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Capı́tulo 1

Conceitos básicos de termodinâmica

Tendo sido desenvolvida primeiro, a mecânica serviu como ponto de partida para a formulação da ter-
modinâmica, que estendeu as poderosas técnicas de minimização a sistemas sob efeito da temperatura. A
estrutura matemática da termodinâmica é fascinante mas terı́amos que dedicar um semestre inteiro ao as-
sunto para poder apreciá-lo devidamente. Recomendo fortemente a referência [1] para quem se interessar
por um estudo mais profundo. Seguindo uma tendência mais moderna, estaremos o tempo todo transitando
entre a descrição microscópica da fı́sica estatı́stica e a macroscópica, da termodinâmica. Embora não siga a
seqüência histórica, a fı́sica estatı́stica desenvolveu-se bem depois da termodinâmica, esta abordagem reflete
melhor a maneira com que se trabalha com o assunto atualmente.
O objetivo deste capı́tulo é estabelecer e revisar elementos e idéias que usaremos na formulação ter-
modinâmica, além de desenvolver algumas das ferramentas básicas que serão usadas ao longo do texto.

1.1 Macro × micro


A termodinâmica fornece uma descrição macroscópica dos sistemas, quer dizer, as variáveis usadas na sua
formulação matemática são bem definidas apenas para sistemas cujo número de partı́culas seja da ordem
de 1023 . Esses sistemas também devem apresentar variações temporais muito lentas quando comparadas
aos tempos de variação das partı́culas que os copõem. Assim, qualquer medida realizada em um sistema
macroscópico necessariamente envolverá médias espaciais e temporais de grandezas microscópicas. Desta
forma estaremos substituindo uma enorme quantidade de informações (necessárias para a descrição cada
partı́cula), por grandezas médias, reduzindo drasticamente o número de variáveis utilizadas.
Por exemplo, considere a observação de um recipiente contendo um determinado gás. Vamos supor
que as moléculas estejam separadas o suficiente para que seja razoável desprezar a interação entre elas.
À temperatura ambiente essas moléculas tem um movimento que combina translação do centro de massa
e rotação em torno de diversos eixos de simetria molecular. Dentro do recipiente que contém o gás as
moléculas estão constantemente colidindo umas com as outras e colidindo com as paredes do reservatório.
Imagine que desejemos entender o comportamento desse gás pelo conhecimento da trajetória das cerca de
1023 partı́culas. Seja o caso mais simples, um gás monoatômico sem energia cinética de rotação, neste
caso precisarı́amos de 6 variáveis reais para cada partı́cula, três para definir a posição ~r e três para a
velocidade ~v . Então, apenas para armazenar a informação de um determinado estado do gás precisarı́amos
de cerca de 5 × 1018 Mb! Supondo que temos essa quantidade de memória disponı́vel, imagine quanto
tempo levarı́amos para calcular as trajetórias. O pior de tudo é que toda essa informação de nada serviria
para o entendimento do comportamento macroscópico do gás. Por outro lado, se utilizamos a descrição
macroscópica da termodinâmica, estaremos trabalhando com 3 variáveis independentes, por exemplo N
(número de moléculas), T (temperatura) e P (pressão), tornando possı́vel o estudo do sistema.
O papel da fı́sica estatı́sca é justamente possibilitar a passagem da descrição microscópica para a ma-
croscópica. A mecânica quântica é usada para calcular as energias das partı́culas que formam o sistema,
e postulados próprios permitem o cálculo de valores médios, que por sua vez obedecerão às leis da ter-
modinâmica se a conexão entre as duas descrições for feita corretamente. Por hora estamos interessados
apenas na visão macroscópica, supondo que, de alguma forma, sabemos como definir as variáveis necessárias

1
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 2

para o entendimento do sistema em questão. É importante lembrar que a termodinâmica foi formulada numa
época em que a visão atomı́stica ainda não existia, sendo uma descrição genuinamente macroscópica.

1.2 Equilı́brio, extremos e escalas de tempo


Todo curso de fı́sica térmica deve começar discutindo o conceito de equilı́brio, afinal o objetivo original
da termodinâmica e da fı́sica estatı́stica é a descrição desse estado. Embora seja bastante simples definir
o equilı́brio matematicamente, no mundo real este é um conceito bastante subjetivo, que só tem sentido
quando vem associado a alguma escala de tempo definida pelas observações experimentais. Intuitivamente
um estado de equilı́brio é algo imutável, permanente, se deixado fora de influências externas. Na prática
tudo está sempre mudando, o eterno simplesmente é algo que dura muito mais do que o tempo disponı́vel
para as medidas que se desejam fazer.

O equilı́brio na mecânica
A definição de equilı́brio na mecânica está relacionada à de energia potencial, Ep . Um movimento conserva-
tivo, para o qual a energia total é constante no tempo, permite definir forças a partir de variações de energia
potencial [2]. Uma força conservativa pode ser escrita como

F~ = −∇Ep . (1.1)

Imediatamente vemos que


• A força se opõe à variação de energia potencial.
• Nos pontos de extremo de Ep as forças são nulas.
Os pontos de extremo são então pontos de equilı́brio, se preparado inicialmente num desses estados, o sistema
permanece nele para sempre, já que a força sobre ele será nula.
Vamos examinar melhor esta questão, considerando um sistema muito simples, que é o oscilador harmônico,
descrito pela energia potencial
1
Ep (x) = ax2 , (1.2)
2
onde a é um parâmetro relacionado com a freqüência natural de oscilação e x, o deslocamento [3]. A figura
1.1 mostra a forma desse potencial. No ponto x = 0 temos

Figura 1.1: Exemplo do potencial quadrático (1.2) com a = 2. Se a energia total do oscilador é E1 , e
inicialmente ele está parado, o movimento estará limitado entre x1 e −x1 .
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 3

dEp
F~ = −x̂ = 0,
dx x=0
assim, se inicialmente o corpo for colocado nessa posição, ele simplesmente ficará nela. Podemos também
escolher uma condição inicial correspondendo a x = x1 > 0 e Ep = E1 . Neste caso, de acordo com (1.1),
atua inicialmente sobre o corpo a força

~ dEp
F = −x̂ = −x̂ax1 .
dx x=x1
Sendo uma força na direção de −x̂ que atua sobre o corpo, ela faz com que o mesmo se desloque em direção
a x = 0. Dizemos que essa força é restauradora, porque ela tenta restaurar a posição de equilı́brio. Como já
sabemos, a ausência de atrito faz com que o corpo mantenha um movimento oscilatório em torno de x = 0
sem nunca de fato parar nesse ponto
Vamos prosseguir com esse tipo de análise, mas agora para um oscilador sujeito a um potencial um pouco
diferente, contendo um termo quártico da forma
1 1
Ep (x) = a4 x4 + a2 x2 , a4 > 0 (1.3)
4 2
cuja forma para a2 < 0 está esboçada na figura 1.2(b). Uma realização de movimento sujeito a esta forma
de potencial pode ser vista na figura 1.2(a). O sistema que evolui de acordo com esta energia potencial é
conhecido como oscilador de Duffin invertido [4].
Quais são os pontos com F = 0? São aqueles que satifazem à condição de extremo, neste caso dada por
x(a4 x2 + a2 ) = 0. (1.4)
Temos assim três possibilidades r
−a2
x = 0, x = ± . (1.5)
a4
A situação mostrada na figura 1.2 corresponde a a2 < 0, portanto leva a três valores reais para x, ou três
pontos de equilı́brio s
|a2 |
xeq = 0, xeq = ± . (1.6)
a4
Se tivéssemos a2 > 0, o sistema teria apenas um ponto de equilı́brio, em x = 0 (Veja o problema 1).

Figura 1.2: Exemplo de oscilação num potencial quártico. (a) Uma lâmina de aço é montada de forma a ser
atraı́da por dois ı́mãs simetricamente posicionados. As oscilações podem ocorrer ao redor de uma ou outra
posição de equilı́brio lateral. No ponto do centro, entre os ı́mãs, a força resultante horizontal é nula, mas o
equilı́brio é instável. (b) A forma da energia potencial correspondente a este oscilador, dada pela expressão
(1.3) com a4 = 4 e a2 = −4.

Precisamos agora entender a diferença fı́sica entre os pontos de equilı́brio. Antes da análise matemática,
vamos realizar uma experiência mental, em que preparamos o sistema representado na figura 1.2 para ficar
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 4

δG23

δG32

x1 x2 x3
x
Figura 1.3: Perfil de energia livre para um sistema qualquer, descrito pela variável x. Os pontos x1 , x2 e x3
correspondem a equilı́brio estável, do ponto de vista da mecânica. Do ponto de vista da termodinâmica, x1
e x2 são pontos de equilı́brio metaestável.

inicialmente em uma de suas posições de equilı́brio. Certamente será muito difı́cil prepará-lo para ficar em
x = 0, qualquer pequeno deslocamento lateral vai favorecer a atração para um dos ı́mãs e levar a lâmina
para aquele lado. Entretanto, nenhum esforço é necessário para colocar a lâmina em suas posições de
equilı́brio laterais, ela naturalmente irá para uma ou outra. Matematicamente essa situação é expressa pela
concavidade de Ep em cada um dos pontos de extremo. A concavidade é dada pela segunda derivada, assim,
para o potencial (1.3) temos
d2 Ep
= 3a4 x2 + a2 .
dx2
Assim, sendo a2 < 0, para xeq = 0 a concavidade é negativa e xeq é um máximo. Para xeq 6= 0 a concavidade
é positiva, e os pontos correspondem a mı́nimos. Desta forma, se podemos formalizar matematicamente
um sistema a ponto de ter uma expressão para sua energia potencial, podemos imediatamente encontrar e
classificar seus pontos de equilı́brio:

dEp d2 Ep
Equilı́brio estável: =0 e > 0. (1.7)
dx dx2
dEp d2 Ep
Equilı́brio instável: =0 e < 0, (1.8)
dx dx2

O papel da temperatura
Na visão da mecânica o conhecimento de Ep faz com que, pelo menos em princı́pio, toda a dinâmica do sistema
possa ser desvendada. De posse da expressão matemática para Ep podemos encontrar todos os pontos de
equilı́brio estável e instável, e saberemos como será o comportamento do sistema seja qual for a condição
inicial. Queremos estender essas idéias à termodinâmica, definindo o equivalente a Ep para sistemas em que
a temperatura tenha um papel importante. Veremos mais adiante que os potenciais termodinâmicos farão o
papel de energia potencial, e aprenderemos como calculá-los, mas por enquanto vamos apenas afirmar que é
possı́vel encontrar essa função do tipo energia, que chamaremos de G. Do ponto de vista da termodinâmica,
a visão do sistema escorregando sobre seu perfil de energia até atingir um mı́nimo, deve ser incrementada pela
agitação térmica. O sistema agora estará constantemente sofrendo variações de energia de forma aleatória. A
amplitude média dessas flutuações dependerá da temperatura, quanto mais alta, maior a chance de ocorrer
uma grande variação de energia. Essas flutuações tornarão necessária uma distinção entre os pontos de
equilı́brio estável.
Seja um sistema descrito pela energia mostrada na figura 1.3. Existem 3 pontos de equilı́brio estável, sendo
um correspondendo a um mı́nimo global (x3 ), e os outros a mı́nimos locais. Se o sistema está inicialmente
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 5

em x = x2 , e sofre uma flutuação de energia δG23 , ele consegue ultrapassar a barreira de energia que separa
os mı́nimos, e relaxa para o estado de equilı́brio x = x3 . Se ao contrário, o sistema está inicialmente em
x = x3 , uma flutuação que o leve para x = x2 deve ser da ordem de δG32 . A lei de Arrhenius [5] diz
que a probabilidade de uma dessas flutuações de energia ocorrer é dada por exp(−δG/κT ), onde T é a
temperatura e κ a constante de Boltzmann. Na figura 1.3 temos δG32  δG23 , assim, a chance de ocorrer a
transição 3 → 2 é muito menor do que a de ocorrer a 2 → 3. De uma forma geral, para sair do mı́nimo global
sempre será necessário transpor uma barreira de energia maior, tornando o processo de sair do mı́nimo pouco
provável. Dependendo do tamanho da barreira entre os mı́nimos, pode ser que a energia térmica não seja
suficiente para promover a transição. Num sistema assim, o tempo de vida de um estado metaestável pode ser
bastante longo, sendo necessária que uma quantidade de energia finita seja entregue (energia de ativação) ao
sistema, ou que o perfil de energia seja modificado, em geral pela aplicação de um campo externo. Note que
numa transição de um estado metaestável para um estável (como a 2 → 3), o resultado final é o de diminuir a
energia já que G(x23 ) > G(x32 ), mas primeiro o sistema deve receber energia para superar a barreira, assim
o meio externo vai receber não só a a diferença entre as energias finais, mas também a energia de ativação.
Em resumo, do ponto de vista da termodinâmica, definimos três tipos de equilı́brio: estável, metaestável
e instável. Dizemos que um sistema está num ponto de equilı́brio estável (na prática dizemos simplesmente
que o sistema está no equilı́brio) quando, se deixado como está permanece para sempre nesse estado, e se
é perturbado, volta à situação inicial. O equilı́brio metaestável é semelhante ao estável para perturbações
menores que um dado tamanho. Ele pode ser modificado por uma perturbação finita, e se observado durante
um tempo longo o suficiente, decai para outro estado metaestével ou estável. No equilı́brio instável, qualquer
perturbação infinitesimal leva o sistema para outro ponto de equilı́brio que pode ser estável ou metaestável.
A termodinâmica que estudaremos aqui refere-se aos estados de equilı́brio estável e metaestável, na sua
formulação original. O equilı́brio instável está longe de ser algo sem importância, ele é responsável pela
evolução temporal dos sistemas [6]. Embora ainda não existam formulações para a termodinâmica dos
sistemas fora do equilı́brio, no mesmo pé de igualdade com a dos sistemas em equilı́brio (não existem
princı́pios de minimização que determinem como será a evolução de um determinado sistema), este é o
principal interesse da fı́sica térmica atual.
Daqui para frente, usaremos o termo equilı́brio, ou equilı́brio termodinâmico, para referência ao estado
de equilı́brio estável que corresponde ao mı́nimo global.

1.3 Variáveis de estado, equações de estado e processos


Como discutido até agora, buscamos uma descrição macroscópica de um sistema no equilı́brio termodinâmico.
Este estado deve ser homogêneo em termos de densidade, temperatura, pressão, concentração de constituintes
etc. Não-uniformidades geram forças internas que causam evolução temporal, o que não é possı́vel se o sistema
está em equilı́brio. Veremos mais sobre isso no estudo dos processos de transporte, no capı́tulo ??.
As variáveis usadas para caracterizar o sistema dependem apenas do estado do mesmo, e não de como
chegamos a ele, por isso mesmo são chamadas variáveis de estado. Além das variáveis de estado óbvias,
como pressão, volume, entropia e temperatura, temos todas as funções de resposta (ex: calor especı́fico,
compressibilidade, coeficiente de dilatação etc) além de todas os potenciais termodinâmicos.
Seja F uma função que depende de variáveis de estado ηi . Temos que
X  ∂F 
dF = dηi
i
∂ηi

se F e suas variáveis são contı́nuas,


1. Z B
dF = F (B) − F (A) ou seja, a integral só depende dos estados final e inicial.
A

2. I
dF = 0

3. Se conhecemos apenas dF , então F fica definida a menos de uma constante.


CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 6

A equação de estado é uma função que relaciona as variáveis de estado do sistema. O exemplo mais
simples é a equação dos gases ideais clássicos, que relaciona pressão (P ), volume (V ), temperatura (T ) e
número de partı́culas (N ) como
P V = N κT. (1.9)
Chamamos de processo, o caminho percorrido pelo sistema no espaço definido pelas suas variáveis de
estado. Por exemplo, se estudamos um gás, podemos acompanhar os valores de pressão e volume, como na
Fig 1.4. O valor da temperatura, em cada ponto, pode ser calculado pela equação de estado.

V
Figura 1.4: O diagrama P V mostra dois estados A e B, para um gás dentro de um cilindro provido de
êmbolo. O fundo do cilindro pode ser isolado ou posto em contacto térmico com um reservatório. A linha
contı́nua entre os estados representa um processo quasi-estático hipotético, ao longo do qual os valores de P
e V são bem definidos e conhecidos. O conjunto de pontos corresponde um processo real entre A e B. Neste
caso primeiro a pressão foi mantida constante e o volume foi variado em passos finitos. Depois o sistema
foi evacuado e de novo o volume foi aumentado descontinuamente a pressão constante. Cada variação de
volume gera regiões de baixa pressão imediatamente atrás do êmbolo, o que cria correntes no gás. A medida
da pressão deve ser feita após um certo tempo de estabilização. A turbulência, um fenômeno tipicamente
dissipativo, é a responsável pelo aumento da entropia a cada variação de volume. O resultado é que nada se
conhece sobre o sistema entre os pontos indicados. O sistema desaparece em um ponto e surge no outro, do
ponto de vista da termodinâmica. Matematicamente isso faz com que as derivadas fiquem mal definidas ao
longo do processo, o que impede o uso da formulação matemática da termodinâmica. Para tornar o processo
real mais próximo do correspondente ideal, as variações de volume devem ser bem menores, no caso limite
de variações infinitesimais, o processo torna-se quasi-estático.

É importante ressaltar que, ao desenharmos uma linha contı́nua num espaço definido por variáveis de
estado, estamos dizendo que os valores dessas variáveis são bem definidos ao longo de toda a linha. Isso
significa que o sistema manteve-se homogêneo, sem qualquer tipo de gradiente durante todo o tempo, e que
a evolução temporal se deu como uma seqüência de processos infinitesimais e quasi-estáticos, que podem
ser revertidos. Todos os processos que ocorrem de forma espontânea fogem a essas especificações, e são
irreversı́veis.
Um processo irreversı́vel não pode ser representado graficamente porque as variáveis de estado não são bem
definidas a cada momento. Na prática todos os processos são irreversı́veis, mas para que possamos formular
alguma teoria matemática, torna-se necessária a idealização de um processo reversı́vel.
Ao contrário das grandezas descritas pelas variáveis de estado, calor e trabalho são grandezas que só
podem ser definidas com relação a um processo, nunca a um estado, já que se referem a energia sendo
trocada. Por exemplo, devemos dizer que Q foi o calor trocado pelo sistema ao realizar uma expansão desde
V1 a V2 isotermicamente, ou isobaricamente etc. Para diferenciar uma pequena quantidade de calor trocado
ou de trabalho realizado, da diferencial exata, costuma-se usar um sı́mbolo diferente como d0 W .
A estrutura matemática da termodinâmica está baseada na existência de variáveis de estado intensivas
e extensivas. As variáveis intensivas, que serão chamadas genericamente de Y , não dependem do tamanho
do sistema. Um exemplo simples é a pressão. Se temos um gás com N moléculas, a uma dada temperatura,
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 7

dentro de um recipiente com volume V , teremos um certo valor para a sua pressão. Se dividimos ao meio
o sistema, ou seja, se confinamos N/2 moléculas em um volume V /2, a pressão será a mesma. Aliás a
temperatura, que também é intensiva, permanecerá também inalterada. Por outro lado, V e N são variáveis
extensivas, que são proporcionais ao tamanho do sistema. As variáveis extensivas serão simbolizadas pela
letra X. O tempo todos teremos pares de variáveis termodinamicamente conjugadas, do tipo XY e o trabalho
reversı́vel associado a elas será sempre da forma −Y dX (ou Y dX, dependendo da convenção de sinal que
será discutida na seção 1.5.2). Assim, o produto XY terá sempre dimensão de energia.
Alguns outros exemplos são:
extensivas: V (volume), A (área), L (comprimento), m (componente do momento magnético total na
direção do campo aplicado), S (entropia), N (número de partı́culas)
intensivas associadas: −P (-pressão), σ (tensão superficial), J (força), B (campo magnético aplicado),
T (temperatura), µ (potencial quı́mico)
A definição de X e Y deve ser tal que dY /dX seja sempre uma quantidade positiva, por isso a variável
intensiva associada ao volume V é Y = −P .
De um modo geral, todo sistema será descrito por um conjunto de pares XY . Os pares T S e µN estão
sempre presentes, e costumamos escrevê-los explicitamente. Os outros pares dependerão de especifidades
dos sistemas.

1.4 Paredes e reservatórios


Sempre será necessário especificar o tipo de parede que separa o sistema e o meio que o circunda. Essas
paredes podem permitir a troca de calor, de trabalho, ou de partı́culas, inclusive podemos ter paredes que
permitem a passagem de um tipo de partı́cula e não de outro. O sistema pode ser limitado por vários tipos
de parede ao mesmo tempo. Por exemplo podemos ter um gás contido em um cilindro de paredes fixas e
isolantes, que não permitem passagem de partı́culas, neste caso terı́amos um sistema fechado. Ou, podemos
substituir uma das paredes por um êmbolo, também isolante. Neste caso, uma das paredes (o êmbolo) permite
que o sistema (o gás) se expanda ou contraia, trocando energia mecânica (ou seja, realizando trabalho), com
o meio, e dizemos que o sistema tem acoplamento mecânico com o meio. Podemos substituir o fundo
do cilindro por um feito de um material com boa condutividade térmica, nesse caso, terı́amos uma que
parede diatérmica, permite troca de calor, e o sistema teria acoplamento térmico com o meio. Finalmente
podemos furar uma das paredes, permitindo que moléculas do gás dentro do sistema saiam, ou que moléculas
externas entrem. Nesse caso, temos acoplamento difusivo com o meio.
Toda vez que a parede que limita o sistema permite alguma troca com o meio, a troca se dará de forma
a manter o sistema e o meio com o mesmo valor da variável intensiva relativa à troca. Por exemplo, se o gás
está num cilindro isolante com um êmbolo, o que determina a posição de equilı́brio do êmbolo, especificando
o volume do sistema, é o equilı́brio entre as pressões interna e externa. No caso do acoplamento térmico,
a entropia do sistema varia de modo à que a temperatura do sistema seja igualada com a do meio. Essa
idéia de troca com o meio traz a necessidade da definição de reservatório. Um reservatório é um sistema
descrito por uma variável intensiva que permanece constante, mesmo quanto o contato é estabelecido com o
sistema.
No nosso exemplo, se o gás está no cilindro com o êmbolo isolante, em contato com a atmosfera, a
expansão ou contração do gás não afeta a pressão atmosférica, sendo a atmosfera um reservatório com
pressão fixa. Um copo com água fervendo, se colocado em cima de uma mesa, esfriará até que a água
chegue à temperatura ambiente. A temperatura da sala não é afetada pela troca de calor, e o ar da sala
funciona como um reservatório térmico. Na prática, os reservatórios serão sistemas muito maiores do que o
que queremos estudar (como nos exemplos citados), ou que são reajustados de forma a manter o valor da
variável intensiva. Um exemplo desse segundo caso é um forno provido de um termostato, ou uma câmara
pressurizada. Para todos os efeitos, não daremos muita importância à forma com que a variável intensiva é
mantida constante no reservatório. Mais uma vez devemos lembrar que a discussão acima envolve o conceito
de equilı́brio, portanto, nos remete à necessidade de definição de escala de tempo. Por exemplo, não há
material que seja um perfeito isolante térmico, mas sim materiais com baixa condutividade térmica, de
forma a tornar possı́vel se dizer que o sistema esteja isolado térmicamente, contanto que a nossa observação
seja curta o suficiente para que possamos desprezar a troca de calor pelas paredes.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 8

E T T
P P V
P
V V E
T E
N
N N
d´W d´Q
P T
d´Q
(a) (b) T (c)

Figura 1.5: Exemplos de paredes e reservatórios considerando um gás contido em recipientes variados; (a)
Sistema fechado. As paredes são rı́gidas (V fixo), isolantes (energia E fixa) e impermeáveis (N fixo). O
estado de equilı́brio do gás define os valores de P e T , que podem ser diferentes dos do meio externo. (b)
Uma das paredes do recipiente anterior foi substituı́da por uma parede diatérmica, que permite a passagem
de calor. Essa parede é posta em contato com um reservatório na temperatura T (T fixo). Fora isso, as
paredes continuam rı́gidas e impemeáveis (V e N fixos). Agora não temos mais E fixo porque permitimos
a troca de calor com o reservatório. Nossos vı́nculos são T , V e N . E e P tomam os valores previstos pela
equação de estado. (c) Relaxamos mais uma condição: agora além de trocar calor com o reservatório, o
sistema tem uma parede móvel, que vai ajustar sua posição de modo a igualar a pressão do reservatório,
permitindo troca de trabalho. Nossos vı́nculos agora são T , P e N . E e V variam de acordo com as equações
de estado.

A especificação formal de paredes e reservatórios ideais é fundamental para a formulação matemática da


termodinâmica. Precisaremos sempre especificar que variáveis estão sendo mantidas fixas, pela escolha de
paredes e reservatórios adequados, deixando as outras livres para tomar os valores previstos pelas equações
de estado. A figura 1.5 mostra alguns exemplos considerando um gás e seus valores de temperatura, energia,
pressão, volume e número de partı́culas.

1.5 Leis da Termodinâmica


Os diversos pares XY podem ser combinados em equações de estado com o objetivo de descrever o com-
portamento termodinâmico de um sistema. A forma matemática da equação de estado pode vir de diversas
observações experimentais, e subseqüentes ajustes de curvas para determinação de parâmetros, de suposições
teóricas, ou de combinações desses métodos. Seja lá como for a construção do modelo, a formulação proposta
deve obedecer um conjunto de leis, as leis da termodinâmica, abrangendo todos os sistemas macroscópicos no
equilı́brio. Aqui vamos ver uma formulação resumida das leis da termodinâmica, mas elas serão lembradas
a todo momento durante nosso estudo de sistemas diversos.

1.5.1 Lei Zero - Equilı́brio térmico


Um sistema macroscópico está isolado se não tem qualquer interação com sua vizinhança. Se um sistema
isolado não for perturbado por um longo tempo, ele deve chegar ao estado de equilı́brio. Na verdade essa
afirmativa é uma parte da Lei Zero, ela garante que o estado de equilı́brio existe.
Se dois sistemas A e B estão em contacto térmico, e estão em equilı́brio entre si como um sistema
composto, então A e B estão em equilı́brio individualmente. Também, se sistemas A e B estão em equilı́brio
entre si, e o mesmo ocorre para os sistemas B e C, então A e C estão em equilı́brio entre si. Esta segunda
afirmativa implica na existência de uma grandeza escalar, chamada empiricamente de temperatura, que
assume o mesmo valor para todos os sistemas que estiverem em equilı́brio através de contato térmico.

1.5.2 Primeira Lei - Conservação de energia


O princı́pio da conservação de energia parece óbvio e natural, mas não foi sempre assim. Ele foi reconhecido
por Leibniz em 1693, aplicado especificamente às energias cinética e gravitacional. Nos séculos seguintes, à
medida que outras formas de energia eram identificadas, o princı́pio foi sendo estendido a elas. A inclusão do
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 9

calor, como uma forma de transferência de energia, seguiu um caminho tortuoso entre 1800 e 1850, quando
Joule esclareceu a equivalência entre trabalho mecânico e energia térmica com sua famosa experiência [3].
A primeira lei da termodinâmica pode ser considerada como a definição de calor, que é o que sobra
quando se faz a contabilidade entre variação de energia e trabalho realizado em sistemas com dissipação
de energia. Na mecânica, a conservação de energia envolve a realização de trabalho. Se a força F~ atua na
partı́cula causando um deslocamento d~`, partindo da equação (1.1) temos

F~ · d~` = −(∇Ep ) · d~` → dW = − dEp , ou dEp = −dW (1.10)

onde dW é o trabalho infinitesimal realizado.


Assim, num sistema conservativo, a realização de trabalho leva à variação da energia potencial, ou
vice-versa. O que acontece se forças dissipativas estão presentes? A variação de energia potencial pode
ser transformada apenas parcialmente em trabalho, o resto da energia vira calor de alguma forma. Vamos
reescrever (1.10) incluindo essa possibilidade. Daqui para frente o sı́mbolo E vai designar a energia interna.
A conservação pode ser escrita como
dE = d0 Q − d0 W. (1.11)
A expressão (1.11) é o enunciado geral da primeira lei para sistemas com o número de partı́culas fixo.
Algumas explicações tornam-se necessárias. O sı́mbolo d0 significa que estamos referindo-nos a uma
pequena quantidade da grandeza em questão, e não à sua diferencial. Por exemplo, não podemos integrar
d0 Q para encontrar a função Q. Em outras palavras, d0 Q e d0 W são diferenciais inexatas, a quantidade de
calor trocado, ou de trabalho realizado, para passar de um determinado estado a outro, depende do processo
realizado. Outro ponto é a convenção de sinal. Na forma como está escrita a primeira lei, na equação (1.11),
temos que d0 W é o trabalho realizado pelo sistema. Assim,
• d0 Q > 0 → o sistema recebe calor (a energia interna aumenta)
• d0 Q < 0 → o sistema cede calor (a energia interna diminui)
• d0 W > 0 → o sistema realiza trabalho (a energia interna diminui)
• d0 W < 0 → o meio realiza trabalho sobre o sistema (a energia interna aumenta)
Muitos livros usam d0 W para designar o trabalho realizado sobre o sistema. Nesse caso, se d0 W > 0 a
energia interna deve aumentar, já que o meio está entregando energia, na forma de trabalho, ao sistema.
Com essa convenção a primeira lei fica escrita como dE = d0 Q + d0 W . É importante escolher uma das
convenções e usá-la consistentemente.
Além de trocar calor e trabalho com o meio, um sistema pode também trocar partı́culas. Vamos adiantar
essa possibilidade definindo a variável intensiva µ, chamada potencial quı́mico. Veremos mais sobre este
assunto adiante, por hora precisamos ter em mente que o fluxo de partı́culas será determinado pelos valores
de µ, as partı́culas sempre vão para onde µ for menor. Como E é a energia total do sistema, ela aumenta se
o número de partı́culas N aumenta. Incluindo essa contribuição temos

dE = d0 Q − d0 W + µdN. (1.12)

A convenção de sinal é
• dN > 0 quando o sistema recebe partı́culas (a energia interna aumenta)
• dN < 0 quando o sistema cede partı́culas (a energia interna diminui)
Finalmente podemos usar (1.11) ou (1.12) como uma definição para d0 Q. Por exemplo, se N é constante,

d0 Q = dE + d0 W, (1.13)

ou seja, o calor trocado é a variação de energia interna, descontando o que foi usado para realizar trabalho.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 10

1.5.3 Segunda Lei - Irreversibilidade


A segunda lei estabelece uma diferença fundamental entre mecânica e termodinâmica, que é o sentido no
eixo do tempo. A equações que regem a mecânica dos sistemas conservativos levam a processos que sempre
podem ser revertidos, a troca de t por −t não altera as equações de movimento. Na termodinâmica existe a
possibilidade de um processo ser irreversı́vel, e é justamente a irreversibilidade dos processos espontâneos a
principal ferramenta de trabalho.
Quando enunciada no contexto das máquinas térmicas [3], a Segunda Lei tem duas formas:
Enunciado de Kelvin - Não pode existir um processo cujo único resultado seja a transformação de calor
em trabalho, ou, não existe o motor perfeito.
Enunciado de Clausius - Calor não pode fluir espontaneamente do corpo mais frio para o mais quente,
ou, não existe o refrigerador perfeito.
A segunda lei pode ser enunciada matematicamente com a definição da variável extensiva entropia,
usualmente representada por S. O calor trocado reversivelmente, entre dois corpos à temperatura T , pode
ser escrito em função da variação de entropia como

d0 QR = T dS. (1.14)

A desigualdade de Clausius diz que, para um processo qualquer,

d0 Q
dS ≥ , (1.15)
Tm
sendo S a entropia do sistema, e Tm a temperatura do meio que o envolve, e que troca calor com ele. A
igualdade vale para processos reversı́veis, e nesses casos, como o sistema necessariamente tem que estar em
equilı́brio térmico com o meio, Tm = T .
Para sistemas fechados, já que d0 Q = 0,
dS ≥ 0 . (1.16)
Conseqüência: num sistema fechado, qualquer processo espontâneo (por ser irreversı́vel) faz com que a
entropia aumente, logo, o estado de equilı́brio para um sistema fechado deve ser aquele para o qual a entropia
é máxima.

Variação intrı́nseca de entropia


E expressão (1.14) define a variação reversı́vel de entropia, aquela que vem da troca de calor isotérmica
com o meio externo. Num processo irreversı́vel qualquer a entropia aumenta por outras razões, por exemplo
formação de turbulência em gases que sofrem variações de pressão muito rápidas. Dizemos que esta é essa
contribuição intrı́nseca ao sistema. A variação dessa entropia fica então definida como
Q
∆Si = ∆S − . (1.17)
Tm
A Segunda Lei pode então ser reescrita como

∆Si ≥ 0 (1.18)

Exemplo 1.1 Um litro de água a 100oC é jogado numa piscina. Qual a variação de entropia dessa massa de
água, da piscina e do universo?
Claramente a água, inicialmente a Ti = 100oC, vai esfriar de forma espontânea e irreversı́vel. Para calcular a
sua variação de entropia imaginamos um processo reversı́vel em que tenhamos os mesmos estados inicial e final.
Podemos fazer isso porque S é uma variável de estado, então, ∆S = Sf − Si , independente do processo que leva
o sistema do estado i ao f . Podemos considerar que a água da piscina não tem sua temperatura alterada, afinal
uma piscina pequena tem cerca de 20000 litros de água, assim, a temperatura final da água quente será Tf que é
a própria temperatura da água piscina. Esse processo pode ser o seguinte: colocamos o litro de água em contato
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 11

com um reservatório térmico a temperatura Ti , e muito lentamente diminuimos a temperatura do reservatório


até que chegue a Tf . Cada vez que o litro de água se equilibra com o reservatório, ele cede uma quantidade
infinitesimal de calor d0 Q = mc dT . Assim, para a água quente
Z f 0 Z Tf  
dQ dT Tf
∆Saq = = mc = mc ln < 0.
i T Ti T Ti

Esse processo imaginado é reversı́vel, e deve levar a uma variação de entropia nula para o universo. De fato,
cada vez que o litro de áqua recebe d0 Q, o reservatório libera d0 Q, e a troca é feito na mesma temperatura
do litro de água. No resfriamento irreversı́vel em contato a piscina, a troca de calor se dá a temperaturas
diferentes, o litro de água resfria, enquanto que a piscina se mantém à mesma temperatura. A troca de calor
entre sistemas a temperaturas diferentes é sempre irreversı́vel. Para a piscina temos então
Qaq mc(Tf − Ti )
∆Sp = − =− > 0.
Tf Tf

O universo é composto por todas as partes que trocam calor, no caso o litro de água e a piscina, assim
 
Tf mc(Tf − Ti )
∆Su = ∆Saq + ∆Sp = mc ln − .
Ti Tf

Sejam Tf = 300K, c = 1cal/g.K, como m = 1kg e Ti = 373K,


 
3 300 73
∆Su = 10 ln + 103 = 25 cal/K.
373 300

Primeira e Segunda Leis combinadas


Se o processo em consideração é reversı́vel, podemos escrever

d0 Q = T dS e d0 W = −Y dX, (1.19)

que, junto com a equação de estado, permitem o cálculo do calor trocado e do trabalho realizado. Neste
caso, a expressão final para a Primeira Lei para processos reversı́veis fica

dE = T dS + Y dX + µdN. (1.20)

A expressão (1.20) é independente da convenção de sinal adotada para d0 W .


Podemos agora combinar Segunda e Primeira Leis, substituindo d0 Q pela forma da desigualdade de
Clausius, ou seja, d0 Q ≤ Tm dS. Ficamos com

d0 Q = dE − Y dX − µdN ≤ Tm dS ⇒ dE ≤ Tm dS + Ym dX + µm dN , (1.21)

os ı́ndices m denotam os valores relativos ao meio externo, ou reservatórios. Desta forma, vemos que num
processo espontâneo a X, S e N constantes, dE ≤ 0, ou seja, o sistema evolui de forma a minimizar a sua
energia interna.

1.5.4 Terceira Lei - Sobre o zero absoluto


Esta lei também tem vários enunciados:
1. A entropia tende a um valor constante (= 0) para sistemas cristalinos puros) quando T → 0.
2. A diferença de entropia entre sistemas em equilı́brio térmico se anula quando T → 0. Esse é o primeiro
enunciado, devido a Nernst.
3. É impossı́vel atingir o zero absoluto com um número finito de processos.
∂S ∂S ∂S
Na prática a Terceira Lei implica que devemos ter S → 0, ∂Y → 0, ∂X →0e ∂T → 0 quando T → 0 [7].
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 12

1.6 Limite termodinâmico e extensividade de energia e entropia


Na formulação da termodinâmica é fundamental que energia e entropia sejam quantidades extensivas. Ab-
solutamente toda a estrutura matemática da termodinâmica depende dessa propriedade.
No caso genérico de uma variável, por exemplo X, se definimos x = X/N , onde N é o número de
partı́culas do sistema, podemos garantir que X é extensiva se x não depender de N quando N → ∞. A
condição N → ∞, com x constante é chamada limite termodinâmico. Em sistemas contı́nuos, podemos
estabelecer o limite termodinâmico através do volume, ou seja V → ∞, mas lembrando que o limite deve
ser tomado mantendo-se a densidade (de massa ou de partı́culas) constante. O que garante a existência
de um limite termodinâmico bem definido é o fato de termos forças de interação de curto alcance entre as
partı́culas. A formulação da termodinâmica é válida apenas para sistemas com esse tipo de interação.
Uma importante força que não satisfaz a essa condição é a do tipo r−2 (como a Coulombiana e a
gravitacional) em sistemas tridimensionais.
Exemplo 1.2 Vamos calcular a energia eletrostática de uma esfera de raio R que está uniformemente carregada,
com densidade de carga ρ. Se dq é a carga de uma casca esférica de raio r e espessura dr, a energia de interação
entre a carga dq dessa casca e a carga q(r) contida no resto da esfera é

q(r)
dE = φ(r)dq = dq, (1.22)
4π0 r
4πr 3
onde q(r) = 3 ρ e dq = 4πr2 ρ dr. A energia total é então
Z R Z R
4π 2 4πρ2 R5 3 Q2
E= dE = ρ r4 dr = = , (1.23)
0 30 0 30 5 5 4π0 R

sendo Q = ρ 34 πR3 a carga total da esfera. Note que a energia por unidade de volume vai depender do raio da
esfera, ou seja,
 2/3
E ρ2 R2 ρ2 3V
= = = , (1.24)
V 50 50 4π
ou seja, a energia E não é extensiva, e não será bem definida quando V → ∞. O que torna a matéria possı́vel
de ser estudada pela termodinâmica é a existência de blindagem eletrostática, que torna a força efetiva entre
as partı́culas de curto alcance. O mesmo não acontece com a interação gravitacional, o que é um problema se
desejamos usar o formalismo termodinâmico a galáxias, por exemplo.
Exemplo 1.3 O preço é uma grandeza que varia de uma forma não linear com N . Por exemplo se compramos,
numa mesma loja um pacote com 100 folhas de papel A4, estaremos pagando um certo preço por folha bem
maior do que o que pagarı́amos se comprássemos uma caixa com 10 resmas. Assim, o preço por folha depende
do número N de folhas. Isso é exatamente o que não queremos na termodinâmica.

1.7 Equação de Euler


A estrutura formal da termodinâmica baseia-se na descrição do sistema em função das suas variáveis exten-
sivas, X, S e N , ou X, E e N . A entropia tem o papel fundamental nessa estrutura, pela sua extensividade
e pelo fato de ser maximizada em um sistema fechado em equilı́brio. Essa maximização se dá à medida que
vı́nculos internos ao sistema são modificados, com a manutenção de X e N , além da energia interna E, fixos.
O ponto de partida é a entropia escrita em função das variáveis extensivas: S = S(E, X, N ). A exigência
de extensividade pode ser escrita matematicamente como

S(λE, λX, λN ) = λS(E, X, N ). (1.25)

λ é um número qualquer, a escolha particular de λ = N1 leva a


 
E X 1
s(, x) ≡ S , , 1 = S(E, X, N ) , (1.26)
N N N

onde  = E/N e x = X/N .


CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 13

Derivando (1.25) com relação a λ temos

d(λS)
= S (1.27)
dλ      
∂S d(λE) ∂S d(λX) ∂S d(λN )
= + +
∂(λE) X,N dλ ∂(λX) E,N dλ ∂(λN ) X,E dλ
     
∂S ∂S ∂S
= E+ X+ N
∂(λE) X,N ∂(λX) E,N ∂(λN ) X,E

As variáveis que são mantidas constantes durante a derivação aparecem indicadas como sub-ı́ndices. Esta
notação nos ajuda a lembrar que variáveis estamos escolhendo para a descrição do sistema.
Para λ = 1 temos então,
     
∂S ∂S ∂S
S= E+ X+ N (1.28)
∂E X,N ∂X E,N ∂N X,E

Para chegar a S(E, X, N ) só falta encontrar expressões para as derivadas de S. Da primeira lei para
processos reversı́veis, equação (1.20), temos que

1 Y µ
dS = dE − dX − dN. (1.29)
T T T
Sendo S uma função de X, E e N , também podemos escrever
     
∂S ∂S ∂S
dS = dE + dX + dN (1.30)
∂E X,N ∂X E,N ∂N X,E

Comparando (1.29) e (1.30) podemos fazer as identificações


     
∂S 1 ∂S Y ∂S µ
= =− =− (1.31)
∂E X,N T ∂X E,N T ∂N X,E T

Finalmente reescrevemos (1.28) como

E XY µN
S(E, X, N ) = − − , (1.32)
T T T
ou
E(S, X, N ) = T S + XY + µN , Equação de Euler (1.33)
onde T , Y e µ são funções de S, X e N definidas em (1.31).
Exemplo 1.4 A condição de equilı́brio térmico pode ser obtida a partir do princı́pio de maximização da entropia.
Por exemplo, considere dois sistemas A e B em contato térmico entre si, mas isolados do meio externo. Seja
S a entropia do sistema composto por A e B. Devido à extensividade de S e E temos que S = SA + SB e
E = EA + EB . Como o sistema está isolado, E deve ser constante. A troca de calor entre A e B ocorre até que
a entropia total seja maximizada. Ou seja, devemos maximizar S com relação às variações de EA e EB :
∂SA ∂SB
δS = δEA + δEB = 0 . (1.34)
∂EA ∂EB
Mas δEA = −δEB (E é constante), logo
 
∂SA ∂SB ∂SA ∂SB
δS = − δEA = 0 −→ = −→ TA = TB . (1.35)
∂EA ∂EB ∂EA ∂EB
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 14

1.8 Potenciais termodinâmicos


Os potenciais termodinâmicos são funções tipo energia para as quais o equilı́brio termodinâmico corresponde
a um mı́nimo global. Também são chamados de energia livre, uma nomenclatura que nos lembra as
origens da termodinâmica em problemas de engenharia: deseja-se saber quanto de energia estará livre para
a realização de trabalho mecânico em diversas situações. A existência de vários potenciais termodinâmicos
está relacionada com a necessidade prática de se descrever sistemas através dessa ou daquela variável de
estado. Por exemplo, em algumas situações pode ser trivial controlar a temperatura e o volume do sistema,
enquanto que a pressão e a entropia ficam livres para tomarem qualquer valor. Em outros casos pode ser
mais simples controlar a temperatura e a pressão, deixando o volume livre. A energia interna é um potencial
termodinâmico adequado para uma descrição em termos de X (volume, por exemplo), S e N . Veremos a
seguir outros potenciais termodinâmicos mais comuns que são: as energias livres de Helmholtz e de Gibbs,
e o grande potencial termodinâmico.

Energia interna E(S, X, N)


A energia interna é o potencial termodinâmico adequado para uma descrição em função da entropia, e das
outras variáveis extensivas. Supondo essa dependência para E, podemos escrever
     
∂E ∂E ∂E
dE = dS + dX + dN . (1.36)
∂S X,N ∂X S,N ∂N X,S

Escrevemos agora a primeira lei para processos reversı́veis como

dE = T dS + Y dX + µdN . (1.37)

Comparando os coeficientes de dS, dX e dN nas equações (1.36) e (1.37), podemos escrever as equações
de estado
 
∂E
T (S, X, N ) =
∂S X,N
 
∂E
Y (S, X, N ) =
∂X S,N
 
∂E
µ(S, X, N ) = (1.38)
∂N X,S

A partir de (1.38) podemos encontrar outras relações entre derivadas, calculando as derivadas cruzadas.
Por exemplo
"   #   "   #  
∂ ∂E ∂T ∂ ∂E ∂Y
= e = (1.39)
∂X ∂S X,N ∂X S,N ∂S ∂X S,N ∂S X,N
S,N X,N

Como estamos sempre tratando de funções suaves e bem comportadas, podemos trocar a ordem das
derivadas para obter    
∂T ∂Y
= . (1.40)
∂X S,N ∂S X,N
Podemos obter várias outras relações desse tipo seguindo esses mesmos passos. Essas relações entre as
derivadas são chamadas relações de Maxwell. Note que (1.38) só tem sentido se escrevemos E em termos
de S, X e N .
Da combinação entre primeira e segunda leis, desigualdade (1.21), temos

dE ≤ T dS + Y dX + µdN. (1.41)

Assim, um processo espontâneo que ocorra a S, X, e N constantes deve levar sempre a uma diminuição da
energia interna, já que dE < 0 nesse caso. A estabilização de E em seu menor valor para a evolução do
sistema, e corresponde ao equilı́brio termodinâmico.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 15

Para entender a energia interna como uma energia livre, podemos usar o exemplo mostrado na figura
1.6. O sistema em questão é fechado, contém um gás, e tem uma partição interna, que move-se sem atrito,
conectada a uma massa através de uma roldana. Mover a massa é o trabalho mecânico que desejamos
realizar. Seja A a área da partição e P1 e P2 os valores de pressão em cada lado. Se P1 A + mg > P2 A, a
massa realiza trabalho sobre o gás deslocando a parede para a direita. Se P1 A + mg < P2 A, o gás realiza
trabalho, suspendendo a massa. Considerando que o movimento da parede interna foi quasi-estático, ao fim
do processo, seja qual for o caso, haverá uma variação na energia interna dada pela primeira lei,
dE = d0 Q − d0 W. (1.42)
0
O sistema é isolado, portanto d Q = 0. Calculamos o trabalho total,
d0 W = P dV + dWlivre , (1.43)
sendo o primeiro termo o trabalho para variar o volume e o segundo para mover a massa. Como o sistema
não sofreu variação de volume, essa primeira contribuição é nula. Então,
(dE)S,V,N = −dWlivre . (1.44)

P1 P2
m

Figura 1.6:

Em muitas situações é mais adequado controlar a temperatura do que a entropia. Isso pode ser feito
simplesmente colocando o sistema em contato com um banho térmico. Claro que podemos escrever a energia
interna em função da temperatura, mas fazendo isso não poderemos usar as relações de Maxwell derivadas da
energia interna, nem usar o processo de minimização da energia interna para a determinação do equilı́brio.
Precisamos definir outra função, escrita em termos da temperatura, que possa ter o mesmo papel da energia
interna, no sentido de ser mı́nima no estado de equilı́brio. A definição de T a partir de E da equação (1.38)
permite que isso seja feito de forma simples usando a transformada de Legendre.

Transformada de Legendre
Considere uma função de uma variável, y(x) com a da figura 1.7. Esta representação supõe que conhecemos
uma tabela de pares (x, y). Podemos descrever a mesma forma funcional de maneira alternativa, pela
envoltória da curva y(x) que é definida pelas tangentes em cada ponto (x, y), ou seja pela tabela de pares
(φ, p), onde φ é o coeficiente linear das tangentes, e p o angular, como na figura 1.7(b) .
Olhando a figura 1.7(a) a relação entre as representações pode ser obtida como
y−φ dy
p= ⇒ φ = y − px ⇒ φ(p) = y(p) − px(p) = y(p) − x(p) . (1.45)
x−0 dx
Escrevos x(p) e y(p) para lembrar que x e y devem ser escritos como funções de p.
Vamos ver um exemplo para entender como isso funciona. Seja y(x) = ax2 + bx.
 2
dy p−b p−b p−b
p= = 2ax + b ⇒ x(p) = e y(p) = a +b
dx 2a 2a 2a
Com isso,
 2  
p−b p−b p−b (p − b)2
φ(p) = a +b −p =−
2a 2a 2a 4a
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 16

Figura 1.7: A função y(x) pode ser descrita pela envoltória definida pelas tangentes a cada ponto. Nesse
caso estamos passando de uma descrição através dos pares (x, y) para uma através dos pares (φ, p)

Energia livre de Helmholtz F (T, X, N )


Partindo da energia interna, podemos realizar uma transformada de Legendre que elimine S em função de
T , seguindo a prescrição da equação (1.45)

∂E
F =E−S = E − ST = XY + µN, (1.46)
∂S
onde fica subentendido, que tanto E quanto S, Y e µ deverão ser escritos em função de X, T e N . Nem
sempre isso é possı́vel, mas podemos formalmente escrever as expressões para F (T, X, N ). Obtemos agora a
forma diferencial,
dF = dE − T dS − SdT ≤ −SdT + Y dX + µdN (1.47)
onde usamos a primeira lei combinada com a segunda (eq. (1.21)) para dE. Assim como em (1.38), obtemos
as equações de estado
 
∂F
S(T, X, N ) = −
∂T X,N
 
∂F
Y (T, X, N ) =
∂X T,N
 
∂F
µ(T, X, N ) = (1.48)
∂N X,T

O papel de F como energia disponı́vel para trabalho pode ser entendido com uma análise similar à feita
para a energia interna. O sistema mostrado na figura 1.8 é semelhante ao da figura 1.6, mas está em contato
térmico com um reservatório, o que garante controle sobre a temperatura do sistema. Se a diferença de
pressão entre as câmaras é tal que a massa é suspensa, o trabalho reversı́vel no processo será

d0 W = −dE + T dS = −d(E − T S) = −dF. (1.49)

Do ponto de vista da minimização, temos que, para um processo espontâneo com T , X e N fixos,

dF < 0.

Logo, o estado de equilı́brio corresponde ao mı́nimo de F .


CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 17

P1 P2
m
T T

Figura 1.8:

Energia livre de Gibbs G(T, Y, N )


Uma descrição muito importante é a feita em função da variável intensiva, temperatura e número de
partı́culas, por que essa é uma situação que reproduz a maneira com que vários experimentos são real-
izados. Usaremos esse quadro para estudar as transições de fase. Para obter a energia livre de Gibbs
precisamso realizar duas transformadas de Legendre a partir de E(S, X, N ), ou uma a partir de F (T, X, N ).
Escolhemos a primeira opção.
∂E ∂E
G=E−X −S = E − XY − ST = µN, (1.50)
∂X ∂S
ou seja
G
g(T, Y ) = = µ(T, Y ) . (1.51)
N
Logo, a energia livre de Gibbs por partı́cula é o próprio potencial quı́mico, escrito apenas em função das
variáveis intensivas.
Obtemos a forma diferencial e as equações de estado como nos casos anteriores:

dG = dE − Y dX − XdY − SdT − T dS ≤ −XdY − SdT + µdN. (1.52)

 
∂G
X(T, Y, N ) = −
∂Y T,N
 
∂G
S(T, Y, N ) = −
∂T Y,N
 
∂G
µ(T, Y, N ) = (1.53)
∂N Y,T

Um sistema que tem sua variável Y , a temperatura e o número de partı́culas controlado, tem seu equilı́brio
determinado pelo mı́nimo de G. Todo processo espontâneo a T , N , e Y fixos, nesse sistema deve levar
necessariamente a uma variação dG < 0.

Grande potencial termodinâmico Φ(T, X, µ)


Finalmente, vemos a descrição em função da temperatura, da variável extensiva e do potencial quı́mico.
∂E ∂E
Φ=E−S −N = E − ST − N µ = XY (1.54)
∂S ∂N
Esta energia livre será muito útil no estudo de gases clássicos e quânticos. A forma diferencial e as equações
de estado são
dΦ = dE − SdT − T dS − µdN − N dµ ≤ Y dX − SdT − N dµ.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 18

∂Φ
Y (T, X, µ) =
∂X T,µ
 
∂Φ
S(T, X, µ) = −
∂T X,µ
 
∂Φ
N (T, X, µ) = (1.55)
∂µ X,T

1.9 Funções de resposta


As funções de resposta são variáveis de estado definidas genericamente como proporcionais a dX/dY . São
positivas por definição, e medem de que maneira uma variável extensiva se altera quando uma determinada
variável intensiva é variada. As funções de resposta são quantidades facilmente medidas e trazem muita
informação sobre a estrutura microscópica do sistema, como veremos ao longo dos próximos capı́tulos. Além
disso é a través delas que em geral detectamos as transições de fase.
A seguir listamos as funções de resposta mais comumente usadas.
Capacidade térmica:
d0 Q
C= , (1.56)
dT
onde d0 Q é o calor trocado em um determinado processo infinitesimal reversı́vel. Podemos definir
capacidades térmicas para quaisquer processos, em geral usamos duas particulares, para processos a
X e a Y constantes. Para fluidos, temos
   
d0 QV ∂S ∂E d0 Qp ∂S ∂H
CX = CV = =T = e CY = Cp = =T = , (1.57)
dT ∂T X,N ∂T dT ∂T Y,N ∂T

onde H é a entalpia (veja o problema 12). A expressão para CX em função de E pode ser obtida
diretamente da primeira lei para um processo a X e N constantes, da mesma maneira obtemos a ex-
pressão para CY a partir da entalpia. A capacidade térmica é uma grandeza extensiva, cuja magnitude
depende do tamanho do sistema. É mais significativa a definição do calor especı́fico, que é a capacidade
térmica dividida pelo número de moles ou número de partı́culas. O calor especı́fico é uma propriedade
do material, enquanto que a capacidade térmica é uma propriedade do corpo em questão.
Compressibilidade:
1 ∂V 1 ∂ρ
κ=− = (1.58)
V ∂p ρ ∂p

As formas mais comuns de κ são κT (compressibilidade isotérmica) e κS (compressibilidade adiabática).


Coeficiente de dilatação :
1 ∂V 1 ∂ρ
α= =− (1.59)
V ∂T ρ ∂T
a forma mais comuns de α é αp (coeficiente de dilatação isobárico).
Susceptibilidade magnética : Normalmente se usa a susceptibilidade isotérmica por unidade de volume
definida como  
∂M
χT = (1.60)
∂B T
onde M é a magnetização, ou momento magnético por unidade de volume.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 19

1.10 Problemas
1. Considere a seguinte forma de energia potencial
1 1
Ep (x) = a4 x4 + a2 x2 − Hx, a4 > 0. (1.61)
4 2
(a) Construa o gráfico de Ep para a4 = 4, a2 = −4 e H = 0, 5.
(b) Determine os pontos de extremos, e suas estabilidades, para os valores de coeficiente dados acima.
(c) Quais os valores das barreiras de energia presentes neste potencial?
(d) Repita os itens acima para a2 = +4.
2. Uma partı́cula de cobalto com dimensões nanométricas contém cerca de 103 -105 átomos, e pode ser
considerada um monodomı́nio magnético, ou seja, os momentos magnéticos de todos os átomos matém
seus alinhamentos relativos.
O momento magnético total da partı́cula, m,~ é a soma z
θ
dos momentos magnéticos de todos os átomos, e seu
valor absoluto é constante no tempo. Dependendo m
da forma da partı́cula, é possı́vel que o alinhamento
ao longo de uma ou mais direções seja preferencial.
Essas direções são chamadas eixos de anisotropia. A
figura ao lado mostra a caricatura de uma partı́cula
com um eixo de anisotropia.
Para uma partı́cula como a da figura, a energia relativa ao alinhamento do momento magnético, ao
longo do eixo de anisotropia, pode ser escrita como

E(θ) = KV sen 2 θ (1.62)

onde K é a constante de anisotropia, V o volume, e θ o ângulo com relação ao eixo de anisotropia.


(a) Faça o gráfico de E/KV em função para −π/2 ≤ θ ≤ 3π/2.
(b) Calcule todos os pontos de equilı́brio e suas estabilidades.
(c) Calcule a barreira de energia Eb que deve ser ultrapassada para a reversão mẑ → −mẑ.
(d) A lei de Arrhenius diz que o tempo médio de permanência nas orientações favoráveis é dado por
 
Eb
τ = τ0 exp , (1.63)
κT

onde τ0 = 10−10 s. Calcule τ para partı́culas tı́picas de cobalto, com K = 4, 5 × 106 erg/cm3 , para
dois valores de volume, V1 = 1, 64 × 10−19 e V2 = 3, 80 × 10−19 cm3 , e T = 300 K. Considerando
que o tempo de medida de momento magético é da ordem de 100 s, que valores de magnetização
são observados para cada uma das partı́culas?
(e) Para a partı́cula de volume V1 , calcule a tempertaura de bloqueio, definida para as medidas de
magnetização como a temperatura a partir da qual τ < 100s.
Uma partı́cula como a considerada neste problema é aproximadamente o que corresponde a um bit de
informação num disco rı́gido, podemos associar 0 à orientação mẑ e 1 à −mẑ, por exemplo. A perda
da estabilidade da orientação do momento magnético em partı́culas muito pequenas é um problema na
construção de discos cada vez mais densos.
3. Verifique se as expressões abaixo são ou não diferenciais exatas. Nos casos afirmativos, determine a
função f (x, y).
(a) 2x(x3 + y 3 ) dx + 3y 2 (x2 + y 2 ) dy
(b) ey dx + x(ey + 1) dy
(c) (2x + y) dx + (x + 2y) dy
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 20

(d) (cosh y + y cosh x) dx + ( senh x + x senh y) dy


(e) ( sen y + y sen x) dx + (cos x + x cos y) dy
(f) (1 + ex ) dy + ex (y − x)dx
(g) (ex+y + ex−y ) (dx + dy)
4. Mostre que, quando um gás ideal é submetido a um processo adiabático reversı́vel P V γ se mantém
constante, sendo γ = CP /CV .
5. Quando um fluı́do é levado de um estado a para um estado b, pela trajetória a-c-b, fluem 80 J de
calor para o sistema, e este realiza 30 J de trabalho.
P
(a) Quanto flui de calor para o sistema ao longo da tra-
jetória a-d-b? c b
R: 60 J
(b) O sistema é levado de volta de b para a, através do
trajeto curvo. Sabe-se que o trabalho realizado pelo
sistema é de 20 J. O sistema absorve ou libera calor,
e quanto?
R: Cede. Qba = −70 J.
(c) A energia interna em a é nula, e em d vale 40 J, a d
encontre o calor absorvido nos processos a-d e d-b.
R: 50 J e 10 J.
V
6. Quem já encheu o pneu de uma bicicleta com uma bomba manual, sabe que a bomba se aquece
bastante no processo. Vamos estimar essa variação de temperatura, supondo que o ar na bomba sofra
uma compressão adiabática reversı́vel. Calcule a temperatura final do ar na bomba, se a pressão dos
pneus variar de 14,7 lb/pol2 (pressão atmosférica) até 24,5 lb/pol2 . Considere que a temperatura
ambiente é 300 K e que γ = 1, 4.
R: T = 347 K.
7. Um mol de um gás ideal é submetido ao seguinte ciclo:
• O gás é comprimido isotermica e reversı́velmente, à temperatura T1 , passando do volume inicial
V1 , ao final V2 = V1 /2.
• Em seguida, é posto em contato térmico com um reservatório à temperatura T3 , com o volume
mantido constante, até atingir o equilı́brio térmico.
• Finalmente, uma expansão adiabática e reversı́vel leva o gás de volta para seu estado inicial
definido por T = T1 e V = V1 .

(a) Esboce o ciclo no plano P V . A idéia aqui é usar argumentos termodinâmicos para esboçar, não
realize qualquer cálculo ainda.
(b) Calcule a temperatura T3 em termos de T1 e γ = CP /CV .
R: T3 = 2γ−1 T1

8. Considere um gás ideal monoatômico com N átomos, sofrendo uma expansão que dobra o seu volume.
(a) Para uma expansão reversı́vel, em contato com um reservatório a uma temperatura T , calcule o
trabalho realizado pelo gás, a quantidade de calor trocada entre o gás e o reservatório, a variação
de energia interna do gás, e a variação de entropia do gás, do reservatório e do universo.
(b) Considere agora que a expansão se deu da seguinte forma: o gás estava confinado à metade do
volume de um recipiente com paredes isolantes, sendo que a outra metade estava evacuada, a
parede que separava as duas partes foi então removida, e o gás passou a ocupar todo o recipiente.
Calcule, neste caso, o trabalho realizado pelo gás, a variação de energia interna, e a variação de
entropia do gás e do universo.
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 21

9. Um litro de água pode ser totalmente vaporizado de duas maneiras alternativas:(1) em contato com
um reservatório térmico a 100 o C; (2) em contato com um reservatório térmico a 200 o C. O calor
latente de vaporização da água é de 540 cal/g. Considerando apenas o processo de vaporização, calcule
as variações de entropia, para cada processo:
(a) da água;
(b) do reservatório;
(c) do universo.
(d) Relacione os resultados acima com a reversibilidade ou não do processo.
10. A partir de primeira lei, mostre que, para um gás ideal, ao longo de um processo adiabático, P V γ =constante,
onde γ = CP /CV .
11. Mostre que:
 
(a) ∂X ∂S
∂T Y,N = ∂Y T,N
∂S
 
(b) ∂X T,N
= − ∂Y
∂T X,N
∂E
 
(c) ∂X T,N
= −T ∂Y ∂T X,N + Y
Dica: Use a primeira lei, com N constante, e a relação encontrada no item anterior.
12. A entalpia (H), é o potencial termodinâmico adequado para uma descrição em termos de S, Y e N .
Mostre que:
(a) H = T S + µN
(b) dH ≤ T dS − XdY + µdN,
  
(c) CY,N = ∂H ∂T Y,N e ∂H
∂Y T,N = T
∂X
∂T Y,N −X

(d) X(S, Y, N ) = − ∂H∂Y S,N

T (S, Y, N ) = ∂H
∂S Y,N

µ(S, Y, N ) = ∂H∂N Y,S

(e) Como você pode obter a energia livre de Helmholtz F (T, X, N ) a partir da entalpia H(S, Y, N )?
13. Ache as equações de estado para um sistema cuja equação fundamental é
 α  S3
E= ,
R2 N V
onde R é a constante dos gases, e α é uma constante positiva.
14. Usando a equação de Euler e a primeira lei, mostre que dµ = −sdT + vdP , que é a relação de Gibbs-
Duhem. Aqui, v = V /N (volume por partı́cula), e s = S/N (entropia por partı́cula).
15. A partir das definições para as funções de resposta, e das relações de Maxwell para a energia livre de
Helmholtz, mostre que, no equilı́brio, a concavidade da curva F × T é negativa, enquanto que a da
curva F × X é positiva.
16. Experimentalmente, encontra-se para uma tira de borracha:
  "  3 #   "  3 #
∂J aT L0 ∂J aL L0
= 1+2 e = 1−
∂L T L0 L ∂T L L0 L

onde J é a tensão, a é uma contante positiva e L0 é o comprimento da tira quando J = 0.


(a) Identifique as variáveis que devem ser usadas para descrever o sistema, dizendo quais são extensivas
e quais são intensivas.
(b) Qual a energia livre adequada neste problema?
CAPÍTULO 1. CONCEITOS BÁSICOS DE TERMODINÂMICA 22

(c) Mostre que a equação de estado é da forma J = B(L)T onde B > 0.


∂S
 ∂S

(d) Mostre que ∂L T
= −B, ou seja, ∂L T
< 0. Note que isso implica numa diminuição da entropia
quando a tira é esticada. Isto é uma caracterı́stica da eslasticidade entrópica.
(e) Mostre qua a energia interna é uma função da temperatura apenas.

(f) Mostre que ∂T BT
∂L S = CL > 0 onde CL é a capacidade térmica a L constante. Este resultado
implica que, se a tira é esticada adiabaticamente, sua temperatura aumenta.
∂L

(g) O que acontece se a tira é aquecida a J constante? (Dica: mostre que ∂T J
< 0.)
17. Considere que todo o seu conhecimento sobre um gás são as relações cV = αnR e P V = nRT , onde R
é a constante dos gases e n o número de moles.
(a) Use expressão calculada no item 11c para mostrar que U (T, n) = U0 + αnR(T − T0 ), onde U0 e
T0 são constantes de integração. Note que é preciso mostrar que U (T, V ) = U (T ), ou seja, que
não haverá dependência com o volume.
h α i
(b) Mostre que S(T, V, n) = S0 + nR ln TT0 V
V0 .

(c) Escreva a equação fundamental U (S, V ) e calcule P (S, V ).


(d) Mostre que
"   α+1
1  #
P S − S0
H(S, P, n) = H0 − (α + 1)nRT0 1 − exp
P0 nR(α + 1)

VERIFICAR A EXPRESSAO
(e) Calcule F (T, V, n).
(f) Calcule µ(p, T ) e µ(V, T ).
18. A energia livre de Helmholtz para um gás de fótons contido em um volume V , mantido na temperatura
T é dada por F = −(a/3)V T 4 , onde a é uma constante positiva.
(c) Calcule a entropia S(V, T ) do gás.
(d) Obtenha a equação de estado P (V, T ) do gás.
(e) Calcule a energia interna E(V, T ) do gás.
19. Considere dois sistemas, A e B, em contato através de uma parede móvel, impermeável e adiabática,
e isolados do meio externo. Isso significa tudo o que pode ocorrer é a troca de volume entre A e B.
Usando a condição de maximização da entropia, mostre que a condição de equilı́brio entre A e B é
PA PB
= .
TA TB
Bibliografia

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[2] H. Moysés Nussenzveig. Curso de Fı́sica Básica 1 - Mecânica. Edgard Blücher, 1983.
[3] H. Moysés Nussenzveig. Curso de Fı́sica Básica 2 - Fluı́dos, Oscilações e Ondas, Calor. Edgard Blücher,
2002.
[4] E. A. Jackson. Perspectives of nonlinear dynamics, volume 1. Cambridge, 1989.
[5] O cientista sueco Svante Arrhenius (1859-1927), ganhou o prêmio Nobel em 1903 pela teoria da disso-
ciação dos eletrólitos. Entre outras coisas ele estudou a dependência da taxa de reação em função da
temperatura e propos a lei fenomenológia que atualmente leva o seu nome. Sua formulação original foi
em função da energia de ativação, ou energia necessária para iniciar um reação quı́mica.
[6] P. Collet and J. P. Eckmann. Instabilities and Fronts in Extended Systems. Princeton University, 1990.
[7] L. E. Reichl. A Modern Course in Statistical Physics. Univertity of Texas Press, 1980.
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[10] L. Landau and Lifshitz. Physique Statistique. MIR, Moscou, 1967.
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