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O cenario da colonizagao no Brasil Meridional e a familia imigrante Maria Lutza Andreazza* ‘Sérglo Odiilon Nadalin‘* A marginalizaggo inicla! das imigrantes fol uttrapassada pela ‘sua abertura interforéncia cultural da sociedade paranaen- ‘8e, formando assim uma nova identidade étnica (nao mais © “europeu'" e sim 0 “imigrante”), em que se podia obsorvar ‘uma natalidade refativamente alia © 0 predominio substan- tivo de famitas grandes. Introdugio A imigragao de europeus no século XIX constituiu-se na réplica da elite brasi- leira ao impasse gorado pelo fim da os- cravidéo, um dos indicadores da crise ue assinalou 0 rompimento das estrutu- ras coloniais. De outro fade, este proces- '80 concerna ao surgimento no Bracil da- uilo que poderemos denominar de uma “cultura imigeante". As rellexdes desenvolvidas neste artigo procuram situar a emergénoia des- ta cultura imigrante, analisando os des- cendentes de europeus da porspectiva dos contatos culturais. As andlises que se seguam foram alicergadas em dados provenientes de reconstiuigbes de fami- lias, metodologia privilegieda nos estu- dos de Demogratia Histérica. Contudo, busca também delinear uma tootia da familia imigrante. Nesse sentido, 0 traba- tho situa-se na temdtica mais ampla dos estudes de populagio; ou, © que 6 para ‘nés mais pertinente, na histéria da popu- lagao. No Parana, a histéria brasileira fot desenhada de forma peculiar. Portanto, ‘omnbora 0 alvo de nossas atengdes esteja ccontralizado na rogido meridional do om espacial a paranaense, o Brasil ‘dio sera abstraido. Ao contraria, om di- ‘versas ocasiGas serio mencionadas as articutagées @ contradigdes dos estorcas doservolvides pela provincia em relagao 2 uma politica imigratéria nacional, Por outro lado, © eonteddo do tema da imigragdo & suficientemente amplo para nele incluirmos experiéncias bastan te diversas rolativas a instalagéo, oficial e espontinea, de estrangeiros na regido. “Colones” em zonas rurais, mais préxi- Professors asstents do Deprtaonto de Hitca da Universidade Feral do Patand. Prolossor aduto do Dapartamantn oo Histria da Uniesidade Fae do Paton blasted CNP, or ‘mos do ioral ou no inteior, mais ou me- nos distanciados dos cenitos “urbanos"; imigrantos localizados na perferia ounas Proprias cidades; astrangeicos e de Sendentes migrando @ remigrando de uma regigo a outra; 0s casos espectioos se sucedem. Por consequinte, considerando as limitagbes que nos sac impostas. relacio- nadas aos objatives deste artigo, teramos ‘de fazer alguns recortes. Coneentrar- nes-emos no periodo abrangido pelos quase cem anos em que, a nosso ver Veriicou-se o maior impacto da presenga ‘estrangeira nas sociedades paranaense brasicira. O quadro, pois, 6 0 da Gran- de Imigragio, assinalada, em grande par- te, pelos condicionamentos gerados pela ‘extingdo do trafico escravo para 0 Brasil, a partir da década de 1850, ¢ que se festerdleu até 0 inicio da Segunda Guerra ‘Mondial (1939). © outro racorts conceme & origom dos imigrantes. A imigrago asiatica {j ponesa, principaimente) ¢ muito recerte, cearacterizando quase um subperiodo en. tro as balizas assinaladas. Apora, além 4isso, outros tipos de problemas que cif cilmente poderiam ser aqui aboréados. € Por isso que, no principal, trtaremos da instalagao do curopeus - mesmo porque, as dias quo estavam por tds da paltica migratoria brasileira tiveram muito mais a vor com esta imigracio. © terceito privilogiamente resulta da constatagao de que Curitiba tam sido, na produgao historiograica paranaense, © principal foco de andlises demograticas sobre a imigragao. Oe forma mais ou me- nos exaustiva, desde a década de 1970 alemBes, polonases @ italianas. const tuem objeto de investigagées nesta pers- Pectiva metodoligica. Sendo assim, aos- as anélises e reflexGes centrar-se-4o na Histéria curtbana, “laboratorio" de uma ‘experiencia populacional original mas ‘que pode, com o devido watament, per- mitir goncralizapées referentes aos en- ios Imigraténos em outras regibes do Parana. e ow Bs. Stites Pop Cas, 1204 Por outro iado, Curitba esta na moda, @ esse fato rslaciona-se com uma historia que admito uma presenga imi- agrante que deu corto. Embora a cidade e 5 curitibanos meregam homenagens, estamos tratando com evidentes: defo mages, assinaladas por oxageros quo 10 rosistem a observagées um pouco mais critcas. Delormagées que, a nosso ver, inserem-se numa certa tradigao do Parana como win Brasil diferonta (Mar- Ains, 1955), tradigo que se baseia no Predominio de um bictipo caracteristico ‘da populagdo paranaense, no sou sot que diferenciado, © numa interpretacéo Singular de nossa historia regional. € ‘como se, no Parana, a"mancha da escra- vidio" @ mesmo da colonizagao portu- ‘guesa tivessem sido apagadas, instau- Tando-se na regido uma cvilizago nos moldes idealmente camponeses @ euro- ous. Na reprodugéo deste raciocinio, simpista 0 inganuo, recuperamos e rite ramos aspectos da idoolagia imigratiria do século XIX, de cunho liberal e conser- vader. De qualquer forma, a presenga imi- grante fo! importante na nossa histévia Tegional, introduzindo uma marca dite- Tenciada que distingue de maneira espe- dial 0 que poderiamos chamar de uma “cultura imigrante", de modo semelhante ‘a0 que fez ha tempos Diegues Jr. (1960) Entretanto, em fungao do contato com uma sociedade que desejava “rogonerar” @ renovar as préticas do trabalho avita- das pola escravidéo, uma parcala da cul- tura imigrante paroce ter se fundamenta- {0 na incorporagdo de tal ideologia, ree- laborando @ reconstruindo-a como argu: mento éinieo de uma vocagao. Nao é ‘esta, do um certo modo, um dos tema tratados no romance de Viana Mog, Um tio ita 0 Rene? Prtanto, nas nossas_considera- ges & necossétio levar em conta que este fragmento nove da populapso para- nnaense fot incorporado per uma socieda- de cujas estruturas tem raizes coloniais, Por mais que soja caracteristice, inova- ‘Acrozzn MLL e Nad 6.0. Fe Bas. Estates Pop, Campa, 18,5004 dora @ original a contribuigdo cukural demografica do imigrante, © proceso histérico do Parana tem uma dindmica marcadamonte brasileira. Qs deslocamentos de populagdes: séculos XIX @ XX Pretendemos, nesta sogtio, tragar ‘a8 ampias linhas de como entendemos 4s ruptures estruturais que, de um mado ‘ou de outro, contribulram fundamental ‘mente para a ocorrSncia das grandes mi- ‘gragdes do século passado e das primei- ras décadas do século XX. E preciso referir, de inicio, o que ‘evidente: as motivagées amoricanas e ‘européias que alavancaram as migra ‘ges do século XIX faziam parte de um ‘mesmo processo, cuja origem radicava- se na Europa. De um lado, um conjunto Ccomplexo de mudangas que desemboca- ram nos séculos XIX © XX @ que, do forma goneralizada, lomam o nome do Iransigao demogrética, Estas transforma: ‘ges na populago européla articulavam- se de modo contraditério as inércias que ‘Sustentavam as sociedades camponesas, aquele continente, fruto de uma longa historia suportada por uma “economia ‘moral, comunitaria e local. A esse qua- ro correspondia uma populagéo quase estacionaria, com altos indices de morta- lidade ¢ natalidade. Este mundo aparentomente conser- vador tinha como contraponto as profun- ‘das mudangas ocorridas com a expansio do capitalismo, mudancas essas em di- versos momentos estreilamente ligadas as tanslormagdes. sScio-demograticas, Estas alteragdes goraram excadentes populacionais que, dependendo da con- juntura focal e de fatores, digamas, cul: ‘ais, lovavam a uma maior ou menor pro- disposi¢do as migragdes e, por extensao, omigragao transocoanica. Na época ‘modema assiste-se, igualmento, a grada- tiva fusao das inimeras unidades econd- ‘micas - até entao fechadas em si mes mas - em grandes mercedes regionais © mesmo a constituigao de mercados inter- nacionais. Estas ocorréncias foram acompanhadas pelo fortalecimento do uma mentalidade individualista, quo de maneira paulatina contribuiu para o de- ssenraizamento da populagéo do campo (@ das pequenas unidades uroanas) para as migragses a longa distancia, Entim, trata-se do fendmeno de ex- pansao capitalsta, determinando transfe- réncias de capital para 0s "paises novos” © as “colonias’. Processos igualmente casados, pois a migragio de capitais go- tava a necessidade da transformago da mio-de-obra para “fecundar este capital permitir que ale se muttiplicasse” (Sin- ger, 1968:88). Dito de oulra maneira, em- bora ainda reforganda esta perspectiva da historia econdmica: num nivel de and- lise mais amplo, as grandes migragoes do século passado podem sor situadas nas acomodacGes necessirias para 0 lene desenvolvimento do capitalisro, desempennando, inclusive, papel decisi- Vo para seu fortalecimento numa ascala mundial (Petrono, 1982:9-11). Transigao demogritica, expansio ‘capitalista e grandes migragbes sao pro- ‘cess0s interigados igualmente no espa- 90. As diversas ondas emigratorias euro- eias, que atingiram 0 apogeu na passa- gem do século e retomaram com outras caracteristicas no periodo entreguerras, acompanharam de certa forma o avango da transigo demogratica e do capitais- mo, expandindo-se sucessivamente do Noroeste para o Sul e Leste Europeus, ‘Somente nesta visdo multilateral & ossivel o entendimento do processo de ‘ransferéncia populacional, inctuindo ain- da 0 fato de que ao mecanismo de repul- ‘sfio que se processou na Europa corres: Pondeu um procasso do atrago de imi rantes na América, ndo como uma cain- Cidénota forluita, mas no quadro da divi- 860 internacional do trabalho. Isto por- que, do lado de ca, construla-se uma nova sociedade, onde o imigrante era @ tremamente necessario, com argumen- 63

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