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Por que René Kaés? Astigo ‘Ana Rosa Trachtenberg Angela Beatriz S. Piva Denise Haeberle Denise Zimpek Pereira Gilda Fogaca Soares Rosa Aizemberg Avritchir Vera Homrich Pereira de Mello Integrantes do Nicleo de Vinculos ¢ ransmissio Transgeracional da SEPGEPA 1 Introdugao O psicanalista ¢ professor René Kaés € intemacionalmente reconhecido por seus aportes teéricos e cIfnicos para a psicandlise em geral e, espe- cialmente, para a psicandlise de grupos. © Niicleo de Vinculos e ‘Transmisso Geracional da SBFdePA teve seu in- ssse voltado para o estudo da obra de Kaés inicialmente pelo tema da transtnissio psiquica entre geragdes, que é urna das contribuigdes mais innportantes deste autor. Esta tematica ampliou conceitualmente a visio da constituig&o do inconsciente como resultante também da ntersubjetividade. A partir dai, houve o interesse de continuarmos nos aprofundando nas ideias de Kaes, que témn nos oferecido um aporte vali- 0s0 para a arnpliagao da teoria psicanalitica. Nosso obj 0, consiste em fazer umn recorrido das principais contribuicdes deste criati- vo e instigante autor, de forma a servi vo, neste a je estimulo & leitura de sua obr: © trabalho analitico com pacientes nao neuréticos mostrou ser necessé- ia a realizagao de reformulacées teérico-clinicas. Igualmente, o trab ho psicanalitico com grupos rostrou a necessidade de se enfrentar urna modificagao em quatro niveis: epistemoldgico, metodolégico. atolégice e clinic. Por que René Kaés £ pertinente, neste sentido, falar em mudanca de paradigma, dado que 0s processos inconscientes, até o momento considerados como estrita- mente individuais, passam a ser teorizados desde uma concepcao intersubjetiva. A proposta de Kaés (1997) é a de tentar articular as relacdes entre o du- plo limite descrito por A. Green (1982), constitutive do espago psiquico: 0 Timite intrapsiquico, entre o inconsciente e o pré-consciente/consciente € 0 limite interpsiquico entre 0 self e 0 nao self © principal problema ¢ explicar esses dois fatos: que os dois limites cruzam ~ dentro e fora de cada sujeito © que a textura psiquica da intersubjetividade é a condigao do sujeito do inconsciente (KAES, 1997, p. 247) © autor, apoiando-se em Freud, supée, em suas elaboragies sucessivas, uma concepgao politépica do inconsciente: 0 espace intrapsiquice indi- vidual nao é mais concebido como o lugar exclusive do inconsciente. Kaés destaca que a ideia de uma tépica deslocalizada, isto é, intersubjetiva, foi introduzida por Freud a partir do momento em que a questo da trans- misso psiquica colocava-se no apenas na escala de varias geracGes, mas também em uma sincronia do sujeito, quer formasse um casal, una familia ou um grupo. Ele afirma que os princfpios constitutivos dessa metapsicologia so o in- consciente ~ que se manifesta na realidade psfquica do agrupamento, trabatha e é trabalhado nesta mesmna realidade psiquica conforme uma légica propria -, e certas formagées e processos psiquicos, preferencial- mente trabalhados por e no agrupamento. Assim, o postulado fundamental que sustenta esta metapsicologia sio as formagbes ¢ os processos que estao operando no vinculs intersubjetivo, tributarios daquele mesmo inconsciente — cbjeto tedrico da psicanélise. Nao sao, porém, as mesmas formagdes nem os mesmos processos mani- festos no dispositivo do tratamento do sujeito singular. Isto 6, seus pro- cessos de formagao, seus contetidos e suas manifestacées nfo coinci- dem estritamente com os limites e a légica interna do aparelho psiquico do sujeito considerado isoladamente. Eles supdem a existéncia de uma fungao correcalcadora do nivel do grupo e da producao grupal de umn recalcamento. ‘Ana Rosa Trachtenberg et al. Tal hipétese nao esta er contradico com o fato sublinhado por Freud, de que o recalcamento propriamente dito é, no mais alto grau, indivi- dual. 0 que ele desenvolve é a noc&o das condigdes intersubjetivas do recalcamento. Sua hipétese centra-se na ideia de que certas modalidades do recalcanento operam nas aliancas inconscientes, nos pactos denegativos € nos contratos narcisicos. Decorrente disto, entende que o sintoma é focalinente mantido pelo conjunto intersubjetivo, por razées que deri- vam de ura ldgica e de uma economia préprias. 0 sujeito é corpo e gru- po, sendo impossivel escapar desta dupla determinagao. Segundo o au- tor estudado,"..€ assim que viemos ao mundo, pelo corpo ¢ pelo grupo, ¢ o mundo € compo e grupo." (KAES, 2007, p. 275). Kaés propde a necessidade de uma terceira topica, pois a segunda tépica é insuficiente para dar conta das formacées e dos processos psiquicos, descobertos a partir da pratica clinica com configuracées vinculares Funda esta terceira tépica amparada em determinados modelos: 0 apa- relho psiquico grupal; os organizadores grupais; as aliangas inconscien- tes; as fungdes fricas; os processos associativos come pontos de amar- ragio entre os espacos intrapsfquicos ¢ os espacos do vinculo (KAES, 2000) Desenvolveremos, a seguir, alguns destes conceitos-chave ¢ introdutérios para a leitura da obra de Kaés, 2 0 Aparelho Psiquico Grupal No final da década de 60, Kaés, seguindo a nogao freudiana de aparelho psiquico, elabora a nogao de aparelho psiquico grupal, para dar conta do trabalho psiquice ativado pelo grupo. Os postulados basicos deste modelo de aparelho ps{quico grupal séo os seguintes: 1) oaparetho psiquico grupal éo resultado de determinada acomodagao combinatéria das psiques (ndo é s6 uma colegdo de individuos); 2) curnpre um trabalho espectfico de ligar, reunir, pér em acordo e em antagonismos partes da psique individual mobilizadas para construir 0 grupo;

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