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O Braasil e a Civilização

O artigo do professor LFG, como sempre interessante e provocativo, me leva a algumas


considerações sobre crime e castigo no Brasil de hoje. Parece-me claro que:

1. O fato do juiz Joaquim Barbosa ser exaltado como herói por ter feito algo que em um
país medianamente civilizado seria corriqueiro é um sintoma de nosso atraso como nação.
Estamos ainda muito longe de sermos um verdadeiro estado de direito, onde ninguém seja
obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a não ser em virtude da lei, e todos sejam
efetivamente iguais perante a lei. O que provocou a gritaria dos poderosos do momento e seus
prepostos foi que a justiça mostrou-se cega quando, em países como o nosso, supõe-se que
ela seja míope... O horror das "elites" ante este acontecimento inusitado fica patente quando
se observa que, por suas declarações públicas, muitos gostariam de transformar o Supremo
Tribunal Federal num convescote de "office boys" (e "girls") de toga.

2. Não temos um "complexo de inferioridade"; somos uma nação objetivamente inferior


à outras nações de economia comparável (Inglaterra, França, Itália); estamos em situação
desfavorável e frequentemente muito desfavorável quando se comparam IDH, nível de
corrupção, taxa de homicídios, etc. Quem já viveu em algum dos países do chamado Primeiro
Mundo sabe como o Estado pode exercer suas funções de maneira infinitamente melhor do
que no Brasil. Isto não é "complexo de inferioridade", e sim um FATO, que se traduz
quantitativamente em índices como os que citei acima.

3. Sem dúvida, "a criação de uma economia competitiva, um sistema educacional de alta
qualidade, [...]" , etc., tudo isto deve ser incessantemente buscado, pois nos tornaria um país
melhor e tenderia a reduzir a corrupção e a criminalidade em geral. O que incomoda é que o
fato de não termos os requisitos citados pelo professor é muitas vezes usado para desculpar
criminosos, eximindo-os da responsabilidade pessoal por seus crimes, e substituindo-a por
uma suposta "culpa social". No caso dos "mensaleiros" nem há o que falar: assaltaram os
cofres públicos simplesmente por ganância e sede de poder. No caso de criminosos comuns,
muito cuidado com esta argumentação. Na Índia, um país onde a miséria atinge níveis
absolutamente inimagináveis, a taxa de homicídios é de 3,5 por 100.000 habitantes; por aqui
estamos em 29 por 100.000 habitantes. De acordo com dados do IBGE, o PIB cresceu nada
menos que 47,8% entre 2000 e 2012; no mesmo período, o PIB per capita aumentou 32,6%.
Queda significativa da criminalidade? Exatamente o contrário; homicídios (principalmente
latrocínios), roubos, assaltos, tráfico e consumo de drogas, etc., só aumentaram. Portanto
pobreza não está necessariamente ligada ao crime nem diminuição da pobreza
necessariamente ligada à redução da criminalidade.

4. É certo que "toda condenação penal reprova um ato passado" mas ela traz sim "algo
próspero para o futuro". Pelo menos nos próximos anos AQUELE criminoso estará impedido de
cometer seus crimes. Se vão ou não surgir outros criminosos é irrelevante neste contexto:
AQUELE indivíduo que infringiu a lei foi penalizado e não prejudicará a sociedade por algum
tempo; é claro que isto supõe um sistema prisional decente, onde os bandidos mais perigosos
estejam efetivamente segregados, não disponham de telefones celulares e não possam
comandar suas quadrilhas a partir do presídio.

No Brasil, infelizmente a condenação penal não serve como inibidor do crime, devido à
ineficácia da polícia e à leniência das leis e da justiça com os criminosos. Prova disto é que
crimes são cometidos à luz do dia, sob o foco de câmeras de segurança, sem nenhuma
preocupação. Um exemplo acabado disto, que chegaria a ser cômico, se não fosse trágico
pelas implicações maiores, é o caso de um posto de gasolina em São Paulo, há meses assaltado
semanalmente pelo mesmo ladrão, que ali chega à pé ou de bicicleta e faz sua "compra"
semanal usando um 38 como moeda. Tudo devidamente registrado pelas câmeras de
segurança. É a certeza da impunidade que o move, assim como move o assaltante, o matador
de aluguel, o grande traficante de drogas, o parlamentar corrupto e todos os demais
criminosos de carreira. Todos aqueles que vivem do crime sabem que a chance de serem
presos é muito pequena e que, na improvável circunstância de serem presos e condenados,
ficarão pouco tempo na prisão. É um caso puro e simples de análise custo x benefício e o
resultado é que a criminalidade aumenta a cada dia, pois temos um sistema que, na prática,
evidencia que no Brasil o crime compensa.

5. O professor termina o artigo em tom otimista, afirmando que podemos nos tornar
uma sociedade verdadeiramente civilizada "porque somos laboriosos e inteligentes o
suficiente para conquistarmos progressos notáveis por meio da educação de qualidade." Não
estou tão otimista. Numa sociedade civilizada respeita-se a lei; ela é feita para ser cumprida e
seu cumprimento é exigido de todos; quem infringe a lei sofre as penalidades previstas. Mas
no Brasil a sociedade como um todo construiu ao longo de décadas um sistema que incentiva
o desrespeito à lei, e demonstra a incapacidade de fazê-la valer. Este sistema tem múltiplos
aspectos que envolvem, entre muitíssimos outros, o descolamento entre as leis e a realidade,
a orientação filosófica que norteia a aplicação da justiça, a ineficácia das ações policiais, seja
na prevenção seja na investigação de crimes, a morosidade da justiça, a falência do sistema
prisional, etc., etc. Tenho minhas dúvidas se seremos capazes de desatar estes nós e,
principalmente, se queremos fazê-lo.

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