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Nas trilhas dos Avatares: o lúdico nas tecnologias digitais

como um multiplicador de possibilidades do sujeito


contemporâneo
Edvaldo Melo Colen1, Maria de Fátima A. de Queiroz e Melo1
1
Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (LAPIP) - Universidade Federal de
São João Del Rei (UFSJ)
Pça. Dom Helvécio, 74 – Dom Bosco 36300-000 – São João Del Rei – MG – Brasil
ed.colen@hotmail.com, queirozmaldos@uaivip.com.br

Abstract. This paper is fruit of a study still at its embryo stage, and deals in a
general manner with some of the subjective impacts the use of technologies
has been causing on mankind, mainly on ludic practices. It relates ludic and
virtual as means of experimentation for the contemporary man and analyses
the interaction between man and machine by the perspective of the Actor-
network Theory. It discusses the use of avatars as links between real and
virtual lives and the possibility of comprehending which affections are
involved in the construction and use of this tool, as well as its implicit aims.

Resumo. Este artigo é fruto de um estudo ainda em sua fase embrionária


abordando, de maneira geral, alguns dos impactos subjetivos que o uso de
tecnologias tem causado na humanidade, principalmente sobre as práticas
lúdicas. Relaciona o lúdico e o virtual como formas de experimentação do
homem contemporâneo e analisa a interação entre homem e máquina sob a
perspectiva da Teoria Ator-rede. Discute o uso dos avatares como elos entre a
vida real e virtual e a possibilidade de compreender quais afetos estão
envolvidos na construção e uso dessa ferramenta, bem como sua finalidade
implícita.

Lúdico e virtual na contemporaneidade: contribuições.


As revoluções tecnológicas, ao longo do tempo, deixam um saldo de mudanças
na forma de viver das sociedades. Segundo Nicolacci-da-Costa (2002), trata-se de um
consenso o reconhecimento de que as inovações tecnológicas introduzem
transformações em nossas vidas, embora seus efeitos nem sempre sejam notados de
imediato, implicando a necessidade de seu estudo, uma vez que é comum não
percebermos todo o seu alcance enquanto estamos completamente imersos no
fenômeno.
Vemos que estudiosos de diversas áreas do saber estão se ocupando da
compreensão do fenômeno das transformações subjetivas contemporâneas,
especialmente naquilo que concerne às atividades lúdicas desenvolvidas
contemporaneamente por sujeitos de diversas faixas etárias, conduzindo a diferentes
abordagens investigativas por serem, ao mesmo tempo, produtoras e produtos desta
nova cultura que inclui uma mescla entre homem e máquina. O lúdico, na atualidade,
tem assumido feições particulares, revelando muito de como o homem contemporâneo
vê a si próprio, assim como suas expectativas diante do mundo em que vive. Conforme
aponta Queiroz e Melo (2004), com novas ou velhas tecnologias, o lúdico tem sido um
canal de experimentação da realidade através do qual nos permitimos o método das
tentativas e dos erros. Brincar/jogar é deixar-se viver um problema num cenário de
experimentação: arriscar uma solução, errar, buscar novas estratégias.
Se pensarmos nas modificações geradas nas práticas lúdicas pelas novas
tecnologias, teríamos um sem número de caminhos a percorrer, mas aqui nos deteremos
especificamente sobre os jogos eletrônicos que demandam de seus jogadores a
construção de personagens, uma tradução digital dos RPGs1. As telas dos computadores
como plataforma e via de acesso a experiências tão intensas, atraentes e quase reais
proporcionaram a experimentação de novas formas de existir para algumas camadas da
população que possuem os recursos para aquisição dessas novas tecnologias, já que este
consumo não é ainda generalizado. Trata-se de um fenômeno que desperta a
necessidade de estudo devido à perspectiva de sua generalização e devido à intensidade
de seu acontecimento, o que possivelmente vai promover novas necessidades,
demandas, regras de produção, sociabilidade, sobrevivência, fazendo emergir processos
de transformação nas formas de ser e implicando na necessidade de novas leituras.
Latour (2001) assim como Lévy (1993) ressaltam o quanto as sociedades e as
técnicas se encontram imbricadas e se influenciam mutuamente. As técnicas seriam
extensões das habilidades ensaiadas na esfera das relações sociais a não humanos 2:
haveria uma troca de propriedades do que se aprendeu com as técnicas e se transferiu
para a esfera social e do que se ensaiou na esfera social e se re-exportou para as
técnicas. Para Latour (ibidem), o adjetivo sociotécnico aparece para representar um
híbrido dessa relação entre humanos e não humanos, reintegrado pólos que comumente
aparecem como opostos.
As técnicas, segundo Latour (2001), não apenas produzem modificações na
forma de expressão dos coletivos3, como trazem modificações substanciais aos seus
usuários, porque além de terem um significado – por fazerem parte de uma história de
humanos – elas mesmas podem produzir um significado. Isto ocorre porque elas são um
ponto numa cadeia de transformações que vão articulando e definindo práticas: as
técnicas congelam e retêm significados que têm a propriedade de enunciar outras
mensagens, além daquela original, fazendo o deslocamento de um significado a outro.
Ao atribuirmos a um personagem de um jogo eletrônico uma parte que é nossa ou faz
parte de algo que gostaríamos de ser, estamos produzindo, em parceria com uma

1
O RPG é uma sigla de um termo em inglês, Role Playing Games, que pode ser traduzida como
“Jogo de Interpretação de Personagens”. É uma atividade lúdica em que os participantes, uma vez
providos de fichas de personagem, dados e muita criatividade, participam com seus personagens de uma
aventura ambientada pelo Mestre de RPG que ocupa o lugar de juiz do jogo, tendo como função controlar
os arremessos de dados e os desafios feitos aos jogadores. [Manso e Queiroz e Melo 2004, p. 1].
2
Segundo Latour (2001), os não humanos compõem os coletivos com os humanos, tendo a
potencialidade de se revelarem actantes, ou seja, de exercerem ou sofrerem algum tipo de ação,
participando de um processo. É tudo que, não sendo humano, joga a favor da construção da nossa
humanidade.
3
Coletivo entendido aqui como uma associação entre humanos e não humanos [Latour 2001].
expressão das técnicas, o que o autor chama de delegação: delegamos a um
personagem ações e atitudes que configuram uma maneira de ser e estar num mundo
virtual.
Quando pensamos sobre o impacto da tecnologia em nossos hábitos mentais e
nas vivências lúdicas empreendidas em parceria com as máquinas, pensamos
imediatamente no computador [Turkle 2004]. Esta ferramenta relativamente nova, que
assumiu a sua versão comercial há não mais de duas décadas, abriu infinitas
possibilidades e se inseriu em diversos segmentos sociais e profissionais devido à sua
enorme gama de aplicações. Um elemento diretamente ligado a essa ferramenta é a
internet. Esta rede global de computadores interligados dispensa a apresentação de suas
funcionalidades. Seu uso primordial para comunicação a tornou um meio importante de
contato social. O advento dos chats e programas de mensagens instantâneas ampliou as
possibilidades de comunicação e se configurou como uma forma de apoio para os
sujeitos mais tímidos e introvertidos.
Romão-Dias (2007) afirma que, em um ambiente virtual, os sujeitos, ao
utilizarem um nick4, ficam livres de julgamento alheio e se sentem mais soltos. Esta
segurança trazida pelo anonimato e pela ausência de repreensão possibilitava aos
sujeitos, segundo a pesquisa realizada, brincar e ter comportamentos diferentes
daqueles que teriam offline. Porém, após algum tempo estes indivíduos deixavam de ser
anônimos, já que criavam uma rede de referenciais (freqüentavam os mesmos chats5,
encontravam as mesmas pessoas, mantinham um discurso coerente sobre si, etc). No
anonimato, então, passavam a ter uma identidade virtual.
O que a principio se fazia em salas de bate-papo, atualmente, pode ser feito de
maneiras mais sofisticadas. Pode-se pegar como exemplo o Second Life, que como seu
próprio site (www.secondlife.com) define, é um “mundo virtual 3D, online, imaginado
e criado por seus próprios habitantes”. Dependendo do uso, Second Life pode ser
definido como jogo, simulador, ambiente de educação à distância, comércio virtual ou
rede social. O fato é que o usuário não escolhe apenas um nome, e sim, cria um
personagem. Esse personagem é chamado de avatar 6, sendo sua criação feita através de
escolhas de roupas, sexo, características físicas, etc. Com este avatar, o usuário cria
casas, freqüenta bares, escolas, ruas, enfim, pratica uma infinidade de ações. O
fenômeno tomou proporções tamanhas que empresas e instituições reais fundaram
filiais neste mundo virtual e empresas virtuais ganham dinheiro no mundo real. Isso
devido ao fato de que se pode converter dinheiro real em Linden Dollars7 e vice-versa.
Tanto lúdico como virtual buscam formas de resolver problemas que encontram
saídas na sua atualização, apresentando-se, ao mesmo tempo, como um meio que pode
prestar-se a inúmeros fins. Segundo Lévy (1996), o virtual é a ferramenta para o pensar

4
Abreviação de nickname, termo do inglês utilizado para definir apelido, utilizado nos chats como
um pseudônimo.
5
Em português significa "conversação", ou "bate-papo" usado no Brasil, e refere-se a aplicativos
de conversação em tempo real.
6
No que se refere a computadores, são imagens gráficas que representam pessoas, geralmente na
internet.
7
Sistema monetário do Second Life.
que caracteriza a própria humanidade: é essencialmente humano porque cria uma
tensão que potencializa a ação criativa na busca de soluções; concebido para produzir
um efeito, para ter uma eficácia; visto contemporaneamente, com o advento da
informática, como uma nova ambiência em que as categorias de tempo e espaço são
redefinidas. O espaço do virtual passa por uma reconstrução completamente livre do
espaço físico real, sendo, portanto, um espaço desterritorializado; o tempo, por sua vez,
é relativizado, apresentando a idéia de sucessão e simultaneidade. Lévy (ibidem) vê o
movimento contemporâneo em direção ao virtual como mais uma etapa de um processo
de hominização que tem percorrido toda a história do homem. O virtual, segundo este
autor, pode ser visto como um fenômeno que faz a dublagem do humano, tornando
possível a sua capacidade de simbolizar e de construir linguagem. No mundo
contemporâneo, as tecnologias digitais oferecem a potencialização destas capacidades,
podendo-se dispor do lúdico e do virtual como elementos multiplicadores das
possibilidades do humano.
Qual seria então a função dessas múltiplas possibilidades, desta existência
paralela que vemos nos simuladores, chats e jogos eletrônicos? Algo de muito
significativo ocorre, já que cada vez mais pessoas passam horas a fio vivendo em
função de seus avatares8. Com o anonimato, há a suspensão do olhar social/censura,
ocorre uma prática analítica e confessional, autoriza-se a fala do indizível, fazendo
surgir uma outra palavra, uma outra ação e, por que não dizer, outros habitantes de
nossa subjetividade [Lanzari 2000].
Esta dublagem do eu, seja expressa nos nicks ou nos avatares, foi verificada por
Turkle (1997) reeditando Freud (2006) com a constatação de que o sujeito pode ser
constituído por múltiplos eus que existem simultaneamente e sem um elemento central
que os controle. No caso desta proposta de pesquisa, não partimos da premissa do
fenômeno enquanto patológico, mas como uma experimentação lúdica do eu através
das partes encenadas no avatar escolhido. Talvez o ambiente virtual tenha se tornado
tão atraente pelo fato de possibilitar essa coexistência das identidades pertencentes a
cada indivíduo.
Poderíamos associar também o uso de avatares ao conceito de devaneio
preconizado por Freud (1977), já que, nos jogos, há a possibilidade de se brincar de ser
o/um outro. A capacidade de fantasiar que, segundo Freud (ibidem), decorre das
frustrações da vida cotidiana e oferece uma forma de se obter satisfação independente
da realidade, poderia nos auxiliar na compreensão do fenômeno que nos propomos a
estudar. O autor também afirma que sujeitos que se envergonham de suas fantasias
dificilmente as revelam fora de um contexto terapêutico. É possível então que o
ambiente virtual funcione como um espaço transicional semelhante ao espaço
terapêutico.
Na tentativa de entender essa relação de interface com os avatares construídos,
outro conceito fundamental para a psicanálise freudiana que poderia ser pertinente aos
casos de construção dos avatares seria o de identificação, ou seja, como as pessoas
tomam para si alguns valores, excluem outros e, nesse processo, reconhecem traços em

8
O plural de avatar foi aportuguesado, uma vez que não se encontra esse termo em
dicionários da nossa língua. Para não utilizar o plural avatars em inglês, optamos por avatares.
comum com seus pares. No interjogo com o mundo, os sujeitos estariam num constante
movimento de assumir características de outros pelo mecanismo da introjeção, assim
como estariam atribuindo a outros, pelo mecanismo recíproco da projeção,
características que são suas [Mijolla 2005].
Klein (1991) introduziu o termo identificação projetiva, expressão que designa
o dinamismo pelo qual o sujeito vivencia a fantasia de deslocar totalmente ou
parcialmente aspectos de si para um objeto. Segundo Grotstein (1985), o sujeito que
utiliza identificação projetiva pode:
 invadir o objeto para controlá-lo ou ser controlado por ele,
eliminando assim os sentimentos de desamparo;
 evacuar ou recusar aspectos de si mesmo e depositá-los num objeto
ou objetos, livrando-se assim de aspectos indesejáveis de sua
personalidade;
 externalizar aspectos de si mesmo, reconhecendo objetos análogos
como familiares;
Para Latour (2006), pensar numa causalidade em redes nos deixa em melhores
condições de entender como determinado ator, na mescla com outras entidades, pode
produzir a si e ao mundo de maneira absolutamente singular e, ao mesmo tempo,
intensamente vinculada. Ser um sujeito não é algo atribuível a uma suposta e prévia
interioridade. Esta, diz o autor, é construída de uma maneira complicada: para que “um
corpo anódino e genérico seja transformado em pessoa [...], um fluxo de entidades lhe
permite existir” (p. 305), pois, como todas as outras coisas, há um trabalho de
fabricação de cada sujeito que não se faz de maneira isolada. Como atores que, de uma
forma ou de outra, estão sempre em conexão com outras coisas e outras pessoas,
podemos verificar os efeitos que as experiências vividas na imersão com os vários
grupos aos quais pertencemos foram deixando em nós as marcas para fazer emergir
aquilo que somos. Para além da sociedade e da natureza como únicas matrizes
produtoras de efeitos na produção dos sujeitos, há outros elementos subjetivadores,
personalizadores ou individualizadores que, em fluxo e de forma mais sutil, permitem
transformarmo-nos em indivíduos e conquistar uma identidade. Também chamados de
plug-ins9, esses recursos vão nos possibilitando acessar cada vez mais conexões que nos
subjetivam, ampliando o nosso acesso ao mundo. Pela multiplicação de nossas
conexões com a realidade, recorrendo a um grande número de subjetivadores,
constituímos, portanto, um fluxo identitário e, assim, quanto mais conectados, mais
subjetivados estaremos. Ao contrário de pensar que, para ser livre, um sujeito deve estar
liberado das conexões que o mantêm, a Teoria Ator-Rede postula a idéia de que alguém
desvinculado revela uma situação de empobrecimento. É possível que a construção dos
avatares nos jogos eletrônicos se apresente como mais um plug-in neste processo de
construção dos sujeitos em interface com as tecnologias digitais.
Estas e outras contribuições surgiram no processo das discussões travadas no
Projeto Lanhouse desenvolvido pelo grupo de alunos e professores que integram a

9
Figura tomada da informática que, na proposta de Latour (2006), significa aquilo que nos deixa
acessar, visualizar, fazer conexões com quadros que fazem crescer as nossas possibilidades de ação.
Brinquedoteca da UFSJ. Com o olhar para as formas contemporâneas de ludicidade que
tendem a se difundir em ampla escala nas próximas décadas, nossa proposta é buscar
compreender alguns aspectos psicológicos da relação entre ser humano e máquina, mais
especificamente na identificação que o sujeito faz com os avatares que assume durante
a prática de jogos; tentar compreender que elementos ele leva de si para a vida virtual, e
quais ele traz de lá: Qual das infinitas possibilidades de ser este sujeito busca quando
constrói seus avatares? O que ele quer? O que entra em jogo quando este assume uma
nova identidade, uma nova personalidade, um novo avatar? Estas são algumas das
questões que se desdobram nesta proposta de pesquisa.

Avatares, elos entre a vida real e virtual


Os avatares são uma maneira sofisticada de interação com o ambiente virtual. O site
www.dictionary.com define o termo como:
“1. Mitologia Hindu: a descida de uma divindade à Terra encarnada de
alguma maneira ou forma manifesta, a encarnação de um deus. 2.Uma
incorporação ou personificação de um princípio, atitude ou visão de vida. 3.
Computadores: uma imagem gráfica que representa uma pessoa, geralmente
na internet”.10
As duas últimas definições servem bem aos nossos objetivos. Os avatares se
tornaram a maneira mais completa de projetarmos nossos corpos e mentes nos mundos
virtuais, já que temos a possibilidade de escolher características físicas e assumir papéis
tanto iguais quanto diferentes dos da vida real. As opções se multiplicam quando os
avatares são personagens de jogos eletrônicos. Esta categoria de jogos geralmente
possui mundos vastos, repletos de seres e outros personagens. No caso dos
MMORPGs11, vários dos personagens com os quais o jogador interage são outros
jogadores.
Em jogos como Everquest, World of Warcraft ou Lineage II, o jogador, antes de
ter acesso ao jogo, necessita construir seu personagem. Ele lhe dá um nome,
características físicas, profissão, etc. Ao fazer estas escolhas o jogador abre
possibilidades, mas também cria algumas limitações. Um movimento muito semelhante
foi detectado por Manso e Queiroz e Melo (2004) na construção dos personagens de
RPG. Articulando estas escolhas com o simbolismo que o próprio jogo instaura, as
autoras iluminaram a compreensão dos personagens assumidos pelos jogadores com a
abordagem junguiana dos arquétipos, defendendo a idéia de que os jogos de RPG
permitem que os jogadores projetem tais arquétipos nos personagens a serem
interpretados.
Segundo Gee (2007), ao entrar no universo de um MMORPG, o sujeito leva para
o ambiente virtual sua identidade real com características de todos os papeis que ele
assume na vida real filtradas por sua identidade como jogador. Uma segunda identidade

10
www.dictionary.com Acessado no dia 16 de abril de 2009, às 13:22h.
11
MMORPGs é uma sigla para Massive Multiplayer Online Role-Playing Game e refere-se a um
jogo de interpretação de personagem, no caso um RPG, que é jogado online e em massa para múltiplos
jogadores.
que surge é a identidade virtual com as características do personagem de acordo com
sua forma física e capacidades. Ainda neste processo aparece uma terceira identidade, a
identidade projetiva, que seria o conjunto das características do personagem mais as
aspirações que o jogador tem sobre o que ele deve se tornar.
Este cenário possibilita a ocorrência do que Erikson [apud Turkle 2004] chamou
de moratória psicossocial, um tempo e espaço seguro que se tem para experimentação
pessoal.
O que se pode intuir é que o ambiente dos jogos virtuais, primordialmente os
MMORPGs, se mostra como um campo aberto onde o sujeito contemporâneo pode
moldar os objetos com os quais deseja se relacionar, quer se identifique com eles ou
não. Através dos avatares, pode-se manipular, brincar, criar, ser coisas que de outras
maneiras seria impossível. Estes são o ponto de ligação, o elo entre vida real e virtual.
Conhecer esta ferramenta e o que ela representa para seu usuário seria de grande
relevância para entender quais características estão sendo forjadas por estas tecnologias
no sujeito que emerge desta era digital.
Uma maneira bastante fecunda de se estudar o fenômeno dos avatares seria
através da perspectiva da Teoria Ator-Rede, que é um instrumento conceitual e prático
para seguir os movimentos traçados nesta construção simultânea de homens e objetos
em que materialidade e socialidade se mesclam, tendo como resultado a nossa condição
de humanidade.
A utilização da Teoria Ator-Rede como suporte teórico metodológico se
justifica ainda mais se levarmos em consideração alguns de seus pressupostos básicos:
1. Trata-se de um fenômeno “quente”, em pleno acontecimento, para o qual será
necessário um deslocamento pelas redes que o produzem; 2. Envolve um híbrido entre
homem máquina, trazendo esta díade para a investigação das múltiplas possibilidades
que oferece ao humano; 3. Trabalha com pelo menos um dos quatro significados de
mediação sociotécnica que é o de delegação, na medida em que se atribui ao avatar um
papel, um significado que pode ser o verso ou o reverso do que é o seu construtor; 4.
Opera num campo interdisciplinar que pode se deixar iluminar pelas idéias de campos
teóricos variados; 5. Não parte de hipóteses prévias para que sejam confirmadas ou
negadas, mas de um leque de possibilidades explicativas que não têm a pretensão de
serem universais ou generalizáveis; 6. Utiliza procedimentos diversos para coletar
dados no sentido de produzir inscrições12 o mais possível móveis estáveis. 7. Inclui o
pesquisador como um dos nós a rede que participa do processo e produz efeitos, dando-
lhe importância equivalente ao fenômeno estudado, na medida em que dele também
participa; 8. Trabalha com narrativas obtidas nas entrevistas das quais poderemos
extrair elementos de recorrência e convergência para produzir categorias de análise; 9.
Pretende utilizar o texto como um laboratório de misturas entre o já produzido e o
coletado; 10. Poderá usar recursos de matematização dos dados coletados como auxílio
interpretativo na camada final do texto produzido [Queiroz e Melo 2007].

12
Uma inscrição é uma operação material de criação de ordem em que se produz um híbrido que
diz alguma coisa, que oferece informações (imagens, gráficos, textos), usadas como camada final em um
texto científico [LATOUR 1985, 2000].
Considerações Finais
Este projeto, ainda em fase preliminar, se insere numa pesquisa mais ampla realizada na
Lan house da Universidade Federal de São João del Rei, um dos braços do Laboratório
de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (LAPIP) tendo como proposta investigar a
construção dos avatares nos jogos eletrônicos: qual sentido lhe atribui seu construtor,
quais os efeitos produzidos no mundo real por esta experiência desenvolvida no
ciberespaço. Consideramos que o fenômeno dos avatares pode nos ajudar a entender o
sujeito contemporâneo nas várias redes das quais participa, no interjogo entre suas vidas
paralelas no universo virtual e nas atividades que fazem parte de sua vida real. A partir
dos resultados obtidos, espera-se contribuir com as pesquisas em torno das novas
funcionalidades para esta interação do homem contemporâneo com o ciberespaço, com
desdobramentos terapêuticos, educacionais, organizacionais, ou uma gama de outras
possibilidades investigativas.

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