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UnB – IL – LIP

Laboratório de Ensino de Gramática


Estudo de Texto

Soares, M.
Letramento e alfabetização: as muitas facetas

Objetivo: defender a especificidades e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois


processos - alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na perspectiva da
prática pedagógica.

Os conceitos surgem da necessidade de diferenciar: práticas sociais de leitura e de escrita mais


avançadas e complexas e práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema da
escrita.
Segundo Barton (1994, p. 6), foi nos anos de 1980 que the new field of literacy studies has come
into existence.

UNESCO (final dos anos 70): distingue literate e functionally literate.

Avaliações internacionais devem ir além do medir apenas a capacidade de saber ler e escrever.

Os efeitos da criação desses conceitos é diferente em um país em desenvolvimento, como o Brasil,


e em países desenvolvidos como a França, os EUA, a Inglaterra.

O problema relevante: embora alfabetizada, a população não dominava as habilidades de leitura e


de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e
profissionais que envolvem a língua escrita.

Pessoas do Quarto Mundo: precário domínio das competências de leitura e de escrita, o que
dificulta sua inserção no mundo social e no mundo do trabalho.

No Brasil, os problemas da alfabetização e do letramento se superpõem, frequentemente se


confundem - nos censos demográficos, na mídia, na produção acadêmica.

Na prática, os termos 'alfabetização' e 'letramento' se confundem, ao ponto de levar ao


apagamento do termo 'alfabetização'.

Avaliações: no passado, internas à escola (altos índices de repetência e evasão); atualmente,


externas à escola - estuduais (SARESP; SIMAVE), nacionais (SAEP; ENEM), internacionais (PISA).
Resultados: altos índices de precário ou nulo desempenho em provas de leitura.

Hipótese: perda de especificidade do processo de alfabetização é um dos fatores que explica esse
fracasso.

Excesso de especifidade: ênfase na relação entre o sistema fonológico e o sistema gráfico.


Ao longo das últimas décadas: ao invés de corrigir o excesso de especificidade, apagou-se a
necessária especificidade do processo de alfabetização.

Causas dessa perda de especificidade:


ponto de vista pedagógico: 1. reorganização do sistema educacional por ciclos.
2. perda de metas e objetivos a serem atingidos.
3. sistema de progressão continuada: mal concebido e mal aplicado pode resultar em
descompromisso com o desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades, competências e
conhecimentos.
3. CAUSA maior dessa perda de especificidade: a mudança conceitual a respeito da aprendizagem
da língua.

Gaffney; Anderson (2000, p. 57): mudanças nos paradigmas teóricos no campo da alfabetização
(nos EUA) - um paradigma behaviorista (1960-1970) é substituído nos anos de 1980 por um
paradigma cognitivista, que avança, nos anos 1990, para um paradigma sociocultural.

O última transição pode ser vista como um aprimoramento do paradigma cognitivista, não como
mudança de paradigma.
Essa mudança aplica-se ao Brasil.

No Brasil, essa mudança se desenvolveu sob a discutível denominação de 'construtivismo'.


Ao contrário dos EUA, em que esse paradigma foi proposto para todo e qualquer conhecimento
escolar, tomando como eixo uma nova concepção das relações entre aprendizagem e linguagem,
traduzida no movimento que recebeu a denominação de whole language.
Esse paradigma chegou pela alfabetização através dos estudos sobre a psicogênese da língua
escrita (Emília Ferreiro).
- a criança deixa de ser dependente de estímulos externos (behaviorismo/ métodos tradicionais) e
passa a ser considerada como sujeito ativo.

SUjeito ativo: capaz de progressivamente (re)construir esse sistema de representação (da escrita),
interagindo com a língua escrita em seus usos e práticas sociais; pré-requisitos para a
aprendizagem da escrita (maturidade) são negados por uma visão interacionista, que rejeita uma
ordem hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se dá por uma progressiva
construção do conhecimento, na relação da criança com o objeto da 'língua escrita'; dificuldades
são vistas como 'erros construtivos', não como disfunções.

Embora a 'descoberta' do sistema alfabético pela criança seja válida de acordo com o sistema da
psicogênese da escrita, alguns equívocos e falsas inferências podem explicar a perda da
especificidade do processo de alfabetização.

1. Passou-se a subestimar a natureza do objeto de conhecimento em construção, que é um objeto


linguístico constituído (seja como sistema alfabético; seja como sistema ortográfico de relações
convencionais entre fonemas e grafemas) - ou seja, privilegiando a faceta psicológica da
alfabetização, obscureceu-se sua faceta linguística - fonética e fonológica.

2. Derivou-se da concepção construtivista da alfabetização uma falsa inferência de que a proposta


de métodos de alfabetização seria incompatível com o paradigma conceitual psicogenético.
3. Quando se fala de método de alfabetização, identifica-se 'método' com os tipos tradicionais -
sintéticos e analíticos (fônico, silábico, global), como se esses tipos esgotassem todas as
alternativas metodológicas para a aprendizagem da leitura e da escrita. Tinha-se o método e
nenhuma teoria, agora tem-se a teoria e não um método.

Ideia vigente: um requisito para a alfabetização é o convívio com a cultura escrita.


Nesse aspecto, a concepção de alfabetização como processo de aquisição do sistema convencional
de uma escrita alfabética e ortográfica é obscurecida pela concepção de letramento.

Defender a especificidade do processo de alfabetização não significa dissociá-lo do processo de


letramento.

O retorno à alfabetização está sendo conduzido como processo independente do letramento.


Por essa razão, propõe-se que está ocorrendo uma 'reinvenção' da alfabetização que, pode ser
vista como perigosa, se representar um retorno aos paradigmas anteriores, com a perda de
avanços, mas também necessária, se representar a recuperação de uma faceta fundamental do
processo de ensino e de aprendizagem da língua escrita.

A reinvenção da alfabetização

O efeito da metáfora da 'curvatura da vara' (ou do 'pêndulo').

Um lado - que dominou o ensino da língua escrita nas últimas décadas: baseia-se numa concepção
holística da aprendizagem da língua escrita, de que decorre o princípio de que aprender a ler e
escrever é aprender a construir sentido para e por meio de textos escritos, usando-se experiências
e conhecimentos prévios; o sistema grafofônico não é objeto de ensino direto; sua aprendizagem
deveria decorrer da interação com a língua escrita.
Nos EUA: whole language.
No Brasil: construtivismo.

Fracassos levam ao questionamento dessa abordagem.


Na França: conclui-se que o conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processo de
codificação e decodificação constituem etapa fundamental e indispensável para o acesso à língua
escrita.
Nos EUA, é notório o debate entre a concepção holística (whole language) e a concepção
grafofônica (phonics).
Nota 11:

No Brasil, o debate em torno dos métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos
(palavração, sentenciação, global) é suplantado pela concepção 'conNo Brasila, o debate em torno
dos métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos (palavração,
sentenciaçãostrutivista', bastante semelhante à whole language.

Os estudos científicos da questão nos EUA concluem que, entre as facetas consideradas essenciais
ao processo de alfabetização constam: consciência fonêmica, phonics (relações fonema-grafema),
vocabulário e compreensão. As pesquisas mostraram que a aprendizagem da escrita e o ensino
explícito da correspondência fonema-grafema têm implicações altamente positivas.
A entrada da criança no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela
aquisição do sistema convencional de escrita - a alfabetização - e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas soicais que
envolvem a língua escrita - o letramento.

A alfabetização não precede o letramento, os dois processos são simultâneos.


Emílio Ferreiro: em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento, ou vice-versa.
A conveniência de conservar os dois termos parece estar em que são processos de natureza
distinta.

Envolvem conhecimentos, habilidades e competências específicos.

Diante dos precários resultados obtidos entre nós na aprendizagem da língua escrita, com sérios
reflexos ao longo de todo o Ensino Fundamental, parece ser necessário rever os quadros
referenciais e os processos de ensino que têm predominado e reconhecer a distinção entre o
letramento e suas muitas facetas – imersão na cultura escrita, pela participação em experiências
variadas com a leitura e a escrita, o conhecimento e a interação com diferentes tipos e gêneros de
material escrita, por um lado, e a alfabetização e suas facetas - consciência fonológica e fonêmica,
relação fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita,
conhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita,
por outro.

Essencial: a formação de profissionais para desempenhar essa nova abordagem.

O que se propõe em síntese:

1. Necessidade de reconhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como processo e


aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico;

2. A importância de a alfabetização se desenvolver em um contexto de letramento - participação


em eventos variados de leitura e escrita nas práticas sociais, e desenvolvimento de uma atitude
positiva em relação a essas práticas.

3. Reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm diferentes dimensões,


demandando metodologias múltiplas - ensino direto, ensino incidental e subordinado a
possibilidades e motivações das crianças;

4. Necessidade de rever a formação de professores.

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