07/09/2018, 9 Comments
Pascal tinha uma forma inteligente, porém falha, de acreditar nos milagres de
Jesus. Ele dizia: como que doze homens diferentes poderiam ter inventado os
mesmos milagres? E se a mentira tem perna curta, como eles puderam
combinar que iriam, ao longo dos anos, falar as mesmas coisas sobre Jesus?
Então, olhando essas possibilidades, Pascal dava crédito aos milagres de
Jesus.
A forma com que Pascal checava as verdades sobre Jesus não é ruim do
ponto de vista lógico. Mas, do ponto de vista do conteúdo e da história, são
furadas. A história de Jesus é oral, escrita por fontes de datas distintas, e com
pouquíssimos registros oficiais fora do próprio círculo cristão. A própria
existência de Jesus histórico e a crucificação carecem de informações que o
historiador crítico, atualmente, requisita.
Comecei com Pascal e não com caipiras emburrecidos. Mas, no meio disso,
citei os que não podiam ver por conta de cegueira patriótica e cegueira
ideológica – que é a mesma coisa, no fundo. Tudo isso faz com que pensemos,
usando um pouco de filosofia, sobre como há ou não possibilidade de darmos
crédito para uma grande teoria da conspiração. E eis que chegamos à facada
do Bolsonaro, o mito (!)
Para qualquer pessoa normal, acima dos doze anos de idade, não há como a
Rede Globo em associação com Bolsonaro (!) fabricar uma mentira do
tamanho da exigida para que a facada fosse falsa. É muita gente. Falta de
luvas em médico de hospital do interior, no Brasil, não é anormal. Falta de
sangue em facada, menos ainda. Hemorragia interna não faz a pessoa jogar
sangue. Dá para chegar sequinho em qualquer lugar. Qualquer pessoa normal
e inteligente sabe disso. Mas, apesar disso, há gente que parece ser inteligente
(não tanto quanto Pascal), que está postando na Internet sobre a “farsa da
facada”. Milhares de jornalistas no mundo todo sendo enganados, não é?
Inclusive os agentes especiais de espionagem americanos, ingleses e russos,
estariam sendo enganados. Todos! E o Bonner teria feito uma reunião com
centenas de empregados da Globo, e com as outras emissoras (!), para todos
confirmarem a mentira, não é assim? Reunião secreta, sem vazamentos, sem
celulares! O método de Pascal, se aplicado aqui, é infalível. O fato está aos
olhos de todos, não é história oral do passado. E com o raciocínio de uma
criança sadia de 12 anos, a teoria da conspiração se esvai fácil. Nesse caso,
Pascal serve para não deixar que tontos fiquem mais tontos!
O que faz então gente de esquerda, que até pouco tempo achávamos que
eram menos sujeitas às teorias da conspiração de caipiras e da direita,
começarem a ceder a uma tal estupidez? Bem, talvez seja gente igual ao Cabo
Daciolo e ao próprio esfaqueador, gente que vê o mistério da Maçonaria
dominando o mundo e que, um dia, ao escutar alguém do PSOL falar em
“revolução”, entrou no partido, mesmo sendo seguidor do analfabeto doido do
Olavo de Carvalho. Precisamos de tudo isso para entender essas pessoas que
acreditam em teoria da conspiração? Claro que não. Precisamos de menos que
isso. Precisamos, mesmo, apenas observar como que a ideologia age nos
miolos das pessoas. No nosso e no dos vizinhos – se ainda não estamos de
todo emburrecidos.
Tudo indica que a busca da verdade, quando feita por gente obcecada, produz
pessoas cada vez mais distantes das verdades. É uma doença intrínseca à
própria verdade, dizia Nietzsche. É que quanto mais se busca a verdade, mais
existe a tendência de querer encontrar chaves teóricas de infalibilidade para se
ter êxito nessa perquirição. Sai-se da busca da verdade por aproximação e se
endossa a verdade que seria alcançada pela abrupta iluminação. Cresce então
o desejo de deter uma teoria que não deixe errar, que promova a iluminação.
Busca-se o Olho de Deus. E eis que a Teoria (etimologicamente theoria vem de
contemplação dos deuses o feito dos deuses), sendo assim, com tais
características de infalibilidade, só pode vir junto de ideologia. É típico da
ideologia dar a alguns homens os poderes dos deuses. Então, quando menos
se espera, só a ideologia está funcionando. E aí, de posse da ideologia, a
pessoa sabichona se acha superior aos outros. Pela primeira vez ela sente que
pode estar acima dos outros. Fica eufórica. Desse modo, ela se vê sabendo
mais que todos, se sente superior, e não pode mais ver com os olhos nus; só
pode ver com os olhos da ideologia, que, afinal, lhe dá esse novo status
perante seus colegas, família etc. (como quando alguém se torna pastor do
bairro ou “comunidade”). Ela imagina (ou busca imaginar) que não está sob
efeito de ideologia, e que tem a posse de uma doutrina metodológica para
destampar a caixa de verdades. Tudo o que outro não pode ver, ela vê! Tudo
que só ela, agora, vê! E se o que ela vê é a industria cinematográfica “dos
americanos” funcionando, ela está a um passo de ver algo parecido também
fazendo das suas. O que é parecido com Hollywood no Brasil senão a Rede
Globo? Pronto! Tá feito a mística. A petezada adora isso, e vai de embrulho
nessa forma capenga-religiosa de pensar. Muitos da esquerda, então, vão por
essa via. E eis que a direita e os caipiras saem de cena para deixar a esquerda
doentia subir no tablado. Cada um tem seu direito de ficar doido!
No meio disso, só uma coisa vale, a graça do bonequinho “pula pirata” que
lembra aos bolsonaristas que o que salvou Bolsonaro foi o estatuto de
desarmamento. Caso não existisse esse estatuto, o esfaqueador seria atirador.
Será que Bolsonaro vai aprender a lição? Gostaria que sim, mas duvido.
Embora a barriga dele seja mole, a cabeça dele é dura.
06/09/2018, 1 Comment
Expliquei durante três dias, com várias técnicas didáticas, para a Janaína
Paschoal, que ter uma arma em casa ou na cintura não evita assaltos,
assassinatos etc. População armada não diminui a violência, ao contrário,
aumenta. Todas as estatísticas mundiais mostram isso. Mas não lancei mão de
estatísticas, relatei para ela como que um ataque pessoal ocorre, como a
iniciativa sempre leva vantagem. Ela não entendeu. A cabeça dela se perdeu
para a cabeça do Bolsonaro. Ele também não entende.
Como não entenderam com meus exemplos, talvez agora, com a ajuda do
áudio-visual da Rede Globo, mostrando o Bolsonaro sendo esfaqueado, talvez
aprendam. Realmente foi mão de Deus! Mão de Deus no sentido de tentar
ensinar o que tentei ensinar com exemplos falados. Mas o recurso áudio visual,
para os de cabeça dura, é melhor né? Bolsonaro tinha cinco policiais militares
ali do lado dele, colados nele, todos armados. O mineiro maluco, insuflado pela
própria violência verbal de Bolsonaro, furou o deputado. Os armados evitaram?
Não! Evitariam? Não, fica claro isso no vídeo.
Espero que Bolsonaro saia dessa. Espero que ele continue exercendo seu
fascismo, mas que seu fascismo não chegue à presidência. Mas, agora, talvez
o fascismo dele consiga ser aplainado, diminuído em estupidez, deixado num
nível aceitável para que ele viva entre nós. Há espaço para a direita. Para a
extrema-direita. Mas não pode haver espaço para a burrice de quem não
entende nem vendo audio-visual. Se agora ele e Janaína, e outros defensores
de armas na cintura, não aprenderem agora, não olharem o vídeo e notarem
que ninguém é super herói diante da iniciativa do agressor, aí eu desisto. Terei
de aprovar e selar a teoria de que existe o burro, e que o burro é de direita.
16/08/2018, 2 Comments
Tive alunas que estragaram bem seus corpos, suas vidas, se consumindo em
abortos. E sei daquelas que tentaram abortos e tiveram filhos com defeitos
físicos e mentais. Sei das que consumiram drogas e tiveram filhos, e foram
infelizes. Deveriam ter abortado, pois não podiam ser mães. Eram drogadas.
Foram mães drogadas e levaram os filhos para a droga e para a prisão.
Desgraça de estudante é o que não falta na caixa de lembranças de um velho
professor que nunca deixou de saber que tinha alunos humanos, e não apenas
“matéria para dar”. Dos anos 70 até pouco tempo atrás … muita história.
Com tudo isso nas costas, na memória, na retina, sei perfeitamente que a
melhor solução para o “problema das drogas” é um escalonamento de
liberalização. Vale o mesmo para o aborto. Ou descriminalizamos certas
práticas ou perdemos completamente o controle disso e, então, aquilo que é
um problema grande deixa de ser um problema grande setorizado para ser um
problema universal. Onde as drogas foram liberadas de maneira racional, há
maior controle e gasto menor nos hospitais e com a polícia. A mesma coisa
vale para o aborto. Sem contar que, em ambos os casos, as mortes diminuem
(bom, eu sei que em termos metafísicos religiosos que um célula fecundada
tem o mesmo valor da vida de uma mulher adulta, mas estou falando em
termos sociais, econômicos e políticos, não em termos de purezafilosófica).
Nenhum sociedade registrada na história, que eu saiba, viveu sem droga e sem
aborto. Aliás, cá entre nós, conhecemos muitas sociedades que praticaram o
infanticídio, e praticariam o aborto se pudessem ver os fetos com defeitos. A
sobrevivência coletiva é sempre uma preocupação que cabe por detrás das
nucas dos indivíduos, fazendo a vontade da espécie. Vale a mesma regra para
as drogas. E em ambos os casos, os motivos religiosos deram as regras
morais e as justificativas ontológicas para que se pudesse seguir em transe e
seguir em abortos. A modernidade interrompeu esse ciclo.
Volto então aos alunos. Meus alunos de Humanas nunca foram mais drogados
que alunos (às vezes meus também) dos cursos de medicina e dos cursos de
engenharia. Aliás, em termos de números, os médicos sempre estiveram na
frente, e os engenheiros sempre estiveram em segundo lugar, no consumo de
drogas. As pessoas não notam isso, e notam os de “Humanas”, porque estes
são os que não escondem o consumo. São os que se encaixam nos
esteriótipos vindos dos Sixties. Mas quem conhece o que é um drogado e cai à
noite em um hospital com residentes, logo desconfia que talvez seja melhor
voltar para casa do que ficar em enfrentar o carinha ali, de branco,
completamente chapado. Quem vai numa festa de curso de Engenharia nunca
mais se sente seguro dentro de qualquer coisa arquitetônica da cidade.
Faço o elogio das Humanidades. Devo fazer. Sou filósofo por única e exclusiva
opção, não por frustração de não ter sido outra coisa.