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Comportamento suicida: uma alternativa

de intervenção

Considero o tema suicídio de relevância para qualquer um que esteja se


deparando com este texto. Se você é psicólogo, talvez já tenha lidado com esta
demanda ou possivelmente irá se deparar com um cliente potencialmente
suicida. Se você é alguém que tem pensamentos suicidas ou deseja morrer por
suicídio, saiba que você pode ser ajudado: existem profissionais capacitados a
ajudar pessoas em sofrimento, e com muita vontade de ajudá-las a ter uma
vida satisfatória, então, procure ajuda, ainda é tempo. E se você é qualquer
outro leitor, também se beneficiará com esse texto porque, ao conhecer uma
possibilidade de intervenção com pessoas que desejam morrer por suicídio,
você está em melhores condições de orientá-la na busca por um profissional
que possa ajudá-la.

Este texto, especificamente, é um resumo de algumas estratégias


disponibilizadas no livro Clinical Manual for Assessment and Treatment of
Suicidal Patients. Desta forma, se o assunto lhe interessar, você pode explorar
com detalhes o conteúdo deste texto, consultando a fonte original, ou também
explorar outras alternativas de intervenção, uma vez que esta não é a única
existente para trabalhar o comportamento suicida.

Entende-se como comportamento suicida a tentativa de causar a própria morte


por meio do suicídio; é a forma que algumas pessoas encontram para lidar com
uma situação dolorosa, considerada como inescapável, intolerável ou
interminável. Terapeutas devem reconhecer seus limites para lidar com
demandas terapêuticas e, neste caso, reconhecer a própria limitação para lidar
com clientes suicidas é uma parte importante das competências de um
terapeuta, e não significa um sinal de fraqueza pessoal. Para aqueles que
estão dispostos a trabalhar comportamentos suicidas, o objetivo é mostrar ao
cliente que os problemas que ele considera como inescapáveis podem ser
trabalhados, mostrar que sentimentos negativos (aversivos) variam
constantemente, que é possível aprender a tolerá-los, que esses sentimentos
negativos são responsivos a mudanças de comportamentos e que, por isso, a
forma de lidar com as situações problemáticas pode ser alterada de modo a
produzir sentimentos mais agradáveis, e a melhoria do quadro clínico.

CONTATO INICIAL OU SESSÃO INICIAL:

 Reduzir o medo do cliente sobre suicidalidade: Normalizar o


comportamento suicida; legitimar sentimentos suicidas no contexto
atual do cliente; falar calmamente e abertamente sobre formas
diferentes de comportamentos suicidas que podem ocorrer, como
forma de explorar essas possibilidades e diminuir o senso de
inadequação que o cliente pode ter sobre o assunto.

 Reduzir o sentido do cliente de isolamento emocional: Validar o


sofrimento do cliente; construir colaboração com o cliente para o
tratamento; validar a sensação de que o sofrimento é inescapável,
intolerável ou interminável, e ao mesmo tempo tentar gerar alguma
mudança nessa sensação mostrando ao cliente que a situação
problemática pela qual ele passa pode ser administrada ou até
mesmo resolvida; procurar apoio social.

 Ativar soluções de problema: Reformular o comportamento suicida


como comportamento de solução de problema; isolar soluções de
problema partidas do cliente e elogiá-las ou reforçá-las; desenvolver
a ideia de estudar o comportamento suicida no contexto de solução
de problemas; construir um plano curto de ações positivas com o
cliente (3 a 5 dias), que tenha alguma probabilidade de produzir
consequências reforçadoras.

FASE INICIAL DO TRATAMENTO:

 Aprender a encontrar soluções: Desenvolver aceitação da crise,


desenvolver compromisso para encontrar soluções e colocá-las em
prática e, ao mesmo tempo, continuar discussões sobre suicídio
entendendo que é uma opção que o cliente talvez
continue considerando.
 Agredir o estigma: Da primeira sessão ao final do tratamento, deve-se
continuar agredindo o estigma associado ao comportamento suicida,
auxiliando o cliente no aprendizado de que este comportamento é um
desdobramento de uma tentativa ineficaz de solução de problemas,
principalmente quando uma dor emocional intensa está presente.

 Especificidade situacional: Clientes suicidas, assim como os


depressivos, tendem a ver eventos triviais como muito aversivos, e
estes podem evocar determinadas cognições, emoções e
comportamentos; o terapeuta deve ensinar o cliente a identificar
essas situações específicas relacionadas ao comportamento suicida.

 Automonitoramento: O terapeuta deve ensinar o cliente a coletar


informações sobre seus pensamentos, sentimentos e
comportamentos, como forma indireta de obter informações sobre o
comportamento suicida do cliente.

 Situações de disparo: Corrigir situações específicas que podem


produzir dor emocional, ou seja, o terapeuta pode valer-se de role-
play para auxiliar o cliente a administrar sentimentos negativos,
trabalhar respostas de enfrentamento, e aperfeiçoar habilidades
existentes no repertório do cliente.

 O cientista pessoal: Investigar os próprios comportamentos, ou seja,


o cliente pode coletar dados entre as sessões para testar ideias, a fim
de verificar ações que podem ou não funcionar. São experimentos de
comportamentos. A ressurgência do comportamento suicida é sempre
uma oportunidade de investigar ações ou estratégias que
funcionaram e não funcionaram.

 Três armadilhas clínicas da fase inicial de tratamento: 1) Focar na


presença ou ausência do comportamento suicida; 2) tentar promover
mudanças de forma mais rápida do que o cliente tem condições; 3)
acreditar na melhora do cliente apenas porque ele está relatando
sentir-se melhor ou apenas pelo fato de ter procurado ajuda
terapêutica.
FASE INTERMEDIÁRIA DO TRATAMENTO

 Momento da terapia destinado ao desenvolvendo da aceitação de


sentimentos e compromisso com ações ou mudanças que possam
gerar consequências mais favoráveis, ou reforçadoras.

 Recontextualização: Algumas pessoas tendem a reagir a


pensamentos e sentimentos como se eles fossem a situação-
problema em si, e acabam se afastando de atividades que poderiam
ser reforçadoras, como trabalho, família, evitando intimidade. O
terapeuta deve ensinar o cliente a criar espaço para seus
pensamentos e sentimentos, e fazer o que é preciso para prosseguir
com a vida. Mudanças de comportamento podem ocorrer na
presença de ideias suicidas e sofrimento emocional, e trazer
pensamentos e sentimentos negativos para o processo de solução de
problemas enquanto se permanece comprometido com a mudança,
ajuda a aprender a tolerância emocional.

 Distanciamento compreensivo: Diz respeito ao Exercício de


Termômetro Duplo, em que o cliente classifica duas dimensões de
experiência em uma escala de 1 a 10 ao final de cada dia. O primeiro
termômetro é a Escala da Boa Vontade, que se refere a uma postura
não crítica com as experiências do dia, possibilitando a observação
dessas experiências. O segundo termômetro consiste na Escala de
Sofrimento, para avaliar o quão aflito o cliente se sentiu diante das
experiências.

 Habilidade de soluções de problemas pessoais: Segue algumas


etapas como identificar o problema; identificar estratégias alternativas
de solução de problemas; avaliar a provável utilidade de diferentes
respostas de solução de problemas; selecionar uma alternativa
específica de solução de problema; formular um plano de ação;
implementar as respostas e avaliar seus respectivos efeitos.

 Eficácia interpessoal: Envolve habilidades de resolução de conflitos


(em grupo – encontrar um grupo em comum em que um conflito com
alguém possa ser trabalhado de uma forma que satisfaça o interesse
de todos), habilidades sociais gerais e assertividade apropriada
(aprender a manter uma resposta assertiva frente a uma oposição).

 Três armadilhas clínicas da fase intermediária de tratamento: 1)


Perder o foco uma vez que a crise suicida aguda passou; 2)
considerar que a ausência de uma crise significa que seu cliente não
está operando mais no “modo crise”; 3) achar que a terapia acabou
porque o cliente parece melhor por ter saído da crise suicida.

FASE FINAL DO TRATAMENTO

 Considerar que pensamentos suicidas podem não cessar


completamente e gerar essa consciência no cliente.

 A ressurgência de pensamentos suicidas deve ser usada como


estímulo para iniciar estratégias de aceitação e estratégias não
suicidas de solução de problemas.

 Desenvolver um plano que aborda as necessidades de longo prazo


do cliente, a partir das alternativas efetivas de solução de problemas
que foram estabelecidas ao longo do tratamento.

 O cliente pode tornar-se dependente da ajuda do terapeuta, então, o


terapeuta pode ressaltar os comportamentos efetivos de solução de
problemas adotados pelo cliente junto a exemplos efetivos de
aceitação emocional.

 Ainda sobre a dependência do terapeuta, pode-se ressaltar ao cliente


que a terapia fez parte de cerca de uma hora por semana da vida
dele, as demais horas e demais dias foram administrados pelo cliente
na ausência do terapeuta. Isso tende a fortalecer no cliente o
sentimento de ser capaz de seguir administrando sua vida e suas
emoções sem a terapia.

 Ajudar o cliente a identificar características centrais de um futuro


positivo e começar a moldar o futuro por meio do estabelecimento de
metas.
 Prevenir possíveis recaídas preparando o cliente para testes
prováveis de suas alternativas não suicidas de solução de problemas,
o que envolve o desenvolvimento de um sistema de alerta de risco e
o desenvolvimento de uma plano de respostas claro que incorpora
habilidades e técnicas que já foram trabalhadas.

De modo geral, essas etapas contemplam a validação emocional e


compromisso com a mudança. A validação ocorre na medida em que o
terapeuta legitima as emoções aversivas do cliente diante de determinada
situação problema, assim como legitima o comportamento suicida como uma
alternativa que o cliente tem para lidar com o problema. O compromisso com a
mudança pode ser verificado, principalmente, nas intervenções que buscam
identificar comportamentos alternativos de solução de problemas, menos
prejudiciais, com mais chance de obtenção de reforços, e que mantenham o
cliente vivo.

A validação emocional e compromisso com a mudança são princípios da


Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Um dos autores deste livro é Kirk
D. Strosahl, que tem autoria em outros livros junto com Steven C. Hayes,
portanto, a presença destes princípios em sua proposta de intervenção para o
comportamento suicida, parece ser fortemente influenciada pela ACT.

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