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Seminário Internacional
políticas
culturais
17 a 20 de maio de 2016- Rio de Janeiro
Organizadores:
Lia Calabre
Maurício Siqueira
Adélia Zimbrão
Organizadores:
Lia Calabre
Maurício Siqueira
Adélia Zimbrão
1. Política cultural. I. Calabre, Lia, org. II. Siqueira, Mauricio, org. III. Zimbrão,
Adélia, org. IV. Lima, Deborah Rebello, org. V. Fundação Casa de Rui Barbosa. VI. Título.
CDD 306
VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
Índice Geral
Sobre o Evento
Programação Geral
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
O Seminário Internacional de Políticas Culturais é um evento que tem por objetivo promover o
culturais, a fim de divulgar trabalhos e promover debates no campo das ações políticas, das
FICHA TÉCNICA
Realização
Setor de Pesquisa em Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa
Comissão Organizadora
Lia Calabre
Mauricio Siqueira
Adélia Zimbrão
Deborah Rebello Lima
Equipe Técnica
Bolsistas do Setor de Estudos em Políticas Culturais:
Beatriz Terra
Clarissa Semensato
Leandro Leal
Lígia Arruda
Mariana Albinati
Pablo Lima
Raquel Moreira
Taísa Diniz
Parceria
Itaú Cultural e Observatório Itaú Cultural
Informações
politica.cultural@rb.gov.br
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17 de maio
terça-feira
8h | Credenciamento
9h – 9h30 | Abertura
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18 de maio
quarta-feira
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8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
Tenda - Políticas Setoriais: Cultura Afro-brasileira
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I
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políticas culturais
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19 de maio
quinta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
Sala de cursos - Políticas Culturais Setoriais: experiências e trocas
Tenda - Políticas culturais e participação social
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: experiências em gestão
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17-17h30 | Intervalo
20 de maio
sexta-feira
8h – 10:30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
Sala de cursos - Economia Criativa
Tenda - Política Audiovisual e Comunicação II
Sala Maria Augusta II - Políticas Culturais: reflexões conceituais
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políticas culturais
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11 – 13h30 | Comunicações
Auditório - Cidades Criativas
Sala de cursos – Economia da Cultura
Tenda - Patrimônio Imaterial e Meio Ambiente
Sala Maria Augusta II - Educação patrimonial
17-17h30 | Intervalo
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das Comunicações
17 de maio
terça-feira
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das Comunicações
18 de maio
quarta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Sala de cursos - Institucionalização das Políticas Culturais na América Latina
AS POLITICAS CULTURAIS DENTRO DA AGENDA GOVERNAMENTAL DE BOGOTÁ: UMA
REFLEXÃO DESDE O MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS
Mônica Cristina Moreno-Cubillos (UFMA)
EL PLAN DEPARTAMENTAL DE CULTURAS DE COCHABAMBA: PRIMER INSTRUMENTO PARA LA
GESTIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURALES EN EL ÁMBITO AUTONÓMICO DEL ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA
Franz Cabrera Quispe
POLÍTICA CULTURAL Y CONSTRUCCIÓN DE PAZ EN COLOMBIA
Andrés Tafur Villarreal (UNIANDES)
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das Comunicações
Sala Maria Augusta II - Política Audiovisual e Comunicação I
“FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL?”: O NEOLIBERALISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
CINEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA DOS ANOS 1990
Ana Julia Cury de Brito Cabral (ANCINE)
O FETICHE DAS MERCADORIAS E A PUBLICIDADE INFANTIL
Ricardo Przemyslaw Pessoa (ANCINE)
A VIDEOARTE NO BRASIL: UM PANORAMA ANTES E DEPOIS DA ORIGEM
DO FESTIVAL VIDEOBRASIL
Thamara Venâncio de Almeida (UFJF)
11 – 13h30 | Comunicações
Sala de cursos - Planos Municipais de Cultura
CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS COMPARTILHADAS
Luiz Augusto Fernandes Rodrigues (UFF)
Marcelo Silveira Correia (UERJ)
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PROJETO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS-SP
Sérgio de Azevedo (UNICAMP)
PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICAS CULTURAIS NO PROCESSO
DE ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA EM BERTIOGA – APLICAÇÃO DO
DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO
Elisa Selvo Chaves (Conselho de Pol. Culturais de Bertioga)
BELÉM COMO METRÓPOLE CULTURAL E CRIATIVA DA AMAZÔNIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELÉM
Valcir Bispo Santos (UFPA)
A CONTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE SP: ALGUMAS REFLEXÕES
Patricia Oliveira (MIS-SP)
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das Comunicações
A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE E SEUS PRIMEIROS 10 ANOS: UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR
DOS RELATOS DAS PARTES
José Márcio Barros (Obs. da Diversidade Cultural)
Raquel Salomão Utsch de Carvalho (Obs. da Diversidade Cultural)
CIDADANIA NO PLANO NACIONAL DE CULTURA: PERCEPÇÕES SOBRE PODER E MUDANÇA
SOCIAL NAS POLITICAS PÚBLICAS
Leandro Ferreira Barbosa (UERJ)
AÇÃO CULTURAL TRANSFORMA A CIDADE QUE AS PESSOAS VÊEM
Ramon Luiz Zago de Oliveira (USP Leste)
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das Comunicações
14h30 – 17h | Comunicações
Auditório - Financiamento à cultura: da Lei Sarney ao Procultura
O PÚBLICO E O PRIVADONA LEI DE INCENTIVO À CULTURA
Ana Lúcia Pardo (UERJ)
ENTRE AVANÇOS E ENTRAVES, UMA DICOTOMIA - DISCUSSÕES SOBRE A POLÍTICA CULTURAL
“LEI RUBEM BRAGA”: BREVES ABORDAGENS
Elizangela Rosa de Araújo Juvêncio (UENF)
Cristiana Barcelos da Silva (UENF)
QUEM GOVERNA? TRAJETÓRIA DAS POLITICAS CULTURAIS E SEUS PROCESSOS DECISÓRIOS NO
FINANCIAMENTO DA CULTURA
Raquel Moreira (FCRB)
LEI SARNEY EM NÚMEROS: PRIMEIRAS ANÁLISES
Renata Duarte (FCRB)
Lia Calabre (FCRB)
A COMISSÃO NACIONAL DE INCENTIVO À CULTURA ENTRE OS GOVERNOS LULA E DILMA
Rodrigo Correia do Amaral (USP)
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políticas culturais
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das Comunicações
Tenda - Periferias urbanas e políticas culturais
POR UMA GESTÃO CULTURAL TRANSFORMADORA NOS ESPAÇOS POPULARES DE CULTURA
Álvaro Maciel (Funarte)
POTÊNCIA E EXCLUSÃO: PENSANDO A POLÍTICA CULTURAL DA VIZINHA DO REI
Ana Maria Amorim Correia (Museu Ciência e Vida)
CONEXÃO CULTURA: DIÁLOGO COM A JUVENTUDE DE MANGUINHOS E MARÉ
Hilda da Silva Gomes (Museu da Vida/Fiocruz)
Monique Ramos Garcia da Silva (Museu da Vida/Fiocruz)
Carmen Evelyn Rodrigues Mourão (Museu da Vida/Fiocruz)
POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA E A POTENCIALIZAÇÃO DE PRÁTICAS ARTÍSTICOS-
CULTURAIS PERIFÉRICAS NO ESPAÇO URBANO DO RIO DE JANEIRO
Juliana Lopes (UFRJ)
FUNK! PAUTA PARA POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA?
Pâmella Passos (IFRJ)
Sandro Henrique Rosa (IFRJ)
19 de maio
quinta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório – Estatísticas culturais
CLASSIFICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS E CIFRAS CULTURAIS EM GOIÁS
Adriana Parada (PNUD/UNESCO e Casa Brasil Digital)
Guilherme Augusto Alcantara Lobo (UFG)
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA
Alênio Carlos Noronha Alencar (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Aline Silva Lima (Sec. de Cultura de Fortaleza/CE)
Daniel Ribeiro Paes de Castro (Observatório da Governança Municipal de Fortaleza/CE)
OFERTA CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE POR ÁREA
DE PLANEJAMENTO
Daniele Cristina Dantas (UFRRJ)
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das Comunicações
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR
Dayana Soares Araújo Paes (UFRR)
Lindinaia Perereira Melquior (Prefeitura de Uiramutã/RR)
Omério Cavalcante de Lima (Prefeitura de Uiramutã/RR)
INDICADORES CULTURAIS MUNICIPAIS A PARTIR DOS GASTOS PÚBLICOS
Tiago Costa Martins (UNIPAMPA e OMiCult)
Caroline Fernandes da Silva (OMiCult)
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das Comunicações
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL:
O CASO DO FÓRUM DE CULTURA
Leandro Antônio Grass Peixoto (UnB)
Mayara Souza dos Reis (UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (UnB)
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA ÁREA DA DANÇA: UMA ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA
CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA
Marcella Souza Carvalho (CNPC/MinC)
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das Comunicações
O EDITAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cleide Vilela (CEAM/UnB)
Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi (CEAM/UnB)
EDITAL CARMEN SANTOS: POLÍTICA PÚBLICA E O CINEMA DE MULHERES
Lina Távora (SAV/MinC)
PRESTANDO CONTAS À SOCIEDADE: 10 ANOS DOS EDITAIS DE FOMENTO ÀS ARTES CÊNICAS
DA FUNARTE
Marcelo Gruman (Funarte)
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das Comunicações
O SURGIMENTO DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A
PNC DE 1975
Marcia Teixeira Cavalcanti (Instituto de Engenharia Nuclear - IEN)
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das Comunicações
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA
Leila Adriana Baptaglin (UFRR)
Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto (Inst. Boa Vista de Música)
Edgar Jesus Figueira Borges (UFRR)
O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL PÓS-1988: AS
ARQUITETURAS DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA E DO ICMS CULTURAL
Rafael Luiz de Aquino (PUC-MG)
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS PARA O MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS
Simone Luz Ferreira Constante (Cons. Municipal de Política Cultural de Gravataí/RS)
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das Comunicações
REDE WEB DE MUSEUS: ACESSO AOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Carlos Henrique Marcondes (UFF)
Elenora Nobre Machado (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
Éricka Madeira (Sec. de Est. de Cultura do Rio de Janeiro)
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS
NO INSTAGRAM
Juliane Conceição Primon Serres (UFPEL)
Ana Ramos Rodrigues (UFRGS)
Rafael Teixeira Chaves (UFPEL)
“DESMATERIALIZAÇÃO” E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CULTURA ATUAL
Nina Reis Saroldi (UNIRIO)
Andreia Ribeiro Ayres (UNIRIO)
ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA JOGOS DIGITAIS NO BRASIL
Pedro Santoro Zambon (UNESP)
Juliano Maurício de Carvalho (UNESP)
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políticas culturais
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das Comunicações
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC
CIDADES HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL EDIFICADO
Welyza Carla da Anunciação Silva (UFMA)
Sarany Rodrigues da Costa (UFMA)
Kláutnys Dellene Guedes Cutrim (UFMA)
20 de maio
sexta-feira
8h – 10h30 | Comunicações
Auditório - Políticas de Financiamento: Patrocínio e Incentivo Fiscal
NOTAS SOBRE O FINANCIAMENTO À MÚSICA ATRAVÉS DA LEI ROUANET:
UMA POLÍTICA DA OFERTA
Daniela Ribas Ghezzi (CPF-SESC SP)
SOCIOLOGIA DA DIVERSIDADE E DESAFIOS DO PATROCÍNIO À CULTURA
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Francis Miszputen (UCAM)
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL
Mariana de Barros Souza (FEA-RP/USP)
Adriana Cristina Ferreira Caldana (FEA-RP/USP)
Lara Bartocci Liboni (FEA-RP/USP)
RENÚNCIA FISCAL PARA A CULTURA: UMA OUTRA VISÃO POSSÍVEL
Ulisses Quadros de Moraes (UNESPAR)
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das Comunicações
ANÁLISIS FESTIVAL ESTÉREO PICNIC: CRECIMIENTO DE LOS FESTIVALES Y LA OFERTA
MUSICAL EN COLOMBIA (2010-2015)
Daniela Herrera Dimaté (Museu de Artes Gráficas – Imprensa Nacional de Colômbia)
A ECONOMIA CRIATIVA NO CONTEXTO BRASILEIRO E POLITICAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL: UMA DISCUSSÃO EM ABERTO
Andreza Barreto Leitão (UENF)
Marcelo Carlos Gantos (UENF)
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políticas culturais
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das Comunicações
POLÍTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Renata Rocha (UFBA)
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políticas culturais
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das Comunicações
UMA POLITICA CULTURAL PARA O DESIGN
Cristina Portugal (PUC-RJ)
Eliane Jordy (PUC-RJ)
Juan Carlos Arañó (Universidade de Sevilha)
ARTE E CRIAÇÃO NA ECONOMIA DOS BENS ABUNDANTES
Sharine Machado Cabral Melo (FUNARTE)
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
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das Comunicações
JAPARATUBA EM REDE: A EXPERIÊNCIA DE UMA METODOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DE JOVENS AGENTES CULTURAIS
Marcelo Rangel (Inst. Banese/Museu da Gente Sergipana)
Bruna Távora (UFS)
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políticas culturais
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das Comunicações
Sala de cursos - Financiamento à cultura e acesso
A PERCEPÇÃO DE TRABALHADORES ITAJAIENSES SOBRE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA DE CULTURA DO TRABALHADOR
Ana Clara Ferreira Marques (UNIVALI)
Maria Glória Dittrich (UNIVALI)
LEI MUNICIPAL MURILO MENDES: O MODELO PRECURSOR DE INCENTIVO À CULTURA DE JUIZ
DE FORA –MG
Fernanda Amaral de Almeida (FUNALFA/Prefeitura de Juiz de Fora/MG)
UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VALE CULTURA
Victor Hugo Barreto de Sena Sampaio (UnB)
Nestes anais estão contidos todos os artigos que foram apresentados oralmente
pelos seus autores durante as comunicações do
VII Seminário Internacional de Políticas Culturais.
Foram excluídos os trabalhos cujos autores não compareceram.
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políticas culturais
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87 Alênio Carlos Noronha Alencar, Aline Silva Lima e Daniel Ribeiro Paes de Castro
METODOLOGIAS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DAS AÇÕES CULTURAIS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DA CULTURA DE FORTALEZA
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
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377 Carla Cristina Rosa de Almeida, João Policarpo Rodrigues Lima e Maria Fernanda
Gatto Padilha
CULTURA E DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES. POLÍTICAS CULTURAIS PARA QUEM?
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533 Claudia Feierabend Baeta Leal, Luciano de Souza e Silva e Mônica Castro de Oliveira
MODOS DE VIDA, REFERÊNCIA CULTURAL E AMBIENTE: NARRATIVAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS
DE PATRIMÔNIO
560 Claudia Sousa Leitão, Luciana Lima Guilherme e Raquel Viana Gondim
FORTALEZA DA DESIGUALDADE E DA CRIATIVIDADE: REFLEXÕES SOBRE AS CIDADES NO
SÉCULO XXI
676 Dayana Soares Araújo Paes, Lindinaia Perereira Melquior e Omério Cavalcante de lima
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DA CULTURA E POLÍTICA CULTURAL DO MUNICÍPIO
DE UIRAMUTÃ – RR
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
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736 Erivan da Silva Dantas Filho, Allana Pessanha de Moraes e Martha Maria
Gonzaléz García
INDICADORES CULTURAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA ABORDAGEM CENTRADA NA
EXPERIÊNCIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
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949 Irmina Anna Walczak, Frederico Augusto Barbosa da Silva e Juliana Veloso Sá
PORQUE A CULTURA É UMA POLÍTICA SETORIAL?
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1101 Juliane Conceição Primon Serres, Ana Ramos Rodrigues e Rafael Teixeira Chaves
UM MUSEU NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DO MUSEU DAS COISAS BANAIS NO INSTAGRAM
1148 Kátia Macabu de Sousa Soares, Denise Cunha TavaresTerra e Lia Calabre de Azevedo
CAMPOS DOS GOYTACAZES NO PALCO DA CULTURA: 2005 A 2014
1161 Leandro Antônio Grass Peixoto, Mayara Souza dos Reis e Maria de Fátima
Rodrigues Makiuchi
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM REDE NA POLÍTICA CULTURAL DO DISTRITO FEDERAL: O CASO DO
FÓRUM DE CULTURA
1210 Leila Adriana Baptaglin, Chloé Virginie Marie Bourgy Noleto e Edgar Jesus
Figueira Borges
DESAFIOS E ESPECIFICIDADES NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA CULTURAL DO MUNICIPIO DE
ALTO ALEGRE/RORAIMA
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1445 Marco Antônio de Almeida, Héctor René Mena Méndez e Ieda Pelógia Martins Damian
PERSPECTIVAS PARA AS UNIDADES DE CULTURA E INFORMAÇÃO
1487 Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues e Pedro Diniz Coelho de Souza
O ENSINO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A INTERFACE COM AS POLÍTICAS PÚBICAS NO BRASIL:
UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO.
1499 Mariana de Barros Souza, Adriana Cristina Ferreira Caldana e Lara Bartocci Liboni
PROJETOS CULTURAIS DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS E AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
NO BRASIL
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2099 Vilso Junior Santi, Leila Adriana Baptaglin e Francilene Cardoso da Silva
DIAGNÓSTICO RÁPIDO DA SITUAÇÃO DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE CARACARAÍ – RR
2111 Welyza Carla da Anunciação Silva, Sarany Rodrigues da Costa e Kláutnys Dellene
Guedes Cutrim
POLITICAS CULTURAIS NAS SOCIEDADES MODERNAS: UM ESTUDO SOBRE O PAC CIDADES
HISTÓRICAS NA PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO
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RESUMO: Este artigo deseja fazer uma reflexão acerca do campo das políticas públicas para
exibição cinematográfica, através do diálogo com autores como Marilena Chauí, Celso Furtado,
Durval Muniz Albuquerque Jr., Nestor Garcia-Canclini, Ana Rosas Montecón e Antonio Grams-
ci. A partir das discussões teóricas pretende-se produzir uma análise do caso da Rede Cine Ca-
rioca, rede de cinemas que conta com dois complexos na cidade do Rio de Janeiro, de iniciativa
da RioFilme, empresa pública da prefeitura carioca.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende fazer uma discussão sobre a questão das políticas públicas
para a exibição cinematográfica na cidade do Rio de Janeiro, estudando o caso da Rede Cine
Carioca, rede de cinemas de iniciativa da RioFilme. Em um primeiro momento é necessário
discutir os conceitos e pressupostos do campo das políticas culturais e a relação Estado e so-
ciedade civil. Em seguida faz-se um breve histórico da formação da Rede Cine Carioca e da
atuação da RioFilme e de outros atores no processo e trabalha-se com a questão da pacificação
como política de segurança nas áreas estudadas. Por fim deseja-se fazer uma análise do funcio-
namento da política do Cine Carioca Nova Brasília, o primeiro complexo da rede, destacando
sua programação, a formação de plateias e a relação da comunidade do entorno com a iniciativa.
Esta análise segue um método que, de acordo com a reflexão da autora Elizabeth Ponte, não
seja apenas comparativo, mas “(...) uma avaliação com foco nas fragilidades e nos riscos versus
vantagens e benefícios trazidos para a gestão da atividade cultural na esfera pública.” (PONTE,
2012, p. 120-121).
1
Graduado em Cinema e Audiovisual, Mestre em Comunicação e doutorando em Comunicação na Universidade
Federal Fluminense. Email: adillepri@gmail.com
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2
“Domination consists in institutional conditions which inhibit or prevent people from participation in decisions
and processes that determine their actions and the conditions of their actions. The aspect of social justice that dom-
ination denies is self-determination. Oppression, the second aspect of injustice, consists in systematic institutional
processes which prevent some people from learning and using satisfying or expansive skills in socially recognized
settings, or which inhibit people’s ability to play and communicate with others or to express their feelings and
perspective on social life in contexts where others can listen. The aspect of social justice that oppression denies is
self-development.”
3
“Public organizing and engagement, then, can be thought of as processes by which the society communicates
to itself about its needs, problems, and creative ideas for how to solve them. The democratic legitimacy of public
policy, moreover, depends partly on the state institutions being sensitive to that communication process.”
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políticas culturais
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O bem coletivo não é tanto o bem cultural em si quanto o conjunto das normas
e valores, o capital de valores estéticos comuns que rege o reconhecimento
do caráter cultural do bem. É assim que se pode interpretar o financiamento
indireto da informação via televisão pública, via recompensas oficiais etc.
(ibidem, p. 155)
Celso Furtado, em sua coleção de textos “Ensaios sobre a cultura e o Ministério da
Cultura” (2012), partilha dessa visão, chamando atenção para o fato da cultura não estar sob a
análise econômica tradicional pois é preciso olhar para a
(...) especificidade do fenômeno cultural, cuja dimensão qualitativa é deter-
minante. As técnicas correntes de análise a ele não se aplicam, pois, graças
a fenômenos de sinergia, o todo quase sempre supera a adição das partes.
(FURTADO, 2012, p. 65)
Nesse sentido consumo cultural e de aplicação das políticas culturais, está ligado a um
sistema onde as partes e o todo têm relação complexa e múltipla. Celso Furtado então, esclarece
a discussão, quando propõe a questão: “que somos?”, sustentando que
É dessa interrogação que se deve partir para formular uma política cultural,
que outra coisa não é senão um estímulo organizado a formas de criatividade
que enriquecem a vida dos membros da coletividade. (FURTADO, 2012, p.41)
As reflexões do marxista italiano Antonio Gramsci acerca da teoria do Estado são impor-
tantes para a discussão, acreditando que as questões sobre a superestrutura e a organização do
Estado no conceito marxista tem muito a contribuir para nossa reflexão. Na concepção grams-
ciana, que constrói e amplia as noções já estabelecidas anteriormente no marxismo:
(...) o Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta duas
esferas principais: a sociedade política ( que Gramsci também chama de “Es-
tado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”), que é formada pelo conjunto
dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal
da repressão e da violência (...) e a sociedade civil, formada precisamente pelo
conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideo-
logias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os
sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (re-
vistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc. (COUTINHO,
1989, p. 76-77)
Então o Estado é sociedade civil e sociedade política, é o conjunto das forças sociais que
atuam na disputa da hegemonia. O Estado em sentido estrito, para o autor, compreende os apare-
lhos repressivos do Estado (o poder de polícia, a burocracia executiva). Já os aparelhos privados
de hegemonia, que são instituições da sociedade civil, fazem parte da noção de Estado ampliado
defendida pelo autor. (COUTINHO, 1989).
Para detalhar as concepções de política cultural é preciso recorrer à Marilena Chauí
(2006), que diz que as políticas culturais podem ser pensadas, historicamente, em três concep-
ções no que se refere ao papel do Estado: a do poder público como produtor e agente cultural
que reforça e legitima sua ideologia através da cultura, central no Estado Novo e na ditadura ci-
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vil-militar inaugurada no golpe de 1964. Outra, categorizada por ela como populista e forte nos
anos 1950 e 60, que vê o papel estatal como pedagógico, que apropria-se da “cultura popular”
com intuito de educar as massas. Por fim, a concepção de tradição neoliberal, que se estabelece a
partir do final dos anos 1980 e coloca o Estado como serviçal da indústria e do mercado cultural
através principalmente do mecenato e incentivos fiscais. (CHAUÍ, 2006, p. 67-68). Contrarian-
do as três vertentes apresentadas, a autora lida com a cultura como um conceito amplo, para
além das belas artes, ou do folclore (ibidem, p. 68), e apontando, para nortear o papel estatal,
o conceito de Cidadania Cultural: “(...) a cultura como direito dos cidadãos, sem confundi-los
com as figuras do consumidor e do contribuinte” (ibidem, p. 69). Para Celso Furtado, essa noção
compreende um campo complexo de relações:
Não se trata de adotar uma visão antropológica e submergir no conceito de que
cultural é tudo que resulta da ação do homem sobre a natureza. Nossa preo-
cupação é com a dimensão espiritual, em sentido lato, dessa ação, a qual não
deve ser dividida em esferas autônomas, e sim observada em suas múltiplas
dimensões. (FURTADO, 2012, p. 94)
Durval Muniz de Albuquerque Jr. em seu artigo “Gestão ou gestação pública da Cultura:
algumas reflexões sobre o papel do Estado na produção cultural contemporânea” (2007) detalha
essa camada espiritual, e sua complexa relação com o Estado por conta da sua própria constitui-
ção plural, da seguinte forma:
(...) cultura no fundo não existe, existem trajetórias culturais, fluxos culturais,
que só se tornam culturas quando sedentarizados, territorializados, domados,
mas que nunca deixam de trazer em si o potencial de desterritorialização, no-
madismo, rebeldia, por isso sempre será difícil, embora desafiadora, a relação
entre Estado, como agente da territorialização, da sedentarização, da domesti-
ficação das pessoas e coisas, e as matérias e formas de expressão culturais, que
ameaçam sempre escaparem de seus dedos, de seus controles e que, por outro
lado, podem, uma vez apoiadas na máquina do Estado, adquirir novos poten-
ciais desafiadores. (ALBUQUERQUE JR. In RUBIM, 2007, p. 78)
Por fim, deve se notar o fato das políticas culturais terem sido em grande parte, até re-
centemente, em sua maioria ligadas ao financiamento da produção e das artes “cultas”. Para Ana
Rosas Montecón
As políticas culturais no século XX se acostumaram a pensar mais na criação
que na recepção, mais nos criadores do que no público, mais na produção
que na distribuição, mais na arte do que na comunicação.4 (MONTECÓN,
2009, p. 95)
As políticas empreendidas pelo Estado no campo do cinema e do audiovisual historica-
mente, focam no fomento à produção, mesmo havendo episódios de políticas voltadas para outros
4
“Las políticas culturales en el siglo XX se acostumbraron a pensar más en la creación que en la recepción, más en
los creadores que en el público, más en la producción que en la distribución, más en el arte que en la comunicación.”
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elos da cadeia produtiva do audiovisual. Porém, políticas que visam a circulação das obras são
ainda minoria dentro das iniciativas do Estado para o setor.
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Por fim, entre esses arranjos político-institucionais se apresenta uma demanda dos morado-
res do entorno da antiga Praça do Terço na Nova Brasília, detalhada pelo gerente do Cine Carioca,
Wellington Cardoso:
O que eu fiquei sabendo é que na década de 1970 tinham apresentações de
filmes, tipo filme na praça, aí mediante a essa tese surgiu a ideia de fazer um
cinema fixo. A secretaria de habitação ficou sabendo dessa história e comentou
com a Riofilmes [sic] e a Riofilmes comprou a ideia, a secretaria de habitação
fez o prédio, passou a administração pra Riofilmes que passou a administração
pra uma empresa privada pra tá administrando o cinema, a parte operacional.
(CARDOSO, 2015)
Existe uma ampla articulação de fatores para a instalação do cinema naquele local. O
que se destaca, no entanto, é a demanda da sociedade civil que surge em momento oportuno e se
concretiza. Os dois complexos da Rede Cine Carioca seguem o mesmo modelo de gestão, que
é o da licitação destes espaços, que permanecem de posse da prefeitura, mas são operados por
empresas privadas. No caso do Nova Brasília especificamente, a empresa Cine Magic (agora
com nome modificado para Planet Cinemas) recebe um subsídio mensal da RioFilme a fim de
manter o preço do ingresso abaixo da média. Mas também, segundo a gestora Walerie Gondim
“o subsídio é pro ingresso e para as despesas administrativas, pagamento de pessoal.” (GON-
DIM, 2015). O Imperator tem sua operação a cargo do Grupo Severiano Ribeiro (GSR), que não
recebe subsídios e tem liberdade sobre o preço do ingresso.
Este modelo é ao mesmo tempo uma vantagem e um risco, pois simplifica a gestão para
o Estado fazendo a parceria com a empresa privada, mas delega a gestão de um espaço públi-
co a uma instituição privada com fins lucrativos. O Cine Carioca Méier é o espaço que mais se
aproxima de uma concepção para o mercado de fato, a partir do número de salas e quantidade de
assentos, possui verdadeiramente viabilidade econômica. Com a programação delegada ao GSR
aquele complexo é praticamente idêntico a outras salas do grupo fora de espaços da prefeitura.
Nesse sentido, o simples fato de se inserir em um local de conflito e de baixo poder aquisitivo dá
condições para o cinema praticar preços mais próximos à média nacional. O Cine Carioca Nova
Brasília foi durante anos, segundo a RioFilme, a sala com maior taxa de ocupação da cidade, de
52%, o dobro da média de 25%.5 Ela precisa ser problematizada no entanto, por conta de possuir
apenas 90 assentos.
Sobre este cinema precisamos pontuar algumas questões que chamam a atenção, parti-
culares da comunidade onde ele se insere. A começar por sua repercussão na imprensa local e
pelas formas diversas de divulgação de programação, nas palavras de Cardoso: “Temos a rádio,
temos um carro de som, temos a página do Facebook e também grupos no WhatsApp do jornal
“A Voz da Comunidade” que a gente divulga lá a programação.” (CARDOSO, 2015). Fica claro
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também que a relação da comunidade com a política da Rede Cine Carioca é mais complexa do
que os a ocupação da sala, ou a análise da programação e modelo de gestão pode esclarecer. É
uma relação íntima, um claro benefício da política como destaca Cardoso.
Então, é uma situação pra dentro do Complexo do Alemão pros moradores é
maravilhosa né, o cinema ele faz parte da sua casa, é mais um cômodo. Você
ter uma sala de cinema dentro da sua casa, uma de estar né, vamos dizer assim,
uma sala de vídeo. Tivemos duas vezes a maior bilheteria do país [sic] a maior
taxa de ocupação do país, aliás, duas vezes foi a maior taxa de ocupação da
América latina e várias vezes a maior taxa de ocupação do Brasil. Hoje, com a
violência que tá acontecendo a gente perdeu um pouco isso, mas a gente acre-
dita sempre numa melhora, é isso que nos mantém de pé. (CARDOSO, 2015)
Em termos de categoria de política cultural o Cine Carioca está de alguma forma inserido
na concepção neoliberal definida por Chauí, mesmo seja uma ação de governo com intuito de
estabelecer um equipamento cultural em um território onde não seria possível sua existência
através do mercado.
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Os autores trazem o depoimento de uma jovem moradora, Helena de 16 anos, que serve
de exemplo:
(...) Aí to eu descendo com o telefone falando com meu namorado, aí o cara
[policial] pegou no meu braço: “Espera aqui”. Aí eu: “Que que foi?” ...o poli-
cial: “abre essa carteira aí”...“ta indo pra onde?”, gritando. Aí eu: “To saindo.”.
Aí ele: “Tá saindo da favela por quê?” e segurando no meu braço... eu: “Tá
machucando, moço. Tá me machucando.” Aí ele: “Abre essa carteira aí.”. Aí
eu abri a carteira, aí fui, mostrei meus documentos. Ele olhou, tal, tava com
a minha certidão, original da minha identidade e, se eu não me engano, com
comprovante de residência. Aí ele: “Ta saindo da favela com todos os teus
documentos?”. Aí eu: “Tem algum problema?”. [Ele diz:] “Não responde a
autoridade!”. Aí eu: “Tá bom” (...) aí a policial falou: “libera ela,”. Aí ele me
liberou (...). (ibidem)
Mesmo não discutindo o mérito da política da UPP do ponto de vista de assegurar di-
reitos dos moradores das comunidades, é possível perceber uma problemática que se apresenta
no fim de 2014 e principalmente nos primeiros meses de 2015. Com confrontos cada vez mais
constantes repercutindo na imprensa local6, percebe-se o Complexo do Alemão mais distante
de um possível deslocamento da fruição cultural para o espaço público e coletivo, com indícios
de diminuição da taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília em um momento onde o
público de cinema no Brasil cresce como um todo.7 Mesmo na fala dos gestores da RioFilme
com relação à formação de plateias com as escolas próximas é possível notar essa percepção:
No Cine Carioca Nova Brasília agora, tá sendo um pouco mais complicado por
conta disso [a violência], as escolas tão um pouco temerosas de levar as crian-
ças pro cinema e tal, um pouco com medo.” (GONDIM, 2015).
6
A onda de conflitos no Complexo do Alemão vem subindo a níveis parecidos com o momento anterior à ocupação
pelas forças de segurança desde 2014. Em notícias dos dias 11 de setembro de 2014 (disponível em: http://www.
vozdascomunidades.com.br/casos-de-policia/comandante-da-upp-nova-brasilia-morre-durante-confronto-no-
-complexo-do-alemao/acesso em 23/06/2015) em que se noticia a morte do comandante da UPP Nova Brasília em
confronto na localidade; no dia 07 de janeiro de 2015 (disponível em: http://www.vozdascomunidades.com.br/opi-
niao/complexo-do-alemao-tem-o-ano-de-2014-mais-violento-desde-a-ocupacao-de-2010/ acesso em 23/06/2015)
divulga-se notícia em que afirma-se que o ano de 2014 foi o mais violento desde a ocupação em que “cerca de 27
moradores foram baleados nas favelas do Alemão, dentre elas, treze ficaram feridas, atendidas em hospitais, pontos
médicos e liberadas em seguidas, e quatorze delas morreram.”; e notícia do dia 13 de abril de 2015 (disponível
em: http://www.vozdascomunidades.com.br/complexo-do-alemao/complexo-do-alemao-vive-a-cada-dia-a-espe-
ranca-de-nao-conviver-mais-ao-som-de-tiros/acesso em 23/06/2014) em que se dá nota para as diversas mortes
decorrentes de conflitos que “Em apenas 81 dias, o Complexo do Alemão já somava 28 feridos entre policiais e
moradores do conjunto de favelas. Destes, 18são moradores (7 mortos) e 11 são policiais(1morto).” Entre eles
Eduardo de Jesus, de apenas 10 anos, que foi baleado na porta de casa.
7
Segundo dados da própria RioFilme a taxa de ocupação do Cine Carioca Nova Brasília vem continuamente di-
minuindo, de 51% em 2011 (primeiro ano de funcionamento), para 35% em 2014. Com dados da BoxOffice Brasil/
Filme B de março a novembro de 2015 chegamos à conclusão de que, supondo que em um dia há no mínimo quatro
e no máximo cinco sessões, podemos afirmar que a taxa de ocupação de encontra no intervalo de 25,54% a 31,92%,
ou seja, mais uma vez diminuindo.
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Tradução livre de: “Ciertamente, atender las condiciones sociales de acceso y favorecer una distribución más
extendida de los bienes culturales –así como garantizar que no haya obstáculos económicos que impidan su disfru-
te– es uno de los primeros pasos que deben darse para democratizar su consumo.”
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(...) Para passar da camada primária dos sentidos que podemos discernir sobre
a base da nossa experiência existencial, precisamos contar com a competência
artística, um conjunto de códigos que nos permite decifrar e desfrutar as men-
sagens da obra e situar cada elemento no jogo das divisões e subdivisões de
gêneros, épocas, maneiras, autores, etc. (MONTECÓN, 2009, p. 97)9
A reflexão é bem precisa, porém decifrar o conjunto de códigos de uma obra de arte não
serve somente para percebê-la em suas questões intrínsecas, estéticas, mas para compreender
sua mensagem, o que está por trás do espetáculo. Celso Furtado faz uma reflexão interessante
sobre o fomento apenas ao consumo cultural:
A política cultural que se limita a facilitar o consumo de bens culturais tende a
ser inibitória de atividades criativas e a impor barreiras à inovação. Em nossa
época de intensa comercialização de todas as dimensões da vida social o obje-
tivo central de uma política cultural deveria ser a liberação das forças criativas
da sociedade. (...) Trata-se, em síntese, de defender a liberdade de criar, certa-
mente a mais vigiada e coatada de todas as formas de liberdade. Portanto, uma
verdadeira política cultural terá de ser conquistada e preservada pelo esforço e
vigilância daqueles que creem no gênio criativo de nossa cultura. (FURTADO,
2012, p. 41)
Assim, é importante lembrar Chauí e o cidadão que não deve ser confundido com o
contribuinte ou consumidor, mas sim como um ator cujo direito à cultura deve ser assegurado
a fim de realizar sua potencialidade estética, política e social. Nos termos de Iris Young (2000),
seu auto-desenvolvimento garantindo justiça e inclusão social. É fundamental quando se fala
de audiovisual, uma linguagem que está presente no dia a dia não só como arte, mas principal-
mente como modo de comunicação de notícias, visões de mundo, posições políticas. Há então
a possibilidade de avançar mais no ciclo de desenvolvimento da política, com atenção para a
formação de plateias.
(...) o projeto escola é uma contrapartida nossa, a gente também subsidia o
projeto mas tem que ter um projeto de formação de plateias lá. A gente fez
em 2012 um e agora a gente começou no ano passado e tá acontecendo ainda
esse ano. E esse ano a gente começou a fazer no Cine Carioca Meier, não tinha
acontecido até então, e também tá dando bastante resultado. (GONDIM, 2015)
Esta faceta do projeto é composta por sessões especiais para alunos da rede municipal (en-
sino fundamental apenas) e é feita de forma contínua somente no cinema da Nova Brasília, são:
(...) sessões em horários alternativos, são duas sessões por dia normalmente,
com os filmes da programação do cinema preferencialmente nacionais, mas a
gente não tem muita ingerência sobre isso, como eles já tem uma programação
9
Tradução livre de: “El problema con focalizarse exclusivamente en el acceso es que esto sólo ataca la primera
parte del problema, la del contacto con los bienes y ofertas culturales, que no es suficiente por sí solo para gene-
rar un aprovechamiento pleno de las potencialidades de la oferta ni para fundar una inclinación duradera hacia la
práctica cultural. (...) Para pasar de la capa primaria de los sentidos que podemos discernir sobre la base de nuestra
experiencia existencial, necesitamos contar con la competencia artística, un conjunto de códigos que nos permiten
descifrar y disfrutar los mensajes de la obra y situar cada elemento en el juego de las divisiones y subdivisiones de
géneros, épocas, maneras, autores, etc.”
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específica, mas filmes que correspondam a faixa etária das crianças, porque é
só pra escolas municipais. E aí o filme é exibido, o cinema dá pipoca e refri-
gerante pras (sic) crianças e depois o conteúdo do filme é trabalhado em sala
de aula. (ibidem)
Quando questionada sobre uma possível influência da comunidade ao redor sobre a pro-
gramação semanal do cinema Gondim responde:
Não, não existe, como o cinema é operado por uma empresa terceirizada – a
Cine Magic – eles, uma das exigências da licitação para essa empresa ocupar
o cinema era que a programação fosse comercial, porque tem um apelo mais
popular e etc. (ibidem)
Louback no entanto esclarece o processo decisório para esta exigência: “Nos primeiros
seis meses, trabalhamos com pesquisas de público constantes e a programação foi fundamen-
talmente pautada por elas.” (LOUBACK, 2015). Cardoso destaca também as preferências que
percebe no público, a relação com o filme dublado e a alta procura de comédias, principalmente
as brasileiras mais recentes.
(...) a gente na verdade já teve experiência com filme legendado e não é a cultu-
ra do lugar ver filme legendado. E a preferência é ver filmes infantis e filmes de
comedia. Um recorde de bilheteria lá é “De Pernas Pro Ar”, né, filme nacional,
então é muito maravilhoso. Filmes infantis blockbuster né, 3D, também são
sucesso. (CARDOSO, 2015)
Nesse, não é uma questão de proibir o último blockbuster de Hollywood, o audiovisual
ultrapassa e deve ultrapassar fronteiras, o que talvez deveria se procurar é uma equalização
dos produtos estrangeiros e nacionais, pensando também na aproximação de cinematografias
latino-americanas em lugar das já hegemônicas estadunidenses. Louback faz um apontamento
interessante em que identifica uma fragilidade na política e aponta um possível risco a se tomar
Em relação ao Cine Carioca Nova Brasília, especificamente, vejo o projeto
como uma iniciativa importante em relação ao acesso, contudo frágil enquanto
formação de público. E esses dois pontos acabam se encontrando: o fato da
sala contar hoje com uma programação exclusivamente “comercial” faz com
que, por um lado, se ofereça um cinema semelhante ao cinema do shopping;
contudo, por outro, não se oferece o cinema dito “de arte”, e este acaba sendo
exclusivo às áreas centrais. Quando falei das pesquisas de público, de fato elas
demonstravam forte demanda pela programação que se tem hoje nesta sala, in-
clusive com grande rejeição, por exemplo, a conteúdos legendados. No entan-
to, neste sentido, entendo que seja também papel da política pública estimular
o acesso da população a conteúdos de qualidade que não são promovidos pela
mídia e pelas grandes distribuidoras, insistindo numa formação cultural mais
ampla. (LOUBACK, 2015)
Então o papel de uma política cultural talvez seja aquele de desafiar os espectadores e
deixar correr suas potencialidades criativas:
Mas o essencial da atividade cultural está na criatividade, que se alimenta de
ruptura com o estabelecido. Neste caso, o papel do Estado tem de ser de outra
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A política do Cine Carioca na comunidade Nova Brasília já se torna uma ferramenta que
talvez possibilite uma agregação social dos moradores daquele território. Arrisca-se a apontar
essa potencialidade, mesmo que lenta e gradual, frente as questões de segurança pública en-
frentados ainda por aquela população. O Estado então, e os agentes da sociedade civil, têm um
grande desafio, “(...) que é o de gerir a diferença e conflito, a dissensão e a discórdia, sem querer
reduzi-los ou apagá-los, mas aceitá-los como índice de potência e de pujança.” (ALBUQUER-
QUE JR In RUBIM, 2007 p. 77). Nesse sentido, a política cultural pode ser mesmo o sustentá-
culo do desenvolvimento social
A política cultural consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo central
é contribuir para que o desenvolvimento assegure a progressiva realização das
potencialidades dos membros da coletividade. Ela pressupõe um clima de li-
berdade e a existência e de um ação abrangente dos poderes públicos que dê
prioridade ao social. Essas são condições necessárias para que a atividade cul-
tural brote da própria sociedade, para que se manifeste e desabroche o gênio
criativo dos indivíduos. (FURTADO, 2012, p. 64)
Principalmente, no desencadeamento da categoria da inclusão social proposta por Young
de auto-desenvolvimento, potencialidade negada no processo de opressão e fundamental aos
seres humanos.
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YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.
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1. INTRODUÇÃO
O campo da cultura movimenta gradativamente a economia brasileira e recebe
investimentos públicos para a construção e manutenção de equipamentos culturais (recursos físicos
e humanos) e para o fomento de atividades populares, eventos, gestão e proteção do patrimônio
cultural. Já os projetos culturais trabalham, basicamente, com financiamentos gerados por meio
de leis ou fundos de incentivo fiscal. Tais investimentos e incentivos são fomentados a partir de
três fontes distintas e complementares: as dotações orçamentárias à cultura (gastos públicos),
o investimento social privado (repasses voluntários de recursos) e o patrocínio empresarial.
1
Pedagoga, Especialista em Gestão do Desenvolvimento Local e Mestre em Fundamentos dos Processos Edu-
cativos. De 2010 a 2015 integrou o Banco de Pareceristas do Ministério da Cultura (MinC). Atualmente trabalha
como consultora em indicadores educacionais e culturais (PNUD/UNESCO), desenvolve pesquisas e análises
das políticas públicas culturais de base comunitária e é membro da Rede Casa Brasil Digital. Email: casa.brasil.
digital@gmail.com.
2
Produtor Cultural, músico e formando em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Goiás. Desenvolve
pesquisa na área de Economia da Cultura: Análise do Mercado de Música Independente de Goiânia a partir das Leis
de Incentivo à Cultura. Email: lobo.guilhermee@gmail.com.
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Os planos, programas, ações e atividades propostas pelo estado são norteados por objetivos
específicos e devem gerar produtos concretos para a população. Sendo assim, a participação
social no acompanhamento das políticas de cultura promove a transparência das ações e dos
investimentos culturais e permite a interação do cidadão com o Estado (Cultura em números,
2010, pg. 33).
Este artigo propõe uma metodologia de monitoramento e avaliação de políticas públicas
a partir da classificação das estatísticas e cifras culturais em Goiás, com o objetivo de mensurar
o desenvolvimento cultural do setor no período compreendido entre 2012 e 2015.
Apresenta resultados parciais de uma pesquisa independente realizada por pesquisadores
vinculados à Rede de Diálogos Casa Brasil Digital (Goiânia). A rede promove a conexão de
grupos, produtores culturais e instituições formativas com o objetivo de desenvolver produtos,
serviços e processos formativos que possibilitem o desenvolvimento local sustentável. Para tanto
reúne profissionais que, a partir de uma estrutura de produção, realizam serviços e promovem
saberes culturais de forma colaborativa em nível local e regional.
2. METODOLOGIA
Adota-se como premissa a classificação e o cruzamento dos dados entre as bases dos
Sistemas de Informação Governamentais, delimitando o setor da cultura no Estado de Goiás. Em
relação à confiabilidade, os dados disponibilizados nas bases são de inteira responsabilidade dos
órgãos das quais são originadas. Observa-se que todas as análises realizadas a partir das bases
pressupõem a veracidade e confiabilidade das informações públicas. A metodologia da pesquisa
consiste na apropriação de dados abertos governamentais; na sua articulação e integração a
partir do cruzamento com outros dados de diferentes fontes; na sistematização e reutilização das
informações contextualizadas; e na disponibilização dos resultados por meio de visualizações
interessantes e esclarecedoras.
Os dados relativos à Gestão Pública da Cultura no estado de Goiás foram sistematizados
a fim de possibilitar a categorização dos indicadores de resultado das ações desenvolvidas e
sua interpretação adequada (foco no poder público). Na sequência o Financiamento da Cultura
em Goiás foi levantado de modo a observar a evolução da captação de recursos para projetos
culturais no estado. O produto gerado no formato de artigo traça um panorama do setor cultural
de Goiás por meio de representações gráficas.
Fontes de Dados: As fontes de dados utilizadas foram Sistemas de Informações
Governamentais que permitem filtros de cruzamentos de dados dos três âmbitos de governo –
federal, estadual e municipal. Para a dimensão da Gestão Pública da Cultura foi utilizada a base
de dados do IBGE, que permite o acompanhamento de informações relativas à oferta da cultura
e à gestão da Política de Cultura (Suplemento de cultura do perfil dos estados e municípios
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ano de 2015 (empenhados e liquidados pelo estado), mais de 85% não foram repassados para as
ações e projetos culturais. Em 15 de março de 2016 o governo do estado propôs o parcelamento
dos repasses remanescentes (24.5 milhões) em sete prestações consecutivas, pagas a partir de
março de 2016. Ainda assim, o governo do estado avalia positivamente o programa e apresenta
Relatórios de Consolidação das Ações formulados pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás.
Gráfico 4: Municípios com pontos de cultura, gestão da política de cultura; instâncias de participação;
além de existência e funcionamento de fundos de cultura (total de mun.: 246)
Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
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O Gráfico 4 demonstra o percentual dos 246 municípios goianos que possuem gestão,
promoção de políticas públicas de cultura e instâncias de participação popular .
Em relação à existência de equipamentos culturais, os dados revelam que o estado de
Goiás possui 269 Bibliotecas públicas, 404 Estádios ou ginásios poliesportivos, 68 Centros
culturais, 45 Museus, 37 Arquivos públicos e/ou centros de documentação, 39 Teatros ou salas
de espetáculos e 38 Centros de artesanato, sendo a grande maioria mantida pelos municípios.
No gráfico 5, a seguir, constata-se que a grande maioria dos municípios possui pelo menos
uma biblioteca pública e um teatro ou sala de espetáculos, enquanto os outros equipamentos
culturais estão presentes em menos de 30% dos municípios goianos.
Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
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Fonte: plataforma do IBGE (Perfil dos Municípios Brasileiros 2014). Gráfico: elaboração própria.
5. FINANCIAMENTO DA CULTURA
5.1 Modalidades de Financiamento
UNIÃO: Atualmente no Brasil o maior mecanismo para a realização de um projeto
cultural é o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), implementado pela Lei Rouanet
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(Lei 8.313/1991) a partir dos mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC) e Incentivo Fiscal.
Os projetos que buscam financiamento passam inicialmente por uma seleção do governo federal,
para então buscarem seus investidores.
ESTADO: O Governo de Goiás financia projetos culturais por meio dos mecanismos:
Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC) e de renúncia fiscal do ICMS (Lei Goyazes). O Fundo
de Arte e Cultura de Goiás foi criado para incentivar e estimular as produções artístico-culturais
realizadas em Goiás, custeando projetos estritamente culturais de iniciativa de pessoas físicas
ou jurídicas de direito público ou privado, sem que o proponente precise buscar diretamente
patrocinador para os seus projetos. Na Lei Goyazes o produtor aprovado recebe uma carta de
crédito que o autoriza a buscar empresas interessadas em financiar seu projeto. O valor investido
pela empresa será descontado no ICMS pago ao governo. O programa é mantido pelo Governo
do Estado e gerido pela Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE). Os
projetos são avaliados e aprovados pelo Conselho Estadual de Cultura.
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Verifica-se que, nos anos de 2012 e 2013, os projetos apresentados no âmbito da renúncia
fiscal superam os montantes de projetos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura e aos
Recursos do Tesouro. Já nos anos 2014 e 2015, os projetos apresentados visando captar recursos
via Fundo Nacional de Cultura superam os montantes de projetos apresentados para os outros
mecanismos. Esse resultado coincide cronologicamente com a proposta de redesenho do Programa
Cultura Viva do MinC3, que a partir de 2013 amplia a oferta de editais para implementação de
pontos de cultura e editais de prêmios para pessoas físicas que tenham vocação para formação e
implementação das redes articuladas aos pontões.
Relatório Redesenho do Programa Cultura Viva, GT Cultura Viva, Brasília, novembro de 2012.
3
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A partir da Tabela 2 é possível observar que dos 342 projetos de Goiás apresentados
entre 2012 e 2015 ao MinC, apenas 21,34% tiveram alguma captação de recursos. A soma do
volume de recursos aprovados ultrapassa os R$ 205,6 milhões, entretanto a soma do volume
de recursos captados não alcança nem 10% do valor aprovado. Estudos que tratam da relação
entre os incentivos fiscais e a gestão dos recursos públicos atribuem o cenário da baixa captação
de recursos ao fato de que a iniciativa privada passou a ser o principal agente de captação
de recursos do setor cultural. Outro ponto que deve ser destacado é a compreensão de que a
captação de recursos requer a atuação de profissionais capacitados e qualificados em cultura.
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Gráfico 10: Montante de projetos aprovados por segmento cultural, ano a ano:
A evolução ano a ano, dos projetos culturais é ilustrada no Gráfico 9. Já evolução dos
projetos aprovados por segmento cultural (Gráfico 10) revela que a maior parte dos recursos é
destinada aos segmentos da Música e das Artes Cênicas. Corroborando com esse resultado, o
estudo sobre a Cadeia Produtiva dos Festivais de Música Alternativa em Goiânia (LOBO, 2016)
indica que a área da música alternativa em Goiânia depende, em sua grande maioria, de recursos
públicos via mecanismos de incentivo oriundos de renúncia fiscal. Sendo assim, as verbas
de fomento à cultura destinadas à área musical deveriam alcançar todos os elos de sua cadeia
produtiva, gerando empregos, renda e impostos. Entretanto os resultados desse estudo revelam
uma contradição: a maior parte das bandas e artistas da música independente em Goiânia – não
consegue se manter com recursos advindos da comercialização de seus shows e merchandising.
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6. CONSIDERAÇÕES
Este artigo se propôs a traçar um panorama inicial sobre a realidade do campo da cultura
em Goiás, a fim de criar condições de possibilidade para a avaliação dos resultados de suas
políticas, programas e ações, buscando ampliar a participação social nos mecanismos de gestão
e potencializar a produção de indicadores e informações culturais de Goiás.
O acesso aberto aos dados governamentais permite o acompanhamento da distribuição
dos recursos e a verificação dos repasses. Entretanto a insuficiência de mecanismos específicos
de controle social interdita a efetiva participação da sociedade no planejamento e na seleção das
ações que serão beneficiadas. Tal síntese revela a necessidade de desenvolvimento de estratégias
de informação e intervenção, a exemplo dos sistemas de informação cultural disponíveis em
outros estados, que possibilitem o monitoramento e a garantia, para a população, de uma
prestação de serviços com eficiência.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2012, 2013, 2014; Disponível em: http://www.transparencia.goias.gov.br/pagina.php?id=18
GOVERNO DE GOIÁS - Programa de Ações Integradas de Desenvolvimento do PPA 2012-2015
Disponível em: http://www.transparencia.go.gov.br/index.php
IBGE. Perfil dos estados e dos municípios brasileiros : cultura : 2014 / IBGE, Coordenação de População
e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2015; Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv95013.pdf
LEI Nº 15.633, DE 30 DE MARÇO DE 2006. Dispõe sobre a criação do Fundo de Arte e Cultura
do Estado de Goiás-FUNDO CULTURAL e dá outras providências. Disponível em: http://www.
gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2006/lei_15633.htm
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RESUMO: A partir das recentes políticas culturais voltadas aos povos indígenas e ao patrimônio
cultural, percebemos que a construção da casa tamiriki entre os Katxuyana materializa a
articulação entre diferentes agentes sociais. Se por um lado a construção desta casa resultou
do Prêmio Culturas Indígenas, por outro remete ao protagonismo dos próprios Katxuyana
na valorização de sua cultura. A reconstrução desta casa, por eles abandonada por décadas
enquanto viveram longe de seu território, funcionou como mediadora de seu patrimônio ao
acionar saberes tradicionais. Assim, esta análise se apoia em uma leitura contextualizada das
políticas culturais para os ameríndios ao considerar os avanços destas políticas articulados a
conceitos como a participação de “novos sujeitos de direito” e a dialogia indígena com o Estado,
aspectos importantes nesta reflexão.
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terra natal, no final dos anos de 1990, os Katxuyana têm se mobilizado para assegurar aos seus
descendentes o aprendizado do kwe’tohkumu (“nosso jeito de ser” katxuyana). Valorizar sua
própria cultura, neste caso, implica também no fortalecimento da figura do chefe da aldeia, o pata
yotono, e na retomada do modo de organização social em uma aldeia katxuyana. Para conseguir
apoio para a construção desta casa o grupo submeteu o projeto “Tamiriki: construindo uma casa e
reconstruindo uma cultura” ao edital Prêmio Culturas Indígenas (SESC-SP, 2008). Nesse sentido,
a reconstrução da tamiriki materializa esse exercício “patrimonial”, em grande medida favorecido
pelas recentes políticas culturais no Brasil e revela, ainda, a importância de um lugar construído
para a sociabilidade aldeã, sinalizando o protagonismo indígena nesse processo.
Sobre a formação do povo Katxuyana ver: Frikel (1970), Kruse (1955) e Grupioni (2010, 2011).
3
Sobre o processo migratório, ver: Frikel (1970) e Caixeta de Queiroz e Gonçalves Girardi (2012).
4
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5
O termo em katxuyana é pata yotono. Pata = lugar, aldeia, Yotono = dono, formando, então, dono do lugar, dono
da aldeia. O termo se refere muitas vezes àquele responsável pela abertura e instalação da aldeia que depois assume
a função de líder político do grupo e, em inúmeros casos, também líder religioso.
6
Como muitos adultos responsáveis pelo processo de regresso dos Katxuyana ao rio Cachorro nasceram no
Tumucumaque, eles conheciam as terras de seus ancestrais apenas por suas narrativas. Dessa forma, eles pediram
auxílio aos quilombolas moradores da comunidade de Cachoeira Porteira para localizar suas antigas aldeias. Neste
caso, negros e indígenas se reconhecem como parentes – sobre isso, ver: Girardi (2011). Depois da abertura da
aldeia Santidade, em 2003, alguns velhos nascidos lá, que a deixaram quando eram bem jovens para migrar para o
Tumucumaque, puderam então, regressar para Santidade. De volta à sua antiga aldeia, os velhos, incentivados por
alguns homens maduros, voltaram a falar sobre o “tempo dos antigos”, como dizem (RUSSI, 2014).
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A reflexão sobre o caso katxuyana levou em consideração o fato de que processos denominados
por Sahlins (1997a, 1997b) como “autoconsciência cultural” não ocorrem de forma isolada,
como iniciativa exclusiva de um grupo social.
Para entender o contexto sócio-histórico de ações, editais e prêmios promovidos pelo
governo brasileiro, em prol da valorização das tradições indígenas, é necessário compreender
seus vínculos com o que se denomina política indigenista. Apesar de essa expressão ser utilizada
como sinônimo de toda e qualquer ação política governamental voltada às populações indígenas,
existem diferentes agentes envolvidos nessa complexa tarefa. Inúmeros são os autores brasileiros
que se dedicam a analisar os percursos da política e legislação indigenista, bem como as ações
governamentais e de outros agentes na defesa dos índios, desde o período do Brasil Colonial
até a atualidade. Historicamente, missões religiosas, inicialmente católicas e depois também
protestantes se encarregavam do trabalho de assistência junto aos índios.
As bases da política indigenista no Brasil datam da primeira década do século XX com
a criação do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, que tinha entre suas finalidades
proteger os índios. Entretanto, somente na Constituição de 1934 é que os direitos dos povos
indígenas foram tratados em texto constitucional, cabendo à União a responsabilidade pela
promoção da política indigenista. Indigenistas e antropólogos tiveram grande importância no
Brasil no que diz respeito à defesa dos povos indígenas e seus direitos, sobretudo a partir dos
anos 1950, quando se constituiu, por exemplo, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Nesse processo, defensores dos direitos dos povos indígenas, como os antropólogos Darcy
Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira e muitos outros, cada qual à sua maneira, trilharam o que
ficou conhecido como uma antropologia militante, uma “antropologia da ação”7.
Durante a ditadura militar, o SPI foi extinto e em 1967 foi criada a Fundação Nacional
do Índio (Funai). Contudo, somente depois do processo de democratização do Estado brasileiro,
nos anos de 1980, é que houve ampla discussão da questão indígena pela sociedade civil e pelos
próprios índios que começaram a se conscientizar e organizar politicamente, participando cada
vez mais das discussões de seus interesses. Somam-se a eles, organizações não governamentais
(ONGs) e organizações religiosas. A Constituição de 1988 mudou concepções ideológicas
acerca dos povos indígenas e reconheceu a diversidade e especificidade dos milhares de índios
que ocupam o território nacional.
Segundo Oliveira (2002), a política indigenista no Brasil do século XXI sofreu mudanças
em razão da fragmentação do indigenismo estatal e sua disseminação por vários órgãos públicos,
ONGs e outras instituições. Conforme expõe o autor, o que marca o indigenismo atual é sua
pulverização e sua transformação em uma série de iniciativas semiautônomas. Simultaneamente,
7
Peirano (1999) faz uma interessante análise sobre a antropologia no Brasil e Abreu (2008) destaca a militância
dos antropólogos no Brasil, na chamada “antropologia da ação”.
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houve uma ascensão da autonomia indígena na forma de dialogia, forçada pelos próprios
índios sobre o Estado e a sociedade nacional e internacional, por meio de seu acesso à mídia,
entre outros canais de comunicação. Para Oliveira (2002, p.10 9-110), cada vez mais as ações
dos povos indígenas procuram estabelecer sua qualidade de “interlocutores indispensáveis à
formulação, gestão e avaliação das políticas públicas indigenistas.”
Contemporaneamente, se por um lado existe a política indigenista oficial (formulada
e executada pelo Estado), por outro, muitas ações vêm ocorrendo a partir de parcerias
estabelecidas entre setores governamentais, organizações indígenas, ONGs e missões religiosas.
Como consequência dessa longa e difícil luta em prol da causa indígena, uma série de políticas
públicas foram criadas com esse propósito. O Prêmio Culturas Indígenas é apenas um entre
inúmeros outros desdobramentos dessa trajetória. Processos como esse que vem ocorrendo entre
os Kaxuyana, não podem ser compreendidos como ação isolada desse contexto.
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do Brasil” (2003), abrangia propostas de políticas públicas voltadas à inclusão social. Além
disso, propunha “[...] a regionalização do planejamento das políticas públicas de cultura e a
reorganização do planejamento cultural, pela implantação de um Sistema Nacional de Política
Cultural [...].” (p. 228).
A novidade implementada decorreu de uma nova abordagem epistemológica para a área
da cultura que começou a ser interpretada em seu sentido antropológico. A defesa da importância
da diversidade cultural para a humanidade, discutida internacionalmente em convenções
e conferências, como as promovidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (Unesco), a partir dos anos de 1970 e 1980, parte do reconhecimento
da cultura como singular, dotada de estrutura própria e com valores únicos e insubstituíveis.
Certamente, as discussões internacionais tiveram eco no Brasil e o debate sobre os povos
indígenas e sua importante participação na formação da diversidade do povo brasileiro foi
reconhecido e, em 1988, ganhou contorno. Seus direitos e a forma de sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições foram assegurados. Dessa forma, os artigos 231 e 232 da
Constituição Federal de 1988 trazem um importante avanço nesse sentido. Da mesma maneira,
as discussões sobre o entendimento acerca do que se denomina “patrimônio cultural brasileiro”
também ganharam destaque na Carta Magna, nos artigos 215 e 216.
Assim, quase duas décadas depois da promulgação da Constituição, como bem analisou
Domingues (2010), balizado pelo reconhecimento da pluralidade cultural brasileira, o projeto
empreendido pelo MinC atribuiu ainda à cultura fator de inclusão social. Para tanto, um dos
papéis atribuídos à cultura recaiu sobre a redução das desigualdades, a superação de desníveis
sociais numa espécie de “do-in antropológico” que visava mobilizar e atender pontos vitais do
corpo cultural do país, tradicionalmente desprezados ou adormecidos.
Para viabilizar a implantação de formas de governo mais participativas, o MinC
organizou, em 2005, a I Conferência Nacional de Cultura. Lia Calabre (2010)8 esquematizou
dados das discussões sobre políticas culturais, voltadas ao patrimônio cultural, ocorridas durante
essa conferência. Entre os aspectos que a autora apontou, destacamos a necessidade, naquele
momento, da implementação de ações no campo da educação patrimonial. Além disso, a autora
sintetizou as propostas da área nos seguintes subeixos: educação patrimonial; identificação e
preservação do patrimônio; financiamento e gestão do patrimônio cultural. A proposta do subeixo
de identificação e preservação do patrimônio, com ênfase às ações de proteção e revitalização
8
Calabre (2010, p. 12) considera que na gestão pública brasileira de cultura a área de patrimônio possuiu melhor
conjunto de definições legais, longe do ideal. Historicamente, segundo a autora, no Brasil, desde início dos anos
1930, intelectuais atuaram junto ao governo de Getúlio Vargas para implementar uma legislação voltada à área de
preservação do patrimônio nacional. O decreto-lei nº 25, de 30/11/1937, bem como as ações que então visavam à
proteção de um patrimônio material, especialmente o edificado, ficaram conhecidos na literatura como de “pedra
e cal”.
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merece destaque, pois se destina a apoiar iniciativas de resgate de tradições locais, um dos
objetivos do Prêmio Culturas Indígenas.
Para atender ao modelo de ruptura na política cultural foi fundamental alterar o próprio
organograma do MinC, criando diretorias e secretarias setoriais, como por exemplo a Secretaria
de Identidade e Diversidade Cultural (SID), que entre os anos de 2011 e 2012 foi fundida
com a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC), criando-se a Secretaria da Cidadania e da
Diversidade Cultural (SCDC). Ainda no âmbito da SID, foram constituídos grupos de trabalho
que tinham como incumbência, entre outras, o diagnóstico de demandas específicas. Assim, o
Prêmio Culturas Indígenas, idealizado para ser concedido anualmente, resultou de propostas
identificadas pelo Grupo de Trabalho para as Culturas Indígenas9.
A concepção do prêmio, em 2006, foi uma das estratégias criadas para inserir pela primeira
vez na política pública de cultura uma ação voltada à preservação das culturas indígenas. O
prêmio tem sido viabilizado com recursos da Petrobras, através da Lei de Incentivo à Cultura
(Lei Rouanet) e recebe apoio de inúmeros parceiros. O Prêmio Culturas Indígenas estimula a
rede de saberes e práticas culturais dos indígenas e suas comunidades, dando visibilidade às
etnias indígenas do Brasil, reforçando a grande contribuição desses povos para o patrimônio
cultural. Os contemplados dos editais do prêmio têm seus projetos financiados e apoiados
institucionalmente pelo MinC.
Estes são alguns objetivos do prêmio: valorizar iniciativas culturais dos povos
indígenas; fortalecer expressões culturais e a identidade cultural como forma de contribuir
para a continuidade de suas tradições; promover intercâmbio com as culturas não indígenas
numa perspectiva indígena; estimular a participação efetiva dos indígenas na elaboração e
desenvolvimento de projetos e ações. Dessa maneira, no âmbito desse prêmio, bem como de
muitas outras ações que acontecem no Brasil, o protagonismo dos sujeitos envolvidos tem sido
cada vez mais enfatizado. Nesse sentido, convém salientar que mesmo que tenham recebido
acompanhamento de uma antropóloga, a concepção do projeto da tamiriki apenas explicitou um
desejo latente dos Katxuyana.
Num reconhecimento da importância do trabalho empreendido por diferentes lideranças
indígenas, cada edição do prêmio fez uma homenagem. Até 2013 foram realizadas quatro
edições, com as seguintes denominações e datas: 1a edição: Angelo Cretã (2006); 2ª edição:
Xicão Xucuru (2007 –edição em que o projeto da tamiriki dos Kaxuyana foi contemplado);
3a edição: Marçal Tupã (2010 – com formato distinto das anteriores, pois premiou projetos
selecionados, mas não contemplados na edição de 2007); e, por fim, a 4ª edição: Raoni Metuktire
(2012)10. No ano de 2015, o edital contemplou Pontos de Cultura, com 70 ações premiadas
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Timóteo Verá Popygua, Guarani, cacique da aldeia Tenonde Porã, coordenador geral da Articulação dos Povos
Indígenas do Sudeste (ARPIN-Sudeste).
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Conforme o PSCI (BRASIL, 2012), a cultura indígena poderá ser usada como discursivo
estratégico na luta por sua “sobrevivência cultural” e efetivação dos direitos indígenas. Os marcos
legais que constam no documento embasam a proteção, preservação e a promoção das culturas
indígenas em diferentes esferas administrativas com vistas a garantir os direitos culturais dos
povos indígenas.
A ênfase que se dá aos textos legais relativos à preservação da diversidade cultural
(quer sejam diretrizes nacionais ou internacionais) está voltada não mais a um contexto de
“multiculturalidade”, mas de “interculturalidade”12. Nessa perspectiva, a tônica deixou de ser a
da tolerância (que muitas vezes supunha distanciamento) e passou a ser aquela ancorada na ideia
de confluência, interação entre culturas diversas, que subentende a “incorporação recíproca e
convivência ativa”, sendo essa a ideia de “interculturalidade” presente no documento do PSCI.
Outros programas importantes do MinC foram analisados por outros autores como Rocha
(2014), que versa sobre o Programa Mais Cultura (2007), e Domingues (2010), que aborda o
Programa Cultura Viva (2004).
As proposições de políticas culturais voltadas à diversidade cultural evidenciam uma
ação política de incluir no formato de programas e/ou diretrizes o fato de que no Brasil existem
270 diferentes povos indígenas, falantes de 180 línguas. Isso por si permitirá pesquisas futuras
em diferentes perspectivas.
Se por um lado existe um esforço do governo em implementar políticas culturais voltadas
aos povos indígenas, por outro, há o incentivo, ou melhor, a prerrogativa de que o plano e suas
ações estejam calcados na intensa participação social dos povos indígenas.
A noção de “patrimônio” – termo ocidental empregado na antiguidade – vem da ideia de
“propriedade herdada” que de um âmbito privado assumiu significado público com a formação
das nações modernas. Segundo Abreu (2005, p. 39): “O tema do patrimônio emerge assim como
um lugar de construção de valores e, como tal, extremamente plástico e variável.” Entretanto,
Abreu (2012) tende a concluir que talvez inexista, entre os povos ameríndios, uma categoria
similar à noção de propriedade, tal como ela existe na sociedade ocidental e chama a atenção
para fato de que nas últimas décadas, diversos grupos sociais passaram a lidar com Projeto s
nos quais precisaram escrever e/ou descrever seus “patrimônios culturais”, fazendo lembrar a
reflexão de Sahlins (1997b, p. 127): “Por muito e muito tempo os seres humanos falaram cultura
sem falar em cultura – não era preciso sabê-lo, pois bastava vivê-la. E eis que de repente a
cultura se tornou um valor objetivado [...].”
Cabe salientar que alguns autores brasileiros, especialmente antropólogos e cientistas
sociais, vêm apontando, desde meados da década de 1980, as limitações do conceito de patrimônio
12
A proposição da “interculturalidade” segue o conceito do antropólogo Néstor García Canclini (2009), um dos
autores referenciados na elaboração do PSCI.
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circunscrito quase exclusivamente àquele voltado aos bens materiais, edificados. Muitas foram
também as críticas endereçadas às políticas públicas nacionais de preservação do patrimônio que
decorriam dessa conceituação. Assim, muitos trabalhos revelaram as necessárias mudanças no
campo do patrimônio, quer no âmbito teórico e conceitual, quer em suas implicações políticas
(VELHO, 1984; PELEGRINI, 2006; LIMA FILHO; BELTRÃO; ECKERT, 2007).
Se, por um lado, vemos os antropólogos entrarem nesse “cenário” (ABREU, 2005), por
outro é cada vez mais ativa a participação de novos grupos sociais, as “populações tradicionais”.
Abreu (2012) analisa os processos de patrimonialização ocorridos contemporaneamente em
um contexto ampliado. A autora observa que os inúmeros processos de patrimonialização
decorrem, em parte, dos efeitos das políticas internacionais e nacionais voltadas à preservação
da diversidade cultural. Para ela, ainda que os “processos de patrimonialização” sejam próprios
do Ocidente moderno, diferentes grupos sociais como aqueles das camadas populares e as
chamadas sociedades tradicionais começaram também a participar desses processos. Assim, em
suas palavras:
A nova configuração social e política que se produziu no Brasil no final
dos anos oitenta, e que se consolidou com a promulgação de uma nova
Constituição em 1988, afetou diversos campos, entre eles, o campo do
patrimônio, principalmente por tornar possível a entrada em cena de
novos sujeitos de direito coletivo, defendendo seus próprios interesses e
trazendo suas próprias demandas de patrimonialização e preservação de
suas tradições. (ABREU, 2012, p. 22).
Sobre o texto constitucional a autora apontou seu discurso fundador, desencadeador de
novas perspectivas para as identidades coletivas emergentes. Sua análise recai sobre os efeitos
que as recentes políticas preservacionistas têm surtido entre alguns grupos sociais. Abreu (2012)
também identificou a década de 1980 como o momento em que se começou a implantar uma
tendência daquilo que denominou como “patrimonialização das diferenças”.
Conforme Abreu (2012), atualmente, o campo do patrimônio é paradoxal – de um lado
um excesso de patrimonialização motivado pela política da patrimonialização das diferenças
para combater a homogeneização neoliberal e, de outro, o fortalecimento de ações de “distinção
patrimonial”, como selos de “patrimônio mundial” e outros. Outra consequência são as “falas”
nos processos de patrimonialização que não partem exclusivamente de sujeitos autorizados e
legitimados no aparelho do Estado. São “falas plurais tecidas em rede onde interagem diversos
agentes” (ABREU, 2012, p. 6). Para tanto, integrantes das sociedades tradicionais, como das
sociedades indígenas, “tiveram que se relacionar com a lógica da patrimonialização aprendendo
que manifestações culturais praticadas milenarmente pelo grupo poderiam ganhar novos
significados no contato com a sociedade nacional.” (ABREU, 2012, p. 6).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De certa forma, o caso Katxuyana, a partir da tamiriki, ilustra a rede de agentes
envolvidos em ações de preservação da cultura indígena. Aqui, enfatizamos o contexto e as
políticas que favoreceram empreendimentos, como o observado entre os Katxuyana da aldeia
Santidade. O exemplo da reconstrução da casa tamiriki entre os Katxuyana corrobora aquilo que
Abreu (2012) apontara, ou seja, os Katxuyana tais quais inúmeros outros grupos das chamadas
culturas tradicionais, se apropriaram de aspectos da política pública voltada ao patrimônio para
conduzirem seu processo de valorização cultural, voltado ao seu kwe’tohkumu. Isso exemplifica
ainda uma “autoconsciência cultural” por parte dos Katxuyana.
Vale destacar, por fim, como os Katxuyana deram continuidade a esse projeto, ao
experimentarem, entre outras iniciativas, participar de um programa de extensão universitária
voltado à formação continuada de docentes, como professores/pesquisadores em etnoeducação.
Trata-se do Programa em Educação Patrimonial, promovido pela UFF, do qual participam de
forma direta o chefe da aldeia, na qualidade de professor em formação e os jovens da escola
do 2º segmento do ensino básico. Ao que parece, essa oportunidade tem possibilitado, em
certa medida, um espaço formal de experimentação e pesquisa “etnográfica” por parte desses
Katxuyana sobre seus saberes tradicionais.
Textos sobre essas experiências que começaram a acontecer em 2011, e mais
sistematicamente em 2012, foram produzidos em katxuyana e em português e publicados
em livro (RUSSI; ALVAREZ; MACIEL, 2012). Os jovens alunos e também Mauro Makaho,
professor e pata yotono da aldeia foram incentivados a registrar as etapas da pesquisa através
do uso dos recursos de novas mídias. Esse material é assistido e compartilhado também com
os demais moradores da aldeia. Talvez seja ainda muito cedo para comentar quais os possíveis
desdobramentos que o registro da memória e da cultura katxuyana poderá ter com o uso dessas
novas mídias e o que isso poderá trazer a esse grupo.
Contudo, diante de uma rede complexa de projetos e sujeitos, vimos e observamos, ao
longo de quatro anos, despontar o protagonismo dos Katxuyana. Por fim, é importante destacar
os desdobramentos das atuais políticas de cultura voltadas aos povos indígenas, bem como
o protagonismo Katxuyana em suas histórias. Eles interagem com as políticas públicas no
contexto de seus anseios e projetos. Como sujeitos de seus processos, os Katxuyana se apropriam
legitimamente dos instrumentos que têm à sua disposição, atuando assim, como agentes de sua
própria história.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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no Brasil: a antropologia da ação em Darcy Ribeiro e em Paul Rivet. Interseções: Revista de Estudos
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VII Seminário Internacional
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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
86
VII Seminário Internacional
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Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016
1
Mestre em História Social - PUC/SP e Especialista em Gestão e Políticas Culturais – Observatório Itaú Cultural
e Universidade de Girona/Espanha. Trabalha atualmente na Assessoria de Planejamento da Secretaria de Cultura
de Fortaleza. E-mail: aleniocarlos@gmail.com
2
Graduada em Comunicação Social/Publicidade pela Faculdade 7 de Setembro. Trabalha atualmente na Assesso-
ria de Políticas Culturais da Secretaria de Cultura de Fortaleza. E-mail: alinelima.guara@gmail.com
3
Graduado em Ciências Sociais pela UFC e Mestrado em Sociologia pela UNB. Trabalha atualmente como Ge-
rente do Observatório da Governança Municipal do Instituto de Planejamento de Fortaleza / Prefeitura Municipal
de Fortaleza. E-mail: dandicastro@gmail.com
87
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1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas temos assistido em nosso país a um aumento considerável de debates
em torno da centralidade da cultura4 nas políticas públicas, nos diversos âmbitos (internacional5,
federal, estadual e municipal). Muitas dessas conquistas ganharam fôlego, principalmente, no
período de redemocratização, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, instituindo
a cultura6 como um direito fundamental, assim como educação, saúde, entre outros, apontando
a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Cultura (PNC), que se tornará um dos
principais instrumentos de governança. Com isso, têm-se estabelecido nas décadas seguintes
(1990 e 2000) uma discussão abrangendo vários segmentos sociais como gestores, empresários,
intelectuais, escolas, ONGs, dirigentes políticos, cientistas, sociedade civil, etc., sobre uma
consciência acerca da importância da cultura como vetor de transformação da sociedade, em
especial, na relação cultura e economia. Novos contextos, oportunidades de trabalho e agentes
culturais foram surgindo nas últimas décadas, mediante a oferta e demanda de emprego e
formação, citemos o gestor de patrimônio cultural que “han recibido el encargo de desarrollar
e institucionalizar estos nuevos servicios de la sociedade, como um anhelo a um reconoimiento
social de sua función”7. Um dos seus encargos é produzir sistemas integrados de conhecimento e
gestão, possibilitando balizar as políticas culturais pela regionalização/territorialização da cidade,
tendo como razão os planos municipais de cultura, numa busca constante de fortalecimento das
políticas de inclusão e maior participação popular.
4
Para Daniele Canedo, existe uma dificuldade para definir o que é cultura. Isso porque “a cultura evoca interesses
multidisciplinares, sendo estudada em áreas como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração,
economia, entre outras. Em cada uma dessas áreas, é trabalhada a partir de distintos enfoques e usos”. In: CANE-
DO, DANIELE. “Cultura é o quê?” - Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação dos poderes públicos. Anais
do V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador-Bahia: Faculdade de Comunica-
ção/UFBa, 2009, p.1.
5
Muito desse avanço se deve quando observamos da evolução histórica dos instrumentos de proteção dos Direi-
tos Humanos (Culturais) adotados pela ONU na década de 1960, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos (1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), percebemos, ao
longo do seu texto, um enfoque na cultura como direito básico. Não se trata de apontar uma origem desse avanço,
mas entender o seu processo de constituição, a partir de uma série de ações que ocorreram com a promulgação dos
Direitos Humanos, apropriados pelos movimentos sociais que passaram nas décadas seguintes, a lutar e exigir a
garantia, reconhecimento e proteção de suas manifestações culturais. Ver Declaração dos Direitos Humanos. Site:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 22/01/2016.
6
Adotaremos nesse trabalho o conceito de cultura definido pela UNESCO: “o conjunto dos traços distintivos, es-
pirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças”. In: UNESCO. Relatório Mundial da UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo
intercultural. 2009. p.4.
7
MARTINELL, Alfons. La gestión cultural: singularidad profesional y perspectivas de futuro (Recopilación de
textos). Cátedra UNESCO de Políticas Culturales y Cooperación. 2001, p.03.
88
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Citemos o caso dos Festejos Juninos de Fortaleza8, que a partir do ano de 2014 trouxe uma nova
proposta de “viabilizar a ampla participação de agentes culturais que se situem nos diversos territórios
da cidade, promovendo a descentralização territorial da gestão e das ações culturais do
município”9. O objetivo do evento foi selecionar projetos culturais10 que pudessem promover
a territorialização11 da festa, com uma programação diversificada que pudesse dar conta das
inúmeras ações que aconteciam ao longo do período e nos diferentes espaços da cidade. Contudo,
faltaram dados sobre os processos de criação, produção e difusão dessas expressões culturais
que pudessem subsidiar as políticas culturais, dificultando o desenvolvimento cultural e criativo
da festa.
Segundo o Plano da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, “a
produção de dados estatísticos acerca da economia criativa brasileira é escassa e, em geral,
os poucos estudos existentes adotam metodologias e categorizações absolutamente dispares”12,
prejudicando uma visão mais ampla dos impactos da área cultural nas políticas públicas. Os
Festejos Juninos de Fortaleza demonstram essa lacuna. Temos uma carência de dados em todos
os campos da produção, sejam econômicos (com exceção do investimento), sociais ou culturais.
As informações são coletadas no período da execução dos Editais, por meio dos documentos de
inscrição que não são, necessariamente, os instrumentos legais para construção de indicadores
culturais. Pouco se sabe do volume de riquezas que os Festejos Juninos produzem e movimentam,
o que impede “o desenvolvimento de análises aprofundadas quanto à natureza e ao impacto dos
setores criativos na economia brasileira”13. Dessa forma, entendemos que o (re)conhecimento
dos setores criativos traria a possibilidade de gerar transversalidade entre eles, como também
uma intersetorialidade entre os órgãos públicos gestores da festa.
8
É considerada uma das expressões culturais mais mobilizadoras da cidade de Fortaleza, que já tem uma longa
tradição e nos últimos anos vem modificando sua forma de atuação como política pública de cultura.
9
FORTALEZA. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria de Cultura de Fortaleza - SECULTFOR). EDITAL
Nº 02 / 2014 - Seleção Pública de Apoio aos Festejos Juninos de Fortaleza 2014. Fortaleza: Secretaria de Cultura
de Fortaleza, 2014, p.05.
10
Foram selecionados 70 (setenta) projetos, sendo 40 (quarenta) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Adulta,
10 (dez) projetos de Grupos de Quadrilha Junina Infantil, 10 (dez) projetos de Festival Junino de Grande Porte e 10
(dez) projetos de Festival Junino de Médio Porte.
11
O significado de territorialização nesse caso se refere ao processo de descentralização das ações culturais da
Secretaria na cidade de Fortaleza, previsto no Plano Municipal de Cultura.
12
PLANO DA SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014. Brasília:
Ministério da Cultura, 2012, p.31.
13
Idem, p.36.
89
VII Seminário Internacional
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Como se modifica uma política cultural14 que garanta o amplo acesso da população aos
bens culturais? Podemos pensar na mudança se grande parte da sociedade não tem acesso às
informações sobre os indicadores culturais das ações promovidas pelos órgãos de gestão da cultura?
Muitos são as questões sem resposta, embora saibamos os caminhos para essa transformação.
Pretendemos ao longo deste texto discorrer sobre um dos principais instrumentos presentes
nos debates das políticas culturais, que são as metodologias e ferramentas de monitoramento e
avaliação das políticas culturais, compreendidos como “instrumento de gestão de médio e longo
prazo, no qual o Poder Público assume a responsabilidade de implantar políticas culturais de
Estado”15. Segundo Canclini, se “quisermos ser eficazes para reunir estatísticas culturais e situá-
las nas políticas de desenvolvimento nacional e continental teremos que considerar as novas
articulações entre economia e cultura”16. Dessa forma, a economia da cultura nasce com a difícil
tarefa de gerar essa articulação e balizar as políticas culturais, tanto pela diversidade cultural
como pela sustentabilidade, inovação e inclusão social. Mas como aferir as políticas públicas
de cultura? Para isso, fez-se necessário a criação de estrutura governamental, subsidiada por
instrumentos que possam monitorar e avaliar as políticas de cultura.
14
No que se refere as políticas culturais, escolhemos a definição de Nestor Canclinie, para fundamentar o texto:
“El conjunto de intervenciones realizadas por el estados, las instituiciones civiles y los grupos comunitarios or-
ganizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener
consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero esta manera necesita ser ampliada teniendo en cuenta
el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales en la actualidad”. In: CANCLINI, Nestor Garcia.
Definiciones em transición. In: MATO, Daniel (org.) Estudios latinoamericanos sobre cultura y transformaciones
sociales em tiempos de globalización. Buenos Aires, Clacso, 2001, p.65.
15
PLANO MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortale-
za, 2013.
16
CANCLINI, Nestor G. “Reconstruir políticas de inclusão na América Latina”. In: Políticas Culturais para o de-
senvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003, p. 21.
17
SISTEMA MUNICIPAL DE FOMENTO A CULTURA (SMF) - LEI Nº 9904, de 10 de abril de 2012.
18
O Plano Municipal de Cultura é Lei, de n° 9989, de 28 de dezembro de 2012, e tem duração decenal. Ver: PLANO
MUNICIPAL DE CULTURA DE FORTALEZA – 2012. Fortaleza: Secretaria de Cultural de Fortaleza, 2013.
19
Plano Municipal de Cultura, p. 9.
90
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territorial de 314,930 km², com uma população em cerca de 2,5 milhões de pessoas20, com
119 (cento e dezenove) bairros distribuídos em 7 (sete) Territórios Regionais. Se somarmos a
população de Fortaleza com a da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), esse número chega
a 3.818.38021 milhões de pessoas que, para alguns, pode ser considerada uma “megalópole”22, o
que torna um grande desafio para as políticas públicas e, em particular, de cultura.
É de responsabilidade da Secretaria de Cultural de Fortaleza fazer a execução do Plano
Municipal de Cultura, contando com a ajuda de suas Coordenadorias: Ação Cultural; Patrimônio
Histórico e Cultural; Criação e Fomento. Para o monitoramento e avaliação do Plano coube a
Assessoria Especial de Políticas Culturais produzir uma metodologia23 que pudesse ser aplicada
à realidade de Fortaleza. Havia carências de modelos que pudessem dar conta dessa realidade.
Conforme apontado por Ziviane e Moura24, “a dificuldade maior se apresenta justamente na
ausência de um modelo conceitual único, que permita desenvolver um conjunto congruente
e sistemático de indicadores culturais”. A Assessoria realizou diversas reuniões com as
Coordenadoria com o objetivo de elaborar uma metodologia que pudesse construir instrumentos
(formulários) necessários para responder às questões pertinentes a Secretaria, o que levou um
tempo considerável para sua aprovação. Também foram necessárias novas pesquisa e vários
testes para viabilizar a ferramenta.
Quanto ao formulário, ele se dividiu da seguinte forma: Informações gerais sobre o
projeto/ação (nome, local data de realização); Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza
contempladas pelas atividades; Área cultural/ linguagem artística das ações realizadas; Fonte de
recursos; Abrangência regional25; Público (quantidade, perfil etário, recursos de acessibilidade e
participação de movimentos sociais organizados); Indicadores econômicos (recursos previstos
e executados, geração de oportunidades de emprego no setor cultural e em setores diversos);
Breve avaliação sobre a ação realizada. Contudo, no formulário utilizado em 2014 e 2015 foram
acrescidas as seguintes questões: A ação do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC)
que cada atividade proposta correspondia; Secretarias/ Instituições envolvidas na realização da
20
Revista Fortaleza 2040. V.4., n.2. Fortaleza: IPLANFOR, 2015, p.11
21 Idem, p.7
22 Megalópole é uma zona urbana vasta e com grande concentração populacional, que corresponde ao
território ocupado por várias áreas metropolitanas interligadas. “Megalópole”, in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/megal%C3%B3pole [consultado em 12-02-2016].
23
A Metodologia de Monitoramento do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza (PMC) se deu por meio da criação
de Formulário, que foi construído em 2 (dois) meses, levando em conta o estudo de metas, pesquisa de modelos
e construção da ferramenta em plataforma Google. Contou com a participação de todas as coordenações da SE-
CULTFOR que contribuíram com perguntas, melhorias no texto e disponibilização de técnicos para treinamento do
preenchimento do banco de dados.
24
ZIAVINI; MOURA, A CONSOLIDAÇÃO DOS INDICADORES CULTURAIS NO BRASIL: Uma abordagem
informacional, SÃO PAULO, 2008, p. 4.
25
Em 1997, a cidade de Fortaleza possui seis Regionais (Regional I, II, III, IV, V, IV) criadas pela Lei nº 8.000 de
1 de janeiro, e somente em 2007 foi instituída a Regional Centro, totalizando sete territórios administrativos.
91
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atividade (aqui listamos as Secretarias que pactuaram ações junto a SECULTFOR no período de
elaboração do PMC); Bairros beneficiados (o formulário de 2013 só perguntou sobre o território
Regional e foi percebido a necessidade de informação de bairros atingidos).
O formulário contou inicialmente com 28 (vinte e oito) questões consideradas essenciais,
selecionadas em comum acordo com as Coordenadorias envolvidas. Paralelo a criação da
ferramenta, as Coordenadorias e a Assessoria Especial de Políticas Culturais realizaram um
diagnóstico do Plano Municipal de Cultural - PMC que passou por identificar e dividir quais
metas e ações eram de suas responsabilidades dentro do mesmo. Chama atenção que o processo de
diagnóstico, formulação e alimentação do formulário contribuiu para que coordenadores e técnicos,
a maioria deles recém-contratados pela Prefeitura de Fortaleza, se apropriassem do Plano.
Contudo, sensibilizar as equipes sobre a importância de responder o formulário de forma
clara e sistemática foi um desafio constante. Muitos do corpo técnico da Secretaria pareciam
entender a etapa de avaliação de resultados como menos importante do que planejamento e
execução das atividades. Outra observação pertinente é que os gestores precisam dar maior
atenção a produção e sistematização de banco de dados26, pois eles são importantes instrumentos
de avaliação e orientação das ações da Secretaria para com as políticas públicas de cultura.
A importância de um banco de dados corrobora “na medida em que torna possível ou facilita
a resposta e a negociação dos diversos interesses que se movem e se entrelaçam no campo
da cultura transformando-os e dando-nos múltiplos sentidos na diversidade”27. Os gestores
necessitam reconhecer o significado dos bancos de dados, não somente como informações
registradas em planilhas, mas utilizá-los tais: recortes da realidade, repletos de significados,
trazendo a possibilidade de produção de informações e indicadores culturais, necessários para
orientar a gestão da política cultural na formulação de programas e ações que garantam o amplo
acesso aos bens culturais. Devemos ter clareza que os indicadores não são uma cartilha na
qual todos os problemas da cultura serão resolvidos, mas eles “podem apontar com clareza os
avanços ou retrocessos de determinadas políticas ou programas comparando seus resultados com
os objetivos específicos previamente definidos”28. Eles devem ser entendidos como “vetores do
26
Segundo Elmasri e Navathe, um banco de dados possui determinadas características: “representa alguns aspec-
tos do mundo real, sendo chamado, às vezes, de minimundo ou de universo de discurso (UoD). As mudanças no
minimundo são refletidas em um banco de dados... uma coleção lógica e coerente de dados com algum significado
inerente. Uma organização de dados ao acaso (randômica) não pode ser corretamente interpretada como um banco
de dados... um banco de dados é projetado, construído e povoado por dados, atendendo a uma proposta específica.
Possui um grupo de usuários definido e algumas aplicações preconcebidas, de acordo com o interesse desse grupo
de usuários.” (Ramez Elmasri e Shamkant B. Navathe. Sistemas de banco de dados. São Paulo: Pearson Addison
Wesley, 2005, p.4)
27
POLÍTICAS CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO: Uma base de dados para a cultura. Brasília:
UNESCO Brasil, 2003, p. 186.
28
REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL / OIC, n.4 (jan/mar.2008). São Paulo: Itaú Cultural, 2008, p.10.
92
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conhecimento, como capazes de explicitar valores e ideias que poderão, ou não, ser incorporados
pelos gestores culturais na elaboração de políticas, programa e projetos culturais”29.
Para a alimentação do banco de dados foram indicados técnicos de cada coordenação para
o trabalho de recolhimento e informação dos dados e realizados treinamentos para familiarização
dos mesmos com a ferramenta. Após um ano de funcionamento a Coordenação de Ação Cultural
optou por produzir um formulário impresso e distribuí-lo aos coordenadores dos equipamentos
culturais sob sua responsabilidade – Biblioteca Dollor Barreira, Estoril, Mercado dos Pinhões e
Passeio Público. Esse formulário impresso contém, além das informações que o monitoramento
necessita, dados diversos de interesse exclusivo da Coordenação, funcionando desta forma até
os dias de hoje. Essa decisão partiu da dificuldade que seus técnicos possuíam para alimentar o
Formulário de Monitoramento das Metas, uma vez que seria impossível acompanhar pessoalmente
a programação desenvolvida nos equipamentos diariamente. Ao delegar o acompanhamento
aos respectivos coordenadores dos equipamentos o problema inicial foi sanado, sendo esta
coordenação a que desenvolveu a melhor relação com a ferramenta. As outras coordenações
seguem alimentando o banco como foram orientadas. A alimentação das informações acontece
mensalmente e por ação realizada desde 2013. A ferramenta pensada inicialmente amadureceu
e conforme sua utilização foi apresentando necessidades. Do início até aqui esteve sempre em
movimento. As informações ficam internas na Secretaria, sendo anualmente apresentadas em
resumo ao Conselho Municipal de Política Cultural – CMPC.
No começo de 2014, após publicação do Plano Nacional de Cultura - Relatório 2013 de
Acompanhamento das Metas, elaborado pelo Ministério da Cultura (MINC), foi identificada
a necessidade de implementar melhorias na ferramenta de monitoramento e avaliação das
Metas do Plano Municipal de Cultura de Fortaleza. Durante o ano de 2015, surge a necessidade
de alinhamento dessas políticas com outros órgãos da Prefeitura de Fortaleza, que vinham
construindo novas ferramentas de governança.
29
Idem.
30
Sabemos da importância das informações já produzidas pela SECULTFOR como um ativo essencial para os
processos de planejamento e avaliação. Contudo, elas representavam um desafio para a consolidação de um sistema
integrado de alimentação, armazenamento e análise de informações.
93
VII Seminário Internacional
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A criação e gestão da Sala Situacional da Governança são definidas como atribuição do Instituto de Planejamento
31
de Fortaleza na Lei Complementar Nº 0184 de 19 de dezembro de 2014. O ambiente físico da Sala Situacional da
Governança é uma sala climatizada com seis monitores de vídeo, servidor próprio com capacidade de armazena-
mento de 22 TB (terabytes), localizada no Paço Municipal, ao lado do gabinete do Prefeito.
94
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de que as informações gerenciadas dentro de uma organização, seja ela pública ou privada,
representam ativo essencial para o seu processo decisório (Shim et al., 2002)32.
O sucesso da implantação de um BI compreende a construção e consolidação de
uma base de dados unificada, através da qual seja possível o acesso rápido e qualificado a
informações uniformizadas e confiáveis (Kimball et al, 1998)33. No caso da Sala Situacional
da Governança, essa base de dados se dá por meio da consolidação de um Data Warehouse.
Um Data Warehouse consiste na organização dos dados de forma integrada, com uma visão
única e consolidada. Seu enfoque deve englobar vários temas e assuntos, sendo cada um
desses temas organizado em um Data Mart. De forma simplificada, é possível definir um Data
Mart como um pequeno Data Warehouse, ou seja, suas propriedades são as mesmas (dados
integrados, de fácil consulta, a fim de produzir uma visão unificada das informações relevantes
de uma organização), mas sua abrangência compreende uma temática ou assunto específico
(Bruzaros, Castoldi e Pacheco, 2000)34.
O banco de dados para o Data Warehouse é construído seguindo o padrão de modelagem
dimensional. O principal elemento de uma modelagem dimensional é a definição de uma
tabela de fatos, ou seja, uma tabela indicativa dos componentes centrais a serem descritos
por um conjunto de atributos, as dimensões do fato analisado. As tabelas de dimensão,
portanto, são constituídas pelos atributos que descrevem o fato (Bruzaros, Castoldi e Pacheco,
2000). Dessa forma, no caso específico da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, por
exemplo, poderíamos pensar “Eventos culturais realizados” como o fato, que deve ser descrito
pelas dimensões “Número de participantes”, “Bairro de realização”, “Orçamento Previsto”,
“Orçamento executado” etc.
32
SHIM, J. P.; WARKENTIN, M.; COURTNEY, J.; POWER, D. J.; SHARDA, R.; CARLSSON, C. Past, present,
and future of decision support technology. Decision Support System, v. 33, n. 2, p. 111-126, 2002.
33
KIMBAL, R. et al. The Data Warehouse Lifecycle Toolkit: Expert Methods for Designing, Developing, and
Deploying Data Warehouses. John Wiley & Sons, New York, 1998.
34
BRUZAROSCO, D.; CASTOLDI, A. V.; PACHECO, R. C. . Criando data warehouse com o modelo dimensio-
nal. In: Acta Scientiarum (UEM), Maringá - Pr. v. 22, n. 5, p. 1389-1397, 2000.
95
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35
Modelagem se refere ao esquema explicativo para a caracterização dos dados armazenados em um determinado
banco de dados. A modelagem de dados estabelece as entidades (os objetos de significância sobre os quais as in-
formações necessitam ser mantidas), os relacionamentos (como os objetos de significância são relacionados) e os
atributos (a informação específica a qual necessita ser mantida) de um banco de dados.
36
ROCHA, A. B.; SAMPAIO, M. C.; SCHIEL, U. Guardando Histórico de Dimensões em Data Warehouse. In:
Semana de Informática da Bahia. Salvador, 2000, p. 212-230.
96
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Especificamente, a Sala Setorial foi desenvolvida para ofertar aos órgãos setoriais da
Prefeitura a possibilidade de: Possuírem um repositório único, digital e seguro para os dados
e informações produzidos pelos órgãos internamente; Facilitar aos gerentes, coordenadores e
funcionários, o manejo dos dados e informações produzidas pelos órgãos; Melhorar a eficiência
no processo de reportagem de resultados dos órgãos setoriais da Prefeitura para os gestores
(Secretários, Coordenadores Especiais, Superintendentes etc.) das áreas Setoriais e o Chefe do
Executivo; Facilitar o processamento de dados produzidos e manejados pelos órgãos setoriais
para a Sala Situacional da Governança.
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Os formulários de entrada de dados são planilhas construídas e personalizadas pelo próprio órgão setorial para
receber da melhor forma possível os dados armazenados.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o monitoramento, avaliação e, conseqüentemente, melhoria das políticas de cultura,
faz-se necessário combinar a aplicação de instrumentos para captação de dados e informações,
assim como a utilização de metodologias e ferramentas adequadas para o armazenamento e
análise das informações e dados coletados.
No caso da experiência realizada na SECULTFOR, o instrumental aplicado correspondeu
ao questionário desenvolvido pela ASPLAN e pela ASESP em conjunto com as Coordenadorias
da Secretaria. A produção desse questionário compreendeu o trabalho de interlocução com todas
as Coordenadorias, o mapeamento das ações realizadas pelas Coordenadorias, a identificação
das informações estratégicas referentes a cada Coordenadoria e a adaptação constante da redação
do questionário até a conclusão da versão final do questionário, assim como a validação dessa
versão final juntamente com todas as Coordenadorias.
Pelo lado da utilização de metodologias e ferramentas adequadas, a SECULTFOR
contou com uma contribuição relevante da Diretoria do Observatório da Governança, mais
especificamente, através do Business Inteligence (BI) da Sala Situacional e do aplicativo Sala
Setorial. Para o gerenciamento dos dados e informações da SECULTFOR, ambas as tecnologias
servem como ferramentas importantes para a estruturação, armazenamento e análise da
informação produzida internamente pela Secretaria.
No caso da Sala Setorial, o enfoque principal serve ao armazenamento dos dados e
informações, sanando um problema muito sério para a continuidade das políticas culturais, que
é a preservação e a segurança das informações. Já no caso da Sala Situacional, a contribuição
reside na apresentação de painéis gráficos, informações georreferenciadas e no cruzamento de
informações com outras fontes de dados, subsidiando a tomada de decisão baseada em evidência
pelo gestor.
Estamos cientes que a operacionalização contínua da abordagem aqui proposta não é uma
iniciativa fácil, pois os desafios são muitos. Contudo, é preciso que reconheçamos a existência
de boas ações, projetos, programas de política de preservação, formação e difusão cultural e,
mais do que isso, desenvolver metodologias e instrumentos efetivos para o monitoramento
e avaliação dessas políticas culturais. A realização efetiva do monitoramento e avaliação
das políticas culturais são importantes instrumentos de transparência e inovação, remetendo
à importância efetiva da participação dos diferentes grupos interessados (artistas, gestores,
pesquisadores, estudantes etc.) na construção de uma sociedade realmente democrática, que
possibilite aos seus cidadãos o direito de terem acesso aos bens culturais, ou seja, a vida cultural.
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locomoção, feita geralmente por veículos robustos, pick-ups com tração nas quatro rodas, além
de motocicletas e cavalos.
A comunidade está situada no Parque Estadual do Jalapão, que é uma área de Proteção
Ambiental caracterizada pelo bioma do Cerrado, com várias fontes de água e rios caudalosos,
como o Rio Sono, que atravessa a região. No Jalapão, estão localizadas também dez comunida-
des quilombolas, nas quais se inclui a do Mumbuca.
Trata-se de uma comunidade quilombola extrativista que se dedica à produção de arte-
fatos culturais confeccionados com Capim Dourado (Syngonanthus nitens), além de agricultura
de subsistência e criação de galinhas. O Capim Dourado é matéria prima que compõe o bioma
do Jalapão, caracterizado pela vegetação de cerrado. O Capim divide a paisagem com Pequis,
Palmeiras de Babaçu e Miriti, além de outras espécies, como a Tecla (árvore que produz madeira
para indústria naval, desenvolvida na região para comércio); nasce em áreas de veredas (campos
úmidos do cerrado) e floresce entre os meses de julho e agosto. A colheita do Capim é feita nos
meses de setembro e outubro, quando o mesmo amadurece e assume sua cor dourada caracte-
rística. Na colheita, as flores no topo dos talos de Capim são retiradas e deixadas nas veredas,
para renascer.
Após a colheita, os talos do Capim Dourado são enrolados em cordas finas que, costu-
radas manualmente com fibra de miriti, vão assumindo formas diversas: as originais são baús
e chapéus; as tradicionais são cestas, sacolas, bolsas e potes, mais recentemente acrescidas das
inovações, como bijuterias (brincos, pulseiras, colares), souplats, enfeites de mesa, imãs de
geladeira, acessórios de vestuário, porta-canetas, chaveiros e mandalas de vários tamanhos, que
podem ser associados a pedras, talos e folhas de miriti, e sementes da flora local.
O ciclo do Capim Dourado é anual e a sua reprodução depende do depósito das flores
no solo, durante a colheita, e do corte dos talos, sem retirar suas raízes. Espalhado pelas veredas
localizadas no bioma do cerrado, o Capim é colhido manualmente em áreas relativamente pró-
ximas à comunidade.
A interação das famílias da Comunidade (23 residências no núcleo da comunidade e 11
mais distantes, espalhadas pela área da terra quilombola) com o Capim Dourado (assim como com
outras espécies do bioma local) é tradicional, segundo os critérios que também definiram o territó-
rio quilombola onde a comunidade está localizada, quais sejam: reprodução de um modo de vida
associado com os ciclos renováveis da natureza, o que inclui conhecimentos acerca desses ciclos e
elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais, transferidos intergeracionalmente
pela oralidade, ou pela experiência; ocupação territorial por gerações, com noção de território ou
espaço; reprodução de modelo de unidade familiar ou comunal, e relações de parentesco, no exer-
cício das atividades de produção, atividades sociais e culturais; atividades de subsistência, mesmo
em relação com atividades de mercado (DIEGUES, apud CARVALHO, 2014, p. 57).
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Capim Dourado entre a etnia Xerente, assim como a “costura do Capim”, ainda realizada na
Comunidade, seria uma técnica cultural indígena que utiliza a seda do buriti.
Aqui, importa situar que as duas versões convergem para a figura histórica de dona Miúda
(Guilhermina Ribeiro da Silva), uma vez que essa mulher, nascida em 1928, é filha de indígena
com afrodescendente.
Embora haja registros da produção de artefatos com Capim Dourado, desde a década
de 1930 (época em que os artefatos eram trocados por gêneros alimentícios e querosene, em
mercados na Bahia), foi somente na década de 1990 que esses artefatos e o ofício artesanal de
produção do Capim Dourado, na Comunidade, ganharam notoriedade. Os fatores que convergi-
ram para sua divulgação foram: a construção de uma ponte ligando os municípios de Mateiros
e Ponte Alta (rompendo o relativo isolamento da região), uma matéria divulgada no Programa
Globo Repórter, em 1990, e o crescente advento do turismo na região do Jalapão (SOUZA,
2009; CARVALHO, 2014).
A crescente demanda comercial dos artefatos disseminou a sua produção no cotidiano e
entre as famílias, até que, em 2002, as mesmas criaram a Associação dos Artesãos da Comuni-
dade do Mumbuca, visando formalizar as vendas. De lá para cá, a Associação manteve-se ativa
na produção e reprodução dos modos tradicionais de fazer artefatos com Capim Dourado.
Na década de 2000, alguns acontecimentos ampliaram a difusão da produção dos artefa-
tos, e a legitimaram, para além da Comunidade Mumbuca: em 2004, parcerias entre a Associa-
ção de Artesãos do Mumbuca, a Fundação Naturatins, a Secretaria de Estado da Cultura do TO e
o SEBRAE, promoveram cursos e oficinas de artesanato com Capim Dourado, na Comunidade
do Mumbuca, atraindo designers e outros especialistas4; no mesmo ano, essas parcerias tam-
bém promoveram a difusão do ofício artesanal com Capim Dourado para outros municípios do
Jalapão, através de cursos e oficinas ministradas por uma artesã da Comunidade do Mumbuca
(Rosa); em 20 de janeiro de 2006, a Comunidade foi reconhecida como Território de remanes-
centes quilombolas – contudo, a demora na titulação das terras tem gerado conflitos. Em 2009,
o governo do Estado do Tocantins declarou o Artesanato em Capim Dourado como Patrimônio
Histórico do Estado (Lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009). Em 2010, por intermédio do Movi-
mento Estadual dos Quilombolas e do Ministério Público Federal, foi criado o Fórum Perma-
nente de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins.
Segundo relatos de sujeitos da Comunidade, essas parcerias tiveram trajetórias e resulta-
dos distintos, gerando tensões comunitárias pelas inovações inseridas na produção dos artefatos
4
Segundo Carvalho (2014, p. 65), “Destaca-se a oficina “Designer em capim dourado” que foi ministrada pelo
designer Renato Imbroisi, em 2004, tecelão e designer de moda conhecido nacionalmente por atuar em aproxima-
damente 40 projetos de inovação e artesanato”. Segundo relatos de moradores locais, as inovações nos artefatos
produzidos na Comunidade surgem da confluência dessas oficinas e das demandas de turistas.
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e pela difusão das técnicas de trabalho a outros municípios. A primeira tensão deu-se em torno
das propostas do SEBRAE de segmentar a produção artesanal, recusada pelas artesãs, com o
argumento de manter a tradição e as relações familiares de produção. A segunda refere-se a dois
fatores: a difusão da técnica de trabalho aumentou a demanda pelo Capim Dourado, que passou
a ser colhido de maneira clandestina e insustentável; complementar a isso, a disseminação cres-
cente da produção, em outras localidades (algumas mais acessíveis a comerciantes e turistas,
como Ponte Alta) gerou um mercado que descaracteriza a origem comunitária do ofício artesa-
nal e dos artefatos, atribuindo-lhe referências relacionadas à região do Jalapão, como indicação
geográfica (SCHMIDT, 2005) da matéria-prima.
Na tentativa de garantir a sustentabilidade ambiental da região e buscando ordenar a
exploração do Capim Dourado, o governo estadual estabeleceu a Portaria nº 362/2007, confe-
rindo regras para a colheita e manejo do vegetal, proibindo a colheita do mesmo fora do período
de 20 a 30 de setembro, e determinando que a colheita só poderia ser realizada por associados
devidamente credenciados, entidades comunitárias de artesãos e extrativistas residentes nos mu-
nicípios tocantinenses. Destaque-se que, embora as ações estatais tivessem a intenção de regular
a extração e manejo do Capim Dourado, bem como garantir a sustentabilidade do mesmo, tais
ações foram insuficientes e não surtiram o efeito desejado. Ao contrário, na região, a cada ciclo
extrativista centenas de pessoas entram nas zonas de produção e extraem o Capim Dourado,
muitas vezes, de forma ilegal.
O que se tem observado ao longo desses anos é um aumento de tensões em torno de
questões que gravitam entre a sustentabilidade do vegetal e a ampliação de novos mercados, que
surgem a partir da expansão do comércio do artesanato de Capim Dourado.
Tendo esse cenário como pano de fundo, o governo do estado do Tocantins, em parceria
com a Associação de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja), protocolou,
ainda no ano de 2009, um pedido de certificação do artesanato local, por meio da Indicação
Geográfica, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Processo esse que se
consolidou no ano de 2011, com a indicação de Procedência da matéria prima à região do Jalapão.
Essas tensões se evidenciaram na Roda de Conversa sobre o Selo de Origem do Capim
Dourado, que presenciamos na Comunidade, e estão em correspondência com os relatos descritos
por Rodrigo M. Leistner, acerca de suas investigações junto a artesãos e comerciantes de Capim
Dourado, na cidade de Ponte Alta, no quadro do LaPCAB5. Nesta cidade, as parcerias com o SE-
BRAE se desenvolveram e estão vigentes, assim como as propostas do mesmo para a incrementa-
ção da produção dos artefatos. Essas relações, embora ocorrendo distantes de Mumbuca, passaram
a servir de “espelho invertido” para a Comunidade e são criticadas pelos mais velhos, sobretudo.
Rodrigo M. Leistner. Relatório de pesquisa em Ponte Alta, TO. LapCAB-Laboratório de Políticas Culturais e
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A viagem a Mateiros e Mumbuca foi realizada em parceria com o PPG em Ciências do Ambiente, da UFT, na
companhia do Prof. Dr. Heber Rogério Gracio, e a Secretaria de Estado da Cultura do Tocantins, na companhia da
técnica Gilceia Medeiros.
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Fervedouro é o nome dado a um fenômeno natural da região do Jalapão, no qual uma fonte de água subterrânea
se eleva até a superfície, formando pequenos lagos (o menor tinha em torno de 7 metros de diâmetro e o maior
em torno de 15 metros) com fundo geralmente raso, arenoso e claro. O fenômeno se complementa com constantes
aberturas que se formam na base arenosa do lago para canais profundos, mas com efeitos de correntes ascendentes
da água, impedindo que as pessoas afundem. Essas aberturas e correntes produzem constantes movimentos da areia
na base dos lagos, gerando formas concêntricas de movimentação da água em efeitos visuais diversos.
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Capim Dourado, que resulta de estudo conjunto da Secretaria com a Universidade Federal do
Tocantins8 (exposição gravada em vídeo).
A sua exposição descreveu a origem da iniciativa, com o SEBRAE e a Fundação Na-
turatins, passando por um período de produção e distribuição do Selo que, após questionado
por vários atores da região, foi interrompido. Os Selos impressos sumiram. Esse processo teria
recomeçado recentemente, por convênio firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura e a
Universidade Federal do Tocantins. Foi formado um grupo de trabalho que visitou comunidades
e Associações de produtores do Jalapão, e apresentou um estudo de produção gráfica do Selo
de Origem do Capim Dourado (exposto na atividade) e dos procedimentos de sua atribuição e
distribuição, que implicavam algumas mudanças na produção e na circulação dos artefatos pro-
duzidos com o Capim, para assegurar sua certificação de qualidade.
Antes de encerrar a exposição de Gilcéia, já iniciaram os questionamentos sobre a per-
tinência do Selo pelas lideranças da Comunidade, que se alternavam entre perguntas sobre a
origem da iniciativa, a sua serventia para a Comunidade, as mudanças que ele implicava nos
processos de trabalho artesanais pela imposição de um padrão de qualidade definido por atores
exógenos à comunidade, o reconhecimento da autenticidade e da originalidade do ofício desen-
volvido pela Comunidade, a extensão da indicação geográfica ou regional que o Selo cobria, se
ele implicava na criação de dispositivos institucionais de fiscalização da colheita do Capim e da
produção dos artefatos, entre outras.
A insatisfação das lideranças com as explicações era visível, ora expondo expressões
faciais ou verbais de ausência de entendimento acerca de alguma exposição dos propósitos que
justificavam o Selo, ora formando rodas de conversa paralelas para discutir algum ponto ques-
tionável da exposição. Entre essas manifestações, algumas lideranças expunham depoimentos
memorialistas sobre a origem da Comunidade e do ofício com o Capim Dourado, reivindicando
recursivamente o reconhecimento da tradição (autenticidade e originalidade) deste último, e
recorrendo à legitimidade de lideranças cujas biografias atestariam tal reconhecimento. Eram
evocados os nomes e as trajetórias de matriarcas como dona Miúda, dona Laurentina, Doutora
e dona Santinha, geralmente associadas a domínios dos modos de saber e de fazer relacionados
com o Capim Dourado.
8
Em abril de 2015, a Secretária de Estado da Cultura do Tocantins (SECULT) e a Universidade Federal do To-
cantins (UFT) assinaram um termo de Cooperação Técnica, visando o fortalecimento da Associação dos Artesãos
em Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja). O ponto central dessa cooperação é a elaboração de um Selo de
Indicação Geográfica (IG) a ser utilizado pelos artesãos da região, valorizando os produtos lá produzidos, de forma
que sejam reconhecidos em mercados nacionais e internacionais. A parceria tem por objetivo orientar e capacitar
os artesãos no uso do selo, bem como visa apoiar a reestruturação da Areja, que no momento conta com baixa
participação dos artesãos, em decorrência de processos de desarticulação e não reconhecimento da legitimidade da
diretoria atual por parte das comunidades envolvidas. Esta ação também conta com o apoio do SEBRAE-TO, que
disponibilizou um consultor para apoiar a realização das capacitações.
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A redação final desse documento encontra-se disponível em www.facebook.com/lapcab. Na sequência da divul-
gação do documento, uma parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura de Tocantins e duas ONGs resultou em
três audiências públicas no estado, visando discutir estratégias para a sustentabilidade do Capim Dourado, na região
do Jalapão.
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6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS
O processo de certificação da indicação geográfica do Capim Dourado, no Jalapão, ex-
põe alguns condicionamentos que afetam o contexto de produção de artefatos culturais com essa
matéria prima e influenciam a trajetória da Comunidade do Mumbuca, e da sua associação de
artesãos, na interação com atores e instituições que agenciam as políticas culturais, no estado do
Tocantins. Nesse contexto, a mediação da matéria prima torna difusa a negociação da realidade
que aí se estabelece, na forma de um embate dos propósitos que fundamentam os projetos dos
atores envolvidos.
No encalço desse embate, supomos ser apropriado seguir a orientação de Chanquía
(1998, p. 9), que se apropria da noção de “contratos de visibilidade”, de Jean-Claude Passeron,
para expressar “aquello que guía la recepción de una imagen por parte de un público, proveyen-
do a los sujetos, atrapados en dichos contratos, de un ver y un decir que marca su recepción de
una obra determinada”.
A centralidade que o processo de indicação geográfica do Capim Dourado vem assumin-
do, na região do Jalapão, de um lado descola a imagem dos artefatos culturais de sua origem
comunitária e a desloca para uma indicação geográfica mais ampla, legitimando uma cadeia de
produtores na região e imprimindo procedimentos para sua certificação; de outro lado, os atores
da Comunidade do Mumbuca, ressentidos com esse deslocamento e afetados pelos condiciona-
mentos da certificação em curso, agenciam suas tradições em narrativas e tecnologias patrimo-
niais que imprimem autenticidade aos artefatos produzidos pela associação de artesãos local.
Nesse embate, o Capim Dourado torna-se um bem disputado e apropriado, muitas vezes,
por indivíduos despreocupados com sua sustentabilidade ambiental. E isso pode gerar uma situ-
ação futura na qual os propósitos dos atores aqui descritos percam importância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: O que se propõe nesse artigo é analisar o período da política cultural brasileira que
corresponde à gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura. O que se defende
nesse artigo é que tal gestão configurou-se como um momento de crise. Para a análise, recorrerei
às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e à proposta analítica das crises políticas
elaborada por Michel Dobry.
Os governos Lula (2003-2010) imprimiram um novo patamar nas relações entre o governo
federal e a cultura, ampliando e, principalmente, transformando a atuação do Ministério da Cultura
(MinC), sob a gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, sucessivamente. Contrapondo-
se à lógica vigente desde a criação do MinC em 1985, na qual predominou um viés de menor
participação do Estado, Gil e Ferreira investiram na institucionalização das políticas culturais.
Tal processo se revela na reestruturação do Ministério e do Conselho Nacional
de Cultura, na realização das conferências nacionais, estaduais e municipais de cultura, na
elaboração do Plano Nacional e na implantação do Sistema Nacional de Cultura, entre outros
programas e ações que visam superar a descontinuidade das políticas culturais, transformando-
as, minimamente, em políticas de Estado (RUBIM, 2010; 2011).
Claro que esse projeto foi alvo de posições contrárias, em especial de agentes culturais
atuantes nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, principais centros da economia cultural
brasileira, que se ressentiam do fato de ter que dividir a atenção e as parcas verbas do setor com
agentes oriundos de outras cidades e regiões do país, bem como de outros estratos sociais.
Se esse grupo não perdeu de todo o seu poder de barganha e de influência nos rumos
das políticas culturais federais, como exemplificam a derrota do governo no que se refere à
1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e pós-doutorado em Comunicação pela Univer-
sidade Nova de Lisboa. Professor dos PPGs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC. Líder do
Grupo de Pesquisa em Políticas de Comunicação e de Cultura. E-mail: alexandrealmeidabarbalho!gmail.com
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criação de uma nova agência para o audiovisual (MOREIRA; BEZERRA; ROCHA, 2010) e
à postergação da reforma das leis de incentivo (SALGADO; PEDRA; CALDAS, 2010), não
chegou, por sua vez, a colocar em xeque o projeto político-cultural da era Lula – projeto este
fixado no documento do então candidato nas eleições de 2002, intitulado “A imaginação a serviço
do Brasil” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002). Talvez, os momentos de embate mais
críticos tenham ocorrido no interior do próprio MinC, em um rearranjo das posições políticas
próprio à lógica do Estado, como revelam as disputas em torno do Sistema Nacional de Cultura
(BARBALHO, 2014).
Contudo, o primeiro governo Dilma (2011-2014), ainda que representando uma
continuidade do projeto político capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), trouxe
mudanças significativas no que se refere às políticas culturais. Não cedendo à pressão de vários
setores, inclusive de seu próprio partido, pela permanência de Juca Ferreira no Ministério, a
presidenta nomeou, em janeiro de 2011, a artista Ana de Hollanda como ministra da Cultura.
Reconfigurando a composição das forças políticas no interior do MinC, propondo novas pautas,
dando continuidade a programas anteriores e enfraquecendo ou mesmo extinguindo outros,
Hollanda provocou um forte movimento de oposição, inclusive interna, à sua gestão que
terminou por afastá-la do cargo em setembro de 2012.
Para Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly, o confronto politico, que
“depende da mobilização, da criação de meios e de capacidades para a interação coletiva”,
se inicia quando “as pessoas fazem reivindicações a outras pessoas cujos interesses seriam
afetados se elas fossem atendidas” (MCADAM; TARROW; TILLY, 2009, p. 11-12). Ora, o
que se observa entre 2011 e 2012 é um acúmulo de mobilizações e confrontos no e em torno
do MinC, relativos a interesses distintos e que se estendem para além do campo cultural,
envolvendo outros agentes e reverberando fortemente na mídia nacional e nas redes sociais.
Diante desse contexto, é possível entender a breve passagem de Hollanda pelo
Ministério como uma crise? Uma crise2 pode ser entendida como “momento de ruptura no
funcionamento de um sistema” (PASQUINO, 2000, p. 303); ou como “situação-limite, na
qual se explicitaria um quadro de particular gravidade” (NOGUEIRA, 2015, p. 216). O que se
defende nesse artigo é que a gestão Ana de Hollanda configurou-se como uma situação-limite
que resultou em uma ruptura, mas também de continuidade das disputas que vinham desde o
início da década.
O que se propõe, portanto, é analisar esse período da política cultural brasileira, a partir
de seu entendimento como um momento de crise, estabelecendo, ao mesmo tempo, as suas
especificidades. Para tanto, recorrerei às reflexões sobre o Estado feitas por Pierre Bourdieu e
2
Do grego krísis, significa “alteração, desequilíbrio repentino; estado de dúvida e incerteza; tensão, conflito”
(CUNHA, 2010, p. 190).
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à proposta analítica das crises políticas elaborada por Michel Dobry, sobre as quais discorro
a seguir.
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aquele de acirramento dessas lutas em torno desse poder simbólico, onde cada agente, individual
e/ou coletivo, reivindica para si o poder de nomeação, que é próprio ao Estado3.
Por sua vez, pensando na especificidade do objeto de análise, ou seja, a crise da gestão
da ministra Ana de Hollanda e de suas políticas, faz-se necessário levar em consideração
exatamente esse dado: é preciso observar a estrutura de espaço onde se desenvolveram tais
políticas; suas particularidades, as propriedades de seus agentes, as interseções dos campos nas
quais se constroem (campo estatal, campo cultural, mas também campo midiático, como irei
propor adiante).
Para dar conta metodologicamente desse objeto, e levando em consideração a compreensão
de Estado exposta acima, recorro à análise das crises políticas proposta por Michel Dobry. Dobry
propõe uma abordagem próxima àquela da “mobilização” ou da “gestão de recursos” e na inserção
no processo analítico da atividade tática dos agentes protagonistas. Tal perspectiva é acionada para
que possa defender sua hipótese de continuidade, no sentido de que as molas que movem as crises
políticas não se radicam apenas, nem principalmente, nos desequilíbrios, mas nas “mobilizações
que esses protagonistas realizam no curso das competições e dos enfrentamentos que constituem
a trama das relações políticas” (DOBRY, 2014, p. 26-27).
Nesse sentido, o foco analítico sobre a crise recairá sobre o que está “em jogo” e nos
“deferimentos das jogadas” que ocorrem. Em relação às mobilizações, interessa perceber as
relações com os contextos estruturais, estendidos estes como variáveis, exatamente porque
sensíveis às mobilizações. O que implica compreender os diversos tipos de conjuntura, incluindo
as de crise, como estados particulares do sistema político analisado.
Por mobilização deve-se entender a inserção de recursos (capitais) em uma jogada
(linha de ação), entendendo que tais recursos não são “coisas em si”, mas relacionais, ou seja,
inseridos em contextos sociais nos quais operam, portanto não podem ser facilmente transferidos
de um lugar social para outro. Com isso, a atividade tática dos agentes dos conflitos assume
posição central na análise. O que se pretende ao analisar as jogadas é identificar como os atos
(individuais ou coletivos) afetam tanto o comportamento dos outros agentes protagonistas,
quanto a relação entre estes e o seu ambiente, ou a ambos, simultaneamente, posto que “a
modificação dessa situação existencial se acompanha quase sempre de uma transformação das
expectativas e das representações que os diferentes atores [agentes] têm a respeito da situação
(DOBRY, 2014, p. 32).
É importante, para essa perspectiva, entender que existe uma quantidade de recursos
que não são utilizados ou colocados em jogo, recursos latentes ou em potencial, e atentar para
3
Para Bourdieu (2012), em termos epistemológicos, ou seja, da compreensão do funcionamento do Estado, os
momentos de crises são momentos propícios, como os de gênese, pois as imposições simbólicas se tornam eviden-
tes. No caso dos segundos, porque ainda estão se constituindo, no caso dos primeiros, porque são reveladas pelos
heterodoxos que as colocam em xeque.
118
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os “modos de fazer-valer” tais recursos nas jogadas ou atividades táticas postas nos jogos de
interesses. Outra recomendação metodológica é fugir de uma visão demasiadamente teleológica
a orientar tais jogadas, pois, como observa Dobry (2014), há interações entre elas, típicas da
dinâmica própria do conflito, que abalam de diversas formas os motivos e fins primeiros dos
agentes envolvidos na crise. Há, portanto, uma “evolução” do jogo ou do conflito, o que explica,
muitas vezes, a perda de um centro decisor de determinada mobilização, como veremos adiante.
Dobry (2014) adverte sobre a necessidade de não recair no erro de ver na crise apenas
a oposição entre os “agentes de controle social” e as “mobilizações”, sem perceber também as
similitudes entre os dois, ainda que reconhecendo as diferenças no capital de recursos e ações
de ambos. Isso é fundamental por permitir outra compreensão, a de que os movimentos de
mobilização não emergem necessariamente nas zonas pouco estruturadas do socius, mas podem
surgir nas próprias agências de controle.
As mobilizações não podem ser entendidas como necessariamente centralizadas, onde
uma “direção” mobiliza os recursos com o propósito de atender certos fins coletivos. Se de fato
isso ocorre, tal concepção não pode inviabilizar o entendimento do caráter muitas vezes disperso
dos processos mobilizadores. Nesses processos, vários agentes, individual e coletivamente,
aderem ao jogo e trazem consigo seus recursos e interesses, de modo que, mesmo participando
de uma mesma jogada, há uma diversidade de pautas, objetivos e estratégias mobilizadas.
É possível, então, estabelecer os elementos centrais da abordagem proposta por Dobry.
Primeiro, uma crise deve ser entendida “a um só tempo” como mobilizações e transformações
de estado dos sistemas sociais. O que leva em consideração o fato de que as instituições são
sensíveis às jogadas e às atividades táticas dos agentes das crises. Mas, por sua vez, trata-se
também de analisar as “lógicas de situação que, em tais contextos, tendem a se impor a esses
atores e tendem a estruturar suas percepções, seus cálculos e seus comportamentos” (DOBRY,
2014, p. 46).
A partir dessa premissa, Dobry fixa os elementos de sua terminologia. Por “sistemas
sociais complexos”, entende-se aqueles “diferenciados em esferas sociais autônomas, fortemente
institucionalizadas e dotadas de lógicas sociais específicas” (DOBRY, 2014, p. 46), definição
de esfera social muito próxima daquela de campo em Bourdieu. Por “setores”, entende-se as
“esferas sociais autônomas”. Por “mobilizações multissetoriais”, aquelas que se localizam ao
mesmo tempo em várias esferas e de “restritas” aquelas mobilizações que atinge apenas uma
esfera. E por “conjunturas políticas fluidas”, aquelas que correspondem a “transformações
de estado dos sistemas complexos quando esses sistemas estão submetidos às mobilizações
multissetoriais” (DOBRY, 2014, p. 47).
Para dar conta empiricamente do objeto de análise, ou seja, a crise política da gestão
Ana de Hollanda, a partir do constructo teórico-metodológico exposto acima, irei estabelecer os
119
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agentes dessa conjuntura política fluida, bem como seus recursos, jogadas e mobilizações, por
meio das informações proporcionadas pelo campo midiático e pelo material divulgado nas redes
sociais. Essa escolha se justifica pela forte relação entre os dois campos, o político e o midiático,
sendo este uma espécie de mediador entre os campos sociais (RODRIGUES, 1990)4.
4
Ao elaborar um conjunto de subsídios para uma teoria das crises políticas, António Mendes (2005) destaca como
fundamental o entrecruzamento entre esses dois campos (o político e o midiático) e, portanto, a relevância da co-
bertura midiática dos fenômenos políticos disruptivos.
5
Dobry observa que a mobilização coincidirá sempre com uma jogada, uma atividade tática por partes dos agentes
envolvidos na crise, ainda que tal jogada possa ser apenas simbólica, “no sentido de que certos atos podem simbo-
lizar outros atos, por exemplo, mais ‘duros’” (DOBRY, 2014, p. 33).
6
A esse respeito, ver a coletânea de entrevistas Cultura digital.br, publicada com apoio do MinC e que tem entre
seus entrevistados vários agentes ligados ao Ministério, inclusive o ministro Juca Ferreira (SAVAZONI; COHN,
2009).
7
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/copyright-a-batalha/. Acesso: 02.out.2015.
8
Ver http://blogs.estadao.com.br/link/minc-na-contramao/. Acesso: 02.out.2015.
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Nesse sentido, a jogada seguinte de Hollanda foi demitir Marcos Souza, então
coordenador-geral de direitos autorais do MinC e defensor da flexibilização destes direitos, e
nomear Marcia Regina Barbosa, ligada ao Conselho Nacional de Direito Autoral e à Hidelbrando
Pontes, advogado do ECAD e um dos interlocutores da ministra.
Em declarações à imprensa, Hollanda reafirmou sua posição de rever o texto da Reforma
da Lei de Direitos Autorais, declarando que a “democratização da cultura” não poderia “passar
por cima do direito autoral”. Tal postura foi apoiada pelas entidades defensoras destes direitos,
como a Associação Brasileira de Música e Artes. Por outro lado, a ministra sinalizou o diálogo
com os ativistas do copyleft, propondo se reunir com “consultores e artistas” para chegar a uma
“proposta que atenda à demanda da área criativa, que é a que mais se mostrou insatisfeita com
as mudanças apresentadas”9.
Hollanda, como se observa, inseria os recursos de sey metacapital estatal para tentar
mobilizar ambos os grupos de agentes. No entanto, como visto, tais recursos são relacionados a
contextos sociais e não podem ser facilmente transferidos de um lugar para outro. Assim, a reação
contrária dos ativistas foi imediata e se intensificou a campanha contra a posição da ministra,
inclusive dentro do Ministério, ou, nas palavras de Dobry, na própria “agência de controle”, com
a criação no Twitter das hashtags #foraana e #foraanadehollanda.
Os participantes do movimento Transparência HackDay, por sua vez, criaram a página
“Dá licença, MinC?”, listando os sites governamentais que adotavam as licenças de uso livre. As
referidas hashtags foram criadas em fevereiro. Dois meses depois, segundo Kelly Prudencio e
Weslley Leite (2013), o seu número de usuários aumentou 223%. Em março, surgiu o blog Fora
Ana de Hollanda que se dizia sem filiação partidária e sem ligação com coletivos organizados,
inclusive com aqueles ligados às gestões de Gil e Juca.
Contrário não à “pessoa” Ana de Holanda, e sim ao “conjunto das diretrizes e ações
de sua gestão” que se configurava como uma “política desastrosa e conservadora”, o blog não
se assumia como “movimento organizado”. Mas é possível entendê-lo como uma esfera civil
digital (ALEXANDER, 2008; GOMES, 2011; MAIA, 2011), que agrega e difunde diversas
críticas e reflexões sobre a política cultural vigente. Na avaliação do Fora Ana de Hollanda, a
omissão de Dilma “com relação ao retrocesso no #Minc seria (...) uma traição do projeto de
governo eleito democraticamente”10.
Em abril foi criado o blog Mobiliza Cultura, com sua hashtag #mobilizacultura, que,
ao contrário da campanha implementada pelo Fora Ana de Hollanda, se assumiu como uma
organização reunindo instituições e grupos formais e informais (pontos de cultura, coletivos,
fóruns etc) para atuação tanto virtual, quanto presencial. O Mobiliza Cultura pode ser
9
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/mudancas-no-ministerio-da-cultura/. Acesso: 02.out.2015.
10
Disponívl em http://foraanadehollanda.blogspot.com.br/. Acesso em 28.out.2015.
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compreendido como uma “mobilização na esfera pública”, um dos três níveis identificados
por Ilse Scherer-Warren de organização da sociedade civil (de seus interesses e valores de
cidadania) “para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas,
protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas” (SCHERER-WARREN,
2006, p. 110).
Este tipo de mobilizações, mais abrangentes e conjunturais e menos institucionalizadas,
resulta da articulação dos participantes de movimentos sociais, ONGs, redes etc e a realização
de manifestações objetivando a visibilidade midiática e os “efeitos simbólicos para os próprios
manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma
de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo” (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 112). Na análise de Prudencio e Leite, a partir do Mobiliza Cultura, a
mobilização anterior, voltada “principalmente para a queixa de rompimento da ação cultura
digital e da reforma dos direitos autorais sofre novo processo de enquadramento, para se adaptar
a esse novo momento, ganhar mais adesão e expansão” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 451).
O movimento elaborou uma “Carta Aberta à Presidenta Dilma” que obteve grande
repercussão, pois amplamente divulgada na grande mídia, bem como nas redes sociais. O
documento reivindicava a continuidade das políticas culturais implementadas nos governos
Lula, o que significava maior participação da sociedade civil na formulação das políticas,
especialmente a reforma da Lei dos Direitos Culturais; efetivação do Plano Nacional de Cultura;
retorno das políticas voltadas à cultura digital; e fortalecimento do Programa Cultura Viva e,
consequentemente, dos Pontos de Cultura, uma das principais ações das gestões Gil e Juca11. Ou
seja, a agenda que vinha mobilizando os agentes desde o início do governo.
Para Prudencio e Leite, a campanha contra a gestão Ana de Hollanda se configurou
como um “confronto politico construído a partir da oportunidade aberta por uma série de
acontecimentos” (PRUDENCIO; LEITE, 2013, p. 454), como os listados acima, bem como
outros que ocorreram na sequência. As autoras destacam ainda a importância da formação de
um capital comunicacional que foi resignificando o repertório de ação dos agentes envolvidos
na mobilização. Assim, ao quadro interpretativo inicial, de descontinuidade e incompetência na
gestão da política cultural, soma-se outro, o da “conduta incompatível”, que agrega mais um
elemento à crise política, a do escândalo.
Outro desgaste sofrido pela gestão Ana de Hollanda ainda no início de seu mandato foi
com o sociólogo e professor da UERJ Emir Sader, incialmente indicado para a presidência da
Fundação Casa de Rui Barbosa. Em entrevista à Folha de São Paulo, Sader, antes mesmo de
assumir, chamou a ministra de “meio autista” por não reagir ao contexto político desfavorável
Sobre o papel relevante do Programa Cultura Viva e mais especificamente dos Pontos de Cultura no âmbito da
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ao MinC que incluía cortes no orçamento, paralisação dos Pontos de Cultura, e as já citadas
manifestações contra sua gestão12. O sociólogo acabou perdendo a nomeação, sendo substituído
pelo cientista político Wanderley dos Santos.
A relação problemática com os Pontos de Cultura também foi um dos momentos fortes
da crise, como se observa na reverberação dessa temática nas mensagens postadas no blog Fora
Ana de Hollanda. A gestão do Programa Cultura Viva, que engloba a ação Pontos de Cultura,
ficou sob responsabilidade da secretária de Diversidade e Cidadania, Marta Porto. Ainda
que compreendendo a importância do Programa, Porto avaliava que ele sofria das “dores do
crescimento”, pois não contava com recursos humanos, tanto para a sua gestão, quanto para o
seu acompanhamento, o que tinha causado problemas com órgãos de controle do Estado. Além
disso, a secretária defendia a renovação dos projetos e a inclusão de outras iniciativas13. Contudo,
talvez por estarem inseridas em um contexto turbulento, as declarações e primeiras medidas
tomadas por Porto no sentido de diminuir o ritmo do Programa foram vistas com desconfiança
pela rede dos Pontos de Cultura provocando forte oposição a essa nova orientação.
A secretária acabou saindo do MinC em setembro mas, em entrevista concedida alguns
meses depois, ainda durante a gestão de Hollanda, credita sua saída a diferenças no interior do
Ministério, no que ela denominou de “falta de compatibilidade política e de confiança mútua”.
Segundo a ex-secretária, suas posições e compromissos públicos não se alinhavam com as
posições tomadas pela gestão em relação a vários temas que tensionaram o campo político-
cultural. Não havia, na sua avaliação, vontade política em relação à sua secretaria, pois a aposta
era na recém-criada Secretaria de Economia Criativa. Com esse investimento, o MinC perdeu a
“chance de propor uma política de cultura sintonizada com os principais desafios da sociedade
brasileira para além da economia: a democracia e todos os valores culturais que ela exige para
ser mais do que um regime político”. A aposta que Porto fez no interior do MinC na cidadania e
na diversidade foi uma “tese derrotada” e perder, como reconhece, fez “parte do jogo”14.
Em maio de 2011, a ministra tentou romper seu isolamento e se articular com diversos
agentes do campo cultural, em especial com aqueles atuantes em São Paulo, bem como com os
parlamentares da base governamental. No mesmo período, a presidenta Dilma nomeou Morgana
Eneile, então secretária nacional de Cultura do PT, assessora de Hollanda, como forma de ajudar
nas articulações políticas. Mas essa nova dupla jogada foi vista com ceticismo pela imprensa e
pelos ativistas culturais. Segundo avaliou Jotabê Medeiros, colunista de O Estado de São Paulo,
12
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2011/02/881609-ana-de-hollanda-e-meio-autista-
-diz-emir-sader.shtml. Acesso em 08.dez.2015
13
Disponível em http://www.culturaemercado.com.br/site/entrevistas/marta-porto-cultura-viva-e-um-dos-gran-
des-legados-que-recebemos/. Acesso em 08.dez.2015.
14
Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/marta-porto-cultura-ainda-nao-se-tornou-prioridade-4294248.
Acesso em 08.dez.2015.
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a situação crítica da gestão Ana de Hollanda era “incontornável”, como sinalizaria o movimento
Mobiliza Brasil que reuniu 2,5 mil adesões15.
Outros eventos alimentaram a crise ao longo dos anos de 2011 e 2012, pautando a
“trajetória turbulenta” da ministra Hollanda, como qualificou o site de notícias da UOL16, que
não se restringiram à lógica da política cultural, mas atingiram a lisura da ministra: a aprovação
de um projeto de R$ 1,3 milhão para criar um blog de Maria Bethânia, amiga de Hollanda;
pagamento de diárias indevidas à ministra em fins de semana no Rio de Janeiro; captação de
R$ 1,9 milhão para a primeira turnê da cantora Bebel Gilberto, sua sobrinha; recebimento de
brindes da escola de samba Império Serrano após o MinC zerar a inadimplência da agremiação
carioca e desbloquear o CNPJ da escola; vazamento na imprensa de sua carta enviada à ministra
do Planejamento Miriam Belchior reclamando da falta de recursos para a pasta.
Em março de 2012, um grupo de intelectuais, alguns ligados ao PT, lança uma carta
onde cobra da presidenta Dilma um Ministério à altura dos desafios e programas apresentados
nas gestões de Gil e Juca, posto que estaria ocorrendo uma “decadência do protagonismo” do
MinC17. Para os signatários, o primeiro ano de Hollanda no MinC, incapaz de “gerar consensos
mínimos”, foi marcado por “hesitações, conflitos e por mudanças de rumo”. Assim, a nova
gestão frustrou os “inúmeros grupos envolvidos no processo de emancipação cultural” iniciado
em 2003 e que resultou no “acolhimento entusiástico de uma vasta gama de manifestações
antropológicas, tradicionais como modernas, regionais como nacionais, locais como globais,
deu direito de cidadania e densidade politica a vários conceitos novos” 18.
Além da condução equivocada da política cultural, a ministra e sua equipe, segundo
avalia o documento, seriam inábeis na sua relação com os agentes culturais, despreparadas para
o embate e o diálogo, vistos como algo pessoal e não como um processo inerente ao exercício da
democracia. Para esses intelectuais, houve perda de visibilidade e de nitidez na política cultural,
tendo preponderado a pauta negativa alimentada por meio do noticiário, levando à constatação,
por parte da opinião pública, da falta de comprometimento com as conquistas recentes. O
resultado teria sido um “perigoso isolamento” do MinC. Diante desse contexto, o documento
reivindica que a presidenta, detentora do poder de nomear seus ministros e com um governo
com alto índice de aprovação, não se submeta aos jogos de acomodação partidária e retome o
“projeto de país” traçado anteriormente pelo MinC.
15
Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-uma-ministra-isolada-e-em-busca-de-
-apoio-na-classe-cultural,716244. Acesso em 05.ago.2015.
16
Disponível em http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/09/11/apos-serie-de-desgastes-ana-de-
-hollanda-deixa-ministerio-da-cultura.htm . Acesso em 05.agosto.2015
17
Assinam o documento Marilena Chauí, Eduardo Viveiros de Castro, Suely Rolnik, Laymert Garcia dos Santos,
Gabriel Cohn, Manuela Carneiro da Cunha e Moacir dos Anjos.
18
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.
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É premente, portanto, que ela indique “um ministro da cultura à altura do que requer
este cargo, em vista da importância do Brasil no cenário mundial contemporâneo”. O seu perfil
é o de uma “liderança suprapartidária e democrática”, capaz de “garantir um pulso firme e uma
capacidade de gestão dinâmica”. O documento encerra afirmando a responsabilidade não apenas
dos autores do documento, mas de os agentes culturais do país, em apoiar o “futuro portador
desta inteligência de qualidade cultural” 19.
O capital político e cultural dos que assinam a carta, bem como as argumentações expostas
qualificam o documento como uma importante jogada da oposição e intensificam o sentimento
de crise. Ao mesmo tempo, apontam para a sua solução: a nomeação de um novo ministro. O
que de fato ocorreria sete meses depois com a nomeação da senadora Marta Suplicy20.
3. CONCLUSÃO
Segundo Pasquino (2000), é, em geral, o nível da relação entre governo e sociedade o
elemento determinante da crise do primeiro, o que resulta da sua falta de representatividade e de
sua legitimidade, posto que é rejeitado por fortes setores sociais; e da ineficácia em responder a
esse contexto de perda, levando ao imobilismo. Como se observou, a gestão Ana de Hollanda
gerou um déficit de representatividade e legitimidade, ao contrário do que ocorreu nas gestões
anteriores, e não teve a capacidade de dar respostas eficazes, gerando uma insatisfação que se
generalizou, configurando-se, portanto, como uma “crise governamental”
Quando falo em “crise governamental” certamente não estou me referindo ao governo
como um todo, mas a um de seus subcampos, no caso, o da cultura. Mas, ainda que restrita a um
setor, foi sentida em outros subcampos do Estado e gerada tanto por fatores internos, quanto pela
interação do Ministério com a sociedade. Os primeiros se referem à heterogeneidade de posições
no interior do governo Dilma e, mais especificamente, no MinC na composição da crise. No caso
da interação, aconteceu que Hollanda não conseguiu dar um retorno satisfatório aos inúmeros
questionamentos feitos pelos agentes politico-culturais e midiáticos. O que resultou em uma
crise multissetorial inserida em uma conjuntura política fluida.
Em outras palavras, ainda que detentora de meta-capital e do poder de nomeação, a
ministra não soube avaliar o que estava em jogo e as disputas internas ao Estado e ao campo
cultural e suas relações daí decorrentes. Dessa forma, não pôde exercer o papel de mediadora
19
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,despreparo-e-dolorosamente-evidente-dizem-inte-
lectuais-sobre-gestao-do-minc,850226#. Acesso em 28.10.2015.
20
Este último movimento no que diz respeito ao processo crítico vivenciado pelo MinC procurou também solu-
cionar outros embates, estes no plano da política eleitoral. Segundo noticia a imprensa, a ida da senadora para o
Ministério ocorreria em troca de seu apoio à candidatura do PT do ex-ministro de Educação do governo Dilma,
Fernando Haddad, para a cidade de São Paulo. Isso porque Suplicy também postulou ocupar esse espaço e perdeu
a disputa interna ao partido. A esse respeito ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/09/1151790-marta-ne-
ga-que-ministerio-seja-compensacao-por-ajuda-a-haddad.shtml
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dos dissensos. Pelo contrário, suas jogadas só fizeram acirrar os conflitos e as mobilizações de
oposição, muitas vezes tornando adversários certos agentes que, em um primeiro momento,
não possuíam tal posição. A “carta dos intelectuais”, nesse sentido, foi decisiva, pois assinada
por agentes que, se não faziam parte do MinC, eram reconhecidos pelo núcleo central do poder
estatal, a exemplo de Marilena Chaui. E nem participaram da primeira onda de mobilização
formada pelos ativistas da cultura digital e das redes socais, de modo que, e ao aderirem ao jogo,
trouxeram novos recursos e interesses.
No entanto, como poderia se supor, este período não significou a desorganização de “antigos
interesses, posições de status e convicções gastas pelo tempo”, encastelados há muito no poder e
em choque com “novos interesses, novas postulações e ideias, criando um clima de confusão e
reorganização”, contexto típico dos momentos críticos (NOGUEIRA, 2015, p. 217). O que se deu
foi justamente o contrário: nos governos Lula, o MinC foi gerido por novas ideias e postulações e
a gestão de Hollanda teria sido uma tentativa de retorno a antigos interesses, status e convicções,
o que provocou a reação de setores renovadores do campo cultural brasileira e a consequente crise
governamental. Essa foi a principal especificidade da crise da gestão Ana de Hollanda.
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1. INTRODUÇÃO
O Tratado de Marraqueche tem por finalidade estabelecer limitações obrigatórias aos
direitos autorais para fins de garantir o acesso à cultura das pessoas portadoras de deficiências
visuais. Ratificado pelo Brasil no final de 2015 e internalizado com status de Emenda Constitu-
cional, passa a fazer parte do núcleo central de direitos fundamentais submetidos à proibição de
retrocesso expressa pela sua caracterização como cláusula pétrea da Constituição Federal. Sua
conclusão representa o cumprimento bem sucedido de algumas das ações referentes aos direitos
autorais incluídas no Plano Nacional de Cultura.
1
Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto e Pesquisador de Di-
reito Civil e Propriedade Intelectual no Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto
Três Rios. Professor Permanente e Pesquisador de Políticas Culturais e Direitos Autorais no Programa de Pós-Gra-
duação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento na UFRJ (PPED/IE/UFRJ). Coordenador do Núcleo
de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: allanrsouza@gmail.com . CV Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5178459691896082
2
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto Três Rios. Pesquisa-
dor do Núcleo de Pesquisas em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC). E-mail: alexandre_spf@hotmail.com
. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8954789495709084
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Por ser o Tratado ainda muito recente, seus efeitos ainda estão por ser concretizados
nas práticas, porém já podem vislumbrados, projetados e até mesmo demandados, em especial
no que concerne às políticas públicas e institucionais de acessibilidade cultural, notadamente
às pessoas portadoras de deficiências. Em que pese a finalidade do Tratado de Marraqueche de
atender especificamente os portadores de deficiências visuais, portadores de outros tipos de de-
ficiência – como auditivas, por exemplo - encontram-se amparados pelo Tratado da ONU para
inclusão dessas pessoas em todos os níveis, inclusive culturalmente.
Explorar seus efeitos no ordenamento jurídico é o objetivo principal deste trabalho. E a
questão-chave a ser enfrentada é como a internalização deste tratado pode impactar legislação
de direitos autorais brasileira e a interpretação das limitações. Para isso, em primeiro lugar é en-
frentado o problema dos direitos culturais e sua vinculação com o acesso à cultura e os direitos
fundamentais e seu reflexo no Plano Nacional de Cultura. A seguir, são apresentados os trâmites
e procedimentos do processo legislativo de internalização do Tratado, bem como seu status no
ordenamento jurídico nacional. Ao final, são discutidos os efetitos sobre os direitos autorais e a
interpretação das limitações, tendo como base teórica os paradigmas da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais.
3
Para aprofundamento nos contornos e conteúdo dos direitos culturais, permita-nos indicar a apreciação direta do
trabalho original: SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos autorais e as obras audiovisuais cinematográficas: entre a
proteção e o acesso. Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, 2010. Ou ainda SOUZA, Allan
Rocha de. Direitos Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2012.
129
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pressupostos básicos: (i) os direitos culturais são direitos fundamentais; e (ii) são normatizados
e dotados de efetividade no ordenamento jurídico brasileiro.
E, a partir da análise dos dispositivos da Constituição Federal do Brasil de 1988 e dos
Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, complementada pela apre-
ciação das motivações expostas nas decisões judiciais destacadas e pelo exame das contribuições
da doutrina especializada, identificou-se que os direitos culturais são constituídos, em primeiro
lugar, do direito à livre participação na vida cultural e objetivem, principalmente, assegurar a
todos o seu pleno exercício. Mas são também nuclearmente compostos pelos direitos de acesso
e fruição das fontes, bens e patrimônio culturais; à identidade, pluralidade e diversidade cultural;
a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido.
Estes são os direitos culturais stricto sensu, conforme estabelecido no trabalho men-
cionado, e formam um conjunto de direitos interdependentes, vinculados ao objetivo maior de
assegurar a livre participação na vida cultural e garantir o seu pleno exercício. Seus sentidos se
complementam e suas aplicações se entrelaçam, reproduzem em sua normatização a dinâmica
particular de seu objeto, projetam-se por todo o ordenamento e refletem todas as dimensões dos
direitos fundamentais, mas enraízam-se no direito de igualdade. E a igualdade cultural é condi-
ção para o diálogo e convivência harmoniosa e o diálogo efetivamente livre é essencial em uma
sociedade plural.
O direito de todos ao pleno exercício dos direitos culturais, objetivo máximo de sua efeti-
vidade, implica, por ser informado pelas disposições dos tratados internacionais, no direito à livre
participação na vida cultural, pois só diante desta possibilidade é possível exercê-los plenamente.
A participação deve ser livre em razão do próprio pluralismo, assegurado constitucionalmente, e
da diversidade, amparada internacionalmente.
O principal efeito participação na vida cultural é impedir a exclusão involuntária da
própria participação. O aspecto negativo da participação só pode ser exercido pela recusa vo-
luntária em participar ativamente da vida cultural, e jamais pode ser imposta a participação,
por quaisquer poderes, sejam públicos ou privados. Deve-se notar que esta recusa em si, por
implicar em uma decisão individual relacionada à cultura, é uma participação na vida cultural.
Pela sua essencialidade, a restrição à participação só excepcionalmente e justificadamente pode
ser efetuada.
Assegurar materialmente a todos o direito de livre participação e o pleno exercício ga-
rante as condições para a emancipação e formação cultural, com efeitos cumulativos positivos
sobre a formação pessoal e social, condições para o exercício da cidadania, democracia e inclu-
são culturais, conforme estabelecido nos fundamentos e objetivos da República.
A porta de entrada para o exercício dos direitos culturais e livre participação na vida cul-
tural é o direito de acesso à cultura. Mas, para garantir o livre acesso, é necessária a preservação
130
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de espaços e condições existentes, além da constituição de novos, que permitam a livre e plena
manifestação, criação e circulação dos bens culturais. Estes são de natureza material (e.g.: equi-
pamentos e financiamento) e imaterial (e.g.: conhecimento, viabilidade técnica ou possibilidade
jurídica), e necessariamente implicam na preservação e ampliação do espaço jurídico necessário
para que, de fato, seja assegurada a livre participação cultural, condição para o pleno exercício
dos direitos culturais. Impõe-se, portanto, a democratização das condições econômicas, jurídi-
cas e sociais para a livre prática cultural.
A ampla acessibilidade aos bens culturais corrobora, ainda, para permitir a livre constru-
ção das identidades, elemento de constituição da existência social da pessoa, caracterizando-se
os direitos culturais como um verdadeiro direito existencial social. Deste modo, o direito à
identidade integra corporifica-se como justificativa principal das garantias de livre participação
e pleno exercício destes direitos. O direito à identidade cultural é um importante elemento da
dignidade humana.
O direito a um patrimônio cultural rico, valorizado e protegido corrobora a noção de
participação cultural e justifica os investimentos públicos na sua conservação, promoção e os
incentivos à produção de bens que venham a integrar-lhe. Este direito é complementar ao direito
de acesso e seu contínuo robustecimento consubstancia a livre participação cultural, e, conse-
quentemente, o pleno exercício destes direitos.
A construção deste patrimônio coletivo deve obedecer à pluralidade e diversidade, tendo
por referência os vários grupos participantes da nação, e respeitar as várias formas brasileiras
de ser e se expressar. O acesso livre serve também para garantir a liberdade de participação nas
diversas manifestações culturais e o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.
A pluralidade é um elemento determinante dos direitos culturais. A convivência social e
o diálogo, em vista ao progressivo entendimento e mesmo integração, viabilizam e reforçam a
diversidade de formas de ser e se manifestar. Neste cenário, não há espaços para a exclusão. A
discriminação afeta diretamente o direito à pluralidade e diversidade, ofende frontalmente os di-
reitos culturais e atinge, também, o direito à identidade, na medida da rejeição à forma particular
de ser e viver. O direito à igualdade prepondera na rejeição e criminalização da discriminação,
mas é reforçado pelos direitos culturais ao pluralismo e à identidade.
E sendo o patrimônio constituído também pelas expressões artísticas e científicas e o
acesso a ponte para a participação na vida cultural e o efetivo exercício dos direitos culturais, não
parece razoável imaginar os direitos autorais separados dos direitos e fundamentação cultural –
nem nos aspectos pessoais, ou mesmo a proteção empresarial e até transmutação digital, com seus
novos objetos e interesses distintos, como nos alertou Ascensão (ASCENSÃO, 2006, passim).
O teor dos direitos culturais informa e fundamenta o conteúdo dos direitos autorais, e
influencia os direitos de liberdade de expressão e manifestação, comunicação e não discrimina-
131
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ção. Às vezes contrapõem-se, em outras se complementam. Ora reforçando, ora limitando, mas
sempre legitimando o exercício e as limitações destes direitos.
Em 2005, com a Emenda Constitucional 48, foi acrescido o parágrafo 3º ao artigo 215 da
Constituição Federal, estabelecendo a criação de um Plano Nacional de Cultura, com a finalida-
de de integrar as ações e políticas governamentais e visando o desenvolvimento cultural do país.
Em parte, o conteúdo do Plano Nacional de Cultura4 (PNC) foi o resultado das Con-
ferências Nacionais de Cultura ocorridas no decorrer da primeira década do século XXI. Foi
promulgado em dezembro de 2010, com o objetivo de direcionar as ações do Estado pelos 10
anos subsequentes, sendo o Ministério da Cultura a principal - mas não única - instituição res-
ponsável por transformar tais objetivos em ações. O PNC institui princípios5 e objetivos6 que
afetam diretamente a normatização dos direitos autorais, além de, dentre as estratégias e ações,
estabelecer diversas ações diretamente ligadas aos direitos autorais.
Quatro disposições do PNC são particularmente relevantes para os objetivos deste tra-
balho: 1.97; 1.9.48; 1.9.149; 1.9.1510. Este conjunto pode ser dividido em dois grandes comandos
normativos: (a) equilibrar os interesses entre a exclusividade atribuída aos titulares de direitos
autorais e o direito de acesso à cultura pelos cidadãos; (b) projetar os interesses nacionais nos
organismos internacionais e promover a revisão das regras internacionais a fim de reduzir as de-
sigualdades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A conclusão e ratificação do Tratado de Marraqueche alcançam, em conjunto, estes dois
objetivos, ao promover o equilíbrio entre os interesses econômicos privados dos titulares e o
público, sejam coletivos ou difusos, tanto nos planos nacional como internacional. E ainda pro-
move o acesso à cultura como direito fundamental, no caso como representação do princípio
da igualdade substancial. E o processo de internalização do Tratado de Marraqueche na ordem
jurídica nacional será esmiuçado logo a seguir.
4
BRASIL. Lei n. 12.343, de 02 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://www.
cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-8dc694fe777a Aces-
so em 10 fev. 2015.
5
Ibid. Art. 1º: Fica aprovado o Plano Nacional de Cultura, em conformidade com o § 3º do art. 215 da Constitui-
ção Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos e regido pelos seguintes princípios: I - liberdade de
expressão, criação e fruição; IV - direito de todos à arte e à cultura.
6
Ibid. Art. 2º: São objetivos do Plano Nacional de Cultura: V - universalizar o acesso à arte e à cultura.
7
Ibid. 1.9 Fortalecer a gestão pública dos direitos autorais, por meio da expansão e modernização dos órgãos
competentes e da promoção do equilíbrio entre o respeito a esses direitos e a ampliação do acesso à cultura.
8
Ibid. 1.9.4 Adequar a regulação dos direitos autorais, suas limitações e exceções, ao uso das novas tecnologias
de informação e comunicação.
9
Ibid. 1.9.14 Promover os interesses nacionais relativos à cultura nos organismos internacionais de governança
sobre o Sistema de Propriedade Intelectual e outros foros internacionais de negociação sobre o comércio de bens
e serviços.
10
Ibid. 1.9.15 Qualificar os debates sobre revisão e atualização das regras internacionais de propriedade inte-
lectual, com vistas em compensar as condições de desigualdade dos países em desenvolvimento em relação aos
países desenvolvidos.
132
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11
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
12
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repú-
blica: “VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
13
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
14
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 49: “É da competência exclusiva do Congresso
Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
15
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Cons-
tituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.
133
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no título II da Constituição para que possuam eficácia (CANOTILHO [et al.], 2013, pp. 513-
523). Deste modo, os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm
status materialmente constitucional independente de quórum, posto que, como são corolários da
própria à dignidade da pessoa humana, “em vista da sua importância, não podem ser deixados à
disponibilidade do legislador ordinário” (MENDES, 2012, p. 195).
Cabe afirmar, que, há poucos anos atrás, todos os tratados ratificados e internalizados no
ordenamento jurídico brasileiro estavam em mesmo grau hierárquico da legislação ordinária,
fazendo com que os tratados de direitos humanos não possuíssem primazia quando comparados à
legislação infraconstitucional16. O marco teórico para a mudança de paradigma foi o Recurso Ex-
traordinário 466.343 impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF) em 12 de março de 2008, de
relatoria do então Ministro Cezar Peluso e capitaneado pelos votos dos Ministros Gilmar Mendes
e Celso de Mello, que considerou, majoritariamente17, revertendo a jurisprudência anteriormente
estabelecida por este mesmo Tribunal, que os tratados e convenções internacionais ratificados
pelo Brasil antes da EC 45/04, que versam sobre direitos humanos, têm eficácia supralegal.
Cabe por bem ressaltar, que há quatro propostas teóricas divergentes acerca do status
dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico nacional. A primeira
reconhece a natureza supraconstitucional destes tratados, atribuindo-lhes valor hierárquico
acima da Constituição; a segunda proposição reconhece estes instrumentos como constitucio-
nais, independente dos procedimentos para sua ratificação; uma terceira proposta atribui-lhes
o caráter de lei ordinária; e, por fim, a posição que considera o status supralegal destes trata-
dos, que embora abaixo da Constituição encontram-se acima das normas infraconstitucionais.
Para resolver o conflito, que consistia em decidir com base em qual das teorias supra-
citadas o Pacto de San Jose da Costa Rica e demais Tratados de Direitos Humanos deveriam
ser internalizados no ordenamento jurídico pátrio, duas delas se sobressaíram: a proposta
de supralegalidade baseada no voto do Min. Gilmar Mendes, e a proposta de equivalência
constitucional, defendida no voto do Min. Celso de Mello. A primeira afirmando o caráter
hierárquico supralegal e a segunda o caráter constitucional. O STF, então, reconheceu que, por
versar sobre direitos e garantias fundamentais, este tratado (assim como os demais da mesma
16
Até então, a jurisprudência dominante previa que os tratados internacionais que fossem incorporados ao orde-
namento jurídico brasileiro continham o mesmo nível hierárquico das leis federais comuns. O caso paradigmático
foi o Recurso Extraordinário n. 80.004, julgado em 01 de junho de1977. Esta posição – de equivalência entre os
tratados internacionais em geral e as leis federais ordinárias - fora reiterada após o advento da Constituição de 1988,
na ADI nº 1.480-3-MC/DF de 18 de maio de 2001, de relatoria do Min. Celso de Mello. Disponível em: <www.stf.
jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
17
Em decisão apertada, por cinco votos a favor, quatro contrários e uma abstenção, a maioria decidiu votar pela su-
pralegalidade dos tratados que versam sobre direitos humanos, acompanharam o votos do Mininstro Gilmar Mendes
os Ministros: Carlos Ayres Britto; Carmén Lúcia; Menezes Direito e o Ricardo Lewandowski. Do outro lado, acom-
panhando o Ministro Celso de Mello, sustentaram a tese da qualificação constitucional destes tratados os Ministros:
Cesar Peluso; Ellen Gracie e Eros Grau. Votação disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
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18
O Ministro Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que os tratados não poderiam ser equiparados às emendas
enquanto não fossem aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, já o Ministro Celso
de Mello, no voto vencido, afirmava, que, devido ao fato do tratado versar sobre garantia de direitos humanos, este
deveria ser equiparado materialmente, em seu conteúdo, independente do quórum de votação, aos Direitos Funda-
mentais em decorrência do§ 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 466.343/SP. Tribunal Pleno. Relator: Min. Cezar
Peluso, Brasília, 12 de março de 2008, pg. 55. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
20
Ibid.
21
BRASIL. Decreto n. 678 de 1992. Ratifica o Pacto de San Jose da Costa Rica. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 13 fev. 2016.
22
BRASIL. Código Civil. Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir
quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.
23
BRASIL. Súmula 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 fev. 2016.
24
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5º LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
135
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No ano de 2008, o Brasil ratificou o Tratado da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência25, bem como seu protocolo facultativo, que re-
conhece o direito do indivíduo ou grupo de indivíduos apresentarem queixa ao Comitê dos
Direitos das Pessoas com Deficiência. Por versar sobre direitos humanos com aprovação de
três quintos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, conforme procedimento es-
tabelecido pela EC 45/04, este tratado foi internalizado com status de emenda constitucional,
sendo incorporado como cláusula pétrea, isto é, devido a sua importância no Estado Demo-
crático de Direito, limitam o legislador ordinário “assegurando a imutabilidade de certos va-
lores” (MENDES, 2012, p. 139), tendo por base legal o art. 60 § 4º26 da Constituição Federal
de 1988.
Relacionado ao Tratado de Marraqueche em razão de seu conteúdo, o Tratado da ONU
estabelece em seu artigo 30 a obrigação de garantir a disponibilidade de bens culturais em for-
matos acessíveis, e, nesse sentido, estabelece deveres que vão além das metas restritas do Tra-
tado de Marraqueche, uma vez que não se limita nem ao material impresso nem em benefício
unicamente das pessoas com deficiência visual, mas alcança, basicamente, pessoas portadoras
de qualquer deficiência e todos os tipos de expressões culturais.
Após a aprovação do Tratado da ONU, sua efetivação ocorreu com a promulgação de
lei federal para a ampla inclusão de pessoas com deficiência, que entrou em vigor a partir de 04
de janeiro de 2016, atingindo os domínios cultural e tecnológico. A Lei n. 13.146 27 estabelece,
em seu artigo 42, garantias com relação ao direito de acesso aos produtos culturais em formatos
acessíveis. E, ainda mais interessante, em seu parágrafo 1o, afirma que “é vedada a recusa de
oferta de obras intelectuais em formatos acessíveis às pessoas com deficiência, sob qualquer
argumento, incluindo a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual”.
Em 04 de novembro de 2014, logo após as eleições presidenciais, assegurando o se-
gundo mandato da Presidenta Dilma Roussef, foi enviado o texto do Tratado de Marraqueche
ao Congresso Nacional para apreciação. Na Câmara dos Deputados (513 assentos) o tratado
foi apresentado às Comissões de Relações Exteriores; Pessoas com deficiência; Cultura; e de
Constituição e Cidadania, onde recebeu recomendação de aprovação como Emenda Constitu-
cional. Na primeira das duas rodadas de votação, em 20 de Agosto, 2015, alcançou 341 votos
25
BRASIL. Decreto Federal nº 6.949. Ratifica o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm >. Acesso em:
13 fev. 2016.
26
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil. Art. 60: “A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de
Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias
individuais”.
27
BRASIL. Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13146.htm Acesso em: 13 fev. 2016.
136
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a favor e apenas um contra. Ele foi finalmente aprovado por unanimidade pelos 452 represen-
tantes em 08 de setembro, na segunda rodada de votação28. Uma vez no Senado (81) assentos,
foi enviado à Comissão de Relações Exteriores, cujo parecer foi aprovado. Em 24 de novem-
bro, 2015, o Tratado foi aprovado por unanimidade na primeira rodada por 57 senadores e por
52 no segundo turno29. Em primeiro de dezembro de 2015, o presidente assinou a ratificação
do Tratado, com o estatuto de Emenda Constitucional.
Este é um importante passo no respeito e na valorização da dignidade, liberdade e auto-
nomia individual, pois, intentando a máxima inclusão dos deficientes, acaba por forçar os entes
federativos a criar políticas públicas capazes de repreender a discriminação e fomentar um pro-
gresso social isonômico que permita, não de forma meramente formal, o pleno desenvolvimento
de todos.
28
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo na Câmara dos Deputados ver: http://www.
camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao;jsessionid=08E717E21A4E2AEEAFBD274F67703651.propo-
sicoesWeb1?idProposicao=1228455&ord=0 Acesso em 12 fev. 2015.
29
Para uma visão mais detalhada de todo o processo legislativo no Senado Federal ver: http://www25.senado.leg.
br/web/atividade/materias/-/materia/123103 Acesso em 12 fev. 2015.
30
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 964.404 – ES. Terceira Turma. Relator: Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino. Brasília, 15 de março de 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 10 fev. 2015.
137
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das limitações dos direitos autorais, firmando uma diretriz para a padronização da interpretação
da legislação federal, tendo sustentado sua decisão justamente na necessidade de harmonização
entre os direitos fundamentais constitucionais de proteção aos direitos autorais e os demais di-
reitos humanos, em especial os referentes à educação e cultura.
Reconheceu o tribunal que a interpretação de qualquer norma deve considerar o conjun-
to normativo e não as regras especificamente aplicadas e, neste sentido, indicou que o ministro
relator reconheceu que a efetividade da proteção do artigo em comento só seria possível após o
“reconhecimento das restrições e limitações a ela opostas pela própria lei especial”, pois
O âmbito efetivo de proteção do direito à propriedade autoral (art. 5º,
XXVII, da CF) surge somente após a consideração das restrições e li-
mitações a ele opostas, devendo ser consideradas, como tais, as resul-
tantes do rol exemplificativo extraído dos enunciados dos artigos 46,
47 e 48 da Lei 9.610⁄98, interpretadas e aplicadas de acordo com os
direitos fundamentais.
Deste modo, sobre as limitações aos direitos autorais – arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98
–, entendeu o Tribunal que essas possuem necessariamente caráter exemplificativo. Aduziu que
as limitações são representações da importância e da valorização de direitos e garantias funda-
mentais pelo legislador ordinário em face dos direitos autorais, pois, afinal, “valores como a cul-
tura, a ciência, a intimidade, a privacidade, a família, o desenvolvimento nacional, a liberdade
de imprensa, de religião e de culto devem ser considerados quando da conformação do direito à
propriedade autoral”.
Nesta perspectiva, as limitações são o “resultado da ponderação destes valores em de-
terminadas situações, não se pode considerá-las a totalidade das limitações existentes” e que
a adoção de entendimento contrário ao caráter exemplificativo das limitações aos direitos do
autor, conduziria, em determinados casos, à violação de direito ou garantia fundamental e “ao
desrespeito do dever de otimização dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º, da CF),
que vinculam não só o Poder Legislativo, mas também o Poder Judiciário”. Daí a
Necessidade de interpretação sistemática e teleológica do enunciado
normativo do art. 46 da Lei n. 9610⁄98 à luz das limitações estabelecidas
pela própria lei especial, assegurando a tutela de direitos fundamentais
e princípios constitucionais em colisão com os direitos do autor, como a
intimidade, a vida privada, a cultura, a educação e a religião.
O processo de inclusão cultural é um reflexo do direito à igualdade, sendo instrumento
promocional da cidadania e democracia cultural e sustentáculo da dignidade humana. A amplia-
ção e concretização do direito de acesso à cultura é o elemento chave para realização da desejada
inclusão cultural. Com a ratificação dos novos tratados, conforme exposto neste artigo, o direito
de acesso à cultura adquire um novo e renovado fôlego, demandando que as ações e políticas
públicas e legislativas se adequem e correspondam ao status qualificado deste Direito.
138
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Uma das formas de assegurar a efetividade do acesso à cultura é pela expansão das
limitações aos direitos autorais que, como visto, é resultado da ponderação entre os direitos
fundamentais em potencial colisão. As limitações são utilizações legais de obras protegidas que
não precisam de remuneração nem autorização prévia dos titulares. No sentido de otimização do
direito de acesso à cultura são exigidas ações de todos os poderes, pois os deveres te otimização
obrigam os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Aos poderes executivos, em especial o federal, cabe a liderança na efetiva aplicação e
perseguição dos objetivos e ações previstos no Plano Nacional de Cultura, mormente (1) a ex-
pansão das limitações com vistas ao equilíbrio entre os interesses privados dos autores e titula-
res; (2) a ampla digitalização e disponibilização do domínio público; (3) a inclusão de licenças
abertas nas produções financiadas pelo Poder Público; (4) a exigência de disponibilidade de
formatos acessíveis. Ao Poder Legislativo cabe principalmente emendar a legislação pertinente
de forma a assegurar a objetivação legislativa do direito de acesso à cultura, com a ampliação
das limitações e, principalmente, inclusão de uma cláusula geral de limitações, tão necessária à
sustentabilidade do próprio sistema de proteção aos direitos autorais.
Por fim, cabe ao Judiciário promover uma interpretação consistente com a necessária
ponderação entre a exclusividade autoral e o acesso à cultura, reafirmando a jurisprudência
encampada pelo STJ e STF, consolidando a interpretação sistemática e teleológica das limita-
ções e, com isso, solidificando o entendimento de que estas limitações hão de ser interpretadas
extensivamente e os usos livres expressos na legislação são apenas exemplos de usos livres, e
não a totalidade deles.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da internet na sociedade de informação. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito Intelectual em Metamorfose. In Revista de Direito Autoral, ano
II, n. 4. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
ASCENSÃO, José Oliveira. Direito do Autor como Direito da Cultura. In Cadernos de Pós-graduação,
ano I, n.1, set., 1995, pp. 57-66. Rio de Janeiro: UERJ, 1995.
BRASIL. Decreto Federal nº 6.049. Ratifica o Tratado da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.
htm >. Acesso em: 13 fev. 2016.
BRASIL. Lei n. 12.343, de 02 de dezembro de 2010. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://
www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/Lei+12.343++PNC.pdf/e9882c97-f62a-40de-bc74-
8dc694fe777a Acesso em 10 fev. 2015.
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RESUMO: O texto pretende trazer novos elementos para os debates e reflexões acerca do
desenvolvimento das cidades e suas influências na produção e fruição cultural nos setores mais
populares da sociedade, a partir de algumas inflexões a respeito dos formatos da gestão cultural
aplicada em espaços ligados ao samba, na Cidade do Rio de Janeiro. A observação realizada no
Centro Cultural Cartola – Museu do Samba confirma a importância da Educação Patrimonial
para o exercício dos direitos culturais e ressalta os resultados positivos conseguidos junto aos
jovens da Mangueira e bairros vizinhos, através de um modelo de gestão cultural contemporânea.
1
FUNARTE, 21 999482770/ 999482788, alvarosamba@gmail.com
141
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num excelente material para evidenciar as influências e a pressão do crescimento urbano sobre
os espaços pulares de cultura nas cidades.
Outro ponto que podemos destacar é a constatação de que há pouco material que abor-
de a questão da ancestralidade, tão presente nas ações culturais nesses territórios. O processo
histórico do surgimento e evolução do samba carioca e suas primeiras contribuições ao campo
social, segundo alguns estudiosos, influenciam o presente processo, pois, a memória social se
constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por
estruturas sociais e sua construção implica na referência ao que não foi presenciado.
Se a sociedade atual traz as marcas das estruturas sociais que lhe antecederam e se estas
marcas são potencialmente suportes da memória, então é também pela seleção, pela análise e
pela interpretação destes suportes que serão construídas a memória, sendo que a construção
desta sempre envolve esquecimento.
Por uma série de fatores algumas manifestações culturais relevantes para o meio são
transmitida e passadas; selecionadas por um processo social natural (ou incentivado em alguns
casos); já outras são esquecidas, apagadas pelo próprio processo e fluxo da vida em constante
transformação. Portanto, devido a sua continuidade por um logo tempo, pode-se afirmar a im-
portância do samba para essas comunidades.
A extinção de algumas agremiações carnavalescas e a criação de outras, faz parte de um
processo contínuo e aberto, onde a memória coletiva nesses grupos, construída socialmente,
representa um conjunto de ações internas e que se fortalecem quando contribuem para a preser-
vação do samba e de sua própria cultura.
Nas pesquisas de campo pode-se observar que a recuperação e a preservação da memória
do samba depende da ação de agentes culturais que adquiriram reconhecimento junto à popula-
ção de sambistas tradicionais, ao longo do tempo, e que hoje se desdobram em empreendedores,
gestores e amantes do samba, simultaneamente. Inicialmente o samba não é um produto e sim
uma cultura.
O processo de fortalecimento da identidade dessas coletividades nos revela, no entanto,
certo grau de conflito e de disputa interna por hegemonia política, que é determinante para a
definição e organização do processo decisório. Neste caso, os produtores culturais concorrem
com os mais velhos, o melhor ritmista, o cantor preferido, as matriarcas e uma série de outros
formadores de opinião que participam ativamente das rodas de samba: músicos, compositores,
cantores, ex-diretores de agremiações, cozinheiras e outros agentes culturais reconhecidos no
bairro, que aos poucos ganharam notoriedade local.
A observação de que uma manifestação cultural se transforma e adquire características
do grupo que a sustenta, caminha ao lado do fato de que essa manifestação cultural pode ser a
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mesma, mas a forma de fruição e relação afetiva dos seus frequentadores depende da ligação
histórica com a vida do individuo participante.
É necessário um olhar mais técnico para avaliar as relações existentes entre os espaços
culturais e a manutenção de suas atividades e a ação, ou omissão, da esfera pública. É surpreen-
dente como tais movimentos, envolvendo grande número de pessoas, acontecem numa cidade
como o Rio de Janeiro e muitas vezes não são percebidos.
Há uma interdependência entre o sucesso ou insucesso de eventos com as características
de uma roda de samba e os serviços oferecidos pelo município; transporte, segurança, iluminação,
banheiros públicos, etc. até água e energia elétrica, que estão ligadas à sociedade como um todo,
mas que, em certos casos são determinantes para manutenção desta ou daquela ação cultural.
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a vida e obra de um grande mestre, morador da Mangueira, poeta sofisticado e um dos maiores
ícones da música popular brasileira, o CCC consegue atrair jovens da comunidade para as diver-
sas atividades voltadas à capacitação profissional e artística.
O mestre mangueirense se torna, assim, um exemplo a ser seguido pelas crianças e pelos
jovens ansiosos por um lugar ao sol, que têm no Centro Cultural Cartola uma fonte de aprendi-
zado, de experiência e de incremento de suas capacidades. A preservação da memória de Cartola
e de seu legado cultural requer uma participação ativa da instituição junto à comunidade. A mera
disponibilização de sua produção musical não bastaria para traduzir a importância social deste
ícone da música popular, deste cidadão que, apesar de todas as dificuldades encontradas em seu
caminho, conseguiu imprimir seu nome entre os mais importantes artistas brasileiros.
Desta forma, além da criação de um espaço destinado à exposição e à divulgação da pro-
dução cultural do Cartola, o Centro Cultural se dedica à educação musical e artística de crianças,
jovens, adultos e idosos, em projetos sociais de grande abrangência. Valorizar a cidadania, a
liberdade, a participação na sociedade, a assistência social, o trabalho voluntário, o aprendizado
musical e a cultura brasileira, são as metas do Centro Cultural Cartola, que teve como primei-
ra presidenta de honra a companheira de nosso Mestre, a incansável Dona Zica, cuja história
de luta e sucesso é de todos conhecida. O Centro Cultural Cartola acredita na força da cultura
brasileira, na vontade de crescer de nosso povo e na efetiva possibilidade da inclusão social.
Dedica-se, assim, à mais nobre das missões: transformar em realidade um ideal.
Situado à Rua Visconde de Niterói, 1296 - Mangueira/RJ, o Centro Cultural Cartola se
tornou uma referência nacional em termo de gestão e aproveitamento de espaços ociosos para a
cultura. Situada numa área pobre, passou a se dedicar à inserção social da juventude local pela
arte, educação, construção da cidadania, valorização da cultura e preparação profissional com
vista ao resgate da dignidade humana. Pode ser considerado um modelo de excelência no en-
frentamento ao risco de perda de memória imposto pelo crescimento urbano.
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Em 2011, o CCC foi reconhecido como Museu do Samba do Rio de Janeiro e em 2012
começa suas atividades musicais. A área onde funciona possui sete mil metros quadrados e
pertence ao IBGE.
A missão do Museu do Samba é desenvolver ações de resgate, preservação e difusão dos
conhecimentos relativos às matrizes do samba no Rio de Janeiro bens registrados como patrimô-
nio cultural brasileiro, dar suporte ao ensino, pesquisa e extensão e promover a reflexão crítica
da realidade histórica, tendo como referência as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial
brasileiro. ( site oficial da instituição).
Em 2013 a exposição itinerante “Para Não Perder a Memória – D. Zica 100 Anos” foi
um marco na gestão cultural do CCC. O projeto foi uma homenagem a Dona Zica da Mangueira,
esposa de Cartola, que nasceu em 06 de fevereiro de 1913 num domingo de Carnaval. Através
dele a educação patrimonial consagra o Museu do Samba Carioca, que contou com patrocínio da
Petrobras e apoio da Secretaria de Estado de Janeiro. Um grande sucesso de público e crítica. As
parcerias com as instituições de ensino e a divulgação de suas atividades nos sites que integram
o circuito do samba fazem do espaço expositivo um grande sucesso.
Há exposições que recebem mais de cinco mil alunos, com idade entre 9 e 17 anos da
rede pública e privada de ensino. No projeto Memória das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro,
por exemplo, as escolas que formaram a parceria foram: Escola Municipal Nilo Peçanha, CIEP
Nação Mangueirense, Escola Municipal Gonzaga da Gama Filho, FAETEC – Adolpho Bloch,
Escola Municipal Uruguai, Escola Municipal Marechal Trompowsky, Escola Municipal Cardeal
Leme e finalizando com Escola Tia Neuma.
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dada por Nilcemar Nogueira, a neta de Cartola, uma visão diferenciada das muitas instituições
do mundo do samba.
O uso do termo Patrimônio como herança social aparece na França pós-Revolucionária,
quando Estado decide tutelar e proteger as antiguidades nacionais com valor e significado atri-
buídos como importantes para a história da nação. Patrimônio Histórico passa desde então a ser
“o conjunto de bens entendidos como herança do povo de uma nação”. Essa definição já incluía
“não apenas os bens imóveis, mas também os bens móveis, tais como acervos de museus e docu-
mentos textuais” (TEIXEIRA et alli, 2004, p. 02).
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educa-
cional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conheci-
mento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto
com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial
busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para
um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção
de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.
(HORTA; 1999, p. 06).
Seria um equívoco dessa pesquisa a não apresentação de um pequeno histórico sobre a
Educação Patrimonial, já que o mais se vê no CCC é a prática da abordagem educacional no tra-
to com as noções e práticas patrimoniais, com participação de jovens da comunidade do Morro
da Mangueira e das escolas dos bairros vizinhos.
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de recursos. Outra parceria fundamental foi fechada com a Fundação Roberto Marinho, que
se dedica a contribuir para que a estrutura física do prédio seja equiparada às instalações dos
grandes museus do Rio de Janeiro.
A sustentabilidade das instituições culturais se constitui num grande desafio. A principal
fonte de recursos advém de convênios com órgãos públicos que obrigam a equipe administra-
tiva a cumprir toda aquela burocracia exigida pelo setor público, que muitas vezes acabam por
limitar algumas ações consideradas prioritárias. A nova gestão do Centro Cultural Cartola, com
Nilcemar, passou a buscar a ampliação do diálogo com o poder público e com as organizações
representativas, a diversificar as fontes de patrocínio, o acompanhamento de editais públicos nas
diversas esferas de governo, dar visibilidade as lideranças locais, garantir a execução do plano
de educação patrimonial.
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social oscila constantemente e indica o grau de satisfação ou insatisfação referente aos serviços
prestados, o que em muitos casos será usado como divisor de águas no processo decisório.
O conceitos que se relacionam com a Cidadania Cultural estão vinculados aos conceitos
de patrimônio cultural, acesso à produção e à fruição cultural, igualdade de oportunidade, acesso
às informações em todas as fases dos processos produtivos.
A Gestão Transformadora, com foco na Educação Patrimonial, requer o conhecimento
profundo dos limites entre o público e o privado e deve estar atenta tanto às questões de pre-
servação das tradições, quanto aberta às novas experiências. Não se transforma uma realidade
local de um momento para outro. É um processo longo, com avanços e recuos, que vai depender
do grau de conscientização em cada fase do processo de transformação. Será preciso, além de
tudo, lidar com as resistências à mudança, no seus patamares mais amplos, envolvendo aspectos
sociais, antropológicos e culturais, dentro e fora do Território.
Por fim, ela dever orientar que a descoberta dos potenciais talentos artísticos e intelec-
tuais dentre os membros das comunidades deve ser tratada como um resultado esperado nesse
caminho transformador, ou seja, quase uma premissa.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações decorrentes do crescimento urbano e suas movimentações transformadoras
geram, muitas vezes, a distorção do carácter público do espaço urbano e passa a servir à explo-
ração econômica e financeira, em detrimento da construção de locais de convivência coletiva
e pública. Minhas observações se concentraram nas experiências exitosas que representam a
retomada e manutenção de locais públicos como lugar de encontros, políticas, trocas, convívio
e realização coletiva, que possibilitem o fortalecimento das ações culturais.
A presente pesquisa tentou reunir ações e atores que trabalham para intensificar a dimensão
empresarial nos espaços do samba e da cultura como um todo, através de uma gestão cultural con-
temporânea que age de forma cuidadosa e preocupada com a recuperação e/ou preservação dos tra-
ços culturais. No entanto temos que ter a noção de que tais iniciativas são ainda bastante reduzidas
em relação ao grande universo das manifestações culturais em todo país. É comum encontrarmos
nos espaços populares de cultura formas inadequadas e descontínuas de gestão cultural.
As observações aqui realizadas foram amparadas por reflexões acadêmicas que envol-
vem campos diversos, tais quais antropologia, sociologia, história, arquitetura e urbanismo. Po-
demos concluir que as ações culturais ligadas ao samba conecta diretamente a manifestação de
cultura e arte à dimensão social do território e sugere um grau de relação entre os agentes que
atuam nos espaços, ao mesmo tempo de afetividade e responsabilidade.
O conceito ampliado de patrimônio cultural consolidado na Constituição Federal de
1988, influenciado pelas convenções internacionais, consagra a noção de bens imateriais, com-
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preendidos pelas manifestações culturais e suas diversas formas de expressão; como componen-
te do Patrimônio Cultural Brasileiro. Mais do que isso, nossa Constituição prevê a participação
da comunidade na proteção do patrimônio cultural, principalmente através de dois novos instru-
mentos jurídicos: o inventário e o registro.
Todavia, sabemos que a Constituição não é capaz de implementar sozinha uma política
cultural democrática e inclusiva. Tal construção só será alcançada a partir de uma ruptura com as
bases ideológicas que influenciam o pensamento conservador do Estado. O discurso dominante
ainda é segregacionista e dicotômico. Separa cultura popular de cultura erudita, não valoriza a
subjetividade, a dinamicidade e a espontaneidade do processo cultural de todo e qualquer grupo
social. Trata processos e bens culturais como produtos e lida com a cultura como instrumento,
ora eleitoral, ora para promoção midiática de suas ações; dentre outras posturas incompatíveis
com a visão contemporânea de patrimônio cultural.
Modelos de gestão como o observado no Centro Cultural Cartola - Museu do Samba po-
dem ser difundidos como exemplos positivos de uma gestão cultural transformadora, que intro-
duziu a busca constante por cidadania num espaço de samba. Espaço este que alcançou o status
de museu com e consegue manter um excelente grau de convivência, lazer, formação, fruição
artística e preservação. Que democratizou o conceito de Educação Patrimonial e, mesmo diante
das dificuldades e problemas aqui expostos, nos apresenta caminhos e tecnologia para um tempo
mais promissor para a gestão cultural voltada para os espaços populares.
A experiência de Nilcemar, à frente do Centro Cultural Cartola, vem confirmar que a rup-
tura paradigmática, esperada no campo ideológico para a efetivação das políticas culturais mais
democráticas, deve ser acompanhada por novos modelos de gestão cultural contemporânea, que
além visar alcançar a sustentabilidade deverá saber bem dimensionar o seu papel social.
Enfim, novos caminhos promissores começam a ser desenhados, pois, uma vez compro-
vada a sua eficiência, haverá a necessidade de um grande esforço por parte dos grupos sociais,
políticos e acadêmicos para que esses novos formatos de gestão cultural sejam mais pesquisa-
dos, aperfeiçoados e propagados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Cartas de Trabalho: correspondência com Rodrigo Melo Franco de Andrade
(1936-1945). (Introdução e Notas – Lelia Frota) Brasília, MEC\SPHAN\FNPM,1981.
ARAÚJO, Hiram - Carnaval: seis milénios de história. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
As Metas do Plano Nacional de Cultura: Ministério da Cultura, junho de 2012.
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1. INTRODUÇÃO
O Programa de Cultura do Trabalhador, conhecido como Vale Cultura, foi estabelecido
pela meta 26 do Plano Nacional de Cultura (PNC) do Brasil e visa garantir o exercício dos
direitos culturais aos trabalhadores e ao mesmo tempo incentivar a cadeia produtiva da cultura
(BRASIL, 2013a, p. 79). Instituído pela Lei Federal nº 12.761 de 27 de dezembro de 2012,
o programa está em implementação em todos os estados brasileiros. Suas metas são alcançar
até o ano de 2020 a distribuição de 12 milhões de cartões Vale Cultura aos trabalhadores, com
renda entre 1 e 5 salários mínimos. (BRASIL, 2012b).
1
Relações Públicas e Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Itajaí/SC (2015) vin-
culada à Uniasselvi – Assevim (Centro Universitário Leonardo da Vinci e Associação Educacional do Vale do Itajaí
Mirim) como Professora do Curso de Publicidade e Propaganda; email: anaclarafmarques@gmail.com .
2
Filosofa, Mestre em Educação e Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (2008). Professora Pes-
quisadora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí;
email: gloria.dittrich@univali.br .
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O IBGE estima que a população itajaiense, em 2015, seja de 205.271 pessoas. A eco-
nomia do município de Itajaí é baseada no setor de serviços, com foco principal na atividade
portuária, da qual deriva às atividades de comércio exterior, logística, construção naval, pes-
ca e comércio local. Os dados mais recentes sobre o PIB são de 2012 e nesse ano era de R$
19.754.199.000,00. De acordo com o censo de 2010 o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) era de 0,795, o 13º maior entre os 293 municípios de Santa Catarina. No
mesmo ano, 87,8% da população economicamente ativa tinha renda de até 5 salários mínimos
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Este é o público alvo
do Programa de Cultura do Trabalhador, demonstrando que, em termos salariais, a maioria da
população trabalhadora de Itajaí tem potencial para receber o cartão Vale Cultura, caso se ade-
quem às demais normativas do programa.
O Plano Municipal de Cultura de Itajaí - PMC (ITAJAÍ, 2013) demonstra que a estrutu-
ra de gestão da cultura no município é composta pela Fundação Cultural de Itajaí (responsável
por fomento, difusão e acesso) e a Fundação Genésio Miranda Lins (patrimônio e memória). O
financiamento à cultura se dá por meio de editais, da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e de
convênios/parcerias. A participação popular acontece por meio do Conselho Municipal de Políti-
cas Culturais com a inclusão de todos os segmentos artísticos organizados por câmaras setoriais.
A produção simbólica existe em todos os segmentos artísticos, entretanto, pela avalia-
ção da programação do Teatro Municipal, percebe-se uma predominância de apresentações nos
segmentos de dança, música e teatro (MARQUES, 2013). As artes visuais, produção audio-
visual e literatura também contam com artistas atuantes. O Plano Municipal de Cultura alerta
para a necessidade de preservação das tradições culturais como Boi de Mamão e Terno de Reis
(ITAJAÍ, 2013).
A produção é embasada por centros de formação artística como o Conservatório de Mú-
sica Popular e pela formação universitária em música, artes visuais, letras, produção audiovisual
e fotografia. No município não existe curso universitário de artes cênicas (teatro e dança), ape-
nas cursos dos grupos profissionais locais.
Diante disso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados da pesquisa sobre o Pro-
cesso de Implementação do Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura), no município
de Itajaí, com dois focos principais, a saber: 1) Identificar o nível de implantação e a abrangência
da rede credenciada de empresas recebedoras do cartão Vale Cultura em Itajaí; 2) Compreen-
der a percepção dos trabalhadores itajaienses sobre o processo de implantação do Programa de
Cultura do Trabalhador, no município. O artigo apresenta primeiro o conceito de cultura que
embasa e o contexto de elaboração do Plano Nacional de Cultura. Em seguida apresenta-se a
metodologia utilizada, o delineamento geral do Programa de Cultura do Trabalhador e os re-
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sultados apontando a visão de trabalhadores sobre o Vale Cultura em Itajaí. Finaliza-se com as
considerações finais.
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Com efeito, a cultura, em sua dimensão econômica, é vista no PNC como um dos pilares
para o desenvolvimento econômico local e regional, pelo apoio financeiro à preservação e pro-
dução de expressões culturais únicas de cada localidade, definindo territórios criativos (BRA-
SIL, 2013a, p. 16-18). Este conceito ampliado de cultura que abarca o ser humano criativo,
cidadão e trabalhador, dentro do seu contexto histórico e social, decorre de um longo processo
de reflexão sobre cultura e políticas públicas.
Na concepção de Rubim (2007, p. 151) para que uma política seja denominada de ‘po-
lítica pública’ é necessário que seja “submetida ao debate e crivo público” em sua elaboração
e monitoramento, enfatizando assim, a importância da participação social, não apenas como
beneficiária, mas como agente de transformação da sociedade.
Coelho (1997, p. 292) define política cultural como: “programa de intervenções realiza-
das pelo Estado, com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover
o desenvolvimento de suas representações simbólicas”.
O Plano Nacional de Cultura foi elaborado em um extenso processo de participação
social. Entre 2003 e 2010 ocorreram diversos momentos de pactuação, como: seminários para
discussão e diagnóstico da cultura nacional, a instalação de câmaras setoriais por segmento
artístico, a 1ª e 2ª Conferências Nacionais de Cultura, a criação do Conselho Nacional de
Políticas Culturais e a aprovação da emenda constitucional EC nº48/2005, que acrescentou o
parágrafo 3º no artigo 215, criando o Plano Nacional de Cultura (PNC) (BRASIL, 2012a, p. 57
e 87). Este foi detalhado e instituído pela Lei nº 12.343 de 2 de dezembro de 2010 (BRASIL,
2010). A partir desse momento o Ministério da Cultura (MinC) passou a elaborar as metas para
alcançar os objetivos nele determinados. O Programa de Cultura do Trabalhador é a meta nº 26
(BRASIL, 2013a).
3. A METODOLOGIA
A pesquisa foi exploratória, qualiquantitativa, o embasamento teórico para a discussão
dos conceitos centrais da pesquisa sustenta-se na abordagem fenomenológica com foco na her-
menêutica. A fenomenologia é o estudo das essências, é uma filosofia que compreende o homem
e o mundo a partir da sua facticidade. Trata-se de descrever e não explicar, nem de analisar
(MERLEAU-PONTY, 1999). A compreensão sobre os dados ocorreu desde a hermenêutica fe-
nomenológica, sustentada pelo referencial teórico e percepções sobre os dados levantados na
pesquisa bibliográfica e documental, bem como, pelos dados obtidos nas entrevistas realizadas
junto às empresas, durante a realização dos objetivos. Segundo Dittrich (2008, p. 63), herme-
nêutica é “uma maneira de entender e expressar a percepção sobre os dados da investigação te-
órico-prática, de forma qualitativa. A hermenêutica nasce da busca de respostas do pesquisador
para seus questionamentos”.
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A partir do exposto pelos autores acima, a compreensão dos dados da pesquisa se desen-
volveu da seguinte forma: Indutivamente foi feita a descrição dos dados coletados na realidade
pesquisada junto às empresas itajaienses e na pesquisa documental.
A coleta de dados deu-se pela avaliação de documentos legais e alterações normativas
ocorridas desde o lançamento do Programa de Cultura do Trabalhador até o presente. As fontes
de informação (de acesso público) foram o site do Ministério da Cultura/Vale Cultura (BRASIL,
2015b), o site de cadastramento do Vale Cultura (BRASIL, 2015a) e a Secretaria de Fomento e
Incentivo à Cultura (SEFIC), além dos sites das empresas operadoras do Vale Cultura.
O público alvo foi composto por oito empresas de Itajaí, que representam diferentes
áreas de produção no município e que atuam no regime tributário de lucro real3. Em cada em-
presa foram entrevistados três trabalhadores, com renda até 5 salários mínimos, por empresa. Os
critérios de inclusão implicaram na escolha de empresas com tributação por lucro real. Isso se
deve ao fato deste tipo de organização ser o único que tem benefícios de isenção fiscal ao aderir
ao Programa de Cultura do Trabalhador (Vale Cultura).
Responderam à pesquisa os três primeiros funcionários, com renda entre 1 e 5 salários
mínimos, que se voluntariaram a participar, em cada empresa num total de 24 pessoas. Foram
ouvidos também três gestores em cada empresa (diretor, contador e RH), as respostas destas
categorias serão descritas apenas quando auxiliarem na compreensão da percepção dos funcio-
nários sobre a política em estudo e foco deste artigo.
Os critérios de exclusão implicaram empresas optantes por regime tributário diverso do
lucro real. Excluíram-se também todos os trabalhadores com renda maior de 5 salários mínimos
e, na faixa de 1 a 5 salários mínimos, todos que não foram os três primeiros a se voluntariar para
participar da pesquisa. Tudo isso para manter a coerência com as normativas do Programa de
Cultura do Trabalhador.
A identificação das empresas participantes se fez por meio de consulta direta à Secretaria
Municipal da Fazenda, bem como a empresas de contabilidade do município, aos sites da Re-
ceita Federal e Ministério da Cultura. Como instrumentos de coleta de dados, se utilizou ques-
tionário elaborado com perguntas diretivas e não diretivas, qualitativas e quantitativas. A forma
de aplicação do questionário foi por entrevista individual, em que ambos, o (a) entrevistado(a) e
a pesquisadora, possuíam uma cópia do questionário. Este foi lido pela pesquisadora e respon-
dido verbalmente e por escrito pelo(a) entrevistado(a). As respostas verbais foram gravadas. As
perguntas elaboradas para os participantes visavam identificar a percepção dos mesmos sobre o
delineamento desta política, suas vantagens e desvantagens para as empresas e seus funcioná-
3
É a base de cálculo do imposto sobre a renda apurada segundo registros contábeis e fiscais efetuados sistemati-
camente de acordo com as leis comerciais e fiscais (BRASIL, [201-]).
156
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rios, bem como, fatores relevantes para sua implementação e a percepção de viabilidade ou não
da adesão das empresas ao Programa de Cultura do Trabalhador.
As identidades dos entrevistados e das empresas foram nominadas de forma alfanumé-
rica. Os participantes Funcionários foram identificados da seguinte forma: letra ‘F’ para funcio-
nário, seguido do número da empresa e da ordem de entrevista, então, F.4.1 era o participante
Funcionário da empresa 4, primeiro entrevistado.
O local de realização da pesquisa foi o município de Itajaí. As empresas foram conta-
tadas por telefone para identificar o nome e email dos responsáveis a serem entrevistados. Em
seguida, por email, foi introduzida a explicação da pesquisa quanto ao seu tema, objetivos e
benefícios aos possíveis participantes, visando agendar uma data para a entrevista, que se re-
alizou no local da empresa. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNI-
VALI mediante o parecer nº1.173.796. Antes do início da entrevista foi apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido ao participante e coletada a assinatura do Consentimento de
Participação do Sujeito.
4
Mais detalhes sobre as normativas deste programa podem ser encontrados nas referências bibliográficas BRA-
SIL, 2010 até BRASIL, 2015b.
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recebem o cartão Vale Cultura. De acordo com seu próprio site, o Banco do Brasil tem mais de 5
mil agências no país. Sendo operadora de si própria, a taxa de administração do cartão Vale Cul-
tura tende a ser a menor permitida por lei, que é 0%. Os recursos assim investidos retornarão de
duas formas, a saber: por um lado, estes gastos entram como despesa operacional, diminuem o
lucro líquido e tem direito à isenção de 1% do imposto de renda devido, por ser optante do lucro
real. Por outro lado, a distribuição do cartão Vale Cultura torna-se uma nova fonte de receita ao
atuar como operadora, com direito a cobrar taxa administrativa das empresas recebedoras cre-
denciadas. Então se observa que, para o setor bancário, o Programa de Cultura do Trabalhador
parece muito mais vantajoso do que para empresas de outros segmentos.
Quatro das cinco empresas recebedoras credenciadas em Itajaí e Balneário Camboriú
cadastraram as redes de cinemas que atuam nas duas cidades, bem como, a rede de livrarias, que
atua nos estados da região sul do Brasil. Esta rede credenciada é formada principalmente por
empresas do segmento do comércio de livrarias e papelarias. No caso de empresas recebedoras,
que formam redes regionais ou nacionais, elas são ao mesmo tempo beneficiárias por distribuir
o cartão Vale Cultura aos seus funcionários e recebedoras por comercializarem produtos cultu-
rais. De modo que uma parte dos recursos investidos no fornecimento deste benefício retornará
com a comercialização de seus produtos aos próprios funcionários. Sendo empresas de grande
porte, tendem a ser tributadas com base no lucro real e, portanto, teriam direito à isenção de 1%
no imposto de renda devido. A rede de recebedoras credenciadas abrange os seguintes produtos
e serviços culturais: instrumentos musicais; espetáculo musical; ingressos pela internet; jornal;
cinema; equipamentos; livros; revista; cursos e artesanato. Das 44 credenciadas, 37 são do seg-
mento de comércio e sete são do segmento de serviços (cinemas e cursos).
Itajaí tem historicamente grande produção cultural nos segmentos do teatro, música e
dança, com muitos artistas e grupos constituídos em pessoas jurídicas, por meio de empresas
ou associações (MARQUES, 2013). Mas essa produção local não está representada na rede de
credenciadas do Vale Cultura. Portanto, as opções de desenvolvimento da autonomia cultural
pela utilização deste cartão são bastante restritas. Enquanto as opções de acesso à cultura forem
limitadas por redes credenciadas tão pequenas, dificilmente as empresas se sentirão estimuladas
a aderirem ao Programa de Cultura do Trabalhador e beneficiar seus funcionários com o cartão
Vale Cultura. A razão disso é que sem uma ampla opção de consumo cultural, o acesso à cultura
permanece reduzido, a ampliação da qualidade de vida do trabalhador advinda desse acesso
também. Consequentemente diminuem as chances de melhoria no desempenho do trabalhador
derivado desse benefício. Deste ponto de vista, o custo econômico do investimento torna-se
prioritário para o empresário e a adesão ao Vale Cultura desvantajosa.
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ra do Trabalhador não seria sentida como um benefício, pois os funcionários não se interessam
por cultura.
O Vale Cultura é visto como uma fonte de recursos (salário indireto) que possibilita o
acesso à cultura estimula o hábito de consumo cultural, a ampliação dos conhecimentos, a for-
mação de público. O valor de desconto foi considerado pequeno em relação ao depósito mensal
no cartão. Ao justificar o interesse pelo cartão Vale Cultura, os entrevistados citaram vários usos
em segmentos artísticos, como: cinema, teatro, livros, shows, instrumentos artísticos, revistas,
CDs e artesanato, festivais de dança e visitação a museus. Diante dessa manifestação tão diversa
de interesse de consumo cultural, cabe questionar por que as empresas operadoras que estão atu-
antes no município de Itajaí ainda não tem uma rede credenciada capaz de suprir estes produtos
e serviços culturais.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de Cultura do Trabalhador é uma política pública de cultura executada do
governo federal diretamente para o cidadão, sem a intermediação de níveis estaduais e munici-
pais de gestão pública.
A importância de sua implantação no município de Itajaí é justamente o potencial desta
política que visa universalizar o acesso à cultura, estimular o financiamento direto da cultura
local, regional e nacional pela ampliação do mercado consumidor de cultura e injeção mensal de
recursos. Além disso, é importante também pelo estímulo à autonomia de consumo cultural, e,
a consequente preservação do patrimônio dos segmentos artísticos escolhidos para serem con-
sumidos, por serem significativos dentro do contexto sociocultural e por integrarem a percepção
de qualidade de vida dos trabalhadores itajaienses.
Quanto à implantação e a abrangência da rede credenciada de empresas recebedoras do
cartão Vale Cultura em Itajaí, constata-se que apenas cinco empresas operadoras atuam no muni-
cípio e formam uma rede muito pequena, com prevalência de cadastramento de conglomerados
de cinemas e livrarias. Até o momento, em Itajaí não foram cadastradas as pessoas jurídicas que
representam os artistas locais ou regionais nos diversos segmentos artísticos. De modo que os
frutos da criação artística local estão sendo preteridos em relação aos produtos da indústria cultu-
ral nacional. Portanto, não está ocorrendo o estímulo à cadeia econômica da cultura a nível local.
No âmbito nacional, até o momento não há divulgação, no site do Vale Cultura, dos resultados
alcançados em termos de estímulo à cadeia econômica da cultura, geração de emprego e renda
e ampliação do consumo cultural pelos trabalhadores. Observa-se aqui também que a diminuta
rede credenciada, em Itajaí, limita as possibilidades de desenvolvimento da autonomia de consu-
mo cultural pelos trabalhadores. De modo que desestimula a adesão dos empresários itajaienses
ao programa, pois os custos para a empresa superam os benefícios práticos aos trabalhadores.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943;
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MATURANA, H. A ontologia da realidade. Organizadores Cristina Magro, Mirian Graciano e Nelson
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RESUMO: O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise da elaboração dos dois
Quadros Lógicos presentes nas avaliações do Programa Cultura Viva feitas pelo IPEA (Instituto
de Pesquisa Econômica e Aplicada), no caso, “Cultura Viva – avaliação do programa arte
educação e cidadania” (2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o
Programa Cultura Viva” (2014) em dois tempos distintos de implementação do programa. Para
isso será utilizada bibliografia sobre avaliação de políticas públicas (Ala-Harja e Helgason e
Januzzi) e bibliografia específica sobre política cultural e cultura viva (Turino, Calabre e Farah
e Medeiros).
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise das duas avaliações realizadas
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) sobre o Programa Cultura Viva (PVC),
do Ministério da Cultura (Minc). As avaliações foram realizadas em períodos diferentes e com
objetivos diferentes, no entanto um elemento em comum aparece em ambas as avaliações: a
elaboração de um Quadro Lógico. Na primeira avaliação, publicada em 2010, a aplicação do
quadro lógico teve como objetivo traçar as linhas gerais de atuação do programa, norteando
as ações e indicando caminhos, a principal base de coleta de informações foi a pesquisa de
campo, com entrevistas aos gestores dos pontos de cultura. A segunda avaliação foi publicada
em dezembro de 2014 e teve como objetivo traçar um planejamento estratégico de execução
do programa, a fim de que as metas do Plano Nacional de Cultura (PNC) e os objetivos do
Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal fossem alcançadas nos prazos determinados nesses
dois documentos. A base para a elaboração desse planejamento estratégico é o redesenho do
programa, realizado a partir de um Grupo de Trabalho (GTCV) que contou com a coordenação do
1
Mestranda no Programa de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC
Gestora Pública (Diretora Assistente no Departamento de Biblioteca Pública e Preservação da Memória – Secreta-
ria de Cultura da Prefeitura de São Bernardo do Campo. ana.mesquita@ufabc.edu.br aninha.mesquita@gmail.com
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IPEA e tinha entre seus membros representantes do Ministério da Cultura (Minc) e representantes
dos Pontos de Cultura (atores do programa). Nesse contexto o marco lógico do programa também
foi redesenhado.
Para realizar a análise serão utilizados os textos de Ala-Harja e Helgason e Januzzi a fim
de embasar teoricamente o campo da avaliação em políticas públicas, e o texto de Pfeiffer sobre as
origens e objetivos de aplicação do Quadro Lógico. Para realizar a análise serão utilizados os dois
relatórios publicados pelo IPEA (“Cultura Viva – avaliação do programa arte educação e cidadania”
(2010) e “Linhas Gerais de um Planejamento Participativo para o Programa Cultura Viva” (2014)),
além de bibliografia específica sobre o PCV, como Turino, Calabre e Farah e Medeiros.
O presente artigo se dividirá em três partes: A primeira parte será traçado um breve
panorama sobre os conceitos e aplicações de avaliações em políticas públicas. A segunda parte
contemplará um breve resumo sobre o programa, a descrição das avaliações que serão analisadas
e a análise em si, que irá comparar primordialmente três aspectos do Quadro Lógico das duas
avaliações: a inserção e importância do QL na avaliação da política; o discurso de construção
desse QL; a definição/identificação do problema no QL . A terceira parte serão as considerações
finais sobre o debate proposto.
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O objetivo superior diz respeito à visão de futuro do setor para a qual o projeto contribuirá.
O objetivo do projeto diz respeito sobre a situação que se visa alcançar com o projeto e que
contribuirá para o objetivo superior. Os resultados são os bens e serviços produzidos pelo projeto
e que, combinados, ajudarão a atingir seus objetivos. E as atividades principais são as ações que
deverão ser desenvolvidas para atingir cada resultado.
A lógica horizontal abrange os indicadores objetivamente comprováveis. O foco é garantir
que a construção desses indicadores seja confiável e estes possam ser testados e utilizados em
diversos momentos da execução do projeto. Para Januzzi “Na elaboração dos diagnósticos para
formulação de programas, os indicadores são imprescindíveis para qualificar os públicos-alvo,
localizá-los e retratá-los de modo tão amplo e detalhado quanto possível” (JANUZZI, 2014, p.32).
Aqui é necessário ampliar esse escopo de atuação e utilidade dos indicadores, destacando além do
público-alvo, quantidades, qualidades, período e localidades (territórios).
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de Cultura, que atuam como nós em um sistema maior, com objetivo de articular em rede os
demais pontos que participam do programa.
O Programa pretendia estabelecer uma nova relação entre sociedade civil e Estado. No
entanto esse objetivo encontrou diversos obstáculos para ser cumprido, a maioria de ordem
burocrática: Célio Turino, que estava à frente do programa até 2010, narra todas as dificuldades
enfrentadas no inicio do programa em seu livro “Pontos de Cultura – O Brasil de Baixo para
Cima”. Começando pela natureza do convênio estabelecido, o Ponto de Cultura precisava ter um
perfil jurídico e estar em atividade comprovada há pelo menos dois anos, mas a grande maioria dos
ponteiros (nome dado aos gestores dos Pontos de Cultura) nunca haviam estabelecido relações
com o Estado, ainda mais diretamente com o Governo Federal. O tipo de convênio estabelecido
submetia o uso do dinheiro e a prestação de contas à lei 8.666/92, lei que rege as licitações
públicas e que foi criada para regular o setor de grandes obras primordialmente, não orçamentos
de pequenos grupos de cultura popular. Os ponteiros não conseguiam realizar a prestação de
contas, e as novas parcelas do convênio não podiam ser depositadas sem essa prestação. Além
disso, o Programa Cultura Viva fez a cena política de algumas pequenas cidades do país mudar.
Muitos prefeitos de pequenos municípios foram à Brasília querer saber por que tal grupo de sua
cidade – que nunca havia sido valorizado ou fomentado pela política local – havia conseguido
verba diretamente com o Minc. A articulação em rede e o empoderamento desses novos atores
políticos fez nascer um novo movimento social, o movimento dos Pontos de Cultura, com fórum,
encontros regionais, estaduais e nacionais, grupos de trabalho, e principalmente, começaram a
exercer pressão para que passassem a participar das decisões sobre os rumos do Programa.
Com esse cenário o programa é reformulado e passa por um processo de descentralização,
criando-se assim redes estaduais e municipais, transferindo para os entes federados as
responsabilidades de contrapartida financeira, implementação e monitoramento do programa.
Em 2010 as redes estaduais e municipais já contavam com 2.500 pontos de cultura. No relatório
de reformulação do programa de agosto de 2013 contava-se 3.500 pontos de culturas.
Um dos elementos mais importantes do Programa é a organização em rede dos Pontos
de Cultura. Os pontões de cultura possuem como pressuposto de sua existência a articulação em
rede dos pontos. Em seu documento base, três conceitos são colocados para que a articulação
em rede e a gestão compartilhada entre pontos de cultura e poder público sejam alcançadas:
autonomia, protagonismo e empoderamento. Esses três elementos, juntos, foram incorporados
pelos ponteiros, que colocaram em prática seus novos saberes e formas de se organizar.
Depois do levantamento e identificação de todas as problemáticas do Programa, houve
dois movimentos distintos de redesenho do programa, mas ambos interligados. Foi nas Teias
(encontros dos ponteiros) que o projeto de Lei (PL) 757/2011 começou a ser escrito coletivamente
pelos ponteiros. Ficou a cargo da deputada Jandira Feghali (PCdo B/RJ) apresenta-lo.
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O plano de avaliação conta com os seguintes passos: a.) elaboração do modelo lógico
(ML); b.) elaboração e desenho de questionário com pesquisadores de diferentes instituições; c.)
aplicação dos questionários e realização de entrevistas com gestores dos pontos de cultura; d.)
realização de grupo focal com os pesquisadores que participaram da aplicação dos questionários
e com a equipe da Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) do Minc; e.) análise dos
resultados consolidados dos momentos anteriores.
Para fins de análise somente o ferramental modelo lógico será utilizado no presente artigo.
No entanto é importante relatar brevemente os demais instrumentos utilizados na pesquisa.
Um dos objetivos da pesquisa era visitar e entrevistar todos os pontos de cultura cadastrados
na SPPC/Minc até 2007. Eram 544 no total sendo que desses 229 seriam entrevistados pela
Fundação Joaquim Nabuco (Funaj) no norte e nordeste e o restante pela equipe do próprio IPEA.
O objetivo da aplicação desse questionário era: “conhecer melhor os pontos, suas atividades,
atuação, dificuldades, desafios e sugestões dos gestores e, com base nestas informações, criar
indicadores de acompanhamento do Programa Cultura Viva” (IPEA, 2010, 35). A aplicação de
cada questionário durou de uma a três horas, e foi indicado a todos os entrevistadores que fizessem
anotações em cadernos de campo. O grupo focal teve como principal objetivo qualificar as
observações tabuladas a partir dos questionários e observadas nas anotações dos entrevistadores.
O IPEA utiliza a nomenclatura de modelo lógico para a metodologia desenvolvida no
âmbito da Câmara Técnica de Monitoramento e Avaliação (CTMA), composta pela Secretaria
de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), Secretaria de Gestão (Seges), Secretaria de
Orçamento Federal (SOF) e IPEA.
A aplicação do ML foi demandada ao IPEA pela SPPC/Minc com o fito
específico de formular indicadores próprios para a avaliação e verificar
se o programa estaria pronto para ser avaliado, isto é, se continha os
componentes clara e suficientemente elaborados para a sua avaliação.
(IPEA, 2010, p. 31).
A estruturação do marco lógico iniciou-se da identificação de quatro fatores desfavoráveis
e outros quatro favoráveis:
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FAVORÁVEIS
a. a legitimidade da qual o programa passou a gozar entre os agentes culturais;
b. o surgimento de oportunidades conferidas pelo aparecimento de novas tecnologias,
mormente aquelas que favorecem a comunicação e o estabelecimento de redes (educação à
distância, troca de experiências e soluções etc.);
c. a priorização por parte do governo; e
d. a emergência de novos atores no campo cultural que apoiam as ações do programa.
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programa, os textos dos editais, delimitação de conceitos de cada uma das ações do programa,
mapear fluxos e procedimentos internos da SCDC, desenvolver políticas e diretrizes internas e
propor um sistema de monitoramento da política.
A segunda estratégia diz respeito à dimensão participativa deste planejamento: o diálogo
com o Grupo de Trabalho Cultura Viva (GTCV) para que o redesenho do programa se articulasse
com a elaboração do ML, ou seja, há um processo dialógico entre definição do ML e redesenho
do Programa.
A terceira estratégia também privilegia a participação; o IPEA promoveu algumas
oficinas para apresentar os desenhos parciais do ML.
É relevante salientar a importância do planejamento estratégico para a área de política
cultural. O Cultura Viva conquistou ao longo dessa década de existência marcos jurídicos
importantes e uma produção teórica muito relevante (produzida pela academia e pelo Minc)
para definir e conceituar o programa, no entanto pouco se constrói para a efetivação de um
planejamento estratégico
(...) quando se focam os instrumentos de políticas, é possível entender
a tradução do discurso em prática e as suas fragilidades, opções e falsas
opções. Por instrumento de políticas públicas define-se o conjunto de
problemas colocados na agenda das políticas públicas e que implicam
uso de ferramentas (orçamentação, técnicas, meios, operações,
dispositivos, projetos) que permitem materializar e operacionalizar a
ação governamental (IPEA, 2014, 19).
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de base comunitária, e uma das metas do PNC é que em 2020, quando acaba a cobertura deste
plano decenal, o Minc tenha instalado 15.000 pontos de cultura em todo o território nacional. Os
objetivos do ML estão de acordo com essa meta, e a A2 avança no sentido de estabelecer uma
previsão orçamentária para a concretização desta meta.
Sobre os discursos adotados nas avaliações. A A1 se preocupa mais em elaborar conceitos
e teorias sobre o programa, detendo-se no aprofundamento de conceitos como democracia
cultural, cultura como um direito, circuitos culturais e mesmo o próprio conceito sobre o que
é política cultural. Já A2 adota linguagem mais técnica e objetiva sobre as análises e sugestões
para o programa. Apesar de A2 ressaltar que não foi possível estabelecer uma relação entre o
primeiro ML e o segundo, é importante olhar para um dos aspectos desses ML para entendermos
essa mudança. Em A1 o problema (e por consequência a exposição da explicação do problema)
é definido como “Desvalorização da produção cultural dos grupos e comunidades e sua exclusão
dos meios de produção, fruição e difusão cultural”. Em A2 o problema é descrito como “Baixa
capacidade de gestão por instrumentos de políticas públicas na execução do Programa Cultura
Viva”. O problema é mais preciso em A2, no entanto não há indicativos em nenhum dos dois
relatórios que demonstre que o problema de A1 foi resolvido ou se as ações avançaram para que
o mesmo seja resolvido.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar análise e avaliações de políticas públicas é campo complexo e diversas variáveis
devem se levadas em consideração, como tempo de maturação das ações, recursos disponíveis,
modelos metodológicos, atores envolvidos, capacidade dos funcionários em colocar em
prática as mudanças sugeridas pela avaliação, entre outros. O Programa Cultura Viva é um
programa complexo, com diversas ações acontecendo em tempos diferentes, com atores muito
participativos e que interferem em todas as etapas do ciclo da política. Além disso, a área de
cultura possui uma problemática específica quando a mensuração de seus resultados. Segundo
Calabre “As ações públicas tem que demostrar minimamente coerência entre o que se diz buscar
e as ações postas em prática. Não existe relação direta de causa e efeito no campo da ação
cultural, o que torna complexa a avaliação”. (CALABRE, 2007, p.100). O entendimento sobre
essa limitação é claramente expressada na própria delimitação do problema: em A1 o problema
diz respeito à ação cultural em si, ou seja, a conceitos mais filosóficos e subjetivos, apesar de
comporem comumente os objetivos a serem alcançados em política cultural. Em A2 o problema
muda de foco e passa a abarcar as capacidades estatais de gestão.
É evidente a preocupação do IPEA quanto a relevância das observações subjetivas e
empíricas nos processos de avaliação. Em A2 podemos identificar a seguinte fala:
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Por vários anos a centralidade das discussões sobre políticas culturais se manteve
na questão do incentivo à produção de conteúdo. A concentração dos meios de produção era
o obstáculo a ser superado. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos
de fomento para ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos
do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Agora, o passo seguinte trata
de aumentar a abrangência de distribuição e acesso a estes conteúdos. Este artigo tem como
objetivo destacar esta crescente centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso,
destacando a Lei 12.485/11, conhecida como Lei da TV paga.
O centro das discussões sobre políticas culturais se manteve, durante anos, na questão do
incentivo - seja ele financeiro, instrumental e /ou técnico - à produção de produtos culturais. A
concentração dos meios de produção era o obstáculo a ser superado.
O audiovisual, por ter uma estrutura complexa de produção, não era um modelo acessível
a todos. O custo para a execução da obra audiovisual, e a necessidade de conhecimentos
tecnicamente específicos tornava a produção uma etapa difícil de ser concluída, o que gerava
um empecilho ao desenvolvimento de projetos independentes.
Em 1993, a Lei do Audiovisual dá início onda de políticas e ações governamentais
direcionadas à produção audiovisual. A criação da Agência Nacional do Cinema, em 2002, é outra
importante vitória para o audiovisual, que iniciava uma trilha de crescentes ações do Estado a seu
favor. Em dez anos, o setor foi contemplado com inúmeros dispositivos de fomento à produção,
que visavam ampliar o acesso aos meios de produção aos atores que antes eram excluídos
1
Graduada em Radialismo, mestranda em Comunicação na Unesp, orientada pela Prof. Dra. Maria Teresa Miceli
Kerbauy. Email: anahvp@gmail.com
2
Mestre em Comunicação, doutorando em Comunicação na Unesp, orientado pelo Prof. Dr. Juliano Maurício de
Carvalho. Email: pedro@faac.unesp.br
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do sistema, principalmente, por falta de recursos financeiros. Leis e editais aqueceram o mercado
audiovisual nacional com a intenção de promover a cultura nacional e tirar o estigma que o
conteúdo brasileiro ao superar os preconceitos com produções brasileiras e superar o fantasma
das telenovelas nas obras destinadas á televisão.
As ações estão constantemente em atualização para que moldar os dispositivos aos
objetivos desejados, conforme são vistos os resultados na prática.
As produções aumentaram consideravelmente. Em 2002, a Ancine emitiu 1358
Certificados de Conteúdo Brasileiro - documento apto à comprovação da nacionalidade de obras
audiovisuais não publicitárias brasileiras - em 2014 a Agência emitiu 7391 certificados, um
crescimento de mais de cinco vezes. Contudo, o fomento à distribuição destes produtos não
evoluiu no mesmo ritmo que o incentivo à produção. As obras são realizadas, mas, sem respaldo
legislativo sólido para suas exibições, muitas vezes se tornam obras inacessíveis ao público.
Duas ações específicas de destaque direcionaram suas preocupações a este obstáculo. A Lei
12.485/11, conhecida como Lei da TV paga. Este artigo tem como objetivo destacar a crescente
centralidade das discussões de políticas culturais para o acesso ao conteúdo de modo a demonstrar
que este seria o próximo passo na cadeia do fomento à promoção do audiovisual brasileiro.
Partindo de uma exposição dos dispositivos de fomento à produção já existentes, busca-
se demonstrar que um dos grandes gargalos atuais para a consolidação de um setor audiovisual
independente não é mais o acesso aos meios de produção, mas a veiculação destes conteúdos
ao público. A análise da Lei da TV paga e o decreto da cota de tela, por meio de análise de
documento, permite observar quais as alterativas que o Estado encontrou, nesse momento,
para superar o obstáculo da exibição na intenção de promover a cultura nacional e a produção
brasileira através do audiovisual.
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estéticas e novas narrativas, que podem ser alcançadas ao impulsionar a produção independente
de obras audiovisuais.
Em um setor baseado no lucro e controlado, em sua maioria, por grandes conglomerados
de comunicação, este panorama de desconcentração e produções diversas precisa de políticas
públicas que possibilitem oportunidades mais equilibradas de produção e, mais do que isso, dar
uma atenção mais que especial a exibição. Canclini (1999) defende a importância do papel das
políticas públicas nesse cenário:
[...] penso que a firmação da diferença deve estar unida a uma luta
pela reforma do Estado, não apenas para que aceito o desenvolvimento
autônomo de ‘comunidades’ diversas, mas também para assegurar iguais
possibilidades de acesso aos bens da globalização. (CANCLINI, 1999,
46)
O incentivo aos conteúdos está sendo bem sucedido, mas sem um canal de distribuição
dessas obras, o sistema de funcionamento do setor fica repleto de produções não veiculadas e
este procedimento entrava a possibilidade de uma maior ampliação na produção.
Alguns dispositivos normativos já estão se concentrando ultrapassar esse obstáculo, ao
prever em seus textos as possibilidades e obrigatoriedades de exibição do conteúdo brasileiro.
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exploram obras audiovisuais em território nacional, podem abater até 70% do imposto de renda
devido em contrato de coprodução com produtoras brasileiras.
A Lei do Audiovisual é gerida pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), agência
reguladora criada em 2001 pela Medida Provisória 228-1, que tem como atribuições o fomento, a
regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. A agência foi criada
no fim do governo Fernando Henrique e estava vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), passando a ser subordinada ao Ministério da Cultura
(MinC) no governo Lula em 2003.
A MP 228-1 também cria o CONDECINE (Contribuição para o Desenvolvimento
da Indústria Cinematográfica Nacional), que incide sobre as obras cinematográficas e
videofonográficas com fins comerciais. Caso os jogos digitais sejam incluídos no espectro da
legislação, duas modalidades do CONDECINE poderiam ser aplicadas.
O CONDECINE Título incidiria sobre a exploração comercial de obras audiovisuais
em cada um dos segmentos de mercado (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura,
TV aberta e outros mercados), com o valor da contribuição variando conforme o tipo da obra
(publicitária ou não), o segmento de mercado e, no caso das obras não publicitárias, a duração
(curta, média ou longa-metragem) e, ainda, a forma de organização da obra (seriada, na qual a
cobrança se dá por capítulos ou episódios).
Já a modalidade do CONDECINE Remessa constitui uma alíquota de 11% que incide
sobre a remessa ao exterior de importâncias relativas a rendimentos decorrentes da exploração de
obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação. Estarão isentas
do pagamento da CONDECINE as produtoras que optarem por aplicar o valor correspondente
a 3% da remessa em projetos de produção de conteúdo audiovisual independente em território
nacional, aprovados pela ANCINE.
A ação colaborativa do Estado com os agentes do setor de TV paga gerou uma abertura e
ampliação do conteúdo nacional no país, com um crescimento nas produções nacionais exibidas
no serviço. Neste cenário, a HBO foi um dos canais que acolheu a proposta e no período realizou
no Brasil produções como Filhos do Carnaval, de 2006, e o drama intitulado Alice, de 2008,
além de ter criado projetos que viriam a ser utilizados por causa das cotas estabelecidas pela lei
que seria sancionada em 2011. Mas deve-se atentar ao fato de que a isenção está direcionada ao
incentivo à produção de obras brasileiras, não sendo requerida a sua exibição.
A movimentação em relação às políticas culturais direcionadas ao audiovisual teve
destaque no governo do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003-2011). O ministro da
Cultura do primeiro mandato de Lula foi o músico Gilberto Gil (2003-2008). Este foi um período
marcado por uma busca pela abrangência e a articulação da amplitude das atividades culturais
que foram abarcadas. Buscou-se dar, o que Rubim (2008, p.197-198), considerou como, uma
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Fonte: Ancine
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O projeto de Lei sofreu muitas emendas em seu texto, antes de, em 2011, se transformar
na Lei 12.485, Lei da TV paga.
A lei inovou com um artigo inteiro direcionado ao conteúdo nacional e focado na exibição
destes conteúdos. O conteúdo nacional e suas especificações estão concentrados no capítulo V,
intitulado Do Conteúdo Brasileiro. Este capítulo versa sobre as obrigações de veiculação de
conteúdo brasileiro nos canais de TV paga. Para a lei, os canais de espaço qualificado, ou seja,
os que exibirem prioritariamente programas que
[...] não são conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos
esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual
veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e
programas de auditório ancorados por apresentador (LEI 12.485/2011).
Deverão ter 3h30 (três horas e trinta minutos) de programação nacional semanal exibida
durante o horário nobre, metade dessa cota deverá ser produzida por produtora brasileira
independente. A cada três canais de espaço qualificado ofertado no pacote do serviço de acesso
condicionado, um deve ser brasileiro de espaço qualificado. A operadora é obrigada a cumprir
a porcentagem até um limite de 12 canais brasileiros, são considerados canais brasileiros de
espaço qualificados os que veicularem 12 horas de conteúdo brasileiro independente, 03 delas
no horário nobre. No caso de o pacote ofertado possuir um canal gerado por programadora
brasileira com predomínio de produções jornalísticas, “deverá ser ofertado pelo menos um canal
adicional de programação com as mesmas características no mesmo pacote ou na modalidade
avulsa de programação” (BRASIL, Lei 12.485/2011, 2011). Canais de operação do Poder
público, exibidos em radiodifusão, canais que não tem seu conteúdo adaptado para o Brasil,
como legendas e dublagens, canais de modalidade avulsa e canais de cunho erótico estão
liberados das obrigatoriedades de cota de veiculação de conteúdo nacional. Os conteúdos, para
se encaixarem nas cotas, precisam ter sido produzidos nos sete anos anteriores a sua veiculação.
O horário nobre será delimitado pela Ancine, não podendo extrapolar sete horas para os canais
infanto-juvenis e seis horas para os demais. Impõem-se o limite de exibição de publicidade igual
ao do serviço de radiodifusão, que equivale a 25% da programação.
O capítulo VI Do Estímulo à Produção Audiovisual estabelece acréscimo e uma mudança
na redação da Medida Provisória 2.228-1 de 2001, nos artigos que versam sobre a CONDECINE
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). São decretados
os detalhes sobre o recolhimento da CONDECINE, e incluem entre as obras cinematográficas e
videográficas as obras disponibilizadas no serviço de acesso condicionado. Há também anexos
à Lei 11.437 de 2006, que discorre especificamente sobre a contribuição, estabelecendo uma
divisão percentual dos recursos, para que haja um investimento nas áreas menos desenvolvidas
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no setor audiovisual, como a Região Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as quais se destinarão 30%
dos recursos.
O mercado de TV paga no Brasil já está mais desenvolvido e conta com a participação de
grandes empresas e conglomerados de comunicação o que dificulta a adaptação desse mercado
às mudanças estabelecidas pela lei de 2011. Durante entrevista para o grupo Folha, Fernando
Meirelles, diretor de cinema e sócio da produtora O2 filmes, que convive com os dois setores,
tanto o cinema quanto à TV, onde começou sua carreira, comparou o impacto que a Lei do
Audiovisual teve sobre a indústria do cinema brasileiro com um possível impacto da Lei do
Acesso condicionado no mercado audiovisual.
Fonte: Ancine
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Fonte: Ancine
Cabe aos agentes de políticas públicas aterem-se a pauta da exibição para que a diversidade
cultural e a promoção da cultura nacional sejam alcançadas com êxito pelo audiovisual. O
caminho sugerido pelas leis descritas é a ampliação do acesso por meio do estabelecimento de
cotas de transmissão. Este entendimento é o início de um processo que percebe a importância
da regulação dos meios de transmissão de conteúdo como parte da consolidação de uma cadeia
de produção de conteúdo cultural nacional. Com o acesso ao fomento e linhas de investimento
crescentes, a fronteira a ser vencida ainda é o monopólio dos meios de comunicação, que
dominam a transmissão de conteúdos audiovisuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMO: Este artigo aborda as mudanças nas políticas públicas cinematográficas do Brasil
e da Argentina a partir de início dos anos 1990, no contexto de ascensão de governos de
orientação neoliberal em ambos os países. Eleitos em 1989, tanto Fernando Collor de Mello,
no Brasil, como o argentino Carlos Menem promoveram mudanças imediatas nas políticas
econômicas de seus países, bem como especificamente nas políticas públicas destinadas ao
cinema nacional. Neste trabalho, buscou-se compreender em que medida essas novas políticas
refletiram o ideário neoliberal em voga — e quais grupos de interesse influenciaram, em cada
país, a sua conformação. A metodologia adotada consistiu em análise da legislação pertinente e
em revisão bibliográfica, a partir do enquadramento teórico do debate no campo da Economia
Política da Comunicação.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é uma síntese da tese de doutorado em que se propôs uma reflexão abrangente
sobre as transformações dos mercados cinematográficos do Brasil e da Argentina no contexto
de ascensão, a partir dos anos 1990, de governos neoliberais nesses países. Naquele momento
histórico, houve mudanças importantes nas políticas públicas para o cinema, tanto no Brasil de
Fernando Collor/Itamar Franco quanto na Argentina de Carlos Menem, as quais impactaram os
mercados de cinema locais. Neste artigo, a proposta é compreender em que medida as diretrizes
neoliberais hegemônicas inspiraram as novas políticas públicas para o cinema — e quais grupos
de interesse influenciaram, em cada país, a conformação dessas políticas.
1
Ana Julia Cury de Brito Cabral é Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro e membro do grupo de pesquisa PEIC (Políticas e Economia da Informação e da
Comunicação), na mesma instituição. Atualmente, exerce o cargo de Coordenadora de Programas Internacionais de
Cooperação e Intercâmbio na Agência Nacional do Cinema, onde é servidora do quadro efetivo desde 2010. E-mail
de contato: ajcury@gmail.com.
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Por um lado, a opção por realizar um estudo comparado com a Argentina se deu pela pro-
ximidade geográfica, política, econômica e cultural — estas últimas incentivadas pelo processo
de integração regional via Mercosul —, que facilitou o acesso a dados e pesquisas sobre o cine-
ma argentino. A segunda razão consistiu no fato de que a cadeia produtiva do cinema argentino,
ao contrário de países menores da região,2 como Uruguai e Paraguai, tem uma trajetória similar
à brasileira porque já viveu períodos de relativo desenvolvimento e autonomia com relação à
Hollywood, como mostram estudos de pesquisadores lá e cá (Autran, 2004; Getino, 2003).
A hegemonia do filme de Hollywood nos mercados cinematográficos dos países latino-
-americanos ao longo do século XX gerou debates teóricos diversos. A historiografia brasileira,
por exemplo, refletiu sobre a condição de “subdesenvolvimento” (Gomes, 1996) do cinema
nacional, mas os estudos dedicados a investigar a relação entre economia, política e cinema no
Brasil ainda são coadjuvantes num cenário acadêmico em que prevalecem abordagens de ordem
estética ou análises de conteúdo. Tomando como referência estudos seminais desenvolvidos
desde os anos 1960 (Mattelart, 1999), sob o ângulo da Economia Política da Comunicação, este
artigo propõe uma abordagem crítica de um momento histórico crucial para a conformação atual
dos mercados de cinema brasileiro e argentino.
Os estudos sobre a hegemonia de Hollywood em mercados estrangeiros têm mostrado
como a indústria estadunidense representou (e ainda representa) um obstáculo às possibilida-
des de desenvolvimento de outras cinematografias ao redor do mundo (Aksoy e Robins, 1992;
Guback, 1969; Pendakur, 1990; Wasko, 1982, 1994, 2003). Dados reunidos por pesquisadores
latino-americanos ao longo das últimas décadas revelaram um aprofundamento do desequilíbrio
nas trocas entre os cinemas nacionais e Hollywood a partir dos anos 1990. Embora a história do
cinema latino-americano mostre que, em épocas distintas, algumas cinematografias nacionais se
destacaram — por exemplo, a argentina nos anos 1930 e a brasileira nos anos 1940 —, não se
constituiu no continente uma indústria cinematográfica estabilizada. No início do século XXI, a
situação dos intercâmbios regionais era de desequilíbrio flagrante: em 2002, enquanto em qual-
quer país da América Latina a proporção de filmes hollywoodianos oscilava entre 70% e quase
100%, apenas 6,1% dos filmes em cartaz nos EUA vinham de fora (4,6% da Europa e 1,5% do
“resto do mundo”) (Bolaño, Santos e Dominguez, 2006; Ruiz, 2006).
A hegemonia de Hollywood inspirou movimentos de resistência em diversos países —
por exemplo, o Cinema Novo no Brasil e o Terceiro Cinema na Argentina, nos anos 1960, se
construíram em reação ao domínio econômico e cultural do cinema estadunidense. No caso do
2
Como explica Getino (2003), a maior capacidade produtiva no campo das indústrias culturais e da comunicação
do Mercosul se concentra, como se sucede com as outras indústrias em geral, no Brasil e na Argentina, os países
que representam a maior dimensão territorial e populacional e os índices mais elevados de produção e consumo dos
meios de comunicação e dos bens e serviços culturais.
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Cinema Novo, a postura crítica radical do início deu lugar a uma aproximação efetiva com o
Estado, em pleno regime militar, após a criação da Embrafilme em 1969 — empresa pública
responsável pelo maior market share do cinema brasileiro em toda a sua história. Na Argentina
do início dos anos 1990, a mobilização e o apelo político da corporação cinematográfica resulta-
ram, por sua vez, num paradoxo: na contracorrente das medidas neoliberais aplicadas a diversos
setores da economia do país, inclusive no da televisão paga, o governo Menem aprovou a Ley
de Cine em 1994, fortalecendo as políticas públicas de apoio e proteção ao cinema nacional
(Amancio, 2000; Marino, 2012).
Como revelam as pesquisas supracitadas, a centralidade do Estado marcou a história do
cinema no Brasil e na Argentina — e não foi diferente no início dos anos 1990, quando a disputa
de grupos de interesse pela formulação das políticas do setor se organizou em torno do poder
público. Do Estado, tanto o brasileiro quanto o argentino, dependeram e partiram as adaptações
legislativas e os novos regulamentos criados a fim de estabelecer um paradigma para o fomento
ao cinema no contexto de implantação de diretrizes de política econômica neoliberal em ambos
os países a partir do início dos anos 1990. Portanto, as políticas públicas dos Estados brasileiro
e argentino (ou a ausência delas) determinaram, em grande parte, a forma de inserção da cine-
matografia desses países na nova ordem neoliberal (Getino, 2005).
Algumas perguntas se impuseram como ponto de partida para a reflexão proposta: quais
foram as mudanças nas políticas públicas para o cinema no Brasil e na Argentina a partir do
início dos anos 1990, no contexto de adoção de políticas econômicas de cunho neoliberal em
ambos os países? Quais interesses em disputa convergiram para essas mudanças? Por que, em
ambos os casos, o núcleo dessas políticas foi o fomento à produção cinematográfica, deixando
de lado os outros dois elos da cadeia produtiva do cinema (a distribuição e a exibição)? E qual
interpretação histórica desse processo se pode construir?
Para realizar essa tarefa, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica e a análise
documental da legislação pertinente, além do levantamento de dados estruturais do setor. No
que diz respeito à bibliografia relevante, pode ser dividida em dois grandes grupos: de um lado,
os estudos seminais na área da economia política da comunicação e do cinema, que inauguram o
campo teórico em que este trabalho se insere, dentre os quais o livro de Guback (1969). De outro
lado, as pesquisas recentes sobre a economia e a política do cinema latino-americano, e mais
especificamente dos cinemas brasileiro e argentino, como no caso da tese de Marino (2012).
A legislação analisada refere-se ao período histórico delimitado, ou seja, inclui não ape-
nas as leis que instituíram as políticas públicas para o cinema, mas também que promoveram
alterações nas estruturas dos Estados brasileiro e argentino, bem como em suas economias.
Dentre os normativos analisados, é possível destacar a lei 8.029/90, de reforma geral do Estado
brasileiro, a lei 8.313/91 e a lei 8.685/93, que criaram o modelo de incentivos fiscais para o fi-
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nanciamento da cultura; e, no caso argentino, a lei 23.696/89 de Reforma do Estado, bem como
a lei 24.377/94, mais conhecida como Ley de Cine.
3
Alguns teóricos apontam as origens do neoliberalismo na virada dos anos 1970-1980; contudo, a importância
da segunda virada, entre 1989 e 1991, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, é notável — e
constitui o marco histórico de interesse deste trabalho (Harvey, 2008).
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4
O discurso de posse de Collor pode ser acessado na biblioteca da Presidência da República em http://www.
biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-collor/discurso-de-posse/posse-collor.pdf/view (Acesso em
22 de abril de 2014).
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do país e o aumento generalizado do preço médio do ingresso de cinema, que, segundo dados
do Ministério da Cultura, passou de U$S 0,50 em 1979 a U$S 2,62 em meados dos anos 1980.5
Essa conjuntura contribuiu, certamente, para agravar a crise do modelo de apoio promovido
pela Embrafilme.
Assim, quando em 1990 foi anunciada a extinção da empresa, o setor não chegou a se
espantar com a notícia. O susto veio, no entanto, pela ausência de uma contraproposta que fosse
imediatamente colocada em vigor pelo governo:
(...) depois de quase cinco anos de crise, o meio cinematográfico aceitou,
sem maiores discussões, a extinção da Embrafilme, da reserva do mer-
cado e o fim do nacionalismo protecionista. Collor não inventou nada;
o áulico paraibano só atendeu aquilo que Hector Babenco, Silvio Back,
Carlos Reichenbach, Chico Botelho, Carlos Augusto Calil, Roberto Fa-
rias, Nelson Pereira dos Santos e a crítica na imprensa liberal pediram.
Depois de cinco anos de crise todos carimbaram seu passaporte para o
mercado neoliberal, e sem bilhete de volta. Só houve frustração quando
o avião decolou. Aí, todos perceberam que tinham ido pro espaço, lite-
ralmente. De Deus, Collor passou a ser o Diabo na Terra do Sol (Souza
apud Marson, 2006, p. 23).
A adesão da corporação cinematográfica ao discurso liberal segundo o qual a cultura
deveria ser tratada como um “problema de mercado” — conforme defendia o então Secretá-
rio da Cultura de Collor, o cineasta Ipojuca Pontes — esteve relacionada, assim, ao quadro de
crise terminal da Embrafilme. Por outro lado, a própria história de disputa entre o “cinemão” e
o “cineminha”,6 que permeou o ciclo Embrafilme, já revelava a cisão da corporação cinemato-
gráfica perante o Estado e a sociedade. Ou seja, a dissolução da Embrafilme, da cota de tela e
da regulamentação do setor contou com o aval de parte do grupo que apoiara a sua criação. A
opção pela “abertura do mercado” se consolidou com a criação da Lei 8.313 de 1991, conhecida
como Lei Rouanet, que previa a captação de investimentos no setor privado para a promoção da
cultura nacional, por meio de renúncia fiscal. O modelo de incentivos fiscais foi reforçado dois
anos depois com a Lei do Audiovisual (lei 8.685/93), destinada a estimular o financiamento da
produção de filmes em longa-metragem (Amancio, 2000; Ikeda, 2011).
5
Dados obtidos em Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 Anos da Retomada do Cinema Nacional. Brasília:
SAV/MinC, 1999, p. 253-255.
6
Embora a Embrafilme fosse a maior produtora e distribuidora do cinema brasileiro durante seu período de exis-
tência, ela não era a única. Havia também os produtores independentes, isto é, os que faziam seus filmes sem o
financiamento do Estado. As pornochanchadas na década de 1970 e depois os filmes pornográficos nos anos 1980,
produzidos no Rio de Janeiro e principalmente na Boca do Lixo, em São Paulo, são exemplos dessa produção que
existiu à margem da Embrafilme, graças a um mecanismo próprio de produção, distribuição e exibição desenvol-
vido por seus realizadores. Como explica Marson (2006, p. 16): “De certa forma, o cinema da Boca conseguiu
realizar a tão sonhada integração vertical no cinema brasileiro, aliando produção, distribuição e exibição. Essa mo-
dalidade de produção cinematográfica ficou conhecida como ‘cineminha’, em contraposição ao ‘cinemão’, herdeiro
da tradição do Cinema Novo, mais ‘culto’ e financiado através da Embrafilme.”
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Ainda que não pudesse ser caracterizado propriamente como neoliberal, o modelo de
incentivo fiscal esteve mais próximo de uma concepção privatista de defesa do “livre mercado”
do que a Ley de Cine argentina. Primeiramente, a lógica da renúncia fiscal foi a de transferir às
empresas e seus respectivos departamentos de marketing a decisão sobre em quais filmes inves-
tir os recursos advindos da dedução de imposto de renda. Instaurou-se, na expressão de Autran
(2009, p. 122), “um modo privado de gerir os recursos públicos”, justificado pela tentativa de
aproximar a iniciativa privada dos cineastas a fim de convencê-la de que investir em cinema
brasileiro era um bom negócio.
Ao longo dos anos 1990, alterações na Lei do Audiovisual, como a inclusão do artigo 3º,
foram promovidas a fim de atrair a televisão aberta e as majors a investirem também no cinema
nacional — com a garantia do abatimento do imposto de renda devido, fosse sobre suas ativida-
des regulares ou o envio de remessas para o exterior. As disputas entre esses três grupos de in-
teresse (a corporação cinematográfica, a televisão aberta e as majors) marcaram as negociações
em torno do modelo de incentivo fiscal ao longo da década, culminando na criação da Ancine
(Agência Nacional do Cinema) em 2001. Sob o paradigma das agências reguladoras autônomas,
características do Estado neoliberal, a criação da Ancine encerrou o ciclo da Retomada, com a
reinstitucionalização da política pública voltada ao setor.
A centralidade da TV aberta no setor, que constituiu historicamente um obstáculo para
a integração do cinema com a televisão, tem sido um elemento crucial do cenário audiovisual
brasileiro. Embora a corporação cinematográfica tenha reivindicado a regulamentação dessa
integração em momentos de crise, como no fim dos anos 1990 por ocasião do III Congresso
Brasileiro de Cinema, a TV conseguiu manter-se absoluta no cenário audiovisual do país. Essen-
cial à manutenção de uma elite política oligárquica, proprietária das concessões de rádio e TV,
a radiodifusão permanece regulada pelo Código Brasileiro de Televisão de 1962 e não sofreu
mudanças derivadas diretamente da ascensão de um governo de orientação neoliberal nos anos
1990 (Santos, 2004).
Em 1998, a criação da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo,
constituiu um exemplo ilustrativo e didático dessa lógica: a empresa logo adquiriu o primeiro
lugar dentre as produtoras dos sucessos de bilheteria do ciclo da Retomada, respaldada por
vantagens competitivas que lhe garantiram associações com as produtoras independentes mais
bem-sucedidas comercialmente, por um lado, e com grandes distribuidoras estrangeiras por
outro. Reproduzindo a lógica geral de concentração, a Globo Filmes reforçou o domínio da TV
Globo no audiovisual brasileiro. O resultado foi uma configuração específica, em que a empresa
se associou às majors estrangeiras, por meio de mecanismos da Lei do Audiovisual, para garan-
tir a distribuição de blockbusters nacionais.
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lei 22.285/80 para redefinir as características das companhias que manteriam o direito sobre as
licenças dos canais de TV aberta, os primeiros a serem privatizados.
A despeito de suas promessas de campanha, Menem executou políticas de orientação
neoliberal em praticamente todos os setores da economia argentina, inclusive na televisão por
assinatura. O cinema, pelo prestígio que angariara nos anos 1980, e talvez também por uma
preferência pessoal do presidente — as idiossincrasias de lideranças políticas personalistas são
elementos importantes, afinal —, constituiu-se na exceção das políticas públicas do governo
Menem. Enquanto a indústria nacional declinava, no início dos anos 1990, o conjunto das enti-
dades do cinema pressionou o governo para a aprovação de uma legislação que se constituiu na
mais protecionista da América Latina, a Ley de Fomento y Regulación de la Actividad Cinema-
tográfica, sancionada em 1994 (Getino, 2003; Marino, 2012).
O conceito de Espacio Audiovisual Nacional foi incorporado à Constituição Nacional de
1994 e o INC foi transformado em Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA)
— órgão responsável por convocar concursos para a outorga de prêmios para novos realizado-
res, filmes do interior do país, telefilmes e curtas-metragens, cuja ação ampliou o número de
títulos argentinos produzidos nos anos 1990. A Ley de Cine aumentou o orçamento do INCAA,
distribuiu mais recursos para a produção por meio de créditos e subsídios e regulamentou nova-
mente a cota de tela, instaurando também o mecanismo conhecido como “média de continuida-
de”, que garantiu aos filmes argentinos o direito de permanecerem sendo exibidos conforme seu
desempenho de bilheteria nas primeiras semanas em cartaz (Mastrini, 2005).
Outra diferença fundamental entre os dois processos foi que, ao contrário do Brasil, a
legislação argentina conquistou um grau de integração mínimo entre o cinema e a televisão,
ao garantir que se destinasse ao Fundo de Fomento Cinematográfico o total de 25% da taxa já
arrecadada pelo Comitê Federal de Radiodifusão (COMFER) sobre a renda das emissoras. Com
esses recursos, a nova lei criou um sistema de créditos e subsídios para o fomento à produção
cinematográfica. Cada mecanismo funciona de uma forma: os créditos são empréstimos con-
cedidos a taxas mais baixas que as de mercado, outorgados ao produtor que deseja realizar um
filme nacional de longa-metragem e que já possui um projeto concreto da obra. O montante do
empréstimo é definido de acordo com o orçamento total do filme e não pode exceder o Custo
Médio (CM), um valor referencial estabelecido anualmente pelo INCAA com base nas previ-
sões de custo apresentadas pelos produtores em seus projetos (Perelman e Seivach, 2003).
Já os subsídios são aportes não retornáveis, aos quais têm direito de acesso todo filme, com
ou sem crédito do INCAA na composição de suas fontes de financiamento. O objetivo do subsídio
é permitir ao produtor recuperar parte do investimento feito no filme, impulsionando desse modo,
ao menos em tese, a continuidade da indústria. O mecanismo do subsídio é destinado aos filmes
que — se assim julgar o INCAA — contribuam para o desenvolvimento cinematográfico nacional
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nos âmbitos cultural, artístico, técnico e industrial. Conforme explica Marino (2012), o subsídio
pode ser entendido como uma tentativa de compensar a competição desleal e desigual com as ma-
jors no mercado argentino, uma vez que a comercialização das grandes produções estadunidenses
no país tem efeitos similares ao dumping, proibido em acordos transnacionais aos quais subscre-
vem os Estados Unidos, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Do ponto de vista do cinema argentino e das políticas públicas para o seu financiamento,
a década de 1990 constituiu, portanto, uma grande exceção: um protecionismo que contrastou
com a orientação neoliberal aplicada em outros setores da economia, mas que não foi suficiente
para gerar consenso entre a corporação cinematográfica a respeito do seu sucesso. O século XXI
começaria com reivindicações pela real autonomia do INCAA e pelo cumprimento integral da
Ley de Cine — e, por outro lado, pela polarização da corporação cinematográfica em torno de
demandas históricas de uma maior intervenção estatal em benefício do cinema não comercial e
não vinculado ao capital concentrado internacional e nacional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise comparada permitiu concluir que o modelo de incentivo fiscal produzido no
Brasil a partir de 1991 foi diferente daquele promovido pela Ley de Cine argentina em 1994 — e
essa diferença derivou, em parte, da forma como a corporação cinematográfica local se posicio-
nou em meio ao processo de consolidação de governos de orientação neoliberal nesses países.
No Brasil, a eleição de Collor para a presidência em 1989 foi seguida por ampla reforma liberal
do Estado, que extinguiu uma série de órgãos públicos, dentre eles a Embrafilme. O processo
de desgaste da empresa pública responsável pelo apoio ao cinema desde meados dos anos 1980
(Embrafilme) derivou num discurso crítico e de oposição ao seu modelo de funcionamento.
Com o apoio de parte relevante do núcleo da corporação cinematográfica brasileira, o governo
Collor/Itamar desenhou o novo modelo do incentivo fiscal, aderente ao ideário do livre-mercado
dominante naquele momento histórico, que prometia promover a autossustentabilidade da “in-
dústria de cinema” no Brasil atraindo o setor privado para o fomento à produção.
Na Argentina, a reação da corporação cinematográfica à chegada ao governo de Carlos
Menem, naquele mesmo ano de 1989, foi diferente. Diante do choque de medidas neoliberais
executadas pelo novo presidente, contrariamente ao que fora previsto em seu programa polí-
tico, os profissionais do setor argentino se mobilizaram em busca de garantir à atividade uma
legislação protecionista, que contrariava a cartilha amplamente aplicada para a economia nacio-
nal. Fortalecida em parte pelo sucesso internacional do cinema argentino ao longo da segunda
metade dos anos 1980, a corporação cinematográfica foi capaz de se mobilizar para reivindicar
o que veio a ser a Ley de Cine de 1994, uma legislação atipicamente protecionista em meio à
conjuntura político-econômica da Argentina na época.
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Este artigo pretende fazer uma rápida abordagem sobre a recente determinação, aprova-
da pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no dia 3 de fevereiro de 2016, ao considerar que
eventos culturais com “potencial lucrativo” ou que “possam atrair investimento privado” serão
proibidos de receber incentivos fiscais, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida
por Lei Rouanet. Embora sem previsão de entrar em vigor e ainda caibam recursos à referida
proibição, buscaremos fazer uma análise crítica, a partir de matérias e artigos publicados neste
curto período, que expõem não somente a decisão do TCU, mas também, a opinião do Ministro
da Cultura Juca Ferreira, sobre o tema, bem como, a reação de produtores brasileiros a esta de-
terminação, e de ações relevantes do Ministério da Cultura (MinC) nessa direção.
Com base nas informações veiculadas na página Ilustrada do jornal Folha de São Paulo,
no dia 04/02/2016, por Dimmi Amora, esta decisão do TCU foi tomada ao analisar a regularida-
de do incentivo fiscal ao “Rock in Rio” e a outros eventos culturais com cobrança de ingresso,
patrocínio e outras fontes de receitas. Segundo essa matéria, só o festival de rock de 2011 teria
captado R$ 6 milhões provenientes de empresas, que depois puderam abater 30% desse valor
do Imposto de Renda. Pela decisão, os valores já captados poderão ser mantidos e não haverá
1
Doutoranda e mestre em Políticas Públicas e Formação Humana UERJ. Gestora cultural, atriz, jornalista. Pro-
fessora da Pós Graduação em Produção Cultural da Universidade Cândido Mendes e do Curso de Formação de
Gestores e Agentes Culturais SEC/MinC. E-mail: anapardo.teatralidade@gmail.com
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punição para os gestores que autorizaram patrocínios a esses eventos. O percentual de desconto
do Imposto de Renda pode variar de 30% a 100%.
A investigação do TCU começou em 2011 após denúncia do Ministério Público, ao en-
tender que a Lei Rouanet (1991) proíbe que esse tipo de evento receba incentivo fiscal. Sobre
isso, o Ministro Augusto Sherman, relator do processo se pronuncia: “Não consigo vislumbrar
interesse público a justificar a renúncia de R$ 2 milhões de receita do Imposto de Renda em be-
nefício da realização de um projeto com altíssimo potencial lucrativo, como o ‘Rock in Rio” (In:
Folha de São Paulo digital, 04/12/2016). É importante ressaltar que essa decisão do TCU não
impede todos os projetos comerciais de receber incentivos fiscais. Segundo a decisão, devem
ser vetados somente os que se mostrarem capazes de se autossustentar ou que não necessitarem
do mecenato para ocorrer. Segundo o TCU, o próprio Ministério da Cultura tem normas inter-
nas capazes de fazer essa distinção. Quando uma empresa pede que seu projeto cultural seja
enquadrado na lei, ela tem que informar ao governo os valores que serão arrecadados, a relação
custo/benefício e o impacto do incentivo na realização do evento, entre outros dados. No caso
do “Rock in Rio” (AMORA, 2016, p. 1), por exemplo, havia R$ 34 milhões de reais em receita
prevista pelos organizadores do evento. Além disso, os técnicos do MinC têm que dar parecer
dizendo se o projeto se enquadra na lei e pode receber incentivo fiscal. De acordo com a decisão,
este Ministério não poderá aceitar contrapartidas do empreendedor (como doação de ingressos,
por exemplo) para justificar a permissão para a captação de recursos.
A renúncia de receitas do governo federal para a cultura foi de mais de R$ 5 bilhões, nos
últimos quatro anos, segundo dados do MinC. Os técnicos do tribunal que analisaram a questão
e elaboraram parecer sobre o caso entenderam que, apesar de serem moralmente inaceitáveis, os
incentivos fiscais não são ilegais. Mas os ministros, que têm a palavra final sobre os processos,
concordaram com a tese dos procuradores. Para eles, o projeto para ser incentivado tem que ter
interesse público.
Segundo Sherman, a lei determina que os Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos
(o FICART) deveriam incentivar projetos com fins meramente comerciais. Como o FICART
nunca foi criado, o MinC acaba usando o Fundo Nacional de Cultura, voltado para projetos com
menor possibilidade de captar recursos, para todos os projetos.
O MinC, responsável pela autorização dos projetos culturais, também apresentou argu-
mento no processo pela concessão do benefício, alegando que não poderia negar o subsídio para
projetos comerciais lucrativos. Em nota, afirma que tecnicamente todos os projetos que captam
recursos pela Lei Rouanet são capazes de atrair investimentos e ser potencialmente lucrativos, por
isso “não há uma classificação a respeito do assunto”. Neste documento, o MinC defende uma
mudança na lei para acabar com o que considera “distorções” e permitir “a oferta de apoios finan-
ceiros diversos e tendo o incentivo fiscal, afeito ao mercado, como mecanismo complementar”. O
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relatório do TCU aponta que o patrocínio distorce os objetivos do MinC, como o incentivo à cul-
tura regional, já que o dinheiro prioriza as estratégias de marketing das empresas patrocinadoras.
Para auxiliar em nossa análise, apresentamos abaixo os dados do MinC (Salic Net),
acerca da distribuição da renúncia fiscal por categoria, onde se percebe que as áreas de maior re-
núncia fiscal são as Artes Cênicas, com 25,37%, e a Música, com 21,82%. O que chama atenção
nos dados, é o valor total que foi arrecadado, de R$11,3 bilhões em isenções para apenas 33 mil
projetos, o que equivale a 1 projeto apoiado para 3,53 apresentados.
Aqui neste outro mapa, podemos observar que há assimetrias regionais, se comparar-
mos, por exemplo, os dados da Região Norte em relação à Região Sudeste.
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Essa distorção entre as regiões é apontada pelo Ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante
entrevista concedida ao jornal O Globo (ÉBOLI, 04/02/2016), mostrando que tudo o que foi apli-
cado, via Lei Rouanet, nas regiões Norte e Nordeste de 1993 até 2014 é menor do que foi aplicado
somente na Região Sudeste em 2014. “Esses já estão inseridos no sistema”. São vulgarmente
chamados de “consagrados”. “Não tenho nada contra os consagrados. Fazem arte de qualidade
e é sinal que são bem aceitos, mas a distribuição (dos benefícios) tem que respeitar o interesse
público. Os beneficiados (pela Lei Rouanet) são sempre os mesmos”.
No gráfico seguinte, apresentamos os dados, disponibilizados pelo MinC (http://siste-
mas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php), com os principais proponentes e os valores
captados em milhões no ano de 2015. Podemos observar que a Aventura Entretenimento Ltda.
encabeça a lista, realizadora de musicais, como “O mágico de Oz”, “Um violinista no telhado”,
“A borralheira”, “A noviça rebelde”, “Vamp”, o musical, (em que obteve aprovação para cap-
tar R$ 12.912.280,00), “Hair”, “Turnê Chacrinha, o Musical”, entre outros, e projetos como: o
“Rock in Rio 30 Anos Box Brasil”, que captou 5,5 milhões via Lei Rouanet.
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Fonte: Salicnet/Minc
Na tabela abaixo, observamos que os bancos encabeçam a lista dos dez maiores incenti-
vadores através da Lei Rouanet no ano de 2015.
Neste outro gráfico, vemos que as Artes Cênicas, seguidas pela Música, são principais áreas
incentivadas.
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Gráfico 1: Série Temporal das principais áreas incentivadas pela Lei - Milhões de Reais 1992/2015
Fonte: Salicnet/Minc
Após a Lei Rouanet, a segunda lei de incentivo à atividade audiovisual foi criada em
1993. De fato, enquanto a Lei Rouanet era comum a todos os segmentos culturais, a Lei nº
8.685/93 é específica da atividade audiovisual.
Por isso, ela ficou conhecida como “Lei do Audiovisual”, o único segmento que possui
uma lei de incentivo específica. Ou seja, as demais categorias artísticas, como o teatro, a dança
e as artes plásticas podem captar recursos federais via renúncia fiscal apenas, através da Lei
Rouanet. Na verdade, a Lei do Audiovisual representou um “plano de urgência” para a recupe-
ração do cinema brasileiro, em intensa crise no início dos anos noventa, com uma participação
de mercado inferior a 1%.
No gráfico a seguir podemos ver os principais investidores e incentivadores e montantes
aprovados em 2011.
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A principal diferença entre a Lei Rouanet e o Art. 1º da Lei do Audiovisual reside no fato
de que os valores aportados por meio deste mecanismo não são meramente um patrocínio ou
uma doação, como era o caso na Lei Rouanet, mas agora passam a ser contabilizados como um
investimento (IKEDA, 2006, p. 4). Dessa forma, de acordo com a pesquisa de Ikeda, o agente
que aporta recursos não é meramente um “incentivador”, como na Lei Rouanet, e sim um “in-
vestidor”. Os valores investidos por meio desse mecanismo são abatidos no imposto de renda
a pagar em 100%. Ou seja, os valores aportados são integralmente abatidos na Declaração do
Imposto de Renda do investidor, aos moldes do Art. 18 da Lei Rouanet.
No entanto, o Art. 1º da Lei do Audiovisual possui uma vantagem fiscal adicional em
relação a este último mecanismo: além do abatimento de 100%, o investidor pode incluir os
valores aportados como despesa operacional, nos mesmos moldes do Art. 25 da Lei Rouanet.
Ou seja, é como se o Art. 1º da Lei Audiovisual conjugasse os dois tipos de dedução fiscal da
Lei Rouanet, beneficiando-se seja do abatimento integral, como no Art. 18, e possibilitando o
lançamento desses valores como despesa operacional, como no Art. 25. Esse fato torna o per-
centual de abatimento real no imposto de renda a pagar superior a 100%. Ou ainda, o abatimento
no imposto de renda a pagar, decorrente de investimento pelo mecanismo, é superior à quantia
efetivamente investida.
O consultor de empresas, Yacoff Sarkovas, especialista na área de imagem corporativa
e projetos culturais, sociais, ambientais e esportivos, é um crítico mordaz da legislação que,
segundo ele, trata cultura como objeto de renúncia e até lucro fiscal. Na entrevista que conce-
deu à Carta Maior (WANDER, 28/04/2006), Sarkovas afirmou que é um sistema perdulário e
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injusto porque cria uma cadeia desnecessária de intermediação, que, ao invés de o dinheiro sair
em linha direta do caixa público para a ação cultural, cria-se uma cadeia de intermediação desse
recurso em meio a milhares de empresas, exige-se uma série de captadores e é injusto porque
ele não estabelece uma relação entre dinheiro público e interesse público. Mas a maior distorção
está na Lei do Audiovisual e explica os motivos.
Você sabia que, quando você entra no cinema e vê aquela marca na
abertura dos filmes, você está pagando para aquela empresa usar aquela
marca naquele filme? O desconto via lei, nestes casos, chega a 132%, ou
seja, aquela marca que abre o filme pegou R$ 1 milhão de reais do di-
nheiro público - porque ela não pegou um centavo do bolso dela - e deu
para aquele filme acontecer. Em troca, pediu uma série de benefícios,
inclusive aquele benefício de imagem. Além de ela deduzir do imposto o
R$ 1 milhão que ela “deu”, ela deduz também R$ 320 mil porque lança
como despesa, aquilo se abate sobre o lucro e, na incidência, vira lucro.
O poder público, o Estado brasileiro, paga para que empresas privadas
decidam onde se vai colocar o dinheiro público em forma de incentivo
cultural, é assim que tem que ser vista a Lei do Audiovisual. A popu-
lação brasileira não sabe disso, o cidadão brasileiro não sabe disso e
precisaria saber (WANDER, Carta Maior digital, 2006).
Como vimos, esse sistema de leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal é uma noção
que cresce de maneira assustadora, além de demonstrar uma grande concentração de grandes
empresas e bancos, de projetos, de proponentes de maior porte, de volumosos recursos, de seg-
mentos e de regiões, em geral, Sudeste e Sul e, em seguida, Nordeste, em detrimento das regiões
Norte e Centro-Oeste. Em função disso, o Ministro da Cultura Juca Ferreira considerou positiva
esta decisão do Tribunal de Contas da União, de que projetos culturais lucrativos não se bene-
ficiem da Lei Rouanet. Ferreira diz que há distorções na lei, que beneficiaria apenas “consagra-
dos” e não atenderia aos interesses públicos, e que, hoje, não há como evitar que isso ocorra. A
solução, para ele, está em aprovar o Pró-Cultura, em tramitação no Congresso Nacional. Para o
Ministro, a determinação tem um aspecto positivo por mostrar sensibilidade com as distorções
da Lei Rouanet na medida em que a lei, de fato, transgride o princípio do interesse público, deixa
de atender e apresenta múltiplas distorções. Segundo Juca Ferreira, a lei representa 80% do que o
governo aplica em fomento à cultura e o critério não é o da necessidade de uma política pública
de cultura. No entanto, essas declarações do Ministro da Cultura Juca Ferreira, dadas após a de-
cisão do TCU proibindo o MinC de autorizar a captação de recursos, via Lei Rouanet, a projetos
financeiramente viáveis, não foram bem recebidas pelo meio artístico (O Globo, 04/02/2016).
Na entrevista concedida ao jornal O Globo, o ativista cultural Júnior Perim, do “Circo
Crescer e Viver”, diz que fechar a torneira da Lei Rouanet cria desafios ao setor:
Corrigir distorções da Lei, com a aprovação do Pró-Cultura, sou favorá-
vel. Mas antes disso impedir o uso do mecanismo, num contexto em que
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o fundo de cultura, o Ficart e o mecenato. O fundo, que repassa recurso público direto para ações
culturais, tem claramente fundamentos bem sociais, na sua gênese. Segundo ele, isto significa
dizer que sua distribuição deve se preocupar em ser regionalmente equitativa e destinada aos pro-
jetos e produtores que emulem ações aos menos favorecidos. O Ficart é uma estrutura permitida
pela lei para que empresas possam constituir e operar fundos no mercado de valores mobiliários.
Cesnik considera que, ao contrário do que diz a decisão do TCU, de que o Ficart nunca foi criado,
não há aqui, portanto, nenhuma falha do Poder Executivo.
A constituição dos fundos se encontra regulamentado por decreto, pela
CVM e aberto para instituições financeiras que queiram estruturá-los.
Aqui estariam contempladas atividades comerciais e industriais exclu-
sivamente. Não há nada por fazer, a não ser propor uma mudança de
lei criando incentivos fiscais, como nos Fundos de Cinema (Funcines),
para que as instituições financeiras se interessem por constituir fundos
desse tipo.
E, por fim, menciona que o mecenato contempla ações sociais e também comerciais,
“tanto que autoriza empresas com finalidade lucrativa de propor projetos” (Cultura e Merca-
do,2016:www.culturaemercado.com.br/site/pontos-de-vista/sobre-tcu-e-lei-rouanet)
Afinal, qual seria o objetivo de uma empresa comercial se não a de ob-
ter lucro? A canalização de recurso como forma de desenvolvimento
de mercado acontece em outras áreas onde já se criou incentivo: linha
branca, automóveis, audiovisual etc.. Imagine como seria no caso do
audiovisual: fazemos um filme sem saber quanto ele trará de público; se
levar muita gente ao cinema, não poderia ter havido incentivo. Mas me
explique: como descobrir isso previamente?
Para Cesnik, a decisão do TCU parece fundar-se numa perspectiva muito mais moralista
do que com base na lei e seus preceitos. O advogado considera que o Poder Legislativo, órgão
ao qual o TCU está vinculado, editou a Lei Rouanet para que se fomentasse o mercado, a indús-
tria e estimulasse a geração de emprego, renda e, por que não dizer, desse lucro aos agentes do
setor. Ele reconhece que o Poder Executivo tem agido, de forma cuidadosa ao longo dos últimos
anos, para criar mecanismos de democratização, acessibilidade, sempre de maneira responsável
e respeitando os ditames legais. Mas, nesse caso, propõe que a decisão seja reformulada e consi-
dera que o setor cultural avançou bastante com a Lei Rouanet durante esses anos, devendo agora
apoiar o MinC nesse recurso junto ao TCU e acalmar o mercado.
A decisão do tribunal, com o devido respeito, deve ser reformada sob
pena de subverter o comando da lei e criar um conceito, na minha visão,
insustentável do ponto de vista técnico: como prever de antemão, sem
juízo de valor, que um produto cultural vai ser lucrativo? A Lei Rouanet
traz comandos vinculantes e pouco discricionários que estão permitin-
do o meio cultural se desenvolver e muito nos últimos 25 anos. Não
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apenas 20% conseguem algum apoio. O resto se frustra. Não tem inte-
resse público nisso.
Para Juca Ferreira, a Lei Rouanet é uma “injustiça federativa”, por beneficiar segmentos
que não são os que mais precisam de apoio público. Segundo ele, 80% dos projetos liberados
para captação pela Comissão Nacional de Investimento Cultura (CNIC) são dos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, com o agravante de estarem centralizados em poucas empresas. “Um
artista que esteja contrariando o senso comum não interessa. É uma seleção perversa, feita com
dinheiro público. É importante perceber isso para termos uma posição clara sobre o assunto”,
afirmou (ÉBOLI, 2016). Segundo ele, essa sua visão determinada foi construída a partir de da-
dos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA), além de sua prática diária no MinC. “Não culpo as empresas, culpo a lei
que refletiu um momento determinado do processo de amadurecimento do país, na redemocra-
tização. Mas já estamos muito adiante”. Para o Ministro, além da luta pelo orçamento na área
cultural, é preciso qualificar esse gasto e garantir a descentralização e a democratização dos
repasses. Ele ressaltou que, apesar de as empresas poderem receber 100% do valor investido
em projetos culturais via Lei Rouanet, o índice está caindo “velozmente”, criando um “caos”
na área porque não há outras fontes de recursos disponíveis no momento.
Na verdade, desde a gestão de Gilberto Gil, no MinC, em que Juca Ferreira exerceu
naquele período a função de Secretário Executivo, com início em 2003, houve um amplo de-
bate pelo país, através do Seminário Cultura para Todos – Financiamento público da cultura e
leis de incentivo, que teve o objetivo de debater e recolher subsídios para a formulação de uma
política pública de cultura para o país. Dirigido a artistas, produtores culturais e empresários, a
iniciativa do MinC com este Seminário visava também discutir as Leis Rouanet e do Audiovisu-
al, procurando inseri-las dentro de uma visão mais ampla, buscando caminhos mais abrangentes
para o fomento à cultura. O Seminário foi realizado em todas as principais capitais do Brasil e
embora tenha centralizado o debate no ponto mais polêmico, que é o patrocínio, foram discuti-
dos os temas: os objetivos da legislação, os mecanismos da legislação, a regulamentação das leis
e a operacionalização da legislação.
De 2003 pra cá, a Lei Rouanet já passou por algumas mudanças. Uma das medidas foi
através da Portaria nº 54, assinada pelo Ministro Juca Ferreira e publicada em 5 de setembro de
2008, no Diário Oficial da União, conforme foi publicado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia
17/09/2008 O jornal Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mu-
dou-na-lei-rouanet/ ). De prático, a nova portaria elimina algumas exigências como, por exemplo,
a apresentação de documentos de cessão de direitos autorais, no ato de inscrição dos projetos,
sendo necessária apenas a apresentação de carta de anuência (consentimento) do proprietário
ou detentor de direitos. Outra novidade é que passaram a não serem mais exigidos os termos de
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anuência dos artistas ou grupos culturais envolvidos, com a proposta e também o termo de com-
promisso ou confirmação da pauta dos teatros ou espaços que abrigarão os espetáculos e eventos.
“Esta é uma medida de racionalização, simplificação e atendimento à demanda dos produtores”,
segundo o Ministro.
Segundo pesquisa da FASFIL (Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos–
ABONG, GIFE, IBGE e IPEA), que levantou a quantidade e perfil das associações e fundações
brasileiras, existiriam 11.995 organizações sem fins lucrativos na área da cultura e arte no Brasil,
representando 4,1% do total das quase 291 mil existentes no país. Além das pessoas jurídicas, a
área cultural também reúne inúmeros produtores culturais e artistas, que realizam ações no cam-
po da cultura. Há várias fontes para o financiamento de projetos culturais, públicas ou privadas,
nacionais e até internacionais. Dentre elas, entretanto, a Lei Rouanet é uma das mais utilizadas. O
MinC publicou, no dia 1º de julho, a Instrução Normativa nº 1, de 24 de junho de 2013, que esta-
belece procedimentos para a apresentação, recebimento, análise, aprovação, execução, acompa-
nhamento e prestação de contas de propostas culturais, com relação ao mecanismo de incentivos
fiscais do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC e traz importantes mudanças.
A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) difundiu as mudanças na lei
(http://captacao.org/recursos/artigos/986-ministerio-da-cultura-publica-nova-instrucao-normati-
va-para-a-lei-rouanet/ ) 1. Caiu o limite que fixava a autorremuneração do proponente em 10%
do total do projeto até o teto de R$ 100 mil. A partir de agora, o proponente não terá mais essa
limitação e continuará podendo ser remunerado dentro de seu projeto, desde que o mesmo preste
serviços dentro do projeto, discriminando no orçamento analítico quais serão suas rubricas. É
importante dizer que o proponente deverá apresentar mais 2 orçamentos, comprovando que seu
preço é o mais econômico. 2. Apesar de possuir um CNPJ, o microempreendedor individual foi
equiparado à pessoa física na Lei Rouanet e terá os mesmos direitos e deveres da mesma, inclu-
sive as limitações (números de projetos ativos e total permitido para os projetos). 3. Tornar-se-á
obrigatório, no plano de distribuição dos projetos, em que haja previsão de público pagante ou
comercialização de produtos culturais: mínimo de 10% para distribuição gratuita à população
de baixa renda; até 10% para distribuição gratuita promocional pelos patrocinadores; até 10%
para distribuição gratuita promocional em ações de divulgação do projeto. Além disso, o custo
unitário dos ingressos ou produtos culturais deve observar os critérios: mínimo de 20% para co-
mercialização a preços populares e não superiores ao teto do vale cultura (que hoje é R$ 50,00);
até 50% para comercialização a critério do proponente. 4. O Plano Anual de Atividades poderá
ser apresentado por entidades sem fins lucrativos podendo contemplar, além dos projetos e ações
anuais, a manutenção da entidade. Este tipo de projeto deve ter caráter permanente e continuado.
No entanto, mesmo com o esforço do Ministro Gilberto Gil, desde o ano de 2003, rea-
lizando uma ampla escuta pelo país ao promover o Seminário Cultura Para Todos, e nas duas
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gestões do Ministro Juca Ferreira, de fazer algumas mudanças na lei, o fato é que o sistema de
financiamento precisa passar por uma mudança estrutural. Segundo Mônica Drummond, pro-
prietária da Cultural Office, empresa que, desde 1997, viabiliza projetos por meio do mecanismo
federal, o difícil não é aprovar o projeto na lei (SANTOS, Gazeta do Povo, 17/09/2008: http://
www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-que-mudou-na-lei-rouanet/ ). “Aprovar um projeto na Rouanet
não é um ‘bicho de sete cabeças’. O difícil é, uma vez aprovado, captar os recursos para via-
bilizar o projeto”, critica. No entendimento de Mônica, o MinC deveria tomar duas medidas:
“Primeiro, fazer uma campanha nacional para incentivar empresários a renunciar aos impostos e
apoiar a lei. Depois, é preciso criar mecanismos para que empresas que atuam no Paraná apoiem
projetos locais.” Mônica diz que as empresas instaladas ali até renunciam impostos, mas “gos-
tam” (ou preferem) investir em empreendimentos culturais do eixo São Paulo-Rio.
Uma outra distorção da Lei Rouanet, apontada pelos produtores culturais (BORDONI,
14/09/2015), as políticas e investimentos do Estado em cultura contemplam apenas o universo ar-
tístico e excluem um campo vasto da expressão e diversidade cultural no país. Para isso, o Estado
deve adotar um conceito que entenda os fazeres das pessoas e da coletividade como manifestação
cultural, expressa a pesquisa realizada na Faculdade de Direito da USP, por Danilo Júnior de
Oliveira (http://www.usp.br/aun/exibir.php/ ). Este pesquisador defende que as políticas de in-
centivo à cultura devem ser aplicadas a todos os cidadãos, e não apenas aos artistas e intelectuais.
“As políticas públicas de saúde não são feitas para os médicos, as políticas públicas de educação
não são feitas para os professores, são feitas para a população toda, então para a cultura também
precisa desse entendimento”, argumenta o pesquisador, em citação à fala do Ministro da Cultura,
Juca Ferreira.
Ainda segundo Oliveira, a lei é positiva para o desenvolvimento da cultura, porém a
destinação dos recursos não pode ser feita majoritariamente a ela, e sim ao Fundo Nacional de
Cultura (FNC), que não envolve a iniciativa privada. Segundo ele, com a distribuição de verba
atual – de R$ 1 bilhão para a Lei Rouanet e, após os cortes de orçamento desse ano, de R$ 100
milhões ao FNC – a cultura popular, da periferia e produzida no interior do país não tem lugar
para crescer e ganhar reconhecimento. O pesquisador defende o aumento na verba destinada à
cultura, e a sua distribuição, no mínimo igualitária, entre a Lei Rouanet e o FNC. A proposta é
contemplada por projeto de lei que pretende criar o Programa Nacional de Fomento e Incentivo
à Cultura (ProCultura).
O Projeto de Lei nº 6.772/2010, que institui o ProCultura, prevê que o FNC seja o prin-
cipal mecanismo de financiamento federal à cultura. O programa, previsto para substituir a Lei
Rouanet, propõe um novo modelo de financiamento federal à cultura e mudanças substanciais
no mecanismo de incentivo cultural, por meio de renúncia fiscal. Para isso, o FNC será trans-
formado em um fundo de natureza contábil e financeira e também poderá receber recursos por
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meio de doações e patrocínios. Na prática, isso tornará possível repassar recursos não utilizados
em um exercício para o ano seguinte.
Hoje, como o fundo é apenas contábil, o saldo anual precisa ser devolvido ao Tesouro
Nacional. O ProCultura também estabelece mecanismos de regionalização dos recursos, que
serão destinados em parte a fundos estaduais e municipais, com vistas a financiar políticas pú-
blicas dos entes federados. Juca Ferreira está otimista com a possível aprovação do PróCultura,
pois já passou na Câmara e no Senado e, segundo ele, já está no Congresso.
No Pró-Cultura, a renúncia fiscal deixa de ser o principal mecanismo
de fomento e incentivo. Não acabamos com ela, mas vamos dar racio-
nalidade. Se tem potencial de lucro, em vez de dar dinheiro de graça,
seremos (o governo) co-financiadores e vamos participar do lucro com
o que investimos. E esse recurso seria disponibilizado para o Fundo Na-
cional de Cultura.
O Ministro esteve na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, para expor
aos senadores as políticas e diretrizes do MinC para os anos 2015 e 2016 e aguarda ansiosamen-
te por esta aprovação por parte do Congresso.
ALGUMAS CONCLUSÕES
É possível perceber, da trajetória cumprida pela Lei Rouanet, nesses 25 anos de criação,
muito mais do que um grande volume de eventos e ações culturais, principalmente de médio e
grande porte, promovidos, em geral, na centralidade das grandes capitais brasileiras. Seus en-
traves e distorções, assim como o debate acalorado entre produtores e gestores, nessa questão,
expressa, da mesma forma, um Brasil de profundas desigualdades, contraditoriamente, susten-
tadas com dinheiro público.
De um lado, temos um perfil de proponente que dispõe de estrutura bastante profissiona-
lizada, de projetos bem elaborados e consequentes portfólios que impressionam resultando em
grandiosos espetáculos, shows, exposições e demais eventos, a reforçar a grande arte e a celebri-
dade do artista, que parecíamos ter ultrapassado no contemporâneo; expressa o mesmo padrão
e forte tendência de promover os megaeventos que são replicados nas grandes e também nas
pequenas e precárias cidades. Revela a hegemonia dos musicais, na maior parte americanos e
que, anualmente, captam milhões, encenados em grandes teatros privados com caros ingressos,
atividades com ousados planos de comunicação para difundirem a marca das empresas que são
atraídas a patrocinar. Este é um pequeno nicho de grandes e médios produtores no mercado, mas
que consomem a maior parte dos recursos disponíveis.
Do lado de fora da porta, porém, nos deparamos com uma massa gigantesca de agentes
culturais, individuais, grupos e coletivos, que, embora realizem ações diárias em arte e cultura,
seus projetos não costumam ser apoiados. Ou seja, mais do que uma concentração de recursos
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para duas cidades (as capitais), e são sempre os mesmos proponentes que recebem: os que dão
retorno de imagem às empresas. Segundo o Ministro, não é culpa da empresa se criamos um
mecanismo para isso, ele pode ser usado. Mas não é parceria público-privada. Mais do que isso,
que cultura e arte estamos ajudando a se perpetuar? Aparece aí uma clara oposição entre arte e en-
tretenimento numa luta inglória, injusta, desigual, hegemônica e pobre de criação, se quisermos
espelhar a tal diversidade cultural e os diferentes potenciais de invenção. Ao fazermos essa esco-
lha e mantermos o modelo estamos deixando de lado a experimentação de projetos mais ousados
que apontem noutra direção, uma vez que todo o processo de criação implica enfrentar os riscos.
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e anuncia: irá ao Senado para que empresas deduzam, no máximo, 80% do que investem em projetos
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RESUMO: Muitos avanços aconteceram na forma de pensar e agir das políticas culturais no
Brasil. Este artigo buscar um olhar para a maleabilidade dessas conquistas, trazendo o exemplo
da cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com questões sobre instabilidade e
ausência – adjetivos já tanto usados na análise nacional da cultura – e também sobre territoriali-
zação e desenvolvimento – o debate urgente e contemporâneo das cidades e do papel da cultura
em suas estratégias.
PALAVRAS-CHAVE: Política cultural, Territorialização da Cultura, Duque de Caxias.
A cidade de Duque de Caxias tem uma história com fincos intensos de violência. A exis-
tência da cidade, na atual configuração, foi formalizada na metade do século XX, entre as déca-
das de 1940 e 1950, e é fruto e cúmplice do nascimento das demais cidades do entorno, tendo
assim sua existência em forte vínculo social, político e cultural dentro deste guarda-chuva que as
embarca: a Baixada Fluminense. Trata-se, portanto, de uma configuração recente do território e
sua institucionalidade, em uma região que hoje compreende os seguintes municípios: Duque de
Caxias, São João de Meriti, Seropédica, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Mesquita, Belford
Roxo, Magé, Japeri, Paracambi, Guapimirim e Itaguaí.
Para chegar à discussão da política cultural, é essencial passar por um entendimento do
contexto político da cidade. A cidade ainda luta contra o estigma histórico que carrega de ser a
cidade de políticos aliados ao banditismo social, milícias e personalismos, como na emblemá-
tica figura de Tenório Cavalcanti, imortalizado como “O Homem da Capa Preta” no clássico
do cinema brasileiro da década de 1980 (SOUZA, 2014). Tenório antecede a formalização dos
municípios e representa a fragilidade da figura do Estado de Direito na região, sendo até hoje
presente nos símbolos da cultura local, muitas vezes ressignificado. Estudos de representação
da Baixada Fluminense na imprensa, no recorte das décadas de 1950 a 2000, também destacam
essa chaga: a violência era a editoria mais recorrente, com pouca expressividade nas demais
1
Jornalista (UFV), especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP) e mestra em Cultura e Sociedade (UFBA).
Divulgadora científica do Museu Ciência e Vida, da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.
E-mail: amorimanamaria@gmail.com.
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abordagens (ENNE, 2004). A violência também é simbólica, pois negada de sua identidade.
Duque de Caxias e os demais municípios sofrem, principalmente até a década de 1980, a intensa
compreensão de cidade-dormitório, classificação que a limita como uma dependência da capital,
Rio de Janeiro, e enfatiza o olhar masculino para a cidade, que desconsidera as donas de casa
que permaneciam na cidade e nela construíam suas histórias.
Outra marca conhecida da cidade está no fato de ter recebido toneladas de lixo das cida-
des da Baixada Fluminense e da capital, Rio de Janeiro, no Jardim Gramacho. À beira da Baía
de Guanabara, o lixão funcionou por mais de três décadas, sendo fechado somente em 2012, em
um escandaloso capítulo de crime ambiental e morosidade do Estado com a região.
Ao mesmo tempo, é importante trazer à memória a resistência como uma ideia de resig-
nificação, de construção dos espaços de cultura e cidadania. É deste mesmo chão, do município
que seria Duque de Caxias, que foi fundada, na década de 1920, a Escola Proletária de Meriti,
voltada para uma comunidade rural carente, renomeada posteriormente como Escola Regional
de Meriti e mais conhecida como Mate com Angu, referência à merenda escolar servida - uma
das primeiras da América Latina a dar esta assistência aos alunos. Aqui fica, portanto, o retrato
de outra personalidade local: Armanda Álvaro Alberto, educadora e militante que também é
presente nas referências locais, como no próprio nome do cineclube Mate com Angu, uma das
maiores referências de produção cultural da cidade.
A retomada desses dois símbolos, obviamente, não busca uma delimitação exaustiva da
cidade, mas fornece uma síntese - de forma passageira, mas não intencionalmente binária - de
um pensar sobre a cidade e suas possibilidades. Isso em suas diversas esferas, aqui incluindo a
cultura. Pois essa é uma das balanças em que vive Duque de Caxias: potência e exclusão.
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da identidade e diversidade cultural brasileira. No paralelo acima citado, Duque de Caxias ainda
demonstra a fragilidade institucional da pasta, o que, mesmo que não representando nenhuma
visão específica da cultura, reflete na descontinuidade de processos, tornando o processo de efe-
tivar políticas culturais mais moroso.
Porque não linear e sujeita a diversas vozes, essa delimitação da política cultural caxien-
se em semelhança à instabilidade não significa, contudo, que não tenha existido nenhum esfor-
ço que dialogue com as premissas que o governo federal desenvolvia para a cultura. Uma das
pautas presentes na pasta esteve em consonância com os avanços do debate de política cultural
nacional, tal qual o plano municipal de cultura (aprovado em 2015), o conselho de cultura (que
se tornou órgão deliberativo) e as conferências de cultura (foram realizadas, por exemplo, seis
conferências municipais de cultura, entre 2005 e 2015) - isto não significa que todos estes pro-
cessos sejam isentos de ressalvas em suas formas, mas representam o esforço da institucionali-
dade, mesmo em uma pasta tão frágil, que sequer conta com um quadro de servidores estatutá-
rios. Ainda sobre a estruturação, é válido ressaltar que no relatório da V Conferência Municipal
de Cultura, realizada em 2013, consta que, conforme fala do então secretário Jesus Chadiak, o
orçamento da cultura da cidade era de 0,16%.
Para continuar com os números, é importante ressaltar que, apesar de sempre associada
a imagens de violência e pobreza, estamos falando de um dos municípios mais ricos do país,
presente entre as melhores economias municipais do Brasil. Em 2013, por exemplo, para seguir
a mesma data anteriormente citada, Duque de Caxias registrava um dos maiores Produto Interno
Bruto (PIB) do país, com a marca de mais de 25 bilhões de reais, número semelhante do PIB de
capitais de estados, como Goiânia (GO) e Vitória (ES).
Já foram citadas as instabilidades da gestão e da existência da secretaria. Os espaços
culturais também são afetados, ainda dentro do recorte recente:
A Secretaria possuía, através de leis municipais, a Companhia Munici-
pal de Dança e a Escola de Artes Barbosa Leite [criada por lei municipal
em 1992] que oferecia vários cursos de formação artística na cidade. A
primeira foi desativada na gestão de Carmen Miguellis [2005-2008] e a
de Artes foi extinta na gestão de Guttemberg Cardoso. Havia o Centro
de Tradições Populares instalado por Dalva Lazaronni na segundo andar
do restaurante popular. Este espaço abrigava a Liga Municipal de Capo-
eira, a Associação do Expositores da Feira de Artesanato, a Folia de Reis
Flor do Oriente e a Associação Carnavalesca de Duque de Caxias. O
Centro de Tradições foi desativado na administração de Jesus Chediak
e o espaço é ocupado pela Secretaria Estadual de Diversidade Sexual.
(MARQUES, 2014b.).3
3
MARQUES, Alexandre. [Políticas de Cultura em Duque de Caxias – 2] Os Aparelhos Municipais. Disponí-
vel em: <http://lurdinha.org/site/politicas-de-cultura-em-duque-de-caxias-2-os-aparelhos-municipais/>. Acesso em
10/02/2016.
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Todos esses apontamentos ainda trazem uma questão às políticas culturais em Duque
de Caxias, que remonta a outra triste tradição apontada por Rubim (2007): a ausência. Isso será
destrinchado em dois olhares: o dos “grupos comunitarios organizados”, retomando o conceito
inicial de Canclini, e o do Estado.
Em uma relação de afastamentos, falta de recursos e de fragilidade institucional, é visí-
vel o reflexo na organização dos coletivos de cultura de Duque de Caxias. Um exemplo recente
desse incômodo está na visita do ministro Juca Ferreira à cidade com a pauta de conversar sobre
cultura na Baixada Fluminense, em agosto de 2015. O local escolhido para receber o ministro
foi um ponto de cultura, Lira de Ouro, espaço referência dos coletivos culturais da cidade. Sem
fala institucional da administração local, a escolha do lugar em detrimento do equipamento mu-
nicipal, o Teatro Raul Cortez, distante apenas 600 metros do local, foi simbólico desta relação.
Este mesmo encontro também simbolizou o afastamento da escuta das demais administrações
(estadual e federal) na cidade: os pontos de cultura representam a presença do Ministério da
Cultura na cidade e, estadualmente, não há nenhum equipamento da pasta da cultura em funcio-
namento na cidade, o terceiro mais populoso do Rio de Janeiro.
Podemos tomar como exemplo os museus. Existem três espaços identificados como mu-
seus na cidade de Duque de Caxias: Museu Vivo do São Bento, um museu com a proposta
de percurso, ligado à Secretaria Municipal de Educação; o Museu da Taquara e do Duque de
Caxias; e o Museu Ciência e Vida, vinculado à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia. Ain-
da podemos acrescentar o Instituto Histórico, da Câmara Municipal, e o CEPEMHEd - Centro
de Pesquisa, Memória e Hstória da Educação de Duque de Caxias e Baixada Fluminense, da Se-
cretaria Municipal de Cultura. Ou seja, o único equipamento estadual que também pode atender
a demandas culturais, mais por sua estrutura do que por sua constituição, não tem vínculo direto
com a Secretaria Estadual de Cultura, e sim com a Ciência e Tecnologia. Aliás, no sistema de
busca de espaços culturais, disponível no site desta secretaria, ao ser selecionado o município de
Duque de Caxias, há apenas um resultado apontado: a Biblioteca Comunitária Solano Trindade,
que, apesar de contemplado pelo edital Pontos de Leitura, no Ministério da Cultura, é uma ini-
ciativa de moradores.
Falando em bibliotecas, pode-se pensar na existência de uma interessante política cultu-
ral que o governo do Rio de Janeiro aplicou em seu território inspirado nas ações de Medellín,
na Colômbia, as Bibliotecas Parque:
En el marco del Plan de Desarrollo 2004-2007, la Alcaldía de Medellín
desarrolla el proyecto estratégico Parques Biblioteca, cuyo objetivo es
dotar a la ciudad de espacios públicos de calidad que tengan funciones
culturales, recreativas, educativas, de esparcimiento, formación y apoyo
a las comunidades menos favorecidas de la ciudad. En este sentido de
reequilibrio social y territorial, se planifica la construcción en Medellín
226
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políticas culturais
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4
Portal Cátedra Medellín Barcelona. Parques Biblioteca - Ficha de Presentación. Disponível em: <http://cate-
dramedellinbarcelona.org/archivos/pdf/34-BuenasPracticas-ParquesBiblioteca.pdf> . Acesso em 10/02/2016.
227
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fértil” da produção cultura, ainda que, corretamente, destacando que esse cenário é “é movido
a um ‘faça-você-mesmo’ colaborativo, pelo fortalecimento da tradição local (e suas histórias
e personagens) e pela ocupação de espaços públicos ou alternativos”5(LICHOTE; GOULD,
2015). Também quando, na mesma conjuntura, a Empresa Brasil de Comunicação abre espaço
da programação para falar sobre a Baixada, incluindo reuniões com os produtores locais para
pensar a forma e conteúdo dos materiais6 (OLIVEIRA, 2015).
Mérito da produção cultural de Duque de Caxias, o reconhecimento desta cidade pela
cultura deve ser um dos recursos de problematização das políticas culturais e para a cidade. A
tal disputa é realizada, portanto, há décadas pelos moradores. É necessário que a expressão saia,
portanto, do etéreo - que se pensem as narrativas, mas que se concretizem políticas e sujeitos.
Em outras palavras: que entre em campo a institucionalidade. Na esfera municipal, estadual e
federal, o poder público não responde à cidade como um protagonista. Parece que a disputa de
narrativa está na execução de políticas por parte da administração, e não um exercício comuni-
tário. Assim, como reforça Milton Santos na sua ideia de território, Duque de Caxias precisa de
um ponto de inflexão na forma como seu território tem tratamento político.
Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, con-
sumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai
mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes
de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mes-
ma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo
o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a
possibilidade de ser mais, ou menos, cidadão depende, em larga propor-
ção, do ponto do território onde está. (SANTOS, 2007, p.81).
Não observar as políticas culturais na cidade de Duque de Caxias, principalmente em
um caráter estruturante das ações, significa destoar com a política federal de avanços na cultu-
ra, com suas diretrizes e com os discursos que as sustentam. Trata-se, portanto, da necessidade
urgente de relacionar a cultura, localmente e em diálogo com os demais poderes, com as pastas
de desenvolvimento.
Assim, as políticas culturais passam a participar dos processos de mu-
nicipalização, com o objetivo de resgatar, através do fomento à diversi-
dade cultural, a capacidade de autodeterminação dessas comunidades,
trabalhando essa diversidade a favor do desenvolvimento territorial sus-
5
LICHOTE, Leonardo; GOULD, Luiza. Na Baixada, momento fértil da cultura urbana culmina com en-
contro do ministro Juca Ferreira e artistas locais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/na-baixa-
da-momento-fertil-de-cultura-culmina-com-encontro-do-ministro-juca-ferreira-artistas-locais-17071739#ixzz-
3zWbzE4pT>. Acesso em 09/02/2016.
6
OLIVEIRA, André de. EBC realiza encontro com a Cultura da Baixada Fluminense. Disponível em:
<http://blogdoandredeoliveira.blogspot.com.br/2015/08/ebc-realiza-encontro-com-cultura-da.html>. Acesso em:
09/02/2016.
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3. CONCLUSÃO
Instabilidade, autoritarismos e ausência não são palavras de poder absoluto e determina-
das cronologicamente quando as pensamos como adjetivações das políticas culturais. Isso por
uma questão simples: as políticas, culturais ou não, em termos estritos, não são indestituíveis,
perenes, pétreas por si só - e nem deveriam. O que o olhar reflexivo que nos propomos busca
trazer é a evidência da concomitância entre agendas de cultura progressistas e entraves (para
manter as tais tradições, ausências e instabilidades) que se percebem em outras experiências.
Assusta, ao pensar na situação específica de Duque de Caxias, pois ela se avizinha da segunda
maior cidade do país, cuidada, em termos estruturantes e pragmáticos, pelas gestões estadual e
federal que compartilha com aquela cidade. Demonstra que o desafio de pensar as cidades e o
seu espaço é uma demanda urgente se quisermos falar de políticas culturais para a cidadania e,
ao menos nos discursos, é pra isso que se tem pautado as mudanças na gestão cultural nacional-
mente desde o início deste século.
Na área da cultura, essa é uma construção que vem marcada de desafios. Principalmente
se pensarmos que as próprias instituições demandam entendimento amplo nas diretrizes políti-
cas para simplesmente existirem dentro das gestões. Por exemplo, no ano de 2014, na cidade de
São João de Meriti, a Secretaria de Cultura foi extinta7, absorvida pela Secretaria de Educação,
7
Portal RJ Notícias. Prefeito de São João de Meriti extinguiu onze secretarias e demitiu três mil funcioná-
rios. Disponível em: <http://www.rjnoticias.com/2014/10/prefeito-de-sao-joao-de-meriti-extinguiu-onze-secreta-
rias-e-demitiu-tres-mil-funcionarios/>. Acesso em 09/02/2016
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com projetos culturais encerrados ou reduzidos. Até mesmo o Ministério da Cultura foi coloca-
do na amargura da dúvida, durante os boatos que corriam da reforma ministerial, em 2015. Isso
sem falar na comum ausência de concursos públicos, em todas as esferas, e o orçamento que,
apesar de ter crescido, nacionalmente, não alcança 2%.
Visualizar a política cultural, na parte que cabe ao poder público, através desse espec-
tro-cidade chamado Duque de Caxias expõe a nudez famélica da cultura quando setorializada
na estratégia política. Torna-se evidente a necessidade que a disputa seja um verbo conjugado
pela administração pública, seja pela “dívida” já histórica com a cidade ou pelo risco de assistir,
apenas, o esvaziamento da cidadania cultural. Duque de Caxias, centrada nela mesma, escancara
a ausência e a instabilidade em políticas, tal como sentido na cultura. Mostra, de uma forma alar-
mante, devido ao seu contexto, furos em discursos e políticas para a cultura, pelos três poderes da
federação e evidencia a necessidade de um “do-in” na forma de pensar a fazer a política cultural
nos municípios, nas lacunas que persistem de forma desastrosa para cidades de tanta potência.
Tem suas produções culturais vivas, mas o enobrecimento da “cultura de resistência” nao
pode virar um motivo para a não-institucionalização da cultura nem jogar o conceito de diversi-
dade cultural como uma maquiagem para a aceitação da ineficiência do estado, pois certamente
não foi este o propósito nas tantas conferências que o Brasil, inclusive, teve papel protagonista.
Uma cidadania cultural exige a institucionalização de instâncias regio-
nais de formulação, implementação e compartilhamento das políticas
e da gestão cultural, bem como a institucionalização de equipamentos
culturais (museus, teatros, cinemas etc.), além da participação das ins-
tituições científicas. (ARAÚJO, 2014, p.138)
As “monarquias culturais” criadas por ausências de territorializações da cultura são en-
traves para a consolidação de uma economia da cultura plural, para a valorização do fazer cultu-
ral e sua diversidade, para a circulação da cultura e para um desenvolvimento que não seja ana-
crônico e se integre ao envolvimento social e cultural, assumindo estas questões como centrais.
Duque de Caxias não precisa ser vizinha do rei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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“Nova” Política Cultural do Estado da Bahia. Disponível em < http://web.ua.es/es/revista-geographos-
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de múltiplas redes culturais e comunicacionais a partir de favelas e periferias do Rio de Janeiro. In:
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encontro do ministro Juca Ferreira e artistas locais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cul-
tura/na-baixada-momento-fertil-de-cultura-culmina-com-encontro-do-ministro-juca-ferreira-artistas-lo-
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RESUMO: O texto tem como propósito abordar algumas questões sobre a legislação dos mu-
seus nos países embrionários do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Este artigo
pretende contribuir com algumas reflexões para a construção de um estudo comparativo sobre
as políticas públicas para reunir informações sobre os museus do Mercosul, no sentido de forta-
lecer o papel dos museus como instituições centrais para a promoção de políticas para a cultura
e a memória.
1. INTRODUÇÃO
Ainda que muito países do Mercosul tenham suas políticas nacionais museológicas bem
definidas, este artigo abordará as políticas públicas para o setor dos países ‘embrionários’ do
Mercosul, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai.
Buscando consolidar a integração política, econômica e social, fortalecer os vínculos
entre os cidadãos e contribuir para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, estes países
‘embrionários’ assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção com o objetivo de
criar o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Três anos mais tarde, firmou-se o Protocolo de
Ouro Preto, configurando-se o marco institucional atual do Mercosul2.
Tendo como meta a integração dos países signatários nos mais diferentes níveis, o tema
das políticas públicas para a cultura ingressou de forma mais significativa na agenda de discus-
sões no final dos anos 1990. Entendendo a cultura como elemento fundamental para a integra-
ção regional, as nações do bloco criaram, em 1998, o Mercosul Cultural. Com o objetivo de
1
Doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS). Professora substituta do Curso de Museologia do Departamento de
Ciências da Informação da UFRGS. E-mail: ana.rodrigues@ufrgs.br
2
Para consultar os documentos de criação do Mercosul na íntegra ver: <http://www.mercosur.int/innovaportal/
file/719/1/CMC_1991_TRATADO_ES_Asuncion.pdf> e <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/721/1/1994_
protocoloouropreto_es.pdf >
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estimular o debate e fortalecer a área, os pontos destacados nesse encontro visaram estimular o
intercâmbio de políticas culturais, o desenvolvimento de estudos, a integração de sistemas de in-
formação e estatística, a promoção de intercâmbios técnicos e artísticos, a gestão do patrimônio
cultural e a valorização da memória social e da diversidade cultural.3
O Mercosul Cultural é constituído pela Reunião dos Ministros da Cultura de cada país
(RMC), entidade máxima do setor, e conta com uma Secretaria, um Comitê Coordenador Regio-
nal (CCR), onde se reúnem representantes dos Ministérios de Cultura para articular a agenda do
setor e três Comissões especializadas, entre elas, a de Patrimônio Cultural (CPC); a de Diversi-
dade Cultural (CDC); e a de Economia Criativa e Indústrias Culturais (CECIC).4
Embora definidas as diretrizes culturais gerais do Mercosul, somente anos mais tarde se
discutiu um plano político para o setor museológico. Em 19 de setembro de 2005, em Buenos
Aires, Argentina, ocorreu a Jornada Los Museos y la Política del Mercosur, onde se ressaltou a
dimensão dada à política de museus dos países do bloco5. Com o objetivo de aprovar uma agenda
de trabalho para articular um plano estratégico para a integração dos museus da região, a “Decla-
ração de Buenos Aires para os Museus do Mercosul” apresentou os aspectos essenciais a serem
trabalhados: os museus do século XXI; Governabilidade e Gestão; Interpretação e Proteção dos
Bens Culturais: Prevenção contra o tráfego ilícito de Bens Culturais; Circulação de Bens Cultu-
rais; Comunicação e Acessibilidade ao Patrimônio; e Política(s) Nacional(ais) de Museus.
Em 23 de novembro de 2012, ocorreu em Brasília a XXXV Reunião de Ministros de
Cultura do Mercosul. Neste encontro foi apresentada a proposta da criação do Programa Mer-
coMuseus, o qual propôs a reunião das instituições e profissionais de museus dos países do
Mercosul em um esforço continuado para o aperfeiçoamento de suas ações e o desenvolvimento
de políticas públicas para a cultura, com vistas a estimular a integração sul-americana pela apro-
ximação entre culturas.6
No sentido de expor outras ações culturais realizadas no âmbito do Mercosul, em 26 de
novembro de 2014 foi realizado um encontro com os ministros de Cultura dos países integrantes
do Mercosul, também em Buenos Aires. Após discutirem os principais pontos para avançar a inte-
gração entre os países da região, foi definido a implementação do “Selo Mercosul Cultural”, uma
certificação para facilitar a circulação de bens culturais entre os países membros do Mercosul.
3
Fonte:<http://www.brasil.gov.br/cultura/2015/04/brasil-sediara-encontros-do-mercosul-cultural> Acesso em
02/02/2015.
4
Fonte<http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/812/paises-do-mercosul-se-reunem-em-brasilia-para-dialo-
go-sobre-patrimonio-cultural> Acesso em 10/09/2015
5
Além dos países membros, este encontro contou com a presença do Chile, país associado ao Mercosul.
6
Fonte:<file:///C:/Users/sem-sedac/Downloads/Presentacin_de_propuesta_MERCOMUSEOS%20(1).pdf> Aces-
so em: 20/09/2015
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Em tal reunião decidiu-se a aprovação das regras para a criação do Fundo do Mercosul
Cultural, visando financiar iniciativas culturais de pessoas físicas ou jurídicas dos países do blo-
co. Também foi acordado que cada país do bloco deverá ainda aprovar a criação do fundo em
seus respectivos parlamentos, com o objetivo de estimular projetos conjuntos de dois ou mais
países em diversos segmentos culturais.7
Dando prosseguimento ao estreitamento das políticas públicas culturais no Mercosul,
em maio de 2015 ocorreu a XI Reunião da Comissão de Patrimônio Cultural do Mercosul8, em
Jaguarão, Rio Grande do Sul, Brasil, onde concluíram-se os procedimentos de reconhecimento
do primeiro bem cultural como Patrimônio Cultural do Mercosul: a Ponte Internacional Barão
de Mauá, localizada na fronteira do Brasil com o Uruguai.
Embora ainda seja um fato recente, estas aproximações das políticas preenche uma lacu-
na na história dos países sul-americanos. Segundo Celina Souza (2006), a maioria dos países de
democracia recente, em especial os da América Latina, ainda não formaram coalizões políticas
capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de
impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de
sua população.
Mas, as reuniões realizadas desde 1998 através do Mercosul Cultural, revelam um esfor-
ço de entender a cultura como uma variável que pode favorecer o diálogo e a integração.
Nesse contexto, em cada temática da política pública voltada para integração regional,
cabe a cada país na presidência pro tempore empreender e responder pelos esforços em áreas de
sua competência institucional.
7
Participaram deste encontro representante da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Peru, Equa-
dor e Colômbia. Fonte: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/
ministros-aprovam-regras-para-fundo-mercosul-cultural/10883> Acesso em 02/09/2015
8
A Reunião da CPC do Mercosul ocorre em presidências temporárias, que se revezam a cada seis meses entre os
países membros plenos do bloco, cada o país fica responsável por empreender ações que favoreçam o esforço de
convergência e de integração regional.
9
Estados Partes são: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de março de 1991) e Venezuela (desde 12 de
agosto de 2012). Estado Parte em Processo de Adesão são: Bolívia (desde 7 de dezembro de 2012). Estados Asso-
ciados: Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia, Equador (desde 2004), Guiana e Suriname (ambos desde
2013).
10
Os Planos Nacionais de Museus dos países são documentos de elaboração recente, sendo o mais antigo o do
Brasil (2003), seguido pela Colômbia e por Cuba (2009), Equador e Uruguai (2012). Já a República Dominicana
criou seu plano estratégico para ser posto em prática entre os anos de 2012 e 2016.
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para os demais, as políticas públicas para museus estão inseridas dentro de um plano político
cultural geral.
Neste sentido será apresentado um panorama sobre a legislação dos museus nestes países
e em quais órgãos institucionais estes se encontram subordinados11.
Embora a Argentina não possua uma legislação específica, existe uma lei de patrimônio
que regulamenta o âmbito dos museus denominado de Dirección Nacional de Patrimonio y
Museos12, vinculada à Secretaria de Cultura da Nação, criada no ano de 2002. Trata-se de uma
Secretaria de Estado com status de ministério, subordinada diretamente à Secretaria Geral da
Presidência. Mesmo que seja uma política que regulamenta o campo museal, o grande entrave
para a implementação de uma Política Nacional de Museus reside no fato de que a Argentina não
possui a definição legal do termo museu.
No Brasil, em 2003, com a entrada de Gilberto Gil13 no Ministério da Cultura (Minc),
foi criada a Política Nacional de Museus (PNM)14. Compreendendo a renovação e a importância
dos museus na vida cultural e social brasileira, a etapa seguinte foi a criação do Sistema Bra-
sileiro de Museus (SBM), por meio do Decreto nº 5.264, de 5 de novembro de 200415. Dando
continuidade à implementação da política no setor, em 2009, foi criado o Instituto Brasileiro
11
Maiores dados podem ser consultados no site do SICSUR (Sistema de informação cultural do Mercosul), através
da publicação “Os Estados da Cultura – Estudo sobre a instituicionalização cultural públicas dos países membros do
SICSUR” (2012). Disponível em <http://www.sicsur.org/archivos/publicaciones/LosEstadosdelaCultura_BR.pdf>
Acesso em 15/09/2015.
12
Tem a responsabilidade de entender, conduzir e planejar estratégias para a investigação, promoção, resgate, pre-
servação, estímulo, melhoramento, acrescentamento e difusão, no âmbito nacional e internacional, do patrimônio
cultural da nação, tangível e intangível, imaterial e oral, em todos os campos em que se desenvolve.
13
Gilberto Gil — Músico brasileiro e ministro (1942). Conhecido pela sua atuação como cantor-compositor no de-
sempenho da qual figurou nos principais movimentos culturais brasileiros como o Tropicalismo e Doces Bárbaros,
Gilberto Gil entrou para a história do país, também, na qualidade de Ministro da Cultura do Governo Lula, pro-
tagonizando uma nova proposta política para a cultura, entendida agora como um elemento central para a inclusão
social e o desenvolvimento humano. (CARVALHO, 2014).
14
Tem como objetivo geral promover a valorização e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como
um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das institu-
ições museológicas existentes e pelo fomento a criação de novos processos de produção e institucionalização de
memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do País.
15
Constituindo um marco na atuação das políticas públicas voltadas para o setor museológico. Tinha como propos-
ta o aperfeiçoamento de instrumentos legais para o melhor desempenho e desenvolvimento das instituições mu-
seológicas no Brasil Disponível em < http://www.museus.gov.br/sistemas/ >. Acesso em 22 mar. 2015.
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estes países estão organizando a gestão de seus museus, como planejam o orçamento para a
área e como executam as ações sociais? e, por fim, e não menos importante, como estão sendo
empregadas e planejadas as políticas nacionais de Museus como estratégia de integração entre
os países do Mercosul?
Os museus são instituições que atualmente crescem cada vez mais como um espaço de afir-
mação de segmentos sociais, podendo se perceber isto através das diferentes tipologias de museus
existentes, tais como comunitários, populares, étnicos, temáticos, além dos museus tradicionais.
Este aumento demonstra uma nova perspectiva dos museus em reivindicar uma afirma-
ção da diversidade cultural e fortalecer a identidade cultural com a ideia de pertencimento a
uma determinada coletividade. Neste sentido, o campo das Políticas Públicas tem como desafio
construir indicadores que consistam em avaliar sua abrangência e desenvolvimento.
No caso da gestão cultural existe pouca tradição na construção de números que demons-
trem sua importância para o desenvolvimento humano. No entanto, este panorama vem sofrendo
alterações. Embora de uma forma ainda tímida, a partir do momento em que dados consisten-
tes estão sendo apresentados pode-se realizar parâmetros e auxiliar onde os recursos públicos
podem ser investidos. Como, por exemplo, em 2011, quando o IBRAM publicou Museus em
Números, material produzido através da coleta de informações geradas pelos museus a partir do
questionário “Cadastro Nacional de Museus”. Esta publicação possibilitou ao campo museoló-
gico do Brasil conhecer as fortalezas e as fragilidades desta área, contribuindo, assim, para o
aperfeiçoamento da gestão das políticas públicas culturais.
Nesta perspectiva, e discorrendo sobre os poucos indicadores existentes sobre os museus
do Mercosul, este texto se justifica no sentido de apresentar algumas questões para a produção de
novos dados sobre as políticas públicas e para reunir informações sobre os museus do Mercosul.
Dessa forma, pretende-se avaliar o desenvolvimento simbólico, social, cultural e econômico que
os museus produzem na sociedade, e assim visualizar a construção de uma articulação política
do setor cultural dos países do Mercosul para fortalecer o papel dos museus como instituições
centrais para a promoção de políticas para a cultura e a memória.
Visto que este texto tende a analisar de forma comparativa as políticas públicas de cul-
tura e a criação de mecanismos de cooperação e desenvolvimento de ações conjuntas no campo
dos museus existentes nos países do Mercosul, e entendendo que o museu se apresenta como
uma instituição a serviço da sociedade, vinculados na sua maioria a órgãos públicos, faz-se
necessário conhecer o funcionamento da parte administrativo- burocrática destes museus nos
países do Mercosul.
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21
A teoria da Museologia no campo internacional está ligada a criação do Comitê Internacional de Museologia
(ICOFOM) em 1977, que encontra-se dentro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) fundado em 1946. Para
saber mais ver CARVALHO, Luciana Menezes de. Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICO-
FOM LAM no fortalecimento da Museologia como campo disciplinar. 2008. Dissertação (Mestrado) – Programa
de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2008. 107 p. Disponível em
<http://www.unifal-mg.edu.br/museumpunifal/sites/default/files/museumpunifal/documentos/em-direcao-a-mu-
seologia-latino-americana.pdf >. Acesso em 10/09/2015.
22
O Código de Ética do ICOM foi aprovado por unanimidade pela 15ª Assembleia Geral do ICOM realizada em
Buenos Aires, Argentina, em 4 de Novembro de 1986, modificado na 20ª Assembleia Geral em Barcelona, Espa-
nha, em 6 de julho de 2001, sob o título Código de Ética do ICOM para os Museus e revisto pela 21ª Assembleia
Geral realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8 de outubro de 2004. O documento principal do ICOM é o Código de
Ética para Museus. Estabelece normas mínimas para a prática profissional e atuação dos museus e seu pessoal. Ao
aderir à organização, os membros do ICOM adotam as provisões deste Código.
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instrumentos de poder que muitas vezes ocultam os seus mecanismos de funcionamento. Este
autor apresenta várias questões importantes no sentido de avaliar as políticas públicas e seus
impactos: como devemos estudar o trabalho da formulação das políticas públicas? E qual é exa-
tamente o objeto de investigação quando decidimos a estudar quem elaborou estas políticas e o
funcionamento desta elaboração? Estas questões levantadas por este autor são relevantes para o
desenvolvimento deste artigo e para problematizar as instituições que formulam estas políticas.
O autor Hugo Achugar (1994) em seus texto “A política cultural no acordo Mercosul”,
apresenta problematizações a cerca da formulação de uma política cultural no âmbito do Mer-
cosul. Conforme Achugar (1994) “Nem bem se começa a falar de integração, e em especial de
políticas culturais, vários personagens aparecem. Nação, Identidade, Tradição, Modernização e
Mercado surgem quase que imediatamente, porém também surgem outros, talvez mais abstra-
tos: a Homogeneidade e a Heterogeneidade”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto termina trazendo questões para refletirmos sobre a importância de compreen-
dermos como estes países estão trabalhando suas políticas culturais no campo dos museus.
Primeiramente, é importante que seja realizado um mapeamento sobre a legislação referen-
te aos museus, às ações, às publicações produzidas pelas instituições, enquanto diretrizes na cons-
trução de políticas públicas na área dos museus. Para isto, duas perguntas são norteadoras: Qual
a legislação de cada país do Mercosul sobre o setor museológico? Quais instituições públicas são
responsáveis pela política e gestão dos museus nos governos nacionais dos países do Mercosul?
Em seguida, é relevante a identificação das instituições e o mecanismo utilizado pelos
governos dos países do Mercosul para a implantação de políticas voltadas para o sistema nacio-
nal de museus. Quais são as estratégias políticas de participação para a aplicação das políticas
culturais nestes países? Quais são os acordos e convênios existentes entre os países do Mercosul
em relação a cultura e museus?
Através, desta proposta de reflexões e questionamentos será possível entendermos o pro-
cesso dessas políticas culturais nesta área e como estes programas influenciam na própria carac-
terística da cultura destes países do Mercosul. Um estudo comparativo referente aos interesses
comuns que se expressam em práticas, serviços e bens artísticos e culturais determinantes para o
exercício da cidadania, possibilitará promover o conhecimento e a compreensão da diversidade
museal do Mercosul.
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1
Andréa Doyle é Engenheira-Mestre em Informação e Comunicação pela Universidade de Metz (França) e mes-
tranda em Ciência da Informação no PPGCI do IBICT/UFRJ. Contatos: (21) 98037-0909 | email: andrea@hibrida.
art.br . Por favor, citar: DOYLE, Andréa.
2
Leia em: http://www.tecmundo.com.br/historia/8795-2038-o-bug-do-milenio-atacara-novamente.htm Acesso
em: 25 de julho de 2015
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Cada um tem seu ângulo de análise para perceber as transformações e definir o momen-
to atual: para Marazzi, que olha principalmente para os processos fabris, o capitalismo hoje é
pós-fordista (MARAZZI, 2009), para Lazzarato & Negri, que partem do operário e da explora-
ção pelo capital da sua subjetividade, o capitalismo é pós-industrial (LAZZARATO & NEGRI,
2001) e para André Gorz, que vê a captura de todo o ser, de tudo o que ele tem de intangível, o
capitalismo é imaterial (GORZ, 2005).
Qualquer que seja o ponto de vista, todos concordam que há uma mudança, que se vem
desenvolvendo desde os anos 70 do século passado, e que se consolida na virada do milênio. O
elemento central dessa transformação é a informação: sua entrada nos processos de produção,
através das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e a consequente mudança na
natureza do trabalho e no perfil do trabalhador.
Por volta da mesma época, ou seja, com origens no pós-guerra e consolidação nos anos
2000, houve igualmente uma mudança na percepção internacional do conceito de patrimônio
cultural. Ao passo que anteriormente se cuidava apenas de preservar prédios e monumentos, a
saber, o que se considera patrimônio material, hoje há um olhar para os saberes, ritos e processos
populares e tradicionais, ou seja, para o patrimônio cultural imaterial.
No dia em que começamos a pensar neste artigo, a notícia principal no site do Ministério
da Cultura (MinC) era a do registro, na qualidade de patrimônio cultural imaterial brasileiro,
do Ofício das Cuias do baixo amazonas. Trata-se de um saber tradicional, principalmente de
mulheres das comunidades ribeirinhas, que aprendem e transmitem o processo de produção ar-
tesanal das cuias de geração em geração. Esta prática foi considerada culturalmente importante
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e assim, digna de proteção,
logo de registro.
O processo de registro do Ofício das Cuias, que levou quase 10 anos para ser concluído3,
consiste em uma descrição exaustivamente detalhada da produção: com textos altamente deta-
lhados, fotografias, áudios e vídeos. A maneira que se encontrou para proteger um patrimônio
imaterial foi transformá-lo em documento, foi materializá-lo sob a forma de informação passível
de ser indexada e recuperada, divulgada e estudada, foi fazê-lo virar objeto de estudo de várias
ciências, em particular da Ciência da Informação (CI).
Além do registro, diz Raimunda Santana Azevedo, integrante da Associação das Artesãs
Ribeirinhas de Santarém (COELHO, 2015), o processo do Iphan também representa a valoriza-
ção dessa comunidade: por um lado o reconhecimento de que elas fazem um trabalho importante
para todos, e por outro a expecta-tiva de um aumento nas vendas das cuias. Intangível e material
lado a lado, assim como nas considerações sobre o capitalismo.
3
Segundo notícia no site do Minc, disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/
OiKX3xlR9iTn/content/id/1270277 Acesso em: 12 de junho de 2015.
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O que se pretende aqui é perceber se, para além da cronologia, o termo imaterial indica
mais similaridades entre os dois conceitos/fenômenos e se eles se afetam de alguma forma.
4
Os conceitos de saber vivo x saber morto são uma releitura dos conceitos marxianos de trabalho vivo e trabalho
morto, segundo Albagli (2013, p.108). Lazzarato & Negri falam muito de trabalho vivo e trabalho morto, mas não
usam os termos saber vivo e saber morto.
5
Antonio Negri foi um dos fundadores do movimento operaísta italiano dos anos 70, formado por pensadores
neomarxistas que começaram a discutir o operário social e o trabalho imaterial (Cocco, 2001).
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6
Ver dossiês dos outros bens registrados no site: http://portal.iphan.gov.br/publicacoes/lista?categoria=22&bus-
ca= Acesso em: 15 de julho de 2015.
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Tanto Regina Abreu (2015) quanto Lazzarato & Negri (2001) enfatizam, cada um a res-
peito do seu assunto, patrimônio e trabalho respectivamente, a dimensão social, a dependência
do grupo, ou seja, a face coletiva do imaterial.
A característica ilimitada do imaterial é melhor entendida quando se compara um livro a
uma batata, por exemplo. Quando uma pessoa lê um livro, alguma parte desse conteúdo fica com
ela, mas o livro não se esgota por isso: ele pode ser lido novamente por outras pessoas, sem tirar
nada daquela primeira pessoa que o leu. Não é o caso da batata, que ao ser comida, acaba. Sobre
esse ponto, tanto Lazzarato & Negri (2001) quanto Gorz (2005) são enfáticos: a única forma que
o capital tem para exercer algum papel nesse ciclo de produção totalmente externo a ele é através
da limitação do acesso, da escassez artificial. Interessantemente, não encontramos tais considera-
ções nos estudos sobre o patrimônio. Talvez por que o patrimônio imaterial dependa muito mais
diretamente da dimensão viva, dos coletivos que os recriam, ou ainda por que não há necessidade/
tentativa de controle de acesso.
Já quanto à sua materialidade, ficamos com os dossiês do Iphan, as considerações de
Dodebei (2007), que pondera sobre a dificuldade de se pensar a patrimonialização do material e
do imaterial separadamente, assim como com a consideração de Marazzi (2009, p. 65) quando
fala da mudança de foco dos contratos e acordos comerciais. “De agora em diante, patentes,
copyrights, trade-marks e trade-secrets serão os verdadeiros objetos das contendas nas nego-
ciações internacionais”.
4. JAPÃO, 1950
Curiosamente, é no ano de 1950, no Japão, que encontramos a principal aproximação en-
tre os estudos sobre o capitalismo e o patrimônio, a partir das observações de Christian Marazzi
(2009) e de Regina Abreu (2015).
O primeiro localiza o início da transformação industrial no Japão dos anos 50, que, por
conta principalmente da crise financeira e da Guerra da Coréia, tinha um mercado restrito e não
podia aplicar a produção em massa. Assim, iniciou-se a técnica da “produção enxuta” na fábrica
da Toyota, que ficou conhecida como toyotismo (em contraponto ao fordismo) e que significa
redução de empregados e produção just-in-time (só se produz o que já está vendido), com fun-
cionários altamente dedicados e fiéis aos valores da empresa (começo da mobilização total do
ser de que fala Gorz). Essas técnicas começaram a ser introduzidas em empresas ocidentais a
partir dos anos 70 e 80, depois de crises financeiras e outras mudanças sócio-culturais.
Ao mesmo tempo, segundo Abreu (2015), o Japão foi o primeiro país a ter uma legislação
de preservação do patrimônio imaterial, enquanto ainda não se falava sobre isso no ocidente.
Mais interessante ainda é a forma que o país encontrou para preservar sua cultura imaterial: ao
contrário do modelo ocidental de documentação e registro das práticas, as leis japonesas fomen-
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taram a transmissão viva das técnicas (tão diversas quanto fazer arranjos florais, caligrafia ou a
cerimônia do chá, para só citar alguns), através de incentivos financeiros para mestres e aprendi-
zes. Assim, a preservação integral da prática e da filosofia por trás dela, de seus gestos e rituais,
de seus tempos e espaços, fica garantida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É nossa convicção que, a partir do momento em que se começa a usar os saberes vivos
dentro do sistema capitalista, como recurso, processo e produto final, se começa a valorizar o
patrimônio cultural imaterial. A coincidência cronológica tanto no Japão quanto no Ocidente nos
levam a crer que a preocupação global com o patrimônio imaterial está intimamente ligada com
a percepção que a indústria tem do seu valor.
Ao mesmo tempo, também observamos que, enquanto o saber vivo pode e tem sido cada
vez mais capturado como matéria-prima para a produção fabril, a valorização do patrimônio
imaterial também se apresenta como forma de resistência de culturas periféricas ou marginali-
zadas. Entendemos ser esse o caso das produtoras das cuias amazonenses, que recuperam estima
e sustento a partir da patrimonialização e que assim, podem seguir com seu modo de vida, sem
serem obrigadas ao êxodo ou a se submeterem à exploração do emprego formal.
Para ampliar a questão, e contando ainda com coincidências cronológicas, no momento
em que fomos concluir o artigo, a leitura de uma notícia nos despertou novos questionamentos
sobre a relação do patrimônio com o capitalismo no que se refere ao imaterial.
A matéria publicada na Folha de São Paulo intitulada “Regra para baianas do acarajé
deixa evangélicas apreensivas em Salvador”, de 02 de dezembro de 2015, levanta a questão da
religiosidade e da vestimenta das baianas de acarajé em Salvador, município que regulamentou
a profissão. Primeiro patrimônio imaterial brasileiro, registrado em 2005, o ofício de baiana
do acarajé completa 10 anos - que é justamente o prazo definido para a revisão do registro do
patrimônio (o Iphan entende que uma prática viva se transforma com o tempo e portanto seu
registro precisa ser atualizado) - e traz novas contradições.
Trata-se (entre outras regras como tamanho de tabuleiro, normas da vigilância sanitária,
etc.) da obrigatoriedade de uso de vestimentas tradicionais. Algumas baianas, que exercem o
ofício há muitos anos, se converteram a igrejas evangélicas e tem a orientação de não usar as
roupas tradicionais que, segundo seus pastores, remetem às religiões afro-brasileiras.
Então se coloca o problema: o acarajé é um patrimônio religioso? Ou melhor: se a ori-
gem de uma cultura é religiosa mas ela transborda ao longo dos anos para a vida profana, a
religião original ainda tem que ser a opção de fé de todos os seus praticantes? As vestimentas
são religiosas? É justo que alguém, seja um pastor ou uma secretária da Ordem Pública, interfira
no modo de vestir das baianas? Se ela não usa as roupas, a baiana do acarajé é menos detentora/
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RESUMO: Esta ponencia presenta los antecedentes de una investigación cuyo objetivo principal
es explorar sobre la relación entre políticas culturales y construcción de paz. Se argumenta que
esta relación puede indagarse productivamente mediante la exploración de la naturaleza de la
politica cultural puesta en marcha por distintos agentes, y por medio del examen del potencial
de dicha política cultural para promover la paz. En el caso colombiano, esta relación puede
rastrearse a través de la movilización cultural de dos agentes: el Estado, cuya política cultural
(cultural policy) estuvo dirigida durante la década de 1990 a la construcción de paz, y las
víctimas del conflicto armado, cuya política cultural (cultural politics) ha estado en el centro de
su resistencia por la verdad, la memoria y la reparación simbólica. En adelante se desarrollan
estos dos ámbitos de relación, para concluir con una reflexión sobre la reparación de la sociedad
a través de las políticas culturales.
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Comunicador social periodista y filósofo. Estudiante de maestría en ciencia política, Universidad de los Andes,
Colombia. a.tafur10@uniandes.edu.co
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2. LA CULTURIZACIÓN DE LA VIOLENCIA
Los límites entre diferentes formas de violencia han dejado de ser evidentes. En términos
de sus efectos, no se pueden separar tajantemente aquellos producidos por los conflictos político
militares de aquellos producidos por prácticas generalizadas de criminalidad. En Colombia esto
puede resultar indicativo, si se considera que el 81 por ciento de los muertos de su conflicto
interno son civiles (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013).2 Lo anterior ha llevado a
2
Según datos del informe Basta Ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), de las 220 mil personas
que murieron a causa del conflicto desde 1958 hasta el 2012, 180 mil eran no combatientes. Ver estadísticas: http://
www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html
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algunos autores a definir la guerra colombiana como una “guerra contra la sociedad” (Pecaut,
2001), argumentando que la heterogeneidad de los fenómenos violentos, su dispersión y
fragmentación, y el emborronamiento de las fronteras entre terror organizado y desorganizado,
hace que parezca presuntuoso “trazar líneas claras entre la violencia política y aquella que no
lo es”, puesto que “lo seguro es que ya nadie está al abrigo del impacto de los fenómenos de la
violencia” (2001, p. 90).
Este proceso de “banalización de la violencia”, por una parte, impacta profundamente
las estructuras del orden social y cultural, provocando irreparables daños emocionales, morales
y políticos (Centro Nacional de Memoria Histórica, 2013); y, por la otra, instaura “ciudadanías
del miedo” (Rotker, 2000, p. 5), ciudadanías en las que “uno de los factores determinantes en
la mediación de lo social es la angustia cultural” (Martín-Barbero, 2000). Fenómenos como las
masacres3, la desaparición forzada4, el homicidio5, la violencia sexual6, el desplazamiento7, las
3
Según datos del informe Basta ya, del Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), entre 1985 y 2012, se
presentaron 1982 masacres, dejando como saldo un total de 11751 víctimas. Ver bases de datos: http://www.centro-
dememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
4
Las cifras sobre desaparición forzada no están construidas y se encuentran fragmentadas en distintas institucio-
nes, razón por la cual no son confiables. Medicina Legal habla de un histórico de 21 mil casos (1970 - 2013), la
Fiscalía de 26 mil, el CNMH de 25 mil (1985 - 2012), mientras que en la Unidad de Víctimas hay denunciados unos
31 mil. Las organizaciones de víctimas sugieren que los casos pueden sobre pasar los 50 mil en un período de 40
años (1970 - 2010).
5
De acuerdo con datos de la Policía Nacional, procesados por el Observatorio del Programa Presidencial de De-
rechos Humanos y Derecho Internacional Humanitario, la tasa de homicidios en Colombia en promedio durante el
período 1990 - 2013 fue de 32,33 por cada 100 mil habitantes. En total fueron asesinadas 532.474 personas, de las
cuáles, para la Policía, el 80% fueron causados por ‘casos de intolerancia’, los cuales obedecen a riñas, soluciones
de conflictos entre vecinos o los llamados líos pasionales. De acuerdo con el portal Verdad Abierta (verdadabierta.
com) dentro del conflicto, los homicidios han sido utilizados por los grupos armados ilegales como una forma de
sembrar terror en los territorios que controlan, una de las prácticas más usadas fue la de los asesinatos selectivos,
con los que se buscaba ocultar la magnitud de otras prácticas (como las masacres) pero causando miedo en las
comunidades o el enemigo. Ver cifras en página del Observatorio http://historico.derechoshumanos.gov.co/Obser-
vatorio/Paginas/Observatorio.aspx
6
En Colombia se presentan, en promedio, 38 casos diarios de violencia sexual contra las mujeres, según la De-
fensoría del Pueblo. Según los exámenes médicos legales realizados en 2014 por violencias de pareja, de 43.807
mujeres y hombres, 37.881 correspondieron a mujeres, es decir el 86,5 % del total, y 5.926 para varones, es de-
cir el 13,5 %. Tomado de http://www.eltiempo.com/carrusel/violencia-sexual-en-colombia-numero-de-casos-dia-
rios/15828716
7
Según el informe de ACNUR de 2014 Tendencias Globales del Desplazamiento Forzado Colombia es, después
de Siria, el segundo país del mundo con más desplazados internos, con un total de 6’044.151 personas. Ver. http://
www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/Publicaciones/2015/10072.pdf?view=1
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La dirección de Derechos Humanos de la Fiscalía General de la Nación habla de cinco mil casos de ejecuciones
extrajudiciales, o “falsos positivos”, que no son otra cosa que asesinatos a sangre fría por parte de efectivos del ejér-
cito nacional, para hacer pasar civiles por guerrilleros muertos en combate. En su informe del año pasado, Human
Rights Watch identificó a más de 180 batallones y unidades tácticas que cometieron ejecuciones extrajudiciales
entre 2002 y 2008. Ver. https://www.hrw.org/es/report/2015/06/23/el-rol-de-los-altos-mandos-en-falsos-positivos/
evidencias-de-responsabilidad-de
9
En Colombia, nueve de cada diez asesinatos quedan impunes. Estadísticas muestran que sólo es 20 por ciento de
los casos llegan a ser judicializados. Tomado de: http://www.eltiempo.com/politica/justicia/impunidad-en-colom-
bia/16115768
10
Colombia aparece en el puesto 83 en el ranking de corrupción de Transparencia Internacional entre 168 países,
ver https://www.transparency.org/cpi2015
11
Según datos del CNMH, desde 1970 hasta 2010, fueron secuestradas en Colombia más de 27 mil personas. Ver
bases de datos: http://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/basesDatos.html
12
Con “transformación de las fronteras”, se quieren significar dos cosas: 1. La pluralización de lo que se considera
válido como texto cultural (desde las telenovelas, pasando por el rock, las sinfonías clásicas y el folclor), lo cual
tiene que ver tanto con las transformaciones en el campo de las comunicaciones (segunda mitad del siglo XX) como
con el surgimiento de la diversidad como paradigma social. Y 2. La manera en que tanto diferentes grupos (de la
sociedad civil) como instituciones (del Estado) “reclaman la cultura como un campo crucial de intervención en el
orden social y político”. A este propósito, todo el campo cultural, no sólo las artes, se constituye en pre-texto para la
búsqueda de alternativas. “Así, todo el campo de lo simbólico se consolida hoy como objeto de la política cultural.”
(Ochoa, 2003, p.17).
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de 1990 e inicio de la del 2000, existió una tradición oficial que nombró la cultura como eje de
la política nacional de paz, a través de diversos documentos tales como planes institucionales,
discursos y cartas presidenciales, manifiestos, ponencias de foros nacionales y regionales,
artículos de prensa, editoriales, entrevistas, declaraciones públicas, entre otros materiales
recogidos y publicados por la Presidencia de la República, que hicieron parte del debate nacional
en torno a la Ley General de Cultura (397/1997) y la creación del Ministerio, denominado (no
gratuitamente) para la época, “el Ministerio de la Paz” (Presidencia de la República, 1997).13
Por otra parte, las manifestaciones culturales también han constituido una herramienta muy
útil para las organizaciones de víctimas del conflicto armado. En la brega por denunciar las
violaciones a sus derechos civiles, económicos, sociales y culturales las víctimas han hecho uso
de diversas técnicas y narrativas propias de las artes, que les han dado visibilidad en la esfera
pública. Se puede decir que los más importantes esfuerzos en Colombia por “hacer memoria”
y “contar la verdad” de las atrocidades de la guerra, han sido fundamentalmente una iniciativa
de las víctimas, muchas veces re-victimizadas por los actores implicados en la confrontación -
incluyendo los actores estatales -, más que del mismo Estado. Es desde estas dos perspectivas
- la del Estado y la de las víctimas - que podemos hablar de relaciones entre políticas culturales
y construcción de paz.
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Consistió principalmente en una serie de ‘encuentros culturales’ con muestras de cultura local y regional que
tenían lugar a nivel municipal, departamental, regional y, finalmente, nacional, de manera consecutiva. Se llevó
a cabo entre 1992 y 1998. Su desarrollo concretó del grandes procesos. “El primero culmina con un Encuentro
Nacional en Bogotá en 1995, con la presencia de 1.687 artistas de las regiones en la capital; el segundo, en agosto
de 1998, justo antes del cambio de gobierno, con una muestra de 2.235 artistas. Previo a cada Encuentro Nacional
se habían realizado, en el primer caso, 102 encuentros intermunicipales, 29 departamentales, 6 regionales; y en el
segundo, 15 encuentros intermunicipales, 26 departamentales, 4 regionales. (Ochoa, 2003, p. 31)
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Este plan se construyó colectivamente a través de consultas, foros regionales y encuentros nacionales, al tanto que
se presentó no como un plan de Estado sino de la sociedad. Su duración lo vinculó más a una política de Estado que
a un plan de gobierno, lo cual pretendió consolidar las políticas culturales como políticas públicas, (estas dos carac-
terísticas no estaban en planes anteriores). Por último, instaló lo cultural en el espacio de lo político, en un diálogo
entre política cultural y cultura política.
18
Se anexa consolidado
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a lo que en inglés se llama cultural policy. Con Álvarez, Dagnino y Escobar, utilizamos el
concepto de cultural politics
para llamar la atención sobre el vínculo constitutivo entre cultura y
política y sobre la redefinición de la política que esta visión implica. Este
lazo constitutivo significa que la cultura, entendida como concepción
del mundo y conjunto de significados que integran prácticas sociales,
no puede ser comprendida adecuadamente sin la consideración de las
relaciones de poder imbricadas con dichas prácticas. Por otro lado,
la comprensión de la configuración de esas relaciones de poder no
es posible sin el reconocimiento de su carácter “cultural” activo, en
la medida que expresan, producen y comunican significados. Con la
expresión política cultural nos referimos, entonces, al proceso por el
cual lo cultural deviene en hechos políticos (Álvarez et al, 1999, p. 135).
Ochoa prefiere hablar de “lo político de lo cultural”, para comprender la perspectiva de
estos autores, dado que se construye sobre todo desde “prácticas teorizadas como marginales”,
tanto por los estudios culturales, preocupados por el textualismo, como por la ciencia política
y la sociología política, preocupadas por la política formal, institucional. Esto es “prácticas
culturales históricamente pensadas como marginales, ahora analizadas como prácticas de
poder” (2003, p. 74), por oposición también a la noción iberoamericana (que ellos consideran
una noción dominante) de políticas culturales como un campo de mediación entre obra artística
y producción19.
La noción de repertorio refiere fundamentalmente a una práctica cultural. Taylor la
define, en oposición a la noción de archivo, como los gestos, la performatividad, la oralidad,
el movimiento, la danza y el canto, entre otras manifestaciones de las comunidades, y dice
que son un tesoro de inventiva que les permite participar en la producción y reproducción de
conocimiento por el solo hecho de hacer parte de su transmisión. Respecto del caso colombiano,
citando a Taylor, el Grupo de Memoria Histórica (GMH) afirma que el “repertorio” da cuenta de
“los relatos de los sobrevivientes, de la observación de sus prácticas y gestos, del reconocimiento
de los traumas, de las reiteraciones y de los silencios, formas efímeras de conocimiento y
de evidencia” (Grupo de Memoria Histórica, 2009, p.23). El archivo, por el contrario, sería
aquello referido a la política oficial del recuerdo, aquello que se encuentra al servicio del poder,
materializado en sofisticados soportes textuales.
19
Siguiendo con Ochoa, esta expansión de la noción de políticas culturales, para incluir todas las dimensiones
simbólicas de la cultura, “es precisamente uno de los procesos a través de los cuales están cambiando las fronteras
entre arte y cultura y es una de las dinámicas desde las cuales la noción estética de lo cultural está siendo absorbida
por el sentido social de la simbolización de lo cultural a través de las políticas culturales. No sólo se pluralizan los
textos de la cultura reconocidos como objeto de política cultural; se transforma la relación de valor entre el sentido
de lo cultural como dimensión estética o como dimensión social. Esta polémica sobre cómo definir el valor de las
políticas culturales se hace especialmente visible en el frágil juego de las traducciones no sólo de las palabras sino
entre campos de pensamiento sobre cultura”, (2003, p. 75).
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La unidad de análisis de las iniciativas de memoria de las víctimas en el trabajo del GMH
son los discursos, representaciones, prácticas y significados que construyen las comunidades y
organizaciones afectadas por la violencia con el fin de hacer público su dolor y denunciar las
injusticias de las que han sido objeto. Citando a Veena Das, estos discursos, representaciones,
prácticas y significados, son asumidos como “juegos de lenguaje” que constituyen formas de
vida, “donde se definen los repertorios de posibles enunciados y acciones, mediante los cuales
las personas enfrentan la diversidad” (2009, p.19). Esto supone, como se sabe, una comunidad
de lenguaje y significación, una cultura compartida. Los medios de expresión equivalen a lo
que Elizabeth Jelin llama “vehículos de la memoria”: “memoria que se produce en tanto haya
sujetos que comparten una cultura” (p.19). Los “vehículos de la memoria” pueden ser tanto
libros como archivos u objetos conmemorativos, pero también expresiones y actuaciones “que
antes que re-presentar el pasado, lo incorporan performativamente” (p.19). Esto nos saca de la
esfera exclusiva de los textos culturales, y nos instala en las coordenadas de las prácticas de los
sujetos y de los movimientos sociales, lo que de paso amplía el concepto de política cultural.
Como señalan Escobar y compañía, la política cultural que ponen en marcha los movimientos, y
léase dentro de ese espectro a las organizaciones de víctimas, no es prerrogativa de aquellos que
plantean exigencias basadas en la cultura, sino que compromete a todos “cuando intentan otorgar
nuevos significado a las interpretaciones culturales dominantes de la política, o cuando desafían
prácticas políticas predominantes” (2001, p.25). La política cultural de los movimientos de
derechos humanos, por ejemplo, “debe trabajar para otorgar nuevos significados (y transformar)
conceptos culturales dominantes sobre los derechos y el cuerpo” (p. 34).
La oposición entre repertorios y archivos da cuenta de esta disputa por los significados y las
representaciones en el terreno de la memoria. El Centro Internacional para la Justicia Transicional
(ICTJ), habla de “iniciativas no oficiales de memoria” para referirse a los repertorios a través de
los cuales se “visibilizan otras formas de hacer justicia y reparación, y además de construir verdad
y memoria: una fórmula “desde abajo” que permite que las víctimas interpelen al Estado y exijan
el cumplimiento de estos derechos, partiendo de las particularidades regionales” (Briceño-Donn
et al, 2009, p. 6). Esto supone de entrada que la Ley de Justicia y Paz (975/2005) - y podríamos
decir hoy que la Ley de Víctimas y Restitución de Tierras (1448/2011)- “no es el único y tampoco
el más importante escenario de justicia transicional en Colombia.” Por el contrario, algunas de
estas memorias funcionan como “prácticas de reparación” que inciden en la recuperación de la
autoestima, la confianza y los lazos sociales; y como “prácticas de resistencia” que denuncian las
injusticias a la vez que sirven como antídoto contra la impunidad y el olvido. Se trata, en todo
caso, de “prácticas materiales mediadas por la cultura”, en tanto son memorias que han quedado
“ancladas en cuerpos y en los sentidos”, que “no se pueden confinar a esferas mentales o subjetivas
únicamente” (GMH, 2009, p.24).
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Artículo 3. Víctimas. Se consideran víctimas, para los efectos de esta ley, aquellas personas que individual o
colectivamente hayan sufrido un daño por hechos ocurridos a partir del 1º de enero de 1985, como consecuencia de
infracciones al Derecho Internacional Humanitario o de violaciones graves y manifiestas a las normas internacio-
nales de Derechos Humanos, ocurridas con ocasión del conflicto armado interno.
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de la reparación simbólica, deben ser asumidos en su doble titularidad: como derechos de los
afectados pero también como derechos de la sociedad en general.
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Anexo 1
Documento Entidad
La cultura en los tiempos en transición 1991 - 1994 Departamento Nacional de Planeación
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RESUMO: No presente artigo, busco compreender o debate que associa cultura e de-
senvolvimento, tendo como foco a institucionalização da Economia Criativa como política pú-
blica no Brasil. O propósito foi entender o que explica a entrada deste conceito nas políticas
culturais no Brasil e quais as suas implicações com políticas de propriedade intelectual. Através
de pesquisa de campo, entrevistas, pesquisa bibliográfica e documental, compreendeu-se que a
Economia Criativa é uma política pública de tipo multicêntrica, sendo implementada por atores
estatais e privados e que o uso do conceito é por vezes arbitrário, podendo ser associado a dis-
cursos de globalização hegemônica e de globalização contra-hegemônica. A institucionalização
dessas políticas no Brasil é associada ao neo-desenvolvimentismo dos governos PT e à promo-
ção do Soft Power em tempos de megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas).
1
Graduada em Ciências Sociais (CCH/UENF), mestre em Políticas Sociais (PPGPS/LEEA/UENF); E-mail: an-
dreza_bl@yahoo.com.br
2
Doutor em História Social da América (UFF), Professor associado do Laboratório de Estudos do Espaço Antró-
pico (LEEA/UENF); E-mail: mcgantos@gmail.com
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UNESCO, que ocorreu entre 1988 e 1997 (CUELAR, 1997), sendo que entre os anos de 1992 e
1995, o economista e ex-ministro da cultura, Celso Furtado integrou a Comissão Mundial de Cul-
tura e Desenvolvimento daquele mesmo organismo internacional. Adiante veremos que seu nome
será evocado na busca pela construção de uma Economia Criativa com um “selo” brasileiro.
Paralelamente, nos anos de 1994 na Austrália, com o “Creative Nation”, e de 1997 no
Reino Unido, com as “Indústrias Criativas”, ocorrem experiências no campo das políticas públi-
cas que seriam marcos do que mais tarde se convencionou chamar “Economia Criativa”.
Ana Carla Fonseca Reis (2011) observa que no contexto de globalização há um aumen-
to da demanda por serviços criativos no setor de turismo: a valorização da cultura ofstream,
das identidades locais, da experiência, do único, do singular. Passemos a analisar as mudanças
concernentes ao fenômeno da globalização, que vem se desenhando desde o final da Segunda
Guerra Mundial, unida à expansão do capital multinacional.
Boaventura de Sousa Santos (2002) afirma que longe de cumprir a expectativa de ho-
mogeneização e uniformização, a globalização das últimas três décadas “parece combinar, a
universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diver-
sidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro.” (ibid., p. 26). Sousa
Santos entende o fenômeno como um campo de conflitos entre grupos sociais, estados e interesses
hegemônicos frente a grupos sociais, estados e interesses subalternos, ou contra-hegemônicos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), existe uma globalização hegemônica, pau-
tada no Consenso de Washington (também chamado de “consenso neoliberal”) que, na metade
dos anos 80, conteria as prescrições sobre o futuro da economia mundial, as políticas de de-
senvolvimento e o papel do Estado, sendo assinado pelos Estados centrais do sistema mundial.
Contudo, por mais que todas as dimensões do que se entende por globalização tenham sido afe-
tadas por esse consenso, nem todas são parte da cartilha. Nesse sentido, Boaventura vislumbra
a possibilidade da emergência de uma globalização contra-hegemônica.
As manifestações da globalização contra-hegemônica são denominadas pelo autor como
fenômenos de “localização”, uma vez que passam pela reterritorialização enquanto redescoberta
do sentido do lugar e da comunidade, frente a uma economia e uma cultura cada vez mais des-
territorializadas. Tais iniciativas teriam a função de proteger as populações e o meio ambiente
dos excessos do comércio livre. Em suas palavras:
Entendo por localização o conjunto de iniciativas que visam criar ou
manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, as-
sentes em relações face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade
e regidos por lógicas cooperativas e participativas. As propostas de loca-
lização incluem iniciativas de pequena agricultura familiar […], peque-
no comércio local […], sistemas de trocas locais baseados em moedas
locais […] formas participativas de auto-governo […]. Muitas destas
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A nova política cultural britânica recebeu críticas em função de sua abordagem economi-
cista da cultura, que favorecia a competitividade em detrimento do acesso democrático aos bens
culturais, situando a gestão de Blair como uma reprogramação da mesma agenda neoliberal do
thatcherismo (GARNHAM, 2005, apud De Marchi, 2012).
De Marchi (2012) cita como “mais cuidadosa” a análise de David Hesmondhalgh(2005),
que situa New Labour de Tony Blair como um “hibrido de neoliberalismo, conservadorismo e
social-democracia”, essa classificação aparentemente esdrúxula traduziria que por um lado, os
novos trabalhistas mantiveram-se fieis aos princípios básicos da agenda do partido, em especial,
a defesa dos serviços públicos, mas, por outro, “implementaram certas medidas que, na prática,
assumiam uma postura liberalizante, defendendo as leis de mercado [...].” (ibid., p.8)
Mais tarde, a UNCTAD4 definiria as indústrias criativas em quatro categorias amplas:
1) Patrimônio Cultural (incluindo artesanato, festivais e expressões da cultura tradicional), 2)
Artes (artes visuais: pintura, escultura e fotografia/ artes dramáticas: teatro, dança, ópera, circo,
música) , 3) Mídia (edição e mídia impressa, audiovisual, cinema e rádio) e 4) Criações Fun-
cionais (design de moda e de interiores, arquitetura, conteúdos digitais, jogos), os quais são
apresentados como setores intrinsecamente inovadores e privilegiados na geração de emprego e
renda. ( DUISEMBERG, 2008, p. 61)
Sobre a implementação dessas políticas, é importante ponderarmos as perspectivas dos
trabalhos de Yúdice (2006) que critica a instrumentalização da cultura para fins políticos, so-
ciais ou econômicos. Para o autor, é como se tal instrumentalização esvaziasse o sentido das
culturas, que deveriam ser entendidas como um sistema fechado, autoreferenciado.
Ainda acerca da discussão sobre cultura e desenvolvimento, Garcia Canclini (2012) as-
severa que, na prática, a respeito do desenvolvimento cultural nos países latino-americanos ob-
servam-se contradições entre os discursos progressistas e as medidas regressivas. As principais
críticas, segundo Canclini (2012) se fundamentam na observação de que por mais que estejam
presentes nos discursos e declarações as afirmações de que a cultura e as artes tenham grande
potencialidade para a atração de investimentos, geração de empregos, dinamização do turismo e
elevação do PIB, os programas orçamentários fixados pela dívida tendem à austeridade, cortan-
do fundos destinados à cultura, promovendo demissões, o que acaba reduzindo a potencialidade
criativa, bem como o consumo e o acesso aos bens culturais.
4
“A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) foi estabelecida em 1964,
em Genebra, Suíça, atendendo às reclamações do países subdesenvolvidos, que entendiam que as negociações rea-
lizadas no GATT não abordavam os produtos por eles exportados, os produtos primários. A UNCTAD é Órgão da
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), mas suas decisões não são obrigatórias. Ela tem sido
utilizada pelos países subdesenvolvidos como um grupo de pressão.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Confer%C3%AAncia_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_sobre_Com%C3%A9rcio_e_Desenvolvimento
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Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro no Rio de Janeiro
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Criado em 2004, por Célio Turino, na Secretaria da Cidadania Cultural/MinC, “o Programa Cultura Viva in-
centiva, preserva e promove a diversidade cultural brasileira, contemplando iniciativas culturais que envolvem a
comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e ecnomia solidária. Além dos pontos de cultura, o programa
abrange quatro ações: agente cultura viva, cultura digital, escola viva e Griô.”
11
A Lei Rouanet consiste numa política de incentivos fiscais que possibilita às empresas (Pessoas Jurídicas) e aos
cidadãos (Pessoas Físicas) aplicarem uma parte do Imposto de Renda devido à União (sendo 4% para o IRPJ e
6% para o IRPF) em ações culturais. Tal legislação resultou numa espécie de estímulo à propaganda gratuita por
parte das empresas e corroborou para a perpetuação de desigualdades, uma vez que estando boa parte da classe
empresarial do país situada no sudeste, seus investimentos, consequentemente, concentraram-se nessa região.
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com relação à abertura democrática das gestões de Juca Ferreira e Gilberto Gil. Tal fato coin-
cidiria com o anúncio da criação da pasta “Economia Criativa”. A sucessão no MinC, pela
ministra Ana de Hollanda, então indicada pela presidenta Dilma Rousseff, frustra algumas
expectativas de continuidade ao tratamento dado à Cultura, principalmente para os entusiastas
da fase anterior. As críticas à gestão da ministra já no início de seu mandato foram constantes,
chegando a ser esboçado um movimento “fora Ana de Hollanda” em listas de discussões sobre
culturas populares.
No momento em que se estruturava a criação desta nova pasta denominada Secretaria
da Economia Criativa (SEC) no MinC, a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) e a Secretaria
da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) haviam se fundido em uma única nova pasta, a
saber, a Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC). O MinC, desde a gestão do
ministro Gilberto Gil, adotara um conceito de Cultura subdividido em 3 dimensões: simbólica,
política e econômica. Dentre os posicionamentos contrários à entrada do conceito de Economia
Criativa no Ministério da Cultura brasileiro, apresenta-se um quadro em que o tratamento das
dimensões simbólica (diversidade cultural) e política (cidadania cultural) passa a ser articulado
a uma pasta, ao passo que a dimensão econômica receberia uma autarquia própria, o que poderia
sugerir uma posição privilegiada a esta última.
Ana de Hollanda em seu discurso de posse enfatiza a conexão da atuação do MinC ao
programa de governo da presidenta Dilma, em consonância com “as grandes metas nacionais
de erradicar a miséria, garantir e expandir a ascensão social, melhorar a qualidade de vida
nas cidades brasileiras, promover a imagem, a presença e a atuação do Brasil no mundo.”
(HOLLANDA, 2011). As políticas da Secretaria da Economia Criativa, de acordo a então mi-
nistra da Cultura Ana de Hollanda no texto de abertura do Plano da SEC/MinC, seriam estra-
tégicas para o Governo Federal, pois significariam ainda um compromisso do Ministério da
Cultura com o “Plano Brasil sem Miséria”, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), por meio das ações de inclusão produtiva, e com o “Plano
Brasil Maior”, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) através
da promoção da “competitividade e inovação dos empreendedores criativos brasileiros”.
O plano da Secretaria da Economia Criativa em sua fase de formulação contou com
o “Questionário de Levantamento de Demanda para os Setores Criativos”. Tratava-se de uma
primeira coleta de dados voltada para os trabalhadores criativos. É um momento de busca de
articulações de interesses e de coleta de informações sobre as demandas dos setores. Nesta fase,
a consulta popular através da web aparentemente favoreceu o acesso de produtores culturais a
este questionário. O planejamento visou à consolidação de um modelo próprio de Economia
Criativa, alinhado à nossa realidade, com diretrizes e ações a se efetuarem até 2014. No texto de
abertura da secretária, lê-se que:
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14
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/903278-democratizar-a-cultura-nao-e-nosso-interes-
se-diz-vice-presidente-da-mpaa.shtml Acesso em 30 de julho de 2011.
15
“Na prática, aquilo significou apenas que o conteúdo do site (os textos e vídeos) não estaria mais disponível para
ser usado e reproduzido pelos usuários nos termos da licença. Mas, em um contexto mais amplo, sinalizou que a
ministra não compartilhava da visão de seus antecessores em promover a cultura livre e a circulação de ideias,
sobretudo no ambiente online. Sua atitude foi aplaudida por membros das entidades que representam a indústria
cultural.” Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/ana-de-hollanda-sai-do-ministerio-da-cultura/, Acesso
em 11 de setembro de 2012.
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aparece num dos objetivos do plano, que diz respeito aos “marcos legais” (Plano da SEC/MinC,
2011, p. 39). Perguntei diretamente à Luciana Guilherme, então diretora neste órgão, como a
SEC/MinC tem se posicionado com relação às políticas de propriedade intelectual:
Olha, a gente acredita que deve haver um equilíbrio entre o direito do
autor e o acesso. Eu acho que não dá pra gente ter uma posição fechada,
hermética e inflexível no que se refere aos direitos autorais. Essa discus-
são está posta e no Brasil o debate tem sido bem forte, bem amplo, e a
gente sabe que a acessibilidade precisa ser pensada. No que se refere à
propriedade intelectual, a gente tem uma visão onde é preciso tratar o
direito de propriedade intelectual, o direito autoral, de uma forma que
promova o acesso, mas que garanta o direito, sem polarizar. Há uma
discussão no que se refere à flexibilização dos direitos, seja por parte
do próprio autor, ou seja ele ter o direito de dizer o que ele cede e o que
ele não cede, até às questões ligadas à educação... hoje há um grande
debate, quer dizer, em termos de educação sobre qual o nível de acesso
que se dá. Então, a resposta não é fechada, mas o que a gente acredita
é que deve haver um equilíbrio entre o apoio ao autor mas também o
acesso, que promova desenvolvimento. Porque o acesso à informação,
o acesso á criação gera possibilidade de novos processos criativos, de
novos processos de desenvolvimento e de formação dos profissionais
desses setores, então isso pra gente é fundamental . [...] Fala-se inclusi-
ve de “direitos coletivos”, não é? Então, é um universo bastante amplo,
mas que sempre o que a gente coloca é o “caminho do meio”, (Luciana
Guilherme – então Diretora de Empreendedorismo, Gestão e Inovação
da Secretaria da Economia Criativa, MinC.)
Em evento realizado pela ITEP/UENF, em novembro de 2012, também pude fazer re-
gistro da fala de Afonso Luz ( ex-diretor do Museu da Cidade de São Paulo, curador de arte e
consultor em projetos) acerca da posição da ex-ministra Ana de Hollanda, quanto à criação da
SEC/MinC e quanto a sua postura no que diz respeito aos direitos autorais:
Eu estou atuando na câmara dos deputados, lá estamos mantendo um
programa [...] que se chama culturas urbanas e cidades criativas. [...]
Quando a Dilma assumiu, ela indicou uma pessoa muito polêmica para
a pasta da Cultura, a minha vontade no começo era ajudar com que ela
fizesse uma boa gestão. De fato essa coisa da Economia Criativa foi uma
boa gestão; malgrado ela. Porque até ela começou a boicotar a situação,
porque ela tinha uma mentalidade muito atrasada de modelo econômico
de o que que era rentabilidade da criatividade, ligado ainda ao modelo
de arrecadação da antiga luta sindical dos autores... e que a gente sabe,
isso, no Brasil, o último a receber é o criador. E ela ainda achava que
estava nos anos 60, na luta pelo reconhecimento de direito de autor...
que é uma coisa legítima, mas que tem que ter uma visão social con-
temporânea, mudar e sair dessa lógica policialesca e arrecadatória de
fiscal. O modelo dos antigos fiscais que passavam lá vendo as notinhas
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VII Seminário Internacional
políticas culturais
Fundação Casa de Rui Barbosa 17 a 20 de maio de 2016