Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O uso de expressões como “muy hermosos edeficios” ou “no hay lengua humana que sepa
explicar la grandeza e particularidade della” valoram positivamente os templos religiosos
astecas, mas até certo ponto, apenas. O repúdio, complementar ao reconhecimento,
evidencia-se neste episódio.
Se, no discurso colonial, a falta do autóctone americano é a verdadeira fé, cristã, e,
por isso, ele é bárbaro, é justamente na dimensão religiosa que se constroi o repúdio, que se
evidencia contiguamente a diferença. Isso porque é também através dessa estratégia
discursiva que se justifica o próprio processo de colonização. Assim, no momento em que
entra na mesquita, Cortés logo tira dos altares e joga escada abaixo aqueles que eram “los
más prencipales ídolos y en quien ellos más fee y creencia tenían” (1993: 237), manda limpar
a capela e coloca no lugar imagens de Nossa Senhora e outros santos, apesar dos avisos
cautelosos de Montezuma e seus acompanhantes a respeito de um possível levantamento do
povo contra o espanhol. Cortés então “os faz entender” que aqueles ícones a que idolatravam
eram impuros, e que só havia um Deus, que havia criado a todos, astecas e espanhois, e que
era nesse Deus que deviam crer. O que o relato evidencia é o caráter universal atribuído à
verdade dos conquistadores e, portanto, o domínio de um conhecimento que falta aos astecas,
diferenciando-os e, consequentemente, rebaixando-os à condição de bárbaros. É curioso
notar, também, que ao afirmar os fazer entender que estavam enganados ao crer nessas
figuras, faz também com que transfiram a ele a fonte do saber religioso: “(...) y que yo, como
más nuevamente venido sabría las cosas que debían tener y creer mejor que no ellos, que se
las dijese e hiciese entender, que ellos harían lo que yo les dijese que era lo mejor.” (1993:
237).
O episódio da visita à mesquita é notório para a compreensão do caráter ambíguo e
ambivalente do discurso colonial e do estereótipo enquanto estratégia discursiva:
reconhece-se, nas construções, edificações, formas de troca e até mesmo nas características
físicas humanas, aspectos semelhantes aos conhecido no reino espanhol, construindo assim o
reconhecimento por meio da metáfora, mas, ao mesmo tempo, aparece o repúdio, enquanto
falta de cristandade, como forma de diferenciação e subsequente subjugação e dominação do
outro.
Em determinado momento de sua Historia verdadera de la conquista de la Nueva
España, Díaz del Castillo relata o mesmo episódio da visita à mesquita asteca. Considerando
a diferença fundamental nos propósitos de ambos os textos, no que diz respeito aos seus
respectivos destinatários, a noção de estereótipo emerge, em Díaz del Castillo, de maneira
mais sutil do que no relato de Cortés, mas não menos potente para a manutenção do discurso
colonial.
Em sua descrição de Tenochtitlán, também aparece a quantidade de produtos
ofertados e a dinâmica intensa do mercado, bem como a comparação por semelhança às feiras
de Medina del Campo:
Comencemos por los mercaderes de oro y plata y piedras ricas y plumas y mantas y
cosas labradas y otras mercaderías de indios esclavos y esclavas; digo que traían
tantos dellos a vender aquella gran plaza como traen los portugueses los negros de
Guinea, e traíanlos atados en unas varas largas con colleras a los pescuezos, por que
no se les huyesen, y otros dejaban sueltos. Luego estaban otros mercaderes que
vendían ropa más basta y algodón e cosas de hilo torcido, y cacahueteros que vendían
cacao, y desta manera estaban cuantos géneros de mercaderías hay en toda a Nueva
España, puesto por su concierto de la manera que hay en mi tierra, ques Medina del
Campo, donde se hacen las ferias, que en cada calle están sus mercaderías por sí; ansí
estaban en esta gran plaza (...) (DÍAZ DEL CASTILLO, 1975: 191)
E ansí dejamos la gran plaza sin más la ver y llegamos a los grandes patios y cercas
donde está el gran cu; y tenía antes de llegar a él un gran cercuito de patios, que me
paresce que eran más que la plaza que hay en Salamanca, y con dos cercas alrededor
de calicanto, e el mismo patio y sitio todo empedrado de piedras grandes de losas
blancas y muy lisas, e adonde no había de aquellas piedras estaba encalado y bruñido
y todo muy limpio, que no hallaran una paja ni polvo en todo él. (1975: 192)
A mudança no próprio discurso de Diáz del Castillo é significativa: a vista, que antes
era deslumbrante e arrebatadora, agora é ainda pior que o mau odor. Nesse trecho, a
referência a “estrumento de los infiernos” e “cosas muy diabólicas”, além de “que los doy a la
maldición”, terminam por imputar ao templo religioso e aos próprios astecas caráter
diabólico, maldito, diminuído e evidenciar o horror, o repúdio e, consequentemente, a
superioridade dos espanhois.
Em comparação com as Cartas de Relación de Cortés, o relato de Diáz del Castillo se
mostra mais sutil no que diz respeito à presença do estereótipo enquanto estratégia discursiva
colonial. Isso se justifica, entre outros motivos, pela própria finalidade dos textos: enquanto o
relato de Cortés tem como destinatário o rei Carlos V e se trata de um documento burocrático
oficial, o do soldado se configura quase como um diário de viajante. O uso do discurso direto,
no diálogo entre Cortés e Montezuma, e a referência explícita aos leitores (“Dirán agora
algunos letores muy curiosos que cómo pudimos alcanzar a saber que en el cimiento de aquel
gran cu echaron oro y plata e piedras de chachivis ricas y semillas, y lo rociaban con sangre
humana de indios que sacrificaban, habiendo sobre mill años que se fabricó y se hizo” (1975:
195)) deixam transparecer o caráter quase literário do texto, aspecto fundamental para a
compreensão da formação da cultura letrada na América Latina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS