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A andlise dz narativa 4. Aplicagio ao conto “A auséncia”, de Francis Jammes Se utilizarmos essas nogéesa propésito de “A ausén- cia”, poderemos considerar que o stadeiniil (a vida xa ‘esa camponesa) a pela partida de Pierre, & dindmica dura trinta anos, urante os quais Pierre gana a vida, Ele termina coma reo sistiré o estado final. Pademos observar simetrias bem-marcadas entre é rompido pela eomplicago representa- a volta de Pierre. © texte nfo diz em que con- conplicagio (partida) e a solugfo (retorne) com a retoma- dz de elementos sob formas textuais idénticas ou muito pr6ximas (a casa camponesa onde havia nascido; 0 repouso de sua mie; 0 quarto azul). De repente, as transformagées realizadas adquirem valores vistos como sendo mais fortes. Na ordem das simetrias devemos observar também que o estado i tode elipses. Jaa dindmica est resumida em duas frases. A “concentracZo” dessas etapas tema intl qual- eer divisdo complementar em reqiéncics. ial ¢ 0 final foram obje- Em compensacio, essas elipses e resamos, acompa- nihados de simetrias ¢ transformagées tio marcadas, embora tio pouco explicadas, confirmara a necessidade de levar mais longe a andlise de um conto no qual hi tamanha oposigéo entre a simplicidade da intriga e 0 ‘enigma do sentido. A ficgio Il, AS PERSONAGENS AAs personagens tém um papel essencial na onganiza- ‘glo das historias. Elas permitem as agGes, assumem-nas, dio sentido, De cer- as, ligam-nas entre si eh ta forma, toda hist hiséria de personagens. Als, isso & amplamente atestado pelos titulos dos livras e dos filmes ou pela maneira de resumi-los por intermédio dos seus protagonistas. Isso explica por que sua anzlise € funda- menial e per que mobiliza tantos te6ricos. ‘Mais uma razao justificou esse estudo. A persona- ‘gem, com efeito, um dos elementos-chave da projegio € da identificagio dos leitores. Em conseqiiéncia, ela tem sido tratada, com demasiada freqiiéncia, sobretudo no plano da psicolegia, como se se tratasse de uma pes- soa de carne e osso, esquecendo-se a andlise exata de sua constaugo textual. Foi particularmente em relagio a esse desvio que as categorias seguintes — outras sero trata- das no Capitulo 4 — foram eladoradhs. 1, Distingio e hierarquizagio das personagens Philippe Hamon (1972), apés sintetizar numerosas pesquisas, propds sels categories de eritérs, simples e manejéveis, para distinguir hierarquizar as persoragens por meio de seu “fazer” (suas agbes), de seu “ser”, de 4 A andlise da narrativa sua posigio em um determinado género-e de como el designada pelo seu narrador. A qualfeagio dfeeacial concerne & uatureza e quan- tidade de qualificagées atribuidas is pe-sonagens. Elas sio assim nomeadas e descritas, de maneira diferente, qualitativa (escolha de tragos, orientacio positiva ou negativa) e quantitativamente. Elas so mais ou menos antropomorfizadas, levam marc ‘mentos). S30 mais ou menos caracterizadas fisica, psi- coldgica e socialmente. Si0 mais ou menos apreendidas «em suas relagGes (genealogia, vida sentimental) etc. A fincionalidade difrencial diz respeito nio mais a0 ser, mas ao fazer das personagens: seu papel na acio, mais ou menos imporiante, portando ou nio sucesso. dimensio, que tem despertado muito interesse dos nacratélogos, seri desenvolvida nos pontos seguintes.) A distribuigdo difrencial, articulando 0 fazer e 0 ser, (de nascenga, de feri- concerne as dimensdes quantitativa e estratégica das aparigdes das persomagens: eles aparecem mais ou menos freqiientemente, por mais ou menos tempo, com um papele efeitos mais ou menos imporcantes. A autonomia diferencial articela também 0 fazer e © sex, mas a partir de modos de combinacio das persona- gens entre elas. Assim, em termos de tendéncia, quanto mais importante &a personagem, muis possibilidades ela tera de aparecer sozinha em certos momentos, oportunidades ela tem de encontrar numerosas outras 42 A flegdo personagens (0 que esté ligado a sua latitude de desloca- mento e/ou 20 seu poder de atrasio). A pré-designagao convencional combina 0 Fxzer € 0 ser das personages em wfténde a um determiado género. Isso significa que aimportincia 0 status da personégem (0 detetive no romance policil, o her6i no west...) vicas tradi podem ser codificados por marcas ge nais: tais tragos fisicos, tal agio. De repente, jé na sua prime'ra aparigio, o leitor familiar ap género pode eate- porizi-lo. © comontirio explito die respeito ao discurso do nar- rador a propésito da personagem, Indica o status da per- “nasso heréi”, sonagem ou a maneira de categorizs “esse individuo sinistro” etc. Portadora de avaliagées, pode ser mais ou menos abundante € distintiva. Estes seis critérios, ao distinguirem e bierarquiza- rem as personagens, contribuem, na grande tradicio romanesca, para a “clareza” do texto e de sua leitura Constituem, de certa maneira, “instrugdes de leitura” que facilitam a categorizagio dos personagers. Em sen- tido inverso, & interessante notar que os romancistas, contemporineos e de vanguarda (especialmente a partir do final do século XIX) mostraram uma tendéncia a cufemizar e embaralhar essas marcas para pér em causa a personagem considerada como um dos eixos da ilusio realista e das rotinas de leitura. B A andlise da narrativa Poderfamos ainda, sem divida, acrescentar mais um critério de distingio e hierarquizacio das personagens em relagio & naragio e& pespectira, que estudaremos mais em detalhe no préximo capfaulo, Assim, a personagem poderi ser situada na fiogio de “maneia simples”: vemo- la dizer, agi, fazer de manzira mais ou menos importan- te (ver os critérios precedentes). Mas ela poderé tam- bém, constantemente ou ni, serfcalzadora: a perspec tiva passaré por ela ¢ se terd a impressio de perceber 0 tniverso ficcional e as outras persenagens pelos seus olhos. Por fim, ela poders ainda, constantemente ou nao, ser namadora: seré pela “suz boca? que se conheceré a his- toria, serd ela quem nar claro que a imporsincia e a espe pelo menos em parte — em rela persoragens:ficciomais, focalizadoras, narradoras... No conto de Francis Jammes, “A auséneia”, as per- sonagens sio em nimere reduzido (Pierre, sua velha rie, seu av6, sua noiva, uma velha senhora). A qualifica- so delas é quase inexistente (amnome, relagées familia~ res, a idade, o fato de estar viva ou morta). A fincionali- dode & atribuida unicamente a Pierre, que frui do mais imporante fazer e da mais importante autonomia. Ele no texto. ificidade das personagens se jogam fo a esse staus das suporta assim uma pré-designagdc conrencional prépria do conto: cle aparece em primeiro lugar, é jovem, tem um nome e é aquele que parte. Em todos esses pontos de vista cle é claramente distinto hierarquizado como a 44 A ficgio personagem principal, mesmo sem 0 accés nnhum comentario espliio. Em troca, a auséncia quase total de qualificagio, de funcionalidade e de autonomia tende a fr no mesmo mo de ne- plano as outras personagens (Fivas, em fatografias, mor- tas...) e osatores desse outro pais ndo designado: negros, apagaios, seringueiras, melado, febres e serpentes Além disso, subsiste uma ambigiidade, sublinhada pela ‘iltima frase, sobre a identidade possivel de sua noiva e da velha senhora. “Todas as personagens sio puramente “ficcionais”: no vemos seus olhos € no sio elas que contam a hist6- ria. No caso, isso contribui, sem divida, para reforcar seu carter enigmético, pois ro se dispe de nenhuma indicagio sobre a sua psicologia 2. As ages das personagens (0 “fazer” das personagens motivou, como jé assina- amos, numerosas pesquisas, especialmente na medida em que essa dimensio é a que permite articular 0 mais precisamente possivel agBes e personages. Definigao: Greimas propos um dos modelos mais conhecidos — o exquems actarcial. Partiu de uma hip6tese simil histérias — independentemente de Propp paras agées: se todas as de sua diversidade 45

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