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AS VARIAS POSSIBILIDADES DE LETruRA DE UM TEXTO S 0 topo E 0 CORDEIKO amos mostrar que a Tzzto do mais forte & sempre a melhor. ‘Um cordeiro matava_a sede numa corrente de agua pura, quando chege umlobo cuja fome 0 Tevava 2 bus- car caga. — Que atrevimento & ess hebendo? ~ diz enfureeido 0 lobo. ~ do por essa temeridade, Peenhor — responde o cordeiro ~, que Vossa Majes- sou beben- tade ndo se encolerize € Jeve em conta que € ido vinte passos miais abaixo que 0 Senhor. No posso, i ebendo. ois, sujar a agua que esté bebent aoa Yoct a suja— diz 0 cruel animal. ~ Sei que voce falou mal de mim no ano passado. Como eu poderia té-lo feito, se ndo havia sequer nacido? — responde o cordeiro, ~ Eu ainda mamo. = Se nao foi voce, foi seu irmao. — fu nao tenho irmaos. ~ Gatto, foi alguém dos seus, porque todos voces, in- cies, ndo me poupam. Disseram-me fe de sujar a agua que estou Voce seri castiga~ elusive pastores € {sso ¢, portanto, preciso vingar-me. ‘Sem fazer nenhuma outra forma de julgamento, 0 Jobo pegou 0 cordeiro, estragalhiou-0 € devorou'o, aragode ‘aire Oe avr dle paluvras ‘A primeira questo que se pode propor quando se lé uma fabula & a x seguinte: ela & uma historia de biches ou de gente? O leitor podera responder precipitadament: de gente, ¢ claro. Sethe perguntassemos como é que ele sa be dso, certamentereapondeia que the ensnaram na escola que as fabulos contam historias de seres humanos representaios por animals, plantas ete. Ca bra entde a pergunta: como & que os estudiosos chegaram a essa concluséo? Inferram-na do fato de que hé nos textos uma reiteracdo de traos semanti:. | “£95, isto, de elementos que compiem o significado das palavra, que obriga a ler texto de uma dada manei \Vejamos o que ocorre em nossa fdbula Iniialmente, temos des animais: 0 lobo e cordeiro, Poderiamos,entio, pensar que se trata de uma histéria de Dichos. No entanto, atribuer-se a eles procedimentos préprios dos sees hu- manos (der, custigar, responder, encolerizors,folarmal, néopoupay,vngor-50), ‘ualidades ¢ estados exclusives dos homens (enfurecido, temaridade, ter ir- 1ndos), formas de tratamento utilizadas nas relagdes socials estabelecidas en- “eos humanos (Senhor, Vossa Majestode, vocd), Essa repeticdo, essa recorrén- Cia, essa reteragao do trago semntico humana desencdela um novo plano de leiturs. primeiro plano de lettura é histéria de animais. A medida, porém, que ‘elementos com o trago humane se repetem, nfo se pode mais ler a fabula como uma histéria de Biches. Esses tragos desencadeiam outro plano de leltura: o de uma histéria de homens. Nesse nova plano, o obo é © homem forte que oprime 19 mais fraco, representato pelo cordeira. ‘A recorréncia de tragos semantices é que estabelece que leituras devem ‘ou podem se feitae de um texto, Uma letura nao tem origem na intencdo do leitor de interpretar o texto de uma dada maneira, mas esta inscrita no texto come virtualidade, como possibiidade. Lido de modo fragmentario, o texto pode parecer um aglomerado desco~ nnexa de frases a que o leitor dd o sentida que quiser € bem entender. Nao é as~ sim: ha leituras que ndo esto de acordo com a texto €, por isso, no podem set feitas, Mas talvezalguém perguntasse: um texto ndo pode aceitar maltipias lecuras?€verdade, pode aditirvirasinterpretagdes, mas ndo todas, So in _cetdves as eturas que nBo esiverem de acordo com os tregos de significado reieradas repatidas, reconrentes ao longo do texto. id textos que passblltam mais de uma leltura Neles, as mesmas figu- ras tém mais de uma intepretagéo, segundo 0 piano de leitura em que forem analisadas EXERCIcI1OoS ‘Alta passibidade de leitura do texto pode ser usadaintenstonalmente peo enunia- or pra que 0 Seu texto atinja a resultado que ee tem em mente, (0 caso da patsager Hl ce que segue, eral do ezptulo 12 da segunda tite de Samuel. Para sito, caver recupe- ‘ar resuniamente 0 que dito capfulo anterior, que, sob o tla "Peados de Da, relay Um ‘plsbo poue eifeante para o grande re de rae Segundo oreate,ceta a, a entrdecer, Cav avstou, do teraga da paldclo real uma m= ther que tomava banho ese encantou por la. Ea Btsabela, mulher de Utes, um dos vlna sol aos mas valorosos de Dai Estando Lia ausente de Jerusalém, Davi domly om Bessa, engraxidando-2, No tendo consegudo empurrr a paternidade da cag para Ua, Da ede rou qué Joab, seu scbrinnae camandante eas topas em gue, calecasse Ulas tem na fete Ae batalta, na regio de maior volénci rico, para que ele movrsse, Exeeutad @ orem do seberano, Uris morreu e Dal tomou Besabla coma espace, ‘Segue eno 8 texto qu sr cbjeto de anise. [Nath ACUSA Davi, ovE Se nnnrsnne Por iso 0 Senhor mandou o profea Nata Davi. Nata fl ter com Davie ie de “Numa cae havia dois homens, um ico e outro pobre O rico taha ovelbs hos ex ‘quutidade 0 pobre sé passula mesmo uma oveliuhs pequena que tine comprado © ‘indo, Ha ereceu com ee € Junto com os flo, cemeado do seu bocado € Tebendo da sua tay, donmindo no seu tegago, ei una palavea ena na conta de fb (Chegou 0 homen rico uma vis. Ele teve pena de tomartums rls das suas ovelhas ou bolt, fl de preparat ‘ara a Visita. Tomou a ovelhinka do homem pobre © | preparoy par ovisitante, Davi ficou firiso com exte homem « disse @ Nata: “Pea vida do senber! O nomem ue fe Isto merece a more. He pagar quatro veres a ovelba or tr feito ums clsa desis, stm ter pens Entdo Natl replicon a Davi: “Este homens é5 tu." ‘ont ganar nae 132 cousrto 1 Numa primeira letra,» naragfo do pro {eta Net ns fala de dis hornen, um eo © tm pore. Como naradarearacteia a) x pobreza de um? ty iqieza eo outa? ‘auestho 2 Ainds numa primeira, as ovehas © tis de que fala © neador podem ser inter pretades no seu sentido literal ito & como animals proplamente dos, come bers mate= Fis de seus dans. Pep telat ¢onamecar fepreende-se, po entant, que hi uma dfe- renga entre lgniiedo ques Wvelhinn tem fara o homem pobre 0 que a5 ovehas & 05 bos tm para o homer eo a) Tente defn o que savelhinka tem de e5- pal pare o homer pobe, 1b) As evethas era tio especals para 0 ox mem ree quanto a oveha pars 0 pobre? ‘uestho 3 ssa dferenga com que 9 maradorBsceve a relagf entre os dolshamens ests armas Interfere decsharente na clregloarguen= ‘ativa que ele quer dar a0 stu texto. Fode-se tdaer que, grags tl lfereng,o roubo © 0 "crf ds cvehinta pela omer te pro- ‘oes mais antpatia ¢ tevale? Explique sa resposta (Questia 4 ‘© homer rica & defi nisishmenteeo= ‘mo una pesioadescarhecida do interlocutor: ‘arrador a trata pr ele a inica outa ins ‘eagto € que morava numa ce, Por meto desea ext narrate, Nate ‘onsegue ober de Dai toda a atengdo sobre ‘es epsiosnaragose uma veemetee from ss condenagio do cre dese “stanhot 2) Oa @o julgamenta que Bai fax dese ho- 1) Qua! é 2 penaldate cue o soberano dece- tou pare ocime cometido? Questo 5 Tendo arancado de Das condenagio do procedimenta do horem rice provera su Tea contra 2 perversidade comets, Nata num lance supreendente e fulmirante, az que o home rea Dai: deka deer desgnado por lee passa 4 ser designado por tu A traca de ele por tuo final da narragb remete o texto 5 um auto plano de sgnifead, rovecando ‘uta versto para os acontesimentes. Levendo em cots ofato que evau Nats rocurar Ovi para censure, que serldo pas sama ada no texto 2} ahomem pobre? 1) a ovehinhs do homem pobre? oto de cmar3 ovehiha do homem pote? 6) a condenagio do homer ico? uesrie & No se constr um texto com dplosen- tid srt um propést, mas com inten de fiber um determina resultada, 4) Qual a Intengio de Natl a9 constr 358 | sanacas? 1) Esse propio de Nat fl ating? {Seo gofetandosdotsce exvattla do du Plosentito pra otto tea conseuld oes tno efeito? TEXTO COMENTADO 0 texto que vem 2 seguir faz parte do etlebre Sermao da Sexe- aésimo, em que Vieira, 9 partir de perdbola do semeador (Mateus, Xl, 4-23), em que Cristo compara a pregagdo & semeadura, elabora uma teoria do sto de pregar: 0 sennfo ha de ter um 56 assunto ¢ uma sé matéria. Por is- $0 Cristo disse que o lavrador do Evangelho no semeara mui- tos géncros de semertes, sendo uma sé: Exiit, qui seminat, se- minare semen. Semeou uma sé semente, e no muitas, porque o scrmao hé de ter uma s6 matéria, e nfo muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, ¢ sobre 0 trigo semeara cen- tei, € sabre o centeio semeara milko grosso e middo, e sobre © milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusdo verte. Bis aqui o que acontece aos serimdes deste género. Como semeiam tanta variedade, ndo podem colher cou- sa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia ser a viagem? Por isso nos pulpitos se trabalha tanto, ¢ se navega to pouco. Um assunto vai para um Vento, cutro assunto vai para outro vento, que se ha de colher senao vento? 0 Batista convertia muitos em Ju- deis, mas quantas matérias tomava? Uma sé matéria: Parate viam Domine; a preparacao para 0 reino de Cristo. Jonas con- verteu 0s Ninivitas, mas quantos assuntos tomou? Um s6 as- sunto: Adhue quadraginta dies, ei Ninive subvertetur’: a sub- versio da cidade, De maneira que Jonas em quarenta dias pre- gou um s6 assunto, € nds queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso no pregamos nenhum. 0 serméo ha de ser de uma s6 cor, hé de ter um s6 objeto, um sé assunto, uma 36 matéria, Wa de tomar o pregador uma s6 matérie, bé de defini-le para que se conhega, ha de dividi-la para que se distinga, ha de prova-la com a Escritura, ha de declari-le com a razdo, ha de confirmé-la com o ‘exemplo, hé de amplified-!s com as causas, com os efeitos, com as chycunsténcias, com as conveniéncias que se ho de segult, com 0s inconvenientes que se devem eviter, ha de responder as divi- das, hd de satisfazer as dificaldades, hd de impugnar e refutar com toda 2 forga da eloquéncia os argumentos contrévios, ¢ depois dis- to kd de colher, hé de apertar, hd de concluis, ha de persuadi, ha de acabar, Ito ¢ sermio, isto & pregar, ¢ 0 que no € isto, ¢ falar de mais alto. Nao nego nem quero dizer que 0 sermao nao haja de ter variedade de discursos, mas esses ho de nascer todos da mesiza matéria, e continuar e accbar nela. Quereis ver tudo isto com os thos? Ora vede. Uma drvore tem raizes, tem troncos, tem remos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim, hé de ser 0 ser~ mio: hé de ter raizes fortes e sélidas, porque ha de ser fundado | no Evangelho; hd de ter ur tronco, porque ha de ter um sé assan~ to e tratar uma s6 matéria, Deste tronco hao de nascer diversos ramos, que sdo diversos discursos, mas nascidos da mesma mat ria, ¢ continuados nela, Estes ramos nao hao de ser secos, sena0 cobertos de folhas, porque os discursos hao de ser vestidos ¢ o7- nnados de palavras, HA de ter esta arvore varas, que so a repreen~ io dos vicios, ha de ter flores, que sdo as sentencas, ¢ por remate de tudo hé de ter frutos, que € o fruto ¢ 0 fim a que se hé de or- denar o sermao. De mantira que ha de baver frutos, ha de haver | ores, nd de haver varas, ba de haver folhas, ha de haver ramos, ras tudo nascido e fundado em um s6 tronco, que é uma sé ma- teria. Se tudo sto troncos, néo ¢ serméo, ¢ madeira. Se tudo séo ramos, néo € semfo, so maravalhas. Se tudo sto folhas, no serio, sdo vergas. Se tudo so varas, n&o € sermio, é feixe. Se tudo sao flores, no é sermio, ¢ ramalhete, Serem tado frutos nao pode ser; porque nZo ha frutos sem arvores. Assim que nesta ar~ vore, a que podemos chamar arvore da vida, hé de haver o pro- veitoso do fruto, o formoso das flores, 0 rigoroso das varas, 0 ves- tido das folhas, o estendido dos ramos, mas tudo isto nascido formade de um sé tronco, e esse néo levantado no ar, sendo fun- dado nas raizes do Evangelho: Seminare semen,

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