levará os impulsos
nervosos ao sistema nervoso central. As células amácrinas e horizontais proporcionam a
comunicação entre neurônios de uma mesma camada, permitindo uma sofisticada elaboração
da informação captada pelos receptores. Na realidade, a atividade da retina é tão complexa
que pode ser considerada um "minicérebro"
cones (6 milhões) e bastonetes (120 milhões), devido à sua forma aproximadamente cônica e
cilíndrica, respectivamente. Os bastonetes localizam- se na periferia da retina e são excelentes
detectores de luz graças à rodop Olh
miope
Olho hipermetrope
Aproximando-se do objeto
28
29
Célula horizontal
i- Células bipolares
Células ganglionares
Fibras nervosas
Para o cérebro
Figura 1.17. A retina é formada de diversas camadas de células nervosas. Na primeira camada a
ser atravessada pela luz, encontram-se as fibras nervosas que formarão o nervo óptico. Na
segunda camada, organizam-se as células ganglionares que dão origem a estas fibras nervosas.
A seguir encontra-se um conjunto de neurônios, as células amácrinas, que através de sinapses
múltiplas entre as células ganglionares permitem uma ampla difusão da informação recebida
por cada uma delas, transmitindo o impulso nervoso a numerosas células vizinhas. A camada
das células bipolares é formada de neurônios que recebem a excitação de diversos
fotorreceptores e transmitem esta informação para as ganglionares. Entre a camada de células
fotorreceptoras e as bipolares há uma camada de células horizontais que é responsável pela
difusão da informação entre receptores vizinhos. Finalmente, a luz atinge a última camada de
células nervosas, os fotorreceptores, onde é absorvida pelos cones e bastonetes para, após a
sua transdução, dar origem ao impulso nervoso que se propagará para as demais células da
retina. No seu trajeto para o cérebro, o impulso nervoso é transmitido das células bipolares
para as ganglionares e finalmente através do nervo óptico deixa a retina e segue em direção ao
cérebro. Por Outro lado, as camadas de células horizontais e amácrinas são responsáveis pela
difusão de informação dentro de uma mesma camada. (Ilustração adaptada de Boycott e
Dowling, no livro de Schmidt, 1980.)
Figura 1.18. Para você se convencer de que existe um ponto cego na retina do olho direito,
proceda da seguinte maneira: segure o livro com o seu braço estirado, feche seu olho esquerdo
e olhe fixamente para o ponto da figura. A seguir, aproxime lentamente o livro de seus olhos.
Você notará que, em dado momento, o passarinho desaparecerá permanecendo, no entanto,
as grades da gaiola. Isto ocorre porque o ponto cego corresponde a uma pequena área da
retina, sobre a qual agora incide a imagem do passarinho, que não é percebido.
sina, substância fotossensível neles encontrada. Muito sensíveis à luz, são responsáveis pela
visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações no nível de
iluminação se torna importante. Se
quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto que surge na periferia do nosso campo visual,
e cuja luz foi captada pelos bastonetes da periferia da retina, teremos que movimentar os
olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão, sobre a região central dos
cones da fávea. Os receptores desta região, no entanto, somente reagem quando a luz
Os três tipos de cones diferem quanto ao tipo de substância fotossensível neles contida. Um
tipo de cone capta principalmente a luz de comprimento de onda curta, proporcionando-nos a
sensação do azul. A substância química fotossensível que reage a estes comprimentos de ondas
foi denominada cianolábio (do grego: ciano azul; lábio, do verbo lambdno = captador).
Epitélio pigmentado
Bastonete
retiniano
Célula amácrina
Incidência da luz
30
31
Você certamente se recorda de ocasiões em que, depois de andar por uma rua ensolarada e
entrar em um cinema, a princípio você não consegue ver nada além da imagem projetada na
tela. Lentamente, é possível vislumbrar uma poltrona vazia. Somente muito tempo depois, é
possível ver outros objetos e pessoas a seu redor com maior clareza. Passada uma hora, com os
olhos completamente adaptados ao escuro, para grande surpresa sua, você consegue ver com
nitidez até mesmo pessoas distantes. Em condições controladas de laboratório, é possível
mostrar que os bastonetes precisam de mais tempo do que os cones para atingir a sua
sensibilidade máxima. Mas, uma vez completamente adaptados ao escuro, sua sensibilidade à
luz é mais pronunciada que a dos cones. Isto quer dizer que os bastonetes reagirão diante de
estímulos luminosos bem mais fracos (de menor intensidade).
Na figura 1.19 encontram-se os resultados obtidos em uma situação experimental deste tipo.
Foram reunidas medidas obtidas em três situações distintas: projetando-se um diminuto feixe
de luz numa região do olho dotada tanto de cones como de bastonetes, foi obtido o traço
contínuo. Na realidade, este consiste em dois "degraus": o superior corresponde à adaptação
ao escuro dos cones e o inferior à dos bastonetes. A linha tracejada superior foi obtida
projetando-se um feixe de luz sobre a fóvea. E a linha tracejada inferior foi obtida projetando-
se um feixe de luz sobre os bastonetes de uma pessoa que não possuía cones; portanto,
completamente cega a cores. Como se pode verificar, a curva de dois "degraus" corresponde à
adaptação ao escuro de uma região mediana da retina, onde são encontrados tanto cones
quanto bastonetes. Estes resultados mostram que os dois tipos de receptores se comportam
de forma bem distinta
no escuro.
A descrição das diversas modalidades sensoriais vista nas páginas anteriores deixa claro que os
mecanismos de captação de energia do ambiente e a fisiologia da transdução são os mesmos
em todos os seres humanos.
O 5 10 15 20 25 30min
Figura 1.19. Curvas de adaptação ao escuro. A linha contínua (a) corresponde ao curso da
adaptação ao escuro, numa região nas vizinhanças da fóvea de um indivíduo possuidor de
visão normal, em que são encontrados tanto cones como bastonentes. Verifica-se que a curva
é composta por duas partes bem distintas. A curva pontilhada (b) corresponde à adaptação ao
escuro da fóvea, região em que existem apenas cones. Verifica-se que a curva corresponde
perfeitamente ao primeiro degrau da curva anterior, mostrando que a adaptação ao escuro
inicial do olho humano é devida ao aumento de sensibilidade dos cones, o que ocorre durante
os primeiros 7 ou 8 minutos no escuro. A linha tracejada (c) foi obtida com uma pessoa cuja
retina era dotada apenas de bastonetes. Isto é, desprovida de cones, era totalmente cega a
cores (visão monocromática). Verifica-se que esta curva corresponde perfeitamente à segunda
parte da primeira curva (a), demonstrando que a sensibilidade máxima do olho humano só é
atingida após 25 ou 30 minutos de adaptação ao escuro, ocasião em que estímulos de
pouquíssima intensidade podem ser vistos. Esta sensibilidade acentuada é devida à adaptação
dos bastonetes e ocorre muito tempo depois da adaptação inicial dos cones. (Ilustração
adaptada de Schmidt, 1980).
O que difere de uma pessoa para outra, diante de uma mesma situação de estímulos, é a
percepção. Ou seja, a seleção e interpretação dos dados sensoriais. Todo conhecimento que
temos de nosso próprio corpo e do ambiente, constituído tanto de nossos semelhantes quanto
de objetos inanimados, é fornecido por nossos órgãos dos sentidos. Eles transformam
diferentes tipos de energia (mecânica, térmica, eletromagnética etc...) em energia
eletroquímica, que chega ao nosso cérebro na forma de impulsos nervosos. No cérebro, serão
integradas as informações provenientes dos diversos órgãos sensoriais. Isto, porém, não basta
para nossa percepção do ambiente. Ela dependerá também de nossa experiência passada, de
nosso estado emocional e motivacional, bem como de nossas atitudes, preconceitos e de
nossas expectativas a respeito do futuro. O filósofo Immanuel
6-
5-
4-
3-
2-
1-
0-
co
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co
5)
5)
co
5)
32
33
Kant, pensando neste assunto, chegou à conclusão de que "nós não vemos as coisas como elas
são, porém como nós somos".
34
meiro lugar, as escalas físicas utilizadas para medir os estímulos são, em sua maioria, até certo
ponto arbitrárias. Podemos medir uma distância em centímetros ou polegadas ou anos-luz; o
brilho de uma lâmpada pode ser expresso em watts ou candeias ou Lamberts, e assim por
diante. A maioria das escalas utilizadas para medir um estímulo físico é independente do
observador humano. Mas há algumas notáveis exceções, como o brilho de uma luz expressa
em lumens ou o volume de um som expresso em decibéis relativos à sensibilidade auditiva
humana. Em segundo lugar, a sensação não corresponde sempre ao estímulo físico de uma
forma simples, a ponto de o observador se dar conta disto: o mesmo observador olha o
comprimento de uma escada deitada no chão e a altura do telhado; tem a nítida sensação de
que a distância é a mesma. Mas ao encostar a escada à parede percebe que faltam alguns
centímetros. Evidentemente, o relógio não deixa de fazer tique-taque quando o afastamos do
ouvido:
o estímulo físico continua presente, mas não há mais uma sensação correspondente. A
Psicofísica, em sua busca da relação entre o valor do estímulo físico e a sensação, defronta-se,
basicamente, com quatro questões. Estas podem ser distinguidas apenas artificialmente, uma
vez que em nosso comportamento habitual nos deparamos, constantemente, com os quatro
aspectos e os solucionamos de uma forma conjunta.
A primeira questão é: qual é a energia mínima (ou grandeza) que um estímulo deve ter para
provocar em nós uma sensação (ser percebido)? Isto é normalmente considerado como um
problema de sensibilidade absoluta, e o valor físico desta magnitude de estímulo é chamado de
limiar absoluto. Para que um médico possa detectar uma mancha na radiografia dos pulmões
de seu paciente, que tamanho ela precisa ter? Se o filme estiver embaçado, será ainda mais
difícil detectar a mancha: haverá elementos perturbadores. Para o observador, o limiar
absoluto apresenta, portanto, uma questão de detecção.
A segunda questão diz respeito à sensibilidade diferencial, ou seja, quanto dois estímulos
precisam diferir entre si, para que provoquem sensações diferentes? A menor diferença entre
os valores físicos de dois estímulos, que provocam sensações diferentes e que, portanto,
podem ser discriminados, é chamada de limiar diferencial. Por exemplo, o médico tem diante
de si a radiografia dos pulmões. Ambos os pulmões estão com uma mancha. Quanto uma
mancha tem de ser maior que a outra para o médico decidir qual dos dois pulmões está mais
afetado? Para o observador, trata-se de uma tarefa de discriminação. Ele precisa distinguir, isto
é, discriminar, vários estímulos que variam entre si quanto a um mesmo aspecto físico.
Por fim, a quarta questão nos transforma num instrumento de medida. Agora queremos, a
partir da magnitude de nossa sensação, chegar ao valor físico de estímulo. A tarefa com a qual
o observador se defronta é a da construção de uma escala. O médico que encontrou uma
mancha nos raios X e a reconheceu como sendo um tumor, vai avaliar a profundidade deste
baseando-se na densidade da mancha (que ele pode medir). Constantemente, estamos nos
valendo de escalas de sensação. Por exemplo, quando estimamos a distância até uma árvore
ou o tempo que passou desde que o filme começou.
2.1. Detecção
O conceito de limiar absoluto foi introduzido, em Psicologia, por Johann Herbart, em 1824, ao
escrever a respeito de limiar de consciência. Ou seja, uma "idéia" somente se tornaria
consciente para o observador se tivesse uma certa "força", do contrário permaneceria no
inconsciente. Gustav Fechner retomou este conceito e o aplicou diretamente ao conceito de
sensação, tal como é empregado ainda hoje. Portanto, um estímulo de energia inferior ao
limiar absoluto nunca é percebido. E acima do valor de limiar sempre seria percebido. Observa-
se, no entanto, que o valor do limiar não pode ser fixado tão precisamente. E impossível
estabelecer um limite exato entre estímulos supra e subliminares. Valores de estímulo
próximos ao limiar absoluto ora são percebidos ora não, o que implica dizer que o limiar
absoluto flutua em torno de um valor, o que pode tanto ser devido a flutuações intrínsecas do
limiar decorrentes de modificações na sensibilidade, como a lapsos de atenção por parte do
sujeito que se sub-
36
37
Os principais métodos psicofisicos são: método dos limites e método dos estímulos constantes.
Há dois tipos de erros de habituação: 1) erro de antecipação, quando o sujeito sente uma
pressão psicológica muito grande para inverter seu julgamento, pelo simples fato de já ter
emitido um mesmo julgamento repetidas vezes (por exemplo, o sujeito não percebe o estímulo
numa série ascendente - pois está subliminar -, então, sabendo que a intensidade do estímulo
está aumentando gradativamente, acredita que já deve ter chegado o momento de perceber o
estímulo e, por isto, inverte seu julgamento; o inverso ocorreria numa série descendente). 2)
Erros de persistência: o sujeito mantém o julgamento anterior por muito tempo, e só quando o
estímulo, numa série ascendente, já está bem perceptível, se dá conta de que já o percebe; ou,
numa série descendente, que deixou de percebê-lo. O fato de o sujeito apresentar erros de
antecipação ou persistência tem relação com sua personalidade, o que pode ser controlado em
parte pelas instruções fornecidas pelo experimentador. A alternância de séries ascendentes e
descendentes compensa os dois erros, uma vez que o sujeito apresente sempre um só tipo de
erro. Na figura 2.1 estão apresentados os dados de um experimento de determinação de um
limiar auditivo, com os respectivos cálculos estatísticos e a maneira prática de dispor a folha de
registro para um experimento deste tipo.
Séries de apresentação
Figura 2.1. Folha de registro, com dados, para a determinação de um limiar auditivo pelo
método por limites. Como valores de estímulos a serem apresentados, foram escolhidos 10
valores, de modo que se tivesse certeza de que a menor intensidade (10 dB) nunca poderia ser
ouvida, e a maior intensidade (100 dB), sempre. Desta forma, o limiar auditivo absoluto
necessariamente cai entre estes valores. As séries de apresentação dos estímulos são
alternadamente ascendentes e descendentes. As setas indicam a direção de apresentação dos
estímulos. Dez séries correspondem a um número mínimo de séries, sendo que 10 a 12 valores
discretos de estímulos devem ser utilizados. As séries de apresentação são interrompidas na
primeira inversão de julgamento. Assim, numa série ascendente, os primeiros julgamentos
serão "não ouço" (-), até atingir-se um valor no qual o sujeito dirá "ouço" (+). Neste momento,
a série de apresentação pode ser interrompida, para se passar à próxima série. As séries não
devem ser iniciadas todas nos mesmos valores, para evitar que o sujeito simplesmente inverta
seu julgamento após um número fixo de apresentações. O limite de série corresponde ao
ponto médio numa inversão. O limiar é calculado pela média aritmética dos limites de série.
Pode-se, a fim de analisar o padrão de respostas do sujeito, obter separada- mente o limiar
para as séries ascendentes e descendentes, ou para a primeira e segunda parte do
experimento. A vantagem deste método está em sua simplicidade.
Talvez o maior inconveniente do método dos limites, tal como foi apresentado aqui, seja o fato
de que inúmeros estímulos apresentados na verdade não entram no cálculo do limiar,
prolongando desnecessariamente um experimento. Por esse motivo, Cornsweet (1962) criou
uma variante do método dos limites, denominada método da escada dupla. Neste mé Valore
Limiar = = =
n 10
Limiar = = 55 dB
lo
38
39
lo
20
-
-
30
40
-
50
60
i-
70
+
+
80
90
+
+
100
45
55
65
55
55
65
45
45
65
55
todo, também se utiliza uma série ascendente e uma descendente, alternadamente. Mas, de
cada série, é apresentado um só valor de estímulo, alterando-se a direção da série após cada
mudança de julgamento do sujeito (mudança de "perceber" para "não-perceber" ou vice-
versa). O limiar é calculado simplesmente pela média aritmética de todos os valores
apresentados após a primeira inversão de cada série. A figura 2.2 mostra um exemplo de
aplicação deste método simples e rápido para a determinação de limiares.
• 70÷70+80+60+70+80+60+90+70+80÷80+90÷70÷8O+80+90+70+80+60÷70
Limiar =
1.500
Limiar = 75 dB 20
Figura 2.2. Folha de registro com dados, para a determinação de um limiar absoluto pelo
método da "escada dupla". Este método, derivado do método dos estímulos constantes,
também se vale de duas séries (a e b) em alternação simples (pode ser também alternação
aleatória). De cada série é apresentado um só valor. Se a resposta a uma apresentação numa
série a for "não", a próxima apresentação para esta mesma série a será de um valor
imediatamente maior (mais intenso). Por outro lado, se a resposta for "sim", a próxima
apresentação será de um valor imediatamente menor. Esta é a única regra que governa os
valores apresentados. E preciso lembrar ainda que as duas séries, a e b, são totalmente
independentes durante a apresentação. De forma análoga no método dos limites, deve-se
partir de 10-12 valores de estímulos, O número de séries deverá ser acima de 30. O limiar é
calculado pela média aritmética de todos os valores apresentados, sem levar em conta se são
de séries a ou b, ou se tiveram resposta "sim" ou "não", após o primeiro "contato" das duas
séries. A vantagem deste método está no número bem menor de apresentações do estímulo
para determinação do limiar.
Consiste no segundo método clássico, ainda desenvolvido por Fechner. Neste método,
apresentam-se, repetidas vezes, valores de estímulos muito próximos ao suposto limiar (que
deve ser estimado previamente por algumas séries do método dos limites). Em geral,
escolhem-se por volta de 10 valores próximos ao limiar. Num experimento ideal, os valores de
menor magnitude serão subliminares (nunca serão percebidos no experimento) e os de maior
magnitude serão supraliminares (e serão percebidos em cada tentativa em que forem
apresentados). Cada valor de estímulo deve ser apresentado o maior número de vezes possível
(nunca menos de 10), de maneira aleatória. Determina-se, então, a freqüência de percepção
para cada valor. O limiar absoluto corresponderá ao valor de estímulo que foi percebido 50%
das vezes. Este valor pode ser estimado estatistícamente ou determinado de forma gráfica,
como mostra a figura 2.3, na qual se apresenta a determinação de um limiar pelo método dos
estímulos constantes.
O limiar determinado pelo método dos estímulos constantes seria muito preciso se a resposta
do sujeito dependesse unicamente do valor de estímulo apresentado. Mas isto, infelizmente,
não ocorre. Há outros fatores que influenciam a resposta do sujeito e nada têm a ver com a
intensidade do estímulo. O que mostra que um limiar absoluto não é tão "absoluto" assim: é
sempre "relativo" às outras condições que atuam sobre a resposta do sujeito. Os outros fatores
que influenciam a resposta do sujeito, e, portanto, indiretamente, o limiar medido, são
estudados pelo que se convencionou de teoria de detecção de sinais.
O primeiro fator que influencia as respostas do sujeito é a sua motivação em dizer sim (percebo
o estímulo) ou não (não percebo o estímulo). Num experimento de detecção, o sujeito,
sabendo que o estímulo às vezes sub e às vezes supraliminar é apresentado em cada tentativa,
pode dizer sempre "sim", simplesmente por se sentir motivado, apresentando um limiar muito
baixo e, assim, gabando-se de uma "supervisão" ou "superaudição". E claro que o
experimentador perceberia imediatamente a artimanha do sujeito e o repreenderia por sua
falta de colaboração com o experimento. Uma maneira de "pegar" o sujeito mais facilmente
nesse comportamento pouco simpático, é introduzir tentativas-armadilha, nas quais nenhum
estímulo é apresentado. Se o sujeito disser um "sim" numa tentativaarmadilha, estará
desmascarado, e o experimentador poderá "puni-lo" para extinguir este comportamento, pois,
sem a punição, o sujeito poderá continuar neste padrão de respostas. Por outro lado, se o
experimentador resolver punir somente as respostas "sim" às tentativas-armadilha, o sujeito
poderá passar a responder sempre "não", só para esquivar-se de todas as punições. Assim,
novamente, o limiar medido não corresponderá ao real. O que o experimentador precisa fazer
é punir as respostas "sim" em tenta-
Séries
40
41
b 100
90
80
70
60
o.
e
Figura 2.3. a) Tabela de dados obtidos num experimento de determinação de limiar absoluto
de intensidade luminosa. A intensidade luminosa está expressa em unidades arbitrárias, sendo
que previamente foi determinado "a grosso modo" (fazendo-se algumas séries pelo método
dos limites) que o limiar absoluto realmente se situa, para o sujeito estudado, entre as
intensidades 10 e 90. Em seguida, os 9 valores de intensidade (10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80,
90) foram apresentados ao sujeito numa seqüência aleatória, até que cada um dos valores
tivesse sido apresentado por 10 vezes. Portanto, ao todo foram apresentados 90 estímulos.
Para cada valor de intensidade luminosa foi então determinada a proporção (porcentagem) de
respostas "sim, vejo a luz". b) Os resultados do protocolo a foram apresentados graficamente, a
fim de que pudesse ser determinado o limiar absoluto. A curva contínua corresponde a uma
ogiva interpolada "a olho" (naturalmente também é possível fazer-se uma determinação
matemática utilizando-se o método dos quadrados mínimos para determinação da
interpolatriz). O limiar corresponde ao valor de intensidade que é percebido em 50% (metade)
das apresentações. Portanto, traçando-se uma linha na altura de 50% de respostas "sim" até a
interpolatriz e verificando-se a que valor de intensidade corresponde, obtém-se o limiar
absoluto. Este valor, determinado graficamente, pode também ser determinado
matematicamente, bastando lembrar que corresponde à determinação da mediana.
Sim
o.
Não
Figura 2.4. Resultados possíveis num experimento no qual o sujeito se depara com duas
situações: presença de um sinal (s) ou ausência deste sinal (ruído-n). Em cada tentativa o
sujeito deve dizer se o sinal foi apresentado ou não. A ausência de sinal é chamada de ruído,
uma vez que sempre ocorre alguma estimulação ou ruído de fundo que pode provir da
aparelhagem que produz o sinal, do ambiente externo ou do próprio sujeito com suas
expectativas. Há dois resultados desejáveis - o acerto e a rejeição correta - e dois resultados
indesejáveis - a omissão e o alarme falso. Observe e avalie se cada resultado tem seu valor
intrínseco, pois em determinadas situações os acertos podem ser muito importantes, e as
rejeições corretas-menos importantes, ou vice-versa. Ou, então, os resultados são indesejáveis
se possuem valores diferentes. Além dos valores intrínsecos que os diferentes resultados
possuem, pode- se criar valores artificialmente, através de uma matriz de pagamento que pune
e reforça diferencialmente os resultados. As respostas do sujeito vão depender da matriz de
pagamento.
'o
a.
30
20
10
Limiar
10 20 30 40 50 60 70 80 90
Estimulação
Sinal lsl
Ruído ln)
42
43
10
20
30
40
50
60
70
80
90
s
s
n
ri
ri
ri
ri
n
n
ri
ri
s
10
ri
ri
% Sim
10
20
40
60
60
80
100
100
Acerto
Alarme falso
Omissão
Rejeição
correta
triz de pagamento influencia o limiar de detecção: o sujeito procurará otimizar seu ganho,
adotando um critério de respostas mais ou menos rígido. Há formulações matemáticas que
relacionam os diversos valores da matriz de pagamento para estimar o critério do sujeito.
Não é somente a matriz de pagamento que influencia as respostas do sujeito num experimento
de detecção, mas também o número de vezes que o estímulo é apresentado em relação às
apresentações-armadilha, além, é claro, do limiar absoluto propriamente dito, que o sujeito
tem para o estímulo em causa, ou seja, a intensidade real do estímulo. Em teoria de detecção
de sinais, as tentativas-armadilha são denominadas ruído, isto é, há apenas estimulação
aleatória, e não aquela que nós queremos detectar. Imagine que se queira detectar as luzes de
um avião num céu estrelado. As estrelas serão o ruído e a luz do avião, o estímulo. Se num
experimento, na maioria das vezes, for apresentado apenas o ruído, sem estímulo, o sujeito
dirá "não" com freqüência cada vez maior, diminuindo desta forma a possibilidade de alarmes
falsos. Ao contrário, se o estímulo quase sempre for apresentado, o sujeito tenderá a dizer
sempre "sim" para evitar as omissões. Esta tendência é óbvia: se, sempre que ouvimos um
som, também vemos uma luz, depois de algum tempo nem vamos olhar mais, pois iremos
supor que a luz está presente, mesmo que não esteja mais.
Portanto, a resposta do sujeito será determinada pela matriz de pagamento, pela probabilidade
de, em uma tentativa, haver apenas o ruído ou o sinal e, obviamente, pela intensidade do
estímulo. E possível relacionar estes três fatores matematicamente entre si, e a partir disto
conhecer muito sobre o limiar absoluto e o próprio critério de respostas do sujeito. Na figura
2.5, apresenta-se um exemplo que elucida um pouco mais a teoria de detecção de sinais
aplicada à Psicologia da Percepção.
2.2. Discriminação
A questão colocada pela discriminação é saber quanto dois estímulos devem diferir para que
sejam percebidos como diferentes. E preciso definir em que dimensão se dá a diferença, pois
duas luzes, apesar de terem a mesma cor, podem ter brilhos diferentes ou, ao contrário,
podem ter cores diferentes e brilhos iguais. E preciso fixar todas as dimensões e variar apenas
uma, como é feito nos experimentos de laboratório que estudam problemas de discriminação.
Nestes experimentos de discriminação, o propósito geral é determinar o limiar diferencial, isto
é, a mínima diferença, perceptível pelo sujeito entre dois estímulos. Para tanto, utilizam- se um
estímulo padrão e vários estímulos de comparação, que são julgados como sendo mais
intensos (maiores, mais brilhantes, mais pesados etc.), iguais, ou menos intensos. Alguns
estudos mostram que é conveniente eliminar o julgamento de igualdade, pois este é muito
susceptível às instruções dadas aos sujeitos. Pelas instruções, o sujeito pode ser compelido a
Figura 2.5. Na teoria de detecção, considera-se que a situação normal, isto é, ausência do
estimulo, corresponde a uma situação de ruído n (noise em inglês). A presença de um estímulo
corresponde à situação de sinal (na verdade a soma de ruído + sinal). Cada uma das situações
provoca com certa probabilidade sensações ao longo do contínuo sensorial, o que é
representado em a. A tarefa do sujeito é diferenciar em cada tentativa se se tratou de ruído (n)
ou sinal (s). Esta diferenciação não é imediata, pois as duas curvas têm uma zona de
sobreposição, isto é, onde a mesma sensação poderia ser interpretada tanto como n ou s. Nas
figuras b e c estas zonas estão marcadas. Em b esta zona é grande, pois a curva de n sobrepõe
em grande parte a curva de s, ou seja, o sinal pode ser diferenciado do ruído apenas com
grande dificuldade. A distância entre as duas curvas é chamada de d'. Na figura e, sinal e ruído
são muito diferentes, isto é, provocam sensações bem distintas. O valor de d'
conseqüentemente é grande. Do valor de d' dependerá a facilidade com a qual o sujeito
consegue distinguir o sinal do ruído. Mas como em todos os casos existe uma zona de
sobreposição onde os estímulos podem ser confundidos, o sujeito procura estabelecer um
critério (B) que fixa um valor de sensação a partir do qual emitirá o julgamento "sim" (isto é,
"sim, percebi o sinal") e abaixo deste valor emitirá o julgamento "não" (isto é, "não percebi o
sinal' trata-se portanto de um ruído). As figuras d e e ilustram isto, mostrando uma situação de
critério relaxado ( na qual o sujeito julga muitos valores de sensação como provenientes do
sinal, e portanto comete muitos alarmes falsos. Ao contrário, numa situação de critério estrito
(e), o sujeito cometerá muitas omissões. Onde o sujeito vai posicionar seu critério depende de
uma série de fatores, como a proporção de situações de sinal/ruído, a valorização de cada tipo
de erro (omissão em alarme falso), as instruções que o sujeito recebe e sua própria atitude
com o experimento.
Distribuição do ruído
Distribuição de
1 + ruído
b Contínuo sensorial
Não...- --Sim
- critério relaxado
= critério estrito
44
45
Séries de apresentação
dizer "igual" sempre que não puder definir exatamente se um estímulo é mais intenso que o
outro ou não (haverá muitas respostas "igual' sempre que o sujeito estiver em dúvida). Ou,
então, poderá, dizer "igual" apenas quando tiver certeza de que os dois estímulos são
realmente iguais (haverá poucas respostas "igual"). Prefere-se, portanto, fazer um experimento
de "escolha forçada", obrigando o sujeito a optar por "mais" ou "menos" em cada tentativa. Os
resultados de experimentos com escolha forçada se mostram mais precisos e facilitam o
cálculo do limiar diferencial.
Os pontos onde a probabilidade de resposta "mais intenso" (ou "menos intenso") é 25% e 75%
correspondem a valores que são discriminados com 50% de probabilidade, ou seja, que são
discriminados do estímulo padrão em 50% das apresentações, como pode ser visto na figura
2.6. A distância entre estes dois pontos corresponde ao intervalo de incerteza, cuja metade é o
limiar diferencial, também denominado diferença apenas perceptível (DAP). Portanto, o sujeito
é capaz de discriminar dois estímulos que distam entre si pelo menos uma DAP. A figura 2.8
apresenta duas curvas de discriminação, uma de discriminação precária (limiar elevado) e
outra de boa discriminação, mostrando que a inclinação da curva de discriminação é um
indicador do limiar de discriminação.
lx - x)2
Figura 2.6. Determinação do limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método dos
estímulos constantes. A intensidade luminosa está indicada em unidades arbitrárias, O
estímulo padrão (Sp) tem intensidade 25. Em cada apresentação os estímulos de comparação
(Sc) são comparados ao Sp e julgados como menos intensos (m) ou mais intensos (M). No
demais, o método é igual ao apresentado na figura 2.1 para a determinação de um limiar
absoluto. A média aritmética dos limites de série corresponde agora ao ponto de igualdade
subjetiva (PIS), que é o valor de estímulo que em média parece para o sujeito ter a mesma
intensidade que o Sp. A diferença entre PIS e Sp dá o erro constante (EC). Neste exemplo em
particular o EC é extremamente grande, mostrando que possivelmente houve um erro entre o
Sp e os Sc, provavelmente decorrente da calibração do aparelho, ou, então, que o método de
comparação deixava os Se parecerem muito mais escuros. O limiar diferencial (LD) corresponde
a alguma medida de variabilidade dos limites de série. Para tanto há várias possibilidades, mas
as mais comuns são a semi-amplitude de variabilidade e o desvjo padrão dos limites de série.
Ambos os valores estão calculados acima. A semi-amplitude de variabilidade corresponde à
metade da diferença entre o maior e o menor valor dos limites de série, O desvio padrão é
calculado da maneira habitual.
vez precisemos de 11.000 g (A 1 = 1.000 g) para notar uma diferença de peso. Ernst Heinrich
Weber (1834) mostrou que havia uma relação constante entre o limiar diferencial (A 1) e o
valor de estímulo padrão (ou intensidade do estímulo 1), ou seja, A 1 = KI (K constante de
proporcionalidade). Fechner denominou a relação K = A 1/1 fração ou constante de Weber. Ela
corresponderia a uma função constante, ou seja, para discriminar dois estímulos entre si, é
preciso diferenciá-los por uma proporção constante.
Limites de série 32,5 37,5 27,5 32,5 37,5 42,5 32,5 37,5 32,5 42,5
n 10
46
47
10
15
m
m
30
35
40
M
45
50
M
M
Intensidade luminosa Sp
'1
a,
'o
a,
ai
'1
a,
a,
ai
b%
100
80
60
40
20
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
dade subjetiva (PIS) e erro constante (EC) pode ser feita matematicamente ou simplesmente de
forma gráfica. O PIS pode ser considerado o valor de abscissa no qual as curvas (-) e (+) se
cruzam, ou então o ponto máximo da curva (=). No caso, ambos os valores são coincidentes e
iguais a 25, o que resulta num EC = O (EC PIS - Sp). O limiar diferencial pode ser tomado como o
valor no qual o julgamento (=) seja igualmente frequente aos julgamentos (+) e (-). No exemplo
teremos LD = 25 - 14 = 11 ou LD = 36-25 11. No caso os valores são coincidentes, mas poderiam
não ser se os resultados não fossem simétricos. Neste caso pode-se tomar a média dos dois
LDs calculados. O experimento também pode ser feito permitindo-se ao sujeito apenas
julgamentos (+) e (-). Os cálculos e resultados são semelhantes. Neste caso, o LD é determinado
em função dos valores da abscissa que correspondem respectivamente a 25% e 75% de
respostas (+) ou (-). Estas percentagens são arbitrárias, mas comumente empregadas neste tipo
de cálculo.
5 10 15 20 30
35 40 45 50
7
8
100
90
80
.2 70
60
a,
50
• 40
ri
Intensidade do estímulo
Intensidade
48
49
=
=
=
-
+
+
=
+
10
100
90
40
20
10
%=
O
10
60
80
80
80
70
30
20
%+
10
20
30
70
80
100
Figura 29. A curva A (no caso uma reta) representa a fração de Weber ±j ideal, ou seja,
trata-se de uma curva de um valor constante para todos os valores de intensidade 1. A curva
B representa a curva da fração de Weber usualmente obtida para a maioria dos contínuos
físicos (estímulos): para valores de intensidade (1) baixos, próximos ao limiar absoluto (LA),
a fração de Weber torna-se muito grande, sendo que são necessárias diferenças grandes entre
estímulos para que possam ser discriminados. Na região central do contínuo de estimulação
Figura 2.10. O limiar diferencial para um contínuo sensorial qualquer pode ser determinado
pela utilização de uma técnica da teoria de detecção de sinais, apresentando-se o estímulo
padrão (que corresponde ao ruído n) e o estímulo de comparação (que se diferencia muito
pouco do primeiro e corresponde ao sinal s). Em seguida, o sujeito em cada tentativa deve
dizer qual é o estímulo menor ou maior, assumindo, por exemplo, 5 níveis de certeza: 1) se ele
estiver absolutamente certo que é menor; 2) se tem alguma certeza que é menor; 3) se não
sabe; 4) se tem alguma certeza que é maior e 5) se tem absoluta certeza que é maior. Cada um
destes tipos e respostas corresponde a um critério B (veja fig. 2.5). Em seguida, com estes
dados traça-se graficamente a relação entre a probabilidade dos alarmes falsos e acertos.
Supondo-se que o número de tentativas de sinal e ruído seja idêntico, e que o sujeito não
consiga discriminar os estímulos, a probabilidade de alarme falso é igual à probabilidade de
acertos p (alarme falso) p (acerto), e disto resultará a curva d' = O da figura. Quanto mais o
sujeito conseguir discriminar os estímulos, tanto maior será o valor de d' obtido. O valor de d'
corresponde ao limiar diferencial.
tempo de reação de escolha, quando há, por exemplo, vários botões, e o sujeito deve
pressionar aquele que corresponde a determinado estímulo que, ao ocorrer, foi discriminado
de todos os outros. Seja qual for o paradigma experimental utilizado, mostra-se que o tempo
de reação diminui quanto mais diferenciáveis forem os estímulos entre si. O leitor mesmo pode
comprovar isto, medindo o tempo que leva para separar um baralho, uma vez em naipes pretos
e vermelhos e, na outra, em copas mais paus e em ouros mais espadas. Na figura 2.11, são
apresentados dados de discriminação de comprimento de retas a partir do tempo de reação.
mulos, é preciso uma diferença muito maior que a prevista pela fração de Weber para um
sistema sensorial em particular. A situação é idêntica quando o estímulo padrão atinge valores
próximos ao limiar terminal (intensidade máxima à qual o aparelho sensorial responde
normalmente - com valores maiores de estímulo pode haver lesão dos órgãos sensoriais, como
na visão, ou dor, como na audição).
A discriminação também pode ser encarada do ponto de vista da teoria de detecção de sinais,
assim como o limiar absoluto (detecção), considerando que há tentativas nas quais é
apresentado apenas o estímulo padrão (ruído) ou o estímulo de comparação (sinal). A figura
2.10 mostra um exempio com a devida explicação e as decorrêncías de um experimento deste
tipo.
Um outro modo de estudar a discriminação de estímulos é pelo tempo de reação. Esta é uma
das formas mais antigas de medição em Psicologia da Percepção. Foi amplamente empregada
por Herinann Helmholtz (1850) e por Wundt (1879). Pode-se diferenciar dois tipos de tempo
de reação: tempo de reação simples, quando há, por exemplo, um botão que o sujeito deve
pressionar sempre que discriminar um estímulo diferente, e
1,0
0,75
o.
Fração de Weber
0,50
0,25
1,0
LA LT
50
51
-.--_
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Figura 2.11. Neste experimento os sujeitos tinham que separar cartões em pilhas, de acordo
com o comprimento de duas linhas traçadas nos cartões. Uma das linhas sempre media 45
mm, e a outra, sempre mais longa, media de 1 a 11 mm a mais. Mediu-se o tempo total que o
sujeito levava para fazer a separação de acordo com as diferenças de comprimento. O tempo
total corresponde à soma dos tempos de reação frente a cada um dos cartões. Nitidamente se
observa que quanto maior a diferença de comprimento, mais rapidamente o sujeito consegue
formar as pilhas, pois o tempo de reação frente a cada cartão é menor.
2.3. Reconhecimento
52
g' 50 a
o 48
ia
o.
a 46
e.
42
e. 40 E
52
53
ternativas: 1og22 1, log4 2 etc. A quantidade de informação pode ser também um número
fracionário, por exemplo, em 11 alternativas, cada estímulo possui 3,46 bits de informação.
Uma vez conhecida a maneira de medir a informação contida num estímulo, pergunta-se qual a
informação recebida quando o observador percebe o estímulo. Imaginemos que, num
experimento a respeito de percepção auditiva, o sujeito deva identificar letras ditadas pelo
experimentador, mas numa intensidade quase inaudível. O sujeito sabe que o experimentador
pode dizer 8 letras diferentes: A, B, C, D, E, F, G, H. Cada estímulo contém, portanto, 3 bits de
informação (log2 8 3). O sujeito, numa tentativa, ouve um som "...eeeeeeee. . . '. Conclui que a
letra dita pelo experimentador foi 8 ou C ou D ou E, reduzindo as alternativas de 8 para 4; ou
seja, foi recebido apenas um bit de informação e restam ainda 2 bits a serem transmitidos.
Existe transmissão perfeita quando, em cada tentativa, o sujeito reconhece o estímulo,
Nenhuma informação é transmitida quando as respostas do sujeito são totalmente aleatórias.
Havendo um número de acertos (reconhecimentos) maior que o esperado pelo acaso, existe
transmissão de alguma informação, que pode ser estimada a partir da proporção de acertos.
No entanto, o observador nem sempre pode receber toda a informação transmitida ou contida
num estímulo. Verificou-se, por exemplo, que observadores humanos conseguem receber
apenas 2,3 a 3,0 bits de informação, ou seja, podem lidar, simultaneamente, com
aproximadamente 7 estímulos diferentes. Esta é a capacidade de canal do observador. Foi
determinada em experimentos nos quais o sujeito tinha de diferenciar um certo número de
estímulos entre si. Estes variavam num determinado contínuo, isto é, numa única dimensão
verificando-se que a capacidade de canal era aproximadamente a mesma para brilho, cor, som,
forma etc. No entanto, todos sabem que qualquer observador pode diferenciar em sua vida
normal mais do que 7 estímulos entre si. Isto ocorre porque os objetos variam em mais de uma
dimensão, simultaneamente (brilho e cor e tamanho e forma etc.). As pesquisas mostram que,
nestes casos, o limite de canal para cada dimensão combina-se com as outras dimensões. A
combinação resulta num valor um pouco inferior à soma simples da capacidade de canal, para
cada dimensão em separado. Um experimento mostrou que para estímulos variando em
forma, cor e posição espacial há uma transmissão de 17 bits, o que corresponde a 131.072
alternativas.
Por fim, o observador não está apenas interessado em detectar o estímulo, discriminá-lo de
outros e reconhecê-lo. Ele está interessado em fazer também um julgamento de magnitude ou
intensidade do estímulo. Neste caso, ele enfrenta o problema de formação de escalas de
sensação, pois o julgamento não será do estímulo propriamente dito, mas da sensação
provocada pelo estímulo no sujeito. Há duas maneiras de abordar a formação de escalas
sensoriais. Uma delas baseia-se na afirmação de Gustavo Fechner (1860) de que não é possível
medir uma sensação diretamente, mas apenas de forma indireta, através de sucessivos limiares
diferenciais ou diferenças apenas perceptíveis (DAP). A idéia de Fechner era determinar o
limiar diferencial para cada valor do estímulo, desde o limiar absoluto até o limiar terminal,
cobrindo toda a gama de variação do estímulo à qual o aparelho sensorial em causa é sensível.
Uma escala de sensação assim construída incorpora três pressupostos básicos: que a DAP é a
unidade de sensação; que diferentes DAPs correspondem a uma mesma sensação e que as
DAPs podem ser somadas para formarem uma escala. E facilmente demonstrável que uma
escala assim construída (o que é bastante trabalhoso) corresponde a uma função logarítmica
do tipo R = K log S, onde R é a sensação, S o valor do estímulo e K uma constante de
proporcionalidade. O interessante é que esta função pode ser deduzida matematicamente,
partindo da lei de Weber ( 1/1 K) e dos três pressupostos citados, e constitui uma das poucas
deduções matemáticas encontradas em Psicologia (veja fig. 2.9).
54
55
seja o dobro, e assim por diante - veja fig. 2.12), obtêm-se funções do tipo R KS, onde R é a
sensação, S o estímulo julgado, K uma constante de proporcionalidade e n um expoente
constante para uma determinada dimensão sensorial, mas que assume valores diversos para
cada dimensão sensorial. A figura 2.13 mostra que a forma da função R = KS pode variar
bastante, conforme n < 1, n = 1 ou n > 1. A tabela 2.1 fornece uma relação de sensações e
valores de n correspondentes.
A diferença entre a escala de Fechner e a escala de Stevens pode ser definida no seguinte
sentido: a primeira diz que a razões (proporções) iguais de estímulos correspondem djferenças
iguais de sensações; a segunda afirma que a razões iguais de estímulos correspondem iguais
razões de sensação.
Na prática, podem-se obter escalas de razão (como também são chamadas as escalas de
Stevens) pela estimação direta de magnitude, como
•0
4-
16
uJ
10
10
12
e,
14
/
/
S = 0,75 1 1,11
16
18 20
18
14
12
ul
ti)
o
a
.3
n=1
n< 1
Figura 2.13. a) Representação gráfica das 3 formas muito diferentes que a função de potência
de Stevens, S Kl1, pode assumir para diferentes contínuos físicos e diferentes valores de n. Na
curva A, n > 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento de magnitude de
choques elétricos. Na curva B, n = 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o julgamento
de compilmentos de linhas; na curva C, n < 1, o que ocorre para o julgamento de brilho. b)
Apresentação gráfica da função de Stevens para quatro contínuos físicos diferentes que geram
valores de n entre 3,6 (choque elétrico) e 0,3 (brilho). Observe que agora ambas as escalas
(escala física de magnitude dos estímulos e escala das magnitudes julgadas) estão expressas
em unidades logarítmicas, de modo que as curvas de potência da forma S = Kl geram retas para
qualquer valor de n.
s
10
12
14
16
18
20
9,7
11,8
14,0
16,2
18,6
20,9
56
57
a.
Figura 2.14. O gráfico mostra os resultados de um experimento no qual o sujeito devia estimar
a pressão exercida por um peso sobre sua palma da mão através do comprimento de linhas
traçadas numa folha de papel. O procedimento era o seguinte: o experimentador aplicava um
dos pesos sobre a palma da mão do sujeito e lhe pedia para traçar uma linha correspondente
de qualquer comprimento. Em seguida, aplicava-lhe um segundo peso sobre a palma da mão, e
o sujeito traçava uma outra linha correspondente ao peso, seguindo a regra de que ao dobro
da pressão a linha deveria ter o dobro de comprimento; se a sensação de pressão fosse apenas
1/3 da pressão da primeira aplicação do peso, a linha também deveria ter apenas 1/3 do
comprimento. Os resultados do gráfico mostram que a curva correspondente é quase linear,
pois tanto a estimação de pressão como de comprimento de linhas resulta em funções de
Stevens com o expoente n próximo da unidade. Como foi explicada no texto, a estimativa da
magnitude entre modalidades sensoriais distintas resulta num coeficiente que corresponde à
relação entre os coeficientes das duas modalidades sensoriais.
80
70
60
50
40
30
20
10
100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Pressão (g*)
58
59
Brilho
0,3
Gosto para sal (NaC1)
0,4
0,5
Volume sonoro
0,6
0,8
0,9
Comprimento linear
1,0
Temperatura (frio)
1,0
1,3
1,3
Peso
1,4
Temperatura (calor)
1,6
1,7
2,5
Atenção
Todos sabem o que vem a ser "prestar atenção". Ao receber esta ordem, o interlocutor saberá
o que deve fazer para "prestar atenção" e também que perceberá melhor os estímulos aos
quais estiver "prestando atenção". Com isto talvez deixe de perceber alguns outros estímulos
presentes (aos quais não estará "prestando atenção"). Mas, afinal, o que, exatamente, é esta
"atenção", que parece atuar tão diretamente sobre nossa capacidade de perceber?
nosso próprio peso sobre a cadeira e a mordida do mosquito. Isto nos faz voltar ao que foi dito
no capítulo 1, onde mencionamos que há um limite na quantidade de informação que pode ser
processada ao mesmo tempo pelo nosso cérebro, o que corresponde ao limite do canal de
transmissão de informação.
3.1. Vigilância
Outros estudos mostram que a vigilância muda com o estado de excitação do sujeito. Se o
sujeito ouve, por exemplo, um sinal acústico, um pouco antes do estímulo visual que deve
detectar, seu desempenho será significativamente melhor. O desempenho atingirá o máximo se
o estímulo de "aviso" ou de excitação for apresentado entre 200 a 500 m antes do estímulo a
ser detectado. Isto demonstra que a atenção é máxima dado um certo grau de excitação do
organismo. Este fato levou à formulação da lei de Yerkes-Dodson, que estipula que o
desempenho tem uma relação de Uinvertido com o nível de excitação do sujeito, conforme é
esquematizado na figura 3.1.
Como já foi dito no item anterior, é difícil prestar atenção a um grande número de estímulos
simultaneamente. Apesar disto, podemos, na maioria das vezes, escolher prontamente a que
nós queremos prestar atenção. A isto chamamos de atenção seletiva.
Na visão, a seleção se dá, basicamente, através do posicionamento de nossos olhos, quer pela
orientação de nosso corpo ou cabeça, quer pelo direcionamento direto de nossos olhos. Em
geral, prestamos atenção àque 60
61
Nivel de excitação
Figura 3.1. O desempenho numa tarefa perceptiva aumenta com o nível de excitação geral até
atingir um máximo. Com níveis de excitação ainda maiores, o desempenho decresce. Esta
relação é conhecida como Lei de Yerkes-Dodson.
les estímulos visuais focalizados na região central de nossas retinas, a fóvea. Na verdade, é
muito difícil prestar atenção a estímulos que se encontram na periferia de nosso campo visual.
Olhe para a figura 3.2, mantendo o olho direito tapado com a mão direita, fixe o X e tente
contar o número de pontos existentes em cada um dos agrupamentos à esquerda. Você notará
que esta tarefa se torna mais difícil à medida que os agrupamentos de pontos estão mais à
esquerda. Além disso, será difícil manter seu olhar fixo no X, pois o seu olho escapará repetida
e involuntariamente para a esquerda. Empenhado na tarefa de contar os pontos, seu cérebro
sinalizará que os agrupamentos de pontos são o foco de atenção e fará com que seu olho se
volte diretamente para eles. A tendência de voltar o olho para aquilo a que se deseja prestar
atenção corresponde ao reflexo de orientação visual. Ele não se limita ao movimento do olho,
como neste exemplo, mas também leva a uma reorientação de toda a cabeça ou corpo.
Os experimentos clássicos de atenção seletiva visual são feitos instruindo sujeitos para
procurarem determinadas letras em listas extensas, nas quais as letras aparecem em ordem
casual. Observa-se, então, o movimento de rastreio dos olhos, cobrindo todo o conjunto de
letras apresentadas. Com treino, a velocidade com que a tarefa é executada pode aumentar de
6 a 10 vezes. Numa tarefa destas fica comprovado que a atenção é seletiva, pelo fato de o
sujeito saber relatar unicamente as letras que foi instruído a procurar, e nada sobre as outras
letras existentes (às quais não prestou
Figura 3.2. Mantendo o olho direito coberto, fixe o X com o olho esquerdo e procure
discriminar o número de pontos em cada uma das distâncias, a, b,...f, sem desviar seu olhar do
X. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil!
atenção). As outras letras parecem ao sujeito apenas uma espécie de fundo desfocalizado.
Desfocalizado não visualmente, mas cerebralmente.
Este tipo de resultado experimental parece sugerir que a percepção em si não é seletiva, mas
sim o processo de memória (os processos de "ar o
o.
e
••••
•••.
••••
••••
•••
•••
••
••
••
f e d c b a.
62
63
Atenção dividida refere-se a certas situações nas quais o observador presta atenção,
simultaneamente, a dois ou mais estímulos. Para poder dividir a atenção entre os estímulos, é
preciso que estes tenham algo que os diferencie. Quanto maior a diferença, mais fácil será
dividir a atenção entre eles. Se forem estímulos visuais, poderão ter brilho e cores diferentes,
localizações diversas e, o que é mais importante e freqüente, conteúdos, isto é, significados
diferentes. Estímulos auditivos podem originar-se de lugares diferentes, ter diferentes
intensidades, alturas ou timbres. Também podem ter conteúdos distintos. Naturalmente,
também existe divisão da atenção entre estímulos de modalidades diferentes, como, por
exemplo, auditivos e visuais, o que constitui uma tarefa bem mais simples para o sujeito.
Como já foi dito, na visão a atenção a um estímulo é geralmente indicada pela direção do olhar.
Isto faz com que o estímulo a que se presta atenção caia sobre a fóvea dos dois olhos, o que
constitui um reflexo. Fica difícil, portanto, prestar atenção a estímulos visuais que distam muito
entre si. O interessante é que, na visão, os dois olhos funcionam conjunta- mente e a
integração de suas imagens proporciona a percepção em terceira dimensão. O observador é
quase sempre incapaz de dizer qual olho está recebendo a imagem (se forem imagens
diferentes). A não ser que feche alternadamente um dos olhos, para se certificar das diferenças
nas imagens.
Em situações específicas de laboratório, é possível fazer com que os dois olhos funcionem
individualmente. Estas situações são conhecidas como situações de rivalidade binocular.
Apresenta-se a cada olho uma imagem completamente diferente, como, por exemplo, cores
diferentes ou padrões de listras horizontais e verticais, semelhantes àqueles ilustrados na
figura 3.3. Como o sistema visual não conseguirá integrar as duas imagens diferentes, para daí
extrair informação de profundidade, o observador tomará consciência, alternadamente, de
cada uma das imagens. A alternação é automática e prosseguirá enquanto o observador olhar
para as imagens. Pelo menos para o ser humano, esta é uma situação completamente artificial
(receber imagens diversas nos dois olhos), de laboratório. Por isso, esta situação não é
relevante para a sobrevivência da espécie humana. Conseqüentemente, seu sistema visual não
está programado para analisá-la. No entanto, em animais, como as aves, cujos olhos não estão
dis Figur
3.3. Tente sobrepor as duas partes da figura forçando seus olhos. Provavelmente você não verá
uma imagem fundida formada pela sobreposição das linhas horizontais e verticais, mas sim a
alternância entre os dois padrões. Isto ocorre pelo fato de os dois padrões serem incompatíveis
para uma fusão binocular.
Uma série de experimentos empregando estimulação dicótica mostrou ser mais difícil prestar
atenção a uma seqüência de estímulos apresentada, alternadamente, a cada um dos ouvidos,
do que se toda ela fosse apresentada a um só. A função biológica desta nossa capacidade de
prestar atenção à informação proveniente de um só ouvido é exatamente proporcionar-nos a
opção de prestar atenção a estímulos provenientes de uma fonte localizada, em detrimento de
outros estímulos. Este é o conhecido fenômeno da "reunião social" (cocktail-party problem).
Numa reunião
64
65
social, podemos estar atentos à conversa de uma pessoa, apesar de inúmeras outras falarem
ao mesmo tempo, inclusive gritando ou falando muito mais próximas de nós. Podemos
também alterar nosso foco de atenção quantas vezes quisermos, apesar da diversa localização
da fonte, onde os estímulos tiveram origem. Este é o fator principal. Outros, porém, também
influenciam nosso comportamento de prestar atenção a estes estímulos. Dentre eles, podemos
destacar: o timbre (se é uma voz feminina ou masculina) e o conteúdo (acompanhamos o
conteúdo lógico do que está sendo dito).
Todo este sistema de atenção parece ter um significado muito grande para a sobrevivência.
Consideramos, por exemplo, um animal selvagem na floresta, à escuta: ele precisa ter a
capacidade de dirigir sua atenção auditiva aos ruídos do predador que se aproxima, localizá-los
espacialmente e acompanhar cada um destes ruídos. Mas, ao mesmo tempo, precisa "desligar-
se" dos inúmeros ruídos "normais" de uma floresta, como aqueles provocados pelo vento nos
galhos das árvores ou pelas águas do riacho. A não ser que, repentinamente, outro ruído
"especial" denote a presença de outro predador, que agora deverá tornar-se o centro da sua
atenção.
66
Textos mais recentes empregam o termo percepção de luminosidade, ao passo que nos mais
antigos emprega-se apenas o termo percepção de brilho. Alguns autores mais cautelosos,
refletindo este período de transição na nomenclatura, preferem manter os dois termos. Como
o presente texto tem por objetivo uma introdução ao estudo da percepção, é conveniente que
se mantenham os dois termos, percepção de brilho e percepção de luminosidade, a fim de
alertar o leitor para a existência de ambos na literatura especializada. De uma forma muito
simplificada e resumida, podemos afirmar que a percepção de brilho ou luminosidade refere-
se à nossa capacidade de perceber a luz (daí a preferência pelo termo "luminosidade") que
emana ou se reflete dos objetos de nosso ambiente. Como estes objetos fornecem luz, são
denominados fontes luminosas e podem ser de dois tipos: fontes emissoras e fontes refletoras.
As fontes emissoras, como lâmpadas, velas, vaga-lumes e o Sol, emitem luz própria. As fontes
refletoras são todos os objetos capazes de refletir parte, ou a totalidade, da luz que incide
sobre eles. A intensidade da luz de fontes emissoras é medida em termos de iluminância,
enquanto que no caso de fontes refletoras falamos de medidas de luminância (fig. 4.1).
67
Figura 4.1. Existem dois tipos de fontes luminosas: fontes emissoras e fontes refletoras. Fontes
emissoras como o Sol, lâmpadas, fogo e vaga-lumes emitem sua própria luz. Sua intensidade é
medida em termos de iluminância. Fontes refletoras são todas as superfícies capazes de refletir
total Ou parcialmente a luz que sobre elas incide. Sua intensidade é medida em termos de
luminância. Esta depende tanto da intensidade da luz incidente quanto da proporção de luz
que é refletida pelo objeto.
O albedo (A) de um objeto pode ser calculado facilmente dividindo- se a intensidade da luz
refletida por este objeto (R) pela intensidade da luz que sobre ele inside (1), isto é, aplicando a
fórmula A = R/I.
Uma superfície muito branca é capaz de refletir 80 por cento da luz que incide sobre ela, ao
passo que uma superfície preta reflete apenas cinco por cento desta luz. Cada objeto tem seu
albedo característico, que é, portanto, uma propriedade deste objeto. No período de 24 horas,
as condições de iluminação do ambiente variam consideravelmente, como porém o albedo de
todos os objetos permanece o mesmo, nossa percepção
da sua luminosidade, ou do seu brilho, permanecerá inalterada. Isto é, o meu tênis branco e o
seu sapato preto sempre serão percebidos como branco e preto, respectivamente, não importa
se caminhamos numa praia ensolarada, à sombra dos coqueirais ou sob o luar.
Para avaliar melhor a magnitude da diferença de iluminação existente durante o passeio ao sol
e o passeio ao luar, convém lembrar que a luz solar é 800.000 vezes mais intensa que a luz da
lua cheia. No entanto, a variação da luz incidente não dificultará a percepção da luminosidade,
ou brilho, dos nossos calçados, pois o seu albedo permanecerá constante, como permanecerão
constantes os albedos da areia da praia, das folhas dos coqueiros e da pele. Cabe dizer que o
sapato preto reflete mais luz de dia que o tênis branco de noite (isto é, tem iluminância maior),
o que mostra claramente que nós reagimos à proporção e não à quantidade de luz refletida
que atinge nossos olhos.
Para estudar esta relação, geralmente são necessários experimentos que permitam um
controle rigoroso de todas as variáveis que participam desta capacidade perceptual. A maioria
dos experimentos feitos para estudar a percepção de brilho ou luminosidade ou a constância
de brilho ou luminosidade (esta e outras constâncias serão estudadas no capítulo 8) obedece a
um esquema básico que consiste em apresentar ao sujeito um estímulo visual padrão de um
determinado tom de cinza, isto é, deter-
Fonte emissora
Fonte refletora
68
69
Figura 4.2. Mudanças na percepção de brilho. Olhe para a página deste livro (a). Cubra um olho
com a lente de uns óculos escuros (b) e continue a leitura da página com os dois olhos abertos.
Você notará que a página parece mais escura. Agora retire os óculos (e) e continue a leitura;
você notará que a página parece mais clara ou mais brilhante. Cubra novamente um olho com
a lente dos óculos (d) e você verificará que novamente a página parece mais escura. Deixe os
óculos onde estão, e a seguir, com auxílio da sua mão, cubra completamente o olho diante do
qual se encontram os óculos escuros (e). Apesar da menor quantidade de luz que chega a seus
olhos (um está coberto), a página parecerá mais clara. Retirando a sua (f) mão, você verificará
que esta página do livro parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz
que penetra seus olhos.
minada luminosidade, e pedir que o compare com um conjunto de outros estímulos visuais de
comparação, que podem variar desde o branco até o preto, passando por todos os tons de
cinza intermediários da escala acromática. Trata-se de uma tarefa relativamente simples
quando a iluminação é a mesma para os dois tipos de estímulos visuais, pois todos os sujei-
tos encontram pouca dificuldade para localizar, dentre os estímulos de comparação, aquele
que é igual ao estímulo padrão. No entanto, quando é modificada a iluminação de apenas um
dos estímulos visuais, o sujeito é confundido pelas diferentes quantidades de energia luminosa
refletidas das duas superfícies, pois ele faz seus julgamentos supondo que todos os estímulos
recebem a mesma quantidade de luz.
Antes porém de analisar alguns trabalhos experimentais, façamos uma rápida recapitulação do
que foi visto até agora. Na tabela 4.1 foram resumidos os principais conceitos mencionados até
o presente momento.
Vejamos agora como se procede para executar um experimento cujo principal objetivo é
estudar a percepção de luminosidade ou brilho.
No nosso ambiente normal, a mesma iluminação que atinge o objeto também incide sobre o
ambiente no qual este objeto se encontra inserido. Da comparação entre a quantidade de luz
refletida de cada objeto ("figura") e aquela refletida pelo ambiente ("fundo") no qual se
encontram, o sujeito pode extrair informações adicionais sobre o objeto, isto é, seu albedo. O
fundo desempenha o importante papel de referência, e isto foi demonstrado em experimentos
nos quais os sujeitos eram convidados a comparar o estímulo padrão com os diversos
estímulos de comparação sem que pudessem ver o fundo, isto é, o ambiente no qual os
estímulos se encontravam. Isto foi possível, colocando entre o sujeito e a situação de estímulos
um anteparo, ou tela de redução, que obriga o sujeito a olhar para os estímulos através de um
minúsculo orifício por onde podia avistar apenas os estímulos (fig. 4.3). Nesta situação
experimental, o julgamento das pessoas foi feito levando em consideração a quantidade de luz
refletida dos estímulos e não seu albedo. Quando a tela era retirada, a percepção de brilho era
novamente quase perfeita.
Diante destes resultados experimentais surge a pergunta a respeito do papel da aprendizagem
nesta capacidade perceptiva. Um levantamento criterioso dos principais experimentos
realizados com o objetivo de verificar a influência da aprendizagem sobre a percepção de
luminosidade mostra que, aparentemente, trata-se de uma capacidade perceptiva inata, que
pouco
-'
/\\
70
71
Conceitos
Comentários
Luminosidade ou brilho
Albedo OU reflectância
Iluminância
Luminância
Figura 4.3. Ilustração esquemática de uma situação experimental, vista de cima, a) Sem tela de
redução (anteparo). b) Com tela de redução (anteparo). A: disco giratório branco; B: discos
giratórios branco e preto superpostos que permitem obtenção de diversos tons de cinza para
escolha daquele que parece igual ao disco A; TR: tela de redução; O: observador; J:
janela.
Para evitar a interferência de pequenas manchas e marcas que porventura possam existir sobre
as superfícies dos papéis de várias tonalidades de cinza utilizados nos experimentos a respeito
de percepção de brilho, alguns pesci'i.,adores preferem empregar um disco giratório que pode
ser submetido a altas rotações e assim proporcionar um estímulo visualmente homogêneo. Em
1929, Gelb fez um experimento empregando este tipo de equipamento. Utilizou um disco
completamente preto, sub-
metido a alta rotação, e iluminado por uma lâmpada, de tal forma que nenhuma outra parte
do ambiente, ou do fundo, pudesse beneficiar-se da iluminação proporcionada por esta fonte
luminosa. Os sujeitos eram convidados a se sentar bem em frente ao disco e a responder a
uma única pergunta: "Qual é a cor do disco?" Os sujeitos foram unânimes. Todos responderam
que sem sombra de dúvida o disco era branco. No entanto, quando Gelb pegava um pequeno
pedaço de papel branco e o segurava por alguns segundos na frente do disco, os sujeitos,
muito surpreendidos com o que viam, corrigiam-se imediatamente afirmando que haviam se
enganado; tinham absoluta certeza de que o disco era preto. Quando Gelb retirava o pedaço
de papel branco, afirmavam que não sabiam muito bem o que estava acontecendo, mas
estavam certos de que o disco voltara à sua cor branca inicial. Todos os sujeitos foram
incapazes de perceber a verdadeira cor do disco, isto é, preta, na ausência do papel branco, ou
seja sem um estímulo de comparação. Não importa quantas vezes GeIb repetisse as duas
situações experimentais, os sujeitos não conseguiram aprender a perceber a luminosidade do
disco preto corretamente.
Outros estudos, feitos com crianças de diferentes idades e adultos, mostram que, se houver
alguma aprendizagem de percepção de luminosidade durante o desenvolvimento do ser
humano, ela está completa aos sete anos de idade. E importante ressaltar que o mesmo não
acontece com outras capacidades perceptivas, como, por exemplo, a percepção de tamanho e
sobretudo a percepção de forma, na qual a aprendizagem desempenha um papel
importantíssimo como veremos nos capítulos seguintes.
\A 's/
s \ SI'
5I
J \'t i /
_____________ /
TR
5 t I/
II
OO
ab
72
73
Percepção da cor
Antigamente, na época em que nossas bisavós criaram nossas avós, acreditava-se que o bebê,
ao nascer, era quase incapaz de ver. Supunha-se que o recém-nascido não reconhecia
fisionomias, tampouco distinguia formas e cores. Hoje em dia, em conseqüência das pesquisas
realizadas na área da psicologia do desenvolvimento infantil, os conhecimentos a respeito das
capacidades perceptivas do ser humano por ocasião do seu nascimento estão mudando.
O trabalho realizado por inúmeros cientistas interessados no assunto mostra que, apesar da
acentuada imaturidade e do prolongado período de dependência pós-natal, o bebê vem ao
mundo bem mais preparado para perceber o que acontece ao seu redor do que nossas bisavós,
provavelmente, estariam propensas a acreditar. No capítulo 15 o desenvolvimento perceptivo
será discutido detalhadamente, mas podemos adiantar que dentre os principais resultados
experimentais encontram-se as demonstrações de que nossa capacidade de perceber
distância, profundidade, fisionomia e cor pode ser verificada logo após o nascimento.
No princípio do século passado, Purkinje mostrou que nossa sensibilidade às cores se modifica
quando passamos do escuro para a claridade ou vice-versa. Na lâmina 5.1, encontram-se as
curvas obtidas nestas duas situações. Elas mostram que, no escuro (visão escotópica), o olho é
mais sensível aos verdes (devido à maior sensibilidade dos bastonetes) e, no claro (visão
fotópica), o olho é mais sensível ao amarelo (devido à maior sensibilidade dos cones). Esta
sensibilidade é conhecida como Efeito de Purkinje.
A percepção das cores foi alvo da atenção e curiosidade de numerosos estudiosos, que em
diferentes épocas da história da humanidade tentaram explicá-la. Seus esforços resultaram na
elaboração de teorias, algumas
das quais nos acompanham até hoje. Poetas, como Goethe, e físicos, como Newton, emitiram
suas opiniões a respeito da visão de cores. Após a descoberta, em 1666, de que a luz solar, que
é branca, na realidade é composta por todas as cores do espectro visível, o próprio Isaac
Newton formulou algumas das primeiras hipóteses segundo as quais haveria no olho humano
um receptor para cada cor. As contribuições mais valiosas partiram, no entanto, de fisiólogos
como Thomas Young, Hermann von Helmholtz e Ewald Hering, autores das duas principais
teorias sobre visão de cores.
a primeira formada por MacNichol, Marks e Dobelle (fig. 5.1), a segunda, por Brown e Wald. De
acordo com estes autores, os cones sensíveis ao azul possuem uma substância fotossensível
denominada cianolábio (ciano em grego quer dizer azul), nos cones sensíveis ao verde há uma
substância denominada clorolábio e nos cones sensíveis ao vermelho encontra-se uma
substância denominada eritrolábio ("cloro" e "entro" são prefixos de origem grega que
significam verde e vermelho, respectivamente). Estas
74
75
pesquisas relatam apenas três tipos de cone, não sendo encontrados cones sensíveis às cores
intermediárias, como cor de jerimum (cor de laranja) ou azul-piscina. Como então somos
capazes de perceber todas as demais cores?
Figura 5.]. Absorção espectral (ou sensibilidade espectral) de cones em retinas de seres
humanos (parênteses abertos) e macacos (números). Os resultados foram obtidos através da
microespectrofotometria e mostram que, apesar de serem projetadosf!ashes de luz de quase
todas as cores (comprimentos de onda) do espectro visível, os cones absorvem preferencial-
mente três cores (Azul - 445 nm; Verde - 535 nm; Vermelho - 570 nm). Verificou-se também
que cada um dos cones estudados absorvia preferencialmente apenas uma destas três cores
(comprimentos de onda), o que prova a existência de apenas três tipos de cores na retina.
Luzes de cores intermediárias são absorvidas menos prontamente por um (ou mais) destes três
receptores. Isto pode ser visto pela forma característica das curvas e pela considerável
superposição de algumas delas. Baseado em dados de Marks ei ah, 1964 (no livro de Alpern,
1971) e MacNichol, 1964 (no livro de Robinson, 1977).
Para comprimentos de onda mais curtos ainda, que correspondem ao ultravioleta (que não é
visível para o ser humano), nenhum dos três tipos de receptores fará a transdução, portanto
não serão enviados impulsos nervosos ao cérebro. De modo análogo, o infravermelho,
correspondente aos comprimentos de onda muito longos, não será transduzido.
Como você percebe estes tipos de energia? Como escuro, ou seja, como ausência de luz, não
é? No entanto, se você tivesse olhos iguais aos das abelhas, veria o ultravioleta como uma cor,
porém seria cego. Não somente ao infravermelho, mas também ao vermelho. No caso do olho
ser estimulado com uma mistura da luz de três cores - azul, verde e vermelho - em
determinadas proporções, os três tipos de cones reagirão, e os impulsos nervosos resultantes
levarão o ser humano a perceber a luz como branca, semelhante à luz solar. Na lâmina 5.3a se
encontra uma ilustração das conseqüências da mistura de luzes com estas três cores.
Até aqui analisamos a percepção de cores a nível de receptores, porque estivemos destacando
dados que podem ser explicados pela teoria tricromática. Há, no entanto, um outro conjunto
de dados, perceptivos e neurofisiológicos, que não podem ser explicados por esta teoria.
co
"o
co
-o
co
o)
o)
oc
'o
o)
100 -
50 -
0-
Azul 445 Verde 535 Vermelho 570
.-..-. ,:. .
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• ,'.•.. ', . .
--..
e øt
76
77
Tente fazer a seguinte experiência: procure uma figura relativamente simples, como um
pequeno círculo, triângulo ou coração, que seja de cor vermelha bem intensa; procure também
uma folha de papel bem branco. Agora sente-se em um lugar bem iluminado, com o seu
material. Olhe para a figura fixamente, sem se mover, durante meio minuto (tente contar
lentamente até trinta). A seguir, substitua rapidamente a figura pela folha de papel branco. O
que aconteceu? Olhando para o papel completamente branco você continua vendo a figura
que acabou de tirar, só que agora não mais em vermelho e sim em verde, a sua cor oponente
(complementar). Se você quiser proceder como Hering, procure outras figuras e você verificará
que, se a figura fixada for verde, a sua pós-imagem será vermelha; se for azul, deixará uma pós-
imagem amarela; e vice-versa, se for amarela, sua pós-imagem será azul. Foi por meio de
experimentos como estes, criteriosamente controlados, que Hering formulou a sua teoria
oponente, na qual afirma que a visão de cores ocorre graças a processos oponentes de três
sistemas de cores que se opõem aos pares: vermelho-verde, azul- amarelo e preto-branco. Isto
quer dizer que, quando ocorre a sensação de uma cor como o vermelho, concomitantemente
ocorre uma alteração na sensação do verde. Por este motivo, nas experiências aqui sugeridas,
quando se olha demoradamente para uma determinada cor, há uma diminuição da
sensibilidade do receptor para esta cor. Assim, quando se olha para um campo neutro (branco
ou cinza), que reflete todos os comprimentos de onda por igual, apenas os oponentes de cada
cor seriam ativados, uma vez que o receptor que captou a luz refletida da figura vermelha
encontra- se insensível.
Figura .5.2. Respostas de uma única célula nervosa do cérebro (núcleo geniculado lateral) de
um macaco. Estas respostas foram obtidas inserindo-se um minúsculo microeletrodo no
neurônio, enquanto o animal anestesiado recebia, através dos olhos mantidos abertos, os
estímulos visuais de diferentes cores. E fácil observar que os registros correspondem a uma
célula de atividade oponente do sistema vermelho-verde. Trata-se de um neurônio cuja
atividade espontânea (no escuro) é de aproximadamente 6 ou 7 impulsos. No entanto, quando
o olho é estimulado com luz vermelha (633 nm) sua atividade aumenta, chegando a dobrar o
número de impulsos nervosos. Por outro lado, diante de estimulação com luz verde (533 nm),
sua atividade diminui drasticamente, chegando a uma inibição quase total.
quando, uma luz verde (533 nm) incide sobre o olho do macaco, acontece exatamente o
contrário: as descargas do neurônio cessam quase que completamente, isto é, ocorre uma
inibição da atividade eletro fisiológica da célula nervosa, O mesmo tipo de registro foi
encontrado para células com atividade oponente para azul-amarelo.
Comprimento
1 III Ii
465
480
Verde 533
563
586
603
Vermelho 633
667
706
78
79
tilili
II 1 1
1 liiIL
a II 1
11111
1111
1 ii ali =1
1 1 III 1
liii
'li 1 II l)
1 1 II
1111111 II J
II a
1 III
iii 1111
a 1 III L_
ii
- ii iii
1 ii__i__I_.
11
--
Os resultados experimentais mostram que a oponência dos neurônios visuais é cada vez menos
acentuada. Isto significa que, a nível do olho, uma célula ganglionar responde com excitação
quando os receptores são estimulados com uma luz de 630 nm (vermelho) e, com inibição,
quando a estimulação corresponde a uma luz de 530 nm (verde), portanto é preciso que haja
uma diferença de 100 nm para que esta célula passe do seu estado de excitação máxima para o
estado de maior inibição. No cérebro estas diferenças são gradativamente menores à medida
que se registra a atividade de células nervosas pertencentes a níveis progressivamente mais
elevados do sistema nervoso central. No núcleo geniculado lateral - que corresponde a um elo
intermediário do sistema visual - uma célula que responde com excitação quando o olho do
animal é iluminado com 630 nm (vermelho) passa ao estado de inibição máxima quando sobre
o olho incide uma luz de, por exemplo, 580 nm (amarelo). Neste caso a oponência corresponde
a uma diferença de apenas 50 nm. Em um nível mais elevado ainda, como no córtex visual, a
oponência ocorre entre, por exemplo, 630 nm (vermelho) e 610 nm (laranja), o que
corresponde a uma diferença de apenas 20 nm entre as cores. Com oponências cada vez mais
afinadas, o ser humano finalmente atinge a capacidade de discriminar 128 cores espectrais
(matizes).
Agora você certamente já tem condições de saber o que é a cegueira para cores ou daltonismo.
A que se deve esta anomalia que leva pessoas a confundir o verde com o vermelho e o azul
com o amarelo? Anomalias no tricromatismo ocorrem, provavelmente, devido a proporções
anormais dos três tipos de cones. Entre os tricromatas anormais, a grande maioria tem
deficiência de clorolábio, pois para obter o amarelo no anomaloscópio precisam acrescentar
muito mais verde a uma mistura de luzes vermelhas
Se a pessoa não tiver um dos três tipos de cones, ela será cega a uma das cores, mas também
terá outras deficiências visuais resultantes do menor número de receptores. Quando apenas
um tipo de cone é encontrado, falamos em monocromatas. Da próxima vez que você fizer uma
visita a um oftalmologista, peça para ele lhe mostrar alguns dos testes para cegueira de cores.
Um dos mais conhecidos é o teste de Ishihara e consiste em diversas figuras contendo
pequenos círculos coloridos formando números. Trata-se de um teste muito prático e de fácil
aplicação, pois, se a pessoa tiver visão tricromática normal, reconhecerá determinados
algarismos, se tiver anomalia em um dos tipos de cones, por exemplo se for cega ao vermelho,
reconhecerá outros algarismos. Evidentemente este teste só pode ser utilizado com pessoas
alfabetizadas que saibam ler números. Existem, no entanto, outros testes que podem ser
utilizados com crianças muito jovens e analfabetos. Dentre estes, um dos mais antigos foi
desenvolvido por Alarik Holmgren, na Suécia, e consiste em uma coleção de fios de lã de
diversas cores que deverão ser separados de acordo com a sua cor.
A suposição de que somos capazes de perceber cores ao nascer fortaleceu-se com dados
obtidos em pesquisas psicológicas e neurofisiológicas. Observando a preferência de bebês
colocados diante de dois estímu 80
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los de cores diferentes, foi possível determinar que distinguem as diferentes cores e têm
preferências bem determinadas, pois passam mais tempo olhando para as cores de
comprimento de onda longo, isto é, as chamadas cores quentes. Por meio da
eletroencefalografia (potenciais evocados), é possível registrar a atividade de uma dada região
do cérebro. Assim, quando o olho de um ser humano adulto é estimulado sucessivamente com
numerosos estímulos visuais, cada um de uma cor, observa-se uma resposta característica na
região do córtex occipital (área sensorial primária da visão). Quando se faz o mesmo tipo de
registro com bebês recém-nascidos, obtém-se, aproximadamente, o mesmo tipo de resultado,
indicando que a estrutura neural da visão de cores, aparentemente, já está pronta quando
nascemos. Significa que não precisamos aprender a discriminar as cores. O que aprendemos,
mais tarde, é denominar as cores de acordo com os padrões da nossa cultura. Desta forma, um
esquimó tem cerca de 10 nomes distintos para diferentes tonalidades de branco, que nós
brasileiros aglomeramos entre o "branco" e o "gelo". Para descrever tonalidades
intermediárias, recorremos a adjetivos, sufixos e outros artifícios de linguagem, a fim de poder
transmitir a nossa percepção: falamos de um branco "sujinho" ou de um gelo "claro" ou "muito
clarínho". Para o ouvinte, obviamente, estas explicações .nem sempre serão muito úteis.
Pense, por um momento, na seguinte afirmação: " a arara é azul". Quando fazemos
declarações deste gênero a respeito das cores dos objetos que se encontram em nosso
ambiente, não temos consciência de que na realidade ocorre uma série de coisas muito
interessantes entre a luz do Sol (que é branca, portanto, composta de todos os comprimentos
de onda do espectro visível) que incide sobre as penas da arara, a luz que é refletida da
superfície do corpo da ave e a minha afirmação de que o animal "é azul". Na realidade, o que
se verifica é que, de todos os comprimentos de onda que incidem sobre as penas da arara,
todas as cores são absorvidas pelas penas, exceto a cor azul, que é refletida e atinge minha
retina quando observo o animal. Quando misturamos nossas tintas para pintar, estamos
misturando diversos pigmentos que têm a capacidade de absorver uma parte das luzes do
espectro e refletir outras. Já vimos que misturando três cores de luzes - azul, verde e vermelha
- obtém-se uma luz branca (lâmina 5.3a). O mesmo não acontece, porém, se misturarmos
nossas tintas azul, amarela e vermelha, porque desta vez estamos misturando substâncias
químicas (pigmentos) que têm propriedades próprias, e o resultado será uma tinta de cor
preta. Estas três (azul, amarelo e vermelho) são as cores primárias (lâmina 5.3b). Para obter
uma tinta de cor branca, precisamos de um pigmento que tenha a capacidade de refletir todos
(ou quase todos) os comprimentos de onda da luz solar. A cor que percebemos como preta é
precisamente a quase ausência de luz refletida da superfície de um objeto.
Vamos refletir a respeito dos termos empregados para designar as cores. Percebemos de
imediato que temos apenas quatro termos básicos: vermelho, amarelo, verde e azul. Temos
ainda dois termos relativamente distintos: marrom e violeta. Existem algumas cores que são
designadas pela combinação dos termos acima mencionados, como, por exemplo, azul-
esverdeado, verde-azulado, amarelo-esverdeado e assim por diante. Um grande número de
matizes são descritos através da comparação com objetos característicos, como, por exemplo:
azul-celeste, verde-garrafa, amarelo-ouro, vermelho-tijolo e cor de areia. Deve-se ter em
mente, porém, que este tipo de designação não está completamente livre de ambigüidades,
pois os "objetos característicos" podem ser incomuns, não existir ou apresentar coloração
diferente em diferentes regiões geográficas. A designação "cor de laranja", usual nos Estados
do sul do Brasil é freqüentemente substituída por "cor de jerimum" no nordeste, pois nesta
região as laranjas, além de menos freqüentes, têm usualmente uma coloração amarelo-
esverdeada.
Por outro lado, dar nomes cientificamente corretos às cores sempre foi um problema difícil, e
dentre as propostas mais importantes para uma solução encontra-se a sugestão dada em 1915
por um retratista americano de nome Albert Munseli. Ele criou um sistema de representação
tridimensional de cores que permite incorporar as variáveis brilho, matiz e saturação. O brilho
refere-se à intensidade de cor. O matiz refere-se ao comprimento de onda e é a característica
do estímulo que percebemos como cor; a saturação refere-se à pureza da cor. Tomemos o cor-
de-rosa como exemplo: vermelho e cor-de-rosa têm o mesmo matiz, isto é, a mesma cor, o que
os distingue é sua saturação, pois o cor-de-rosa é um vermelho diluído. O sólido elaborado por
Munsell assemelha-se a uma laranja de 20 gomos, na qual cada gomo é reservado para uma
determinada cor que pode variar de saturação, dependendo da distância a que ela se encontra
do eixo central onde se concentram os tons mais acinzentados (menos saturados). Variações no
brilho, que é outra variável das cores, são ordenadas de baixo para cima em cada gomo e
dependem da quantidade de branco ou preto que foi adicionado à cor. Aproximadamente a
mesma representação foi adotada por Geldard quando elaborou o fuso de cor mostrado na
figura 5.3. Na lâmina 5.4, encontra-se um círculo de cores, ou círculo cromático, contendo as
cores do espectro solar e a púrpura, que não faz parte deste espectro.
Depois que duas repórteres americanas divulgaram o caso de uma camponesa russa que era
capaz de discriminar cores com as mãos, verificou- se que muitas pessoas possuíam esta
mesma capacidade, para a qual não
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Verde
Figura 5.3. Uma forma simples do fuso de cor. A dimensão de brilho é representada pelo eixo
vertical, que vai do branco ao preto, passado por todos os cinzas discrimináveis. A saturação da
cor é representada pelo raio do círculo central e seu perímetro representa o matiz. E no
perímetro do fuso que se encontram todos os comprimentos de onda do espectro visível
(cores), bem como as púrpuras que são cores não espectrais resultantes da mistura de cores
das extremidades do espectro (violeta e vermelho). Trata-se, portanto, de cores que não são
monocromáticas.
teloso conseguiu demonstrar que não se tratava de poderes misteriosos que estas pessoas
possuíam. Seu primeiro cuidado foi medir a quantidade de calor que era absorvida ou refletida
de superfícies de diferentes cores. A seguir, comparou estas medidas com os limiares
diferenciais para temperatura e descobriu que a diferença entre a quantidade de calor refletida
por uma superfície vermelha e uma superfície azul é muito maior que o limiar diferencial
médio para temperatura do ser humano. Isto é, os receptores de temperatura da palma da
mão têm sensibilidade suficiente para perceber o calor refletido pelos objetos. Depois que
foram demonstradas as propriedades do sistema sensorial envolvido, o assunto passou da
percepção extra-sensorial para a percepção sensorial.
havia uma explicação. Não se encontrava na pele destas pessoas nada que
se assemelhasse a um fotorreceptor. Alguns autores chegaram a afirmar que aproximadamente
trinta por cento das pessoas teriam esta capacidade, e publicaram-se manuais ensinando as
principais etapas para a aquisição desta discriminação. Após muita controvérsia, um cientista
mais cau o
Branco
Preto
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O espaço que nos cerca e os objetos nele contidos podem ser percebidos através de várias
modalidades sensoriais. Por exemplo, você está lendo uma revista em seu quarto. De repente,
ouve o choro de um bebê. O choro persiste. Você resolve ir até o berço instalado em outro
quarto para ver o que aconteceu. Lá, você se depara com uma pequena criatura muito infeliz,
que rapidamente se aloja em seus braços. Por meio da visão você pode comparar o bebê com
o tamanho do berço e o comprimento de seus braços. Desta forma, avalia corretamente o
tamanho do rebento. O corpo do bebê exerce pressão sobre a pele de seus braços e, para
mantê-lo aconchegado em seu colo, os músculos dos seus braços se contraem. Esta pressão e
contração fornecem informações adicionais a respeito do peso e tamanho do pequeno chorão.
Ao afagá-lo, você sente a maciez da sua pele e verifica que sua temperatura está normal. Ao
beijar-lhe a cabeça, sente aquele cheirinho característico de bebê novo.
Neste exemplo, as informações foram captadas e transduzidas por, pelo menos, quatro
modalidades sensoriais: audição, visão, tato e olfato. Pela audição você tomou conhecimento
da presença do bebê chorão. A intensidade do som permitiu avaliar a distância a que se
encontrava, isto é, se estava dentro da casa, no quintal ou no vízinho. A direção do som, por
sua vez, forneceu informações sobre o local da residência em que o bebê se encontrava.
Através destas informações auditivas, você foi capaz de identificar, com precjsão, uma parte do
espaço ao seu redor. Avaliou alguns dos elementos nele contidos como, por exemplo, o local e
a distância a que se encontrava a fonte sonora, e então deu início a uma seqüência de
comportamentos que culminaram com a sua presença diante do berço. Através da visão, olfato
e tato você pôde coletar mais informações a respeito do estado físico e emocional do bebê:
não estava ferido (visão), não
havia vomitado (visão e olfato), não estava molhado (visão, tato e olfato)
e não estava com febre (tato). Suas conclusões seriam bem diferentes se
Para compreender melhor os aspectos visuais da percepção espacial, podemos iniciar nosso
estudo com situações mais simples. Dediquemos nossa atenção a apenas duas dimensões do
espaço: a verticalidade (para cima - para baixo) e a horizontalidade (esquerda - direita). O
exame destes aspectos bídimensionais do espaço permite avaliar a largura, altura, forma e
tamanho de figuras e objetos. O ser humano, no entanto, vive em um mundo tridimensional,
onde a percepção da espessura ou profundidade dos objetos e a distância que deles nos separa
também é fundamental. Veremos mais adiante a delicada relação entre a percepção visual do
espaço bi e tridimensal, a percepção da contração e relaxamento de nossos músculos e a
percepção do equilíbrio de nosso corpo.
De 1930 a 1960, Witkin e outros pesquisadores realizaram uma série de experimentos que
consistiam, basicamente, em pedir às pessoas que colocassem uma haste na posição vertical. A
princípio, isto parecia muito simples. Mas começou a ganhar complexidade à medida que
novas condições experimentais foram sendo investigadas. Por exemplo: a presença ou
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ausência de outros estímulos visuais além da haste vertical; a orientação espacial destes, como
paredes e molduras verticais ou inclinadas; a variação das condições posturais, acomodando os
sujeitos em cadeiras inclinadas; a alteração da estimulação proprioceptiva, pela força
centrífuga e gravitacional resultante da rotação do cubículo em que o sujeito se encontrava.
Estes experimentos mostraram que nossa percepção de verticalidade e horizontalidade
(espaço bidimensional) é resultante da interação entre fatores visuais e proprioceptivos.
Os indícios visuais são predominantes. Porém, à medida que são removidos, a percepção do
espaço bidimensional passa a depender, cada vez mais, da estimulação proprioceptiva
resultante da contração dos músculos e do equilíbrio ou desequilíbrio do corpo. E mais ou
menos como diz o velho ditado "quem não tem cão, caça com gato".
Um resultado adicional, encontrado nestas pesquisas sobre percepção do espaço, mostrou
uma relação entre características de personalidade e a maior ou menor dependência de
indícios visuais ou proprioceptivos. Pessoas extrovertidas tendem a basear-se mais em indícios
externos fornecidos pela visão, para colocar a haste na posição vertical. Pessoas introvertidas
utilizam, predominantemente, indícios fornecidos pelo próprio corpo, através das sensações
proprioceptivas.
A contribuição dos indícios proprioceptivos torna-se evidente quando tentamos nos locomover
num recinto completamente escuro. Apalpando aqui e ali, conseguimos recolocar em sua
posição vertical correta móveis e objetos derrubados, tendo como único ponto de referência
nossa própria postura e sensação de equilíbrio. Se você quiser testar sua capacidade de
perceber a verticalidade de objetos, experimente, com os olhos venda- dos, recolocar na
posição vertical um quadro anteriormente desalinhado na parede. A incrível interação entre
indícios visuais e proprioceptivos pode ser avaliada nos relatos de pessoas que foram
submetidas à gravidade próxima de zero, isto é, ficaram sem peso como os astronautas no
espaço. A princípio, elas têm dificuldades de orientar-se, mas acabam se adaptando a um
ambiente no qual tudo flutua. Documentários filmados durante os vôos espaciais e a
caminhada dos astronautas na Lua mostram claramente esta capacidade de adaptação.
- Primeiro, os músculos que controlam a posição dos nossos olhos quando fitamos objetos
próximos e distantes (fig. 6.1). Se você quiser sentir estes músculos, experimente a seguinte
ginástica. Segure um lápis com o braço estirado à sua frente (fig. 6.2). Olhe para o lápis,
prestando atenção ao tamanho e visibilidade dos objetos atrás dele. A seguir, olhando
fixamente para o lápis, aproxime-o de seu nariz. Seus olhos estarão convergindo para uma
posição gradativamente mais desconfortável. Quando estiver com o lápis bem próximo de seu
nariz, preste atenção novamente ao tamanho dos objetos atrás do lápis. Você notará que
parecem consideravelmente menores. Isto é, à medida que aumenta a distância entre o lápis
Nervo óptico
Tróclea
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dos olhos proporciona informações tanto sobre a que distância se encontra o objeto que
estamos observando, quanto sobre a distância entre ele
- Segundo, os músculos ciliares (fig. 6.3), responsáveis pela curvatura e espessura do cristalino,
que, por sua vez, tem a finalidade de acomodar a imagem do objeto com nitidez sobre a retina.
Para objetos que se encontram a distâncias superiores a 8 metros, estes músculos não
fornecem indícios de profundidade. A esta distância, o cristalino já tem sua curvatura mínima.
Você já pensou como deve ser o mundo visual das galinhas? Cavalos e algumas espécies de
aves e peixes possuem olhos voltados para duas regiões completamente diferentes do
ambiente. Disto resultam duas imagens retinianas bem distintas. Elas têm em comum apenas
uma pequena parte do campo visual situada bem à sua frente. No ser humano, no entanto,
Figura 6.3. Músculos ciliares, responsáveis pela espessura do cristalino, a) Músculo relaxado
os olhos estão na frente da cabeça, ambos voltados para o mesmo campo visual. A distância
relativamente pequena (aproximadamente 6,5 cm) entre as duas pupilas dá origem a duas
imagens retinianas levemente discrepantes. Para avaliar a magnitude das diferenças, faça a
seguinte tentativa:
pegue um lápis, feche um olho, e com o outro olhe para um objeto a uma certa distância, como
um quadro na parede, por exemplo. A seguir estenda seu braço. Tente alinhar o lápis, de tal
forma que ele cubra uma parte específica do quadro. Permaneça imóvel nesta posição. Agora,
feche o olho que estava aberto e abra aquele que estava fechado. O que acontece? Parece que
o lápis mudou de posição em relação ao quadro, o que não é verdade, pois o seu braço
permanece firme e imóvel no mesmo lugar. Comece a piscar, fechando e abrindo os olhos
alternadamente. Você verá o lápis "pulando" de um lado para o outro. Isto ocorre porque cada
olho recebe uma imagem um pouco diferente dos mesmos objetos, isto é, há uma discrepância
entre as duas imagens. Esta discrepância é conhecida como disparidade bin ocular, disparidade
retiniana ou estereopsia. E precisamente da desigualdade das imagens projetadas nos dois
olhos que o cérebro extrai a informação sobre a que distância o objeto se encontra do obser
Acomodaçã
para longe
Figura 6.2. A convergència dos olhos, a) Diante de objetos distantes. b) Diante de objetos muito
próximos.
ciliar
90
91
('/:
dq,o
vador. Isto pode ser comprovado com o auxílio de aparelhos conhecidos como estereoscópios.
O efeito é obtido tirando-se duas fotos do mesmo objeto, no mesmo momento, com duas
máquinas fotográficas colocadas a 6,5 cm uma da outra, ou seja, à mesma distância de um olho
para o outro. As duas fotos levemente desiguais são colocadas no estereoscópio, que projeta
imagens separadas e diferentes em cada olho. Portanto, o observador encontra-se numa
situação semelhante àquela verificada durante a visão normal. Da diferença entre a
estimulação, resulta a impressão de profundidade.
Além dos indícios musculares e binoculares, há uma série de outros que permitem a percepção
de espaço quando a observação é feita com um olho apenas. Os denominados indícios
monoculares são comumente utilizados quando se deseja criar a percepção de espaço em
fotografias, desenhos e pinturas. O cinema e a televisão, que nada mais são do que a projeção
de imagens em telas, recorrem a estes recursos com muita freqüência. E difícil imaginar que,
em outras eras da civilização ocidental, os artistas não tivessem conhecimento de muitas
normas hoje consideradas elementares. L.eonardo Da Vinci (1452-1519), durante o
Renascimento, foi responsável pela primeira descrição detalhada da perspectiva, um dos
indícios monoculares de distância. Dentre os vários indícios monoculares, destacaremos
alguns, como: tamanho relativo dos objetos, perspectiva linear, gradiente de textura e
densidade, superposição ou interposição, luz e sombra, perspectiva aérea e paralaxe de
movimento (fig. 6.4).
Figura 6.4. Alguns dos principais indícios monoculares de distâncias. Tamanho relativo: objetos
de mesmo tamanho colocados a diferentes distâncias projetam imagens de diferentes
tamanhos sobre a retina - os próximos produzem imagens grandes e os distantes, imagens
pequenas. Isto é, o tamanho relativo da imagem retiniana pode proporcionar informações
sobre a distância a que o objeto se encontra. Uma imagem pequena pode significar um objeto
grande distante ou um objeto pequeno próximo. Perspectiva linear: paralelas sâo retas que nâo
se encontram. Porém, os trilhos da ferrovia e as marcas dos pneus na auto-estrada parecem
convergir à distância no horizonte. Esta convergência aparente de paralelas é um dos sinais dos
quais nosso cérebro extrai informações a respeito da distância. Gradiente de textura: sempre
que nos deparamos com numerosos elementos semelhantes formando uma superfície como
ladrilhos, tacos ou pedras no chão, aqueles que estão próximos projetam imagens retinianas
maiores que os distantes. Esta diferença progressiva das imagens retinha- nas proporciona um
gradiente de textura no qual os elementos distantes parecem gradativamente menores e mais
numerosos. Superposição: dados dois objetos, se um oculta parcial- mente o outro, este é
percebido como estando mais próximo. Luz e sombra: a maioria das fontes luminosas
encontra-se no alto conferindo um conjunto característico de luz e sombras ao ambiente. Em
geral a parte superior dos objetos é mais brilhante, havendo sombra na parte inferior. Se você
virar o livro de cabeça para baixo, provavelmente a "bola" sobre a caixa parecerá uma
cavidade, e a cavidade parecerá uma bola pendurada no teto. Perspectiva aérea: objetos muito
distantes parecem embaçados e azulados.
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• Tamanho relativo dos objetos
Como vimos, quando um objeto se afasta do observador, sua imagem projetada na retina
diminui gradativamente de tamanho. Portanto, dois objetos conhecidos e de igual tamanho,
um próximo e outro distante, projetarão imagens de tamanhos diferentes na retina. E
precisamente desta diferença de tamanho que o cérebro extrai informação sobre a distância a
que se encontram os objetos. Como se vê, a percepção de tamanho e a percepção de distância
estão vinculadas. A importância desta relação torna-se óbvia nas discrepâncias encontradas em
descrições de objetos desconhecidos encontrados em lugares ermos ou mal iluminados,
desprovidos de pontos de referência para o julgamento do tamanho ou da distância.
• Perspectiva linear
Você certamente já notou que os trilhos de uma estrada de ferro, apesar de paralelos, parecem
convergir em algum ponto no horizonte distante. O mesmo acontece com os acostamentos das
estradas de rodagem e com as árvores que ladeiam longas alamedas. A esta convergência
aparente de linhas paralelas no horizonte damos o nome de perspectiva linear. Na
representação bidimensional em desenhos e fotografias, os trilhos sempre aparecem como
convergentes. Disto resulta a impressão de profundidade e distância.
Superfícies inteiramente lisas são raras. De um modo geral, a superfície dos objetos é irregular,
possuindo estruturas que se distribuem de forma mais ou menos uniforme por toda a sua
extensão, dando-lhe uma textura particular. E o que ocorre com a pele, a areia da praia, as
pedras do chão, o veludo, um gramado ou uma parede de tijolos. Da próxima vez que você
estiver no corredor da sua Faculdade, preste atenção ao chão, em particular ao piso de taco,
ladrilho ou pedra. Verifique como, à medida que seu olhar se fixa mais longe, as pedras
parecem menores e mais numerosas. Sua textura adquire um aspecto gradativamente mais
fino ou mais denso. Portanto, a textura da superfície fornece informações importantes a
respeito da distância a que se encontram as pessoas e objetos do nosso ambiente. Por
exemplo, observe dois amigos jogando bola em um campo de futebol. Aquele que estiver
sobre a região do gramado que se assemelha a um denso tapete de veludo parecerá mais
distante do que o outro, que joga na região do campo mais próxima de você, onde ainda é
possível discriminar folhas e falhas na grama. Estas modificações gra duai
formam um gradiente de textura em que objetos distantes são encontrados nas regiões do solo
cujas projeções retinianas são pequenas. Nas regiões do solo que projetam imagens maiores,
estarão os objetos mais próximos.
Além das modificações na textura, é preciso lembrar que, na forma dos elementos da
superfície, também ocorrem modificações aparentes, conforme as regras da perspectiva
descritas anteriormente. Voltemos ao chão do corredor da sua Faculdade: além de parecerem
menores e mais numerosos à distância, os ladrilhos (tacos ou pedras) que são quadrados (ou
retangulares) parecem possuir uma forma trapezóide. Ou seja, o lado mais distante do ladrilho
projeta uma imagem menor na retina do que o lado mais próximo de você.
O gradiente de textura da superfície varia de acordo com a sua inclinação, fornecendo
informações importantes sobre subidas e descidas de ruas, rampas e estradas e a presença de
despenhadeiros ou degraus. Quando a superfície do chão é muito lisa, uniforme e mal
iluminada, é difícil perceber degraus. Por esta razão, é prudente acrescentar faixas coloridas ou
de material contrastante, para criar um gradiente de textura e assim evitar acidentes.
E preciso não esquecer que estamos estudando cada um destes indícios, separadamente, com
o intuito de conhecê-los melhor. Porém, quando nos movimentamos em nosso dia-a-dia, todos
eles operam em conjunto, proporcionando-nos meios de julgar o ambiente pronta e
precisamente.
Há uma lei da Física que afirma, muito acertadamente, que dois objetos não podem ocupar o
mesmo espaço ao mesmo tempo. Na retina, as imagens dos objetos de um mundo de três
dimensões são projetadas sobre uma superfície de apenas duas dimensões, na qual não existe
a dimensão da profundidade. A informação sobre a distância e a profundidade é preservada
por meio da oclusão parcial de uma imagem pela outra. Se estivermos observando três ou
quatro objetos enfileirados à nossa frente, o primeiro projetará sobre nossa retina uma
imagem que encobrirá parcialmente o segundo. Este, por sua vez, ocultará uma parte do
seguinte, e assim sucessivamente. Esta interposição, superposição ou oclusão proporciona um
forte indício para a percepção da distância relativa entre objetos.
• Luz e sombra
No mundo em que vivemos, a iluminação vem quase sempre de cima, do Sol, da Lua ou das
luminárias do teto. Iluminação colocada em outras regiões do ambiente proporciona efeitos
surpreendentes e por ve 94
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zes assustadores. Decoradores e diretores de filmes de terror utilizam-se deste recurso com
freqüência. Experimente olhar-se no espelho, num recinto completamente escuro, tendo como
única fonte de iluminação uma lanterna, colocada um pouco abaixo do seu queixo, iluminando
seu rosto de baixo para cima. Que tipo de emoção você sentiu ao contemplar-se assim no
espelho? Peça a participação de familiares e amigos. Verifique como a sua reação muda à
medida que uma outra pessoa movimenta lenta- mente a posição da lanterna do queixo para a
testa, onde a luz deverá ser apresentada de cima para baixo.
Em parte, a beleza surpreendente do nascer e pôr do Sol é devida aos efeitos de luz e sombra
criados nos objetos e paisagens, alterando seu tamanho e forma. Proprietários de casas
noturnas de espetáculos aproveitam-se deste indício para criar climas especiais de
entretenimento, instalando a iluminação no chão. Diretores de filmes de terror e técnicos de
efeitos especiais, no cinema e na televisão, lançam mão deste indício para nos proporcionar
espetáculos convincentes. Técnicas modernas de maquilagem oferecem à mulher a
oportunidade de alterar o rosto, através dos efeitos de luz e sombra, permitindo ressaltar
alguns aspectos de sua fisionomia e atenuar outros. E fácil entender que cosméticos mal
empregados podem produzir drásticos efeitos, contrários aos desejados.
Já vimos, no item anterior, que a oclusão parcial de imagens na retina é um indício da distância
relativa entre objetos.
Perspectiva aérea
Eis aí um indício de distância muito conhecido de todos que vivem na zona rural e em cidades
poluídas. Quanto maior a distância maior o número de partículas de água, pó e poluentes
existentes no ar, entre observador e objeto observado. Disto resultam objetos que parecem
progressivamente menos nítidos, mais azulados, violáceos ou acinzentados. Cor
seqüentemente, menos detalhes poderão ser discriminados. O recurso c empregar figuras
pouco nítidas e azuladas é freqüentemente utilizado por artistas que desejam criar a percepção
de profundidade em seus desenhos, pinturas e filmes, O emprego de fumaça e vapor nos
modernos shows de música alteram a percepção de distância nos palcos de pouca
profundidade.
• Paralaxe de movimento
Este é o último dos indícios de profundidade que descreveremos, lembrando que ainda
existem outros. Trata-se de um indício cinético, pois é produto da movimentação do próprio
observador ou dos objetos observados. Da próxima vez que você estiver em um veículo em
movimento,
preste atenção ao seguinte detalhe: objetos próximos, como postes, árvores, portões e
porteiras, parecem movimentar-se rapidamente no sentido contrário ao seu. Ao passo que
edifícios, casas e colinas distantes, além do seu ponto de fixação visual, parecem deslocar-se
lentamente com você, isto é, no mesmo sentido. Esta aparente discrepância entre o
movimento de objetos próximos e distantes fornece importantes indícios sobre a profundidade
do espaço em que você se encontra. E denominada de paralaxe de movimento. Se, por outro
lado, você não quiser esperar até seu embarque em um veículo, tente a seguinte experiência
imediatamente: pegue dois lápis; segure um com a mão esquerda, próximo de seu rosto; o
outro com a mão direita e com o braço bem esticado à sua frente. Olhe fixamente para o lápis
próximo e mova a sua cabeça de um lado para o outro, sem perder o lápis de vista. Observe o
que acontece com o lápis distante: ele parece mover-se na mesma direção que a sua cabeça.
Agora faça o mesmo, olhando fixamente para o lápis distante. Mova novamente a cabeça de
um lado para o outro. Você verá que, desta vez, o lápis próximo, para o qual você não estava
olhando, desloca-se na direção contrária ao movimento lateral da sua cabeça.
A paralaxe de movimento pode ser considerada o principal indício de profundidade, pois está
presente em recém-nascidos mesmo antes que estes possam coordenar os movimentos de
seus olhos. Adultos que possuem apenas uma vista funcional valem-se do mesmo indício,
como é possível verificar pela movimentação característica de sua cabeça quando querem
julgar a distância. E utilizada também por animais, como, por exempio, galinhas e cavalos,
dotados de olhos cujos campos visuais são separados ou têm pouca ou nenhuma sobreposição.
Por meio do sistema auditivo, muitos objetos e elementos do ambiente podem ser detectados,
localizados e identificados, permitindo que sua natureza e trajetória no espaço sejam
prontamente percebidas. Você, certamente, ainda se recorda da importância de possuirmos
dois olhos e do fa 96
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parte das pessoas portadoras de deficiências visuais. Elas se utilizam do eco de seus próprios
passos para obter informação sobre a presença de objetos próximos. Neste caso, os ecos
desempenham um papel importante em sua locomoção. Um mecanismo de orientação
espacial semelhante é utilizado pelos morcegos enquanto voam. Através do eco de sons
gerados por eles mesmos, caçam mjnúsculos insetos. Evitam colisões com objetos do
ambiente, voando com espantosa agilidade e precisão. O "sonar" provoca eco no meio líquido
e permite detectar, com auxílio de aparelhos especiais, cardumes e objetos submersos. Na
Medicina, sua aplicação oferece a oportunidade de obter informações sobre as características e
funcionamento de estruturas anatômicas, como o coração e os órgãos genitais do feto, muito
antes de seu nascimento. Desta forma, o médico avalia o desenvolvimento do feto e, também,
os pais são auxiliados na escolha do nome e da cor do enxoval do bebê. A ecografia é uma
descrição muito útil da forma e funcionamento do coração. O ser humano não tem receptores
adequados para captar os sons empregados no sonar. Estes são emitidos e captados por
aparelhos especiais que os transformam em estímulos visuais.
nele contidos.
Dizem que "tamanho não é documento". Convém lembrar, no entanto, que a pele é o maior de
nossos órgãos sensoriais. E prontamente empregada pelo bebê recém-nascido, ao iniciar sua
interação com o ambiente. De certa forma, a pele se assemelha à retina do olho e à cóclea do
ouvido. Nos três órgãos sensoriais, os receptores encontram-se agregados, um ao lado do
outro, em uma superfície sobre a qual incide a energia existente no ambiente. Por meio da
visão e da audição, freqüentemente tomamos conhecimento de objetos muito distantes, como,
por exemplo, um avião a grande altitude. As vezes, o tato também nos auxilia a perceber
melhor objetos distantes. E o que ocorre quando passamos em frente de uma geladeira cuja
porta está entreaberta. O ar frio que sai da fresta é prontamente percebido pelos receptores
térmicos da pele. A intensidade da temperatura permitirá avaliar se estamos próximos ou
distantes do aparelho. Quando adormecemos sobre a esteira, na praia ou na beira da piscina,
os receptores térmicos não permitirão que o sol seja esquecido. De um mo 98
99
do geral, no entanto, o tato fornece informações sobre objetos que já estão em contato com
nossa pele. Um exame mais detalhado pode fornecer informações importantes a respeito da
temperatura, forma e tamanho do objeto. O tato contribui para tomarmos consciência de
nosso próprio corpo, auxiliando-nos a discriminar o "Eu" do "Não Eu", isto é, diferenciar nosso
corpo dos demais objetos do ambiente.
Enquanto escrevíamos estas linhas, sentimos o cheirinho da carne assando sobre a brasa da
churrasqueira de um de nossos vizinhos. Com um leve movimento de cabeça, foi fácil localizar
a fonte do conhecido odor:
estava na direção do quintal. Portanto, sem sair do gabinete, foi possível tomar conhecimento
de objetos relativamente distantes, como a churrasqueira, carvão e carne de casas vizinhas. A
intensidade do cheiro permitiu avaliar a distância do churrasco. Para maiores informações
sobre a localização exata, forma, cor e tamanho do churrasco, precisamos da visão. Para saber
se o tempero estava bom, bastou felicitar o vizinho aniversariante e aceitar o prato que nos
ofereceram. Estava delicioso! Temos duas narinas pelas quais o odor das substâncias penetram.
Portanto, se o odor está sendo propagado por uma brisa que vem da direita para a esquerda,
atingirá primeiramente uma narina e, depois de fração de segundos, a outra. Como na audição,
o resultado é uma diferença temporal entre a estimulação olfativa proveniente dos receptores.
Porém nós não percebemos dois cheiros; percebemos um odor que vem de um lado. Isto é, a
discrepância temporal entre os estímulos permite perceber a localização da fonte de
estimulação. Através do olfato, recebemos informações sobre determinadas características
qualitativas do espaço, imediato e distante. Por exemplo, podemos avaliar se o local em que
nos encontramos é arejado ou se está abafado, se a água da piscina contém cloro, se há ou não
vazamento de gás no fogão. Estas informações a respeito do espaço e dos objetos nele
existentes são fundamentais para a nossa sobrevivência. Não poderiam ser fornecidas pela
visão e audição. ,.--
/ 3_' '.
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100
Nossa percepção de tamanho é excepcional. Vejamos se você concorda: coloque sobre uma
mesa um objeto qualquer, como um copo ou este livro. A seguir, dê um passo para trás. Olhe
bem para o objeto e diga, em voz alta, quantos centímetros você acha que ele tem de altura
(ou comprimento). A seguir, dê mais um passo para trás e faça um novo julgamento de seu
tamanho que seja independente do julgamento anterior. Continue procedendo da mesma
maneira por mais uns cinco ou seis passos, sempre observando atentamente o objeto. Você
verificará que, à medida que você se afasta do objeto, sua percepção de tamanho permanece
inalterada. Esta singela experiência pode parecer uma tolice. Mas é justamente a constância de
seu julgamento sobre o tamanho do objeto que é intrigante.
Tente repetir a mesma experiência. Porém, desta vez, sejamos mais cautelosos. Afaste-se mais
ou menos um ou dois passos do objeto e feche um olho; com um lápis na mão, estenda o braço
bem à sua frente. Tente marcar a altura do copo ou do livro com o polegar sobre o lápis, como
fazem os desenhistas e pintores quando querem medir o tamanho de objetos. A seguir, dê um
passo para trás e torne a medir o tamanho do copo com o seu lápis; proceda desta maneira a
cada passo que se distanciar. E agora, o que você verificou? Quanto maior a distância entre
você e o copo, menor o tamanho assinalado com o seu polegar no lápis. A imagem projetada
na retina sofre modificações semelhantes. Com o aumento gradual da distância, verifica-se a
correspondente diminuição do tamanho da imagem. E é desta imagem na retina que resultarão
os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. O que intriga, no entanto, é que seu
julgamento a respeito do tamanho do objeto corresponde ao tamanho real e imutável. Isto é,
apesar da redução do tamanho da imagem na retina você não percebe o objeto como se
estivesse encolhendo. Como explicar esta excepcional capacidade de perceber corretamente o
tamanho dos objetos?
Movidos por esta curiosidade, vários pesquisadores dedicaram seu tempo e interesse ao
estudo da percepção de tamanho. Verificaram que ela depende da percepção da distância (ou
profundidade) e dos demais objetos próximos. Tudo indica que a correta percepção de
tamanho só é pos101
sível porque respondemos a uma relação entre objetos. Isto é, objetos e demais elementos do
ambiente, próximos do objeto observado, determinam a nossa percepção de seu tamanho.
Disto se aproveitam diretores de cinema, televisão, teatro e companhias de propaganda,
confeccionando mobília e outros objetos de grandes dimensões, para dar a impressão de que o
personagem da história é muito pequeno. Quando o efeito contrário é desejado, ou seja,
proporcionar-nos a impressão de que determinado modelo de automóvel ou poltrona é grande
e espaçoso, esses objetos são inseridos entre outros objetos pequenos, ou, então, são
contratados apresentadores muito charmosos, porém de baixa estatura. Já vimos que um dos
indícios de tridimensionalidade do espaço, o gradiente de textura, informa sobre a que
distância se encontram partes diferentes de grandes superfícies, como o solo e as paredes,
uma vez que os seus elementos, como pedras e tijolos, localizados a grandes distâncias,
projetam imagens retinianas muito pequenas.
Quando somos convidados a julgar o tamanho de objetos, em circunstâncias nas quais não é
possível compará-los com outros objetos, nem julgar a distância, verifica-se que, se o objeto é
conhecido, nossa percepção do seu tamanho é correta porque o julgamos de memória. Se,
porém, o objeto é desconhecido, cometemos erros perceptivos. Esta é uma das causas
prováveis das discrepâncias entre os relatos de pessoas que alegam terem visto discos
voadores. Os erros perceptivos serão obviamente maiores quando as circunstâncias forem
pouco propícias para o julgamento da profundidade, isto é, quando forem vistos em céu
aberto, em praias ou campos desertos, ou na penumbra. Quando a distância entre observador
e objeto for muito grande, a percepção de tamanho pode ficar comprometida. Por isto nos
surpreendemos que automóveis vistos do alto de arranha-céus pareçam brinquedos e pessoas
se assemelhem a formiguinhas. Existem, no entanto, relatos de pedreiros e limpadores de
janelas, acostumados a trabalhar a grandes alturas, mostrando que a experiência desenvolve
uma correta percepção do tamanho dos objetos e pessoas observadas no solo. Estes
profissionais não relatam a sensação de ver miniaturas.
O tamanho dos objetos também pode ser percebido pela interação entre tato e cinestesia. Para
pegar uma chave escondida sobre um guarda-roupa, em um quarto completamente escuro,
dependeremos do tato e da cinestesia para encontrar o guarda-roupa. Levantando os braços a
fim de alcançar o alto do móvel, os receptores cinestésicos nos informam se ele é mais ou
menos da nossa altura. Se precisarmos ficar na pontinha dos pés, os receptores cinestésicos
das pernas permitirão um julgamento mais seguro de que se trata de um objeto bem mais alto
que nós. Ao esbarrar com a mão na chave, tato e audição fornecerão informações conjuntas
sobre as suas características.
oQo
o
o
sicas.
102
103
Percepção da forma
Em todos os objetos que percebemos visualmente, o que mais nos chama a atenção e o que
nos parece mais importante é a sua forma. Em geral, quando solicitados a descrever um objeto,
definimos em primeiro lugar sua forma, só depois descrevemos sua cor, seu brilho e, talvez, por
último vamos nos referir a um seu possível movimento. Por ordem de importância, esta é a
seqüência que as qualidades de um objeto têm para nós. Mas de modo algum corresponde à
seqüência da percepção mais elementar à mais complexa. Como veremos no capítulo 11,
referente à percepção de movimento, é este o percepto mais primitivo. Muitos animais apenas
vêem um objeto quando está em movimento. A habilidade que os seres humanos têm em
olhar para um objeto estacionário e perceber até os mínimos detalhes de sua forma é
reservada apenas aos animais que se encontram nas posições mais elevadas na escala
filogenética. A habilidade de ver formas estacionárias envolve um alto grau de atividade e
desenvolvimento cortical. Certamente, envolve algumas das funções mais complexas do
sistema visual.
como ponto de partida recentes descobertas fisiológicas a respeito do sistema visual, e outra,
uma teoria clássica, a teoria da Gestalt. Esta última é tradicionalmente considerada a psicologia
da forma por excelência, tendo constituído uma escola. Nascida na Alemanha no início do
século XX, com Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Kõhler, em oposição ao behaviorismo
dos Estados Unidos, mantém adeptos até os dias de hoje.
Esta atuação recíproca entre neurônios no sistema visual não se limita aos receptores e outros
neurônios da retina, mas se verifica também entre os neurônios de todos os elos de integração
do sistema visual. Já no segundo neurônio após os receptores - as células ganglionares -, mas
ainda na retina, pode-se verificar nitidamente o início da percepção de forma. Foi demonstrado
que, em retina de gatos, as células ganglionares já diferenciam linhas retas de diferentes
inclinações. O mesmo ocorre ao nível do corpo geniculado lateral, onde existem neurônios que
respondem, de forma muito nítida, a linhas em diferentes orientações.
Investigando os neurônios do sistema visual do córtex visual de gatos (córtex estriado, área 17),
Hubel e Wiesel encontraram neurônios que respondem a características cada vez mais
específicas de forma. Chamaram a estes neurônios de "simples" ou "complexos", de acordo
com a especificidade a que respondiam. Ao nível das áreas do córtex pré-estriado (áreas 18 e
19), que são elos na integração da informação visual, foram encon 104
105
Outros pesquisadores, dentre os quais o brasileiro Rocha Miranda, estudando o sistema visual
de macacos, procuraram neurônios visuais num nível de integração ainda mais elevado que o
córtex estriado e pré-estriado, ou seja, no córtex ínfero-temporal. Enquanto os córtex estriado
e pré- estriado ainda correspondem a áreas exclusivamente visuais, isto é, todos os seus
neurônios possuem função visual, o córtex ínfero-temporal já é, nitidamente, uma área de
integração poli-sensorial, na qual ainda podem ser encontradas muitas células visuais. Nesta
área foram encontradas células que emitiam sua resposta máxima diante de estímulos visuais
extremamente específicos e complexos, como, por exemplo, uma pata de macaco. A pata de
macaco podia ser apresentada com igual efeito em qualquer parte do campo visual e em
tamanhos diversos, mostrando que a célula era responsável apenas pela visão da forma do
objeto e não de sua localização no espaço ou de seu tamanho. Já a posição dos dedos da pata e
a direção em que apontavam influenciavam a intensidade da resposta deste neurônio. Estas
alterações correspondiam a uma mudança da forma do estímulo.
Pode-se, pois, conjecturar que o circuito neural visual é arquitetado de maneira a, inicialmente,
desdobrar as imagens visuais em linhas de diferentes inclinações, depois limitar o
comprimento das linhas, combinan do-a
entre si, até que cheguem a combinações quase únicas, como uma pata de macaco ou, até, a
face específica do experimentador. Se, de um lado, já podemos entender como se forma, da
combinação de várias células simples, uma de campo complexo, por Outro lado ainda nos são
totalmente desconhecidos os circuitos neurais para obter as combinações mais específicas.
Entretanto, inúmeros trabalhos de pesquisa da atualidade abordam o problema.
106
107
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a eles.
Esta segunda abordagem, que procura explicar como ocorre a percepção de formas, é
totalmente oposta à primeira, pois não parte de dados fisiológicos do sistema visual mas sim,
partindo de perceptos de formas, procura, pela formulação de certas regras, mostrar como se
chegou
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O que preocupou os psicólogos da Gestalt foi: como, a partir de elementos isolados, poderia
ser percebido um todo que representava algo de novo, isto é, não a simples soma das partes?
Como, das partes, pode surgir um todo com um significado próprio? Como este todo pode se
impor mais ao sujeito que as partes? Foi para responder a estas perguntas que foram
formuladas as leis da Gestalt. São leis a posteriori, ou seja, sempre que era possível se perceber
um determinado todo, verificava-se que seus elementos guardavam entre si uma certa relação.
Os psicólogos da Gestalt acreditavam que havia, nos organismos, algo (uma estrutura
representativa das leis da Gestalt) que os levava a organizar as partes de certo modo.
Obviamente, as leis da Gestalt não podem, na maioria das vezes, explicar a percepção dos
elementos no percepto total. Seria como que postular, para estes elementos, a existência de
um mecanismo pré-programado de percepção.
A lei básica que governa a percepção de uma forma, segundo a Gestalt, é a Lei da Boa Forma
ou Lei da Pregnância. Todo objeto é visto de modo a apresentar uma forma "harmoniosa",
"boa", "estável", que se imponha, que seja mais regular, mais simétrica ou mais simples. Para
tanto, a Lei da Boa Forma pode ser dividida numa série de leis secundárias que regulam o
agrupamento dos elementos, a fim de que a forma total seja "boa". Na verdade, estas regras
pouco ajudam o pesquisador. O que realmente dirá se uma forma é "boa" ou não é seu efeito
sobre o observador. As principais regras que levam a uma "boa forma" são as seguintes:
1. agrupamento por proximidade - elementos próximos uns aos outros parecem fazer parte de
um mesmo todo;
3. boa continuidade - elementos que estão na mesma direção de partes do padrão regular são
a ele integrados, dando continuidade a este padrão;
O)
-o
'o 0
o,
O,
"o O)
108
109
4. fechamento - os elementos são agrupados de modo que o todo forme uma figura fechada.
A figura 7.2 ilustra, através de exemplos clássicos, estes princípios da Gestalt. Sua insuficiência
para explicar a percepção de uma forma complexa, como a pata de um macaco, parece óbvia.
Para um estudo mais pormenorizado da percepção, sob o ponto de vista da Gestalt, é
interessante combinar estes vários princípios e observar a rivalidade entre eles. A figura 7.3
ilustra a rivalidade entre o princípio de proximidade e de similaridade: na medida em que os
elementos semelhantes se afastam um do outro, deixa-se de perceber colunas de elementos
iguais para perceber fileiras de elementos diferentes, mas próximos entre si. Este exemplo
mostra como as leis atuam em conjunto, proporcionando a percepção de um padrão global.
Há uma terceira maneira de analisar a percepção de formas, sem reduzir o sistema visual ao
nível fisiológico, nem enquadrar em princípios ou leis as maneiras que temos para agrupar
elementos de um percepto:
verificar como, de modo geral, ocorre a percepção de uma forma, quando um observador olha
para um objeto.
cd
Figura 7.2. Exemplos de princípios de "Boa Forma" da Gestalt. a) Por "agrupamento", os pontos
são reunidos e separados em quatro grupos distintos. b) Por "similaridade", o quadrado de
elementos (visto como um todo por "agrupamento") é separado em quatro quadrados
menores, cujos elementos se juntam por "similaridade". c) A "boa continuidade" faz o
observador ver uma figura fechada e uma linha curva. d) As três figuras são vistas como um
círculo, quadrado e triângulo pela lei do "fechamento' que faz o observador ignorar as
interrupções nos lados destas figuras.
ELILILILIEI
ii•i••
DE LI LI
Figura 7.3. Pela lei da proximidade devemos ver colunas verticais de elementos. Pela lei da sim
ilaridade devemos ver carreiras horizontais. E possível construir esta figura de tal maneira que
as distâncias horizontais e verticais possam ser alteradas. Com uma figura destas, torna-se
possível determinar exatamente a distância entre os elementos, para que as duas leis atuem
com igual força. Neste caso o sujeito verá uma oscilação entre os dois perceptos.
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Mas por que é necessário um contorno para que ocorra visão de formas? Já respondemos no
princípio deste capítulo. Dissemos que a função mais primitiva do sistema visual é a percepção
de movimento e que, na verdade, a percepção de formas estáticas é uma conquista da
evolução fi logenética
Quando há algum contorno em nosso campo visual, a movimentação contínua de nossos olhos
(nistagmo) transforma a variação de iluminação numa variação temporal para cada sítio da
retina. Isto ativa o sistema visual e permite a visão contínua do contorno, O contorno é
visto como estando parado, devido a processos que veremos no capítulo dedicado à visão de
movimento. Se não houver variação de iluminação no campo visual (isto é, um contorno), por
mais que ocorra movimentação dos olhos, a estimulação visual não adquire uma variação
temporal, o que leva à desativação do sistema visual. E o que ocorre no Ganzfeld.
Uma linha pode ser considerada a forma mais simples, isto é, um único contorno que divide o
campo visual em duas partes. Mas a maioria dos objetos com que nos deparamos no nosso
dia-a-dia são compostos por unidades integradas, que chamamos de figuras. Figura é,
portanto, um grupo integrado de contornos. Nossa experiência pessoal mostra que a
percepção de figuras é básica. Ou seja, a percepção de uma figura, na maioria das vezes,
impõe-se ao observador, destacando-se do restante a que chamamos de fundo. O livro em
cima de uma mesa é percebido como uma figura e o tampo da mesa como o fundo; o tampo
da mesa, por sua vez, é figura em relação ao chão. Estas sensações se impõem de maneira
inquestionável. Mas nem sempre o problema é tão simples, como pode ser visto na figura 7.4,
que mostra o clássico exemplo do vaso e dos dois perfis de Rubin. Este tipo de figura é
chamada de reversível. Olhando-a por algum tempo, veremos alternadamente os dois perfis ou
o vaso, isto é, alternadamente, partes diferentes de nosso campo visual se tornam figura ou
fundo. Em outras palavras, às vezes será figura a região branca e o fundo será a região preta; e
às vezes acontecerá o inverso. Nunca veremos simultaneamente as duas regiões como figuras!
O contorno, que define a figura como dissemos acima, será visto sempre fazendo parte da
região que, naquele momento, vemos como figura.
Mesmo numa figura reversível, pois, o contorno continua sendo o determinante da figura. Só
que o que é visto como contorno não é determinado, unicamente, pelo arranjo espacial das
bordas, mas também por uma interpretação visual do estímulo. Existem alguns parâmetros
que tornam maior a probabilidade de uma parte ser vista como figura: a forma se parece mais
com alguma "coisa' é mais fechada, é menor, tem um significado, é mais brilhante, é simétrica,
e assim por diante. Mas a percepção de uma figura reversível também é influenciada por
algumas variáveis, como a expectativa do observador ou o treino que ele possa ter tido. A
figura 7.5 mostra alguns contornos que se impõem como figuras, indicando quais os
parâmetros mais prováveis para que isto ocorra.
Figura 7.4. a) O famoso vaso de Rubin, que pode ser visto como sendo um vaso sobre um
fundo branco ou como dois perfis sobre um fundo escuro. Os dois perceptos podem flutuar
entre si, se olharmos demoradamente. Mas também podemos "querer" ver um ou outro. b)
Figura modificada por Gombrich, enfatizando tanto o vaso através das flores como as faces
pelas orelhas. Se mantivéssemos apenas um destes indícios, o percepto correspondente
tornar- se-ia bem mais pronunciado e estável.
altllb
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Figura 7.5. Exemplos de princípios que determinam a percepção de formas, a) O losango é visto
como figura por ser menor, mais brilhante, simétrico e central. b) As colunas escuras
são vistas como figuras por serem simétricas. e) O perfil escuro é visto como figura por ser
dotado de um significado. d) O coração é visto como figura por ser simétrico, fechado e dotado
de significado. e) O triângulo é visto como figura por ser menor. J) O retângulo todo é visto
como figura por adquirir o significado de um quadro pendurado num prego.
112
113
Recentemente, receberam muita atenção figuras que não possuem contornos reais, isto é, são
determinados por uma variação abrupta de luminância, assim como havíamos definido
contornos no princípio. São figuras que possuem contornos subjetivos, pois seus contornos
sobressaem de uma região totalmente homogênea. As figuras 7.6 e 7.7 mostram alguns
exemplos. E fácil verificar que os contornos subjetivos podem ser retos, curvos, podem
aparecer numa região clara ou escura e delimitar uma figura com ou sem significado. Na
verdade, ainda não se conhece exatamente o mecanismo que faz surgirem os contornos
subjetivos. Supõe-se que, de alguma forma, o mecanismo de percepção de contornos é ativado
pelos elementos contidos no padrão da figura, eliciando contornos subjetivos. Normalmente,
são os contornos que determinam a figura. Aqui, no entanto, é a figura que determina os
contornos. Neste fato, provavelmente, reside a explicação de sua origem: trata-se de figuras
tão "óbvias", que se impõem ao sujeito. Este vê contornos inexistentes, mas que deveriam
existir para completar a figura. Os contornos subjetivos guardam muitas propriedades dos
contornos verdadeiros, como pode ser visto na figura 7.8.
Figura 7.7. Alguns exemplos curiosos de contornos subjetivos, a e b) Estes dois exemplos de
figuras formadas por contornos subjetivos mostram que estes também podem ser curvos, isto
é, são adequados ao contexto e não seguem uma regra de menor distância. c) O fenômeno dos
contornos subjetivos não está limitado a figuras geométricas simples: no caso, é formado o
contorno de uma pêra. d) Esta figura mostra claramente que os contornos subjetivos não
podem ser considerados um simples prolongamento das linhas formadas pelos círculos
interrompidos, e) Há também contornos subjetivos que não formam uma figura fechada. J)
Aqui ocorre a formação de um contorno subjetivo circular, sem haver elementos circulares
formadores. Observe que o disco "branco" formado pelo contorno subjetivo parece mais
"brilhante" que o disco formado pelo contorno real.
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Figura Z8. Dois exemplos que mostram que os contornos subjetivos agem como linhas reais.
Em a, a ilusão de Poggendorff, que faz as linhas oblíquas parecerem desencontradas, é
provocada pelas duas linhas subjetivas paralelas induzidas pelos três semicírculos negros. Em
b, a ilusão de Ponzo, que faz a linha vertical direita (próxima ao vértice) parecer mais longa que
a esquerda, é produzida dentro de um triângulo de contornos subjetivos.
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115
iA,
a.
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c
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