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Scipy AsO foots a Parte III - Perspectivas contemporaneas acerca da questaio racial 13 =O negro como lugar Joel Rufino dos Santos SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SANTOS, J. R. O negro como lugar. In: MAIO, M.C., and SANTOS, R.V., orgs. Raca, ciéncia e sociedade [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; CCBB, 1996, pp. 219-223. ISBN: 978-85- 7541-517-7. Available from: doi: 10.7476/9788575415177. Also available in ePUB from: Todo 0 contetido deste trabalho, exceto quando houver ressalva, 6 publicado sob a licenga Creative Commons Atubicdo 4.0. 3, excepto donde se indique lo contrario, esta bajo licencia de 1 O NEGRO COMO LUGAR Joel Rufino dos Santos INTRODUCAO Parece, hoje, indiscutivel, a luz da cigneia, que no caso dos seres humanos nao ha ragas, Em apenas un sentido, que Lévi-Strauss chamou “ragas invisiveis". a antiquitssi- ma palavra quer dizer alguma coisa quando se refere a nossa espécie = sao as conjuntos de freqiiéncias genéticas que fazem, ocasionalmente, uma pessoa Ioirissima estar mais perto de outra preta retinta do que de outra também lojra ‘Nao ha ragas e entretanto ha relagées raciais. Paradox? Nao. Na realidade, a ex- Presso “‘relagdes raciais™ acoberta outras relagbes, corresponde a um eufemismo. Racis« mo pade ser definide entéo come a imposigao de rclasdes de dominagao disfargadas sob acrenga de que siio raciais, isto é, de que ha ragas. Até aqui nenhurn problema. Ocorre, porém, que os eponentes do racismo, a come- sar, no Brasil, pelos movimentos negras, valem-se do conceito de raga e, por vezes. na sua versio ojtocentista. Sto racialistas anti-racistas. Falam em nome da raga negra € aos atributes negativos que © preconceita afirma serem dos negros contrapSem os scus atri- butes positives. A luta oreanizada contra o racismo = pois disso se trata — justificaria 0 uso de um conceito cientificamente superado? Boa ciéncia € aquela que serve aos ho- mens na huta pela justiga social? Esse ¢ 0 primeiro problema: Ciéneia e Politica. Hé. contudo, um segunda: no am- bito da Politica, 0 racialismo no tem feito avancar @ [uta organizada contra racismne. Pelo contrdrio, cle conduziu os movimentos negros a um beco sem safda, O item raga nao sai apenas do censo, saiu do jogo politico e jd nenhum circulo de poder se deixa impressionar pelas dentincias de racismo em si mesma, Freqiientemente, liderangas de movimento negro siio acusadas de “racismo as avessas". A acusagao tem algum fundamento uma vez. que a tendéncia de encarar a.ques- Go étnico-racial em sepando. despegada da estrutura social ¢ das relagdes de poder poli- tico era, alé recentemente, dominante entre aquelas liderangas, Ora, num pais de incrivel pauperizagao, marcado por insoliiveis problemas sociais, a pretensio de destacar do so- cial 0 que quer que seja, suscita imediatas desconfiangas, As liderangas de movimento negro veemsse, assim, sistematicamente obrigadas a combater em duas frentes: contra o mito da democracia racial ¢ contra o estigma de “ra. cistas a0 avesso”, Eo que € pior, cam uma arma duvidosa recolhida no arsenal oitocen- tista—a idéia de raga Como se nao bastasse tém, aquelas liderancas, de enfrentar 0 reductonismo do pen- samente convencional de esquerda, que s6 esporadicamente admitem as interagdes rax ciais € ¢inicas. E 6 que expliea a dificuldade, hoje amenizada, de os movimentos negros estabelecerem aliangas com os agrupamentes marxistas. Aquele reducionismo, aliaco @ no visto do “preconceito racial como resquicio da eseravidio", bem como @ expectativa que © desenvolvimento econdmico tende a neutralizar o fator raga/cor, se encaixa perfei- tamente, alias, no acabougo de mito da democracia racial, comprovando-lhe a eficacia ¢ consensuatidade. A democracia ractal ¢, basicamente, 0 pacto nacional, supraideolsg ico, de nao considerar a interagio racial como significativa. O movimento negro como tal ¢a tupturra desse pacto. ‘Nao por acaso, as aliangas mais tesistentes dos movimentos negros, na fase que co- mega com a Frente Negra, ha sessenta anos, tém sido com o que se convencionou cha- mar de populismo ~ ela também uma ruptura de paeto: papulisme no poder ou fora dele. E verdade que to logo se instalou, » Estado Novo fechou a Frente Negra, como é verda de também que a vertente mais politica do movimento costuma atacar duramente a mani- pulagtio das comunidades negras por chefes populistas, Foi, no entanto, sob a ditadura estado-novista que © maior niimero de negros, proporeionalmente, ingressou no aparelho de Estado: 0 Partido Trabalhisia Brasileiro durante a sua primeira existéncia (1945-64) concentrau a maioria do voto negro urbano, oferecendo, mais que qualquer outro, legen« da a candidatos negros, assumidos eu naa; & enfim, foi a sombra de um remanescente Populista, Leonel Brizola, que, ha poucos anos, « movimento negro — na definigdo lata e restrita ~ obteve seus maiores ganhos (Soares, 1984). Temos, pois, um impasse, a saber: a categorizacae do negro como raga condena a {uta organizada contra o racismo a ineficécia: e uma pista para escapar dele, a saber: a alianga do movimento negro com © popullisino pode instituir os parimetros para uiita re- categorizagaa do negro. POPULISMO REVISITADO G que se convencionou chamar de populisino ~ constante de medidas concretas de governa, de uma ideologia, de uma estratégia de desenvolvimento econdémico-social, de uma firguagem ¢ de uma cultura ~ afiemousse entre © final do Estado Novo ¢ o golpe militar de 1964, embora seus antecedentes venham pelo menos desde a Revolugaa de 30. Ha certo consenso de que foi, sumeriamente, a forma politica assumida pela saciedade de massas no Pais, legitimando a entrada das massas nas estruturas de poder e funcionan- do como mecanismo de politizagao delas. Enquanto movimento (que permeou diversos partidos politicos, governos e lideran- $5) 0 populismo apresentou, em cerca de vinte anos, quairo modalidades principais que, Coma esfinges desafiam a inteligéncia politica brasileira: queremismo getulista, traba. thismo, jusceliiisma e janguismo Até ai chega um certo consenso dos observadores. © que vein depois ¢ come dar Prosseguimento hoje ao que se costuma chamar demacracia populista ? Crelo haver, na atualidade, dois eonjuntes principals de interpretagao do nossa pro- cesso politica que, embora nao antagGnicos, disputam a supremacia no. auto-intitulado: campo progressista. Primeiro, para os intérpretes situadas ne interior da ordem moderna (inclusive no lugar da classe operiria), 0 populismo nada mais foi que uma etapa na historia das rela- 083 entre as classes sociais no Brasil. A liquidagdo da democracia populista, consuma- da pelo movimento militar de 64, teria inaugurado a etapa presente dle luta de classes nao 220

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