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Dissertação de procurador

analisa concessão de HC por


tribunais superiores
Publicado 20 de Abril, 2015

Crédito José Alberto/STJ

Por Gabriela RochaSão Paulo

Por Basilia RodriguesBrasília

A concessão de habeas corpus por tribunais superiores tem garantido a impunidade de


crimes praticados pelos cidadãos abastados. A acusação é do Procurador da República
Diogo Castor de Mattos, um dos integrantes da força‐tarefa do Ministério Público na
Operação Lava Jato, em sua dissertação de mestrado “A Seletividade Penal Na Utilização
Abusiva Do Habeas Corpus Dos Crimes Do Colarinho Branco”.

No trabalho apresentado ao Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade


Estadual do Norte do Paraná, na linha de pesquisa “Função Política do Direito”, em que foi
orientado pelo Procurador‐Geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia, Mattos se
aprofunda na teoria e história da seletividade penal e do Habeas Corpus para aplicá‐las à
análise de casos em que o Superior Tribunal de Justiça anulou operações inteiras de
combate à corrupção.
O Procurador da República inicia sua tese com a teoria do sociólogo americano Edwin
Sutherland, que na década de 40 foi pioneiro no estudo do crime do colarinho branco,
definindo‐o como “crimes cometidos por uma pessoa de respeitabilidade e status social
elevado no curso de sua ocupação”. Já naquela época Sutherland identificou o que chamou
de “implementação diferencial da lei” a esse tipo de crimes, que cometidos pelos burgueses
geravam mera punição administrativa, enquanto a verdadeira criminalização e punição
penal era exclusiva aos crimes violentos ou contra propriedade, normalmente cometidos
pelos camponeses.

Mattos também percorre os pensamentos de Alessandro Barata, Michel Foucault, Zaffaroni,


Luigi Ferrajoli, o Procurador Regional da República Douglas Fischer e principalmente
Jakobs, em cuja famosa tese do “Direito Penal do Inimigo” se aprofunda e sugere que, na
verdade, devemos dar atenção ao “Direito Penal do Amigo”: “muito se critica o Direito
Penal incidindo repressivamente nas camadas mais pobres, mas pouco se tem produzido
sobre a atuação branda do Direito Penal nas classes mais altas”.

O “amigo”, figura sobre a qual o Procurador da República se debruça é “o cidadão abastado


financeiramente, o qual tem aparência muito semelhante àquele que controla o sistema,
veste‐se com as mesmas roupas e matricula os filhos nas mesmas escolas particulares”.

A benevolência dos julgadores para com o “amigo”, que Mattos reconhece poder ser
inconsciente, é também reforçada pela falta de clamor social que seus crimes geram, “já que
o bem jurídico afetado é difuso, inexistem vítimas determinadas para exigir a punição pelos
seus atos (o que também torna difícil aferir a lesividade social de sua conduta), e não há
risco de reiteração delitiva ou risco à ordem pública, pelo simples fato de que o réu quase
sempre é primário, tendo em conta que os processos contra ele simplesmente não chegam
ao fim”.

Do que é feita a impunidade dos crimes de colarinho branco?


O Procurador da República identifica um dos fatores mais importantes de impunidade dos
crime de colarinho branco logo na fase investigatória: o mundo moderno, em que a célebre
expressão follow the money, famosa no escândalo Watergate na década de 70, não tem mais
tanto poder. Isso porque “com a globalização e a popularização da internet as fronteiras
entre as nações diminuíram, a criminalidade transnacional aumentou, e as operações
bancárias de pulverização de capitais ilícitos foram sofisticadas por esquemas
internacionais de lavagem de dinheiro”.

Para superar esses novos obstáculos ao rastreamento de valores obtidos de forma ilícita,
Mattos defende métodos investigativos mais modernos e eficazes para enfrentar a
criminalidade econômica organizada, muitos dos quais incorporados em diversos tratados
internacionais e legislações estrangeiras, como os trazidos pela Lei 12.850/2013: ação
controlada, colaboração premiada, infiltração de agentes e captação ambiental de sinais
eletromagnéticos.

Outro fator de impunidade dos crimes de colarinho branco para o Procurador da República
é o polêmico foro por prerrogativa de função. Mattos discorda da doutrina majoritária para
a qual esse instituto jurídico não se trata de um privilégio, mas de uma prerrogativa
inerente à função. “A distância em relação ao local de ocorrência dos fatos resulta em
severas dificuldades operacionais para presidir investigações ou instruir ações penais, o que
acaba por burocratizar a apuração penal, culminando, na maioria das vezes, na
impossibilidade de esclarecimento dos fatos, no esquecimento e na prescrição (…) prova
disso é que o STF demorou 123 anos para proferir a primeira condenação na sua
competência penal originária”, observa.

Nesse sentido, defende que o Brasil aprenda com outros países como Itália, França e
Portugal, nos quais o foro por prerrogativa de função é restrito ao Presidente da República

Outro fator que, para o Procurador da República, diferencia o tratamento jurisdicional


concedido a ricos e pobres pelos tribunais superiores é o abuso recursal, que apesar de
disponível a todos é muito mais usado pelos economicamente mais favorecidos, assistidos
por melhores advogados. Sobre o tema, Mattos ataca a jurisprudência pacificada em 2009
pelo STF da inconstitucionalidade da execução provisória da sentença penal, e critica
“brechas do sistema recursal que são reiteradamente utilizadas para dificultar o andamento
do processo”, como a “utilização de Embargos Declaratórios pela defesa para atacar
qualquer decisão; o abuso no uso do Agravo Regimental que permite que qualquer
pretensão, mesmo infundada, seja submetida ao colegiado; e a existência dos Embargos
Infringentes no STF, o que permite verdadeiro reexame de matéria de mérito já decidida,
assumindo inequívoco caráter de Revisão Criminal antes do trânsito em julgado”.

Em que pese reconhecer a importância do direito à ampla defesa e do princípio da não


culpa, Mattos entende que esses princípios, “atualmente, têm que ser compatibilizados com
a necessidade da adequada prestação jurisdicional, com o princípio da proporcionalidade
em sua vertente positiva de vedação da proteção insuficiente do bem jurídico, com o
princípio da moralidade, e com o direito fundamental à segurança pública”.

Ao criticar o abuso de recursos, o Procurador da República cita que menos de 5% dos


recursos especiais e extraordinários em matéria penal são providos, e que quando um
processo chega ao STJ e ao STF em sede de recurso especial e extraordinário, pode‐se dizer
que já houve coisa julgada em relação aos fatos, já que não poderão ser reexaminados pelos
tribunais superiores. Daí conclui que “a maior parte das insurgências que sobem a esses
tribunais superiores são meramente protelatórias e têm por único fim impossibilitar o
efeito prático da condenação: a execução penal (…) Caso houvesse uma ilegalidade no
acórdão do tribunal inferior, a cognição do Habeas Corpus seria suficiente para afastar a
possibilidade de prisão mediante a concessão de liminar pelo relator”.

É com base em dados do relatório do CNJ de 2013 que Mattos entra na sua próxima crítica:
entre 2010 e 2011 a Justiça brasileira deixou prescrever 2.918 ações envolvendo crimes de
corrupção, lavagem de dinheiro e atos de improbidade administrativa nos anos de 2010 e
2011, o que representa mais de 10% de todas as ações em tramitação atualmente
envolvendo pessoas denunciadas por esses crimes.

As críticas à prescrição são elencadas pelo Precurador da República: o exíguo prazo


prescricional dos crimes do colarinho branco (4 anos na maioria das vezes, sendo que os
processos costumam se arrastar por 10 anos); a falta de marcos interruptivos da prescrição;
a existência de prescrição pela pena em concreto (prescrição retroativa), que só existe no
Brasil; a interpretação atualmente dada ao art. 117, IV, do Código Penal, que limita o marco
interruptivo da publicação do acórdão condenatório recorrível àqueles que reformarem
sentença absolutória de primeiro grau; e a interpretação do art. 112, I, do Código Penal,
segundo a qual “o trânsito em julgado para a açusação”, marco inicial da prescrição da
pretensão executória, na verdade ocorre quando preclui o direito do Ministério Público
recorrer.

Os caminhos tortuosos do Habeas Corpus no Brasil


Mattos ensina que “no Brasil, a utilização do Habeas Corpus para tratar de assuntos não
relacionados à liberdade de locomoção começou a ser desenhada no final do século XIX
quando surgiu a chamada ‘teoria brasileira de Habeas Corpus’. Por ela, esse remédio
constitucional poderia ser utilizado para a tutela de outros direitos que tinham como
pressuposto a liberdade de locomoção. O precedente precursor dessa doutrina foi o Habeas
Corpus no 3.536, em que foi concedida ordem, em 1914, pelo Supremo Tribunal Federal,
para efetivar o direito do Senador Ruy Barbosa ‘a publicar os seus discursos proferidos no
Senado, pela imprensa, onde, como, e quando lhe convier’.”

A “teoria brasileira de Habeas Corpus” perdurou até a Reforma Constitucional de 1926,


quando a ação só passou a ser cabível em casos de ameaça ou lesão à liberdade de ir e vir,
como é atualmente. Mas o Procurador da República alerta: ainda não superamos
completamente a teoria brasileira, e diferentemente dos demais países do mundo, hoje em
dia a aceitação do writ no Brasil é muito mais ampla do que o contemplado pelo próprio
texto constitucional e legal.

Segundo Mattos, a grande controvérsia acontece na extensão do termo “ameaça” referente à


liberdade de locomoção. Para ilustrar, em sua pesquisa, o Procurador da República
apresenta casos em que o HC foi aplicado para tentar trancar cooperação jurídica
internacional; impugnar o mérito de quebras de sigilo e de interceptações telefônicas;
assegurar o sigilo dos termos da colaboração premiada e da identidade do delator; anular
ordem de sequestro de bens; e assegurar direito de visita de filhos de detento.

Ainda, a utilização de HC como substituto de recursos ordinários, extraordinários, e revisão


criminal é criticada enfaticamente no estudo. “Em primeiro lugar, cria hipótese de
competência recursal para os tribunais superiores não previstas na Constituição, violando o
princípio da taxatividade recursal. Em seguida, subverte o sistema recursal. Isso acontece
principalmente quando se usa o writ como sucedâneo de recursos que têm pressupostos
recursais específicos que acabam não sendo cumpridos, como na hipótese dos recursos
especial e extraordinário”.

Mattos lembra que quando em 2011 o STJ chegou à incrível marca de 200 mil HCs
pendentes de julgamento, a 1a Turma do STF passou a limitar o cabimento do Habeas
Corpus como substitutivo do recurso ordinário, entendimento que posteriormente foi
consolidado tanto na 5a quanto na 6a Turma do STJ. Contudo, a Segunda Turma do STF
continua aceitando a impetração do writ como substitutivo de recurso ordinário.

Da mesma forma, mesmo a Primeira Turma do STF e o STJ, paradoxalmente, têm


concedido a ordem de ofício. “Ontologicamente, não conhecer o remédio constitucional
como substitutivo de recurso ordinário e conceder a ordem de ofício é a mesma coisa que o
deferimento da ordem com conhecimento do writ. Naturalmente, tal prática estende o
problema porque por vias transversas o remédio constitucional acaba tendo o seu mérito
apreciado e todos os problemas dessa ocorrência continuam a acontecer”.

O Procurador da República explica que o problema do uso abusivo do HC, para além do
congestionamento dos tribunais, a supressão de instâncias (já que permite que um tribunal
superior analise uma questão que sequer foi apreciada pelo tribunal inferior), e a falta de
técnica, é o desrespeito a princípios constitucionais que estruturam a República, como a
violação ao princípio do contraditório, na medida em que o Ministério Público de primeiro
grau, que tem conhecimento dos fatos, não é intimado a se manifestar nos Habeas Corpus
impetrados nos tribunais, e o Ministério Público nos tribunais não figura como parte, mas
sim como fiscal da lei.

Da mesma forma, o princípio da paridade das armas também é desrespeitado, porque a


decisão concessiva de Habeas Corpus é irrecorrível pelas vias ordinárias (só
extraordinárias), enquanto a denegatória admite a interposição de Recurso Ordinário; e
porque as peças que fundamentam o pedido de HC são juntadas exclusivamente pela
defesa.

Para provar sua tese, Mattos analisou diversos casos famosos de crimes de colarinho branco
na última década e que acabaram com o mesmo destino: anulação de provas por vícios
formais na investigação mediante Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, mesmo
sem existir réus presos ou mesmo ameaça concreta à liberdade de locomoção dos pacientes.

Na análise dos casos Satiagraha, Castelo de Areia, Sundown/Banestado e Boi Barrica, o


Procurador da República identifica além de afronta ao interesse público de elucidação
desses graves crimes, violações do princípio da proporcionalidade, “por admitir anulação
de ações penais inteiras envolvendo gravíssimos crimes que desviaram milhões de reais em
recursos públicos por máculas aparentemente insignificantes”; e da instrumentalidade,
segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, na medida em que a nulidade de provas foi
declarada sem a indicação concreta do dano causado pelo ato.

Direito Penal do Amigo


A pesquisa do Procurador da República mostra que um dos pontos em comum a todos os
casos analisados é que os argumentos usados pelos Ministros do STJ para anularem as
ações penais desses graves crimes de colarinho branco são usados no sentido contrário nos
julgamentos de crimes cometidos por cidadãos menos endinheirados. Para isso, compara os
casos de corrupção estudados com outros cujos réus não eram políticos nem empresários
abastados, mas assistidos da Defensoria Pública, acusados de latrocínio, tráfico de drogas e
lesão corporal.

A diferença já começa na aplicação do entendimento segundo o qual vícios na investigação


anulam ou não a ação penal que a segue. “Seguindo o entendimento dominante da
doutrina, a tendência do STJ é de que vícios na investigação não têm o condão de invalidar
provas da ação penal. Entretanto, nos casos analisados, a nulidade decorreu de uma
possível desconformidade exatamente da fase investigatória”, explica.

Além dessa diferença entre casos comuns e de colarinho branco, em cada um dos quatro
casos em que se aprofundou Mattos encontrou mais situações de seletividade penal, das
mais diversas formas. O caso Satiagraha é pra ele “um exemplo emblemático das
influências extrajurídicas na utilização abusiva de habeas corpus”, nele foram concedidas
duas liminares em Habeas Corpus contra decisões de prisões cautelares do juiz de primeiro
grau contra Daniel Dantas.

O caso Castelo de Areia, por sua vez, teve as provas anuladas pelo STJ em HC substitutivo
de Recurso Ordinário sob a fundamentação de que a existência de investigação iniciada por
denúncia anônima seria ilícita. Em seu trabalho, Mattos mostra que o mesmo fundamento
não valeu para situações similares envolvendo pessoas menos abastadas processadas por
tráfico de drogas. “Nos precedentes que tratavam de casos de tráfico de drogas, o STJ
decidiu pela admissibilidade de denúncia anônima para deflagrar procedimento que
culminou na prisão em flagrante dos denunciados. Ou seja, no caso Castelo de Areia que
tratava de organização criminosa acusada da prática de crimes contra a administração
pública, a instauração de simples inquérito policial por denúncia anônima produziu a
nulidade de toda ação. Já no caso do tráfico de drogas praticado por uma pessoa, o mesmo
tribunal entendeu admissível a violação de domicílio e a prisão em flagrante,
procedimentos manifestamente mais invasivos, com base única e exclusivamente na
delação anônima”.

Quanto a esse caso em particular, Mattos observa que o esquema recentemente desvendado
na operação Lavajato era bastante semelhante, envolvendo o grupo Camargo Correa e a
corrupção de agentes públicos. “Infelizmente, perdeu‐se a chance de aniquilar o esquema
criminoso muitos anos antes”, lamenta.

No caso Sundown/Banestado, em que estima‐se que o esquema criminoso tenha


movimentado aproximadamente R$ 150 milhões, a Sexta Turma do STJ anulou toda a
operação que apurou o esquema de corrupção por excesso de prazo nas interceptações
telefônicas, entendendo que “o juiz não fundamentou devidamente as prorrogações”, o que
é um argumento, que, segundo o autor, consiste em “cláusula extremamente aberta, que dá
margem para um subjetivismo elevado na decisão judicial”.

Na época dessa decisão o STF reiterou a posição no sentido de que em casos complexos é
possível sim a prorrogação dos prazos nas interceptações telefônicas, quantas vezes sejam
necessárias. E, pouco tempo antes do julgamento, o mesmo relator tinha se manifestado em
sentido contrário, mas em um caso sobre uma quadrilha especializada em furtos e roubos
de cargas.

A operação Boi Barrica/Faktor, por sua vez, também teve um recorde temporal,
especialmente considerando‐se que os réus estavam soltos, já que o “relator do processo
demorou apenas seis dias para estudar as 7.068 páginas de processo e elaborar um voto de
54 páginas em que anulou a operação inteira”. Também em sede de Habeas Corpus a Sexta
Turma do STJ anulou as provas da operação por entender que o Relatório do COAF não
seria suficiente para ensejar a quebra de sigilo fiscal, e, nesse sentido, a decisão judicial que
determinou as quebras de sigilo não teria sido “idoneamente fundamentada”.

Quanto a esse argumento usado pelos tribunais superiores questionando a validade da


fundamentação dos juízes de primeiro grau, Mattos sugere, com base no Direito
Comparado, que o Brasil aprenda com os EUA, cuja Suprema Corte não adentra nos
critérios utilizados pelas instâncias inferiores para decisões que determinam quebras de
sigilo bancário e fiscal por exemplo. “Assim, o standard de revisão dos tribunais americanos
é diferente do brasileiro. Enquanto naqueles não se permite a revisão do que o juiz de
primeiro grau considera como causa provável para decretação de medidas invasivas, neste a
fundamentação do magistrado a quo é reanalisada à exaustão, dando margem à anulação de
provas por conceitos abertos como “decisão de quebra de sigilo não suficientemente
fundamentada. (…) Essa postura (dos tribunais americanos) traduz maior segurança
jurídica, pois os critérios de decisão judicial para decretação de medidas evasivas não são
reexaminados pelos tribunais.”

Propostas para frear a impunidade e valorizar o HC


O Procurador Regional acredita que a impunidade dos crimes de colarinho branco poderá
ser menor se aprovadas as ideias constantes nas PECs 10/2013, 470/2005, e 63/201354,
que pretendem restringir ou acabar com o foro privilegiado; a PEC 275/2013, que
transforma o STF em uma Corte exclusivamente Constitucional; e a PEC dos Recursos,
proposta pelo ex‐Ministro do STF Cezar Peluso em 2011 para que o trânsito em julgado
ocorresse após as decisões.

Também acredita em algumas modificações propostas no PL 8045/2010 (Novo Código de


Processo Penal), como ressaltar a previsão de limitação do Habeas Corpus apenas para
violação efetiva ou iminente à liberdade de locomoção; a limitação da utilização dos
Embargos Infringentes e dos Embargos Declaratórios; e o surgimento do Agravo de
Instrumento no Processo Penal.

E como não poderia deixar de ser, ressalta a iniciativa dos membros do Ministério Público
Federal integrantes da Força Tarefa da Operação Lavajato que propõem mudanças como o
aumento da pena do crime de corrupção, que passaria a ser hediondo; a diminuição do
número de recursos; e a remodulação da prescrição penal. “Entretanto, nenhuma dessas
boas medidas inovadoras terá êxito enquanto não houver uma verdadeira vontade política
de tornar o sistema processual penal efetivo”, conclui.

“Delação premiada é único meio de quebrar pacto entre colarinhos brancos”


Em entrevista ao JOTA, Mattos defende a delação premiada como instrumento revelador
contra as críticas de investigados no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. Ao site, o
Procurador da República integrante da Força Tarefa da Lava Jato explicou o valor desse
instrumento jurídico que tem sido cada vez mais usado pelo Ministério Público, polícia e
Justiça. “Tem uma importância ímpar, principalmente quando você investiga crimes no
bojo de organizações criminosas em que as testemunhas presenciais, quase sempre, são tão
somente os próprios autores dessas práticas delitivas”, explica.
Mattos explicou que a delação foi usada de forma pioneira no caso Banestado, em 2006,
apontado pelo Ministério Público Federal como maior esquema de lavagem de dinheiro e
evasão de divisas já desvendado no país. O doleiro Alberto Youssef, hoje personagem
central da Lava Jato, delatou à época os maiores doleiros do país. Empresários foram
acusados de usar empresas de fachada para fazer importações com valor informado abaixo
do real, subornar auditores‐fiscais, usar o Banco Banestado nas operações de lavagem de
dinheiro. Estima‐se que o esquema criminoso tenha movimentado aproximadamente R$
150 milhões.
Youssef abriu o esquema de doleiros para se livrar de condenação no Caso Banestado.
Quebrou o acordo depois de continuar a lavar dinheiro. Virou delator novamente na Lava
Jato, para, mais um vez, fugir de responsabilização. A missão dos procuradores, em casos
como estes, é demonstrar aos investigados a quais vantagens a assinatura do acordo de
colaboração pode levar. “É um meio de prova mas também um meio de defesa para o
acusado”, argumenta o Procurador da República. Para críticos, a delação é questionável
porque coloca um investigado sob a condição de acusador. Além disso, advogados de
envolvidos na Lava Jato reclamam da pressão psicológica a que seus clientes estão
submetidos. Até agora, a investigações firmou 15 acordos de delação premiada.

“Quando ocorre a delação, quase sempre a investigação já estava em curso”, observa o


procurador. O ex‐diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa só concordou em assinar o
acordo de delação em agosto de 2014, antes disso o MPF e a Justiça Federal do Paraná já
possuíam escutas telefônicas colhidas em 2013, do doleiro Carlos Habib Chater. A partir
desse monitoramento, em uma das conversas com Alberto Youssef, a compra de uma Land
Rover para o ex‐diretor da Petrobras, Costa, foi citada. Começou aí a se traçar um elo.

A exemplo da Banestado, as intercepções da Lava Jato revelaram codinomes que depois, em


delações, foram traduzidas pelos investigados. “Pode‐ se dizer que é o único meio de se
conseguir desvendar algumas práticas delitivas que ficariam acobertadas, impunes, pelo
próprio pacto de silêncio que vigora nesses grupos criminosos”, conclui Mattos.

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