O AFRONTAMENTO (ACTO DE AFRONTAR)
A pessoa é o seu corpo, mas é mais que o seu corpo: tem uma liberdade real,
ainda que condicionada, e, por isso, tem capacidade de afrontar.
A pessoa expõe-se, exprime-se, é rosto. Prósopon significa olhar de frente,
afrontar. No entanto, neste acto, encontra hostilidades, o que faz com que a atitude
de oposição e de protecção pertença também à sua condição.
A SINGUALRIDADE. O EXCEPCIONAL
Por vezes, pensa-se que a pessoa se realiza verdadeiramente se tem uma
personalidade vincada, ou seja, quando se diferencia ou singulariza relativamente a
uma uniformidade que pareça existir (e.g. no vestuário).
Para Mounier, mesmo que alguém pareça “igual aos outros”, a pessoa é aquilo
que nunca se repete.
Não devemos pensar que a mais alta vida pessoal seja a da excepção e do esforço
em realizar proezas, pois os grandes santos não estavam centrados na diferenciação
ou singularização deles próprios, mas inteiramente focados nos outros.
“Se a pessoa se cumpre na realização de valores infinitamente longe situados
[valores cristãos], é no entanto chamada a atingir o extraordinário no próprio centro
da vida quotidiana”i, ou seja, a atingir o seu paradigma pessoal. E este extraordinário
não separa a pessoa, pois “o homem verdadeiramente fora do comum é o homem
verdadeiramente comum”ii.
O personalismo não é a ética dos grandes homens, como queria Nietzsche.
A PESSOA COMO PROTESTO
Existir é aceitar e aderir, mas frequentemente é também dizer não e recusar. Se
assim não for, torna-se impossível viver: a ruptura e a reviravolta são características
essenciais da pessoa.
Tal não se confunde com as chamadas filosofias do protesto (e.g. o herói
romântico, o anarquista, o poeta maldito, o abstencionista, entre outros) que,
segundo Mounier, são apenas justificações para desadaptações e falhas.
As filosofias do proteste são exemplos da força da ruptura concentrada na
pessoa, mas operam no vazio do mundo e ignoram atitudes de apaziguamento,
acolhimento e dádiva, igualmente constitutivas do nosso ser.
A LUTA DE JACOB. A FORÇA
Mounier defende que o amor é luta, que a vida espiritual é luta contra a inércia
material e o sono vital.
A pessoa toma consciência de si por meio desta luta de força. Não força bruta,
que implica renúncia da pessoa a si própria mas força espiritual e interior.
“Uma pessoa só atinge a plena maturidade no momento em que opta por
fidelidades que valem mais do que a vida”iii e, para isso, é preciso a força.
A força é também o meio para lutar contra a violência e o império da força.
A AFIRMAÇÃO. A PESSOA COMO ACTO E COMO OPÇÃO
Mounier vê no acto de afirmação – o acto da pessoa que diz eu – o dado
elementar da experiência de comunicação.
“Agir é escolher”, tal como “edificar é sacrificar”. Cada vez que ajo de certo
modo, escolho não agir de outro. Fazer isto com responsabilidade implica renúncias
que, podendo ser difíceis, acontecem por causa de uma exigência que a pessoa tem
para consigo. Mas estas escolhas, diz Mounier, são criadoras e permitem evoluir.
O IRREDUTÍVEL
As renúncias e as recusas que falámos tornam-se, por vezes, irredutíveis. Pode ser
necessário que a pessoa defenda “mais do que a sua vida, a dignidade da sua vida” iv,
ou seja, que prefira uma morte digna a uma vida sem dignidade.
Mounier considera que é rara esta espécie uma vez que “a maioria dos homens
prefere a escravidão na segurança ao risco na independência”v.
No entanto, é necessário que os poderes garantam a integridade da pessoa física e
moral contra as violências sistemáticas.
i Emmanuel Mounier, O Personalismo, trad. João Benard da Costa (Lisboa: Moraes Editores, 1976), 98.
ii Kierkegaard, citado em Mounier, O Personalismo, 98.
iii Mounier, O Personalismo, 103.
iv Mounier, O Personalismo, 106.
v Mounier, O Personalismo, 107.
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