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PAO, CARNE E VINHO: ALIMENTACAO E SUBSISTENCIA “Nuestra situaci6n tiende a ser cada dia ms grave. Si antes nuestros salarios nos permitian llenar relativamente nuestras necesidades, en cambio hoy, todos sabéis que apenas ganamos para comer.” (FEDERACION OBRERA ARGENTINA, Octubre de 1895) “Avrei dovuto intitolare questo capitolo: I! paese di cuccagna.” (CAZZANI, 1896, p 75). Introdugao Um analista da alimentacao entendia que “o leite e a carne sao no nosso pais [Argentina] a base da alimentacao da populacao. [...] a segunda é indispens4vel para manter o organismo da pessoa adulta forte e sadio. [...] a carne é a base da alimentacao”.' O leite tinha o valor simbélico de ser o primeiro alimento, mas a carne era “o” ali- mento. Sem ela ninguém ficava satisfeito. A abundancia de carne atraia os imigrantes e deixava felizes os criollos. Esta poderia ser a imagem _ que os porterios tinham de si préprios, mas a carne e o leite nado eram Os Unicos alimentos consumidos, outros géneros alimentares comple- tavam o quadro dos consumos no periodo. Neste capitulo apresenta- remos esses alimentos, a evolucdo dos precos e as condicées de ela- boragao. O consumo de alimento esta marcado pelas necessidades sim- bélicas e fisiologicas. Sobre as necessidades fisiolégicas é preciso esclarecer alguns pontos. Para comegar, nao esta claro, ainda hoje, quais s4o as quantidades que o corpo humano precisa para desenvol- ver e repor as energias gastas nas atividades cotidianas para manter a temperatura corporal e o processo de crescimento, por exemplo. As necessidades variam segundo a atividade fisica, altura, peso, esta- do da satide etc. Massimo Livi-Bacci estima que a populagao que con- Ssumir cerca de 2 100 caloriac diariamente node cer conciderada 1ima 8 Pao,carne e vinho alimentagéo e subsisténcia @ O populagao suficientemente nutrida, pelo menos no que se refere as energias. O corpo humano precisa de energia, porém, outros elemen- tos devem ser considerados na reconstituigdo do organismo humano sao necessarios para manter o seu funcionamento normal, tais como proteinas, vitaminas e minerais.? 4 E dificil sintetizar uma realidade tao complexa como a de Buenos Aires dentro dos restritos limites das estatisticas oficiais. De fato, es- tabelecer um consumo “médio”, como temos feito anteriormente, implica redudir as possibilidades de escolha das familias operérias; nao obstante, esse reducionismo permite avaliar, no tempo, a evolu- ao dos consumos basicos e a relagdo com a evolugao dos rendimen- tos médios. Como vemos nas duas epigrafes transcritas, uma do ano de 1895 € outra de 1896, as avaliagées feitas sobre a alimentagio eram diametralmente diferentes. Seria possivel tal mudanga de um ano para © outro? Entendemos que as leituras do periodo foram mais impor- tantes que as variagdes experimentadas. Os diversos grupos étnicos que confluiram para Buenos Aires, formando a classe trabalhadora portenha, tinham as suas proprias dietas ou cozinhas, que podiam concordar ou divergir entre si, mas que tiveram de ser adaptadas As possibilidades locais. Certamente, as op¢oes para os recém-chegados eram variadas. Lembremos que a Argentina era um dos principais produtores de trigo, milho e de diver- sas carnes, principalmente as bovinas e ovinas. Tais produtos possi- bilitavam satisfazer a “dieta mediterranea”, ou seja, o conjunto de produtos consumidos pela maior parte dos grupos étnicos que che- gg 82"am A Argentina nesse periodo: italianos, espanhéis, franceses, além daqueles que chegavam do Oriente Médio, como arménios, sirios e libaneses. Aqueles produtos que a Argentina nao oferecia inicialmente fo- ram sendo incorporados ao longo do nosso periodo, seja porque os recém-chegados adaptaram algumas plantas, ou porque, devido a gran- de e diversificada procura, a oferta foi crescendo e ampliando-se, para poder acompanhé-la. Noni i aa lt ad Os géneros alimenticios: principais e secundarios Quatro alimentos aparecem como centrais na alimentagao do periodo: 0 pao, a carne (e “as carnes”, aquelas que nao sao de gado bovino), o leite (e seus derivados) e o vinho (junto com outras bebi- das alcoélicas). Intimeros so 0s alimentos complementares: legumes, verduras, farinhas, frutas, ovos, azeite etc. Outros produtos nao co- mestiveis sao de vital importancia, tanto para a alimentagao e o pre- paro dos alimentos quanto para o bem-estar familiar, como 0 carvao e 0 querosene. O pao No final da década de 1870 iniciou-se uma importante transfor- magao na estrutura produtiva da Argentina. Até esse momento os bid- logos e botanicos polemizavam sobre a possibilidade de cultivar tri- go na Argentina. Burmeister, cientista alemao e diretor do Museu Na- cional realizou uma série de conferéncias desalentando essa cultura. Segundo ele, a terra em que cresciam gramineas inferiores nao podia ser apta para 0 trigo. Os agricultores nao deram ouvidos e a semente germinou. 0 fato de na década de 1870 “ter comecado a produgao de trigo” significa que existiu uma concentracao de mao-de-obra, capi- tais e, especialmente, de terras colocadas em atividade recentemente ou retiradas da produgao pecuaria. A produgao de trigo e farinha é coetanea do periodo do cresci- mento urbano e da grande imigracdo, 0 que levou a uma série de desequilibrios entre a oferta e a procura, ocasionando oscilagdes brus- cas no preco do produto final, 0 pao. Vejamos as estatisticas do perfo- do: em 1879 foram exportadas mais de 25 mil toneladas de trigo e 1,6 mil de farinha, sendo importadas seis toneladas de trigo e quatro de farinha; no ano seguinte, embora fossem exportadas 1,2 mile 1,4 mil toneladas de trigo e farinha, foi preciso importar 19 mil toneladas de “trigo e 1,2 mil de farinha. A farinha consumida nesse momento chega- va do Chile, dos Estados Unidos e da Franga; outros produtos deriva- dos da farinha, tais como biscoitos e massas, eram importados da Inglaterra e da Itélia. Na década seguinte, a farinha e seus produtos Norberto Osvaldo Ferreras @

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