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IDEIAS

O filósofo que analisa as virtudes


do fracasso, de Thomas Edison a
Steve Jobs
O francês Charles Pépin acredita que errar é necessário para entender
nossos desejos
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ÁLEX VICENTE
4 JAN 2018 - 11:42 BRST
Charles Pépin. MANUEL BRAUN
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O fracasso é, desde o início da nossa civilização, uma fonte de medo e vergonha.


O filósofo Charles Pépin (Saint-Cloud, França, 1973) pensa, ao contrário, que
experimentar o fiasco e a frustração inerente a ele é o que, no fundo, nos torna
humanos. De acordo com o pensador francês, a inteligência de um indivíduo é
quantificada pela capacidade de analisar e corrigir seus erros. Nesse sentido,
cometer erros não é apenas inevitável, mas necessário para entender nossos
desejos e prioridades. Professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris e
conferencista muito solicitado, Pépin desenvolve essas teses em As Virtudes do
Fracasso (cuja edição brasileira deve sair neste ano), um tratado que defende
uma mudança de atitude em relação ao desapontamento. No livro, o autor elabora
uma lista de personagens que tiveram êxito depois de terem falhado, de Thomas
Edison a Steve Jobs, e também de invenções que surgiram a partir de erros de
apreciação bem conhecidos, como o Viagra ou as cápsulas de café. O objetivo de
Pépin, como ele relata em um café parisiense, é aprofundar um assunto que a
maioria dos grandes filósofos ignorou obstinadamente.

Pergunta: Por que o fracasso foi um assunto tão pouco abordado pela sua
disciplina?

Resposta: Na filosofia ocidental se falou pouco sobre os aspectos concretos da


existência. O fato de fracassar não é mencionado nos Diálogos, de Platão, nos
escritos de Descartes ou de Kant, nem nos tratados dos existencialistas. Existe
alguma exceção, como a filosofia dos estoicos, que falaram da necessidade de
aceitar a frustração inerente à vida. Mais tarde, Hegel também considerou que as
experiências negativas eram necessárias: assim como não há tese sem antítese, o
sucesso não existe sem o fracasso. Já no século XX, a epistemologia refletirá a
pontuação sucessiva que é própria do método científico, o que implica erros
sucessivos até atingir um resultado satisfatório. Qualquer êxito pode ser
considerado, nesse sentido, um fracasso corrigido.
P. Em seu livro, o senhor define o fracasso como um problema filosófico, mas
também social. O que nos impede de aceitar, socialmente falando, o fato de
falhar?

R. Para começar, o fracasso de um projeto particular é muitas vezes confundido


com o de nossa pessoa em sua totalidade. Eu não conheço bem a situação
espanhola, mas diria que é semelhante à francesa. Nossa sociedade está doente
porque é incapaz de aceitar o erro. Conheço jovens traumatizados por um sistema
escolar que não favorece a singularidade, o que os obriga a se adaptar ao que foi
definido como a norma. Nas empresas, há muitos trabalhadores marginalizados
por terem cometido um único deslize ao longo de suas carreiras. Na França, o
atípico é punido para preservar um sistema muito homogêneo, no qual se aspira a
que todo mundo se pareça.

P. Em seu livro o senhor faz um inventário dos mitos franceses que ressurgiram
das cinzas depois de pronunciados fracassos. Por exemplo, quase todos os
presidentes desde Charles de Gaulle viveram longas travessias do deserto...

R. Uma exceção é Emmanuel Macron, embora ele certamente viveu algum


fracasso durante a infância. Estes são geralmente os que deixam uma marca mais
profunda. Como eu disse, a origem do problema reside no modelo fundador da
escola pública, que exige que todos os alunos sejam iguais. Que respondam às
mesmas regras, que falem a mesma língua, que aprendam a mesma história e
depois a repitam com a mesma retórica. Nem tudo é ruim nesse modelo: é o
sistema em que se baseia a igualdade republicana e, como tal, é intocável. Mas
não há como negar que mais de 30% dos empresários experimentaram o fracasso
escolar. Nas carreiras artísticas e no esporte a porcentagem é semelhante. São
números que devem nos levar a refletir.

P. Diante da rigidez europeia, o senhor parece defender o modelo norte-


americano, que considera mais tolerante com o fracasso. Não era o contrário?

R. Um banco norte-americano aceita dar uma oportunidade a um empresário que,


em determinado momento, cometeu um erro. Na maioria dos países europeus te
fecham a porta. Na França, te colocam em uma lista negra quando você tem um
problema financeiro. Desde 2013, isso não é mais possível, mas a percepção do
fracasso continua sendo a mesma. Nos Estados Unidos, o espírito aventureiro é
favorecido por causa da mentalidade pioneira. O próprio descobrimento da
América foi um erro de navegação... Dito isto, tampouco idealizo esse sistema.
Lá tudo é pensado para que o sucesso acabe chegando, cedo ou tarde. Mas, no
caso de não chegar, o Estado ignora totalmente esse indivíduo. Na Europa, pelo
contrário, você sempre tem uma rede de segurança.

P. Algumas pessoas interpretam as suas teses como um elogio da mediocridade.

“Nas empresas, há muitos trabalhadores marginalizados


por terem cometido um único deslize ao longo de suas
carreiras”

R. Não é o meu raciocínio. Não digo que todos os fracassos sejam positivos. O
que digo é que é preciso fracassar de uma maneira interessante, com vontade de
ser corajoso e original. Acho que chegamos ao fim do ciclo de obsessão pelo
sucesso. Há anos Michael Jordanse dedica a dar palestras sobre os fracassos de
sua carreira. E o tenista Stanislas Wawrinka tatuou no braço uma famosa citação
de Beckett, retirada do seu livro Para o Pior Avante: “Você tentou. Você falhou
Tanto faz. Tente novamente. Fracasse novamente. Fracasse melhor”. De acordo,
ainda não é uma opinião hegemônica, mas me parece sintomático de uma erosão
do modelo dominante.

P. Em que momento começou essa mudança de mentalidade?

R. A crise financeira da década passada foi um ponto de inflexão. Foi um kairós,


para usar o termo dos filósofos gregos, um momento oportuno para a mudança. A
crise questionou o sistema de valores que sustentava a ideia do sucesso. Foi um
momento em que muitas portas se fecharam, mas algumas janelas também se
abriram.
P. Seu ensaio também analisa o fracasso do ponto de vista psicanalítico. Ele o
define como uma vitória inconsciente, pois nos aproxima do que realmente
queríamos apesar de não sermos conscientes disso.

R. Lacan costumava dizer que todo ato falho esconde um discurso de sucesso.
Podemos usar o exemplo de Nicolas Sarkozy. Quando ele se retirou da vida
política, a primeira coisa que disse foi que isso permitiria que ele cuidasse mais
da família, que havia negligenciado durante anos. Inconscientemente, viu em seu
fracasso eleitoral a oportunidade de fazer algo positivo. É perigoso não se dar
conta da dissociação em relação aos nossos desejos inconscientes. Muitas vezes,
temos que fracassar repetidamente até cairmos rendidos e até nos sentimos
deprimidos. É quando percebemos que estamos errados, que isso não é o que
queríamos fazer com nossas vidas, tanto no aspecto profissional quanto no
afetivo. Fracassando uma e outra vez vamos nos aproximando, pouco a pouco, da
verdade.

P. Não existe o perigo de cair na lógica do pensamento positivo, inspirado na


filosofia de Emerson, que considerava que qualquer experiência, boa ou ruim,
sempre acaba sendo proveitosa?

R. É muito sedutor pensar isso, mas não é o que defendo. Acredito que todas as
experiências não são benéficas. A negatividade total também existe. Há fracassos
dos quais nunca se recupera, o que pode até levar ao suicídio. O que eu digo é
que o fracasso é uma experiência humana. E que chegaremos mais longe se o
adotarmos e o corrigirmos do que negando sua existência. O fracasso nos ajuda a
nos reorientar e a nos reinventar.

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