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A benevolência dos julgadores para com o “amigo”, que Mattos reconhece poder ser
inconsciente, é também reforçada pela falta de clamor social que seus crimes geram, “já que
o bem jurídico afetado é difuso, inexistem vítimas determinadas para exigir a punição pelos
seus atos (o que também torna difícil aferir a lesividade social de sua conduta), e não há
risco de reiteração delitiva ou risco à ordem pública, pelo simples fato de que o réu quase
sempre é primário, tendo em conta que os processos contra ele simplesmente não chegam
ao fim”.
Para superar esses novos obstáculos ao rastreamento de valores obtidos de forma ilícita,
Mattos defende métodos investigativos mais modernos e eficazes para enfrentar a
criminalidade econômica organizada, muitos dos quais incorporados em diversos tratados
internacionais e legislações estrangeiras, como os trazidos pela Lei 12.850/2013: ação
controlada, colaboração premiada, infiltração de agentes e captação ambiental de sinais
eletromagnéticos.
Outro fator de impunidade dos crimes de colarinho branco para o Procurador da República
é o polêmico foro por prerrogativa de função. Mattos discorda da doutrina majoritária para
a qual esse instituto jurídico não se trata de um privilégio, mas de uma prerrogativa
inerente à função. “A distância em relação ao local de ocorrência dos fatos resulta em
severas dificuldades operacionais para presidir investigações ou instruir ações penais, o que
acaba por burocratizar a apuração penal, culminando, na maioria das vezes, na
impossibilidade de esclarecimento dos fatos, no esquecimento e na prescrição (…) prova
disso é que o STF demorou 123 anos para proferir a primeira condenação na sua
competência penal originária”, observa.
Nesse sentido, defende que o Brasil aprenda com outros países como Itália, França e
Portugal, nos quais o foro por prerrogativa de função é restrito ao Presidente da República
É com base em dados do relatório do CNJ de 2013 que Mattos entra na sua próxima crítica:
entre 2010 e 2011 a Justiça brasileira deixou prescrever 2.918 ações envolvendo crimes de
corrupção, lavagem de dinheiro e atos de improbidade administrativa nos anos de 2010 e
2011, o que representa mais de 10% de todas as ações em tramitação atualmente
envolvendo pessoas denunciadas por esses crimes.
Mattos lembra que quando em 2011 o STJ chegou à incrível marca de 200 mil HCs
pendentes de julgamento, a 1a Turma do STF passou a limitar o cabimento do Habeas
Corpus como substitutivo do recurso ordinário, entendimento que posteriormente foi
consolidado tanto na 5a quanto na 6a Turma do STJ. Contudo, a Segunda Turma do STF
continua aceitando a impetração do writ como substitutivo de recurso ordinário.
O Procurador da República explica que o problema do uso abusivo do HC, para além do
congestionamento dos tribunais, a supressão de instâncias (já que permite que um tribunal
superior analise uma questão que sequer foi apreciada pelo tribunal inferior), e a falta de
técnica, é o desrespeito a princípios constitucionais que estruturam a República, como a
violação ao princípio do contraditório, na medida em que o Ministério Público de primeiro
grau, que tem conhecimento dos fatos, não é intimado a se manifestar nos Habeas Corpus
impetrados nos tribunais, e o Ministério Público nos tribunais não figura como parte, mas
sim como fiscal da lei.
Para provar sua tese, Mattos analisou diversos casos famosos de crimes de colarinho branco
na última década e que acabaram com o mesmo destino: anulação de provas por vícios
formais na investigação mediante Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, mesmo
sem existir réus presos ou mesmo ameaça concreta à liberdade de locomoção dos pacientes.
Além dessa diferença entre casos comuns e de colarinho branco, em cada um dos quatro
casos em que se aprofundou Mattos encontrou mais situações de seletividade penal, das
mais diversas formas. O caso Satiagraha é pra ele “um exemplo emblemático das
influências extrajurídicas na utilização abusiva de habeas corpus”, nele foram concedidas
duas liminares em Habeas Corpus contra decisões de prisões cautelares do juiz de primeiro
grau contra Daniel Dantas.
O caso Castelo de Areia, por sua vez, teve as provas anuladas pelo STJ em HC substitutivo
de Recurso Ordinário sob a fundamentação de que a existência de investigação iniciada por
denúncia anônima seria ilícita. Em seu trabalho, Mattos mostra que o mesmo fundamento
não valeu para situações similares envolvendo pessoas menos abastadas processadas por
tráfico de drogas. “Nos precedentes que tratavam de casos de tráfico de drogas, o STJ
decidiu pela admissibilidade de denúncia anônima para deflagrar procedimento que
culminou na prisão em flagrante dos denunciados. Ou seja, no caso Castelo de Areia que
tratava de organização criminosa acusada da prática de crimes contra a administração
pública, a instauração de simples inquérito policial por denúncia anônima produziu a
nulidade de toda ação. Já no caso do tráfico de drogas praticado por uma pessoa, o mesmo
tribunal entendeu admissível a violação de domicílio e a prisão em flagrante,
procedimentos manifestamente mais invasivos, com base única e exclusivamente na
delação anônima”.
Quanto a esse caso em particular, Mattos observa que o esquema recentemente desvendado
na operação Lavajato era bastante semelhante, envolvendo o grupo Camargo Correa e a
corrupção de agentes públicos. “Infelizmente, perdeu‐se a chance de aniquilar o esquema
criminoso muitos anos antes”, lamenta.
Na época dessa decisão o STF reiterou a posição no sentido de que em casos complexos é
possível sim a prorrogação dos prazos nas interceptações telefônicas, quantas vezes sejam
necessárias. E, pouco tempo antes do julgamento, o mesmo relator tinha se manifestado em
sentido contrário, mas em um caso sobre uma quadrilha especializada em furtos e roubos
de cargas.
A operação Boi Barrica/Faktor, por sua vez, também teve um recorde temporal,
especialmente considerando‐se que os réus estavam soltos, já que o “relator do processo
demorou apenas seis dias para estudar as 7.068 páginas de processo e elaborar um voto de
54 páginas em que anulou a operação inteira”. Também em sede de Habeas Corpus a Sexta
Turma do STJ anulou as provas da operação por entender que o Relatório do COAF não
seria suficiente para ensejar a quebra de sigilo fiscal, e, nesse sentido, a decisão judicial que
determinou as quebras de sigilo não teria sido “idoneamente fundamentada”.
E como não poderia deixar de ser, ressalta a iniciativa dos membros do Ministério Público
Federal integrantes da Força Tarefa da Operação Lavajato que propõem mudanças como o
aumento da pena do crime de corrupção, que passaria a ser hediondo; a diminuição do
número de recursos; e a remodulação da prescrição penal. “Entretanto, nenhuma dessas
boas medidas inovadoras terá êxito enquanto não houver uma verdadeira vontade política
de tornar o sistema processual penal efetivo”, conclui.