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Livros Históricos AT
SUMÁRIO
Introdução 02
Capítulo I — Introdução aos Livros Históricos 02
Capítulo II — Introdução ao Livro de Josué 04
Capítulo III — Introdução ao Livro de Juízes 06
Capítulo IV — Introdução ao Livro de Rute 08
Capítulo V — Introdução aos Dois Livros de Samuel 09
Capítulo VI — Introdução aos Dois Livros de Reis 14
Capítulo VII — Introdução aos Dois Livros de Crônicas 19
Capítulo VIII — Introdução aos Livros de Esdras e Neemias 24
Capítulo IX — Introdução ao Livro de Tobias 29
Capítulo X — Introdução ao Livro de Judite 33
Capítulo XI — Introdução ao Livro de Ester 37
Capítulo XII — Introdução aos Dois Livros de Macabeus 38
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Livros Históricos AT
INTRODUÇÃO
Estudaremos neste módulo os livros históricos do Antigo Testamento. São doze os livros
históricos do AT, se considerarmos o catálogo aceito universalmente pelo judaísmo e cristianismo
protestante: Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. São
dezesseis, se levarmos em conta o conjunto aceito pela Igreja Católica: os doze canônicos acrescidos dos
quatro históricos apócrifos (o catolicismo os intitula deuterocanônicos): Judite, Tobias e 1 e 2 Macabeus.
Apresentaremos uma visão geral destes livros e, em seguida, uma síntese de cada um.
Capítulo I
INTRODUÇÃO AOS LIVROS HISTÓRICOS
Entre os vários gêneros literários da Bíblia, a história, por sua extensão, ocupa o primeiro lugar. O fato é
confirmado pelas fontes de que logo falaremos. E comparando, sob esse aspecto, a Bíblia com a literatura
dos demais povos do Oriente antigo, notaremos o lugar preeminente e singular que cabe aos Livros
Sagrados. A abundante literatura histórica que os egípcios e os assírio-babilônios, os dois povos mais
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Livros Históricos AT
oficiais do rei encontramos um "monitor" ou "chanceler" encarregado de registrar os acontecimentos do
reino (cf. 1Rs 11:41). Daí o encontrarem-se freqüentemente alusões a tais memórias dos reis de Judá e de
Israel desde 1Rs 14:19-29 até 2Rs 24:5. O autor das Crônicas cita escritos de vários profetas: Samuel, Natã,
Gade (1 Crôn 29:29), Ala, Ado (2 Crôn 9:29), Semeia, Jeú, Hozai (ib.,12:15; 20:34;33:19). O primeiro deles
provavelmente é o livro canônico de Samuel; os outros se perderam, excetuando-se, talvez, alguma parte
incorporada aos livros canônicos dos Reis.
Comparando-se as passagens paralelas dos livros das Crônicas e dos Reis — quer os Reis tenham
servido de fonte ao redator das Crônicas ou quer ambos haurissem duma fonte comum — observamos que a
fonte geralmente é transcrita literalmente conforme os hábitos da historiografia semítica, numa época que
não conhecia os direitos de propriedade literária. Nesse caso, o autor sagrado, apropriando-se das palavras da
fonte, torna-as expressão do seu próprio pensamento e, através do carisma da inspiração divina, que não se
opõe ao uso de fontes profanas, imprime-lhe o selo da sua infalibilidade.
Pode acontecer que o autor sagrado julgue útil citar um documento como notícia interessante deixando,
porém, quanto à exatidão dos fatos, a responsabilidade pela afirmação ao autor primitivo. Isto pode-se
sempre admitir no caso de citação explicita, isto é, com a expressa designação da fonte, como nas cartas
citadas em Esdras 4,7-16; 1 Mac 12:5-23; 2 Mac 11:16-38. Não havendo indicação da fonte, e, portanto,
quando a citação é implícita, requer-se maior circunspecção.
Para apreciar devidamente os livros históricos do Antigo Testamento é mister levar em conta a
Capítulo II
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JOSUÉ
(Canônico)
Seguindo-se ao Pentateuco, o livro de Josué inicia a narrativa de uma etapa — e não a menor — da
história de Israel. Conforme a tradição judaica, ele faz parte do grupo dos "Profetas anteriores" (Josué,
Juízes, Samuel e Reis).
Estrutura. O Livro de Josué pode facilmente ser dividido em duas partes, seguidas de três conclusões
(caps. 22, 23 e 24):
1. A conquista da terra prometida (1–12). Após um capítulo de introdução (1), Josué envia espiões a
Jericó eles são acolhidos com hospitalidade por Raabe. Os israelitas atravessam o Jordão à altura de Jericó e
acampam em Gilgal (3–4), onde se efetua uma circuncisão e uma primeira celebração da Páscoa em terra
canaanita (5). Na Palestina central, a conquista principia com a tomada de Jericó (6), depois com a de Ai (8),
no decorrer da qual é descoberto o pecado de Acã (7). A seguir, Josué faz uma aliança com os gibeonitas (9),
e isto provoca uma coalizão dirigida pelo rei de Jerusalém contra Israel, resultando na batalha de Gibeon
(10). Na Palestina do norte, Israel tem de enfrentar uma nova coalizão dirigida pelo rei de Hasor, cuja cidade
foi incendiada pelos israelitas (11). No cap. 12, um quadro recapitula a lista das cidades conquistadas.
2. A repartição territorial entre as doze tribos (13–19), à qual se podem juntar as enumerações das
cidades de refúgio (20) e das cidades levíticas (21).
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Livros Históricos AT
3. Conclusões: as tribos transjordanianas que participaram da conquista (1,12-16) são remetidas por
Josué para seu patrimônio além do Jordão (22,1-6). Nesta primeira conclusão, enxerta-se o episódio da
construção de um altar por estas tribos, ocasião de um pacto solene entre as doze tribos (22,7-34).
O cap. 23 constitui o testamento de Josué , sucessor de Moisés .
O cap. 24 nos apresenta, em aparente paralelismo com o precedente, a aliança firmada por Josué em
Siquém.
Deste rápido resumo depreende-se que um só personagem domina o conjunto das narrativas: Josué, filho
de Nun, pertencente à tribo de Efraim (Nm 13,8.16). O seu nome é, por si só, todo um programa. Josué
significa: "O Senhor salva". Narra uma tradição bíblica que Moisés lhe mudou o nome de Hoshea (Oséias)
para Iehoshua (Josué) (Nm 13,16), definindo-lhe um novo destino.
Outras personagens bíblicas também receberam este nome que, na época do Novo Testamento, resultou
em "Jesus" para os judeus de língua grega (cf. Hb 4,8). Para os primeiros cristãos, isto facilitaria a
aproximação entre a atividade de Jesus como salvador e a de Josué como condutor do povo rumo à terra do
repouso.
No Pentateuco, Josué vive à sombra de Moisés: com ele sobe à montanha de Deus, segundo Ex 24,13;
vela pela Tenda do Encontro (Ex 33,11); por vezes, desempenha um papel militar de destaque (Ex 17,8-16).
Ao saber que não atravessaria o Jordão para conduzir o povo à Terra Prometida, Moisés confiou esta missão
a Josué (Nm 27,18-23; Dt 31,7-8).
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Livros Históricos AT
a Josué (Js 10,36-39), ao passo que ficamos sabendo em outro lugar que o verdadeiro conquistador de
Hebron foi Calebe, e o de Debir, Otniel (15,13-14; 15,17 e Jz 1,11-13).
Para restabelecer a verdade histórica deste período, freqüentemente se invocou o testemunho da
arqueologia. De fato, as escavações empreendidas em cidades antigas não raro atestam violentas destruições,
ocorridas na passagem da Idade do Bronze Recente — que termina por volta de 1200 — para a Idade do
Ferro. Já que a entrada dos israelitas em Canaã é datada por volta de 1230, houve a tentação de atribuir a eles
essas destruições. Mas não se podem descartar, por um lado, rivalidades entre as cidades-estados canaanitas,
por outro, a presença nesta época de invasores de outra origem. O argumento arqueológico perde então sua
força. Todavia, uma cidade como Hasor, cuja destruição é situada pelos arqueólogos no fim do século XIII,
pode efetivamente ter sido incendiada pelos israelitas, conforme atesta Js 11,10-11. Não se pode deixar de
admitir que o texto bíblico nem sempre dá resposta às perguntas que nós lhe fazemos.
Muito mais do que Josué, a personagem central do livro é a Terra Prometida. O que era objeto da
promessa no Pentateuco encontra aqui cumprimento. Por isso, houve quem chegasse a falar de um
Hexateuco, acrescentando Josué ao Pentateuco. A Terra é o lugar da fidelidade de Deus para com seu povo e
do povo para com seu Deus. Penhor da aliança entre Deus e Israel, ela não é um símbolo inanimado, mas um
convite vivo e insistente ao homem de assumir a realidade criada para santificá-la. A ocupação de Canaã e
sua divisão cadastral entre os filhos de Israel cumprem a promessa patriarcal renovada por Deus a Moisés.
Não devemos nos deter ante a aridez das enumerações topográficas, mas partilhar a alegria do redator que
Capítulo III
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JUÍZES
(Canônico)
Dando continuidade ao livro de Josué e pertencendo, como ele, ao grupo dos "Primeiros Profetas"
[noutro critério de classificação], o livro dos Juízes nos dá um resumo da vida das tribos durante um dos
períodos mais obscuros da história do povo de Israel, aquele que se segue à conquista e precede o
aparecimento da instituição da monarquia.
O plano do livro. O plano do livro se descobre facilmente. Uma primeira introdução (cap. 1) apresenta a
instalação das tribos em Canaã com seus sucessos e fracassos. A situação das tribos, cuja ação não parece
concertada, é a de uma existência ameaçada pela presença das cidades cananéias no território designado para
cada tribo. Essa situação, que está em contradição com a promessa de Deus, recebe uma primeira explicação
(2,1-5). Após essa exposição preliminar, que nos remete ao período da conquista, abre-se o período dos
Juízes propriamente dito (2,6–16,31), introduzido por um prólogo que dá o sentido religioso dessa etapa da
história das tribos (2,6–3,6). Ao passo que a época de Josué era de fidelidade, a dos Juízes nos é apresentada
como a da infidelidade. Em seguida, dá-se uma história fragmentária das ações dos Juízes, que são doze, mas
cujas notícias são de amplidão variada: Otoniel (3,7-11), Eúde (3,12-30), Sangar (3,31), Deborá e Baraque
(4–5), Gideão e Abimeleque (6,1–9,57), Tola (10,1-2), Jair (10,3-5), Jefté (10,6–12,7), Iibsan (12,8–10),
Elon (12,11-12), Abdon (12,13-15), Sansão (13,1–16,31).
A compilação termina com dois apêndices que mostram a anarquia reinante em Israel antes da
instauração da monarquia. Um narra a migração dos danitas e as origens do santuário de Dã (17–18), o outro
narra o crime cometido pelos habitantes de Guibeá e a guerra empreendida pelas tribos contra Benjamim,
que se recusava a punir os culpados (19–21).
Juízes e salvadores. Os personagens apresentadas por este livro são genericamente chamados "Juízes",
mas convém examinar a abrangência desse título. No plural, designando aqueles que Deus escolheu para
salvar seu povo, o termo aparece, neste livro, apenas em 2,16-18; mas se este emprego é raro no texto, a
designação do período pré-monárquico como "tempo dos Juízes" é conhecida pela tradição bíblica (2 Sm
7,11; 2Rs 23,22; Rt 1,1). No entanto, se o título "juiz" está praticamente ausente das narrativas, encontra-se
com freqüência o verbo "julgar" para descrever a ação dos heróis do livro (3,10; 4,4; 10,1-5; 12,7.8-15;
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Nota introdutória da TEB.
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Livros Históricos AT
15,20; 16,31). Observar-se-á todavia que este verbo se encontra mais freqüentemente nas informações que
enquadram as narrativas, o que pode indicar um emprego redacional. Mesmo neste caso, o verbo não adquire
simplesmente o sentido de "fazer justiça", mas de "comandar, governar". A esse respeito, o uso português do
verbo "julgar" não deixa perceber essa acepção, porque a língua hebraica concorda com as línguas vizinhas
para designar por este verbo uma verdadeira função de autoridade. Para citar apenas um exemplo, o termo
"juiz" nos textos de Mári designa altos funcionários dotados de amplos poderes.
Se alguns personagens julgaram Israel, não é certo que todos aqueles cujos grandes feitos são reportados
tenham tido essa função, porque um outro verbo qualifica a ação daqueles que chamamos os Juízes: "salvar"
(3,31; 6,15; 10,1). Nessa perspectiva, Otniel e Ehud são qualificados como "salvadores" (3,9.15). Mais
geralmente Deus é aquele que salva seu povo pela escolha de um homem que realiza concretamente a
salvação (3,9; 6,36-37; 7,7; 10,13). Encontramo-nos, então, diante de uma dualidade de expressões que
remete muito provavelmente a uma dualidade de perspectivas, que a leitura do livro dos Juízes deixa
entrever.
Mesmo que não se tenha certeza quanto à composição do livro, podem-se descobrir tradições ou ciclos
de relatos que tiveram uma existência anterior e independente. Assim as notícias sobre os Juízes menores
(10,1-5; 12,8-15) devem provir de uma lista antiga que não fornecia mais que informações sucintas. Aliás, a
história de Jefté, que separa em duas essa lista, permite averiguar como foi possível passar da personagem do
juiz à do salvador, pois Jefté foi um e outro. Os relatos sobre os outros Juízes se apoiam sobre tradições
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Livros Históricos AT
conjunto das tradições relatadas deve situar-se entre 1200 e 1020 a.C., sendo esta segunda data a do
estabelecimento da monarquia.
Um livro da fé de Israel. Documento instigante e difícil para o historiador, o livro dos Juízes é antes de
tudo uma obra suscitada pela fé de Israel. Desde os mais antigos textos que o compõem, tal como o Cântico
de Débora (Jz 5), descobre-se esta convicção: o Deus de Israel é aquele que sustenta seu povo nas horas
difíceis. Essa experiência teologal foi estendida a todo Israel, e o quadro teológico do livro ainda reforçou a
intuição original, insistindo na fraqueza de Israel e na paciência de Deus, que, incansavelmente, envia
homens para libertar as tribos da opressão.
É certo que os heróis do livro dos Juízes estão enraizados num tempo em que os costumes eram rudes e
as idéias morais não correspondiam às nossas. A astúcia de um Eúde, o assassinato de Sísera por Jael, o
sacrifício da filha de Jefté, os amores de Sansão podem nos chocar, mas, através desses relatos, que não
procuram edulcorar a realidade, é necessário aprender a descobrir a ação de Deus, que conduz um povo
dando-lhe chefes animados pelo Espírito (3,10; 6,34; 11,29; 13,25; 14,6.19; 15,14). Esses homens
prefiguravam o rei que devia receber o Espírito do Senhor para dirigir o povo com justiça, e o próprio rei era
o presságio do Messias, sobre quem repousaria o Espírito de múltiplos dons (Is 11,2).2
Capítulo IV
O livro de Rute, cujo nome se deve à principal heroína do relato, narra a história de uma família de
Belém que emigrou para a terra de Moabe. Lá chegando, Elimeleque, esposo de Noemi, morre, assim como
seus dois filhos, Mahlon e Kilion, que haviam desposado duas moabitas, Rute e Orfa. Ao cabo de dez anos,
Noemi retorna a Belém, acompanhada de Rute, enquanto Orfa volta para junto de seu povo. Rute vai
recolher espigas no campo de Boaz, que a acolhe com benevolência. Noemi, sabendo que Bôaz tem sobre
Rute um direito de resgate, aconselha a nora a incitar Boaz a desposá-la. Ele acede ao pedido e, após a
desistência de um resgatador mais próximo, toma Rute por mulher. Ela lhe dá um filho: Obede, pai de Jessé,
pai de Davi.
Na Bíblia hebraica, a história de Rute se situa entre os "Ketubim" ou Escritos. A Bíblia grega e a Bíblia
latina inserem-na depois dos Juízes, certamente por causa da indicação cronológica que está no primeiro
versículo.
A data do texto ainda é bastante discutida. Para uma data pré-exílica, levantaram-se várias razões. Os
costumes jurídicos aduzidos no livro (direito de resgate, matrimônio levirático; cf. nota a 4,5) refletiriam
uma legislação anterior ao Deuteronômio. O estilo do livro se aproximaria da prosa clássica do AT. O estudo
dos nomes próprios sugeriria uma origem antiga. Entretanto, uma data pós-exílica parece preferível. O autor
considera muito distanciada a época dos Juízes. Deve explicar um velho costume caído em desuso. Algumas
particularidades lingüísticas sugerem uma época tardia. A teologia do livro (universalismo, concepção da
retribuição e sentido do sofrimento) pode ser melhor entendida num clima pós-exílico. A época de Esdras e
de Neemias conviria muito bem ao relato, favorável à causa dos matrimônios com estrangeiras, contra as
reformas rigorosas de Esd 9 e Ne 13.
Mas o livro de Rute não é uma polêmica. O autor evoca o exemplo da avó de Davi, uma estrangeira,
modelo de piedade que, por um casamento levirático providencialmente conduzido pelo Senhor, introduziu-
se legalmente numa família israelita e, ainda por cima, davídica. 1Sm 22,3-4 aponta os vínculos entre Davi e
Moabe.
Com exceção da genealogia, 4,18-22, que se reencontra em 1Cr 2,5-15 e que parece ser uma adição, a
unidade literária do livro revela-se sem falha. O relato se desenvolve em perfeita harmonia: quatro quadros
(1,6-18; 2,1-17; 3,1-15; 4,1-12) precedidos de uma introdução (1,1-5), seguidos de uma conclusão (4,13-17),
com intermédios que servem de transições (1,19-22; 2,18-23; 3,16-18). Paralelismos numerosos, passagens
ritmadas, assonâncias e aliterações atravessam todo o livro, tornando-o uma obra-prima da literatura.
Acrescentemos ainda trocadilhos contidos nos nomes próprios: Elimeleque (Meu-Deus-é-rei), Noemi (Minha
Graciosa) contrastam singularmente com Mahlon (Doença) e Kilion (Fragilidade), cujos nomes anunciam
morte próxima. Orfa poderia evocar a "nuca", que se vira ao partir, e simbolizar a defecção, enquanto Rute,
provavelmente aparentada a "amiga", ou mais certamente a "reconfortada", anuncia a afeição ou o
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Nota introdutória da TEB.
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Livros Históricos AT
reconforto. O nome de Boaz (Força-nele) engendra a esperança, o de Mara (Amarga) traduz a miséria.
Quanto a Obede, significa "servidor", "servo" (subentendido: de um deus particular; aqui: do Senhor). A
mudança de Noemi para Mara em 1,20 sugere claramente que o autor dá a estes nomes próprios um valor
simbólico.
O livro de Rute faz parte dos cinco Rolos lidos nas principais festas judaicas. Ele é utilizado para a festa
de Pentecostes. Será que foi escolhido para tal por situar-se no começo da colheita da cevada? Ou mais
profundamente porque, se a festa judaica de Pentecostes celebra o dom da Lei a Israel, o livro de Rute
estende este dom às nações pagãs, e a genealogia final chega a fazer de uma estrangeira a antepassada de
Davi e, em conseqüência, do futuro Messias? Seria difícil dizê-lo com exatidão. A tradição rabínica viu em
Rute o modelo da prosélita, e a expressão "vir sob as asas do Senhor" (cf. 2,12) veio designar a conversão ao
judaísmo.
Rute figura na genealogia de Jesus, segundo o evangelho de Mateus 1,5. Este último traço enfatiza o
universalismo e o messianismo do nosso relato.3
Capítulo V
INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE SAMUEL
(Canônicos)
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Nota introdutória da TEB.
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Livros Históricos AT
Torna-se grande chefe de guerra e conquista a afeição de todos, particularmente de Jônatas, o filho de Saul.
Mas ele inspira a Saul um ciúme mórbido, que tenta por várias vezes, sem êxito, desembaraçar-se de seu
rival. Davi deve fugir e, perseguido por Saul, começa uma vida errante que o conduz a pôr-se a serviço dos
filisteus, sem contudo empunhar armas contra seu próprio povo. Quando Saul e Jônatas tombam diante dos
filisteus na batalha de Guilboa, David continua a luta contra os sucessores de Saul e anda de vitória em
vitória, enquanto a casa de Saul vai enfraquecendo.
A 5ª parte (2Sm 6–8) é a dobradiça do díptico que constitui a história de Davi nos livros de Samuel. A
instalação da arca de Siló em Jerusalém consagra a cidade conquistada por Davi como capital de seu reinado,
e a profecia de Natã estabelece em favor da dinastia davídica o princípio de hereditariedade monárquica. A
notícia do cap. 8 lembra que o fundador da monarquia de Jerusalém foi também o conquistador de um
verdadeiro império.
O segundo painel do díptico é representado pelos caps. 9–20 de 2Sm (aos quais convém acrescentar 1Rs
1–2). É a relação dos acontecimentos que deságuam na entronização de Salomão. Muito espaço ocupa o
relato do nascimento de Salomão e as circunstâncias que o acompanham. Depois relata-se como foram
eliminados da sucessão os filhos de Davi que poderiam representar obstáculo ao destino de Salomão: Amon,
Absalão (e Adonias).
Introduzidos por ocasião de uma pausa no relato da "sucessão de Davi", os apêndices de 2Sm 21–24
agrupam, em torno a duas composições líricas e notícias referentes a diversas pessoas, as relações de duas
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Livros Históricos AT
A composição do conjunto precedente (1Sm 16–2Sm 5), à qual se podem acrescentar elementos antigos
da profecia de Natã (2Sm 7) e a história da arca (2Sm 6), é bem mais difícil de ser rastreada. Se a história da
ascensão ou do advento ao trono de David é melhor estruturada do que geralmente se acredita (vê-se que
narradores e redatores procuraram construir simetrias), a presença de duplicatas chama a atenção: a entrada
de David no serviço de Saul , o atentado malogrado de Saul contra Davi, a intervenção de Jônatas a favor de
Davi, a aproximação de Davi aos filisteus , a denúncia da gente de Zif, o episódio em que Davi poupa Saul ,
tudo isso é narrado duas vezes. Por isso, vários exegetas acreditaram que estes capítulos continuavam os
"documentos" constitutivos do Pentateuco. Contudo, parece antes que na maioria dos casos estamos diante
de tradições diferentes (já fixadas, quer oralmente, quer por escrito), que os narradores e redatores decidiram
conservar e que tentaram organizar balizando sua coleção por fórmulas de moldura e sublinhando por
palavras-chave os temas dominantes de cada parte. Apesar destas duplicatas, a história da ascensão de Davi
apresenta tanta afinidade com a da sucessão que se é inclinado a pensar que os autores pertenciam ao mesmo
ambiente: escribas da corte de Jerusalém, selecionando e codificando tradições orais já elogiosas ao rei. O
processo de idealização de Davi, nitidamente perceptível nesta parte, prolonga-se a uma etapa ulterior da
redação: 1Sm 16, narrando a unção de Davi por Samuel, serve evidentemente para pôr o segundo rei no
mesmo nível que o primeiro e encontra-se intimamente ligado ao cap. 15, de incontestável caráter
secundário.
Os capítulos consagrados às guerras de Saul são uma compilação. Encontram-se aí tradições antigas
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Livros Históricos AT
Se, contudo, a iniciativa do povo é condenada sem cerimônia, talvez seja para significar que a realeza de um
homem, por direito, não procede da vontade humana e sim, da autoridade divina, e que a monarquia israelita
não é nem democrática, nem autocrática, mas permanece subordinada à teocracia. Talvez procure-se sugerir
que Saul pessoalmente tenha sofrido por ter sido "pedido" (o sentido de seu nome em hebraico). O nimbo
legendário que envolve a figura de Samuel realça a supremacia do homem religioso mediador da vontade
divina. Insiste-se na natureza religiosa das faltas que provocam a queda de Saul, para indicar que o rei não
deve invadir um domínio que não é seu. A isso associa-se o interesse dos livros de Samuel pelos objetos,
práticas e pessoas do culto (particularmente quanto à arca, intocável segundo 2Sm 6,7, e quanto ao altar de
Jerusalém, 2Sm 24).
O rei por excelência é Davi. Ele é fortemente idealizado, sobretudo na história de seus inícios, pelos
relatos de suas façanhas, da afeição que ele inspira, de sua magnanimidade e modéstia, embora não se
esconda que sua carreira foi a de um soldado que teve sorte. Não falta a observação da submissão que este rei
ideal demonstra em relação ao Senhor e suas instâncias e o seu cuidado em consultar a vontade divina.
Assim, ele aceita a reprimenda do profeta Natã, em conseqüência de seu pecado de adultério, o que mostra
que, em Israel, o rei não está acima da lei. Mas, à diferença de Saul, Davi não é punido na sua descendência;
ele recebe a segurança de ver reinar no seu lugar um de seus filhos. Este filho é Salomão, cujo advento se vê
preparado pelo amor que Deus lhe tem desde o nascimento. Nossos livros são portanto uma apologia da
dinastia judaíta. Segundo a profecia de Natã (2Sm 7), cujo teor essencial não foi modificado pela redação
Capítulo VI
INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE REIS
(Canônicos)
Os livros dos Reis cobrem um longo período da história de Israel. Os acontecimentos mais
antigos, os últimos dias de Davi (1Rs 1,1–2,10), remontam a 972 a.C. aproximadamente, ao passo que a
reabilitação do rei Jeoiaquim (2Rs 25,27-30) data de 561 a.C. Ora, como o indica a lista dos livros
bíblicos, os Livros dos Reis fazem parte dos Profetas Anteriores. Isto deve alertar o leitor para o fato
de que, conquanto esses livros sejam ricos em dados históricos, não devem ser considerados
primordialmente como livros históricos. Por seu conteúdo podem, de preferência, ser definidos como
uma reflexão teológica sobre um período da história de Israel em que este povo era governado por
reis.
Conteúdo dos Livros dos Reis
A) Fim do reinado de Davi e reinado de Salomão (1Rs 1–11)
Davi e a shunamita — Pretensões de Adonias à realeza — Reação do partido de Salomão e sua sagração
em Guihon: 1Rs 1,1-40
Fracasso da conspiração de Adonias: 1Rs 1,41-53
Recomendações de Davi a Salomão : 1Rs 2,1-11
Sorte reservada a Adonias, a seus dois principais cúmplices e a Shimeí: 1Rs 2,12-46
Aparição do Senhor a Salomão — Julgamento de Salomão : 1Rs 3
Os grandes do reino — Administração de Salomão — Sabedoria de Salomão : 1Rs 4,1–5,14
Aliança com Hirão, rei de Tiro, e preparativos para a construção do Templo: 1Rs 5,15-32
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Nota introdutória da TEB.
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Livros Históricos AT
Construção do Templo e dos edifícios reais — Fabricação dos objetos de metal destinados ao Templo:
1Rs 6–7
Transferência da arca e dedicação do Templo — Nova aparição do Senhor a Salomão: 1Rs 8,1–9,9
Atividades diversas de Salomão: 1Rs 9,10-28
Visita da rainha de Sabá — Riquezas de Salomão: 1Rs 10
Pecado de Salomão — Revoltas no exterior — Anúncio do cisma a Jeroboão pelo profeta Ahiá: 1Rs 11
B) Do cisma ao fim do reino de Israel (1Rs 12–2Rs 17)
Cisma político e religioso — Jeroboão, rei de Israel : 1Rs 12
Profecia contra Betel: 1Rs 13
Ahiá anuncia a morte do filho de Jeroboão: 1Rs 14,1-20
Roboão, Abiâm e Asá, reis de Judá : 1Rs 14, 21–15,24
Nadabe, Baeshá, Elá, Zimri, Omri e Acabe, reis de Israel: 1Rs 15,25–16,34
Ciclo de Elias — A grande seca: Elias no Karit, depois em Sarepta; ressurreição do filho da viúva; o
sacrifício do Carmelo; Elias no Horebe 1Rs 17-19
Duas campanhas de Arâm contra Israel; cerco de Samaria e campanha em Afeq; intervenção de um
profeta: 1Rs 20
Ciclo de Elias (continuação) — A vinha de Nabot : 1Rs 21
Campanha de Acab e de Josafá contra Arâm; intervenção de Miquéias; morte de Acabe: 1Rs 22,1-40
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Livros Históricos AT
paulatinamente acabou por prevalecer, cortou em dois — e de modo pouco hábil — o reino de Acazias
(iniciado em 1Rs 22,52-54 e terminado em 2Rs 1), bem como o "ciclo de Elias" (iniciado em 1Rs 17 e
terminado em 2Rs 1).
Considerados em si mesmos, os Livros dos Reis não constituem uma unidade fechada, vale dizer, não
foram concebidos independentemente de outros livros bíblicos. Já se emitiu a hipótese de que,
primitivamente, fizessem parte de um conjunto histórico abrangendo os livros de Josué (talvez até mesmo o
Deuteronômio), dos Juízes, de Samuel e dos Reis. Poder-se-ia até identificar um sinal dessa possibilidade no
fato de 1Rs 1,1–2,11 ser a continuação imediata de 2Sm, que relatava o reino de Davi. Tal unidade é
pressuposta para explicar a ulterior separação entre os dois livros (Sm e Rs).
A análise dos Livros dos Reis acima apresentada permite avaliar a diversidade de conteúdo desses
livros, bem como as diferenciações entre os elementos que os compõem. O próprio autor menciona a
utilização de elementos anteriores e cita algumas fontes às quais recorreu. Tal formação indica que a obra
não nasceu de uma só feita, mas foi executada em diversas etapas. De fato, 1Rs 11,41; 14,19.29 etc. falam
respectivamente de um livro dos "Atos de Salomão", de "Anais dos reis de Israel" e de "Anais dos reis de
Judá", que serviram de ponto de partida para a redação do texto que atualmente possuímos.
Mas os trechos que se referem a esses Atos ou a esses Anais representam tão-somente uma parte de
nossos livros. O autor, para sua obra, serviu-se ainda de outras fontes: parece, por exemplo, que teve
conhecimento de arquivos provenientes do Templo (cf. 1Rs 4,1-6.7-19; 5,7-8). Em que proporções essas
13
Livros Históricos AT
seguro entre a História de Israel e a do Oriente Próximo. Alguns textos egípcios, os Anais e os documentos
provenientes dos reis da Assiro-Babilônia foram especialmente valiosos para indicar com precisão a data de
alguns acontecimentos.
Excetuando-se esses pontos fixos, os dados fornecidos pelos Livros dos Reis são muitas vezes difíceis
de interpretar. Em primeiro lugar, as datas dos reinados de Judá são contadas com base nos reinados dos reis
de Israel, e vice-versa, o que acarreta sempre certo número de imprecisões. Além disso, alguns erros de
copistas (intervenções ou confusões de números) introduziram aqui e ali certa desordem cronológica. Mais
ainda, se sabemos com precisão que Salomão (1Rs 1) e Jotão (2Rs 15,5) foram um e outro co-regentes de
seus pais, podemos admitir que também tenham existido outros casos de co-regência, provocando assim
certas defasagens de difícil avaliação, quando se trata de fixar uma escala cronológica para os diferentes
reinos.
Descobriu-se, enfim, que não existe, para os Livros dos Reis, apenas uma ordem cronológica, mas
diversos sistemas cronológicos, que se atropelam uns aos outros e cujas origens remontam às próprias fontes
desses livros. Obtêm-se, assim, três resultados diferentes, conforme o critério adotado: para determinado
período, somam-se ou os dados bíblicos concernentes aos reinos de Judá, ou ao reino de Israel, ou os dados
fornecidos pelos sincronismos. Por exemplo, para o período que se estende do cisma até o término do reino
de Acabe (933-853), isto é, 80 anos de cronologia tal como a reconstituímos, o total dos reinos é de 84 anos
para Judá, de 78 anos para o reino do Norte e, para os dados conseguidos pelos sincronismos, de 75 anos.
14
Livros Históricos AT
Enfim, os Livros dos Reis terminam com uma mensagem de esperança: o último descendente da
dinastia davídica, apesar de deportado para a Caldéia, vê sua situação transformar-se. O rei de Babilônia
manda-o "trocar suas vestes de prisioneiro" e concede-lhe a graça de comer todos os dias à mesa real.
C) Jerusalém e o Templo. Profundamente imbuídos do pensamento deuteronomista, os Livros dos Reis
atribuem importância considerável a Jerusalém e ao culto celebrado no Templo. Acima de tudo, Jerusalém é
a cidade "escolhida" por Deus (1Rs 8,12). Em seguida, é a cidade do Templo, e 1Rs 8,15-19 recorda que esse
Templo tem como origem o desejo de Davi de construir uma Casa "para o nome do Senhor" (cf. 2Sm 7,1-
16). A importância do santuário é claramente definida na oração de Salomão (1Rs 8,23-53), por ocasião da
dedicação do Templo: este é na verdade o lugar do "encontro" (cf. a Tenda do Encontro, Ex 33,7) de Israel
com seu Deus em todas as circunstâncias da vida nacional. Também o relato da reforma de Josias (2Rs 22–
23) é dominado pelo Templo: no Templo se encontra o rolo da Lei, é em primeiro lugar o Templo que é
purificado, e é o Templo que, doravante, deverá centralizar toda a vida sacrifical de Israel. Essa reforma
marcou a tal ponto o autor bíblico que ele mencionará como que se desculpando a antiga prática de oferecer
sacrifícios fora de Jerusalém (1Rs 3,2; 22,44; 2Rs 12,4; 14,4; 15,4.35), conquanto, historicamente falando, o
fato fosse perfeitamente legítimo (cf. Elias no Carmelo, 1Rs 18).
Graças à importância central atribuída ao Templo, os sacerdotes desempenhavam uma função
preponderante na celebração do culto. Segundo a reforma de Josias, somente aos sacerdotes, e
especificamente os de origem levítica, será reservado o direito de oferecer sacrifícios. 1Rs 8,1-6 já evoca o
5
Nota introdutória da TEB.
15
Livros Históricos AT
Capítulo VII
INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE CRÔNICAS
(Canônicos)
Os dois livros das Crônicas trazem, na Bíblia hebraica, um título que se poderia traduzir por Palavras
(ou Atos) dos dias, isto é: livro dos atos diários referentes a uma história ou ainda, segundo São Jerônimo:
Crônica de toda a história divina, nome que se perpetuaria sob a forma de livros das Crônicas. Segundo a
tradução grega, o nome, longamente conservado na tradição da Igreja, foi: Paralipômenos, palavra grega que
significa: coisas deixadas de lado, ou ainda: coisas transmitidas à parte, termo aplicável ao conteúdo destes
livros, considerados como complementos aos livros de Samuel e dos Reis. Com efeito, veremos que os
relatos dos livros das Crônicas retomam em grande parte os relatos dos livros de Samuel e dos Reis, com
outros elementos complementares, numa perspectiva histórica e teológica diferente.
A divisão em dois livros é artificial, visto que não existe corte entre eles. Em sua origem, constituem um
único livro, da mesma forma que os dois livros de Esdras e de Neemias. Aliás, este conjunto Crônicas-
Esdras-Neemias forma um todo, como mostram os últimos versículos das Crônicas (2Cr 36,22-23),
reproduzidos textualmente nos primeiros versículos de Esdras (1,1-3). Em conseqüência de circunstâncias
desconhecidas, o lugar desses livros foi modificado no cânon da Bíblia hebraica, no qual as Crônicas são os
últimos da coletânea, depois de Esdras-Neemias, quando na realidade deveriam precedê-los. É possível que
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Livros Históricos AT
toma o cuidado — o que era raro em sua época — de citar suas fontes, dando-nos assim informações
preciosas, ainda que incompletas e por vezes difíceis de precisar.
Ele menciona:
— o livro dos reis de Judá e de Israel (2Cr 16,11)
— o livro dos reis de Israel e de Judá (2Cr 27,7)
— o livro dos reis de Israel (1Cr 9,1)
— os atos dos reis de Israel (2Cr 33,18)
— o comentário (ou midrash) ao livro dos Reis (2Cr 24,27)
— os anais do rei David (1Cr 27,24)
— as palavras (ou atos) do vidente Samuel (1Cr 29,29), do profeta Natã (1Cr 29,29), do vidente Gade
(1Cr 29,29), do profeta Shemaiá e do vidente Idô (2Cr 12,15), de Jéu, filho de Hanani (2Cr 20,34), de Hozai
(2Cr 33,19)
— a profecia de Ahiá de Siló (2Cr 9,29)
— a visão do vidente Iedô (2Cr 9,29), do profeta Isaías, filho de Amôs (2Cr 32,32).
— o comentário ou midrash do profeta Idô (2Cr 13,22)
— um documento escrito do profeta Isaías, filho de Amós (2Cr 26,22).
É provável que vários destes títulos designem documentos idênticos, com algumas variantes na
formulação de seus títulos. Apesar da variedade de opiniões dos comentadores, é possível identificar pelo
17
Livros Históricos AT
se falar das Crônicas, como às vezes se faz, como escritos "tendenciosos"? Isto equivaleria a fazer um
julgamento pejorativo e injusto do autor, que se preocupou mais em apresentar uma "teologia da história" do
que em fazer uma exposição histórica objetiva e completa. Sua obra é menos a de um historiador, em sentido
moderno, e mais a de um crente ou teólogo que vê na história o testemunho da ação permanente de Deus e a
imagem, certamente ainda imperfeita, mas real, do Reino de Deus.
Por fim, o método de composição comporta um trabalho destinado a completar os dados fornecidos
pelas fontes principais, isto é, os livros de Samuel e dos Reis. Graças a outros documentos, a tradições
escritas, ou mesmo orais, o Cronista dá detalhes complementares sobre certos aspectos da história do povo
que não se encontram nos outros livros do cânon bíblico e que, desta forma, são muito preciosos para um
melhor conhecimento desta história. Mesmo se algumas passagens de seu texto exprimem suas reflexões
pessoais e sua concepção das coisas, o mesmo não se pode dizer de numerosos pormenores que não podem
ser obra de sua imaginação criadora, mas que ele encontrou em fontes que não mais conhecemos.
Além disso, podemos saber como ele tratava suas fontes, comparando as passagens de sua obra com
seus paralelos em Samuel-Reis. Embora certos retoques teológicos ou literários sejam perceptíveis aqui e ali,
as variantes geralmente são de ordem acidental: o Cronista conheceu o texto hebraico de Samuel-Reis num
estado mais antigo que nosso texto atual, e tanto Samuel-Reis como as Crônicas sofreram inevitáveis falhas
de copistas. A comparação desses textos em seu estado presente nos dá preciosas informações sobre os
acidentes de transmissão possíveis nos outros livros da Bíblia. Ela nos mostra, ao mesmo tempo, que o
18
Livros Históricos AT
do Exílio, encontra-se a mesma preocupação que aparece nos livros de Esdras e Neemias: restauração do
altar sobre as ruínas do Templo (Esd 3), reconstrução do Templo (Esd 4–6), da Cidade Santa (Ne 1–4) e
restauração do culto (Ne 8–9).
Da mesma forma, o Cronista cerca de especial predileção os ministros do culto, todos membros da tribo
de Levi, sejam eles sacerdotes, descendentes de Aarão, sejam levitas, descendentes de outros clãs da mesma
tribo. Enquanto todo o Pentateuco mencionava os sacerdotes 27 vezes, registram-se 53 vezes para Esdras-
Neemias e de 76 vezes para as Crônicas. Aplicando o que se estabelece em Lv 1,5 e em Nm 10,8, são os
sacerdotes os encarregados de fazer soar as trombetas (1Cr 15,24; 2Cr 13,12) e de verter sobre o altar o
sangue das vítimas imoladas (2Cr 30,16). Mas os levitas não são simples empregados subalternos:
transportam a arca, são porteiros e guardiães do Templo, desempenham as funções de cantores e músicos;
em certas circunstâncias, chegam a participar, juntamente com os sacerdotes, da preparação (não da
oferenda) dos sacrifícios (2Cr 29,34; 30,16-17).
As cerimônias exprimem, nos relatos que as expõem, acentos de alegria, louvor e reconhecimento, e isto
faz supor que o próprio Cronista pode ter sido um levita ou tenha querido restabelecer suas funções às vezes
depreciadas.
Outra hipótese a considerar: o autor das Crônicas teria querido, com sua obra, enfatizar a legitimidade
exclusiva do Templo e do culto em Jerusalém diante das tentativas feitas por alguns de estabelecer outros
santuários e justificar outras cerimônias cultuais no passado, mas também na época do Cronista. Seu relato
19
Livros Históricos AT
Capítulo VIII
INTRODUÇÃO AOS LIVROS DE ESDRAS E NEEMIAS
(Canônicos)
20
Livros Históricos AT
9: Oração de confissão dos pecados.
10: Resoluções diversas.
11: Repartição dos habitantes de Jerusalém .
12: Sacerdotes e levitas.
13: Reformas diversas, realizadas por Neemias.
A história literária dos dois livros é bastante complexa. As antigas traduções gregas do Antigo
Testamento abrangem, além de uma tradução dos dois livros reunidos em um só, um outro livro de Esdras ,
bem diferente destes últimos e com muita freqüência designado sob o termo: Esdras grego, ou então 1 Esdras
(sendo que 2 Esdras designa a tradução dos dois livros hebraicos de Esdras-Neemias). O Esdras grego
contém certas passagens das Crônicas e de Esdras , mas também relatos apócrifos (os três jovens pajens de
Dario etc.). Quanto à tradição latina: ela conhece 4 livros de Esdras , sendo que o 1º corresponde ao livro
bíblico de Esdras , o 2º ao livro de Neemias, o 3º ao Esdras grego, e o 4º é um apocalipse tardio atribuído a
Esdras , mas que já não tem mais nada em comum com os dois livros do Antigo Testamento . A maior parte
das edições modernas da Bíblia contém apenas os dois livros de Esdras e de Neemias, e deixam de lado o
Esdras grego (1 ou 3Esd) e o Apocalipse de Esdras (4Esd), que nunca fizeram parte do cânon judaico.
Problemas literários. Não há indicação quanto ao autor destes dois livros, mas é comum admitir-se que
foi um e mesmo autor que redigiu e compôs a vasta síntese histórica dos dois livros das Crônicas, seguidos
dos livros de Esdras e de Neemias. Um dos indícios mais significativos é a identidade entre os últimos
21
Livros Históricos AT
4,24; Ag 1,15). A passagem Esd 4,6-23 refere-se a acontecimentos da época de Artaxerxes, ou seja, no
mínimo 50 ou 60 anos mais tarde. A hipótese mais provável para resolver este problema consiste em ver,
nesta última passagem, documentos relativos à interrupção de outros trabalhos, diferentes dos de
reconstrução do Templo: talvez uma tentativa de reconstrução das muralhas da cidade na época de
Artaxerxes, o que aliás explicaria bastante bem a ulterior iniciativa de Neemias para retomar esses trabalhos
e levá-los a bom termo, sempre sob o reinado de Artaxerxes (Ne 1–4 e 6). O próprio conteúdo da
correspondência diplomática de Esd 4,6-23 fala explicitamente de uma reconstrução da cidade e das
muralhas, e não do Templo (vv. 12.13.16). Como explicar que este documento tenha sido inserido no meio
do relato referente ao Templo em uma época bem anterior? Não o sabemos. Como se tratasse de trabalhos
interrompidos por ordem de um rei da Pérsia, talvez tenha havido confusão, no momento da redação do livro,
entre os trabalhos do Templo, na época de Dario, e os da muralha, na época de Artaxerxes.
Mais complexo é o segundo problema: o da cronologia da atividade de Esdras e de Neemias em
Jerusalém . A ordem cronológica atual do relato fala da chegada de Esdras no 7º ano de Artaxerxes (Esd 7,7)
e da sua atividade reformadora (Esd 8–10), e em seguida, da chegada de Neemias no 20º ano de Artaxerxes
(Ne 2,1) e da sua atividade em prol da reconstrução das muralhas (Ne 1–7). A seguir vê-se Esdras reaparecer
— quando não se fizera mais menção a ele em Ne 1–7 — para a leitura solene da Lei (Ne 8–9); e por fim,
Neemias exerce sua atividade sozinho, no decurso de outra estada em Jerusalém no 32º ano de Artaxerxes
(Ne 13,6). Tem-se, pois, a impressão de que Esdras e Neemias exerceram sua atividade em Jerusalém
22
Livros Históricos AT
se pode celebrar o culto; daí a importância de tudo o que concerne ao sacerdócio (2,36-39), aos levitas e a
todo o pessoal ligado ao lugar santo (2,40-63), assim como de tudo o que diz respeito aos objetos cultuais, às
oferendas (1,9-11; 2,68-69) e sobretudo ao altar, que é o primeiro a ser restabelecido para nele se oferecerem
os sacrifícios, antes da própria edificação do novo Templo (3,1-7). Se ocorre um atraso na reconstrução do
Templo, é sobretudo em razão da hostilidade dos adversários que procuram impedir os judeus de
restabelecerem sua influência (cap. 4), ao passo que nada se diz, nestes dois livros, da negligência, da
indiferença e do desânimo dos próprios judeus nesta tarefa — como o atesta, porém, a profecia de Ageu (Ag
1,2-5). Pelo contrário, em Esd 6, a alegria explode por ocasião da Dedicação do Templo terminado, o qual é
a obra de Deus mais que dos homens (v. 22).
A presença do Templo é inseparável da cidade mesma; aliás, a preocupação por Jerusalém , cidade santa
no presente e no futuro, faz parte dos objetivos que levaram Neemias a pedir a autorização do rei Artaxerxes
para vir à capital judaica a fim de restaurá-la e restituir-lhe a importância que lhe cabe. Esta preocupação por
Jerusalém explica o zelo patriótico e religioso que ele demonstrou na reconstrução das muralhas em ruínas,
com o concurso de toda a população (Ne 2–6). Para ele, tratava-se de uma missão profundamente religiosa,
que Deus lhe havia confiado e que cumpriu, a despeito das dificuldades e das lutas, com a certeza de que
Deus estava com ele e combatia em favor do seu povo. As medidas que Neemias adotou a seguir, com o fim
de repovoar a cidade por muitos trocada pelo campo (Ne 11), ou com o fim de fazer respeitar o sábado (Ne
13,15-22), mostram que, para ele, Jerusalém devia voltar a assumir seu papel de cidade santa. Tratava-se do
23
Livros Históricos AT
a pregar pelo exemplo através do seu desinteresse, homem de oração e de fé. E no entanto, por maior que
seja o valor desses dois homens, sua personalidade nunca é priorizada em relação à sua obra. Cumprem a
missão que Deus lhes confiou, e afora esta missão nada mais sabemos a respeito da vida deles, a respeito do
término da sua atividade e da sua morte. A pessoa deles apaga-se por trás da ação, deixando na sombra o que
aconteceu antes e depois do ministério que exerceram. Este é também um traço característico da vida
religiosa do judaísmo de sua época.6
Capítulo IX
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE TOBIAS
(Apócrifo)
O livro de Tobias é uma das jóias da literatura judaica. Romance popular que se inspira na tradição da
sabedoria do mundo pagão circundante, obra de edificação alimentada pelos escritos bíblicos, ele dá
testemunho, por sua riqueza, da vitalidade humana e religiosa do judaísmo nos séculos posteriores ao Exílio.
Conteúdo do livro. Duas famílias judaicas aparentadas viram-se deportadas em Nínive e Ecbátana
respectivamente, onde hoje se situam o Iraque e o Irã. Ambas, sem culpa alguma de sua parte — pois
mantiveram-se numa fidelidade escrupulosa à Lei — caíram no infortúnio. Tobias, chefe da primeira, perde
uma situação confortável e, ademais, fica cego, numa ocasião em que acabara de sepultar, com risco da
6
Nota introdutória da TEB.
24
Livros Históricos AT
sabedoria recebida e, com suas calúnias, levou seu benfeitor ao suplício. Aicar, que por sua sabedoria
granjeara amigos, foi escolhido pelo carrasco. Finalmente reabilitado, dirigiu ao sobrinho uma série de
censuras em forma de parábolas e mandou lançá-lo à cadeia, onde morreu (14,10).
No livro de Tobias, este famoso Aicar figura em pessoa como sobrinho de Tobias (1,22). É uma forma
de fazer reverter ao tio e a seu povo o prestígio indiscutível do sobrinho. Ademais, a própria estrutura da
história de Tobias parece calcada na da Sabedoria de Aicar. Como Aicar, Tobias gozou do favor, depois do
desvalimento do rei da Assíria (1,13-20); como ele, dirige ao filho duas séries de máximas (4,3-19; 14,8-11),
algumas das quais aparentemente tiradas do próprio Aicar (4,10. 15.17.19); mas, em vez da traição de
Nadan, o jovem Tobias mostra-se fiel à sabedoria que lhe foi ministrada. Seria talvez este um meio de
sugerir que a sabedoria ensinada pelo velho Tobias supera a do sábio Aicar? Seja como for, isto define o
gênero literário do nosso livro: romance popular, sem dúvida, mas com pretensão didática e sapiencial.
Ensinamento para os judeus da Dispersão. Por meio da história de Tobias e Tobias, deportados
típicos, o autor quer fornecer a seus irmãos isolados em meio às nações um ensinamento religioso.
A providência de Deus e os anjos. O que está em questão aqui não é tanto a realidade, ao que parece
evidente (3,17), da solicitude de Deus para com seus fiéis em aflição, mas é sobretudo a maneira de exercê-la
em meio às provações, valendo-se do que parece ser uma sucessão de casualidades em função de um
desígnio preestabelecido, dum segredo que só no fim será revelado. A resposta celeste a Tobias e Sara (3,16-
17) por uma parte, a revelação de Rafael (12,11-15) por outra, constituem os dois pólos da narrativa.
25
Livros Históricos AT
diferentes, Sara parece destinada a não ter filhos. Tobias é visitado por um anjo em forma humana, como
Abraão em Mamrê.
A analogia não se restringe às situações, ela chega à própria formulação da narrativa. Pormenores
aparentemente anódinos são extraídos quase ao pé da letra do Gênesis: o encontro (7,3-4 e Gn 29,4-6); o
amor nascente (6,19 e Gn 24,67); a conclusão do casamento (7,12-13 e Gn 33.50-51); etc.
A errância dos patriarcas tem sua continuidade na dos deportados (cf. 4,12). A providência de Deus,
invisível e discreta, vela sobre o mais insignificante judeu como velara pelos seus ancestrais, provendo aos
encontros, dando continuidade, mediante libertações e casamentos, à transmissão da Promessa de uma
geração à outra, até que chegue finalmente o dia da volta à "terra de Abraão" (14,7).
… à luz dos profetas. Tobias relê o seu destino pessoal e o dos seus irmãos deportados à luz dos profetas.
Atrás dele, fazendo eco à profecia de Natã, está a fervorosa recordação de Jerusalém e do seu rei (1,4; cf.
5,14). As desventuras que padece em solidariedade com seus irmãos são o cumprimento do castigo
anunciado por Amós a Israel pecador (2,6). O porvir mantém-se momentaneamente fechado, o que provoca a
tentação de atribuir à cegueira de Tobias um sentido simbólico. E eis que, por meio de Tobias, o filho que lhe
daria continuidade à raça, Deus torna a abrir seus olhos, os do corpo e os do espírito, já que, feito ele mesmo
profeta, convida a nação inteira à conversão e anuncia-lhe a salvação prometida pelos profetas (13). Quando
se cumprirem às profecias de Naum acerca da ruína de Nínive, o Templo será reconstruído provisoriamente,
à espera de que se hajam completado os tempos: então todos voltarão à pátria, Jerusalém será reconstruída
Capítulo X
INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JUDITE
(Apócrifo)
7
Nota introdutória da TEB.
26
Livros Históricos AT
O livro de Judite , como os de Tobias e de Ester, é uma narrativa centrada em torno de um personagem
principal e contando com riqueza de detalhes a salvação concedida por Deus ao termo de uma situação
crítica. Trata-se aqui do cerco de pequena cidade da Palestina , Betúlia, cuja posição comanda o acesso ao
resto do país e a Jerusalém . Uma piedosa viúva sai da cidade , dirige-se ao acampamento inimigo, excita por
sua beleza a paixão do comandante-em-chefe, Holofernes, e aproveita da embriaguez do general após um
banquete para cortar-lhe a cabeça: ela provoca a derrota dos atacantes.
Historicidade do relato. A narrativa apresenta numerosas dificuldades históricas. Nabucodonosor, rei
da Babilônia segundo a história, aparece aqui como rei de Nínive, cidade vencida em 612 pelos exércitos
coligados de seu pai, Nabopolassar, e dos medos. Ele, vencedor e destruidor de Jerusalém, envia suas tropas,
segundo o livro de Judite, para uma expedição na qual elas são derrotadas e massacradas pelos israelitas,
recentemente retornados do cativeiro (Jt 4,3; 5,19). Entretanto, segundo a história, é justamente
Nabucodonosor quem deportou os habitantes de Jerusalém. O general que comanda as tropas de invasão,
Holofernes, e seu eunuco Bagoas trazem nomes persas que se encontram em textos não-bíblicos, referentes a
uma campanha de Artaxerxes III (359-338). O livro de Josué menciona uma cidade de Betul (19,4) no
território da tribo de Simeão, tribo à qual pertencia Judite (8,1; 9,2). Mas a Betúlia do livro de Judite
localiza-se na Samaria, perto de Dotaim e da planície de Esdrelon (ou de Jezreel); está construída sobre um
pico escarpado, acima de fontes que jorram no vale. Não se conhece sítio correspondente a esse nome e a
essa situação. Este fato não é isolado. Ao longo da narrativa encontram-se, ao lado de nomes bem
27
Livros Históricos AT
Pode-se falar de parábola, mas é preciso indicar que o ponto de partida é uma narrativa preexistente e
não o desejo de fornecer uma ilustração pedagógica a uma doutrina. Por outro lado, os ensinamentos do livro
são múltiplos e não limitados a um ponto preciso.
Tem-se falado de apocalipse, mas a aproximação permanece longínqua. Há por certo algum exagero das
circunstâncias, mas nada dos monstros fantásticos imaginados por Daniel, pelo Apocalipse e pelas produções
não-canônicas do tipo, como o 4º livro de Esdras. O desfecho de Judite (16,25) conduz a um longo período
de paz e não às catástrofes do fim dos tempos.
Autor e data. O autor primitivo é desconhecido. Provavelmente escreveu numa língua semítica. Ao
final do séc. II a.C., ou mais tarde ainda, o adaptador grego utiliza a versão dos Setenta e a reproduz
textualmente, mesmo onde ela difere do texto hebraico. Assim, Jt 6,2 = Is 28,1; Jt 8,16 = Nm 23,19; Jt 9,7 e
16,2 = Ex 15,2; Jt 10,4 = Gn 38,14; Jt 10,4 = Is 3,20; Jt 14,18 = 1Sm 13,3; Jt 16,12 = 1Sm 20,30. Este
redator grego trabalhou sobre um texto semítico, provavelmente hebraico, ora traduzindo-o literalmente,
como o demonstram várias expressões que refletem fielmente o estilo hebraico, ora adaptando-o livremente,
como o testemunham as diferenças com a Vulgata (cf. infra).
Quanto ao protótipo semítico, poderia ter recebido sua forma definitiva na época da insurreição dos
Macabeus contra a perseguição grega. As pretensões de Nabucodonosor de ser reconhecido como único
Deus de toda a terra (Jt 3,8; 6,2) são comparáveis às atribuídas por Daniel (11,36-37) ao rei ímpio (Antíoco
Epífanes). O narrador, provavelmente explorando um relato mais antigo, teria querido encorajar seus
28
Livros Históricos AT
2,27; 1Tm 5,5; Jt 8,14 e 1Cor 2,11; Jt 8,25 e Tg 1,2; Jt 13,18 e Lc 1,42; Jt 13,19 e Mt 26,13. Mas o paralelo
mais surpreendente só se encontra na Vulgata: Jt 8,24-25 e 1Cor 10,9-10.
Alcance religioso. O livro evidentemente se destina, primeiro, a encorajar os judeus num período em
que se encontram ameaçados por um perigo proveniente do mundo pagão. Não é só a existência nacional que
está em perigo, mas o culto ao verdadeiro Deus.
O livro contém muitos elementos que são patrimônio comum de toda a Bíblia, mas também certos
pontos de vista mais originais que não devem ser encobertos pelo caráter dramático dos acontecimentos e
que carecem de esclarecimento.
Deus é transcendente ao homem. Seus desígnios são cheios de misericórdia para com os homens, mas
insondáveis. E não se pode prever com certeza a duração ou a extensão das provas às quais ele submete os
seus (8,14). Os sacrifícios que se lhe oferecem são totalmente desproporcionados em relação à sua majestade
(16,16). A Providência age através das causas segundas: não há nenhum milagre ou feito extraordinário na
narrativa: tudo resulta das paixões humanas da ambição, da sensualidade ou do medo em uns e, pelo
contrário, da fé e da coragem em Judite.
É uma mulher que é aqui a personagem principal e a artífice de salvação para todo o povo. Ela é a única
a não perder a cabeça em meio à aflição geral. Por sua sabedoria, ela reanima os homens que são os líderes
oficiais de Betúlia. Sem a ajuda deles, concebe e executa sua empresa audaciosa. Depois de sua façanha, leva
uma vida cujo valor não depende das funções de esposa e de mãe. Há nisso um feminismo que ultrapassa
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Livros Históricos AT
O estilo não primou pela elegância; antes buscou uma fidelidade bastante material ao texto. Se é normal
traduzir um bom hebraico para um bom português, pareceu justo traduzir uma versão grega bem servil por
uma versão portuguesa igualmente próxima do modelo: repetir os mesmos vocábulos quando são repetidos,
variá-los quando são variados, conservar a justaposição de pequenas frases não formando períodos, sem
contudo chegar a reproduzir todos os "e" do grego, o que teria sido intolerável.8
Capítulo XI
Duas redações nos chegaram deste livro: a hebraica e a grega dos LXX, com a única diferença, entre si,
O rei da Pérsia, sob o qual se desenrolam esses acontecimentos, é chamado Ahasveros no texto hebraico
(donde "Assuero" na Vulgata), transcrição imperfeita do nome persa Hsarjarsa, que os gregos transcreveram
como Xerxes. A versão grega, ao invés, traz constantemente "Artaxerxes" no livro inteiro. Daqui as
divergências em torno da pessoa do rei assim denominado. Hoje, a opinião mais comum e provável sustenta
que seja Xérxes I, o qual reinou de 485 a 465 a.C. e é conhecido sobretudo por sua campanha infeliz contra a
Grécia. Não perdeu, porém, a sua boa probabilidade a opinião dos antigos, assinaladamente de Eusébio e S.
Jerônimo, de que se trata, ao invés, de Artaxerxes II, chamado o Mnemon (405-365 a.C.), que antes de subir
ao trono tinha o nome de Arsu (V. PLUTARCO, Vida de Artaxerxes, I), forma abreviada ou carinhosa de
Hsajarsu. O caráter efeminado de ambos os monarcas, como no-lo dão a conhecer os escritores profanos,
condiz admiravelmente com o que se reflete no livro de Ester.
Ambos entregues aos prazeres, ambos dominados pela influência de cortesãos e de mulheres, as histórias dos
seus reinados são tecidas de intrigas, de amores ilícitos e também de, crueldades. Sobre Xerxes veja-se
HERÓDOTO, Histórias, IX, 108-110. A respeito de Artaxerxes II, Plutarco, na Vida do mesmo, carrega as
tintas sobre a sua moleza e volubilidade e afirma que no seu gineceu sustentava tantas mulheres quantos
eram os dias do ano (24:3; 27:1-3; cf. Est 2:1-4). Esta é já uma das provas da verdade histórica do livro.
Outras são: o conhecimento exato dos costumes persas, a descrição precisa do palácio real em Susa,
confirmada por escavações recentes, a narração cheia de vida, colorido e particularizada, a ausência de todo
anacronismo, a reiterada referência aos anais oficiais do reino (2:23; 6:10); o próprio fato da celebração da
festa dos purim, desde tempos imemoriais, como foi dito acima, fato que, sem dúvida, deve sua origem a
algum evento extraordinário na vida da nação hebraica; e não se tem provas para indicar outro qualquer, a
não ser exatamente o que vem narrado neste livro.
Pode-se ter como provável que, sobre um fundo comum, oral ou escrito, foram inicialmente redigidas: a
narração hebraica atual e uma redação grega mais ampla; feita depois a tradução grega da narração hebraica,
passou ela a ser adotada, inserindo-se as seções excedentes da redação grega, isto é, as seções
deuterocanônicas. Assim chegou-se a atual versão grega, ao que parece, por obra do Lisímaco.
No que tange ao gênero literário, já S. Jerônimo notava grande diferença entre as duas redações, hebraica
e grega, diferença que tem suas raízes profundas nos costumes estilísticos das respectivas literaturas.
Mas, seja qual for o modo de pensar em torno disso, nenhuma das duas composições do livro de Ester
tem por finalidade única recordar a origem da festa de purim, e sim também, e mesmo preponderantemente,
mostrar os cuidados que Deus teve por seu povo naquele terrível transe da sua história sob a dominação
persa; e bastaria isso, sem dúvida, para levar-nos a apreciá-lo altamente.
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Nota introdutória da TEB.
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Costuma-se lamentar sobre o livro o nacionalismo acanhado dos protagonistas hebreus e a sua dureza
para com os adversários. Decerto, os seus sentimentos e atos estão assaz afastados da abertura de coração e
mansidão do espírito cristão. Mas, cumpre julgar os homens pelo seu tempo. Em todas as épocas, até nos
tempos modernos, acontecem casos de crueldades incompreensíveis.
Capítulo XII
INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE MACABEUS
(Apócrifos)
Se é certo que os dois livros dos Macabeus não fazem parte dos livros canônicos, tendo sido
considerados como apócrifos por S. Jerônimo e mais tarde pelos protestantes, não o é menos que foram
citados e estimados pelos Padres e aparecem nas listas canônicas desde o fim do século IV, embora só no
Concílio de Trento o debate tenha se encerrado para os católicos. Lutero deplorava que 1Mc não fosse
canônico. Os dois livros dos Macabeus são os únicos que nos informam sobre a história do povo eleito na
época helenística, ainda que abrangendo só meio século, desde o fim do reino de Seleuco IV, em 176, até o
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Livros Históricos AT
A segunda seção põe em cena Jônatan (160-143; 9,23–12,53), que soube tirar proveito das lutas que
opunham Demétrio I e seu filho Demétrio II a Alexandre Balas, neto (?) de Epífanes, depois a Trifão. Este
último governa a princípio em nome do jovem filho de Alexandre, Antíoco VI, depois em seu próprio nome.
Jônatan, que Alexandre nomeara sumo sacerdote em 152, aliou-se a Trifão, mas este último o capturou à
traição.
Simão o sucede, mas não logra impedir que Trifão execute seu irmão antes de retornar à Síria (fins de
143; 13,23-24). Abstração feita desse luto, a terceira seção consagrada a Simão, sumo sacerdote e etnarca, é
uma história feliz (143-134, caps. 13–16). Ele fortifica as cidades da Judéia, toma Jope, Gazara, a Cidadela
de Jerusalém (junho de 141; 13,51). Em maio de 142, reatara relações com Demétrio II, que confirmou a
carta concedida em 145 (13,35 e 11,30). Em 139, Antíoco VII, irmão de Demétrio II aprisionado pelos
árabes, agiu da mesma forma (15,1), mas, uma vez desembaraçado de Trifão, volta-se contra Simão (15,25-
41). Já demasiadamente idoso, confia este o comando ao seu filho João (Hircano), qqe derrota Cendebeu,
preposto por Antíoco VII ao Litoral (16,1-10). Pouco depois, Simão é assassinado pelo seu genro Ptolomeu,
mas João Hircano desfaz as tramas deste último e toma o poder (16,11-24). Simão renovara a aliança com
Esparta e Roma (14,16-24 e 15,15-24) e mantinha boas relações com os reinos e cidades de todo o
Mediterrâneo oriental (15,22-23).
Data e características literárias e religiosas. O autor termina a sua obra remetendo o leitor aos Anais
do Pontificado para o resto dos feitos e empreendimentos de João Hircano, o que sugere a utilização desta
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Livros Históricos AT
para preconizar a celebração da Dedicação do Templo, que constitui o centro da sua narrativa (10,1-8). A
data da carta mais recente corresponde a 124 a.C. e nosso livro é, portanto, ligeiramente posterior.
Concepção da história. Como outrora Heródoto, para quem a história era o restabelecimento
diacrônico do equilíbrio do mundo pela divindade, o autor encara a história sob o ângulo de uma teologia
finalista. Todos os acontecimentos são por ele interpretados como efeitos da vontade de Deus , e não apenas
o castigo dos perseguidores e dos traidores e as derrotas dos inimigos ímpios, como também os que repõem
os judeus no caminho reto. As vitórias de Judas são para ele o sinal do retorno da benevolência divina,
merecida pelos sofrimentos dos mártires. Da pregação que acompanha a narrativa dos acontecimentos
emerge um ensinamento em parte tributário da tradição judaica, em parte novo.
A criação. Uma das questões que separam a cosmologia e a teologia semíticas das cosmologias gregas é
a da criação. O pensamento grego é dominado, sob esse aspecto, pela lei da conservação. O princípio "ex
nihilo nihil fit" (do nada nada vem), pelo qual Lucrécio formulou, tardiamente, essa lei, determina os
sistemas do mundo desde Tales até os estóicos, inclusive entre os pensadores que admitem, como os
atomistas, a existência do nada e do vazio. O pensamento cosmogônico dos judeus, anterior a 2Mc, parece
postular a criação "ex ni-hilo" do mundo por Deus . Essa criação comporta uma primeira ação, "bereshit"
(Gn 1,1), que chama à existência, a partir do nada absoluto, o caos do "tohu wa bohu", e uma segunda ação,
que consiste em organizar esse caos primordial pelos imperativos tais como o yehi ôr (que a luz seja feita)
(Gn 1,2). Atêm-se, o mais das vezes, os autores do AT a esta segunda fase da criação, a da organização de
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Livros Históricos AT
precisa sobre o lugar do martírio e o nome dos sete irmãos. O mesmo silêncio, sobre estas questões, de 1Mac
e de Josefo. Pode-se dizer que, conforme o segundo livro dos Macabeus, o lugar do suplício parece ser na
Judéia, cf. 2Mc 6,8-11. Esse é também, um século e meio após o abreviador, o parecer do autor de 4Mc,
onde o rei decide a perseguição em Jerusalém, cf. 4Mc 4,23; 5,1; 8,1. A essa localização do martírio na
Judéia a chamada tradição antioquena opôs a localização em Antioquia, que se manteve por muito tempo na
lenda dos sete irmãos e de Eleazar. A localização em Antioquia provém de uma dedução dos livros bíblicos:
do fato de Epífanes achar-se em Antioquia no momento da perseguição religiosa na Judéia concluiu-se que
os mártires haviam sido transferidos a Antioquia para o suplício.
Essa tradição antioquena aparece pela primeira vez por volta de 390, quando João Crisóstomo pronuncia
na própria Antioquia as suas homilias sobre os mártires, assinalando-lhes as relíquias em um santuário dos
arredores da cidade (cf. PG 50, cap. 617, 623; 63, cap. 530). Pouco depois, Agostinho evoca em um dos seus
sermãos "a basílica dos santos Macabeus em Antioquia… edificada pelos cristãos". No século VI, João
Malalas de Antioquia, autor de uma Cronografia, depois de contar a sedição judaica de Jasão e sua repressão
por Antíoco IV (cf. 2Mc 5,5ss.), acrescenta que Antíoco levou Eleazar e os macabeus para Antioquia e aí os
supliciou a pequena distância da cidade. Mais além na sua crônica, refere que um certo Judas obteve do rei
Demétrio os restos mortais dos Macabeus e os sepultou em Antioquia, no lugar denominado Querateon (cf.
PL 97, cap. 321 e 324). Segundo um guia árabe de Antioquia, do século X, a basílica mencionada por
Agostinho, antiga sinagoga transformada em igreja pelos habitantes de Antioquia após a sua conversão ao
CONCLUSÃO
―Entre os vários gêneros literários da Bíblia, a história, por sua extensão, ocupa o primeiro lugar. Esse
fato já prova quanto a história fosse cultivada pelo antigo povo de Israel.‖9
O fato de esses livros serem chamados históricos não significa que os outros livros da Bíblia são lenda,
fábula ou mito. Não; todo relato bíblico aconteceu no tempo e no espaço e é veraz, verossímil e digno de
confiança. Rigorosamente falando, devia figurar entre os livros históricos grande parte do Pentateuco,
assinaladamente Gênesis; estas partes, porém, devido à sua estreita relação com a legislação mosaica,
formam um só corpo como o nome de Lei ou Torá. Na verdade, ―livro histórico‖ é apenas uma designação
didática para indicar que a maior parte do livro trata de uma exposição cronológica dos fatos.
BIBLIOGRAFIA
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1981.
ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. 3 vols. São Paulo: Vida Nova,
1990.
MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1984.
RYRIE, A Bíblia Anotada. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1991.
SHEDD, Russel (ed.). Bíblia Shedd. São Paulo: Edições Vida Nova, 1998.
SOARES, Pe. Matos. Biblia Sagrada. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.
DAVIS, John, Dicionário da Bíblia. São Paulo: JUERP, s/d.
TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA. São Paulo: Edições Loyola
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Nota Introdutória aos Livros Históricos, da Bíblia Sagrada, Matos Soares.
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