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Michel Foucault e o
dilaceramento do autor
Tão paradoxal como escrever um seu posto de autor não faz dele neces-
prefácio escrevendo sobre a relutância sariamente um privilégio; talvez ape-
em escrevê-lo é querer preservar a obs- nas o dilua, indiferenciadamente, como
curidade do anonimato falando dele, um caso, entre outros, digamos assim,
expondo-o às luzes do seu próprio dis- dentro de uma concepção teórica so-
curso. bre a categoria do autor, qualquer au-
São conhecidas as considerações tor, ele inclusive.
de Foucault sobre o apagamento do Para apresentar aqui algumas con-
autor. Mas o paradoxo parece insta- siderações sobre esse assunto, farei uso
lar-se quando ele traz para o centro de passagens extraídas de três textos:
da cena aquilo que precisamente de- O que é um autor? (1969) , A or-
sejaria fora dela, a saber, a atribuição dem do discurso (1970) e Foucault
de autoria aos seus próprios discur- (1984) . Com os dois primeiros, escri-
sos. É esse paradoxo que está já pre- tos na mesma época, formo um peque-
sente na célebre formulação que Fou- no conjunto e, como num jogo, não
cault tomou emprestado a Beckett: bem de palavras, mas de textos cru-
Que importa quem fala; alguém dis- zados, imagino-os como que esten-
se: que importa quem fala.1 Conside- didos na horizontal; o terceiro, pro-
rando que o primeiro segmento dessa duzido bem depois deles, é o texto
formulação (que importa quem fala) diz vertical, com que os pretendo cru-
respeito a qualquer autor, e que o se- zar.2
gundo (alguém disse: que importa quem ***
fala) concerne ao autor dessa fala, se Do primeiro texto O que é um
perguntarmos então quem disse que autor? (1969) levanto três pontos.
importa quem fala, a resposta será quem
é alguém, isto é, que importa, perfa- I. Autor e nome próprio
zendo uma dobra circular do discur-
so sobre si mesmo. Ainda que o nome de autor seja
Porém, mais que paradoxo, talvez um nome próprio e com ele mante-
haja nessa dobra um jogo de estraté- nha semelhanças, guarda, porém, uma
gia. Com efeito, o gesto que aponta para singularidade paradoxal.3 Só para
o desejo pessoal de impessoalidade no sugerir um exemplo, é diferente, e di-
Recebido em 17/8/2002
Aprovado em 30/10/2002