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Referência

CANTON, Katia. Espaço e Lugar. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
Coleção Temas da Arte Contemporânea.
Capítulo/Seção: Apresentação
“[…] hoje a arte faz por si só essa aproximação, misturando cada vez mais
questões artísticas, estéticas e conceituais aos meandros do cotidiano, em todas as
instâncias: o corpo, a política, a ecologia, a ética, as imagens geradas na mídia
etc.” (CANTON, 2009, p. 09).
Capítulo/Seção: Apresentação - Um pano de fundo
“[…] a ‘arte é o exercício experimental da liberdade’.” (PEDROSA, 1960 apud
CANTON, 2009, p. 11).
“[…] o conceito de liberdade depende de um contexto para se definir. O que é
considerado um ato ou pensamento de liberdade em determinado momento
histórico pode não ser em outro.” (CANTON, 2009, p. 11).
“E para que serve a arte? […] ela provoca, instiga e estimula nossos sentidos,
descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma ordem preestabelecida e
sugerindo ampliadas possibilidades de viver e de se organizar no mundo.”
(CANTON, 2009, p. 12).
A arte ensina justamente a desaprender os princípios das obviedades que
são atribuídas aos objetos, às coisas. Ela parece esmiuçar o
funcionamento dos processos da vida, desafiando-os […]. A arte pede um
olhar curioso, livre de “pré-conceitos”, mas repleto de atenção. (CANTON,
2009, p. 12-13).
[…] ao mesmo tempo que se nutre da subjetividade, há outra importante
parcela da compreensão da arte que é constituída de conhecimento
objetivo envolvendo a história da arte e da vida, para que [...] seja possível
estabelecer um grande número de relações. Assim, a fim de contar essa
história de modo potente, efetivo, a arte precisa ser repleta de verdade.
Precisa conter o espírito do tempo, refletir visão, pensamento, sentimento
de pessoas, tempos e espaços. (CANTON, 2009, p. 13).
Capítulo/Seção: O lugar da arte
Para esse sociólogo britânico [Anthony Giddens], a palavra “espaço” é
utilizada genericamente, enquanto “lugar” se refere a uma noção
específica de espaço: trata-se de um espaço particular, familiar,
responsável pela construção de nossas raízes e nossas referências no
mundo. (CANTON, 2009, p. 15).
“[…] o espaço territorializado da arte, isto é, seu lugar físico e simbólico. Uma das
características que definem a existência da arte é o fato de ela ocupar um espaço
comumente pensado como o espaço institucionalizado do museu ou da galeria
[…].” (CANTON, 2009, p. 15).
As primeiras coleções de arte eram privadas e pertenciam a pessoas
poderosas e de grande poder aquisitivo. Já a primeira coleção pública, o
primeiro museu do ocidente, é o Museu do Louvre, inaugurado em Paris
em 1793. Em ambos os casos, as paredes eram repletas de obras.
Diferentemente dessas coleções de arte, a arte moderna, que começa a
tomar corpo no século XIX, demanda um novo tipo de distribuição das
obras no espaço […]. (CANTON, 2009, p. 16-17).
Baseados no conceito de autonomia da arte, os espaços museológicos
consagrados à exibição da arte moderna são chamados de “cubos
brancos”. Em 1929, é inaugurado em Nova York, o primeiro Museu da Arte
Moderna, o MoMA, com uma arquitetura modernista que privilegia a ideia
de uma neutralidade para abrigar uma arte que deve falar por si mesma.
(CANTON, 2009, p. 17).
Capítulo/Seção: O papel da land art
Nos anos 1960, particularmente nos Estados Unidos, muitos artistas,
movidos por um espírito de tempo cada vez mais comprometido com a
experimentação, passaram a questionar a institucionalização da arte pelos
museus. Na tentativa de transformar o espaço de “fora”, em oposição aos
espaços institucionais das paredes museológicas, o espaço de “dentro”,
eles se lançaram à ocupação do espaço externo, que muitas vezes
coincidia com o espaço da natureza.
Essa ocupação transformou-se em um movimento artístico, chamado de
land art, que se caracteriza não por ser uma arte da paisagem […], mas
sim como uma arte feita na paisagem. (CANTON, 2009, p. 18, grifo da
autora).
“[…] a possibilidade de realizar uma construção junto à natureza, muitas vezes no
isolamento, incita uma experiência estética inovadora.” (CANTON, 2009, p. 19).
Capítulo/Seção: Arte contemporânea no espaço público
A partir da land art, o diálogo de artistas com o espaço público
gradativamente expandiu-se e modificou-se. Nas cidades, ao dialogar com
a história dos monumentos, […] a arte pública tem se configurado de
maneiras muito particulares. (CANTON, 2009, p. 21, grifo da autora).
No decorrer do século XX, em que a cidade de São Paulo emerge como
marco da era moderna, assistiu-se, ao mesmo tempo, à dissipação da
crença de que a arte e a criação são transcendentais, libertadoras,
sintéticas, algo maior que a vida. Foi-se o impulso modernista da busca
desenfreada pelo novo, busca que construiu a arquitetura moderna, a arte
abstrata, a poesia concreta, mas que também derrubou edifícios históricos
e rastros simbólicos do passado na tentativa de apagar nossa memória,
gradualmente ameaçada por uma quantidade meteórica de novidades e
informações que nos levam cada vez mais a um estado de torpor, de
semiamnésia. (CANTON, 2009, p. 23-24).
“A metrópole paulistana germinou com tal velocidade que eliminou seu passado e
se perdeu ao longo de uma relação que dissolveu referências de tempo/ espaço.
Estabeleceu-se um não-lugar […].” (CANTON, 2009, p. 24).
[…] quatro artistas contemporâneos que participaram do projeto O afeto e
a cidade responderam ao grande mosaico cosmopolita do Centro Velho
paulistano por meio de obras cujas formas eram imantadas com um viés
afetivo. A instalação de obras de arte nas ruas ao redor do Centro de São
Paulo não garantiria uma modificação em suas condições de existência.
(CANTON, 2009, p. 24-25, grifo da autora).
Os problemas que envolvem a metrópole não podem ser articulados pela
criação de obras plásticas; a densidade de suas questões sociais não pode
ser resolvida na criação artística. […] [mas] o afeto é capaz de criar um
canal de comunicação verdadeiro com as pessoas que habitam esse
panorama. (CANTON, 2009, p. 25).
“[…] eles [os quatro artistas] compartilham a noção de arte como produtora de
sentido, e não apenas como criação estética.” (CANTON, 2009, p. 25).
“Pazé […] criou um boneco em látex que é o seu alter ego. Em tamanho natural, o
boneco replica o artista e, manipulado, andou pelo Centro de São Paulo, refazendo
percursos que contam a história do Centro.” (CANTON, 2009, p. 25-26, grifo da
autora).
“Em seu estado solto, repleto de acasos e de abertura para o outro, o caminho do
Transeunte segue alguns percursos predeterminados.” (CANTON, 2009, p. 26, grifo
da autora).
“[…] Faz uma leitura do passado para construir uma mapografia do presente, sem
seguir passos carimbados pela cronologia.” (CANTON, 2009, p. 26).
“[…] Transeunte percorreu focos de memória, de impacto, de beleza arquitetônica.”
(CANTON, 2009, p. 27, grifo da autora).
“[…] Movimentando-se diariamente, durante um mês consecutivo, o boneco,
manipulado pelo autor-artista, nos devolve um olhar humano, pleno de curiosidade
e perplexidade diante dos detalhes silenciosos da cidade.” (CANTON, 2009, p. 28).
Sandra Cinto [...] construiu uma cama. A imagem primeira desse objeto
alude à ideia de conforto, abrigo, proteção. [...] porém essa cama tem
particularidades bizarras. Comprida e fina, com os pés fincados em pilhas
de livros, ela se mostra rígida, desconfortável, construída em bronze.
Transformada em um monumento ao avesso, aponta para a dura realidade
daqueles que dormem nas ruas. Obra erguida no presente para que se
torne passado, a cama rija, fria e austera pretende ser a relíquia triste de
um tempo em que seres humanos vivem sem teto, sem abrigo. (CANTON,
2009, p. 28).
Em suas instalações, a artista tem criado, consistentemente, ambientes
feitos para meditar e descansar, muitas vezes exibindo a si mesma
deitada, dormindo, estirada. Os cenários são, no entanto, quase sempre
tingidos de um tipo de estranhamento que faz com que o abrigo pleno,
aquele que relaxa e nutre, jamais se concretize. (CANTON, 2009, p. 30).
Renata Pedrosa [...] fala do corpo explorando sua ausência. Não lida com
a representação de um corpo literal; reporta-se a um corpo-receptáculo de
experiências, sensações e sentimentos. Isso se opera na criação de
esculturas, desenhos e objetos que se estruturam em linhas. (CANTON,
2009, p. 31).
“Suas linhas ganham rigor construtivo para então traduzir-se como forma de leitura
afetiva […]. Na obra da artista, a linha cria o desenho. O desenho é o corpo. E o
corpo torna-se a arquitetura.” (CANTON, 2009, p. 31).
“Numa calçada do Centro, [...] construiu uma forma simples, cuja função era
dedicar-se aos ajustes e ao descanso do corpo: uma linha curva, da altura de um
parapeito, feita em aço corten e chumbada no chão.” (CANTON, 2009, p. 31).
“Na linha, título da obra, materializa-se como uma referência afetiva e um espaço
de encontro [...]. Fina, comprida e curva […] para servir como um guarda-corpo [...]
torna-se um ponto de apoio de bolsa […] uma acolhida, uma espera. […]”.
(CANTON, 2009, p. 31-32, grifo da autora).
“[…] Beth Moysés [...] assumiu o vestido de noiva como instrumento de articulação
simbólica para comentar as relações amorosas e tudo que as cercam.” (CANTON,
2009, p. 32).
Nessa obra, Mosaico branco, unem-se as noivas, com seus vestidos
brancos, numa performance que dá continuidade ao trabalho anterior da
artista. As peças de um grande fecho ecler, feitas em mármore branco,
conduzidas e montadas pelas próprias mulheres, encaixam-se, formando
uma grande roda enterrada, visível à altura da calçada. (CANTON, 2009, p.
33).
[…] sessenta noivas, cada qual abraçada [...] a um pedaço de mármore,
andam pelo Centro Velho. [...] sobre uma cratera aberta no chão, começam
a desgarrar-se de seus pedaços de pedra para […] compor uma ciranda,
uma guirlanda de cacos de mármore que se unem em encaixes perfeitos.
(CANTON, 2009, p. 33).
É como se cada mulher, cada noiva, depositasse um pedaço de seu afeto,
uma parte de suas esperanças. [...] Forma-se um centro amoroso, dentro
do centro da cidade, e ele parece clamar que todo o sonho de paz,
embutido na cor branca dos vestidos e do mármore, constitua um facho de
solidariedade, a espelhar e a penetrar o tempo do agora em diante.
(CANTON, 2009, p. 34).
No emaranhado disperso da vida cotidiana, afinal, procuramos o eu
através do outro, rastreamos nossas histórias e abrimos nossos diários
íntimos na tentativa de nos oferecer verdadeiramente para o mundo. É
essa troca genuína de memórias e de sentidos que buscam os artistas
contemporâneos. (CANTON, 2009, p. 35).
Capítulo/Seção: Entrevista com Sonia Guggisberg
[…] Sonia Guggisberg criou grandes recipientes de […] (PVC) preenchidos
com toneladas de água. Cheios, [...] transformaram-se em grandes bolhas
[...] estrategicamente colocadas em locais abandonados ou “adoecidos” da
cidade, como exemplos de uma arte pública contemporânea. (CANTON,
2009, p. 37).
“Essa experiência foi tão forte que marcou a passagem de qualquer dependência
de parede para o espaço público.” (GUGGISBERG apud CANTON, 2009, p. 37,
entrevista).
“Eu acredito, antes de mais nada, na liberdade do artista. Não acredito que a arte
cerceada e fechada cresce.” (GUGGISBERG apud CANTON, 2009, p. 38,
entrevista).
Capítulo/Seção: Público-Privado
[…] Na contemporaneidade, esses dois conceitos [espaço público e
espaço privado] parecem se interceptar o tempo todo. A ideia de
privacidade, por um lado, se esgota num mundo em que todas as
informações se mostram disponíveis ao público. A partir de 1991, com a
ploriferação de revistas e de mídias […] e de programas televisivos […], há
mais imagens em que a intimidade é colocada a público. (CANTON, 2009,
p. 42).
Por outro lado, o espaço que seria público – parques, praças, igrejas – se
fecha cada vez mais perante a ameaça da violência potencial. Seu uso é
abandonado […] ou é deixado à deriva. O lugar público, […] de todos,
passa ao status de lugar de ninguém. É abandonado, maltratado […].
(CANTON, 2009, p. 42, grifo da autora).
O desejo dos artistas contemporâneos de dialogar com os espaços
públicos da cidade como forma de expandir suas poéticas fica cada vez
mais ameaçado e torna-se um contraponto à ameaça da violência, ao
medo, ao isolamento proposto por uma arquitetura de muros, grades e
vigilância. O grafite é um dos modos mais eficientes encontrados por
alguns artistas para furar esse paradigma. (CANTON, 2009, p. 42-43).
“A origem do grafite remonta à história do ser humano, já que existem registros de
sua cultura nas paredes das cavernas e na civilização egípcia. Essa inscrição do
espaço público acompanha a própria história da arte.” (CANTON, 2009, p. 43).
Desde os anos de 1980, a ideia do grafite vem acompanhada da noção de
rebeldia, colada sobretudo à acrescente manifestação da cultura negra
norte-americana e do hip-hop. […] Hoje os códigos da pichação levam
grafias ininteligíveis para pontos da cidade nunca imaginados, numa ação
que faz referência a um poder – de alcançar o que normalmente não é
alcançado. (CANTON, 2009, p. 43, grifo da autora).
“[...] o grafite propõe, acima de tudo, uma experiência de estética e fluidez, por ser a
arte do movimento, que se modifica junto com o dia a dia da cidade.” (CANTON,
2009, p. 43).
Capítulo/Seção: Entrevista com Sérgio Leal
“Os artistas grafiteiros buscam lugares reclusos, passagens invisíveis para torná-los
visíveis.” (LEAL apud CANTON, 2009, p. 45, entrevista).
“Esse pessoal, hoje, tem uma dimensão de artista mesmo. Eles realizam dois tipos
de trabalho, um autorizado e outro não autorizado […].” (LEAL apud CANTON,
2009, p. 45, entrevista).
“[…] os traços se repetem. […] É a identidade de cada grafiteiro se espalhando e
demarcando territórios.” (LEAL apud CANTON, 2009, p. 46, entrevista).
“Via de regra o grafite é feito pela moçada, mas é admirado por todas as idades
[...]”. (LEAL apud CANTON, 2009, p. 46, entrevista).
Existem dois tipos de manifestação: aqueles que são mais desenhados,
que causam uma empatia maior, e esses escritos que são
desenvolvimentos de letras, como uma tipografia, que é mais uma
linguagem de entendidos. São as pichações, feitas em grupos, em
gangues, e o que vale a ali é passar uma mensagem que só esse grupo
entende, como códigos. (LEAL apud CANTON, 2009, p. 47, entrevista).
O grafite também é uma forma de rebeldia, de autoafirmação, de ser
alguém nesse contexto de violência urbana. O espaço público das cidades
é muito mal usado, é como se […] fosse o espaço de nínguem. É como se
esses artistas estivessem […] propondo um resgate do espaço público
para si. (LEAL apud CANTON, 2009, p. 47, entrevista).
“[…] Existe um mercado fervilhante que os absorvem nas grandes galerias de arte.”
(LEAL apud CANTON, 2009, p. 48, entrevista).
“Antes eles pintavam fora das casas e hoje estão sendo convidados para pintar
dentro. […].”(LEAL apud CANTON, 2009, p. 48, entrevista).
“[…] as pessoas que olham os grafites são consumidores, esperam um produto de
qualidade.” (LEAL apud CANTON, 2009, p. 48, entrevista).
“[…] Talvez a mensagem seja esta: reocupar, reavivar.
É a contribuição sociológica dos grafiteiros para todos nós.” (LEAL apud CANTON,
2009, p. 48-49, entrevista).
“Até o poder público pode absorver, como o Metrô, que pediu um trabalho para Os
Gêmeos [...]”. (LEAL apud CANTON, 2009, p. 49, entrevista).
“[…] Trata-se de um meio de conseguir aliados para valorizar o espaço público e
não sujá-lo. É uma infinidade de traços e jeitos de se expressar, é sempre um
encanto, uma recuperação da subjetividade.” (LEAL apud CANTON, 2009, p. 50,
entrevista).
Capítulo/Seção: Entre o global e o local, somos todos viajantes
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de
estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da
mídia e pelos sistemas de comunicação [...] mais as identidades se tornam
desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições
[...] e parecem flutuar livremente. […]. (HALL, 2000 apud CANTON, 2009,
p. 51).
[…] No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as
distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a
uma espécie de lingua franca internacional ou de moeda global, em termos
das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades
podem ser traduzidas. Esse fenômeno é conhecido como
“homogeneização cultural”. (HALL, 2000 apud CANTON, 2009, p. 51).
“Ao lado dessa tendência de homogeneização, porém, a globalização faz aflorar um
fascínio pela diferença, pela alteridade. [...] surge uma nova articulação entre o
global e o local.” (CANTON, 2009, p. 52).
“Entretanto, parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as
identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente,
novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’.” (HALL, 2000 apud
CANTON, 2009, p. 52).
“É na troca ou no fluxo que as novas possibilidades identitárias tomam corpo,
levando em conta que as ‘geografias imaginárias’ se localizam sempre em um
espaço e tempo simbólicos, lembra-nos Edward Said.” (CANTON, 2009, p. 52).
“[…] O livro Versos Satânicos celebra o hibridismo, a impureza, a mistura, a
transformação, que vêm de novas e inesperadas combinações de seres humanos,
culturas, ideias, políticas, filmes, músicas.” (CANTON, 2009, p. 53, grifo da autora).
Capítulo/Seção: Entrevista com Luiz Hermano
“[…] Luiz Hermano [...] faz de sua vida e de sua obra uma constante viagem de idas
e vindas. Seus trabalhos, baseados nessas camadas de lugares reais e
imaginários, exploram materiais simples e muitas vezes inesperados […]”.
(CANTON, 2009, p. 55).
[…] são experiências muito fortes, que encarnam na gente. [...] como
Bantaey Srei (Cidade das mulheres), que faz referência a um templo no
Camboja. Ela é feita de oferendas, é uma peça feminina. Em Astronauta,
eu penso na versão masculina, é uma figura mitológica do futuro, que
mistura os deuses e os astronautas. […]
Eu viajei para a Ásia, conheci a cultura e a religião do Nepal […]. na
Guatemala , em Antígua, por exemplo, realizei obras que falam da vivência
nessa cidade, são obras formadas por diferentes briquedos, que contam
histórias. (HERMANO apud CANTON, 2009, p. 56, entrevista, grifos do
autor).
“[…] São sempre alegorias, cenas do cotidiano das civilizações, que, de alguma
forma, eu já conhecia.” (HERMANO apud CANTON, 2009, p. 57, entrevista).
“A vida é muito arrastada, o cotidiano estanca. Em oposição a isso, você pontua
sua vida com convivências na pele.” (HERMANO apud CANTON, 2009, p. 57,
entrevista).
Capítulo/Seção: Lugar/ não lugar
“[…] deslocamentos constantes nos fazem sentir que o lugar de pertencimento, de
aconchego – a Pasárgada – é constantemente substituido por uma necessidade de
nos adaptar os impactos da vida contemporânea e tecnológica.” (CANTON, 2009,
p. 58).
“Lugares fixos, conhecidos ou confortáveis, são trocados por não lugares, lugares
de passagem, lugares virtuais, [...] que nos impõem outros tipos de troca. Como diz
[…] Marc Augé, os lugares se interceptam mais e mais com os não lugares.”
(CANTON, 2009, p. 58).
“Se um lugar pode ser definido como identitário, relacional e histórico, um espaço
que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como
histórico, definirá um não lugar […].” (AUGÉ apud CANTON, 2009, p. 58).
Acrescentemos que existe evidentemente o não lugar como lugar, ele
nunca existe sob uma forma pura, lugares que se recompõem nele,
relações se reconstituem nele. O lugar e não lugar são antes polaridades
fugidias; o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo nunca
se realiza completamente. Palimpsestos, em que se reinscreve sem cessar
o jogo embaralhado da identidade e da relação. (AUGÉ apud CANTON,
2009, p. 59).
Capítulo/Seção: Entrevista com Josely Carvalho
Enquanto na obra de Luiz Hermano a relação entre lugar e não lugar se
constitui de uma costura de viagens e voltas […] o trabalho de Josely
Carvalho parte da ideia de um abrigo móvel, de um lugar simbólico, que é
a carapaça de um tracajá. […] Eterna viajante, ou frequentadora constante
dos ‘não lugares’ […]. (CANTON, 2009, p. 61).
A tracajá me acompanha desde o começo dos anos 1980. […] é essa
tartaruga pequenininha de manchas amarelas, amazônica, e que está em
processo de extinção. [...] para mim, no começo, ela representou a ideia de
carregar a casa no próprio corpo, essa autossuficiência, em que o corpo se
torna o país, se torna o lugar, se torna o não lugar, se torna um espaço e
se torna uma força. […] isso faz com que exista uma libertação, uma
liberação desse corpo, desse lugar, onde eu e ela podemos navegar e
passar e nos deslocar e fazer certas viagens por lugares que não são
conhecidos, ou mesmo culturas desconhecidas […]. (CARVALHO apud
CANTON, 2009, p. 61-62, entrevista).
Tem muito a ver comigo mesma, com meu deslocamento, minha história,
de viver tantos anos em diversas cidades, no México, na Califórnia […]
Sempre senti que vivia em um país que não era meu, que eu não
reconhecia como meu. […] me dei conta de que nenhum deles era meu e
nenhum deles eu queria que fosse meu. E o que existia mesmo era essa
capacidade, essa possibilidade de poder não ter um lugar. (CARVALHO
apud CANTON, 2009, p. 62-63, entrevista).
“[…] os corpos estarem sempre de passagem, e os trabalhos, lugares de passagem
que acumulam histórias e memórias. […].” (CARVALHO apud CANTON, 2009, p.
63, entrevista).
[…] A série de minha obra que chamo de Livro das telhas se desdobra em
vários trabalhos. Hoje, ele é um projeto para internet com 3 mil telhas-
páginas, que reúne trabalhos virtuais e representações de instalações em
tempo real. Significa também um abrigo e um instrumento […] novas obras
podem ser desenvolvidas e arquivadas. […] é uma montagem composta
de associações históricas, colaborações, memórias individuais e coletivas,
marcas da necessidade humana de proteção. (CARVALHO apud
CANTON, 2009, p. 63-64, entrevista, grifo da autora).
Capítulo/Seção: A supressão das distâncias
Em O espaço crítico, […] Paul Virilio fala do espaço-tempo […] a partir da
noção do que ele chama de poluição dromosférica.
Reduzido progressivamente a nada pelos diversos meios de transporte e
comunicação instantâneos, o meio geofísico sofre uma inquietante
desqualificação da sua ‘profundidade de campo’ que degrada as relações
entre o homem e o seu ambiente. […] (VIRILIO apud CANTON, 2009, p.
65).
[…] ou seja, [...] uma diminuição drástica da experiência dos
deslocamentos, dos percursos, dos lugares como percepção subjetiva.
(CANTON, 2009, p. 65, grifo da autora).
Capítulo/Seção: Entrevista com Brígida Baltar
[…] artistas contemporâneos buscam resgatar a criação como ocupação
sensível. […] Brígida Baltar [...] enxerga o ‘lugar’ em todos os ‘não-lugares’,
transformando, através de um olhar afetivo, as experiências cotidianas da
natureza. A neblina, o orvalho, a maresia são transformadas em operações
de condensação e coleta, guardados em pequenos receptáculos, como
símbolos de um tempo alargado de memória. (CANTON, 2009, p. 67).
“Está num lugar muito mais existencial do que estético; um lugar de
desmaterialização, que transforma algo que é efêmero, imaterial, não coletável, na
ideia de contemplação, de subjetividade.” (BALTAR apud CANTON, 2009, p. 68,
entrevista).
Trabalhar em cima da imagem da cidade é estender essa ideia da casa
para toda a cidade. Sua propriedade passa a ser mais ampla, é uma
expansão da ideia de abrigo. A Casa de abelha também tem essa relação
muito forte com a casa. É uma estrutura coletiva perfeita. […] eu estava
criando essa relação de como construir uma situação coletiva ideal,
passando pelo universo íntimo. Na verdade, a casa sempre é um núcleo
de afeto, é uma fábrica de construção de afeto. A relação que eu procurei
fazer [...] é a de território.
Quando desenhei a floresta das paineiras, […] com essa expansão que sai
do quadro e invade as paredes, todo esse espaço está falando do chão. A
nossa floresta é o nosso território, é o nosso chão, e também para mim tem
o sentido de estrutura, como o tijolo, que é feito de barro, do nosso chão.
[…] Esses desenhos foram todos feitos com o pó da casa, carregam um
simbólico interessante, é o interno e o externo, dentro e fora. (BALTAR
apud CANTON, 2009, p. 68-69, entrevista, grifo da autora).

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