William Faulkner (1897-1962) fez esse discurso pequeno e espetacular,
na noite de 10 de dezembro de 1950, em Estocolmo, na Suécia, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura. Sinto que este prêmio não foi dado a mim pela minha pessoa, mas pelo meu trabalho – o trabalho de toda uma vida na angústia e ansiedade do espírito humano, não por glória e menos ainda por lucro, mas para criar a partir dos materiais da alma humana algo que ainda não existia. Portanto, ele está comigo em confiança. Nãoserá difícil encontrar um destino para a parte em dinheiro que seja comensurável com o propósito e significado de sua origem. Mas eu gostaria de fazer o mesmo também com as aclamações, usando este momento como pináculo de onde poderei ser ouvido pelos jovens que se dedicam à mesma angústia e labuta, dentre os quais já se encontra aquele que um dia estará aqui onde estou agora.
Nossa tragédia atual é um medo físico generalizado e
universal, sustentado há tanto tempo que podemos até tolerá-lo. Não há mais problemas da alma. Há apenas a pergunta: Quando será que vamos explodir? Por causa disso, os jovens que escrevem hoje esquecem os problemas do coração humano em conflito consigo mesmo, a única coisa capaz de produzir boa literatura, pois só tem valor o que se escreve acerca dessa questão, e só ela vale a agonia e o suor.
É preciso reaprender isso. Esses jovens autores precisam ensinar a si
próprios que a coisa mais básica de todas é o medo; devem, depois, esquecê-lo de todo, sem deixar espaço no seu escritório para nada que não sejam antigas verdades do coração, as velhas verdades universais sem as quais todas as histórias são efêmeras e fatídicas – amor e honra e piedade e orgulho e compaixão e sacrifício. Enquanto não o fizer, o jovem autor trabalha sobre os auspícios de uma maldição. Escreve sobre luxúria, não sobre o amor; escreve sobre derrotas em que não se perde algo de valor, sobre vitórias sem esperança e, pior de tudo, sem piedade ou compaixão. Lastima o pesar da essência que não é universal, não deixa marcas. Escreve sobre glândulas, e não sobre o coração. Enquanto não tornar a aprender essas coisas, os jovens autores escreverão como quem toma parte e assiste ao fim do homem. Recuso-me a aceitar o fim do homem. É bastante fácil dizer que o homem é imortal simplesmente porque resistirá: pois quando os derradeiros sons da ruína tiverem se esvaído na última pedra imprestável e inerte em meio à vermelhidão final do anoitecer, mesmo nesse momento haverá um ruído: o de sua débil e inexaurível voz, falando ainda. Recuso-me a aceitar isso. Acredito que o homem não irá simplesmente resistir: irá triunfar. Ele é imortal, não por ser a única das criaturas com uma voz inexaurível, mas porque tem alma, um espírito capaz de compaixão, sacrifício e resistência. O dever do poeta, do escritor, é escrever sobre essas coisas. É um privilégio seu ajudar o homem resistir, elevando seu coração, lembrando-o da coragem e da honra e da esperança e do orgulho e da compaixão e da piedade e do sacrifício que fizera a glória de seu passado. A voz do poeta não precisa ser apenas um registro do homem, pode ser também um dos alicerces, um dos pilares para ajudá-lo a resistir e a triunfar.
FAULKNER, William. Recuso-me a aceitar o fim do homem In O Livro das
Virtudes: uma antologia de William J. Bennett/ Luiz Raul Machado . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.