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Fernando Silva Teixeira Filho
Wiliam Siqueira Peres
Carina Alexandra Rondini
Leonardo Lemos de Souza
(Organizadores)

Queering
problematizações e insurgências
na Psicologia Contemporânea

Cuiabá, MT.
2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

© Fernando Silva Teixeira Filho | Wiliam Siqueira Peres | Carina Alexandra Rondini | Leonardo Lemos de Souza, 2013.

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da
Lei nº 9.610/98.
A EdUFMT segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor no Brasil desde 2009.
A aceitação das alterações textuais e de normalização bibliográfica sugeridas pelo revisor é uma decisão do autor/
organizador.

Dados Internacionais
Dados Internacionais de Catalogação
de Catalogação na Publicação
na Publicação (CIP)(CIP)

Q3 Queering : problematizações e insurgências na psicologia contemporânea


/ Fernando Silva Teixeira Filho ... [et al.] (Organizadores). – Cuiabá
: EdUFMT, 2013
232 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN – 978-85-327-0489-4

1. Teoria queer. 2. Comportamento sexual – Aspectos psicológicos.


3. Identidade de gênero. 4. Psicologia contemporânea. I. Teixeira Filho,
Fernando Silva ... [et al.], org. II. Título.

CDU – 159.922.1

Coordenação da EdUFMT:
Marinaldo Divino Ribeiro
Supervisão Técnica:
Janaina Januário da Silva
Revisão e Normalização Textual:
Responsabilidade dos organizadores
Capa, Editoração e Projeto Gráfico:
Candida Bitencourt Haesbaert
Arte da capa:
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Impressão:
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CEP: 78.060-900 – Cuiabá, MT
Fone: (65) 3615 8322 – fax: (65) 3615 8325
www.ufmt.br/edufmt | edufmt@ufmt.br

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Sumário

Prefácio................................................................................................ 7
Anna Paula Uziel

Seção I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na


Psicologia Contemporânea..................................................................... 13

Diálogos sobre la adopción en España por parejas del mismo


sexo: el problema de las prácticas psicológicas discriminatorias.....15
Rosa Borge Bravo
Raquel (Lucas) Platero

La dignidad gay......................................................................................... 21
Marina Castañeda

Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones


políticas y transdisciplina....................................................................... 27
Ana María Fernández

“Quem se importa com experimentos?” Ontologias


variáveis, inquietações queer.................................................................. 43
Dolores Galindo

Psicologia e Políticas Queer..................................................................... 55


Wiliam Siqueira Peres

La sexualidad, aún un desafío para la Psicología............................... 65


Gloria Careaga Pérez

Tópicos e desafios para uma psicanálise queer.................................. 73


Patricia Porchat

Biopolítica, Subjetivação e Saúde........................................................113


Cristiane Gonçalves da Silva

Em defesa do posicionamento na pesquisa em Psicologia.............. 83


Sandra Azerêdo

Gênero e suas expressões em um contexto educacional e


de atendimento à infância e à adolescência em uma
cidade do interior paulista....................................................................101
Fernando Silva Teixeira-Filho
Nayara Lima Longo
Juliane Campos de Souza

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”..........................................115

Problematização de gênero, violência e políticas públicas


nos casos de abuso sexual intrafamiliar vivenciado por
crianças e adolescentes..........................................................................117
Juliana Helena Faria

Corporalidades fora dos eixos: a insurgência dos prazeres e


modificações corporais na transcontemporaneidade.....................129
Márcio Alessandro Neman do Nascimento

Estudios de Género y LGBTI na Psicología Latinoamericana............143


Gloria Careaga Pérez.......................................................................................................................................

Dentre o anômalo e o mais-do-mesmo, para onde


caminharia o Movimento LGBT?........................................................149
Tânia Pinafi

‘Pesquisa-aquendação’: Derivas de uma epistemologia libertina............ 157


Fernando Pocahy

Educação Sexual nas escolas: um desafio ao educador


e à educação brasileira...........................................................................173
Carina Alexandra Rondini
Fernando Silva Teixeira Filho
Lívia Gonsalves Toledo

Estudos queer e práticas singularizadoras:


potencialidades da psicologia em execução penal...........................185
Cíntia Helena dos Santos

Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura.............195


Paola Zordan

Vapores etnografados: Dos desejos de clientes,


michês e pesquisador.............................................................................209
Elcio Nogueira dos Santos

Quando a violência se torna vergonha: a expressão da


homofobia interiorizada em narrativas sobre o
homoerotismo entre mulheres............................................................221
Lívia Gonsalves Toledo

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Prefácio
Anna Paula Uziel

Tania Navarro Swain abre seu texto Identidade nômade perguntando: “que esta-
mos fazendo de nós mesmos?” (p. 325). Convido vocês, leitores e leitoras, para uma
inquietação desse tipo na leitura deste livro Queer. Com os cuidados que a leitura de
Colombrook (2009, p. 11) os faz ter com essa afirmação: “a teoria Queer é um reflexo do
que define como Queer ou o conceito de Queer muda nos caminhos de sua teorização”?
Apoiando-se em Butler, Swain (2002) afirma o caráter provisório da norma, o que faz
com que estejamos em movimento. O binarismo que nos habita instala em nós sentidos
fixos e unos das sexualidades, organizando identidades e aprisionando corpos e prazeres. Por
que insistimos em ordenar o múltiplo, o diverso, as diferenças?
Michel Foucault, Judith Butler, Gilles Deleuze atravessam muitos dos textos deste
livro. Talvez para chacoalhar já que juntos, como diz Pelbart (2007, p. 61), “estamos
todos à mercê da gestão biopolítica, cultuando formas-de-vida de baixa intensidade,
submetidos à mera hipnose, mesmo quando essa anestesia sensorial é travestida de hipe-
rexcitação”. Imiscuído em fragmentos sobre a biopolítica em nós, este livro transborda
resistências que podem ajudar no enfrentamento de vidas bestas. “Vida besta é esse
rebaixamento global da existência, é essa depreciação da vida, é sua redução à vida nua,
à sobrevida, é esse estágio último do niilismo contemporâneo” (Pelbart, 2007, p. 61)
O livro, resultado das conferências e mesas redondas dos trabalhos apresentados duran-
te o III Seminário Internacional “Pensando Gêneros: a psicologia para além do espelho”,
bem como da parceria do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (GEPS) com
outros grupos de pesquisas e pesquisadores afinados às discussões contemporâneas sobre
a necessidade de queerizar a Psicologia, é dividido em duas partes: Descontinuidades e
Quering e as práticas psi. Ambas afirmam movimentos, desafiam os saberes psi, o-devir-
-pesquisador-em-nós, as sexualidades heteronormativas – todas aquelas que se pautam
por esta referência e exploram sentidos da teoria queer.
Diálogos sobre la adopción en España por parejas del mismo sexo: el problema de las
prácticas psicológicas discriminatorias, de Rosa Borge Bravo e Raquel (Lucas) Platero, revela
tensões entre a legislação sobre adoção no país e as práticas profissionais de psicólogos e
assistentes sociais no âmbito da justiça quando precisam se posicionar frente ao desejo
de constituição de laços legais de filiação por pais gays e mães lésbicas. A proposta Queer
dos autores se expressa também no formato que elegem para envolver os leitores em seu
diálogo. O fato de as leis não discriminarem direitos que casais possuem, sejam de mesmo
sexo, ou de diferentes sexos, não significa que a sua aplicação garanta a igualdade de
direitos. Inclusive porque as mediações são feitas muitas vezes por instituições privadas e
por profissionais que pouco conhecem as discussões recentes sobre família LGBT. Para os
autores, é preciso que se garanta transparência nos processos de adoção, entendendo que o
sigilo profissional não é suficiente para um funcionamento ético, ao contrário, pode gerar
arbitrariedades e reforçar a homofobia e a transfobia.
Marina Castañeda, em La dignidad gay, mostra como no Ocidente a crescente
aceitação da homossexualidade convive com a intolerância de parte da sociedade que

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

ela denomina como “direita religiosa militante”. Apesar dos direitos conquistados nos
últimos anos, são fortes esses movimentos que pretendem cercear não apenas o que já
se conseguiu em relação à população LGBT, mas por a perder os avanços com relação
ao aborto, divórcio, igualdade de gênero, entre outros. A autora destaca não apenas a
normalização da homossexualidade e suas consequências, mas a importância da internet
na construção de redes que prescindem de coincidência de espaço e que são funda-
mentais no fortalecimento de movimentos minoritários. E aposta em um momento de
construção do que ela propõe como “dignidade gay”, o que demonstra uma passagem
do pedido de compreensão para a exigência de respeito e que talvez tenha que passar,
também, por mudanças no jeito cotidiano de se ser gay.
Ambos os textos sublinham o caráter nefasto da homofobia e suas consequên­cias
tanto para a vida privada das pessoas envolvidas, quanto para a formação da sociedade.
E demonstram que são muitos os passos entre a garantia legal de direitos, a variedade de
olhares sobre as sexualidades e a micropolítica cotidiana. Talvez uma frase de Deleuze
(2002) resuma bem algumas das tensões que habitam o que escapa do heteronormativo:
“basta não compreender para moralizar” (p. 29).
Os três textos que se seguem nos colocam em movimento. O trânsito, o incessante
incômodo com a diferença, as experimentações que propõem nos atiram e atiçam a
lugares que se inventam ao chegar.
Em Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas e transdisciplina,
Ana María Fernández elenca e analisa brevemente diferentes movimentos políticos e aca-
dêmicos de início na década de 1980, a partir de três dimensões: política, epistemológica
e filosófica. Como pano de fundo, uma grande questão: o que fazer, como lidar com a
diferença sem se remeter a idênticos ou origens? Trata-se, segundo a autora, de forçar os
limites do possível para resistir e inventar dispositivos de forma cada vez mais coletiva.
“Quem se importa com experimentos?” Ontologias variáveis, inquietações queer, de Dolores
Galindo, nos convida a pensar sobre a noção de experimentos que movimenta sensações e
devires. Acompanhada por Donna Haraway e outros autores, desliza do debate sobre sexo
e heteronormatividade para relacionalidades entre humanos e não/humanos provocando
o que chama de humanonormatividade, utilizando-se, para tal, de referências à arte.
Wiliam Peres, em Psicologia e Políticas Queer, destaca as amarras do sistema que Butler
intitula sexo/gênero/desejo/práticas sexuais e que cria viciados em identidades. Como
estratégia de rupturas, toma Queer não como identidade, mas como verbo, possibilidades
de movimentos que rompam com os imperativos da norma. O desafio, propõe o autor,
seria borrar as fronteiras sem desmanchar pontes de conexão. Assim, aposta na transito-
riedade dos sujeitos nômades e intima a Psicologia Social a se intrometer neste universo
que explode binarismos.
Gloria Careaga Pérez, em La sexualidad, aún un desafío para la Psicología, interpela a
psicologia ao perguntar se há disposição para construções para além de categorias. O es-
quadrinhamento, propõe a autora, não pode se restringir ao que notamos como exótico, é
preciso perturbar o hegemônico. Estão na cena os movimentos feministas e o que a autora
denomina de LGBTI: se o primeiro não conseguiu, segundo a autora, dissociar sexualidade
de reprodução, este último avança com propostas integracionistas. Historiciza, de forma re-
sumida e precisa, percursos e apropriações da teoria Queer para discutir as relações entre sexo,

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Queering: problematizações e insurgências na Psicologia Contemporânea

gênero e sexualidade, considerando suas margens e normas e afirma a necessidade, em nossa


região entendida como o Sul, de se cruzar o debate com o racial, o étnico e a classe social.
O texto de Patricia Porchat, Tópicos e desafios para uma psicanálise queer, assim como
o que o precede, é mais um convite provocativo ao campo psi. A autora se inclina “na
direção da construção de uma teoria que sustente uma prática psicológica adequada
ao mundo contemporâneo”. Para tal, discute conceitos chaves para a Psicanálise como
corpo e pulsão, linguagem, inconsciente, Édipo e parentesco utilizando autores como
Judith Butler e Gayle Rubin que geram turbulências nas leituras da psicanálise. A aposta
de Patricia é que a psicanálise não pactue com práticas de controle e normalização de
identidades e práticas sexuais e que seja mais um ator na transformação da sociedade em
relação às pessoas cujas expressões de gênero e sexualidade geram sofrimento.
Em Biopolítica, Subjetivação e Saúde, Cristiane Gonçalves da Silva desenvolve uma
interessante articulação entre biopolítica e sexualidade, a partir de uma discussão que in-
clui o sistema único de saúde brasileiro. Em seu artigo mostra a importância de se investir
na saúde como campo político, articulada aos direitos humanos e à laicidade do Estado.
O texto de Sandra Azerêdo intitulado Em defesa do posicionamento na pesquisa
em Psicologia baseia-se nas ideias de Donna Haraway para enfatizar a importância do
posicionamento do pesquisador, destacando aspectos éticos e políticos das investiga-
ções: é o posicionamento crítico que produz ciência. Para tal, a autora nos incita a um
mergulho até mesmo na divisão naturalizada entre pesquisa quanti e qualitativa, visto
que é a divisão o foco privilegiado das metodologias feministas. Um pesquisador deve
procurar fazer conexões parciais.
Fernando Silva Teixeira-Filho, Nayara Lima Longo e Juliane Campos de Souza
em Gênero: breves problematizações a partir de discursos e práticas de um estabelecimento
de atendimento à infância e à adolescência investigam de que forma representações de
gênero se expressam no cotidiano das práticas de cuidados e educação. A partir de uma
intervenção feita em uma instituição, os autores apontam que a lógica falocêntrica e a
afirmação do binarismo são hegemônicas. Apostam, no entanto, que revisitar as noções
de gênero, identidade, sexualidade, entre outras, pode ser um caminho possível no sentido
de transformações que aportem outras práticas que não a exclusão e o aprisionamento.
Na segunda parte alguns temas são revisitados, outros se inauguram, sempre com
afetos que atravessam a teoria Queer.
Embora a temática da violência contra crianças, em especial o abuso sexual, seja
cada vez mais frequente em trabalhos acadêmicos, são poucos os que abordam a questão,
como Juliana Helena Faria, em A problematização de gênero, violência e políticas públicas
nos casos de abuso sexual intrafamiliar vivenciado por crianças e adolescentes, incorporando as
discussões de gênero. Ao fazer essa discussão, investe em autores que colocam em questão
o binarismo, acompanhando a primeira parte do livro, o que subverte ainda mais este
campo, o da violência, tão marcado por vítimas e algozes. A falta de dados sobre diversos
aspectos das políticas públicas e as dificuldades de articulação de uma rede de proteção
efetiva para crianças e adolescentes, presentes neste texto, são outros pontos que se somam
às preocupações da autora cujo foco também aborda o trabalho psi.
Márcio Alessandro Neman do Nascimento, em Corporalidades fora dos eixos: a insurgên-
cia dos prazeres e modificações corporais na transcontemporaneidade, fazendo uso do método

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

cartográfico, estuda corporalidades modificadas e visibilizadas para conhecer estilos de vida


e práticas de cuidado de si e de prazer. O autor percebe, entrevistando pessoas e indo a
locais de feitura de tatuagem e colocação de piercing, além de outras intervenções no corpo,
que essas marcações corporais possuem um forte componente de gênero. Pontos como a
possibilidade de a arte escapar do mercado e o controle social exercido ou não sobre esse
desenho alternativo do corpo instigam os leitores. É desse corpo como caminho ético e
político que o texto trata.
Gloria Careaga Pérez, autora de Estudios de Género y LGBTI na Psicología Latinoa-
mericana, nos presenteia com pistas sobre os estudos de gênero e sexualidade na América
Latina - que vêm de longa data – até abordar a formação em psicologia cuja incorporação
dessa temática é mais rara e incipiente. Assim, é possível ter contato com as origens,
filiações teóricas e os cruzamentos do campo de estudos de gênero e sexualidade com
outras temáticas. As latino-americanas reivindicam um sincretismo transformador e
sua proposta está assentada em um projeto centrado em um “devir incessante, em um
sujeito sem identidade, transgressor e emancipador”.
Dentre o anômalo e o mais-do-mesmo, para onde caminharia o Movimento LGBT?, de
Tânia Pinafi, trata da complexidade do campo que reunimos sob a sigla LGBT, a partir
de uma coletânea de eventos sociais que cruzam de maneira muito singular academia,
governo e movimentos sociais. Estão em cena as tensões de um país que desenvolve
políticas de governo direcionadas à população LGBT que convivem com estatísticas
altas de violação de direitos básicos.
Os três textos que se seguem colocam em análise o lugar daquele que conta sua
experiência, seja ele psicólogo, seja pesquisador.
A partir do termo aquendar, de origem identificada como provocativa, Fernan-
do Pocahy quer fazer ranger a Psicologia em “Pesquisa-aquendação”. Derivas de uma
epistemologia libertina, fazendo-a debater pelo avesso do que ele chama de hetero ou
homonormas. As preocupações epistemológica e metodológica fazem transbordar o
texto que se inspira em Foucault e autores da teoria Queer que nos acompanham pelos
fragmentos instigantes das pistas de campo que o autor vai nos revelando.
Em Educação sexual nas escolas: um desafio ao educador e à educação brasileira, Carina
Alexandra Rondini, Fernando Silva Teixeira Filho e Lívia Gonsalves Toledo afirmam a
importância de trabalhos sobre sexualidade nas escolas, em especial aqueles que priorizem
uma participação-reflexiva de forma interdisciplinar e transversal. Embora tenha se tor-
nado uma diretriz política há alguns anos no Brasil, através dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, o envolvimento escolar cotidiano com o tema não é imediato, tampouco sem
entraves. Foi desenvolvido um estudo transversal com adolescentes em escolas do Oeste
Paulista abordando temas como violência, práticas sexuais, informação sobre sexo, entre
outros que traz interessantes contribuições sobre vulnerabilidade e estigma o que, até o
momento, apesar de todos os avanços, são recorrentes quando o assunto é sexualidade.
Estudos Queer e práticas singularizadoras: potencialidades da Psicologia em execução
penal, de Cíntia Helena dos Santos, desafia o encontro da Psicologia com a teoria Queer
para pensar a prisão. Baseada em Foucault e Deleuze, toma a prisão como meio de con-
finamento por excelência e põe em análise o binarismo que se expressa, por exemplo,
entre presos e os que por eles são responsáveis.

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Elcio Nogueira dos Santos, em Vapores etnografados. Dos desejos de clientes, michês e
pesquisador, se propõe a discutir a “subjetividade do pesquisador e as relações de poder
que se estabelecem entre este e seus pesquisados”. Imerso em uma pesquisa etnográfica,
nos convida a conhecer saunas gays de São Paulo fazendo uso da teoria Queer para brincar
com suas experimentações de antropólogo que transitavam entre o uso ou não de roupas
adequadas ao local que frequentava.
Provocada pela compreensão de monstro da psicanálise, Paola Zordan, em Matéria
monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura, convoca Deleuze e Guattari, entre outros,
para uma digressão sobre o monstro, aquele que carrega em seu corpo o “pânico da
indistinção e da perda de referência, as incertezas do verdadeiro, que, por natureza, é
sempre diferente”.
Trabalhando com histórias de vida de mulheres que não vivem em acordo com
a sexualidade heterossexual, Lívia Gonsalves Toledo, em Quando a violência se torna
vergonha: a expressão da homofobia interiorizada em narrativas sobre o homoerotismo entre
mulheres, se debruça sobre uma homofobia “interiorizada”, conceito que ela problema-
tiza, para tratar da construção política e existencial de seres sexuados e generificados.
Swain (2002, p. 341) diz que “mudar um regime de verdade significa mudar de
lugar, inverter os paradigmas para melhor dissolvê-los”.
O tempo do nômade, diz Braidotti (2000), é o imperfeito. Sejamos nômades nas
leituras desta obra. E aproveitem as piruetas1 que este livro certamente propiciará.

Referências bibliográficas
BRAIDOTTI, Rosi. Sujetos nómades. Buenos Aires, Paidós, 2000.
COLOBROOK, Claire. On the Very Possibility of Queer Theory, in: NIGIANNI, Chrysanthi e
STORR, Merl. Deleuze and Queer Theory. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2009.
DELEUZE, Gilles. Espinosa. Filosofia prática. São Paulo, Escuta, 2002.
PELBART, Peter Pal. Biopolítica, Revista Sala Preta, v 7, n 7, 2007, p 57-66, disponível em http://
www.eca.usp.br/salapreta/PDF07/SP07_08.pdf, acesso em 28 de outubro de 2012.
SWAIN, Tania Navarro. Identidade nômade: heterotopias de mim, in: RAGO, Margareth;
ORLANDI. Luiz B. L. e VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.) Imagens de Foucault e Deleuze. Res-
sonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002, pp.325-341.

1 A ideia de pirueta é inspirada em uma entrevista concedida por Félix Guattari à revista Teoria e Debate nº 12, em 2006,
em que ele afirma ser sempre possível dar uma pirueta com a esperança.

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SEÇÃO I

(Des)Continuidades e Rupturas
com e na Psicologia Contemporânea

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Diálogos sobre la adopción en España
por parejas del mismo sexo: el problema de
las prácticas psicológicas discriminatorias

Rosa Borge Bravo, 1


Raquel (Lucas) Platero2

Abstract: Nuestra propuesta para el área “Queering  y las prácticas psicológicas” se trata de un diálogo
entre Rosa Borge Bravo, politóloga y profesora de la Universidad Oberta de Cataluña y Raquel
(Lucas) Platero Méndez, psicólogo e investigador en la Universidad Complutense de Madrid, en el
que discutimos el ámbito de la adopción por parte de las parejas lesbianas y gays en el contexto de
Cataluña. Hacemos énfasis no sólo en el marco legal y de derechos del estado español, sino en las
prácticas profesionales de la psicología a la hora de delimitar el tránsito entre la política pública y
la implementación de la misma. La ley que permite el matrimonio entre personas del mismo sexo
aprobada en 2005 establece las mismas condiciones para todo tipo de uniones, incluyendo entre
otros derechos la adopción. Sin embargo la adopción sucede en el ámbito de las Comunidades
Autónomas, donde las realidades son tremendamente heterogéneas. En el contexto de Cataluña, como
ocurre en otras Comunidades Autónomas, estas adopciones públicas están mediadas por entidades
privadas, en las que los profesionales de la intervención social son psicólogos y trabajadores sociales.
Discutiremos algunos casos e informes de peritaje, así como las preguntas al Parlamento Catalán y los
informes de la Fiscalía Antidiscriminación en los que se plantea las dificultades que surgen cuando las
prácticas profesionales, en concreto desde la psicología, contiene valores heterosexistas, machistas y
homófobos. Y cerraremos haciendo propuestas para una psicología crítica con una mirada Queer.
Palabras clave: adopción por parejas del mismo sexo, Cataluña, lesbianas, gays, España, psico-
logía crítica, Queer

Introducción
Cuando recibí (Lucas) la propuesta de Dr. WiliamSiqueiraPeres del Departamento
de Psicología Clínica de la UNESP/Assis desde el mismo Brasil, en la que me proponía
escribir en su libro “Psicologia y Estudios Queer”, me entusiasmé sin remedio. En seguida
me vino a la cabeza mi formación, en la carrera de Psicología que hice en la Universidad
Complutense de Madrid y cuánto eché de menos una mirada crítica y Queer sobre lo
que estábamos aprendiendo. Pensaba en todas las personas que queriendo trabajar desde
las diferentes disciplinas de la intervención social y las ciencias del cuidado aportar una
mirada que supere los marcos patologizantes sobre la sexualidad, las diferentes familias,
deseos e identidades. No pude sino reflexionar sobre cuán necesarias son estas iniciativas,
no sólo para quienes nos hemos formado en cualquiera de las especialidades de la Psi-
cología, sino también aquellas personas que están y estarán comenzando sus estudios. Y
ahí es cuando imaginé que este artículo debía tener no sólo una propuesta queer sino un

1 Socióloga y politóloga, profesora de la Universitat Oberta de Catalunya.


2 Activista LGTBQ* , investigador en la Universidad Complutense de Madrid y docente en educación secundaria.
* NOTA: Se trata de una conversación que tiene lugar el verano de 2011, en una serie de correos electrónicos que nos cruza-
mos entre julio y agosto, en el que sucede un intenso debate que aquí recogemos de forma resumida.

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

formato también un tanto queer. Una entrevista, un formato dialógico, podría mostrar
de una forma dinámica los debates actuales y desafíos presentes sobre el papel de la Psi-
cología y otras ciencias de la salud sobre una cuestión concreta y polémica, como es la
adopción en el marco del derecho del Estado español. Y así comenzamos este proyecto
que tiene dos interlocuciones: Rosa Borge Bravo, (socióloga y politóloga, profesora de la
UniversitatOberta de Catalunya) y con Raquel (Lucas) Platero, activista LGTBQ3, inves-
tigador en la Universidad Complutense de Madrid y docente en educación secundaria.
NOTA: Se trata de una conversación que tiene lugar el verano de 2011, en una
serie de correos electrónicos que nos cruzamos entre julio y agosto, en el que sucede un
intenso debate que aquí recogemos de forma resumida.

Diálogo
Platero: En el Estado español se han aprobado toda una serie de leyes que conce-
den nuevos derechos a personas que anteriormente eran tratadas como delincuentes y
peligrosos sociales, entre ellas las lesbianas, gays y transexuales. Es especialmente cono-
cida la ley que permite el matrimonio entre personas del mismo sexo, ley aprobado en
junio de 2005; sin embargo se conocen menos los detalles de esta ley, por ejemplo, con
respecto a la adopción. Para explicarlo a un público que puede no estar familiarizado,
te preguntaré, ¿las lesbianas y gays tienen derecho a adoptar y acoger a menores, tal y
como tienen las personas heterosexuales, o las personas solas?
Borge: Sí, tanto gracias a la Ley 13/2005 que modificaba el Código Civil español
en materia de derecho a contraer matrimonio4, como gracias a otras leyes de las Comu-
nidades Autónomas que permiten la adopción y acogida de menores a las parejas del
mismo sexo, y que incluyen también a las parejas de hecho, del mismo y diferente sexo.
Platero: Uno de los términos novedosos de la ley es que no se trata de una “ley
especial”, sino que establece los mismos derechos para todos los ciudadanos, de una
orientación sexual u otra. No se trata de “una ley de matrimonio gay”, sino de un
cambio del Código Civil, que se aplica a todos los ciudadanos y ciudadanas. Así, si la
ley trata de incluir la igualdad entre personas heterosexuales y homosexuales, ¿en qué
términos lo hace?
Borge: Resulta ser un añadido muy breve en Código Civil, en artículo 44, en el que
a continuación de la afirmación de que: “El hombre y la mujer tienen derecho a contraer
matrimonio conforme a las disposiciones de este Código”, se añade que: “El matrimonio
tendrá los mismos requisitos y efectos cuando ambos contrayentes sean del mismo o
de diferente sexo”.De esta manera, los derechos matrimoniales, que son muy diversos y
numerosos (derechos sucesorios y de filiación, tributación fiscal, multitud de derechos
económicos, derechos judiciales, etc..) se aplican también a las parejas del mismo sexo
unidas en matrimonio.
Platero: Uno de los derechos que regula esta ley es la adopción. Éste es un tema
bastante controvertido, que ha generado bastante reacciones de los sectores más conser-

3 Acrónimo para designar a personas lesbianas, gays, transexuales, bisexuales y Queer.


4 Ley 13/2005, de 1 de Julio, por la que se modifica el Código Civil en materia de derecho a contraer matrimonio, BOE
de 2 de Julio de 2005, no. 157.

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el problema de las prácticas psicológicas discriminatorias

vadores de nuestra sociedad, tanto en pasado como el presente. La adopción, además en


diferentes países se ha regulado de una forma distinta. Por ejemplo, en el Reino Unido,
la adopción está separada del matrimonio, era posible adoptar siendo una pareja del
mismo sexo antes de que estuviera regulado el derecho de las parejas a formar una unión.
Sin embargo, en el Estado español, el matrimonio incluye la adopción, pero cada Co-
munidad Autónoma regula cómo se produce el proceso de la adopción, siguiendo, eso
sí, las leyes generales estatales. También nos preguntamos, siendo el nuestro un estado
autonómico, cuando llega el momento de aplicar las leyes en el ámbito de la comunidades
autonómicas, ¿cuál es el peso de los gobiernos autonómicos? ¿y de los gobiernos locales?
Borge: En España son los gobiernos autonómicos los que tienen las competencias en
materia de adopción, acogida y tutela de menores, pero todos los gobiernos autonómicos
deben cumplir lo establecido en las leyes generales estatales, como el Código Civil o
la Constitución. Por tanto, deben reconocer que las personas del mismo sexo pueden
adoptar. Por su parte, las Comunidades Autónomas determinan las leyes que regulan
estos procesos y son los que realizan y supervisan todo el proceso de adopción. Las leyes
autonómicas no son discriminatorias, no pueden serlo porque estarían en contra de la
Constitución y de los Estatutos de Autonomía, pero el problema está en la aplicación
de los procedimientos y las normativas de funcionamiento, que en muchos casos fueron
diseñados en décadas anteriores en las que no se aceptaba la adopción por parte de las
personas homosexuales y se prestan a arbitrariedades y decisiones de los técnicos que
no son evaluadas por ningún otro órgano técnico independiente.
Platero: Vamos a ponernos en la situación de pensar en un caso en concreto, don-
de se pueda ver de qué estamos hablando. En el caso de Cataluña, hay instituciones
responsables de estudiar si una persona o una pareja es apta para adoptar, ¿quiénes
son? ¿porqué son instituciones privadas en lugar de publicas quienes se encargan de
esta labor? ¿son instituciones religiosas católicas? ¿qué consecuencias tiene que sean
asociaciones confesionales?
Borge: En Cataluña, el InstitutCatalàd’Adopció i Acolliment (ICAA)5 se encarga
del proceso de adopción y tutela de menores, pero delega en fundaciones y organismos
privados la evaluación de las parejas para adoptar y la asignación de los menores a las
familias. Esta delegación del proceso en fundaciones y organismos privados se da en
Cataluña, por ejemplo, pero no en otras Comunidades Autónomas, como el País Vasco
en el que la evaluación y asignación la realiza el gobierno de cada provincia vasca.
Platero: Pensemos ahora en el ciclo de las políticas públicas, es decir, la distancia
entre el diseño de una ley y su aplicación. ¿Existe una distancia entre el derecho y la
implementación del derecho adoptar?
Borge: Creo que sí que existe esta distancia, porque aunque las leyes no discriminan,
las normativas y reglamentos que rigen el procedimiento son de la década de los 80 y,
en muchos casos, y los funcionarios y funcionarias o el personal técnico que actúan en
los procesos cuentan con un margen de discrecionalidad muy considerables. El control
de estos procesos por parte de la propia administración pública (cumplimiento del
proceso administrativo) y el respeto a la dignidad de las parejas solicitantes no está en

5 Ver: http://www.gencat.cat/benestar/icaa/

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absoluto garantizados. No se aceptan los informes técnicos (por ejemplo, psicológicos)


alternativos, se rechazan automáticamente todo tipo de alegaciones o quejas formales y
no se permite el trámite de audiencia ni de réplica que está regulado por la ley de pro-
cedimiento administrativo español. Tampoco se ofrecen cifras comparadas y desglosadas
por categorías de sexo ni informes sobre los procesos, que no se auditan ni supervisan
de manera sistemática.
Platero: Lo que estas diciendo es grave, porque supone que existen sesgos en la
aplicación de la ley. Así me gustaría saber si conoces casos en los que se pongan trabas
concretas a las lesbianas o gays a adoptar. ¿Qué tipo de trabas son? ¿Hasta que punto
hay trabas “interseccionales” a la adopción (influye tener cierta edad, apariencia, clase
social, etc. que no están reflejados formalmente en el proceso)?
Borge: Por ejemplo, en Cataluña no ha habido voluntad política para establecer
convenios con otros países para que las parejas del mismo sexo puedan adoptar en el
extranjero. En consecuencia, sólo queda la posibilidad de la adopción nacional cuyo
proceso está controlado por una sola fundación privada, cuya costumbre es situar en la
lista de asignaciones en primer lugar a las parejas de distinto sexo y, en segundo lugar, a
las madres solas y a las parejas del mismo sexo. Por otra parte, las técnicas y los técnicos
encargados del proceso son personas poco preparadas para entender la realidad de las
parejas homosexuales y no comprenden la complejidad de los procesos de “salir del ar-
mario”, la importancia del asociacionismo LGTBQ para las familias homoparentales o
el cuestionamiento de la dicotomía masculino-femenino. A todo ello, se une un mayor
rechazo de la idoneidad en las parejas de lesbianas o gays si es que supera cierta edad.
En el caso de las parejas homosexuales, la edad es un hándicap mayor que en el caso de
las parejas heterosexuales. Las técnicas y los técnicos se fijan principalmente en la edad
de la persona mayor de la pareja en el caso de la pareja homosexual y, en cambio, en las
heterosexuales tienen en cuenta también la edad de la persona más joven. Todo ello, a
pesar de que en España lesbianas y gays sólo pueden adoptar desde el año 2005 y, por
tanto, es lógico que su media de edad sea mayor.
Platero: Las afirmaciones que haces son serias, porque están denunciando algo
ilegal, que no se debe permitir dentro del marco legal establecido. Sé que esta informa-
ción es pública y que se ha hecho una protesta formal que se ha traducido en una serie
de preguntas, tantoen el Parlamento Catalán como a la Fiscalía Antidiscriminación,
alegando que se estaba produciendo tanto homofobia y sexismo en la aplicación de la
ley. ¿Nos podrías hablar de estas preguntas?
Borge: Sí, en alguna ocasión algún partido político como Iniciativa per Catalunya
ha interpelado en el Parlamento Catalán a la anterior Consellera de Bienestar Social i
Ciutadania sobre posibles casos de discriminación, en cuanto a la denegación de ido-
neidades a varias parejas homosexuales en Cataluña. La respuesta ha sido que las cifras
de denegación son muy similares a las parejas heterosexuales y siempre por debajo del
8%. La Fiscalía Antidiscriminación y el Defensor del Pueblo en Cataluña (Síndic de
Greuges) también han recibido quejas y denuncias a este respecto, pero les resulta muy
difícil demostrar la existencia de discriminación, porque el proceso de valoración de las
idoneidades no es transparente. No está supervisado por ningún ente o persona ajena
a la única fundación que hace la valoración. Las entrevistas con los solicitantes no se

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graban y se realizan a puerta cerrada de forma que si hay denuncias o reclamaciones


debido a preguntas o comentarios discriminatorios e irrespetuosos, las técnicas y técnicos
simplemente niegan haberlas realizado. Además en el caso de denegaciones es común
redactar en los informes que los solicitantes tienen problemas mentales y desequilibrios
emocionales. Por tanto, todo queda reducido a una valoración técnica aparentemente
neutra que concluye que los solicitantes tienen problemas psicológicos.
Platero: Llegamos a una cuestión importante para el ámbito profesional, que con-
tiene implicaciones legales, pero también morales. ¿Qué papel juegan los profesionales en
el derecho de adoptar? Me refiero a psicólogos y psicólogas que trabajan en el ámbito de
la aplicación de la ley y el derecho a adopción. Y en este proceso, el informe psicológico
tiene un peso muy importante, decisivo, para poder acceder al derecho de adopción.
Pensemos que son muchos los procesos de derechos a las personas consideradas como
“minorías sexuales” que se articulan mediante un informe psicológico favorable, no
sólo la adopción, sino por ejemplo los derechos a personas transexuales a cambiarse de
nombre, tal y como articula la Ley 3/2007 de cambio registral de nombre6. En el caso
concreto de la adopción, ¿qué dificultades surgen cuando las prácticas profesionales, en
concreto desde la psicología contienen valores heterosexistas, machistas y homófobos?
Creo que con el ejemplo que nos ha dado queda claro que las prácticas, incluido el hecho
de escribir informes que tienen valor legal vinculante son herramientas que demuestran
que no existen intervenciones psicológicas “neutras”, sino como diría DonnaHaraway7,
somos sujetos situados y como tales, nos acompañan nuestras experiencias pasadas,
sentimientos e ideología. Y nuestro país tiene un pasado reciente con la dictadura, en el
que ser homosexual, lesbiana o transexual era un pecado, un delito y una enfermedad.
Borge: Sí, además el problema es que muchas veces estas técnicas y técnicos desco-
nocen la realidad y psicología de las personas con orientaciones sexuales alternativas, y
juzgan desde el estándar heterosexual a las parejas del mismo sexo, las cuales muchas veces
suelen construir su mundo familiar y social de forma diferente al modelo dominante. Las
parejas homosexuales pueden presentar problemáticas diferentes, pero también ventajas
demostrables para la educación y cuidado de una criatura. Normalmente las técnicas
y técnicos no conocen los estudios sobre familias de madres y padres homosexuales
y sus hijos. Estudios que se vienen realizando desde hace décadas en muchos países.
Por el contrario, aplican teorías psicológicas trasnochadas para denegar la idoneidad
para adoptar. Por ejemplo, en el caso de las parejas de lesbianas, es común recurrir a su
pretendido odio/envidia del padre y su rechazo a los hombres.
Platero: Pensando en que hay muchas personas, cada vez más, que miran a las ciencias
de la salud y la intervención social con inquietud y ganas de ser verdaderamente multidis-
ciplinares y poder aplicar los avances de las ciencias sociales, me pregunto ¿qué propuestas
se pueden hacer para una psicología crítica y del propio activismo con una mirada queer?
Borge: Creo que aquí las organizaciones LGTB tiene que organizarse y buscar el
apoyo de los profesionalesmejorpreparados. Una opciónsería que las famíliashomo-

6 Ley 3/2007, de 15 de marzo, reguladora de la rectificación registral de la mención relativa al sexo de las personas. BOE
65, 16 de Marzo de 2007 p. 11251.
7 Haraway, Donna (1995). Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra.

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marentales y homoparentales, las asociaciones LGTBQ o los profesionales con una


mentalidadmásigualitaria, organizarannuevas ECAI (Entidades de Colaboradores
de Adopción Internacional) y lucharan para que fueranapobadas por parte de los
gobiernos. Sería difícil, peropodríanconseguirlo si se aliaran con otrosgrupossociales
que tambiénestánteniendo dificultades para adoptar (padres solos, madressolas) o que
inclusotienen vetada la posibilidad de adoptar (personas con el VIH, personas que han
sidoadoptadasellasmismas).
Platero: Respecto a esto estoy pensando en la controversia en el Reino Unido de
las agencias de adopción cristianas que se negaban a que lesbianas y gays ejercieran sus
derechos a adoptar, y cómo el gobierno británico no lo estaba permitiendo porque iba
en contra de la ley. Si bien, los sesgos en la aplicación son más difíciles de demostrar
como tu bien señalabas antes.
También me parece que podríamos apuntar hacia la necesidad de transformar la
práctica psicológica para entender que los procesos que afectan a las personas de forma
individual tienen dimensiones estructurales. Es decir que la homofobia y transfobia tie-
nen un impacto sobre las personas, haciéndoles sufrir y haciendo que tengan necesidades
de apoyo específico. Por otra parte, la homo y transfobia están legitimadas socialmente
y de hecho estamos viendo como la aplicación de la ley y de la psicología pueden estar
siendo discriminatorias, y eso ha de cambiarse de forma colectiva. Con una presencia
activa de profesionales que luchen específicamente por una transparencia en la práctica
profesional y legal específicamente para las personas LGTBQ.
Por otra parte, la idea de que las practicas sexuales e identitarias generan diferentes
expresiones del deseo y de género ha de ser percibida como es la realidad, de una forma
más fluida y con influencias culturalmente específicas. Creo que las maneras de hacer
psicología están fuertemente influenciadas por los problemas y realidades anglosajonas,
que no son necesariamente las realidades que vivimos aquí.
Creo que se necesita transparencia en los procesos de adopción, con supervisión
de diferentes profesionales y derecho a réplica durante el proceso. Esta idea del “peer
review” podría ser interesante, en la medida que hubiera controles éticos y profesionales
que aseguraran que la práctica no es discriminatoria.
Y finalmente para cerrar querría pensar en retos pendientes para el futuro, como
es la falta de amparo legal para aquellas personas que están acudiendo a los “vientres
de alquiler” o maternidad subrogada en otros países donde está permitido hacerlo y
al tratar de inscribir a sus hijos e hijas en el Registro Civil español se encuentran con
barreras. Diferentes disciplinas, como es la Psicología, pero también el Derecho o la
Ciencia Política, tienen un papel clave a la hora de determinar qué personas tienen
derechos como ciudadanos y ciudadanas, y nos tenemos que tomar muy en serio la
interlocución con la ciudadanía.

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La dignidad gay

Marina Castañeda1

He intentado presentar en este libro un panorama muy general de la evolución


reciente de la homosexualidad en Occidente, en dos vertientes principales: su creciente
aceptación por parte de la sociedad, el sector privado y el Estado, así como su rechazo
por parte de una derecha religiosa militante, que ha montado una campaña permanente
en su contra. He planteado como razón principal de esta homofobia reactiva el que los
homosexuales se hayan vuelto en los últimos años el chivo expiatorio, el blanco preferido,
de una reacción conservadora que se opone no sólo a la libertad sexual, sino también al
aborto, la anticoncepción, el divorcio, la igualdad de género, los derechos de las mujeres
y de las minorías: en una palabra, a todos los avances sociales de los últimos 50 años.
Esto ha colocado a los homosexuales en una posición no sólo vulnerable, sino
contradictoria. Por una parte, pueden vivir abiertamente, casarse y hasta adoptar hijos
en algunos países; por la otra, siguen siendo objeto de una homofobia a veces violenta.
Por un lado, la “normalización”; por el otro el riesgo, sobre todo cuando no están en
aquellos (pocos) lugares en los cuales ya no importa la orientación sexual de las personas.
Sin embargo, el que existan dichos espacios de libertad es en sí revolucionario,
porque nunca antes se había visto tal aceptación, y por la rapidez con la que ha desapa-
recido, en buena medida, la homofobia milenaria. Esta “normalización” de la homose-
xualidad, aunque sea en pocos lugares, nos demuestra muchas cosas: que sí es posible
ser gay sin culpa ni vergüenza, que la sociedad sí es capaz de asimilar la diversidad y que
ésta no representa peligro alguno para las instituciones tradicionales como la familia
y el matrimonio; y finalmente que, cuando conquistan los derechos civiles plenos, los
homosexuales suelen llevar vidas muy parecidas a las de la demás gente. Cuarenta años
después, la liberación gay no llevó a un colapso de los valores, ni a la androginia, ni a
la creación de ghettos marginados, como tanto se temió, sino a una integración social
marcadamente conformista.
Por ello, y por el círculo virtuoso del que hablamos en el Capítulo 1, los espacios
de libertad se están ampliando, y no sólo en los países industrializados. Al igual que
para las demás minorías, se trata de un cambio social y cultural de vastos alcances; la
legalización del matrimonio gay o sus variantes no es meramente un asunto de leyes.
Se respira un aire de tolerancia generalizado, cada vez mayor. Pero éste todavía no es
el final. Los homosexuales han ganado algunas batallas, y perdido otras: todavía hay
mucho trabajo por delante.
La “normalización” de la homosexualidad ha tenido un costo, y lo seguirá teniendo:
la condición de la aceptación siempre ha sido precisamente el conformismo, como si la
sociedad les dijera a los homosexuales, “Los aceptaremos como seres normales si ustedes
se portan como tales, es decir, como nosotros.” Y esto es, en términos generales, lo que

1 Este ensaio é o capítulo final do livro da mesma autora chamado La Nueva Homosexualidad (Mexico, D.F.: Editorial
Paidós, 2006).

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ha sucedido. Contribuyó a ello el peso político y económico de los homosexuales, así


como su cooptación por el consumismo y la publicidad. Por otra parte, desempeñaron
un papel importante los avances logrados en paralelo por otros grupos minoritarios bajo
el auge de la legislación antidiscriminatoria, y la aceptación paulatina de la diversidad
(étnica, religiosa, sexual) en las democracias occidentales. La “normalización” de la ho-
mosexualidad no sucedió por sí sola: dependió, y seguirá dependiendo, de las conquistas
sociales y legislativas de las demás minorías.
También ha jugado un papel central la construcción de una comunidad gay. Y no
estoy hablando sólo del distrito Castro en San Francisco, o de los demás barrios gay en
Estados Unidos y Europa, sino de una comunidad gay globalizada que se ha consolidado
en el ciberespacio. Es en buena medida gracias al internet que los homosexuales ya no
están solos, vivan dónde vivan: ahí han encontrado un sentimiento de pertenencia y una
identidad colectiva que van mucho más allá de cualquier espacio geográfico. Es a través
del internet que han compartido experiencias e información, y que han forjado redes
de apoyo tanto locales como nacionales, e incluso transnacionales. Cuando el gobierno
iraní ejecuta a dos jóvenes homosexuales, grupos gay salen a la calle en Irlanda, Francia,
el Reino Unido, Austria, los Países Bajos y Suecia. Las asociaciones gay del mundo
entero estudian lo que sucede en España, en Massachusetts, en Sudáfrica, y repiensan
sus estrategias en función de las lecciones aprendidas. Todo ello ha sido posible, en gran
parte, gracias al internet.
La “normalización” de la homosexualidad ha dependido de todos estos elementos,
que convergieron en los años noventa del siglo pasado. El impacto ha sido importante,
tanto para los hetero como para los homosexuales. En el caso de los primeros, la presencia
gay en la cultura y en los medios masivos ha contribuido, por ejemplo, a una mayor
flexibilidad en los roles de género, cuya prueba más visible es el surgimiento del hombre
metrosexual. Ha llevado a una mayor aceptación no sólo de la homosexualidad, sino
de la bisexualidad: un número creciente de hombres y mujeres reconoce haber sentido
atracción por personas de ambos sexos, en todas los países donde existan encuestas al
respecto. Esto no significa necesariamente que actúen en función de ello, pero sí que
puedan ya permitirse una sexualidad más libre y auténtica, sea cual sea su orientación.
La “normalización” de la homosexualidad ha llevado asimismo a un amplio proceso de
reflexión sobre la familia, la pareja, la relación entre hombres y mujeres, y a una mayor
tolerancia en todos los ámbitos.

Los obstáculos a vencer


Creo que la aceptación social que se está dando en tantos países es real, pero no
debemos cometer el error de considerarla como una conquista definitiva. Es precaria
aún. Hay demasiados ejemplos históricos de minorías que llegaron a sentirse seguras,
por estar ya plenamente integradas y que sin embargo se volvieron de nuevo objeto de
persecución e incluso exterminio. El ejemplo histórico más notorio es por supuesto el
de los judíos; pero no olvidemos que los homosexuales también fueron enviados a los
campos de concentración, y esto tras un periodo de relativa aceptación en Europa y en
la misma Alemania.

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La dignidad gay

La opinión pública puede volcarse de nuevo contra las minorías: en tiempos de


incertidumbre, guerra, crisis económicas, epidemias, descomposición social y vastos
movimientos migratorios, tienden a resurgir el racismo, el fundamentalismo religioso,
la xenofobia, y por supuesto la homofobia. En tales épocas también suele observarse,
incluso en los países más liberales, un vuelco hacia la derecha, con sus concomitantes
campañas a favor de los valores tradicionales. Con la eventual llegada al poder de gobier-
nos de derecha, es perfectamente posible la derogación del matrimonio gay, por ejemplo.
Como lo dijimos en la Introducción, la aceptación social de la homosexualidad se ha
dado muy rápidamente. Esto ha sido positivo, pero también implica cierta precariedad:
se trata de un fenómeno aún muy reciente para ser completamente asimilado por la
sociedad en su conjunto.
Por otra parte, si bien es cierto que la generación joven, nacida después de 1980,
parece aceptar sin mayor problema la homosexualidad, me preocupa que esta tolerancia
pudiera resultar superficial. No se trata necesariamente de una aceptación real, sino a veces
de meros eslóganes demasiado fáciles, como “cada quién”, “cada cabeza es un mundo”,
es decir, una tolerancia de orden personal más que cívico. Bajo esta óptica relativista,
cada quien tiene el derecho de hacer lo que quiera, porque yo también quiero ejercer
ese derecho sin que nadie me estorbe. Esto no es respeto ni aceptación, sino una forma
de indiferencia hacia los demás, “mientras no se metan conmigo”. La larga lucha de los
negros en Estados Unidos, y el feminismo en todo el mundo, se han enfrentado a este
dilema: los negros y las mujeres tienen derechos sólo hasta cierto punto, y tanto el racismo
como el machismo siguen vigentes, aunque sea bajo formas más sutiles. Ya no se lincha a
los negros, en el mundo occidental ya no se encierra a las mujeres, pero sigue habiendo
barreras muy reales a su plena aceptación en el mundo laboral, económico y social. Sin
embargo, según las encuestas, tales barreras ya no son tema de preocupación para los
jóvenes, quienes dan por sentados los derechos de las minorías y de las mujeres. Así,
muchísimas jóvenes no se consideran feministas, porque ya no ven la necesidad de serlo.
Como si ya se hubiera ganado la guerra, cuando sólo se han ganado algunas escaramuzas.
Creo que los homosexuales deben congratularse por los logros obtenidos, pero
también mantener una buena dosis de desconfianza. No se trata sólo de seguir en la
lucha legislativa y consolidar una mayor visibilidad en la cultura y los medios, sino de
mantener una reflexión profunda y constante sobre las metas a largo plazo, y las mejo-
res estrategias para lograrlas. En este momento, cuarenta años después del inicio de la
liberación gay, habiendo logrado tantos avances ante la ley, la medicina, la psicología y
la sociedad en su conjunto, es hora de preguntarnos: ¿Cuáles son ahora los objetivos?
¿Basta con haber logrado leyes contra la discriminación? ¿Será suficiente el poder casarse?
¿Adoptar hijos? ¿Salir en la tele? ¿Abrir más antros? ¿Obtener campañas públicas a favor
de la diversidad? Y cuando hayamos vencido la homofobia, ¿qué sigue?

La dignidad gay
Estoy convencida de que el siguiente paso es que los mismos homosexuales asu-
man plenamente la “normalización” de la homosexualidad. Esto significa rebasar la
fase histórica de la lamentación, que consistió en provocar lástima para luego pedir

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comprensión y aceptación. En efecto, en los últimos treinta años y hasta la fecha en los
países homofóbicos, hemos visto a muchos homosexuales dedicarse a describir en los
foros públicos (sobre todo en los medios masivos) todo lo que han padecido a causa
de la discriminación. Este sufrimiento ha sido indudablemente real, y ha tenido con-
secuencias muy lastimosas y duraderas para incontables homosexuales. Pero creo que
el exponerlo públicamente ya no sirve a la causa. Al contrario, ratifica todos los estere-
otipos homofóbicos, sin hablar del morbo, que tan gustosamente cultivan los medios
masivos respecto de la homosexualidad. Confirman, una vez más, que los homosexuales
son personas “sensibles”, básicamente infelices, solitarias y fracasadas, que merecen la
compasión de la sociedad.
Habiendo asumido una identidad gay y logrado una comunidad gay, así como muchos
avances reales, el siguiente paso es lograr la dignidad gay. Esto significa presentarse ante la
sociedad, ya no como menores de edad que piden comprensión, sino como adultos que
exigen respeto. La verdadera igualdad no vendrá de la compasión. Tampoco es necesaria
la comprensión. Para tomar algunas analogías: no es necesario conocer a fondo la historia
de la esclavitud para saber que los negros merecen el mismo trato que los blancos. No
es necesario empaparse de la cultura judía para tomar una posición decidida contra el
antisemitismo. No es necesario ser mujer ni entender lo que han sufrido las mujeres en las
sociedades machistas para estar a favor de la equidad de género. Lo único que se requiere
es aceptar la igualdad de derechos para todos, sencillamente porque todos formamos
parte de la misma sociedad y estamos ligados por el mismo contrato social. Como tan
bien lo dijo Rodríguez Zapatero al legalizar el matrimonio gay en España: “Una sociedad
que ahorra sufrimiento inútil a sus miembros es una sociedad mejor.” La compasión no
tiene nada que ver en el asunto.
Por ello, para lograr la dignidad gay es urgente dejar atrás la victimización. La
realidad ha rebasado esa fase histórica, que quizá fue necesaria en un principio para
despertar en los heterosexuales cierta conciencia de la homofobia. Pero hoy día, y aun
en un país como México, los homosexuales ya no requieren ni merecen la lástima de
la sociedad, sino la plena aceptación. Existen ya demasiados homosexuales plenamente
integrados, aceptados e incluso admirados, para seguir tocando la misma nota, habiendo
tantas otras como el trabajo, el mérito y la integridad personales, y sencillamente vivir
una vida sana y plena.

Costos de la integración social


A propósito de este último tema, muchos heterosexuales ya no tienen problema
con la homosexualidad como tal, pero sí con cierto estilo de vida gay, sobre todo entre
los hombres. Me refiero al mundo de los antros, que suele incluir el consumo excesivo
de drogas y alcohol, y una sexualidad anónima, a menudo desprotegida, es decir, una
serie de conductas adolescentes, por no decir autodestructivas. Creo que este estilo de
vida, muy común sobre todo entre los jóvenes gay, es una barrera a la aceptación. Ésta
no es meramente una opinión personal: la he escuchado en boca de heterosexuales y
homosexuales por igual.
A este respecto me gustaría citar un artículo que apareció recientemente en el
Guardian, un periódico inglés de centroizquierda, escrito por un comentarista gay
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La dignidad gay

muy conocido que trabaja tanto en la radio y televisión como en la prensa. Su título en
español es, “La sociedad ya acepta a los hombres gay como iguales. Entonces, ¿por qué
demonios siguen tantos de ellos comportándose como adolescentes?”2 El autor, Simon
Fanshawe, acababa de realizar un documental transmitido en la BBC llamado “¿Qué
les pasa a los hombres gay?”, y reconoce en el artículo que al hacerlo probablemente ha
cortado amarras con “las facciones más radicales del mundo gay” y los “hedonistas” que
siguen buscando “el clímax de su vida en el alcohol, las drogas y la “putería”.”
Escribe: “Los dos grupos siguen creyendo que basta con ser gay para ser buenas
personas. Yo ya no lo creo. Y en este programa me di a la tarea de exponer el hecho de que
los hombres gay seguimos viviendo como adolescentes, obsesionados con la sexualidad,
el cuerpo, las drogas, la juventud, y el ser “gay”.” “Pasamos—insiste—demasiado tiempo
en el ligue, los saunas, el web gay.” Fanshawe confiesa que él ha hecho exactamente lo
mismo, y se describe como un hombre gay en sus cuarenta que se pregunta cuándo
“vamos a aprovechar la oportunidad de ser adultos en una sociedad que, al menos
legalmente, ya nos considera como iguales.”
Reconoce que durante mucho tiempo, en la primera época de la liberación gay, fue
importante vivir la libertad sexual y exigir el derecho a hacerlo. Pero ahora, dice, ciertas
cosas ya no promueven la causa gay sino, al contrario, no hacen más que chocarle a la
gente. Por ejemplo, el pasearse por las calles en tanga simplemente porque es la marcha
del orgullo gay ya no transmite más que inmadurez; lo mismo sucede con el hecho de
tener relaciones sexuales en lugares públicos, cosa que no hacen ni toleran los hetero-
sexuales. Fanshawe critica asimismo las publicaciones gay, con sus páginas y páginas de
anuncios sexuales: “Hemos normalizado la prostitución.”
Prosigue: cuando se trata de sexo, ya no hacemos distinciones, “ya no pensamos en
los efectos que [nuestra conducta] pudiera tener sobre nuestra salud emocional o mental,
ni sobre nuestra capacidad para hacer juicios morales en el mundo.” Claro, reconoce,
existen juicios en el mundo gay; pero están basados casi enteramente en las apariencias,
en el cuerpo. Y declara: “El mundo ha cambiado para los hombres gay. He de añadir la
objeción ritual de que sigue habiendo homofobia, por supuesto; pero el hecho es que,
según la ley, hemos logrado una igualdad casi total. Sin embargo, seguimos compor-
tándonos como si fuéramos todavía una minoría marginada, excluida del mundo de la
responsabilidad. Los hombres gay tenemos mucho trabajo por delante. Seguimos siendo
adictos a las drogas, la sexualidad y las apariencias, y a todo ello le damos el nombre de
cultura gay.” Menciona los costos: el uso alarmante de cristal meth, las tasas crecientes
de infecciones por VIH y sífilis, la cual se ha sextuplicado, en los últimos cinco años,
entre los hombres gay británicos.
Concluye con un llamado a la madurez, “porque los hombres gay hemos lucha-
do por la libertad y ahora tenemos a nuestro alcance un nuevo mundo. Algunos de
nosotros estamos listos para asumirlo: uniones civiles, la posibilidad de adoptar hijos,
nuestra visibilidad real en nuestras comunidades, a las cuales contribuimos de tantas
maneras, desde liderear la lucha contra el sida hasta promover campañas que mejoren

2 Simon Fanshawe, “Society Now Accepts Gay Men as Equals. So Why on Earth Do So Many Continue to Behave like
Teenagers?” The Guardian, 21 de abril, 2006.

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la salud pública para todos: eso es vivir como ciudadanos. Pero para asumirlo tenemos
que dejar atrás nuestros años adolescentes de sexo, de drogas y de burla hacia la gente
mayor, y comprometernos con un futuro de fidelidad y responsabilidad. Ya no se trata
de construir castillos en el aire. Hemos llegado, por fin, al mundo real.”
Palabras de una singular resonancia, viniendo de un hombre gay que se dedica a pen-
sar y a describir la vida gay, desde una óptica gay. Pero igualmente impactantes resultan
las reacciones de sus lectores, publicadas a continuación de la versión online del artículo.
Se pueden leer un centenar de comentarios3, que ilustran muy bien el debate acerca de
hacia dónde va la homosexualidad en un país en el que ha habido avances importantes
en los derechos gay, incluyendo la legalización de la unión civil, cuando la generación
que hizo y vivió plenamente la liberación gay se está acercando ya a los cincuenta años.
Veinte lectores felicitan a Fanshawe por su artículo y expresan su total acuerdo con él;
una mayoría comparte sus críticas al estilo de vida que describe, pero objeta que no
todos los gays participan en él. Finalmente, una minoría defiende el “hedonismo gay”:
algunos preguntan cuál es el problema, otros argumentan que los heterosexuales hacen
exactamente lo mismo, otros más sostienen que los homosexuales no tienen por qué
adoptar los valores heterosexuales como la fidelidad; y finalmente algunos se erigen
contra cualquier tipo de “moralismo”, equiparándolo con la homofobia.
He escogido presentar aquí la perspectiva de un grupo de hombres gay lo su-
ficientemente informados y politizados como para leer el Guardian y escribir sus
reflexiones, para que mi cuestionamiento no parezca meramente el de una dama bien
pensante y moralizadora. Creo que este debate es importante y urgente para todos los
homosexuales, porque plantea una pregunta esencial: ¿cuál debe ser el siguiente paso,
después de la liberación gay, después de la creación de comunidades gay, después de las
conquistas legislativas, después de cierta aceptación social? Estas interrogantes pueden
parecer prematuras en un país como México, donde todavía hay tanto por hacer; pero
yo he escuchado a muchos hombres gay mexicanos quejarse del “medio” y expresar su
repudio hacia una vida social centrada en los antros. Y si estas preguntas son en efecto
prematuras, ya no lo serán en unos cuantos años.
Porque, a fin de cuentas, la “normalización” de la homosexualidad tiene que ver no
sólo con su aceptación por parte de la sociedad, sino también con una integración social
por parte de los homosexuales, en términos de responsabilidad personal y cívica. Éstas
parecen ser, por ahora en todo caso, las condiciones para ganar no sólo la aceptación,
sino el respeto.

3 Véase http://www.guardian.co.uk/commentisfree/story/0,,1758083,00.html.

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Las diferencias desigualadas:
multiplicidades, invenciones
políticas y transdisciplina
Ana María Fernández1

La pregunta por “la diferencia” abre una serie de cuestiones conceptuales. Se distinguen tres
dimensiones problemáticas: una dimensión política en tanto hoy está puesto en crisis el modo
moderno de construcción de la igualdad. Una dimensión epistemológica, al ponerse en discusión
las formas unidisciplinarias de construcción de los conocimientos. Y por último, una dimensión
filosófica, en relación con el ser de la diferencia, que a su vez, interroga el desfondamiento de la
configuración de las identidades modernas. Se proponen abordajes desde multiplicidades filosó-
ficas, invenciones colectivas y epistemologías transdisciplinarias.
Palabras clave: identidad, diferencia, multiplicidad, invención política, estudios transdiscipli-
narios, subjetividad.
La vida se extingue allí donde existe el empeño de borrar las diferencias…
Vasili Grossman

Multiculturalismo y diferencia
¿Cómo podemos pensar hoy la cuestión del multiculturalismo? Hacia finales de los
años ochenta aparecen una serie de espacios políticoacadémicos que interesa poner aquí
en consideración. Si bien el artículo no se detendrá en cada uno de ellos, en diversas
manifestaciones abundan hoy términos que hacen referencia a lo “multi”, lo “post” que,
desde mi criterio, abren una serie de cuestiones conceptuales que, sin duda, es intere-
sante pensar. Sólo se los mencionará rápidamente para poder focalizarse en algunas de
las tensiones que despliegan.
Podría decirse que el propio concepto de multiculturalismo aparece a finales del
siglo XX. Pone el eje en la cuestión de la diversidad cultural. Se despliega en la tensión
entre la búsqueda de una sociedad pluralista y la necesidad de pertenencias identitarias,
en el mundo globalizado actual. Apunta a la necesidad de una nueva cultura cívica
mundial. Ha dado lugar, en el mundo académico anglosajón –más específicamente en
los EE.UU.– a los estudios multiculturales.
A su vez, estos se encuentran emparentados con los llamados estudios poscoloniales,
desarrollados en lo que fueron las colonias del Imperio Británico. Son estudios que analizan
las nuevas relaciones metrópolis-colonias, una vez obtenidas sus independencias políticas.
Aquí es importante diferenciar los estudios poscoloniales de los estudios decoloniales,
desarrollados en algunos centros académicos de América Latina y, fundamentalmente,
por profesores latinoamericanos establecidos en universidades de EE.UU. y Europa.
Trabajan básicamente sobre la colonialidad del poder. Desde allí, se propone la impor-
tancia de visibilizar los rasgos eurocéntricos de la producción de conocimientos y de
las categorías políticas que habitualmente usamos (Castro-Gómez y Grosfoguel, 2007).
También pueden incluirse en esta sucinta enumeración, los estudios Queer o teoría
Queer. Surgen a posteriori de los estudios de la mujer y los estudios de género, por lo

1 Doctora en Psicología. Profesora e investigadora de la Universidad de Buenos Aires (Argentina). E-mail: anafer@psi.uba.ar

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que suelen denominarse también estudios posfeministas, y han considerado que tanto
los unos como los otros se circunscribían a relaciones de género heterosexuales de
personas blancas de clase media “europea”. Intentan, en consecuencia, desnaturalizar
los posicionamientos de género, clase, etnia y opción sexual de las corrientes que los
antecedieron. Comprenden estudios y políticas de transexuales, transgeneristas, travestis,
etc., hoy también llamadas neo sexualidades. Uno de sus postulados más revulsivos es
que consideran que es necesario desnaturalizar la heterosexualidad. Esta sería una nor-
ma, la norma heterosexual, con lo cual intentan poner en cuestión la categoría misma
de diferencia sexual.

Max Ernst (Alemania 1891-1976), de la novela surrealista en collage.


Una semana de bondad o Los siete elementos capitales, de la edición de Dover, 1976.

Otros grupos que interesa mencionar, son los movimientos políticos llamados
post-socialistas. Rechazan las formas de construcción política –como también la idea de
vanguardia– que iluminaron los movimientos revolucionarios de los siglos XIX y XX.
Plantean construcciones políticas horizontales, anti jerárquicas y en redes mundiales. Ya
no se trataría de cambiar este mundo por otro más justo –esto implicaría instalar una
nueva hegemonía– sino un mundo donde quepan muchos mundos (Zuleta, Cubides
y Escobar, 2007). Desde ya, tienden a desdibujar los ejes clasistas y/o nacionales en la
composición de sus acciones y en sus modalidades de construcción política.
Si bien todos estos grupos parecerían una Babel, podemos preguntarnos qué pueden
presentar en común. No sólo comparten una época, ya que aparecen en los últimos
veinte o treinta años, sino que presentan otra característica que me interesa subrayar:
suelen ser movimientos políticos y académicos a la vez.
En lo político, intentan reformular los ejes clásicos de las ideas de democracia,
ciudadanía, nación, pueblo. En lo académico, desbordan la forma de construcción

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Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

de conocimientos centrada en los binarismos sujeto-objeto de las territorializaciones


unidisciplinarias; prefieren la idea de campo más que la de objeto de estudio. Han co-
menzado a trabajar desde abordajes multi e interdisciplinarios, y empieza a perfilarse en
ellos la necesidad de establecer criterios transdisciplinarios (Fernández, 2007b); desde
esta perspectiva, consideran que en la producción de conocimientos que emprenden
debe darse criterios epistemológicos propios.
Si bien pueden establecer linajes con los movimientos feministas, de derechos ci-
viles, el black power, el orgullo gay, etc. (políticas de la diferencia de los años setenta) o
con los movimientos revolucionarios de los siglos XIX y XX (políticas de la igualdad),
establecen fuertes discontinuidades tanto con unos como con otros. Así mismo, podría
agregarse que estos grupos mencionados muy rápidamente, si bien pueden elaborar
linajes con formas de construcción política previas, y aún cuando pueden nutrirse de
movimientos emancipatorios que los han antecedido, presentan importantes disconti-
nuidades y rupturas con los mismos.
Con independencia de las diferencias de capacidades o voluntades de pensamiento
crítico que pueden presentar en sus propuestas y/o producciones conceptuales, estrate-
gias políticas, etc., o las mayores o menores simpatías que despierten los movimientos
enunciados, nos confrontan con nuevas realidades por pensar. Podríamos decir que
estamos frente a un multiproblema.
Se distinguen aquí, en principio, tres dimensiones problemáticas que hoy es nece-
sario indagar. Por un lado, una dimensión política en tanto hoy está puesto en crisis el
modo moderno de construcción de la igualdad, base de las democracias representativas.
En segundo lugar, está presente una dimensión epistmológica, es decir, se ponen en
discusión las formas de construcción de los conocimientos interpelando las formas más
clásicas en la investigación académica, apuntando a la construcción de saberes más allá
de los dominios de objetos unidisciplinarios. Esta dimensión subtiende un problema
aun mayor, que es –nada menos que– cómo se construye la verdad. Por último, como
tercera dimensión de la cuestión, plantearía una dimensión filosófica, en relación con
el ser de la diferencia, que a su vez, pone en cuestión la configuración de las identidades
modernas.

La diferencia como problema


Una vez más, lo que está en discusión –aun hoy– es cómo pensar la diferencia. Qué
hacer con los diferentes, o qué hacer como diferentes, según estemos, en una situación
dada, del lado dominante o subalterno de la diferencia.
Con respecto a qué hacer con los diferentes, puede observarse cómo en los últimos
decenios las democracias occidentales se proponen las llamadas “políticas de la toleran-
cia”, el respeto a las diversidades culturales, lo políticamente correcto, etc. Con todos
los impasses y complejidades imaginables, ya que los estilos políticamente correctos más
de una vez no logran más que maquillar políticas y sentimientos racistas de todo tipo.
Al mismo tiempo, a medida que se instalan en el plano discursivo las virtudes de las
políticas de la tolerancia, se despliegan diversos dispositivos biopolíticos que sostienen
y acrecientan, una y otra vez, las ferocidades del hambre, las pandemias y exclusiones
de todo tipo en extensas regiones del planeta.
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En relación con qué hacer como diferentes, allí también pueden encontrarse una serie
de problemas por pensar. A partir del genocidio nazi se produce un punto de inflexión,
o más bien de agotamiento, de lo que habían sido las políticas de la asimilación. Que-
dan brutalmente manifiestas incompletudes, fracasos e inviabilidades de estas políticas
de la asimilación. A finales de los cincuenta, las luchas de otros grupos discriminados,
particularmente en EE.UU., mujeres y negros en un principio, evidencian nuevas posi-
ciones de estos grupos “minoritarios”1. Al mismo tiempo que comienzan a desplegarse
las políticas multiculturales, van poniendo de manifiesto un rasgo de antiasimilación
que abre nuevas dificultades. Ahora no serán encerrados en guetos, como los judíos
de la Segunda Guerra, sino que formarán autoguetos. Posiblemente, quien mejor ha
mostrado los impasses de estas políticas de la diferencia, es Spike Lee y su filmografía.
En esa línea es interesante el aporte del premio Nobel Amartya Sen, cuando ha-
bla de “las políticas del sapo de pozo” (Sen, 2004), es decir, cada sapo en su pozo. Es
muy interesante su planteamiento. Podemos observar que en el movimiento hacia la
metrópolis (la inmigración llamada ilegal siempre es unidireccional), los inmigrantes
encuentran barreras de todo tipo. Una vez instalados en ella, en el camino legítimo de
mantener sus culturas, las propias colectividades levantan, ellas mismas, los muros del
pozo. De su pozo, donde logran conservar sus hábitos culturales, pero generalmente
también sostienen sólo reivindicaciones de “su” diferencia sin articularlas con las de
otros diferentes.
El problema es que las políticas de la tolerancia con las que el liberalismo cultural
intenta resolver estos problemas, hasta ahora no resuelven la desigualdad de los dife-
rentes. Sin desmerecer la importancia de avanzar en los márgenes de tolerancia que
una sociedad puede construir, se abren dilemas éticos no sólo difíciles de resolver, sino
aun de pensar. Por ejemplo, la clitoridectomía de las niñas musulmanas que viven en
Francia o que ya son francesas, ¿es una costumbre cultural por respetar o un delito sobre
el que el Estado debe actuar?
En síntesis, pareciera ser que el nuevo orden mundial, eufemísticamente llamado
“globalizado”, pareciera desplegarse en este tema con una particular tensión entre un
multiculturalismo liberal y un fundamentalismo étnico -religioso. Creo, en realidad, que
no sería muy aventurado pensar que ambos se van constituyendo uno como síntoma
del otro. De ser así, habrá que pensar en estas posiciones extremas, qué impensados de
cada una de estas posiciones, qué impasses o encerronas de sus supuestos se “ resuelven”
como síntomas especulares, uno del otro.
Si estas son las sin salidas del mundo liberal, no menores son las dificultades de los
universos emancipatorios. La caída del muro de Berlín fue mucho más que la implosi-
ón de un régimen. Ha implicado en el mundo occidental el agotamiento de la utopía
socialista. El desfondamiento de este imaginario libertario ha dejado, por el momento,
sin fundamento anhelos y prácticas emancipatorios que en los dos últimos siglos ca-
racterizaron las resistencias a las implacables lógicas capitalistas. No sólo eso, también
se han deslegitimado sus modos de construcción política.
En un mundo donde el neoliberalismo ha sido triunfante, desde mediados de los
noventa, empiezan a registrarse movimientos contestatarios y/o insurgentes que pre-
sentan en muchos casos modalidades muy diferentes de pensar y accionar sus prácticas

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Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

sociopolíticas y sus modos de construcción política, donde comienza a perfilarse otro


universo de significaciones y prácticas en relación con la interrogación de qué hacer
como diferentes, que reformulan las complejidades por pensar dentro de esta temática.
Se trata entonces de avanzar una y otra vez en la elucidación de los a priori de la
diferencia moderna que han naturalizado e invisibilizado sus desigualdades concomi-
tantes. Para dicho efecto, en este escrito se trata de establecer la diferencia como proble-
ma. Esta categorización tiene varias consecuencias. En primer lugar, es necesario abrir
múltiples preguntas, no para ser respondidas una a una sino para permitir desplegar las
diversas dimensiones implicadas. En segundo lugar, es importante tratar de establecer
distinciones y relaciones entre esas dimensiones abiertas de modo que vayan cobrando
visibilidad los entramados de discursos y prácticas involucrados. En tercer lugar, dis-
tinguir las insistencias para que –en su despliegue recursivo– puedan implementarse los
conceptos como herramientas de desnaturalización de lo capturado, y así abrir a nuevas
modalidades de enunciación (Deleuze, 1990). Estos procedimientos de visibilización
permitirán, como decía Foucault, pensar de otro modo.
Ante la interrogación ¿cómo pensar la diferencia?, se distinguen en este escrito tres
dimensiones problemáticas: filosófica, política y epistemológica.

La dimensión filosófica: de la diferencia a la


multiplicidad
En la tradición platónico-aristotélica, la exclusión de lo divergente tiene un basa-
mento epistémico –y no ontológicoen el que las representaciones que el sujeto construye
para conocer los objetos tienen como referentes no el objeto, sino el modelo. Una vez
más, la caverna platónica de las esencias, punto de partida del pensamiento esencialista
donde el ser es determinado y sólo puede ser pensado en lógicas identitarias, constituye
el universo de significaciones al que se ha llamado pensamiento de lo Uno.
Se trata de abrir la interrogación, desnaturalizar –una vez más– el pensamiento de
lo Uno. Desde allí, podemos decir que el modo en el que se construye “la diferencia” es
inseparable de cómo se construye “la identidad”. Es necesario remarcar en este punto
tres cuestiones que se entrelazan en el modo moderno de sostener la tensión identidad-
-diferencia:
• La diferencia como lo no idéntico: así, B es no A. La diferencia sólo puede ser
pensada como negativo de lo idéntico. Opera aquí el basamento epistémico para
pensar y producir las diferencias desigualadas.
• La diferencia como el otro: la diferencia sólo puede ser pensada como alteridad,
el otro, lo otro, siempre extranjería; se construye así el diferente amenazante por
inferiorizar o por descalificar.
• La diferencia en el orden del ser: ser diferente. A partir del rasgo “diferente”,
se construye la identidad. La identidad con el rasgo, hace del rasgo totalidad.
Define el ser por el rasgo diferente. A partir de allí, soy anoréxica, soy judío, soy
negra, soy homosexual, indígena, sudaca, latino, etc. Se distingue un rasgo de
toda una multiplicidad de características o atributos y se totaliza desigualando.

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Ahora bien, la fusión histórica del subjectum –lo que permanece con el Hombre,
no sólo inauguró los humanismos y las ciencias humanas, sino que dio lugar, en la
construcción de la verdad moderna, a una idea de sujeto universal, idéntico a sí mismo,
desde donde se ha instituido todo lo que no es “yo”, como “otro”, es decir, alteridad,
extranjería, diferencia. En tanto el hombre se constituyó como sujeto y el mundo como
imagen, dirá Heidegger, en su producción representadora, él será medida de todo ente
y pondrá todas las normas (Heidegger, 2002).
La dimensión política de esta problemática filosófica es inmensa. El “otro”, siempre
extranjería, diferencia, complemento, suplemento, es decir, mujeres, homosexuales,
clases, etnias, religiones, culturas y países no hegemónicos han sido considerados, a lo
largo de los siglos, como anomalía.
Desde esta perspectiva, donde la diferencia es pensada como negativo de la identidad,
en el mismo movimiento en que se distingue la diferencia, se instituye la desigualdad.
No se trata de la mera diferencia, sino de diferencias desigualadas. Se sostienen así mu-
chos siglos de dispositivos de discriminación, exclusión, estigmatización o exterminio.
Hablar de diferencias desigualadas supone pensar que la construcción de una
diferencia se produce dentro de dispositivos de poder: de género, de clase, de etnia,
geopolíticos, etc. Esto implica dos cuestiones:
• No se constituye primero una diferencia y luego una sociedad injusta la desiguala.
• No se trata de describir diferencias o desigualdades, sino de realizar el trabajo de
elucidación; se trata de la construcción de categorías hermenéuticas que puedan
visibilizar y enunciar la producción-reproducción de los dispositivos biopolíticos
que configuran en un mismo movimiento esa diferencia y esa desigualdad.
Ya no es cuestión de contar a los pobres y hablar de la pobreza, describir las caracte-
rísticas culturales de una comunidad subalterna o relevar especificidades de las mujeres,
sino de elucidar los dispositivos biopolíticos (Foucault, 2007) que construyen esas
identidades de esa manera y no de otra. Hacer visibles las múltiples redes de dominios
y sujeciones, y de resistencias e invenciones de los subalternos y de los dominantes en
las construcciones de sus identidades como diferencias desigualadas.
¿Cómo pensar categorías conceptuales que no operen como fundamento de desi-
gualdades políticas? ¿Cómo operar con una lógica de la diferencia que no se sostenga
en el a priori epistémico de la diferencia como anomalía de la identidad? En síntesis,
¿cómo pensar lo que no es idéntico ni diferente? (Fernández, 2007a).
Una interesante herramienta para pensar alguna de estas cuestiones puede ser la idea
deleuziana de diferencia de diferencias (Deleuze, 1988). Se trata de diferencias que no
remiten a ningún idéntico, a ningún centro, y de repeticiones que no remiten a ningún
origen. Se trata de hacer diferencias, más que de ser diferente. Es un poder ser abierto.
Estas diferencias de diferencias, en su accionar, más que fijar alteridades, generan inten-
sidades diferenciales. Diferencias de intensidades. En este poder ser, activo, abierto, se
trata de pensar y actuar devenires más que reproducciones o copias imposibles, siempre
necesariamente faltantes, del modelo o esencia.
Desde esta noción de multiplicidad, en tanto don de lo diverso, no se trata de negar
identidades ni totalizaciones, sino de pensar totalizaciones que no subsuman las partes.
El todo al lado de partes (Deleuze y Guattari, 1994).
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Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

En realidad, se trata de dos operatorias en una. Cuando pueden ponerse en acción,


en el plano del pensamiento, categorías de multiplicidad y no de diferencia, simultánea-
mente se crean condiciones de posibilidad – se habilitan herramientas – para hacer visibles
infinidad de micropolíticas de resistencia de colectivos desigualados; y lo que es más im-
portante, pueden evidenciarse las lógicas de multiplicidad (Fernández, 2007a) desde don-
de se crean las intensidades necesarias que potencian la invención de nuevos existenciarios
de estos colectivos cuando entran en acción. En estos casos el accionar – generalmente
colectivo– puede establecer líneas de fuga (Deleuze y Guattari, 1994) de la captura de
la imaginación-acción que las lógicas de la representación delegación cercan o impiden 2.

La dimensión política: de la represenación a las


invenciones colectivas
¿A qué se refiere el prefijo multi de multiculturalismo? Si tomamos la metáfora de
los socialistas utópicos, ¿es la nueva utopía de la ciudad futura, ahora de la armonía de
la diversidad de culturas? ¿Desplaza en una nueva formulación de la ciudad feliz aquella
armonía de los ciudadanos en igualdad de derechos y oportunidades de los Estados-
-nación por la del respeto, el gusto por la diversidad cultural del mundo globalizado?

Max Ernst (Alemania 1891-1976), de la novela-collage.


Das Karmelienmädchen Ein Fraum, DuMont, edición de 1971.

¿Supone acaso que ya conquistada la igualdad de derechos y oportunidades para


todos, la multiculturalidad significaría la ampliación de la construcción democrática?
Aquí, multi implicaría el muchos de lo Uno, ¿en esta apertura radicaría la ampliación
democrática? Así pensado el multiculturalismo, ¿reemplazaría o intentaría completar
la incompletud de la eurocéntrica modernidad?

2 Fernández, A. M.: Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina.

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¿Es producto de la visibilidad que lograron las políticas de la diferencia de diferentes


movimientos sociales – black power, feminismos, orgullo gay, etc.– en virtud de los
cuales pareciera hoy ya no discutirse que la Declaración de los Derechos del Hombre,
base fundacional de las democracias occidentales, en rigor, sólo comprendía a varones
blancos europeos, heterosexuales, cristianos y propietarios-consumidores?
Tanto los imaginarios de “la ciudad de ciudadanos en igualdad”, como “la ciudad
de la armonía de las diferencias culturales”, parecieran no interrogarse por las razo-
nes de la inviabilidad de un espacio público-foro de los pares políticos, sea que estas
“paridades de derecho” se piensen en clave de ciudadanía clásica nacional o en claves
multiculturales mundiales.
Si volvemos al prefijo “multi”, pienso que mientras estemos en presencia de diferencias
desigualadas podríamos pensar la cuestión desde otro lugar. Se trata de pensar lo multi
como el análisis de la multiplicidad de relaciones jerárquicas de las diversas diferencias: de
clase, de etnia, de género, de opción sexual, etáreas, religiosas, geopolíticas, etc. Implica
entonces, pensar cómo se producen y reproducen la diversidad de diferencias desigualadas.
Para ello, habrá que trabajar las múltiples relaciones de poder que anudan en una
situación singular, aquello que se ha llamado el “paquete enredado de relaciones de poder”
(Grosfoguel, 2005). En cada situación, distinguir la predominancia de unos dispositivos
de dominio u otros. O su simultaneidad. Igualmente, elucidar las, a veces invisibles,
estrategias de resistencias de colectivos desigualados. Hacer visibles sus lógicas, y desde
allí, poder pensar en este nuevo concierto mundial nuevas formas y líneas de acción
colectiva. Aquí cobra especial significación política el anhelo foucaultiano de pensar de
otro modo, ya que en la crisis actual del capital financiero producida desde los centros
mundiales de la hegemonía neoliberal pero que parece arrastrar a vastas regiones del
planeta, se vuelve estratégica la producción de nuevos pensamientos emancipatorios.
Entonces, desde esta perspectiva, multi ya no se desliza hacia la homogeneidad
en cada diversidad, o hacia nuevos esencialismos de la diferencia; multi podrá referir a
diferencias de diferencias de jerarquías de relaciones de poder.
Un pensamiento de estas características implica un pensar situado, pensar en si-
tuación. Pensar en situación las múltiples relaciones de dominio y resistencias en una
singularidad colectiva o personal, histórica y no esencial. Desde allí, se trata de distinguir
singularidades, para configurar composibles en red3. Si múltiples son los dispositivos
de dominio-resistencia, habrá que pensar y hacer en la construcción permanente de
también múltiples estrategias de emancipación. Pensar en situación supone, asimismo,
pensar para actuar, actuar para pensar.
Frente al desfondamiento de la representación y los partidos políticos de las demo-
cracias liberales (la política), las incipientes modalidades de “movimientos” sociales y
experiencias comunitarias, por ejemplo, en América Latina, resitúan la posibilidad de
lo político, más allá de la política. Germinales políticos que laten-allí todo el-tiempo
(Fernández, 2008) con independencia de que las grillas conceptuales clásicas capturadas
en los universos de la representación los mantengan en invisibilidad.
Experiencias y prácticas colectivas que no sólo resisten la barbarización de los lazos
sociales que las lógicas capitalistas instalan, sino que inventan, despliegan, multiplican
diversidad de modalidades que configuran otros modos de lo común (Blanchot, 1999).

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El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

Max Ernst (Alemania 1891-1976), de la novela-collage


Das Karmelienmädchen Ein Fraum, DuMont, edición de 1971.

La dimensión epistemológica: hacia los estudios


transdisciplinarios de la subjetividad
Para quienes hace muchos años trabajamos en el difícil intento de abrir visibilidad a
aquellas subjetivaciones, producciones de subjetividad y prácticas de vida, existenciarios
(Fernández, 2008) que el sujeto universal excluye, se vuelve imperoso avanzar en las
construcciones conceptuales de una modalidad de pensar-actuar en diferencias y desde
ellas, que no queden apresadas en el a priori moderno que establece que “la” diferencia
sólo puede ser pensada como negativo de lo idéntico.
Al mismo tiempo, dada la multiplicidad de componentes que forman parte de la
construcción de subjetividades, existenciarios y devenires de los/as diferentes desigua-
lados concretos, se vuelven reduccionistas los análisis e investigaciones que mantienen
la ilusión unidisciplinaria que supone que el “nivel de análisis” del que sus saberes y
prácticas pueden dar cuenta, podrá “explicar” la totalidad esencial de una desigualación
específica. Así, variados economicismos, so ciologismos, psicologismos o psicoanalismos
no sólo han ido creando serios impasses de pensamiento, sino que han contribuido de
diversas maneras a legitimaciones de un modo de construcción de la verdad moderna
que ha naturalizado exclusiones y discriminaciones y sólo ha podido pensar al “otro”
como extranjería, amenaza u “objeto” sin derechos.
Para ello, es imprescindible avanzar tanto en la construcción conceptual-metodo-
lógica de criterios transdisciplinarios como en la conformación de sus redes globales de
epistemología crítica. Como se decía líneas arriba, las problemáticas que este plantea-
miento encierra no son sólo de interés académico, sino que se sostienen en voluntades
políticas. Estas búsquedas conceptuales pueden aportar a aquellos movimientos sociales
animados de anhelos emancipatorios que no cesan en la búsqueda de la universalización
de la dignidad humana; se trata también de configurar hábitos académicos que puedan

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nutrirse de los saberes plebeyos amasados en largas historias de resistencias y luchas


frente a las diversas estrategias biopolíticas de dominación y exclusión.
Las propuestas transdisciplinarias dan cuenta del surgimiento –aunque incipien-
te– de formas de abordaje de la cuestión que implican la necesidad de utilizar criterios
epistemológicos pluralistas. Habla, asimismo, de la resistencia de ciertos procesos a su
simplificación unidisciplinaria y sugiere la oportunidad de los desdibujamientos de
“individuos” y “sociedades”, en intentos de comprensión que aborden estos problemas
en función de modalidades no binarias.
A partir de los criterios de atravesamientos disciplinarios, esta tendencia se inscribe
en un nuevo intento de superación de los re duccionismos economicistas, psicologistas,
sociologistas, etc. Sin embargo, pareciera abarcar un espectro más amplio de cuestiones;
por un lado, pone en jaque las configuraciones hegemónicas de ciertas disciplinas “
reinas”, o saberes arquetípicos a los cuales se han subordinado otras territorialidades
disciplinarias; tiene como una de sus premisas más fuertes la imple mentación de
contactos locales y no globales entre los saberes. De esta manera, los saberes que las
disciplinas “reinas” habían sintetizado recobran su libertad de diálogos multivalentes
con otros saberes afines (Benoist, 1982).
Estos atravesamientos que el indisciplinamiento de saberes implica y la interrogación
crítica de las fuertes certezas de una territorialidad disciplinar permiten distinguir los
abordajes transdisciplinarios de los criterios interdisciplinarios y de los multidiscipli-
narios. A su vez, la invención de los atravesamientos disciplinarios como transgresión
a las especialidades, crea las condiciones para hacer salir ciertos “objetos” científicos de
su referencialismo dogmático e invita a construir una red epistemológica a partir de
intercambios locales y no globales, donde las transferencias de saberes establezcan un
estado de vigilancia epistémica y metodológica y se organicen en una epistemología
crítica (Benoist, 1982).
Esta epistemología crítica intenta localizar los lugares de singularidad problemática,
el grafo de las circulaciones locales y particulares que hace que una cuestión, un proble-
ma, un thema estremezca los diversos saberes sin pretender conjurarlos bajo una forma
globalizante. No ya universales empírica o especulativamente determinados, vestigios
de una edad positivista, sino matrices generativas, problemas en relación con los cuales
un atravesamiento disciplinario dará cuenta tanto de las distancias y diferencias como
de las aproximaciones y divergencias disciplinarias.
Obviamente, este movimiento que desdibuja los objetos teóricos discretos (Kaës,
1977), unívocos, implica no sólo el intercambio entre diferentes áreas de saber, sino la
crítica interna de variadas regiones de una disciplina que, al transversalizarse con otros
saberes, pone en interrogación muchas de sus certezas. La interpelación de las certezas que
la territorialización unidisciplinaria posibilita, es uno de los puntos centrales de diferen-
ciación entre los criterios multi o interdisciplinarios y los abordajes transdisciplinarios.
Por otra parte, tal articulación no podrá evitar los reduccionismos señalados en
tanto no se abandone la epistemología de las ciencias positivas, en la cual aún hoy se
fundamentan extensos territorios de las humanidades. Dicha epistemología supone un
objeto discreto, autónomo, reproducible, no contradictorio y unívoco; implica una

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lógica de lo Uno, donde la singularidad del objeto teórico no debe verse afectada, dado
su aislamiento territorial metodológico por las condiciones de posibles aproximaciones
con otros campos disciplinarios.
Ya Foucault había señalado la encerrona metodológica que suponía aplicar estas
metodologías “positivas” para investigar una esencia: el hombre (Foucault, 1969).
Sin duda, la lógica del objeto discreto (Fernández, 1989) ha demostrado ocasionar
problemas para comprender las transferencias mutuas entre los distintos niveles, ya
que desde ella no puede pensarse la articulación de las formaciones de lo singular y lo
colectivo que supera el pensamiento binario antinómico (individuo/sociedad, alma/
cuerpo, naturaleza/cultura, etc.).
Un criterio transdisciplinario supone replantear varias cuestiones. En primer lugar,
un trabajo de elucidación crítica sobre los cuerpos teóricos involucrados, que desdibuje
una intención legitimante de lo que ya se sabe para poder desplegar la interrogación
de hasta dónde sería posible pensar de otro modo. Implica, como se señalaba líneas
arriba, el abandono de cuerpos nocionales hegemónicos de disciplinas reinas, a cuyos
postulados, códigos y orden de determinaciones se subordinan disciplinas satelizadas;
sobre estos presupuestos se crean las condiciones para la articulación de contactos locales
y no globales entre diferentes territorios disciplinarios, así como también que aquellos
saberes que las disciplinas hegemónicas habían satelizado, recobren su potencialidad de
articulaciones multivalentes con otros saberes afines.
De esta forma, los cuerpos conceptuales funcionan como cajas de herramientas
(Foucault, 1980), es decir, aportan instrumentos y no sistemas conceptuales; instru-
mentos que incluyen en su reflexión una dimensión histórica de las situaciones que
analizan; herramientas que junto con otras se producen para ser probadas en el criterio
de su universo, en conexiones múltiples, locales y plurales con otros quehaceres teóricos.
Se hace clara entonces, la diferencia con teorías que en realidad operan como
concepciones del mundo, que se auto-legitiman en el interior de su universo teórico-
-institucional, y que por lo mismo exigen que toda conexión con ellas implique instancias
de subordinación a la globalidad de su cuerpo teórico.
Por lo antedicho, junto con esta forma de utilización de las producciones con-
ceptuales como cajas de herramientas, un enfoque transdisciplinario presupone un
desdisciplinar las disciplinas de objeto discreto, y en el plano del actuar, cierto desdi-
bujamiento de los perfiles de profesionalización, por lo menos aquellos más rigidizados
(Fernández, 2007a).
Los criterios transdisciplinarios se sustentan, justamente, a partir de una elucidación
crítica de este tipo de totalizaciones, buscando nuevas formas de articular lo uno y lo
múltiple. En su propuesta de contactos locales y no globales, focalizan un thema en su
singularidad problemática, y éste es atravesado por diferentes saberes disciplinarios. Sin
embargo, no pretenden unificarlos en una unidad globalizante. Por lo tanto, más que
una búsqueda de universales, indaga matrices generativas, problemas en relación con
los cuales los entrecruces disciplinarios puedan dar cuenta de las múltiples implicacio-
nes del tema en cuestión. Esto hace posible elucidar tanto las convergencias como las
divergencias disciplinarias en relación con el mismo.

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Este movimiento que propone el atravesamiento de diferentes áreas de saberes,


a partir de themas por elucidar, sostiene varias y complejas implicaciones. En primer
lugar, cuando cierta región de una disciplina se transversaliza con otros saberes, pone
en crisis muchas de sus zonas de máxima evidencia. En segundo lugar, exige la cons-
trucción de redes de epistemología crítica abocadas a la elaboración de aquellos criterios
epistémicos que en su rigurosidad hagan posible evitar cualquier tipo de patch-work
teórico. En tercer lugar, y ya en el plano de las prácticas, vuelve necesaria otra forma de
constitución de los equipos de trabajo: si no hay disciplinas “reinas”, tampoco habrá
profesiones hegemónicas. Este pluralismo no es sencillo de lograr.
Estas tres cuestiones son elementos centrales a la hora de crear los espacios de trabajo,
ya que es imprescindible que amalgamen dos cuestiones: la constitución de equipos
de trabajo en organizaciones horizontales (condición de las posibilidades de invención
colectiva) y la disposición para establecer conexiones con saberes y experiencias no aca-
démicas. Experiencias y saberes plebeyos interpelan una y otra vez, generando rizomas
a partir de conexiones muchas veces impensadas o impensables.
Se trata de pensar –entendiendo el pensamiento como un modo de experiencia–
sabiendo que en el camino de quiebre de sentidos comunes disciplinarios, necesariamente
se transitarán zonas borrosas tal vez imposibles de evitar si se intenta eludir las como-
didades de lo ya sabido. Dado que no se trata de tomar la experiencia como espacio de
comprobación o aplicación de sus saberes instituidos, se intentará experimentar con las
nociones, atravesando las fronteras de los sentidos comunes de las territorializaciones
disciplinarias, intentando no recaer en los binarismos que han sido base de sustanciali-
zaciones y escencialismos diversos. Es necesario subrayar entonces que el pensamiento
como modo de experiencia (Morey, 2004) supone pensar en el límite de lo que se sabe.
Es en tal sentido, un pensar necesariamente incómodo, desdisciplinario, que se construye
y reconstruy permanentemente, que se despliega en los límites mismos de lo que ignora
y se sostiene en las voluntades colectivas de producción de libertades.

A modo de inconclusiones
Desde esta caja de herramientas, lo multi no referirá meramente a lo diverso, lo post
sólo a lo que viene después de la gubernamentalidad colonial, o de los Estados-nación,
o de los socialismos reales, menos a justificaciones de individualismos consumistas,
sino a las necesarias reorganizaciones estratégicas (político-conceptuales) que el nuevo
orden mundial impone a quienes siguen resistiendo e inventando nuevos y más libres
modos de vivir.
Elucidar las múltiples institucionalizaciones de diferencias desigualadas –geopolí-
ticas, culturales, étnicas, de clase, de género, de opción sexual– y sus modos de resistir,
para situarse en la invención de emancipaciones, en la producción de múltiples, diver-
sas, libertades. Porque de eso se trata, de la multi plicidad de estrategias de invención
colectiva y anónima de libertades.

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Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

Max Ernst (Alemania 1891-1976), de la novela-collage


Das Karmelienmädchen Ein Fraum, DuMont, edición de 1971.

En esto hemos tenido el privilegio de ver cómo las fábricas sin patrón (Fernández,
2008) en Argentina, han forzado los límites de lo posible en condiciones de borde,
absolutamente en el margen. Allí ha podido comprobarse con toda contundencia que
este forzar los límites de lo posible es no sólo resistir, sino también inventar colectiva-
mente, en actualizaciones de deseo, en invenciones deseantes, unas formas cada vez más
libres de trabajar, de pensar, de estar… El don de la gratuidad de estar, entre algunos,
entre muchos, a contramano de esa feroz insistencia de las lógicas capitalistas en la
producción de soledades.
Ya el joven Marx había explicado en los primeros tiempos del modo de producción
capitalista, que la alienación que separa al productor de su producto constituía una es-
trategia central de las lógicas capitalistas para su reproducción. Así como el Imperio hoy
“globaliza” la producción y concentra capitales, los dispositivos biopolíticos actuales de
aislamiento y vulnerabilización también son esenciales para su reproducción. La fábrica
de soledades separa, aísla a cada quien de sus potencias. Cada vez estoy más separado
de otros. Cada vez pienso que puedo menos, cada vez hago menos, cada vez anhelo
menos. De allí la importancia de indagar no sólo los modos de producción y los diversos
modos históricos de subjetivación imprescindibles para la reproducción de las lógicas del
capital, sino también las lógicas colectivas de la multiplicidad (Fernández, 2007a) desde
donde los/as desigualados configuran sus formas colectivas de inventar otros devenires.
A la hora de dar relevancia a la configuración de modos de subje tivación no he-
gemónicos, habíamos dicho que nada de lo social es homogéneo (Fernández, 1993).
Ahora podemos agregar que siempre existe la posibilidad de líneas de fuga frente a los
poderes de dominio. Spinoza planteaba que ante las pasiones tristes, esas que el tirano
impone para someter a sus súbditos, hay que configurar pasiones alegres. Y allí es cen-
tral el registro de las propias potencias. Este registro no se realiza nunca en soledad, se

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compone con otros, entre otros, entre -muchos, entre-algunos. Las fábricas sin patrón
son un ejemplo de ello.
Si las relaciones de dominio constituyen un paquete enredado de relaciones de
poder (Grosfoguel, 2005) donde operan en multiplicidad diversas diferencias desigua-
ladas –geopolíticas, culturales, de clase, étnicas, religiosas, de opción sexual, de género–,
se tratará de articular multiplicidad de estrategias de invención colectiva y anónima de
emancipaciones y libertades.
Muchas veces pueden pensarse como estrategias sin tiempo: por fuera de calendarios.
No es que no haya apuro, sino que son estrategias permanentes (Fernández, 2007c). No
se trata del futuro, sino siguiendo a Derrida, de lo por venir, de las libertades por venir.
Lo por venir, ya no como un futuro utópico, sino como existenciarios com-posibles hoy.
Lo com-posible lejos está de significar acomodarse a lo posible. Se trata, más bien, de
forzar los límites de lo posible. No sólo resistir sino también inventar, en actualizaciones
de deseo, desde potencias deseantes, formas cada vez más libres de amar, de trabajar, de
estar, de pensar… entre-algunos, entre-muchos.
Se busca entonces enfocar nuestras preocupaciones académicas hacia la construcción
de un campo de problemas de la subjetividad, que desde los criterios que he expuesto,
necesita hacerse a partir de abordajes transdisciplinarios. Habilitar en nuestros espacios
académico -políticos áreas de estudios transdisciplinarios de la subjetividad donde segu-
ramente ocuparán un lugar estratégico las frecuentemente impensadas relaciones entre
las formas político-sociales y las producciones de subjetividades: aquellas que potencian
las invenciones colectivas, aquellas que reproducen una y otra vez posicionamientos
subalternos, aun en los movimientos sociales “alternativos”, etc. Áreas que trabajen en
red con modalidades organizativas lo más dúctiles y horizontales posibles, guiadas por
–otra vez Derrida– políticas de la amistad (Derrida, 1998) Áreas que puedan construir
sus propios criterios epistemológicos, imprescindibles para hacer posibles los atravesa-
mientos disciplinarios necesarios, articulados pero siempre con el mayor rigor epistémico.

Max Ernst (Alemania 1891-1976), de la novela-collage

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Las diferencias desigualadas: multiplicidades, invenciones políticas y transdisciplina

Das Karmelienmädchen Ein Fraum, DuMont, edición de 1971.


Desde esta perspectiva es que interesa pensar lo multicultural, como la multipli-
cidad tanto de dispositivos de dominio como de invención de libertades en el nuevo
orden mundial. Si es así, me parece que se presenta un fuerte desafío político, filosófico,
académico y fundamentalmente existencial, que es bueno no rehusar.

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

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“Quem se importa com experimentos?”
Ontologias variáveis, inquietações queer
Dolores Galindo1

“Quem se importa com experimentos”? A indagação que dá título a esse


trabalho veio da recusa recebida por Ian Hacking (2009a) quando submeteu um
artigo, no qual explorava as relações entre experimentação e teoria, a periódicos
científicos de diversas origens disciplinares. A junção do termo “experimento”
que nos remete ao domínio do empírico (ou ainda, à Psicologia Social Experi-
mental que, desde a crise da década de 1970, tornou-se uma bifurcação pouco
percorrida pelos psicólogos sociais que embarcaram na deriva crítica) ao termo
“ontologias”, cujo registro está ligado à metafísica, pode soar estranha. Valhamo-
-nos desta estranheza.
Em trabalho anterior (Galindo; Méllo, 2010), empregamos o termo experi-
mento para nos referirmos às práticas de coletivos queer-copyleft, que visavam não
apenas personalizar o corpo por meio de novos aditivos, mas desterritorializá-lo,
não o subordinando às prescrições. Nomeamos tais práticas como piratarias de
gênero, por indicarem agenciamentos que atuam na desorganização de fronteiras
e no estabelecimento de outras combinações entre fluxos semióticos, informa-
cionais e biológicos. As fronteiras são sempre virtuais: as criamos e recriamos
para vivermos. Piratarias desvirtuam (tiram a virtude, adulteram) as cartas de
navegação, os mapas, as prescrições. Promovem a plasticidade ampliando ou
restringindo os espaços corporais: materialização da vida.
No texto presente, interrogamos a noção de experimentos, deslocando nossa
atenção do debate sobre sexo e heteronormatividade para relacionalidades entre
humanos e não/humanos. Inserimo-nos na imaginação fabulativa queer voltada
às ontologias variáveis do contemporâneo que não podem ser homogeneizadas
por um decretado fim das dicotomias. Como recurso para fabulação, recorremos
às figurações que deslizam entre o literal e o fictício, sem que encontrem fixidez.
Figurar é um dos principais recursos de experimentação desenvolvidos por Donna
Haraway (2000; 2004; 2008), que reconhece o caráter difuso e transversal do ter-
mo, delimitando-o como uma possibilidade de abarcar o que seria, numa lógica
excludente, tido como contraditório ou numa perspectiva realista simples como
não existente.
Dentre as figurações do universo fantástico de Donna Haraway podemos
citar os ciborgues (Haraway, 2000), o rato do câncer (Haraway, 2004) e cachorros
(Haraway, 2008) entrelaçados por ela numa narrativa de parentesco. Braidotti
(2006) vê na criação deste sistema de parentesco uma maneira nova de pensar
conexões com tecno-outros que instaura uma dimensão ética a cada movimento

1 Universidade Federal de Mato Grosso.

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ontológico: mundos relacionais sendo feitos e refeitos, transformando o chamado “nó


górdio” que distingue humanos de não/humanos em movimentos, sem que se diga
superada a linha divisória entre eles (Latour, 1994).
A arte é, sem dúvida, uma das instâncias nas quais mundos não atualizáveis podem
ser tomados como tropos para a experimentação pelo estranhamento porque a ficção
como experimento de figuração, assim como a tecnociência, é, em si, um exercício
reflexivo (Haraway, 1994; 1999). Figurar é mergulhar nos modos de viver – um mer-
gulho atento às relacionalidades e às maneiras como “nos tornamos com” (Haraway,
2007). Nas figurações, os referentes são passagens, trânsitos que se constituem em
dispositivo para criação. Sendo do âmbito da proposição, as figurações não ilustram
mundos, inventam-nos.
Pensamos como Giffney e Hird (2008) que é importante Queerizar os não/humanos
e que esta é uma agenda para a Psicologia Social em diálogo com os estudos queer, de
modo a inserir o debate sobre sexo e heteronormatividade na reflexão sobre as políticas
ontológicas que se fazem presentes no que/quem se torna humano, não/humano, in/hu-
mano. Seguindo o argumento de Butler (2004; 2005) ao discutir o conceito de abjeção,
o debate queer sempre tangenciou questões ontológicas nas quais a heteronormatividade
é um dos eixos, mas não o único.
O queer se opõe, ironiza, flerta e subverte os códigos que produzem regiões ontoló-
gicas sombrias da abjeção, bem como se pergunta sobre aquilo/quem adquire existência.
Veja-se o que pontua Butler, em entrevista cedida a Prins e Meijer (2002, p. 159), sobre
o entrelaçamento do seu trabalho sobre abjeção e proposições/ficções ontológicas:
Em parte, vejo-me trabalhar no contexto de discursos que operam através
de argumentos ontológicos não há um ator por trás do ato recirculando
o há para produzir um contra-imaginário à metafísica dominante. Com
efeito, parece-me crucial recircular e ressignificar os operadores ontológi-
cos, mesmo que seja apenas para apresentar a própria ontologia como um
campo questionado.

Dessa maneira, trata-se de queerizar a compreensão do humano enquanto gênero ou


princípio normativo em torno do qual se organizam a distribuição dos entes do mundo,
episteme que emerge quando da partição entre ciências humanas e naturais, aliás, esta
separação faz parte do próprio movimento de fundação de ambas (Foucault, 1999).
Empregamos o termo experimento na esteira Foucault-deleuziana da experimentação
filosófica de multiplicidades como dispositivo de construção conceitual (Cardoso JR,
2010), dizendo dos modos de vida e suas resistências à estagnação (Galindo e Méllo,
2010). Para entender o efeito Foucault-Deleuze sobre a noção de experimento, é im-
portante remeter à conotação que este possui no cotidiano tecnocientífico. Nele, em
geral, experimentos são vistos como separados das teorizações, sendo adjetivados técnicos.
Tomando como ilustrativo o experimento para comprovação do vácuo conduzido
por Boyle no século XVIII, Hacking (2009b) comenta que Hoook, responsável pela
criação da bomba que possibilitou a visualização do fenômeno, considerado como um
“mero experimentador”, recebeu menos louros que Boyle a quem foi aferido o estatuto
de cientista. A dicotomia entre experimento e teorização, com infravalorização do pri-
meiro, ainda permanece, apesar das várias críticas a ela dirigidas (Haraway, 2002; 2004;

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“Quem se importa com experimentos?” Ontologias variáveis, inquietações queer

Hacking, 2009a; 2009b), o mesmo se observa nas relações entre arte e pensamento
(Badiou, 2002).
Na Psicologia Social contemporânea, o experimento empregado para redução
de escala da complexidade da confusa vida cotidiana e principal balizador de critérios
de verdade e fiabilidade tem sido objeto de intensos debates e este uso se tornou,
acertadamente, controverso (Gergen, 2007). Os experimentos se encontram ainda,
inevitavelmente, ligados à discussão sobre o aparato Psi como tecnologia de governo
que participa da produção “de verdades que encarnam aquilo que deve ser governado,
que o tornam pensável, calculável e praticável (Rose, 1988).”.
Evocar o cotidiano tecnocientífico e o emprego dos experimentos em psicologia é
importante para realçar a inflexão provocada por Foucault/Deleuze. Nestes autores, a
mudança de escala e os deslocamentos que o laboratório pressupõe (Latour, 1994) são
revertidos, pois os experimentos filosóficos de multiplicidades se dão na vida, movimentando
sensações e devires. Talvez por isso Haraway (2004), leitora e crítica de Foucault, fale de
estilos de vida experimental e não de estilos de pensamento experimental, o que a vincularia
ao trabalho de Fleck. Com o efeito Foucault/Deleuze sobre o termo experimento não
há redução de escalas, nem utilização de critérios de verificação característicos do labo-
ratório – são experimentos sem verdade que têm como matéria a vida (Agamben, 2008).
Depois de falarmos sobre o nosso primeiro termo - experimento -, passemos à
discussão do termo ontologia. Classicamente, ontologia diz respeito ao estudo do ser, às
condições de existência de um determinado ente; às condições de fazer-se real (Abramo,
1998). Todavia, este termo passou por uma grande reviravolta depois da leitura foucaul-
tiana que o ancora na problematização do presente. Na acepção foucauldiana, ontologias
referem-se aos modos de viver que adquirem condições de existência; diz respeito àquilo
que fazemos de nós mesmos.
O uso do termo ontologia adjetivada como histórica ou ontologia do presente trata do
trabalho sobre nós mesmos como seres livres (Foucault, 1984). De acordo com Cardoso
(1995), apesar desta dimensão se localizar na obra como um todo do autor, adquire
maior visibilidade nos seus últimos trabalhos, onde ele “explicitamente se inscreve no
que considera a tradição crítica herdeira de Kant, a de uma ontologia da atualidade”
(Cardoso, 1995; p. 55).
Vale matizar que o agora/presente foucauldiano é diferente do hoje que requer ser
problematizado à luz do primeiro. Conforme elucida Cardoso (1995), a problematização
“desatualiza o presente, desatualiza o hoje, no movimento de uma interpelação. Nesse
sentido o presente não é dado, nem enquadrado numa linearidade entre o passado e
o futuro” (Cardoso, 1995; p. 52). Seguindo esta pista, podemos localizar as figurações
como um recurso de desatualização do presente que interpela sobre o modo como nos
constituímos, modo este cada vez mais transgendrado. As criaturas fabulosas são formas
de interpelar o que chamamos de “nós mesmos” (Haraway, 2011). Quando dizemos
“nós mesmos”, o que/quem incluímos? O que/quem excluímos? A que/quem delegamos
a posição de não/humanos ou mesmo de in/humanos?
Tendo a ruptura foucauldiana como ponto de inflexão para pensar sobre ontologias,
Mol (2007) destaca que esta tem uma caracterização política, pois supõe um processo
ativo e contingente por meio do qual alguns seres (actantes, categorias etc.) adquirem

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existência e outros não, devendo ser abordada sempre no plural como ontologias. Na
mesma perspectiva, Hacking (2002), que vê a si mesmo como um nominalista, sublinha
que ontologias quando adjetivadas como históricas dizem dos modos como vivemos,
valendo a pena insistir no uso deste termo.
A definição do que/quem é ou não considerado um ser com o qual nos relacionamos
é variável (Latour, 1994). Na esteira das reflexões de Mol (2008), usamos ontologias
no plural para destacar a sua vinculação com a proposição de multiplicidades. Para ela,
“a palavra tem agora que vir no plural, porque se trata de um passo fundamental; se a
realidade é feita, se é localizada histórica, cultural e materialmente, também é múltipla.
As realidades tornaram-se múltiplas”.
Experimentar mundos fictícios e ontologias, esta é uma contribuição da arte que
merece ser ressaltada. Donna Haraway (2002; 2004) argumenta ferozmente pela defesa
desta potência da arte na criação de mundos e pela responsabilidade inerente em fazê-
-los. Esta autora escolhe para si as zonas fictícias e potentes da fabulação, trabalhando,
sobretudo, com os domínios da literatura, cinema (ambos relativos à ficção científica)
e visualidades (artes plásticas).
Um exemplo da consideração da arte como experimento ontológico pode ser encon-
trado nos comentários de Haraway (2007) sobre o trabalho da artista plástica Piccinini.
Para ela, as esculturas e telas da artista não são apenas ilustrações de argumentos, são
maneiras de experimentar ontologias que dizem de relacionalidades com os seres trans-
genéricos do nosso século. Nas obras de Piccinini, somos interpelados por relações de
afeto: crianças e criaturas monstruosas, como em The Long Awaited, descansam uma
sobre a outra (figura 1):

Figura 1 – Patricia Piccinni, The Long Awaited, 2008.

Uma das vertentes de investigação que desenvolvemos no grupo “Tecnologias, Ciências


e Contemporâneo” (TECC) problematiza o que chamamos de corpo próprio do pesquisa-
dor ou pesquisadora. Argumentamos pela expropriação do corpo e sua multiplicação, pro-
jeto que insere em um interesse mais amplo, concernente à experimentação de ontologias
variáveis, onde as posições de sujeito e objeto; natureza e cultura; humanos e não/humanos
constituem linhas nas quais nos movemos. Colocar nossa humanidade, nosso corpo à

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“Quem se importa com experimentos?” Ontologias variáveis, inquietações queer

prova, é uma boa forma de romper o que podemos nomear como humanormatividade,
isto é, a primazia do gênero humano como baliza para qualquer imaginação ontológica.
Optamos pela expressão “não/humanos” ao invés da nomeação “não-humanos” para
enfatizar o caráter contingente dos actantes singulares, sem que para isso sejam definidas
fronteiras fixas entre ambos (Haraway, 1999; Giffney & Hird, 2008). O uso do sinal
de barra “/” (não/humanos) traça uma continuidade entre os termos não e humana, ao
invés de uma separação que poderia advir do emprego do sinal “-“ (não - humanos) ou
da simples sequência dos termos não e humano (“não humanos”).
Desde a década de 1960 a arte contemporânea é pródiga de experimentos que
colocam o corpo e o self unificados em questionamento, uma arte contra os corpos,
contra os selves referidos a pessoalidades (Galindo, 2009). Nem todo corpo deriva
em pessoa como já o advertiram Deleuze e Guattari (1997) com as noções de devires
animais. Na esteira das experimentações com o corpo da arte contemporânea, ao invés
de “ter um corpo” ou “ser um corpo”, experimentamos produzir corporalidades na
relacionalidades com actantes que foram, ao longo do tempo, individuados em relação
aos humanos: papéis e grãos.
Ao contrário de movimentos que estão no “próprio” corpo, preferimos falar em
múltiplas corporalidades que são produzidas, dissolvendo a unidade “corpo próprio” em
multiplicidades. As multiplicidades corporais são paragens no plano da imanência que
tem no plano das formas um dos seus platôs, mas não o único (Escossia; Tedesco, 2010).
Linha de fuga do pensamento interpretativo “que torna visíveis as forças enceradas nas
formas, que apresenta as forças que se encontram em ação nos corpos e são as causas
mais profundas de suas deformações” (Machado, 2009, p. 238).
No exercício fabulativo que nos interessa, ao invés de “ter um corpo” ou “ser um
corpo”, o pesquisador ou pesquisadora produz (e é produzido por) multiplicidades que
não se esgotam numa pessoalidade que as precede. É um exercício fabulativo, pois na
vida cotidiana temos a sensação de unidade corporal vinculada a um self também visto
como unificado (Gergen, 1992), ainda que este seja produzido por constantes arranjos
(Mol, 2002), por meio dos quais adquire potência de afetação àquilo de que é feito o
mundo (Latour, 1999).
A quais multiplicidades aludimos? Deleuze (1999) nos diz de “uma multiplicidade
não numérica na qual a cada estágio da divisão, pode-se falar de ‘indivisíveis’” (Deleuze,
2004, p. 31). Ou seja, as multiplicidades corporais são outras sem necessariamente
serem várias. É a produção da diferença, ou melhor, dos acontecimentos, e não da
quantidade do que está em foco. Nesta acepção, as sensações possuem componentes
materiais e virtuais de modo que se inscrevem em um plano que não se reduz a estas,
pois as multiplicidades se fazem nos devires que se dão entre elas (Cardoso JR, 2010).
Na perspectiva das multiplicidades não preexiste um corpo sobre o qual cons-
truímos diferentes movimentos ontológicos. O próprio corpo adquire existência nas
performances que o articulam, sendo apenas uma delas, pois, em vários momentos, os
arranjos não necessariamente resultam em qualquer unidade, nem advêm do humano
como figura-origem ou a ele se dirigem enquanto figura-destino. Como sintetiza Car-
doso JR (2010, p. 53):

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(...) não é o caso de se referir a sensação à “carne”, como gostaria a


estética de base fenomenológica, de modo a supor que, mesmo nas
composições onde não aparece a figura humana, a arte estaria tomada
por um ato que doa sentido.

Na mesma direção, Orlandi (2004) lembra que a fenomenologia pressupõe consciên-


cia e intencionalidade quando “o que os estados vividos pressupõem que eles mascaram,
mas que a eles não se reduz, são fluxos intensivos, são transrelações entre intensidades
(Orlandi, 2004, p. 44).”.
Encontramos diversos, mas ainda insuficientemente cartografados, trabalhos artísticos
latino-americanos e brasileiros mobilizados pelo e no movimento queer que questionam
diretamente o sexo e a heteronormatividade (Galindo e Méllo, 2010). Ao nos propormos
experimentar ontologias variáveis, sem necessariamente passar pela discussão dos binarismos
gênero/sexo, instalou-se um incômodo: seria o nosso trabalho queer? A inquietação nos levou,
então, a indagar sobre a propriedade de uma classificação como esta. O que incluímos nas
visualidades ou artes queer?
Do nosso ponto de vista, inúmeros trabalhos podem ser chamados de queer se utili-
zamos como critério os efeitos e não o conteúdo ou temática abordada. Nesta acepção, o
trabalho de Piccinini, já comentado por Haraway, o trabalho de Rodrigo Braga e outros
artistas nos ajudam a pensar e experimentar ontologias não humanormativas, podendo
ser interpelados como inquietações queer.
Falemos um pouco sobre o trabalho de Rodrigo Braga. Há algum tempo este artista
recifense desenvolve uma exploração consistente de naturezasculturas iniciada com o
trabalho Fantasia de Compensação (2004), no qual experimentou uma sobreposição de
imagens entre humano e cachorro para compensar o que chamou de sua fraqueza diante de
um animal feroz (figura 2). Apesar de ser resultante de manipulação fotográfica, o trabalho
provocou intensas reações de abjeção.

Figura 2 – Rodrigo Braga, Fantasia de Compensação, 2003.

Na série Comunhão (2007), Rodrigo Braga trabalhou a relacionalidade com um


bode. Unindo sua cabeça a do animal, ambos, enterrados num mesmo solo, intercam-
biam o gesto de comunicar-se pela fronte, que é característico dos caprinos.

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Figura 3 – Rodrigo Braga, Comunhão, 2007

O pensamento de Donna Haraway é ímpar por colocar-se radicalmente carregado


de afetos e afetações que, comumentemente, delegamos apenas aos humanos. Ela nos
fala do seu amor pelo rato experimental, pelos ciborgues, pelos elementos químicos.
Experimenta um envolvimento que a dista da posição de observadora; ela está entre
os seres que compõem as paisagens tecnocientíficas contemporâneas; ela é um deles.
Conta-nos de histórias de amor experimentais entre homens e animais de laboratório
(Haraway, 2004), discute o sofrimento das porcas brasileiras amontoadas no abate
(Haraway; Azeredo, 2011). Estamos na mesma deriva.
Considerando o questionamento da humanormatividade, abordaremos alguns
experimentos ontológicos que realizamos na interface entre Arte Contemporânea e
Psicologia Social. No nosso caso, a linguagem foi a dança. Propusemo-nos a dançar
com não humanos (Galindo; Millioli, 2011).
Em De Conceitos, criado para o Circuito Cultural Setembro Freire 2010, tomando
papéis com poemas como matéria para criação, a artista-pesquisadora Daniela Millioli
produziu arranjos que tornam visíveis multiplicidades corporais (tato, olfato etc.), e
atributos concernentes às materialidades com as quais se dançam (viscosidade, aspereza
etc.), emergentes do contato com papéis, seus parceiros de dança (figura 4).

Figura 4 – Daniele Milioli, Embrulhada, De Conceitos, 2010.

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O primeiro projeto foi um ensaio para que lográssemos trabalhar relacionalidades


com não/humanos aos quais se atribui a propriedade de viventes. No segundo trabalho,
(De) Dentro Leguminosas, criado para o projeto Leituras do Movimento do SESC Arsenal
2010, a mesma artista-pesquisadora tomou grãos de soja como companheiros para cocriar
danças. A noção espécies companheiras de Haraway (2008) contribuiu para a criação de
uma figuração – leguminosas dançarinas – que, incorporando diferentes práticas, convida
a habitar um mundo que vai dos cultivares transgênicos às prateleiras dos supermercados
(Galindo; Miliolli, 2011b).
Transportada para a criação em dança, a soja transforma-se em figuração de uma
natureza dançante, que traduz a relacionalidade na construção de mundos, onde a huma-
normatividade é posta em questão. Os grãos interpelaram a dançarina, ora com o peso de
30 quilos atados ao corpo expropriado pelo cansaço (figura 5), ora pelos odores de ração
animal durante sua compra, ou pela sua inclusão como parte da ambiência familiar, ao
repousar em casa depois dos exercícios na sala de dança. Este experimento ontológico
estava carregado de afeto, de relações de amor, ódio, agonia (Braidotti, 1996; Haraway,
2002; 2004) e de dilemas como o de chamar a soja transgênica de espécie companheira.

Figura 5 – Danielle Milioli, De Conceitos, Mochila com grãos, 2010

A escolha da soja não foi aleatória: ela é pregnante em Mato Grosso onde se deu o
processo de criação, movimentando o agronegócio, mobilizando memórias familiares,
provocando o tráfego de imensas carretas que cortam as estradas durante as safras. Nos
campos, a soja transgênica demarca o solo com a exibição dos tipos de sementes plantadas,
uma forma de controle do produto comprado pelos agricultores. Dessa forma, dançar
com a soja é fazê-lo com as práticas nela incorporadas. É um experimento ontológico
radicalmente localizado.

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Figura 6: Danielle Milioli, Queda e soja, De Conceitos, 2011.

Na dança com os grãos de soja, a artista-pesquisadora buscou experimentar onto-


logias variáveis, movendo-se no contínuo que, pelo hábito (Spink, 2003), costumamos
ver de maneira dicotômica: natureza e cultura, humanos e não/humanos e assim por
diante. Os grãos de soja objetam, contrapõem, respondem, resistem e, a isso, Latour
(1999) chama de recalcitrância, que é uma questão de não domínio dos humanos sobre
os demais actantes que o rodeiam (Arendt, 2007).
Na perspectiva das multiplicidades, dançar com a soja passou por dessubstancializar
o corpo, abrindo-o às relacionalidades que, reais e fabulativas, aproximam-se do não
vivível. Em O que é a filosofia?, Deleuze e Guattari (2004) argumentam que a arte é
um ser de sensação que se mantém de pé por si mesmo. Essa proposição é provocativa
quando deslocada para a dança, pois os grãos de soja sozinhos repousam como ração,
alimento, mas não como uma leguminosa bailarina. Talvez a dança seja demasiadamente
efêmera para ser vista sob o ângulo desta definição. A efemeridade da dança encontra
uma bela síntese em Badiou (2002):

A dançarina é esquecimento milagroso de todo seu saber de dançarina,


ela não executa qualquer dança, é essa intensidade retida que manifesta
o indecidido do gesto. Na verdade, a dançarina suprime toda dança
que sabe por que dispõe de seu corpo como se ele fosse inventado. De
modo que o espetáculo da dança é o corpo subtraído a todo saber de
um corpo, o corpo como eclosão (Badiou, 2002, p. 90).

Na conexão entre corpo dançante e pesquisa, a partir das acontecimentalizações,


torna-se impossível uma posição voyeur baseada na distância. Inviável colocar as mãos
atrás das costas como se pudéssemos não nos envolver fisicamente com aquilo que esta-
mos teorizando (Galindo; Milioli, 2011). Vale matizar a importância de não substituir
o cogito cartesiano pelo eu corporal, ou seja, substituir o “eu penso” pelo “eu sinto”.
Deleuze (1997), em Imanência, uma vida, lembra que o elemento sensação remete a um
empirismo simples, pois esta seria um corte, uma pausa no fluxo de consciência. Daí
a preferir o uso do termo devir que seria, justamente, aquilo que se instala entre uma
sensação e outra, correspondendo ao plano das intensidades. Linha de fuga do pensa-
mento interpretativo e “que torna visíveis as forças enceradas nas formas, que apresenta

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as forças que se encontram em ação nos corpos e são as causas mais profundas de suas
deformações” (Machado, 2009, p. 238).
Não seremos mais humanos porque apenas organismos, naturezas; nem menos
humanos porque radicalmente artificiais. Sem substituir a humanormatividade por outro
ideal, igualmente normativo, correspondente ao pós-humano (Prins e Meijer, 2002) ou
ao pós-gênero (Haraway; Gane, 2007), restam-nos experimentos ontológicos munda-
nos, localizados, parciais. Retornando à pergunta que dá título ao ensaio, afirmemos
que experimentos importam à ontologia do presente orientada pelas inquietações queer.

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Psicologia e Políticas Queer1

Wiliam Siqueira Peres2

Os discursos e figurações atuais que se mostram como importantes com-


ponentes de subjetivação, assim como, as ultras velocidades pelas quais novas
tecnologias são processadas na atualidade, tem levado autores como Rosi Braidotti
(2006) a problematizar o contemporâneo e propor a emergência da trans-con-
temporaneidade, ou seja, demarcado pela crise dos paradigmas e a emergência de
novas atrizes e atores que reivindicam direitos civis, sociais, econômicos, sexuais,
culturais, políticos e de gênero, as referencias e significados conceituais disponíveis
para análise das relações humanas tem se mostrado caducos e arbitrários, e com
isso, as palavras que mais se mostram pertinentes nos remetem às perspectivas
transitivas, descontinuas e instáveis da vida.
Essa trans-contemporaneidade, diria Braidotti (2006, p. 20, tradução nossa):
Indica uma transferência intertextual que atravessa fronteiras,
transversal, no sentido de um salto desde um código, um cam-
po ou um eixo a outro, não como um modo quantitativo de
multiplicidades plurais, mas, no sentido qualitativo de multi-
plicidades complexas. Não se trata apenas de entretecer linhas,
como variações de um tema, mas de interpretar a positividade
da diferença como um tema específico em si mesmo.

Nesta perspectiva, palavras como transformação, trânsitos, transgêneros,


transexualidades, transgressão, ganham outros contornos, valores e significação
afinados pela emergência de sua positivação.
Muitos saberes, poderes e prazeres participa da produção dos modos de
percepção, sensação, pensamentos e práticas que se efetuam nas relações que
as pessoas estabelecem umas com as outras, com o mundo e consigo mesmas,
compondo processos de subjetivação que na maioria das vezes atuam em conso-
nância com as ordens dadas pelo bio-poder e as diversas regulações bio-políticas,
ou seja, atuam como dispositivos disciplinares e totalizantes que criam crenças,
produz e mantém regimes de verdades que impõe como referencia absoluta, a
ideia reducionista do ser humano a uma estrutura, a um único sistema de fun-
cionamento, a um aparelho psíquico, a uma estrutura universal de pensamento.
De modo complementar a essas determinações disciplinares e regulatórias
do biopoder surge um sistema específico para atuar sobre os corpos, suas sensi-
bilidades e prazeres, para atuar no coração da subjetividade, no agenciamento
de forças que engendram os processos desejantes.

1 Este texto esta sendo publicado concomitantemente em lingua espanhola com o título La Psicologia, lo queer
y la vida em Fernández, Ana Maria e Peres, Wiliam Siqueira (Orgs) - La diferencia desquiciada: géneros y
diversidades sexuais, Buenos Aires, Biblos Editorial, 2013.
2 Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e Programa de Pós-Graduação da
UNESP, Câmpus de Assis, SP.

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A esse sistema regulatório e normatizador Judith Butler (2003) chamou sistema sexo/
gênero/desejo/práticas sexuais, instituídos, mantidos e relacionados a partir de relações de
coerência e continuidade, dando inteligibilidade e reconhecimento para que uma pessoa
ao nascer com sexo de macho, tenha necessariamente gênero masculino, seu desejo seja
heterossexual e sua prática sexual ativa, enquanto que, se nascer sexo fêmea, seu gênero
necessariamente será feminino, seu desejo heterossexual e sua prática sexual passiva.
Esse sistema se orienta basicamente pelas premissas regulatórias do biopoder em con-
sonância com dispositivos da heteronormatividade e do falocentrismo, determinando a
heterossexualidade e padrões rígidos de identidades sexuais e de gênero como obrigatória.
Esses referentes estão presentes nos processos de subjetivação normatizadores, de
modo a produzir indivíduos dóceis, contidos e disciplinados, reprodutores dos modelos e
ordens previamente dadas, fixando-se em identidades cristalizadas, conceituações binárias
e crenças universais. Trata-se da emergência de indivíduos viciados em identidades e
dependentes dos modos de normatização.
Na via paralela encontramos outros modos de subjetivação que se efetuam através do
direito fundamental à singularidade, do livre arbítrio necessário para poder fazer de sua
vida uma obra de arte (DELEUZE; PARNET, 1998), uma autopoiese (MATURANA;
VARELA, 2001), uma estilística da existência (FOUCAULT, 2004).
Diante dessa pequena cartografia do trans-contemporaneo queremos problematizar
a respeito das conexões possíveis entre Psicologia e a insurgência Queer, da efetivação
prática e política que toma como disparador os processos emancipatórios psicossociais em
oposição às praticas de manutenção aos pensamentos binários, universais e a – históricos,
que se expressam através dos excessos diagnósticos, classificatórios e reducionistas. Trata-se
de posicionamentos de práticas psis que ainda estão aprisionadas no século XIX, usando
e reificando valores e metodologias que foram construídas naquele tempo sócio-histórico,
quando da emergência da noção de individuo – aquele que não se divide, que está tota-
lizado – e da atribuição de significação social e de valor moral aos corpos e seus prazeres.
Se passarmos uma olhadela sobre as teorias e metodologias utilizadas pelas práticas
em Psicologia na atualidade do século XXI, podemos como ponto de evidencia, perceber
que a maioria dessas teorias se encontra comprometidas com a manutenção, reificação
e defesa do sistema sexo/gênero/desejo/práticas sexuais, e diante desse compromisso,
observar, classificar, esquadrinhar, enquadrar, diagnosticar, trancafiar, tratar, curar, e até
produzir morte civil das pessoas que de alguma maneira tornaram-se dissidentes das
ordens e modelos impostos como únicos, corretos e normais.
Em concomitância com as categorias de sexo, gênero, desejo e práticas sexuais nos
deparamos com outros marcadores psicossociais, tais como, classe social, raça/cor, etnias,
orientação sexual, estética corporal, geração, habitação de periferia, que são mantidos em fre-
quentes interações, denunciando a presença de machismos, racismos, misoginias, lesbofobias,
transfobias e homofobias, em muitas das práticas e atuações dos operadores da Psicologia.
As escutas e observações realizadas por esses operadores - policiais do psiquismo,
que militam em defesa da crença de um único corpo, um único sexo, um único gênero,
um único desejo, um único psiquismo, uma raça e etnia tomada como superiores às
outras contribui para a emergência de uma Psicologia do terror e do aniquilamento de
todas aquelas pessoas que não se adéquam aos manuais, aos modelos metodológicos

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Psicologia e Políticas Queer

de intervenção reificados, aos princípios binários e universais em decorrência de suas


dissidências aos padrões normativos.
Como modo de resistência a essa posição normativa e comprometida desses modos
de fazer Psicologia, consolidada pelos regimes de verdades binários, universais e a –
históricos alguns estudiosos e pesquisadores da Psicologia, e em especial muitos aqui
presentes, vem manifestando seu descontentamento através de pesquisas e publicações
que criticam a insistência de certa Psicologia que perversamente expressa prazer em clas-
sificar, diagnosticar, tratar, curar, excluir as pessoas através de um modo de reducionismo
que se limita aos manuais produzidos no século XIX. Contra essa prática da psicologia
apresentamos a insurgência de uma Psicologia Queer cujo viés político, emancipatório
e crítico se mostram como urgente e necessário.

Mas de onde vem e para onde vai uma Psicologia


que se orienta pelo Queering?
A tentativa de aproximação da Psicologia com um viés político e emancipatório em
uma perspectiva Queer solicita primeiramente um resgate histórico a respeito do termo
Queer e dos usos que foram sendo construídos em torno de uma dimensão humana
que a principio tem a sua existência negada pelas instituições médicas – psicológicas
– jurídicas – religiosas – e seus saberes/poderes disciplinares e regulatórios, ou recebe
tratamento de abjeção, como não humano, como monstruosidade, totalmente despro-
vido de direitos a ter direitos, logo excluído do acesso à cidadania.
Primeiramente há que se esclarecer que o termo Queer não é um adjetivo e sim um ver-
bo, sendo indicado a ideia de “Queering”, logo, não é possível falarmos em uma identidade
Queer, assim como, que a palavra Queer não se limita ao conjunto de letras identitárias, tais
como, LGBTTTI – gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexos,
mas remete a todas as expressões existenciais que rompem com os imperativos da norma.
Em segundo lugar, o Queer não se insere dentro do registro binário e universal, mas
se apresenta como expressão humana em construção permanente, como processualidades,
como devires em ação, sempre múltiplo, heterogêneo e polifônico.
Aproxima-se de uma perspectiva nômade de composição com a vida, e, neste
sentido, como aponta Anne Marie Jagose (1993), o Queer não se apresenta como uma
identidade, mas como uma crítica à identidade.
É nesta perspectiva de critica a identidade que se dá a insurgência dos estudos Queer,
advindo nos anos 80/século XX, fruto das lutas políticas e sociais do ativismo de gays e lés-
bicas nos Estados Unidos e Reino Unido, sendo posteriormente emergido em outros países.
Trata-se de um período sócio-histórico, político e cultural marcado por diversas crises,
entre elas, a emergência do HIV/Aids, criticas ao feminismo heterocentrado, branco e
colonial, crise política e cultural assimilada pelo capitalismo e que dará visibilidade para
a cultura gay, diante da evidencia do Pink Money.
Inspirado pelo ativismo da pandemia da AIDS destacamos as atividades de grupos
como ACT UP (Aids Coalition to Unleash Power) composto por pessoas soropositivas,
usuárias e usuários de drogas, gays, lésbicas, travestis e transexuais, trabalhadoras e traba-
lhadores do sexo, homens e mulheres negras e outros coletivos minoritários, descontentes

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com o tratamento estatal. De acordo com Javier Sáez (2005, p. 68), (tradução nossa)
há duas razões principais que apontam para a importância do ACT UP:

(1) a sua capacidade de aglutinação de diversos coletivos que tra-


balhavam separados (mulheres negras, mulheres em situação de
pobreza, drogados, putas e putos, gays, lésbicas, transexuais, tra-
vestis, hemofílicos) denunciando o descaso e responsabilida-
de do estado pela exclusão vivida por diversos grupos de pessoas;
(2) coloca em questão a prática de muitos grupos de direitos civis tradi-
cionais que defendem a integração dos dissidentes sexuais e de gênero
junto aos padrões normativos estabelecidos, negociando alguma quota
e/ou acesso ao poder. Contra esses grupos adaptacionistas o ACT UP
introduz a ‘raiva’, a denúncia direta e explícita, boicotes e atos públicos,
intervenções em igrejas e órgãos de governo, desafiando a ordem social
e os bons costumes como práticas e discursos universais.

Muitas pessoas que participavam das manifestações do ACT UP eram militantes


LGBT e começaram a problematizar a possibilidade de ampliação das referencias iden-
titárias demarcadas pela heterossexualidade e homossexualidade, expressando mal estar
diante dos padrões normativos restritos às oposições binárias e modelos universalizantes;
estas inquietações favoreceram para que no verão de 1990 surgisse o primeiro grupo a
fazer uso da expressão Queer: Queer Nation.
A partir da criação de grupos como Queer Nation muitos outros foram surgindo e
com eles as problematizações sobre identidades acabadas que reduzem o ser humano a
um referencia única e totalizada. Em seus discursos passam a problematizar a respeito de
múltiplas categorias que subjetivam os sujeitos, acrescentado às identidades sexuais outros
marcadores identitários, tais como, classe social, raça/côr, gênero, geração, de modo a tomar
o ser humano como sendo habitado por multiplicidades, o que por sua vez, abandona
definitivamente a ideia de eu, unidade, padrão, estrutura, identidade, papel, repetição.
Em suas práticas se apropriam de estratégias de rua e de confrontação direta com
o poder, se orientando pelas referencias da cultura popular e das lutas do movimento
negro, do movimento hype, do movimento feminista, do movimento pacifista, para
então, criar seu próprio estilo de confrontação, como as manifestações criativas em
espaços públicos de “beijaço” entre gays e lésbicas.
No modo como vinha funcionando o movimento de gays e lésbicas americanos de
igualdades entre hetero e homossexuais, de adequações reduzidas ao modelo de socie-
dade falocêntrica e heteronormatizada, ativistas do Queer Nation e do Out Rage reagem
radicalmente; em suas analises o enfrentamento da homofobia até então realizada pelo
movimento gay e lésbico se mantinha preso à perspectiva assimilacionista, e suas pre-
tensões extrapolavam esses limites buscando a transformação do discurso publico sobre
as sexualidades através da desestabilização dos limites entre espaço público e privado,
denunciando a naturalização da heterossexualidade e a insurgência de novos discursos
e conexões sexuais e de gênero.
Das barricadas políticas do desejo presentes no ativismo Queer e seu diálogo com a
academia, alguns ativistas que também ocupavam o lugar de pesquisadores acadêmicos
organizam um novo campo de estudos e pesquisas: os estudos Queer.

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Em paralelo ao ativismo Queer Susana López Penedo (2008) aponta como sendo
em 1990 o ano que pela primeira vez a palavra Queer foi usada em contexto acadêmico,
quando da publicação da obra Epistemología del Armario de Eve Kosofsky Sedgwick
(1998). De modo complementar Judith Butler (2003) publicava seu famoso Gender
Trouble (Problemas de Gênero) que viria a se tornar o livro referencia para acadêmicos
interessados pelos Estudos Queer no mundo todo. Seguindo as orientações históricas de
Penedo (2008), em 1981, Teresa de Lauretis faz uso do termo Queer na introdução de
numero especial da revista Differences.
A palavra Queer, destaca David Córdoba (2005), tem sua origem na cultura inglesa
e era usada como um modo de ofensa a gays e lésbicas, porém, como modo de sua rever-
são passa a ser apropriada inicialmente pelos ativistas homossexuais para falar em nome
próprio, de modo que a única pessoa que pode se apropriar e assumir-se como Queer é
quem se situa neste lugar, subvertendo a ideia de estigma que inferiorizava e excluía as
pessoas da comunidade LGBT e resignificando suas existências de modo a expressá-las
em sua positividade e orgulho.
Em suas clarificações Penedo (2008, p. 18), (tradução nossa) aponta como campo
de estudos Queer a emergência de três diferentes pontos de problematização:
(1) mapeamento das desigualdades existentes entre diversos setores da
sociedade e que afetam categorizações advindas da classe social, raça/
cor, etnias, sexualidades, gênero, entre outros marcadores sociais da di-
ferença; (2) analises dos discursos produzidos pela cultura que não se
aproximam da emancipação psicossocial e política de gays e lésbicas;
(3) estratégias de legitimação das dissidências sexuais e de gênero, de
modo a teorizar a insurgência de desejos e subjetividade Queer.

De modo geral, a teoria Queer propõe a hibridização como a única forma de romper
com os processos homogeneizantes. Esta ideia de hibridização tem sido apropriado dos
estudos realizados por Donna Haraway, e, seguindo essa perspectiva, Penedo (2008, p.
19, tradução nossa) dirá que: “a hibridização é um processo manipulável desde o ponto
de vista Queer porque pode ser abordado desde um ponto de vista individual” ou seja,
a nomeação do Queer só pode ser feita em nome próprio.
Seguindo os passos de Penedo (2008) podemos constatar que o carro chefe de pro-
blematizações feitas pelos teóricos Queer dizem respeito aos usos e abusos da categoria
identidade, pois entendem a mesma como excludente ao situar-se como marca individual
em oposição a outros marcadores sociais da identidade, tornando-a restrita a um lugar
no mundo que por si mesmo se mostra como opositor e fascista.
Nesta direção, David Córdoba (2005) aponta para a urgência de uma critica a noção
de identidade, de modo a definir uma posição anti - essencialista que nega qualquer
tentativa de naturalização, fixidez e totalização.
Ao lado da critica a identidade somamos problematizações que colocam em
suspeita a própria noção de interioridade, apropriando-se do rechaço feito por Judith
Butler (2003) quando de seus estudos a respeito da identidade de gênero, ao questionar
o sistema sexo/gênero/desejo em suas determinações de complementaridade que se
orientam somente pelo viés do essencialismo, o que por sua vez colocaria em dúvida a
heterossexualidade até então tratada como universal e obrigatória.

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Em suas analises Butler (2003) propõe uma mudança na direção causal e cartesiana
estabelecida entre sexo e gênero, distanciando-se da naturalização que recai sobre o
gênero, confundindo-o muitas vezes com a noção de sexo que se funda no biológico
e na fisiologia reprodutiva, o que por sua vez se mostra carregado de influência moral.
Para essa autora, a naturalização do sexo e do gênero se mostra como efeito político de
reprodução do modelo heteronormativo, demarcando o poder exercido por tecnologias
políticas-morais-cristãs de prescrição da heterossexualidade.
A identidade sexual e de gênero neste sentido não pode ser tomada como expres-
são de um interior natural e/ou essencial, pois a ideia dessa existência de uma essência
interior nada mais é que o efeito regulatório provindo da própria identidade, que por
sua vez é uma manifestação da exterioridade.
Aqui fica patente que o sujeito é construído através de processualidades complexas
que não antecede a ele mesmo, o que por sua vez nos remete ao espaço político em que
as negociações de ocupação de certos lugares no mundo se fundam, promovendo assim
a subversão de valores, sentidos e discursos normativos que se pretendem universais e
imutáveis.
De acordo com Córdoba (2005) e Penedo (2008) a identidade apresenta em seu bojo
uma dimensão de exclusão e de extermínio de toda e qualquer outra marcação identitária,
reificando o sistema sexo/gênero/desejo e suas determinações binárias e universalizantes.
Demarcando essa dimensão de exclusão que habita a identidade, Córdoba (2005)
parte da ideia de que o espaço discursivo que emerge a identidade não a determina de
antemão, logo, sua afirmação se constrói diante da possibilidade de sua re-significação
em espaço aberto e de sua interabilidade, o que por sua vez denota que suas determi-
nações de significados e de conteúdos se dão através da exclusão e repressão de outras
formas identitárias possíveis.
Nesta perspectiva toda identidade é construída através dos efeitos de uma relação
de saber-poder-prazer pelas quais determinadas possibilidades de fixação identitária
reprimem, excluem, negam, interditam outras possibilidades de posição de sujeito.
Para David Córdoba (2005) há que se ater aos processos identitários em sua pro-
dução, de modo a clarificar que para uma identidade se fixar ela precisa excluir diversas
outras formas identitárias, porém, ao fazê-lo ela encobre esse processo de modo a dar a
ideia de que a identidade seria uma essência, algo que as pessoas já nasceriam com ela,
e, portanto, não permite sua problematização, pois aquilo que se mostra natural não
pode se transformada ou conectada com outros campos de possíveis.
Seguindo os passos de Córdoba (2005, p. 53, tradução nossa) pensar sobre a
identidade somente será possível se considerá-la “[...] como espaço político em que se
possa intervir (e de fato se intervém) para modificar seus termos, para redesenhar seus
limites, para incluir posições antes excluídas, para re-significar as posições existentes.”.
Esses determinantes identitários abrem precedentes para que se possa problematizar
a respeito dos processos de subjetivação que individualiza e aprisiona o sujeito em uma
única dimensão identitária, e neste sentido, Beatriz Preciado (2008) propõe que todo
esse engendramento dos discursos normativos determinantes das identidades sexuais e
de gênero que se materializa nos corpos se daria através de tecnologias e programações
de sexo e de gênero, sendo entendida como:

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Psicologia e Políticas Queer

[...] tecnologia psicopolítica de modelização da subjetividade que per-


mite produzir sujeitos que pensam e atuam como corpos individuais,
que se auto compreendem como espaços e propriedades privadas, com
uma identidade de gênero e uma sexualidade fixa. A programação de
gênero parte da seguinte premissa: um indivíduo = um corpo = um
sexo = um gênero = uma sexualidade. Desmontar essas programações
de gênero [...] implica um conjunto de operações de desnaturalização e
desidentificação. (PRECIADO, 2008, p. 90, tradução nossa)
Na trans-contemporaneidade podemos perceber a existência de diversos modelos
de programação de sexo e de gênero, marcados pelo momento sócio-histórico, político
e cultural que se atualizam de acordo com as negociações de saber poder prazer que
aproximam e/ou distanciam suas atrizes e atores envolvidos nos processos sociais e
políticos de emancipação.
Ao mesmo tempo podemos perceber a existência de programadores diversos que
atuam sobre os corpos e suas modulações de sexo, gênero, raça, orientação sexual, ge-
ração, etc., e, em especial os programadores “psi” que não só resistem a atualizar suas
referencias teóricas e metodológicas, como insistem muitas das vezes em reificar práticas
ultrapassadas e leituras totalmente descontextualizadas de seu tempo, o que em linhas
gerais pode parecer suspeito de perversidade.
Será na possibilidade de alargamento de teorias e metodologias da psicologia que
acreditamos na possibilidade de promoção de uma Psicologia que ora estamos deno-
minando Queer, e para tanto, a mesma deverá romper com postulados binários que
se propõem universais e totalizados, dando passagem para a emergência de sujeitos
nômades, e suas subjetividades também nômades em consonância com políticas Queer.
O sujeito nômade, diria Rosi Braidotti (2000) é um mito, uma ficção política que
permite analisar detalhadamente as categorias estabelecidas e os níveis de experiências e
deslocamentos estabelecidos por ele: borrar as fronteiras sem desmanchar as pontes de
conexão. Implica acreditar na potência e na relevância da imaginação, na construção de
mitos, como um modo de êxtase política e intelectual destes tempos trans-contemporâneos.
O sujeito nômade se associa às construções instáveis, transitórias, arbitrárias e exclu-
dentes. Sua configuração se dá através do exterior constitutivo que se processa através de
relações de poderes, saberes e prazeres que negociam o tempo todo os lugares possíveis de
trânsitos e permanências dos sujeitos, sempre em processo, logo, em construção permanente.
Em uma perspectiva nômade de produção de sujeitos somos remetidos a proble-
matizar os modos de subjetivação que participam da feitura desses sujeitos, e, neste
sentido, a produção da subjetividade nômade.
Rosi Braidotti (2000) dirá que a configuração desse modo sujeito toma o nômade
como figura da subjetividade trans-contemporânea, como artefato tecnológico do huma-
no e pós-humano, dotado de capacidades múltiplas em trans-conectividade impessoal.
Para Braidotti (2000) o nômade somente está de passagem e se estabelece conexões
situadas, elas apenas servem como modos de sobrevivência, nunca aceitando plenamente
os limites de uma identidade nacional fixa; o nômade não tem passaporte, ou se o tem,
sempre é demasiado.
Essa trans-conectividade nômade apresentada por Rosi Braidotti e a emergência do
sujeito nômade vem de encontro às problematizações a respeito das expressões Queer e
suas possibilidades de analise fora dos manuais.
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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

A perspectiva de uma leitura “psi” que escape dos binarismos e universais em dire-
ção a uma posição nômade de análise remete a um distanciamento das referencias que
tomam o ser humano como uno, como estrutura fechada, como totalidade e reconhecer
no humano a sua diversidade múltipla de expressão e de conexão com a diferença da
diferença (DELEUZE; PARNET, 1998); toma a variação e descontinuidade do humano
em sua positividade e potência, dando voz para que a insurgência de novas expressões
sexuais e de gênero sejam ouvidas e contempladas em suas reivindicações sociais, políticas
e emancipatórias de cidadania, direito de ir, vir, ser, transitar e viver.
Nestas configurações nômades novas políticas emancipatórias se mostram urgentes, e
nesta rota, a política Queer se apresenta marcada por um viés emancipatório psicossocial
supondo questionamentos das tendências integracionistas e totalizantes de todas as agre-
miações de reivindicação de direitos, assinalando os limites dessa integração e propondo
estratégias de enfrentamento aos regimes normativos, heteronormativos e falocêntricos.
Coloca sob suspeita as referências dadas de identidades acabadas, denunciando o caráter
excludente desses marcadores identitarios que se mostram absolutos e imutáveis.
Se pensarmos em um modo simples para definir essa política Queer podemos
apontar como suas características a visão de identidade aberta e flexível, assim como,
a utilização de estratégias e instrumentos de lutas advindas das estruturas culturais da
heteronormatividade. A política Queer, nos fala David Córdoba (2005) será sempre
assimilacionista e renunciante da integração a uma sociedade heterossexual, se colocando
decididamente em lugares marginais.
Nesta perspectiva, o Queer se caracteriza pela figura de um guarda chuvas que com-
porta as mais variadas formas de dissidências às normas sexuais e de gênero, mas também
a todas as formas de existências que se distanciam do normativo e do hegemônico, tais
como classe social, raça/cor, etnias, geração, entre outros, anunciando que nem todo gay/
lésbica é queer, e nem todo queer é gay/lésbica, evidenciando a presença do heteroqueer.
Em uma analise complementar, Susana López Penedo (2008, p. 134, tradução
nossa) afirma:
No mundo Queer, onde são as práticas sexuais e não quem as praticam que
importam, ser homo ou heterossexual não é tão importante como ter e
praticar atitudes Queer diante da vida [...] com certa imprecisão se poderia
assinalar como Queers aqueles heterossexuais que fazem criticas voluntárias
à heterossexualidade, já que elegem determinadas práticas sexuais (bissexu-
alidade, sado-masoquismo) ou simpatizam com outras expressões Queer.

A partir dessas problematizações propomos a emergência de uma psicologia que


não seja classificatória, diagnóstica e reducionista para valorizar o direito político fun-
damental à singularidade e as variações dos lugares ocupados no mundo pelas pessoas
que não coadunam com as determinações regulatórias e disciplinares de uma sociedade
demarcada pela crise dos paradigmas. Sendo assim, uma Psicologia Queer se orienta por
alguns pressupostos básicos:
1. Desconstruir os sistemas de pensamentos binários e sedentários, imagens e
discursos capturados pela lógica normativa;
2. Mapear conflitos existentes entre as estratégias de resistências e a dominação
psicossocial, política e cultural;

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Psicologia e Políticas Queer

3. Facilitar a emergência de novos sujeitos emancipados, destacando sua posição


política de direitos a ter direitos.
Essas demarcações teóricas ajudam a pensar uma Psicologia Queer e a traçar como
objetivos mais importantes:
- desfazer o sexual e o gênero, heteronormatizado e falocêntrico;
- desterritorializar os territórios sexualizados e gendrados através da decodificação
dos códigos que dão inteligibilidade para os estereótipos de classe, raça, sexua-
lidade, sexo, gênero, orientação sexual, etc.; e,
- facilitar a passagem para que devires outros possam expressar novos modos de exis-
tencialização, fora dos binarismos e dos universais que até então se orientavam pelos
processos de normatização impostos pelo bio-poder e suas regulações bio-políticas.
Fica aqui o desafio para que a Psicologia resgate seu compromisso com a transfor-
mação social, política e emancipatória de todo ser humano falante na trans-contempo-
raneidade, de respeito à liberdade de expressão e de pontes para que devires outros se
potencializem e facilitem a defesa da vida como valor maior.

Referências
BRAIDOTTI, Rosi. Sujetos nómades. Buenos Aires: Paidós, 2000.
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FOUCAULT, Michel. Uma estética da existência. Ditos e Escritos V. Rio de Janeiro: Forense
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JAGOSE, Anne Marie. Queer Theory: an introduction. Nova York: New York University Press,
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MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas
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PENEDO, Susana López. El labirinto queer: la identidad en tiempos de neoliberalismo. Bar-
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SEDGWICK, Eve Kosofsky. Epistemología del armario. Tradução Teresa Bladé Costa. Barcelona:
Ediciones de la Tempestad, 1998.

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La sexualidad, aún un desafío
para la Psicología

Gloria Careaga Pérez

El interés por develar la diversidad sexual existente en una sociedad se ha


manifestado claramente a través de la historia, ha sido el desarrollo de algunas
teorías psicológicas, el interés de la Antropología y de algunas corrientes de la
sexología quienes inicialmente pusieron el foco en sus distintas expresiones. A
partir de la década de los 70s dos movimientos sociales: el feminista y el lésbico
gay, la pusieron en debate. En la época contemporánea, su mayor reconocimiento
se ha dado a través de la lucha social, pero no ha sido ajena al desarrollo del
conocimiento y recientemente ha ocupado áreas de estudio importantes en las
instituciones de investigación y de educación superior.
Una de las principales aportaciones al reconocimiento de una sexualidad
múltiple se le reconoce a Freud (05), quien, aunque ha levantado fuertes debates
que han terminado en claras controversias entre quienes pretendemos adentrarnos
en este campo, no podemos dejar de reconocer que sembró la semilla de una
visión moderna de una variedad sexual infinita. Señaló que la sexualidad tiene
claras manifestaciones a través de las diferentes etapas de la vida y que éstas son
polimorfas. Freud denominó a algunos comportamientos sexuales como per-
versos, buscando transformar las opiniones convencionales respecto de lo que
constituía el sexo, y lo que consideraban su fin: la reproducción. Evidentemen-
te, su connotación no era la misma que actualmente le asignamos al concepto
(Weeks, 98), -desde esa analogía que también hasta el siglo XVI se utilizó de
la perversión como diversidad- y expresada claramente al denominar al infante
como un perverso polimorfo.
Por otra parte, la sexología, si bien se ha orientado de manera importante a
investigar la respuesta sexual humana principalmente desde una óptica médico-
-biológica, -Master y Johnson, Ellis- algunos, como Kinsey, con su detallada
encuesta han ampliado notablemente su perspectiva y hasta podríamos con-
siderarles pioneros en el desarrollo de nuevas propuestas para el estudio de las
múltiples expresiones de la sexualidad.
Si bien estas aportaciones teóricas y las revisiones dentro de la corriente do-
minante de la sexología proporcionaron un marco para reconocer la diversidad, el
impulso político proviene de un origen diferente: las minorías sexuales. La mayor
parte de las sociedades han presenciado ya un esfuerzo sostenido de lesbianas y
gays por articular y desarrollar identidades claras en el contexto de subculturas
y comunidades sociales más amplias. Incluso a medida que los modos de vida
homosexual se han hecho más públicos y tienen más confianza en sí mismos,

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han surgido otras afirmaciones de identidad de minorías sexuales; y han proporcionado


un repertorio de estrategias políticas y organizativas para la movilización de otros grupos
eróticos, como de una amplia visibilidad de las representaciones de género. Así ha surgi-
do la voz de travestis, transexuales, sadomasoquistas, bisexuales, swingers, trabajadoras
sexuales y otros, exigiendo su derecho a la libre expresión y a su legitimidad social. Es
decir, cada día más estas polémicas manifestaciones del sexo-género han dejado de ser
del interés clínico para entrar en el escenario de la historia y de la cotidianidad, como
pruebas vivas de la diversidad sexual.
Muchas de estas expresiones podríamos considerarlas luchas de la política de la iden-
tidad que han iniciado por analizar la opresión que enfrentan para reclamar, de forma
diversa, el recuperar, redefinir, o transformar las formas estigmatizadas prevalecientes en
los grupos de pertenencia (Heyes, 2007). Taylor argumenta que la identidad moderna
es caracterizada por un énfasis en su voz interna y la capacidad de autenticidad — esto
es, la capacidad de encontrar la manera de ser, que de alguna manera, es verdadera a uno
mismo (Taylor en Gutmann, ed. 1994). La política de la diferencia se ha apropiado así
de la autenticidad, para describir formas de vida que son verdaderas para las identidades
de grupos sociales marginados. El discurso de la política de identidad ha sido útil y posi-
bilitado el empoderamiento de algunos, pero al mismo tiempo han cuestionado aspectos
éticos para comprender sus demandas y sus propias definiciones. Definitivamente, muchos
de los debates pragmáticos acerca de los méritos de la política de identidad han necesi-
tado develar las interrogantes filosóficas acerca de la naturaleza de la subjetividad y el ser
(Taylor 1989). De esta manera, los primeros esbozos por sistematizar los fundamentos
filosóficos de la política de identidad pronto enfrentaron su deconstrucción.
Además, de todos es sabido, incluso por propia experiencia, que esta auto-denomi-
nación ha devenido también en generalizaciones acerca de grupos sociales particulares
en el contexto de la política de identidad que en muchas ocasiones han constituido una
importante función disciplinaria dentro del grupo, no sólo describiendo sino también
dictando la auto-percepción y auto-definición que sus miembros deben tener. Es así,
que la supuesta liberación de esta nueva identidad puede limitar la autonomía, como
ha señalado Appiah, remplazando una “forma de tiranía por otra” (Appiah in Gutmann
ed. 1994, 163). Si bien estos elementos constituyeron un elemento fundante para la
construcción de un movimiento social, las ataduras impuestas han dado lugar hoy a la
apropiación de nuevos términos para la auto-denominación, incluso del término queer
como una nueva identidad que para muchos no tiene sentido, pero que para otros
deja ver cómo se vivencia la tensión de los límites impuestos, como ataduras a romper.
Aún así, la tendencia a formar y defender categorías está aún vigente. A pesar del
señalamiento de Kinsey de que sólo la mente humana inventa categorías y se esfuerza
para que los hechos quepan en casilleros separados, aunque los hechos se subvierten
constantemente. En este afán, han surgido nuevas categorías y minorías eróticas y las
más antiguas han vivido un proceso de subdivisión a medida que gustos especializados y
necesidades y aptitudes específicas se convierten en la base de otras identidades sexuales
que proliferan. En esa lógica, la lista es potencialmente interminable ya que cada deseo
específico se convierte en un centro de afirmación política y posible identidad social, que
resulta imposible enumerar y no pocas veces, incluso denominar. De ahí que, más allá de

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la propuesta original, los estudios sobre la minorías sexuales han pasado de los estudios
lésbico gays, a los estudios queer –como una forma de reivindicar su uso peyorativo-, y
a los de la diversidad sexual, en la búsqueda de abrir un espacio para la reflexión sobre
las amplias manifestaciones de la sexualidad. Basta observar un poco y mirar cómo se
presentan formas de expresión en movimiento constante, cada una con sus expresiones
específicas, constituyendo un desafío constante para su análisis.
Podríamos considerar que los debates sobre la constitución de la identidad se dan a
través de la negociación entre posiciones esencialistas y construccionistas. Estas distintas
posiciones se han utilizado indistintamente también como herramienta política para
justificar o explicar distintas expresiones sexuales. No obstante, si bien podríamos decir
que fácilmente podríamos categorizar a los sujetos a partir de sus definiciones sexuales,
un sinnúmero de circunstancias ambiguas pondrían en duda los límites precisos de la
descripción de esa categoría.
Afortunadamente y no, la noción de que la sexualidad proporciona una identidad
común estable y auténtica ha sido profundamente desafiada por la llegada de la denomi-
nada teoría queer. La teoría de la sexualidad trasgresora, que parte de la denominación
de una identidad que se marcaba como negativa, por no acomodarse a la norma. Una
perspectiva que sigue haciendo referencia a lo raro, a lo exquisito (Ceballos, 2005), que
trasciende las clasificaciones y recupera también el sentido de la interseccionalidad para
colocarse transversalmente en las categorías tradicionales, tergiversando el sentido común
dominante y la idea misma de normalidad. El cambio de paradigma de las señales del
término queer, son un cambio a un modelo en las que identidades son más autocon-
cientemente historizadas. Las identidades desde lo queer, son vistas como productos
contingentes de genealogías particulares, más que del tipo duradero o esencialmente
naturales (Phelan 1989, 1994; Blasius 2001).
A poco más de veinte años de creación de la “teoría queer” (1990), como un proyecto
crítico dirigido a resistir la homogeneización cultural y sexual de los “estudios lésbicos
y gay” en el ámbito académico; De Lauretis pretendió también destacar las distintas
vivencias que los hombres gay y las lesbianas tienen, derivando en historias diferentes.
Diferentes maneras de relacionarse entre sí, y diferentes prácticas sexuales; donde las
lesbianas no son, los principales objetivos de las estrategias de comercialización de un
“ estilo de vida “ gay. Incluso, le interesó profundizar sobre la fuerte, aunque a veces
conflictiva, relación que las lesbianas tienen con el movimiento feminista. En este sen-
tido, consideró que las cuestiones de las diferencias raciales y étnicas, planteadas por
los colectivos de lesbianas negras, chicanas y latinas en su crítica del feminismo blanco,
en realidad moldearían el feminismo de la década de los ochenta, definiendo así una
nueva ruta para el feminismo contemporáneo. El proyecto de “teoría queer” (De Lauretis,
2010) buscó realmente iniciar un diálogo crítico entre las lesbianas y los hombres gay
sobre la sexualidad y sus respectivas historias sexuales; para juntos romper los silencios
que se habían construido en los estudios lésbicos y gays en torno a la sexualidad y su
interrelación con el sexo y la raza, y de alguna manera retomar lo planteado por Gloria
Anzaldúa (1987), y resignificar el sentido de lo racial y lo étnico.
Mirando la evolución actual de la teoría queer, pareciera haberse torcido. Surgieron
nuevas prioridades y la importancia de la prevención del VIH en todos los sectores de la

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sociedad amplió la gama de identidades sexuales no normativas. Algunos sostienen que


en la actualidad una identidad queer es más radical que las identidades gay y lesbiana,
que se han convertido en respetables, e incluso conservadoras, al igual que los matri-
monios legales, a los que muchos aspiran. Otros, por el contrario, sostienen que queer
es una identidad vagamente anti-normativa o no convencional, que no implica nada.
Pero tal vez lo más destacado es que la popularidad del término queer ha llevado a
privilegiar la identidad social de género, sobre lo sexual. A pesar de la alerta levantada
por Gayle Rubin desde 1989 de la necesidad de analizar la sexualidad y el género como
dos categorías independientes y de la clara dirección de la propuesta queer, en lugar de
problematizar el vínculo entre género, sexualidad y subjetividad, pareciera cada vez más
simplificado a través de las representaciones del género.
Para quienes nos identificamos con un interés central en el trabajo sobre la sexuali-
dad, el término queer empieza a perder sentido. Si vamos a reclamar queer como palabra
contestataria que sea realmente inclusiva de lo sexual, necesitamos una concepción de
la sexualidad que va más allá tanto de los equívocos nebulosos del género, así como
de las preocupaciones médicas respecto a la funcionalidad reproductiva. Si como deja
ver Bourcier, en su libro Queer Zone, que la fuerza performativa es reversible y puede
elaborar distintas formas de resistencia y apropiación derivadas de la construcción de
identidades, necesitamos adentrarnos aún más en estos procesos de resistencia para
resignificar y comprender mejor aquellas expresiones de la sexualidad a las que apenas
unas cuantas indagaciones teóricas se han aproximado.
Las manifestaciones de placer sexual, oral y anal, se mantienen plenamente activas
en la sexualidad adulta y, además, éstas y otras pulsiones parciales en realidad pueden
ser más poderosas que la actividad genital. Por lo tanto, entre los comportamientos
sexuales conocidos, claramente hay varios que se remontan a los placeres infantiles, ya
señalados por Freud, y producen satisfacción sexual, incluso independientemente de
la actividad genital.
El problema tal vez es que hoy las minorías sexuales, como referentes principales,
tampoco tienen presencia. El movimiento feminista, en gran parte no ha logrado se-
parar la sexualidad de la reproducción y desde ahí llaman a la lucha por los derechos
sexuales, cuando internamente parecieran interesadas sólo en la despenalización del
aborto. Mantienen sí una mirada en relación con la sexualidad y centrada en el cuerpo,
pero con un íntimo vínculo con la reproducción. Los cuestionamientos a la hetero-
sexualidad impuesta y la importancia de destacar la sexualidad femenina han perdido
fuerza, si no es que desaparecido incluso del discurso. El movimiento LGBTI avanza
peligrosamente en sus propuestas integracionistas, en lo que algunas hemos identifi-
cado como un proceso de “adecentamiento” que busca la aceptación, lejos muy lejos
del cuestionamiento a la estructura y su disrrupción. Y ese segmento del movimiento
LGBTI, que está dispuesto a distanciarse de las identidades, se haya centrado en mucho
en las representaciones de género.
Pero este desafío no está presente solo desde la actividad política, sino también
desde la producción académica, donde de muchas maneras estas tendencias se expresan.
Si como Freud planteó, la sexualidad es la dimensión más generalizada de la vida
humana, que va desde la perversión a la neurosis y a la sublimación; la teoría queer podría

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ampliar su gama de preocupaciones a todas las formas de comportamiento sexual; no


para clasificar o tipificar como delito o enfermedad, no para “proteger a la sociedad” o
apuntalar la sociabilidad humana, sino para entender sus condiciones de posibilidad. Las
sociedades contienen todo tipo de fuerzas, no podemos seguir con la concepción de fuerzas
negativas y positivas. Mientras teorizamos sociabilidad y afectividad en las comunidades
queer, no podemos ignorar los aspectos compulsivos, perversos e ingobernables de la
sexualidad que nos confrontan en la esfera pública, con la familia y con nosotros mismos.
El discurso de las identidades sexuales o de género ha sido político desde sus ini-
cios, a veces conservador, sobre todo a partir de los estudios “científicos”, otras veces
contestatario, principalmente en la crítica feminista y en la disrupción lésbica-gay de los
años 60´s y 70´s que plantearon la sexualidad y el género como estructura social opre-
siva. El planteamiento crítico del género, elaborado por un movimiento de oposición
constituyó la base fundamental de las prácticas de de-construcción del género y para los
planteamientos transformadores que le siguieron. Todavía hoy nos enfrentamos con el
planteamiento político de las identidades sexuales; si bien la lista sigue creciendo y hoy
tenemos identidades LGBTIQ, no podemos negar que éstas se encallan en lo sexual en
el sentido freudiano (De Lauretis, 2010) especialmente aquéllas estigmatizadas como
parafílias o trastornos de la identidad. Pero su lugar en la transformación social, desde
los significados hasta las reformas legales, para la consideración de sus derechos, es una
realidad cotidiana palpable en los espacios y en el debate público.
El malestar de la civilización de Freud, no está en el ejercicio y expresiones de la
sexualidad, sino en la estructura social misma, donde las instituciones de la sociedad
civil, la familia, la educación y la religión, tienen el propósito de frenar o contener lo
sexual y canalizarlo hacia el vínculo social legitimado y el supuesto bien común (De
Lauretis, 2010). Igualmente, Freud y Foucault ya nos señalaron cómo también ese yo
vigilante lleva a cabo la represión psíquica de manera más eficiente que el Estado lleva a
cabo la represión política. La negatividad inherente a esta limitada visión de la sociedad
humana está en conflicto con la política de las identidades o, de hecho, con cualquier
política, si entendemos por política una acción destinada a conseguir un objetivo social,
ya sea que el objetivo sea el bien común o el bien de algunos.
El conflicto entre sexualidad y política es el núcleo de lo que se ha denominado los
equívocos del género, la confusión entre género y sexualidad y su priorización como el
reto. Este mismo conflicto permea el debate actual sobre la política de la teoría queer, al
desconocer su propuesta como teórica. En la medida en que es una visión conceptual,
una visión crítica o especulativa del lugar de la sexualidad en lo social, la teoría queer no
es un mapa o un programa de acción política. No quiero con esto decir que una política
queer no pueda existir; sino que desde la abstracción de la teoría o la filosofía se necesita
de un tipo de traducción que posibilite su mejor comprensión para llegar a la acción
concreta de la política.
Pero desde una perspectiva disciplinaria como la que pretendemos abordar acá,
desde la Psicología, que en mucho se ha construido como la medicina a partir de las
tipificaciones, de la construcción binomial de categorías de distinción entre lo normal
y lo patológico ¿hasta dónde estamos dispuestos y somos capaces de romper con la
tradición de las categorías? Igualmente, ¿podremos dejar atrás la tradición de mirar y

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escudriñar lo exótico para llevarlo a la comprensión de las mayorías? Desde la sexua-


lidad, la construcción de estas nuevas posturas tiene grandes implicaciones, teóricas y
políticas. Nos exigiría necesariamente llevar a la mirada a escudriñar la sexualidad como
una dimensión que cruza no sólo los cuerpos abyectos o las minorías sexuales, sino a
una mirada que recorre los distintos segmentos de la sociedad. Sobre todo de aquellos
que desde la hegemonía, no han sido tocados, mucho menos escudriñados.
Habremos de preguntarnos también, ¿hasta dónde la psicología individual y la de
la interacción social nos proveen de herramientas teóricas para el análisis del contexto,
más allá de lo interindividual para el análisis de lo colectivo? Es decir, cómo desde la
Psicología nos acercamos a mirar la sexualidad en ese amplio espectro de las definiciones
filosóficas y políticas donde la han colocado.
Abordajes contemporáneos más recientes han buscado la incorporación de otra
dimensión para su análisis, que es la social y que nos permite ver la influencia de la his-
toria y de la cultura en la definición de las prácticas, así como de su impacto en la vida
social toda. El análisis de la sexualidad para la psicología entonces no puede más estar
restringido al campo de la clínica, sino que exige la mirada amplia de la psicología social
que le dé cuerpo y sentido a sus expresiones.
En ese sentido, aproximarnos a lo ilimitado de la diversidad sexual necesariamente
nos hace revisar el concepto que sobre la sexualidad tenemos. Es decir, dejar claro que
concebimos a la sexualidad como un producto social que se refiere a los aspectos erótico-
-amorosos de nuestras vivencias, mucho más allá de la genitalidad. Es más, la diversidad
sexual abarca distintas dimensiones para su análisis y definición: la orientación sexual,
de acuerdo a la dirección erótico-afectiva del objeto amoroso; y las expresiones sexuales,
de acuerdo a las preferencias y comportamientos sexuales que adopta la persona. Estas
dimensiones son amplias y como ha señalado Weeks (1992), no son lineales, se super-
ponen e interactúan de manera cambiante a través del tiempo, en las diferentes etapas
de la vida; y se definen a través del debate y la lucha por su reconocimiento.
Por fortuna, la posición ante la diversidad sexual ha ido variando, por ejemplo, hoy
en día, pocos sexólogos se sentirían cómodos al usar el término “perversión” para describir
las variedades de expresiones sexuales. Es más, se ha señalado (Stoller,) que la perversión
es “la forma erótica del odio”, definida no tanto por los actos, sino por el contenido: la
hostilidad. Igualmente, la búsqueda de las causas de la conducta sexual humana ha ido
perdiendo importancia, para dar lugar al interés por conocer las formas y la presencia
frecuente de la diversidad sexual. El trabajo desarrollado en torno a la investigación en
este campo inicialmente se dirigió hacia las identidades, las expresiones culturales, lite-
rarias, las formas de resistencia y de organización y a los estilos de vida, para dar paso a
nuevas visiones que dejan ver su estela en la vida social y en la cotidianidad de los sujetos.
Hoy el análisis de la sexualidad desde una mirada social no se constituye más en
proyectos de investigación desarrollados por algunas personas interesadas. La sexualidad
como una dimensión social empieza a salir del clóset y poco a poco se va constituyendo
en un tema cotidiano de reflexión, por un número creciente de investigadores que van
logrando su institucionalización académica. Algunos especialistas de las humanidades
y las ciencias sociales empiezan a enriquecer sus perspectivas y a tomar también la se-
xualidad como una dimensión para el análisis de distintos fenómenos sociales.

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Estos nuevos aportes exigirían tal vez de recuperar el sentido original de la propuesta
de la crítica queer, dicha crítica y el análisis de las prácticas posibilitan la historización
de las categorías que definen los sujetos y evidencian su maleabilidad y creatividad po-
lítica. Lo queer funcionaría entonces como una forma de ubicarse en los debates sobre
sexualidades y género y observar sus márgenes, normas y hegemonías. Especialmente
en nuestra región colonizada, al impulsar la intersección con lo racial, lo étnico y la
clase. Lo queer aludiría así a las fronteras geopolíticas, raciales y sexuales, materiales y
simbólicas que conforman la región.
Esta propuesta simboliza también proyectos de resistencia geopolítica contra la im-
posición unilateral de estudios del Norte hacia el Sur que invalidan trabajos de campo,
propuestas y creación de conocimiento surgido, debatido y en circulación en el Sur. La
producción queer en la región, como lo señalan Viteri, Serrano y Vidal-Ortiz (2011) está
más en función de desplazamientos contestatarios frente al Estado, a las instituciones
religiosas o a las nociones de ciudadanía por parte de sujetos abyectos.
Enmarcar una discusión alrededor del sexo, el género y la sexualidad entonces,
implica al mismo tiempo un tipo de traducción cultural. Es decir, donde el género y
la sexualidad están en tránsito y en constante diálogo con los contextos a partir de los
cuales se producen y re-producen. Sin un duda un gran desafío, pero un aporte necesario
para nuestra región.

Referencias
Anzaldúa, Gloria. 1999 (1987). Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco:
Aunt Lute.
Appiah, Anthony and Amy Gutmann. 1996. Color Conscious: The Political Morality of Race.
Princeton: Princeton University Press.
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Bourcier, M.H. (2006) Queer zones: politique des indentités sexueles et des savoirs. Paris:
Amsterdam.
Careaga y Cruz, (2004) Sexualidades Diversas, aproximaciones para su análisis. PUEG-
-UNAM, M.A. Porrúa, Cámara de Diputados. México.
Ceballos, Alfonso (2006) Performing sex: la construcción de la masculinidad gay en Making
Porn, de Ronnie Larsen en Géneros extremos/extremos genéricos: la política cultural del discurso
pornográfico de Rafael Vélez Núñez. Universidad de Cádiz. España.
De Lauretis, Teresa de (2010) Teoría Queer Veinte Años Después: Identidad, Sexualidad y
Política. Ponencia en el Seminario Internacional. Fundación Arcoíris. México.
Focault, Michelle (1979) Historia de la Sexualidad, Fondo de Cultura Económica, México.
Freud, Sigmund (1905) Tres ensayos sobre la teoría de la sexualidad. Amorrortu, Barcelona.
Gutmann, Amy (ed.). 1994. Multiculturalism: Examining the Politics of Recognition. Prin-
ceton: Princeton University Press.
Heyes, Cressida (2007) Self-Transformations: Foucault, Ethics, and Normalized Bodies. Oxford:
Oxford University Press.
Phelan, Shane. 1994. Getting Specific: Postmodern Lesbian Politics. Minneapolis: University
of Minnesota Press.
Stoller, Robert, (1975) Perversion: The Erotic Form of Hatred, Pantheon, New York.

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Taylor, Charles. 1989. Sources of the Self: The Making of the Modern Identity. Cambridge,
MA: Harvard University Press.
Viteri María Amelia, Serrano José Fernando, Vidal-Ortiz Salvador (2011) ¿Cómo se piensa lo
queer en América Latina? Dosier de La Revista de Ciencias Sociales Íconos. FLACSO Ecuador.
Número 39. Enero de 2011.
Weeks, Jeffrey (1998) Sexualidad. Paidós, Programa Universitario de Estudios de Género,
UNAM, México.

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Tópicos e desafios para uma
psicanálise queer

Patricia Porchat

Posso afirmar que no meio psicanalítico, pouca gente sabe o que significa o
termo “queer”. E no entanto, nos últimos vinte anos, “queer” se fez presente no
movimento gay e lésbico, na literatura, nas ciências humanas e em movimentos
sociais. Assim como “gênero”, “queer” fez sua entrada também no campo da
psicologia e da psicanálise. Talvez por desconhecimento do termo por parte de
muitos psicanalistas, ou talvez por uma recusa desses mesmos psicanalistas em
querer ver o avanço de certos segmentos da sociedade, não se garantiu ainda
um número suficiente de reflexões rigorosas e de debates teóricos sobre a real
possibilidade desse encontro e sobre suas possíveis consequências. Poucos psica-
nalistas se propuseram a pensar sobre a teoria queer (embora haja uma tendência
a aumentar esse número) e, por outro lado, os teóricos queer que discutiram a
psicanálise o fizeram, inicialmente, de modo fragmentado, analisando apenas
alguns conceitos psicanalíticos e revelaram não ter uma visão geral e mais
aprofundada da obra dos autores em questão. Correram assim o risco de não
serem levados tão a sério pelos estudiosos e praticantes da psicanálise, embora
seguramente tenham contribuído para colocar em xeque alguns dos pressupostos
psicanalíticos. Recentemente essa perspectiva vem se alterando, o interesse dos
teóricos queer pela psicanálise vem aumentando e o debate se aprimora. Não há
como negar que o trabalho de fazer dialogar a psicanálise com a teoria queer já foi
iniciado. Da parte dos psicanalistas podemos citar Sáez (2004), Allouch (1999),
Castel (2003), Barbero (2005), Costa (1995), Porchat (2007), Arán (2006) e,
pela teoria queer, citarei apenas os nomes de Butler (1990, 1993, 1994, 2002,
2004), Sedgwick (1993) e De Lauretis (2008), embora outros autores possam
ser identificados.
Em seu artigo Queer and Now, Sedgwick (1993) discorre sobre os usos
do termo queer e mostra seu vasto alcance. Se na acepção mais conhecida
encontramos referências a um campo indefinido e sem fronteiras de gêneros e
sexualidades, aí podendo ser incluídas práticas corporais não convencionais e
não-normativas, Sedgwick aponta igualmente para o uso de “queer” para raça,
etnia, nacionalidades pós-colonialistas e para vítimas de variadas formas de ex-
clusão e de violência. O termo queer é usado para investigar, analisar, questionar
e intervir sobre as normas e as margens que elas produzem.
Dois outros usos do termo queer chamam a atenção pela sua aproximação
com a psicanálise. Queer pode se referir a lacunas, lapsos, excessos e dissonân-
cias, funcionando como uma matriz aberta a possibilidades na constituição de

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

gênero e sexualidade. Queer, em suas raízes etimológicas, significa atravessar. (Sedgwick,


1993). A psicanálise dirá que o inconsciente se manifesta através de escapes, lapsos e
excessos, o que torna o indivíduo parcialmente desconhecido para si próprio e desmonta
a possibilidade de se perceber como um ser uno e totalmente aderido a qualquer ideal
social e normativo de gênero ou sexualidade. Butler ecoa essa discussão ao dizer que
ocorre uma repetição subversiva de gênero. Ao tentar repetir os gestos e as palavras que
performam gênero, algo não sai de acordo com o esperado. (Butler, 1993). Somos seres
atravessados pela pulsão e pelo inconsciente.
O segundo uso, ao qual me referia, aparece quando Sedgwick diz que há alguns
sentidos em que queer só pode ser usado na primeira pessoa. E, acrescenta, que talvez
o que identifica o uso de queer como um uso verdadeiro é o impulso para usá-lo na
primeira pessoa. Afinal, se queer é dissonância, lapso ou excesso, pode-se dizer que não
existe identidade comum a dois sujeitos. Algo sempre escapa a qualquer tentativa de
indexação. Queer só poderia se referir a cada um, em sua particularidade. (Sedgwick,
1993). Podemos aí localizar a ideia de singularidade, tão cara à psicanálise.
Quero agora enumerar alguns pontos que me parecem essenciais para que ocorra
um debate e uma eventual aproximação entre a teoria queer e a psicanálise. Longe de
pretender esgotar a discussão, vou apenas levantar algumas questões acerca dos seguin-
tes temas: o estatuto do corpo e da pusão; o estatuto do inconsciente e da realidade;
o estatuto do Édipo, do parentesco e da universalidade; a ética e os direitos humanos.
Escolhi esses temas, mas acredito que outros autores, psicanalistas ou teóricos queer,
poderiam enumerar mais alguns, ou até questionar as minhas escolhas. Minha intenção
não é outra senão a de contribuir para um debate na direção da construção de uma
teoria que sustente uma prática psicológica adequada ao mundo contemporâneo, tendo
como objetivo, amenizar o sofrimento daqueles que interrrogam, de variadas maneiras,
as normas e as margens que elas produzem.

O estatuto do corpo e da pulsão


Em sua apresentação do corpo na psicanálise, a psicanalista francesa Monique
David-Ménard, fala de uma primeira hipótese, freudiana, segundo a qual o corpo era
concebido como “orgânico”, “biológico”, sujeito às forças de representação: natureza e
cultura colidiam.1 Na formação do sintoma histérico conversivo, uma ideia ou imagem
(um pensamento inconsciente) era convertida e produzia efeitos sobre o corpo de modo
incomum. A partir dos Três Ensaios para uma Teoria Sexual (1905), o corpo passaria
a ser compreendido de forma diferente: um processo de organização libidinal que é
contrária à inclinação da natureza e se constitui de modo singular. Lacan mais tarde
desenvolve essa organização libidinal do corpo através do imaginário, simbólico e real.
A “lei simbólica” que governa a pulsão sexual e o corpo, não deve ser confundida com
a “lei instituída” num acordo entre sujeitos de uma determinada cultura. Se pode haver
uma história da sexualidade, é porque esta não se conforma aos mecanismos instintivos
e ao objetivo da reprodução. No entanto, a relação da sexualidade com o campo da

1 David-Ménard, M., A histeria entre Freud e Lacan. São Paulo: Escuta, 2000.

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Tópicos e desafios para uma psicanálise queer

representação não significa que a sexualidade é um produto discursivo, construído de


acordo com cada cultura. Sem o símbolo, não há sujeito humano, mas, na relação com
o símbolo, o sujeito não é o senhor, não é autônomo em relação ao símbolo e, portanto,
não pode ser agente de uma construção de gênero. A sexualidade não é anatomia, não
é construção social, mas acontece no encontro com a linguagem.
Podemos indicar aqui que a concepção de pulsão sem dúvida implica algum grau de
essencialismo, na medida em que ela possui características universais. Na teoria freudia-
na, toda pulsão tem uma fonte – a zona erógena -, um alvo, uma força e um objetivo.
Por outro lado, em sua relação com a linguagem, ela constrói uma história particular e
singular. Se tomarmos o conceito de real em Lacan, há algo do corpo que não se coloca
enquanto simbólico e nem anatômico. Nem todo corpo é uma construção simbólica.
Nem tudo é construção, mas tampouco se trata de uma essência doadora de sentido.
Considerando a teoria da construção social – um dos pilares da teoria queer, o méto-
do de historicizar categorias aceitas como naturais - vemos que o corpo é um dos objetos
sobre o qual muitos autores se debruçaram. Em relação ao corpo e a sexualidade, pode-
mos citar Foucault, Weeks e Laqueur. Este último, por exemplo, mostra que certamente
podemos fazer leituras e classificações a partir dos corpos, mas quando reduzimos as
suas diferenças a uma oposição binária, isso se deve a determinados contextos históricos.
Como consequência, inviabilizamos a percepção das várias possibilidades corporais e de
gênero. A ideia de que existem dois corpos, radicalmente distintos, o corpo-macho e o
corpo-fêmea, e que estes são uma chave para a inteligibilidade cultural, isso tem como
consequência a invisibilidade de outros tantos corpos.
Judith Butler partilha dessa concepção, mas tenta se apropriar da noção de pulsão.2
No entanto, existe um ponto em que é importante manter a diferença entre Butler e a
psicanálise francesa. Em relação à pulsão, a psicanálise é radical. Não se trata de cons-
trução. Mas, ainda que o estatuto da pulsão seja o de uma essência pela negatividade, ou
seja, de algo que não se indexa, algo que não se faz totalmente representar, algo que, em
certa medida, escapa ao campo do simbólico, ainda assim, é uma essência. Já em Butler
parece haver uma tensão. Ela tem sempre um último argumento: o não-construído é
nomeado como “não-construído”. Ele ganha um estatuto ontológico pela sua nomeação.
Trata-se sempre de uma versão do sexo, uma “formação adicional”, ou seja, ainda que
a psicanálise reivindique para o corpo, a sexualidade e a pulsão uma autonomia em
relação à história, esses conceitos serão sempre parte de um discurso formulado numa
determinada época e num determinado contexto. Em última instância, a psicanálise
também é um discurso que constrói seus objetos, segundo Butler. Essa seria segura-
mente sua posição em Problemas de gênero e em Cuerpos que importan. No entanto, em
Undoing Gender, apesar de ela comentar que sempre que fala de corpo escorrega e fala
de linguagem, admite que as significações do corpo excedem as intenções do sujeito.
O corpo não é redutível à linguagem, diz Butler, e acrescenta: “A linguagem emerge
do corpo. O corpo é aquilo em cima do qual a linguagem gagueja, balbucia. O corpo
tem seus próprios sinais, seus próprios significantes, de um modo que permanecem
em boa parte inconsciente”. (Butler, 2004, p. 198). Haveria um reduto último, uma

2 Butler, J., Undoing gender. New York qnd London: Routledge, 2004.

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

substância primeira, a partir da qual o conhecimento sobre o corpo se constrói? Sim e


não. Existe um corpo, mas a linguagem não o traduz por inteiro, Nesse sentido, não
pode haver uma verdade imutável, um campo de significações universais. É essa tensão
que, em Butler, diferentemente da psicanálise, permite aceitar as mudanças do corpo
e a transformação do simbólico.3

O estatuto do inconsciente e da realidade


Para Butler, a psicanálise pode ajudar a compreender como o poder toma forma no
psiquismo e isso seria de grande valia para os movimentos sociais. Butler considera não
ser possível pensar numa representação ponto a ponto, uma simples cópia ou registro de
eventos ou de discursos. É a noção de fantasia que permite compreender que espécie de
filtro cada indivíduo utiliza – ainda que isso se dê de maneira inconsciente- para entrar
em contato com o poder. A fantasia é uma cena imaginária da qual o sujeito participa
e que comporta a realização de um desejo. A fantasia de um indivíduo seria responsável
pelos sonhos, pelos sintomas, pelo agir, pelos comportamentos repetitivos, por todo o
dinamismo do indivíduo. Ela modela e estrutura o conjunto da vida do indivíduo. Isso
permite pensar que há diferentes modos de se relacionar com o poder.
Mas se não se pode negligenciar a fantasia, que lugar cabe à realidade? Butler acredita
que a psicanálise deve ser posta em contato coma a Teoria Cultural e a política cultural,
de um modo mais geral. A psicanálise, segundo ela, deve dialogar com movimentos
sociais mais amplos, políticas culturais, e questões relativas a gays, lésbicas, bi, trans,
intersexo. Corre-se o risco de acreditar que existe uma esfera completamente autôno-
ma da psique, que segue suas próprias regras, como se o que acontece no interior da
transferência fosse algo isolado do que ocorre no mundo exterior. Talvez esse risco de
distanciamento da realidade social seja uma consequência da ampliação da noção de
realidade ocorrida muito cedo na obra de Freud, quando aparece um questionamento
relativo às possíveis marcas, no inconsciente, dos fatos ocorridos no mundo externo.4
Freud oscilará ao longo de sua obra entre duas posições: a) conferir realidade à fantasia
- que Freud chamará de “realidade psíquica”- e com isso não se importar em saber se o
material psíquico corresponde ou não à realidade externa5; b) acreditar na existência de
provas reais, no inconsciente, daquilo que se passou na realidade externa, perseguindo
suas pistas em sonhos e fantasias6. Trata-se, nesses casos, de saber sobre a correspondência
das lembranças a uma realidade vivida anteriormente.
Acreditamos, no entanto, que mesmo com a ampliação da noção de realidade ao
longo da obra de Freud, permitindo falar de uma realidade psíquica, Freud mantém
igualmente a ideia de que existe um “mundo externo” o qual ele denomina também

3 Outra autora que vem recorrendo à noção de pulsão para fazer dialogar a teoria queer e a psicanálise é Teresa de Lauretis.
Para ela, as teorias de Foucault e de Freud são necessárias para articular o fenômeno psicossocial da sexualidade em sua
complexidade. Segundo a autora, somente juntas essas teorias podem esboçar uma teoria materiaista do sujeito sexual.
(Lauretis, 2010).
4 Por exemplo, no momento em que Freud abandona a teoria da sedução em 1897, por não ser possível distinguir entre
verdade ou fantasia nas cenas sexuais “lembradas” pelas histéricas.
5 Cf. Freud, S., Capítulo VII de A nterpretação dos sonhos, ESB, v. V.
6 Cf. Freud, S., “O Homem dos Lobos” ou História de uma neurose infantil, ESB, v. XVII.

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realidade, que existe um teste de realidade e que este permite discriminar entre os es-
tímulos que vêm do mundo externo e os que se originam no mundo interno.7 Como
podemos então avaliar a prevalência da fantasia ou da realidade na questão da respon-
sabilidade e do compromisso dos indivíduos com a transformação social?

O estatuto do Édipo, do parentesco e da universalidade


Segundo Freud, o complexo que serviu de base para a compreensão da construção
dos indivíduos como homens ou mulheres através do processo de identificação, se
inscreveria de maneira semelhante em todas as culturas, garantindo a exogamia através
da proibição do incesto e do parricídio. Entre as várias críticas que recebeu por essa
afirmação, destaca-se a crítica feminista. Sobre o modo como Freud “constrói” a mulher
no complexo de Édipo, diz Gayle Rubin: “Se a fase edipiana evolui normalmente e a
menina “aceita sua castração”, sua estrutura libidinal e a escolha de seu objeto agora estão
de acordo com o papel do gênero feminino. Ela se tornou uma mulherzinha – feminina,
passiva, heterossexual.” (Rubin, 1993, p. 47)8. Mas, para além da ironia quanto ao papel
atribuído à mulher, Gayle Rubin, em crítica a Levi-Strauss –sobre quem Lacan apóia
sua teoria, colocou em questão a existência do parentesco tido exclusivamente como
heterossexual, o que levaria a supor que, além do tabu do incesto, haveria um tabu re-
lativo à homossexualidade sustentando a formação e a manutenção das relações sociais.
Além de questionar a “presunção de universalidade” contida na obra de Lévi-Strauss,
outra feminista, Butler, questiona as consequências de uma lógica totalizante para se pensa-
rem as identidades “homem” e “mulher”. (Butler, 1993, p. 69) Os homens são portadores de
identidade, mas às mulheres é negada uma identidade ou elas ficam em posição subalterna.
A crítica ao estruturalismo aparece desde um ponto de vista feminista, que questiona o
lugar delegado às mulheres nessa estrutura de explicação das relações sociais e acopla a ideia
de que a proibição da homossexualidade é igualmente fruto da Lei que proíbe o incesto.
O sistema de alianças proposto no estruturalismo condiciona uma reciprocidade
entre os homens que, ao mesmo tempo, exclui uma possível reciprocidade entre homens
e mulheres, assim como uma relação entre as mulheres. (Butler, 2003).
O pós-estruturalismo de Butler recusa as tentativas de totalização e universalização
das explicações do parentesco, assim como, a presença de oposições estruturais binárias
operando de modo a organizar e, com isso, fazer desaparecer as ambiguidades e as nuances
existentes nas relações humanas e na cultura, de modo geral. Duas críticas são dirigidas ao
estruturalismo. Primeiramente, em Lévi-Strauss, as regras que governam a troca sexual e que
produzem a partir daí posições subjetivas são distintas dos indivíduos que aderem a essas
regras e que ocupam estas posições. As ações humanas são reguladas por essas regras, mas não
teriam poder de transformá-las. Em segundo lugar, a proibição do incesto é colocada como
um fenômeno cultural, mas não contingente, ou seja, como uma lei universal e inalterável.
Entrevistando Gayle Rubin, Butler recupera as primeiras críticas feitas à noção de
parentesco de Lévi-Strauss.9 Em Tráfico de mulheres, escrito em 1975, Rubin fez a crítica

7 Porchat, P., Freud e o teste de realidade. São Paulo: Casa do Psicólogo/Fapesp, 2005.
8 1993 é a data da tradução do texto de Rubin para o português pela ONG SOS Corpo, de Recife.
9 Butler, 2003b.

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de Lévi-Strauss, por este definir uma organização social da atividade humana pautada
pelo gênero e pela heterossexualidade compulsória. Os sistemas de parentesco criariam
socialmente dois gêneros a partir do sexo anatômico, uma divisão social do trabalho
que enlaça homens e mulheres numa relação de dependência recíproca e a regulação
social da sexualidade, impulsionando para relações heterossexuais que garantam a
reprodução biológica e social, além de reprimir arranjos diferentes destes. Não cabe o
componente homossexual da sexualidade humana na teoria de Lévi-Strauss. A divisão
de trabalho criaria homens e mulheres heterossexuais, devendo ter seu desejo sexual
dirigido ao outro sexo.
Segundo Rubin ainda, a noção de parentesco de Lévi-Strauss deveria ser empre-
gada apenas numa análise histórica. A organização de sexo e de gênero, promovida
pelos sistemas de parentesco, tinha como função organizar a sociedade. Mas, uma vez
organizada a sociedade, essa forma de parentesco foi com o passar do tempo esvaziada
de suas funções políticas, econômicas, educacionais e organizacionais. O parentesco
ficou reduzido apenas ao núcleo sexo/gênero, aprisionando “gênero” numa dicotomia.
Como o gênero operaria se fossem levadas em conta as relações entre parentesco e
homossexualidade? Rubin e Butler10 se dedicam a essa discussão. Butler comenta a
ideia de Rubin, em Tráfico, de que as identidades de gênero derivam das relações de
parentesco. A forma tradicional de se conceber o parentesco está intimamente vinculada
à heterossexualidade e, na medida em que o Édipo está igualmente vinculado aos dois
anteriores, a homossexualidade parece “cair fora” da cultura.(Butler, 2003 b).
Parece-me que tanto Rubin quanto Butler não estão se referindo a práticas ho-
mossexuais ou a atividades sexuais de modo geral. Tampouco se referem à existência
de identidades homossexuais. Empiricamente se constata a existência de identidades e
práticas sexuais diferentes das práticas heterossexuais, assim como se constatam novos
arranjos de parentesco. Certamente Lévi-Strauss encontrou práticas sexuais diferentes
das práticas heterossexuais. Quando, então, Butler e Rubin dizem que as identidades
de gênero derivam das relações de parentesco, referem-se às identidades de gênero que
podem ser consideradas legítimas ou “pertencentes à cultura”. Da mesma forma, quando
discutem a superação do parentesco tal como está concebido, referem-se à possibilidade
de legitimar outras formas de parentesco e, inclusive, de poder nomeá-las como “pa-
rentesco”. 11 Não se trata de conceder licença para diferentes formas de sexualidade,
mas, sim, de conceder licença para diferentes formas de parentesco, ou seja, de novos
laços sociais. Trata-se de legitimar relações e indivíduos inseridos nessas relações que,
por efeito de um sistema de alianças concebido a partir de uma Lei inalterável, não são
considerados “humanos”. Se a Lei, como diz Lévi-Strauss, cria a cultura, essa concepção
de cultura não incluiria alguns indivíduos como “humanos”.

10 Rubin, 1993b e Butler 2003c.


11 Christian Dunker, em comunicação pessoal, observou que o objetivo de Lévi-Strauss não era, no início, tematizar a
sexulidade, mas a aliança. Rubin e Butler trariam ao primeiro plano, na discussão sobre o parentesco, a temática da
sexualidade, quando isso para ele era totalmente secundário. A separação entre sexualidade e aliança já era admitida por
Lévi-Strauss. Parentesco e sexualidade não teriam uma ligação biunívoca, assim como, tampouco, modo de gozo e laço
social. O resultado da separação entre parentesco e sexualidade acaba por confirmar a separação entre prática particular
de gozo e tipo de laço social.

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Assim, desde a primeira crítica ao estruturalismo lembrada acima, na visão de


Butler, seguindo de perto a de Rubin, não há lugar, em Lévi-Strauss e em Lacan, para
mudanças nas relações de parentesco. A própria Butler aponta a saída para a psicanálise.
Trata-se justamente de recusar uma concepção rígida do modelo edípico. O complexo
de Édipo pode assumir várias formas culturais e pode, ainda, não ser considerado
condição normativa da cultura. Butler não acredita em sua universalidade. E, ainda
que fosse universal, poderia não ser condição da cultura, mas apenas um nome para a
triangularidade do desejo. Essa triangularidade pode ser investigada pela psicanálise nos
modelos não-normativos de parentesco, desde que a psicanálise não fique “[...] associa-
da exclusivamente ao momento reacionário no qual a cultura é compreendida como
tendo por base uma heterossexualidade irrefutável.” A proposta de Butler à psicanálise
é a de que esta repense sua noção de cultura a partir dos novos parentescos e dos novos
arranjos sexuais.(2003c, p. 258).
Butler tem uma posição muito paticular em relação à universalidade de algo que
diga respeito aos seres humanos. (Porchat, 2010). Identifica nos seres humanos a busca
por persistir em seu próprio ser. Segundo ela, essa é uma formulação de Spinoza, na
“Ética”: o indivíduo persiste em seu próprio ser apenas em relação aos outros, e apenas
na medida em que as relações com os outros permitem uma grande afetividade ou uma
maior expressividade desse desejo de viver. E é por isso que as condições sociais precisam
ser propiciadoras. É o mundo social que torna isso possível e em relação com outros que,
em certo sentido, precisam solicitar ou apoiar meu desejo de viver. No entanto, há que se
preocupar com as normas que governam a questão de quem será considerado humano e
quem não. Algo acontece quando as normas se rompem, ou quando se resiste às normas,
ou quando as normas produzem um campo de assim chamados seres humanos fora das
normas. Há um modo pelo qual a categoria do humano ao mesmo tempo permite o
reconhecimento de certos humanos e produz uma impossibilidade para outros.
Mas, se o desejo de viver é universal, e se para viver são necessárias condições sociais
propiciadoras e apoio dos outros, há que se perguntar como se dá o reconhecimento
dos outros do meu direito de viver. Da mesma forma, há que se perguntar pela relação
com as normas, as intervenções sobre as normas e as transformações das normas, pois
estas comandam o reconhecimento da categoria de humano.
Diferentemente de Butler, creio ser possível atribuir uma universalidade ao ser huma-
no a partir do reconhecimento de um corpo comum a todos. Se afirmo que ser “humano”
é ter um corpo humano, sendo este corpo considerado como um corpo erógeno, ou
um corpo pulsional, talvez possamos ampliar suficientemente a noção de humano e aí
fazer caber todos os seres humanos. O que é ser chamado de humano? É ter um corpo
reconhecido como corpo desejante e, desejante, na medida em que é atravessado pela
linguagem, mas uma linguagem que falha em sua possibilidade de abarcar tudo o que
o corpo desejaria significar. O universal parece estar no reconhecimento do particular
de cada um. O reconhecimento social, no entanto, é fundamental para que o próprio
sujeito possa se reconhecer. Fica então a pergunta: como reconhecer a nós mesmos como
corpos desejantes e como reconhecer os outros como corpos igualmente desejantes?

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A ética e os direitos humanos


Para o psicanalista, o desejo inconsciente, que nos move no sentido de sua realização,
coloca duas questões: o sofrimento e a singularidade. O primeiro é a porta de entrada numa
análise. Demanda-se algum tipo de procedimento que leve a uma mudança na relação do
sujeito com seu sofrimento e, portanto, com o seu desejo. Já a compreensão da singula-
ridade de cada um é a porta de saída. Mas, como vimos acima, o valor de verdade que a
teoria queer e a psicanálise conferem ao mundo interno enquanto fantasia inconsciente
(encenação do desejo), difere para cada uma delas. Tampouco é fácil desembaralhar o
que a teoria queer e a psicanálise entendem por sofrimento, por ética e por singularidade.
Podemos pensar, inicialmente, no sofrimento pela rejeição, pelo preconceito e pela
falta de reconhecimento social. Lembro de alguns pacientes transgêneros que deixaram de
frequentar meu consultório por serem verbalmente agredidos no caminho. Sentimentos
de culpa e de inferioridade em relação a sua não conformidade às normas eram frequen-
tes na fala desses pacientes e de outros cuja sexualidade e gênero escapavam à matriz
heteronormativa. Muitas vezes esses sentimentos eram responsáveis pela dificuldade de
organização em relação à vida profissional e econômica. Tornava-se difícil conquistar a
independência e a autonomia em relação à família que, por vezes, os rejeitavam. Ainda
assim, permaneciam morando com os pais, não conseguiam ter seu próprio espaço para
desenvolver sua vida pessoal, afetiva e social, criando um círculo vicioso de infelicidade.
Sabemos que esse roteiro já levou muitos indivíduos ao suicídio.
Temos acima a descrição de um sofrimento que pode ser atribuído às normas que
governam a nossa sociedade. Esse sofrimento não pode ser desconsiderado na psicaná-
lise. A psicopatologia psicanalítica ao descrever o neurótico, o psicótico e o perverso, de
maneira nehuma pode desconsiderar a organização social que legisla autoritariamente de
modo explícito ou inflitrado e dissimulado sobre o corpo, o gênero, as práticas sexuais
e, ainda, sobre os desejos sexuais (nesse caso, conscientes). Assim como os teóricos da
construção social, a psicanálise deveria se comprometer com a tarefa de de não permitir
que os comportamentos sexuais, o que envolve corpos e identidades sexuais, sejam ob-
jetos de práticas de controle e normalização por parte da sociedade. Acredito que toda
a prática “psi” e não apenas a psicanálise deveria ter como postura ética não pactuar
com essas mesmas práticas de controle e, por outro lado, buscar a transformação da
sociedade em relação à aceitação das pessoas que sofrem por questões de gênero ou de
sexualidade. A clínica lacaniana, por exemplo, se posiciona contra uma perspectiva de
recuperação de padrões de normalidade perdidos por alguma forma de patologia. Nesse
sentido, não se trata de vencer uma doença. A psicanálise lacaniana questiona ideais
normativos de identidade, sexualidade e de modos de socialização.
Mas a doença, em outros sentidos, existe. E não depende apenas da ordem social.
A psicanálise opera com a ideia de um determinismo do inconsciente. A patologia que
aparece como compulsão no obsessivo, como angústia no psicótico, na intensidade do
ciúmes, na voracidade exagerada, na anorexia, por exemplo, diz respeito a um arranjo
pulsional, a uma fantasia inconsciente, a uma relação particular com o campo do simbó-
lico, às identificações, enfim, dizem respeito a um sujeito em particular. E essa patologia
pode intervir sobre o gênero e sobre a sexualidade. Como então escutar o sofrimento?

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Tópicos e desafios para uma psicanálise queer

A ética psicanalítica, trabalhada por Lacan, coloca em causa o agir de acordo com
o desejo que nos habita. O desejo, por sua vez, não é da ordem do coletivo, não é da
ordem do universal, não pode ser abarcado por ideais identitários ou pela subversão
destes a partir, igualmente, de reivindicações identitárias sejam elas quais forem. A ética
da psicanálise não visa levar o paciente à busca da realização de si, à busca pelo prazer
e à busca pela eliminação do sofrimento. Ao menos não no sentido do que o senso
comum considera como felicidade. A psicanálise o leva a se separar das demandas do
discurso dominante e a descobrir aquilo que vale exclusivamente para si, que não pode
ser coletivo, que não tem valor para mais niguém, que causa seu desejo e que o move.
A singularidade na psicanálise não tem a ver com a identidade, ainda que esta
identidade seja uma não-identidadade, um arranjo pessoal, um dizer “queer” na primeira
pessoa. Para se alcançar uma singularidade na psicanálise, não basta ter condições para
persistir em seu próprio ser, contando com o reconhecimento social. É preciso separar
desejo e gozo, este último entendido como experiências de satisfação e de terror, quase
indistintas, atos que levam o sujeito a se confrontar com uma espécie de dissolução de
si. O gozo igualmente proporciona movimento, mas na direção de uma morte simbólica
daquilo que estrutura o sujeito. Mas de que adianta operar essa separação se o sujeito não
tem condições adequadas para persistir em seu desejo de viver? De que adianta salvá-lo de
si mesmo se ele não pode aceder à categoria de humano, tal como as normas a definem?

Conclusão
Como disse no início desse artigo, não pretendia esgotar o debate entre a teoria
queer e a psicanálise. Mas acredito ter apontado alguns temas que mostram a complexi-
dade existente para se fazer uma ponte entre ambas as teorias. A psicanálise segue sendo
uma referência para autores que desejam compreender as relações entre corpo e psique,
entre indivíduo e sociedade, entre intenção e ação, e entre subordinação e dominação.
A teoria queer, por sua vez, não abre mão da análise e do questionamento daquilo que
as normas, tidas como quase naturais, produzem, ou seja, as margens. A psicanálise só
tem a se beneficiar com essa injeção de realidade.

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Biopolítica, Subjetivação e Saúde 1

Cristiane Gonçalves da Silva2

Aqui está uma discussão possível (dentre tantas) sobre “biopolítica, subje-
tivação e saúde” e algumas de suas interfaces. A reflexão sobre estas temáticas e
as relações entre elas, parece calhar bem quando desencadeada por determinadas
palavras, carregadas de suas respectivas histórias. As palavras - “corpo, sexualidade,
reprodução, discurso biomédico, discurso jurídico, moralidades religiosas, escolhas
pessoais, disciplina” - parecem assumir a função “problematizadora” e também
por serem carregadas de muitos e diversos sentidos, foram escolhidas para
constituírem o processo didático a ser compartilhado na Oficina. A utilização
de imagens e discutir a partir das interpretações possíveis acerca de sua estética
e de seu conteúdo constituem-se instrumentos didáticos importantes3 para o
campo das Ciências Sociais, da Psicologia e da Saúde Coletiva.
A problematização dos temas e das palavras disparadoras da reflexão é
parte de discussão e está implicada no processo coletivo de construção do que
se compreende por Oficina. Pretendemos, ao escolher este caminho, investir na
valorização dos repertórios conceituais para a qualificação da prática cotidiana
dos serviços de saúde. Interessa, sobretudo, qualificar o campo prático e político
da saúde coletiva e dos sujeitos políticos que o constituem. Neste sentindo, “bio-
política”, “subjetivação” e “saúde” adquirem uma característica instrumental para
transformação do campo das práticas, do campo da produção do conhecimento
e da formulação de políticas públicas de saúde.
Esta reflexão exige que situemos nosso posicionamento no campo. A intenção
é agregar esta iniciativa e o acúmulo de reflexão que a compõe à outras iniciativas
que investem nas pessoas como sujeitos detentores de direitos. Portanto, esta
reflexão parte da compreensão de que os sujeitos estão inseridos em diversos
contextos que se orientam por distintos discursos, com seus específicos poderes
e códigos morais. Valorizar o sujeito de direitos é distanciar-se da perspectiva que

1 O conteúdo deste texto foi trabalhado e finalizado em Oficina do III Seminário Internacional Pensando
Gênero – a psicologia para além do espelho, realizada no dia 18/out/2011, UNESP/Assis/São Paulo.
2 Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), campus Baixada Santista, Departa-
mento “políticas públicas e saúde coletiva”. Co-cordenadora do Núcleo de Estudos Heleieth Saffioti: relações
de gênero, movimentos sociais e sexualidades da UNIFESP Baixada Santista. Pesquisadora associada do Nú-
cleo de Estudos para Prevenção da Aids (NEPAIDS)/USP.
3 No caso dos temas aqui discutidos – biopolítica, subjetivação e saúde – o potencial didático da imagem ainda é
maior. Os vídeos exibidos e debatidos durante a Oficina foram: a) “Uma História Severina”, curta-metragem de
2005, com direção de Débora Diniz e Eliane Brum. Foi escolhido para pensar a política dos corpos, a reprodução e
a vida e os discursos que incidem sobre; b) Dois Episódios de uma Série produzida pela Rede Globo “O Sagrado”,
sendo 49o. episódio “Liberdade Sexual e Catolicismo” (http://www.youtube.com/watch?v=O2SayQPCHpM) e o
51o episódio “Liberdade Sexual e Candomblé” (http://www.youtube.com/watch?v=dyuu0KINhb0). Foram utili-
zados para mostrar a moralidade religiosa enquanto disciplina e o sujeito religioso; c) Dois vídeos produzidos por
instituições francesas com objetivo de veicular mensagem sobre prevenção da infecção pelo HIV: SIDACTION
(http://www.youtube.com/watch?v=d8MBvO_Xk68) e Associação francesa AIDES (http://www.youtube.com/
watch?v=RAHywmhxBw4&feature=related). Foram utilizados para pensar nos discursos da saúde enquanto dis-
positivos disciplinares sobre os corpos e como campo político.

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Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

assume que o sujeito é aquele que se assujeita aos discursos disciplinares dos contextos
onde se inserem.
Entretanto, lembramos que o campo de ação da biopolítica inclui a delimitação e
controle exercido sobre algumas dimensões íntimas da vida das pessoas e está presente
em parte importante do modo de atuação em saúde. A biopolítica é, portanto, elemento
fundamental na constituição da subjetivação, processo onde também se destaca o papel
da sexualidade assim como os saberes que se constroem e torno e a partir dela.
Para esta reflexão, é necessário resgatar alguns aspectos do conceito de biopolítica
circunscrito pelas teorias foulcaultianas, assim como aspectos sobre a invenção histó-
rica da sexualidade. Para Foucault, a noção de sexualidade foi uma das noções centrais
para a biopolítica enquanto estratégia que procurou efetivar a qualificação biológica
das populações. (FOUCAULT, 2007a). Conforme Ortega (2007) coloca, a biopolítica
vinculou-se historicamente ao fortalecimento dos Estados nacionais, à afirmação da
burguesia como classe dominante e à formação de um dispositivo médico-jurídico que
vislumbrou a disciplinarização e medicalização da sociedade.
É preciso também tratar de compreender o significado de “moral” e que este signifi-
cado constitui-se em etapa importante dos discursos que objetivam disciplinar. Foucault
define moral como um conjunto de valores e regras proposto aos indivíduos e grupos,
por intermédio de aparelhos prescritivos diversos. A família, as instituições educativas,
a igreja, as instituições de saúde e muitos outros estão a frente de regras e valores que
podem estar explicitamente formuladas ou podem estar sendo transmitidas de maneira
difusa. Código moral seria, portanto, um conjunto prescritivo, mas o comportamento
real dos indivíduos e a maneira como se submetem ou não aos princípios de conduta
é que seria a moral propriamente. (FOUCAULT, 2007b)
A moralidade sobre a sexualidade apresenta-se por meio de distintos discursos e
condutas. Faz-se presente em várias dimensões da vida social e atua sobre os contextos
da vida dos sujeitos. Condutas morais religiosas acerca da sexualidade constituem farta-
mente as doutrinas cristãs e concorrem com outros discursos que, enquanto dispositivos,
também normalizam os corpos sexuais e as relações estabelecidas entre as pessoas. A
moral, portanto, está presente também no discurso da saúde acerca da sexualidade,
especialmente quando se pensa nas condutas higienistas sobre prática sexual.
Tal como colocado pro Foucault (2007a), trata-se de entender a sexualidade como
discurso e que em torno dela ocorreu, a partir do século XIX, uma “verdadeira explosão dis-
cursiva”. A palavra sexualidade remete a um dispositivo histórico, a uma “rede discursiva”4:
a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação
dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências. Estes discursos encadeiam-se
uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder.
A noção de sujeito que trazemos para esta reflexão difere daquela que o entende
como indivíduo sujeito à produção de um corpo dócil, submisso e disciplinado. Desta
forma, não estamos falando de assujeitamento, mas do sujeito protagonista e, nesta
condição, este sujeito pode apresentar-se como resistência ao dispositivo biopolítico.

4 Compreendemos aqui que a constituição de redes discursivas se dá a partir do encadeamento de saberes oriundos de
distintas posições, papéis e instituições que se relacionam a partir de um interesse comum – a sexualidade. Por vezes este
saberes encontram-se e produzem os nós e as próprias tramas (da rede).

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Biopolítica, Subjetivação e Saúde

Para pensar a sexualidade hoje é importante retomar o papel do fenômeno social


da epidemia de aids no mundo e no Brasil. Desde o surgimento da epidemia, há cerca
de 30 anos, vem sendo produzida, nos termos de Foucault, “outra economia dos corpos
e dos prazeres”. (FOUCAULT, 2007b) Com a epidemia, a sexualidade ganha outro
lugar dentro do campo das políticas de saúde e de outros discursos políticos circulantes
na sociedade. Há profundas mudanças no modo de ver a sexualidade5, especialmente
na medida em que orientações sexuais não hegemônicas, identidades e estilos de vida
considerados “desviantes” tornam-se questões públicas e objetos de políticas de saúde.
Em movimento oposto de força e poder, há atuações políticas baseadas em mora-
lidades rigídas orientadas por crenças religiosas. Atuações, inclusive, em espaços onde
deveria prevalecer a laicidade do Estado, das instituições e dos indivíduos que os repre-
senta. Pastores-deputados, pastoras-vereadoras esbravejam contra o avanço de políticas
públicas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) e chamam adeptos
a resistirem ao reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Por outro lado, como
parte da resistência ao retrocesso e demonstrando a capacidade do sujeito de lidar com
as moralidades, algumas lideranças religiosas tentam dialogar com as experiências da
contemporaneidade, com os direitos e com os movimentos sociais.
A visibilidade para orientações sexuais não hegemônicas e a reprodução cotidiana
da violação dos direitos implicam em desafios específicos para as políticas públicas. As
instituições – marcadas pela linguagem do gênero, pela crença na hegemonia da sexu-
alidade heterossexual – deparam-se com novos sujeitos e com suas identidades sociais
construídas em torno do direito à diferença escapando ao entendimento clássico de
gênero que possuem.
Os avanços políticos e a visibilidade podem ser vistos como consequência de um
percurso de lutas em torno da garantia dos direitos humanos, dos direitos das mulheres,
do direito a viver a sexualidade homossexual. Nossa compreensão tem que incluir o
fato da saúde caracterizar-se como um campo político que se caracteriza pela inclusão.
A representação do movimento LGBT no Conselho Nacional de Saúde e o Plano de
Saúde Integral da População LGBT podem ser tomados como exemplo.
Trata-se, portanto, de um campo político que se caracteriza por disputas de forças entre
discursos disciplinadores, constitutivos da biopolítica. Mas, ao mesmo tempo, o campo
político caracteriza pela presença e força de um discurso dos direitos. A vida constitui-se
alvo de lutas biopolíticas mesmo quando se está lutando por direitos e, na visão de Ortega,
a teoria foulcaultiana implica em compreender que “a biopolítica precisa da resistência ao
dispositivo biopolítico para poder se desenvolver“ (ORTEGA, 2003, pg. 17). A saúde como
campo político dos direitos tem, portanto, capacidade para sobrepor-se à sua própria
tendência de constituir-se apenas como dispositivo de controle. Pode apresentar-se como
uma forma de resistência aos processos normalizadores da sociedade (ORTEGA, 2003).

5 Relacionaremos aqui apenas alguns autores e autoras que descrevem a forma como a sexualidade é entendida a partir do
fenômeno da aids: FACHINNI, R., Movimento homossexual e construção de identidades coletivas em tempos de AIDS,
In: UZIEL, A.P., RIOS, L.F., PARKER, R.G. (org.), Construções de Sexualidade: gênero, identidade e comportamento
em tempos de aids, Rio de Janeiro: Pallas, 2004; SIMÕES, J & FACHINNI, R., Na trilha do arco-íris: do movimento
homossexual ao LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009; PARKER, R., Diversidade Sexual, análise cultural
e a prevenção da Aids, In: PARKER, R. A construção da solidariedade – aids, sexualidade e política no Brasil, Rio de
Janeiro: Relume-Dumará / ABIA, 1994.

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Estamos considerando que nosso sistema de saúde pública – o Sistema Único de Saúde
(SUS) – tem papel de destaque no fortalecimento do sujeito, entendido na sua pluralidade
constitutiva. A construção do SUS contou e conta com a participação social e democrática
dos diversos setores da sociedade e com a participação dos usuários do sistema de saúde. O
SUS nasce como contraposição a um sistema de saúde ineficiente, caracterizado por uma
prática excludente e de acesso desigual. Ao reconhecer a força política de sua trajetória his-
tórica, ao mesmo tempo em que não se perde de vista as inúmeras deficiências que o sistema
apresenta, é preciso compreender como o SUS vêm se constituindo, enquanto sistema, na
busca pelo cumprimento de seus princípios de universalidade, equidade e integralidade.
Algumas políticas públicas de saúde desenvolvidas no âmbito do SUS, incluem
uma abordagem baseada nos direitos humanos. O sistema de saúde implicado com
os direitos humanos deve ser constituído por instâncias que garantam o direito a não
discriminação e o direito à dignidade e reconheça que sua violação é determinante para
a exclusão social (GRUNSKI e TARANTOLA, 2009).
A perspectiva aqui apresentada tenta também sustentar que o processo de constitui-
ção da subjetividade pode ocorrer a partir do sujeito protagonista e em busca de reafirmar
sua autonomia com a capacidade de agenciamento das moralidades. A subjetividade
se constituí em contextos socioculturais específicos, a partir da herança histórica e dos
vínculos sociais estabelecidos. Não se pode perder de vista que o contexto está no sujeito
assim como o sujeito está vivendo o contexto, dando origem a um movimento que se
materializa nas cenas concretas, nas intersubjetividades personificadas no cotidiano e,
portanto, na vivência da sexualidade, na vivência dos afetos, no comportamento moral,
nas decisões sobre reprodução.
Quando o que está em jogo é a vivência das sexualidades, deve-se focar o sujeito
sexual, deve-se pensar a pessoa como condutora de suas escolhas ao longo de sua traje-
tória sexual e não como objeto de instintos, impulsos ou assujeitado a discursos sobre
sexualidade. O sujeito sexual está permanentemente interpelado por diferentes discursos
sobre a sexualidade e por cada contexto intersubjetivo. Quando se é um agente com
autonomia, o sujeito pode ser sujeito de muitos discursos sobre o sexo, por vezes até
contraditórios. Ao longo da vida, o sujeito é confrontado com o pluralismo de discursos
disponíveis na sociedade.
O sujeito-sexual-cidadão é um agente da negociação consciente entre os vários
discursos disponíveis sobre sexualidade e sobre reprodução. Ao mesmo tempo, ele é
portador de direitos – à informação, à não discriminação, à saúde integral. De acordo
com Paiva (1999), sujeitos-sexuais fazem colagens de tradições culturais, de realidades
rituais e normativas, especialmente na esfera da sexualidade. Ser sujeito é lidar com a
complexidade e os múltiplos fatores que competem pela sua atenção consciente em cada
experimentação e é ser agente ativo da sua sexualidade. Nesta mesma sintonia, queremos
distanciamento de um sujeito que, prioritariamente, vive para auto-controlar-se, auto-
-vigiar-se, auto-governar-se. (ORTEGA, 2003)
Entendemos que o sujeito plural constrói sua trajetória inserido em diferentes con-
textos e que, ao mesmo tempo, só pode ser compreendido na sua totalidade complexa
quando sua singularidade for focada. Nos termos de Costa (2001), o sujeito é como
uma “pluralidade identificatória” que resulta do conjunto de vários sujeitos que se

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Biopolítica, Subjetivação e Saúde

formam por sensações, percepções, representações, imagens e experimentações. Ainda


na perspectiva deste autor (2001),

o sujeito é uma realidade psíquica histórico-cultural e não “algo” invariável


no tempo e no espaço (...) a realidade subjetiva não pode ser pensada como
“efeito” logicamente independente de causas sociais. O sujeito exprime, sem
dúvida, as formas de vida dominantes. Mas não a modo de “efeito” referido
a “causas” que lhes são exteriores.

Compreender o sujeito como plural permite compreender o dinamismo do plano


da intersubjetividade, porque dá conta da sinergia de combinações. No caso da conduta
moral religiosa, por exemplo, o sujeito religioso é sempre protagonista da sua religio-
sidade, apesar do caráter mais dogmático do discurso religioso que, eventualmente,
esteja presente nas suas concepções. O sujeito sexual também pode ser protagonista e
regulador de sua trajetória afetivo-sexual nessa sinergia, seguindo orientações mais ou
menos rígidas, adaptando-se ao contexto. (SILVA, 2010)
É plenamente possível pensar proposições de políticas de saúde que garantam e
promovam o direito sexual e direito reprodutivo. Para isto ocorrer, a interdisciplinaridade
assume papel essencial na elaboração e efetivação de políticas, especialmente por sua
capacidade de identificar e compreender os marcadores sociais da diferença e a consti-
tuição das relações que se estabelecem a partir deles colaborando para a compreensão
do processo de constituição das subjetividades.
Muitas das lutas levadas a cabo pelos movimentos feministas e pelos movimentos
LGBT pautaram a sexualidade e a reprodução como dimensões importantes da vida
social e política e demonstraram a pertinência de reivindicar a proteção contra a dis-
criminação por parte do Estado. Nesta relação, a sexualidade passa a fazer parte do
próprio processo de construção do SUS, por meio da interlocução entre as instâncias
de governo com os referidos movimentos sociais e pelo reconhecimento de algumas
demandas destes movimentos.
Estamos enfocando o sujeito plural, o indivíduo protagonista das escolhas que
é, portanto, sujeito de direito, sujeito sexual, sujeito religioso ou não religioso. Nesta
perspectiva, é preciso investir na saúde como um campo político que se constrói a partir
da perspectiva ético-política dos direitos humanos.

“A perspectiva dos direitos humanos, permite propor uma bioética da saúde


pública, diferente da bioética clínica, mais adequada para pensar as im-
plicações coletivas do direito à saúde, não reduzido a um mero consumo de
tecnologias.” (JUNGES, 2009, pg. 285)

No que se refere à sexualidade, entendemos que a noção de sujeito sexual impli-


ca em compreender a permanente interpelação dos discursos dos direitos humanos
(CORRÊA, 2006, p.106) e que é preciso investir pesadamente na laicidade do Estado.
É preciso também apostar na capacidade de agenciamento da moralidade religiosa,
enquanto sujeito religioso.
O Brasil é um país que tem dificuldade de avançar na legislação que trata de ques-
tões como o aborto, criminalização da homofobia e direitos LGBT (GOMES; NATI-

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VIDADE; MENEZES, 2009b). Têm sido recorrentes os episódios que demonstram a


densidade dos conflitos entre discursos de moralidade religiosa e discursos calcados na
agenda do ativismo no campo dos direitos sexuais e direitos reprodutivos.
A coexistência de discursos distintos sobre a sexualidade apresenta-se, muitas vezes,
de forma conflituosa. Entretanto, é possível também o estabelecimento (especialmente
se houver algum investimento) de acordos e diálogos que se somem às movimentações
de fortalecimento de uma sociedade democrática que inclua sexualidade e reprodução
como direitos humanos fundamentais a serem protegidos e promovidos.
Nesse sentido, mais uma vez destacamos a potencialidade do campo da saúde coletiva
de investimento no sujeito plural e sujeito de direitos e, portanto, no fortalecimento
da prática democrática.

Referências bibliográficas
CORRÊA, S. Cruzando a linha vermelha: questões não resolvidas no debate sobre direitos
sexuais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, a.12, n.26, p. 101-121, jul.-dez.2006.
COSTA, J.F. A subjetividade exterior. (Palestra apresentada em 2001 sob o título “A Externa-
lização da Subjetividade”). Texto inédito disponível em: <http://jfreirecosta.sites.uol.com.br/>.
FOULCAULT, M. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. 18ª ed. São Paulo: Graal
Editora, 2007, 227p. (a)
FOULCAUT, M. História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres, 18a. Ed. São Paulo: Graal
Editora, 2007, 232 p. (b)
GOMES, E.C.; NATIVIDADE, M.; MENEZES, R.A. Parceria civil, aborto e eutanásia:
controvérsias em torno da tramitação de projetos de lei. In: GOMES, E.C. (Org.). Dinâmicas
contemporâneas do fenômeno religioso na sociedade brasileira. Aparecida/São Paulo: Ideias
e Letras, 2009a, p. 188-210.
GRUNSKIN,S. e TARANTOLA,D., Um panorama sobre saúde e direitos humanos. Tradução
para uso didático. Referência original: GRUNSKIN, S. (2008). Health an Human Rigths:
overview. In: K. Heggenhougen & S. Quah (Eds) International Encyclopedia of Public Health
(PP. 137-146, vol. 3). Elsevier
JUNGES,J,R. Direito à saúde, biopoder e bioética In: Interface – Comunicação, Saúde, Edu-
cação, v.13, n.29, p. 285-95, abr./jun. 2009
ORTEGA, F. Biopolíticas da saúde: reflexões a partir de Michel Foulcault, Agnes Heller e Hannah
Arendt, In: Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v.8, n.14, p. 9-20, set. 2003-fev.2004
PAIVA, V. Cenas sexuais, roteiros de gênero e sujeito sexual. In: BARBOSA, R.M.; PARKER,
R. (Orgs.). Sexualidades pelo avesso: direitos, identidade e poder. Rio de Janeiro: IMS/UERJ;
São Paulo: Editora 34, 1999, p. 250-271.
SILVA, C.G. Sexualidade, conjugalidade e direitos entre jovens religiosos da região metro-
politana de São Paulo, Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de Doutor, 2010

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Em defesa do posicionamento
na pesquisa em Psicologia
Sandra Azerêdo1

O trabalho discute o ensino de metodologia de pesquisa na Psicologia, tomando como


base o texto “Saberes Localizados”, de Donna Haraway. O argumento central a ser de-
senvolvido diz respeito à necessidade de posicionamento do/a pesquisador/a e, portanto,
de se considerar não apenas aspectos epistemológicos, mas, sobretudo, aspectos políticos
e éticos nas práticas de pesquisa. A abordagem de Haraway será contrastada com abor-
dagens metodológicas tradicionais na Psicologia, em que, mesmo quando se tenta levar
em consideração o envolvimento do/a pesquisador/a na produção dos dados, já que se
admite que nenhuma pesquisa (“especialmente em ciências sociais”) é neutra, não há na
verdade um posicionamento, e sujeito e objeto desaparecem da cena. O trabalho tentará
mostrar que uma série de divisões—entre ciência social/humana e ciência da natureza,
entre pesquisa qualitativa e quantitativa, e entre sujeito e objeto—está na base dessa falta
de posicionamento nas pesquisas em Psicologia.

Com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?


Donna Haraway

No primeiro semestre deste ano dividi com duas colegas do Departamento


de Psicologia uma disciplina obrigatória sobre Metodologia de Pesquisa.2 A dis-
ciplina foi dividida em três partes, que correspondiam às áreas de concentração
da pós-graduação em Psicologia na UFMG: Psicologia Social, Avaliação Psico-
lógica e Desenvolvimento, e Psicanálise. Fiquei responsável pela primeira parte
da disciplina e a expectativa era que eu abordasse a pesquisa qualitativa, já que
a psicologia social no Departamento é considerada como privilegiando esse tipo
de abordagem, em contraste com a área de desenvolvimento e testes, vista como
dando ênfase à quantificação. A psicanálise, por sua vez, é considerada como
tendo um método próprio de pesquisa, e parece não se envolver nas discussões
comuns na psicologia, que dividem o social/qualitativo e os testes/quantitativos.3
Minha preocupação, no entanto, não era simplesmente ensinar metodologia
qualitativa, mas, sobretudo, pensar sobre os pressupostos que sustentam essa
divisão entre metodologia quantitativa e qualitativa na Psicologia, buscando
entender seu sentido na produção de conhecimento, de modo a colocar a ques-
tão do posicionamento, trazida por Donna Haraway, em seu texto “Saberes

1 Profª Drª da Universidade Federal de Minas Gerais. A autora aproveita para agredecer aos alunos e alunas da
turma de 2011 do curso de mestrado em Psicologia da UFMG, que contribuíram para o desenvolvimento
das ideias discutidas neste trabalho.
2 A ementa da disciplina era ampla: “Natureza da pesquisa quantitativa e qualitativa. Amostragem e seleção de
sujeitos. Principais estratégias e métodos de coleta de dados: survey, observação, testes psicológicos, análise de
conteúdo, uso de dados secundários, etnografia e observação participante, entrevista, grupos focais, análise con-
versacional e análise de discurso, análise de documentos. Triangulação de pesquisa qualitativa e quantitativa”.
3 Nos primeiros anos do Currículo Novo do Curso de Psicologia da UFMG há duas disciplinas obrigatórias—
“Métodos Quantitativos” e “Métodos Qualitativos”—reforçando essa divisão entre as duas abordagens.

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Localizados: o privilégio da perspectiva parcial”, publicado originalmente em 1988.4


Considero importante discutir a noção de posicionamento na prática de pesquisa em
psicologia porque ela possibilita romper com uma série de dicotomias que, a meu ver,
constituem obstáculos para uma transformação da realidade de dominação com a qual
nós, profissionais psi, nos deparamos cotidianamente em nosso trabalho.
Dois pressupostos parecem ser importantes na diferenciação entre as duas abordagens:
o uso da interpretação do significado da informação coletada na abordagem qualitativa em
oposição à quantificação dessa informação, e a importância da interação entre pesquisador/a
e pesquisado/a na produção dos dados da abordagem qualitativa em oposição à abordagem
quantitativa, onde se tenta inclusive reduzir ao máximo os efeitos dessa interação. Tomando
como base esses dois pressupostos, que definem a pesquisa qualitativa como privilegiando
a interpretação e a interação, selecionei dois textos considerados básicos para o estudo da
metodologia de pesquisa em ciências sociais: o livro de Marília da Mata Machado sobre
a “interação pesquisador/pesquisado” em que ela analisa na “co-construção discursiva” as
respostas dos/as entrevistados/as e a “contra-transferência (implicação) do pesquisador”
(2002: 11), e o livro de Maria Cecília Minayo sobre “teoria, método e criatividade” na
pesquisa.5 O livro de Mata Machado se baseia em sua tese de concurso de professora titular
em Psicologia da UFMG e o de Minayo, publicado em 1993, que em 2010 estava em sua
29ª edição. Achei que o contexto de publicação desses dois textos justificava considerá-los
como expressando uma tendência importante de metodologia de pesquisa na psicologia
social. Além disso, ambas as autoras utilizam a noção de “interação”, “envolvimento” e
“implicação”, que poderiam ser justapostas à noção de “posicionamento” de Haraway. A
discussão desses três textos ocupou as primeiras três aulas. Nas últimas duas aulas lemos
outros textos que, de certa forma, discutiam a tensão que se criou em sala de aula entre a
perspectiva de Haraway e as duas outras perspectivas.6

Metodologia Tradicional
Minayo considera a observação e a entrevista como sendo “os instrumentos princi-
pais” do trabalho de campo, a primeira se baseando no que pode ser visto (com atenção
e persistência) e no que “não é dito”, e a segunda no que é dito (2010: 63). Para ela, “na
pesquisa qualitativa a interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados é essencial”
(grifos de Minayo). O “trabalho interacional” se torna um instrumento privilegiado de coleta
de informações pela “magia” que tem a fala de revelar o pensamento do grupo. Como ela
escreve, a fala tem a possibilidade:

4 Donna Haraway, “Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”.
Trad. Mariza Corrêa. cadernos pagu (5), 1995, 7-41.
5 Marília Novais da Mata Machado, Entrevista de Pesquisa: A Interação Pesquisador / Entrevistado. Belo Horizonte: C/ Arte
Editora, 2002, e Maria Cecília de Souza Minayo (organizadora), Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 29ª. Ed.,
Petrópolis: Editora Vozes, 2010.
6 Sandra Azerêdo, “Encrenca de Gênero nas Teorizações em Psicologia”. Revista Estudos Feministas, Vol. 18, No. 1/2010,
175-188 e “Deslocamentos da identidade: teorizando a violência na Delegacia de Mulheres”. IN Rial, Carmen e Toneli,
Maria Juracy (orgs.), Genealogias do Silêncio: feminismo e gênero. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2004, Clifford
Geertz, “Uma descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura” IN A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:
Ed. Guanabara Koogan, 1989 (1973), e Max Horkheimer, “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. Trad. Edgard Afonso
Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha. São Paulo: Abril S/A, Vitor Civita Editor, Coleção Pensadores, 1975 (1937).

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de ser reveladora de condições de vida, da expressão dos sistemas de va-


lores e crenças e, ao mesmo tempo, ter a magia de transmitir, por meio
de um porta-voz, o que pensa o grupo dentro das mesma condições his-
tóricas, socioeconômicas e culturais que o interlocutor (2010: 63-64).

Minayo argumenta que o “envolvimento [fundamental] do entrevistado com o


entrevistador” não constitui um “risco comprometedor da objetividade”. Pelo contrário,
ele é condição da objetividade (67-68). E Minayo acrescenta:
Em geral, os melhores trabalhadores de campo são os mais simpáticos
e que melhor se relacionam com os entrevistados. A inter-relação, que
contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia a dia, as experiên-
cias e a linguagem do senso comum no ato da entrevista é condição sine
qua non do êxito da pesquisa qualitativa (2010: 68).7

Ou seja, “envolvimento” para Minayo tem a ver com características da personalidade


do pesquisador, anulando o efeito das “posições sociais assimétricas”.
Minayo sugere que o “desafio da pesquisa social” está relacionado à especificidade
do objeto dessa pesquisa vis-à-vis as “ciências da natureza”, consideradas como sendo
“pioneiras e as estrelas da ideia de cientificidade”, mesmo com as novas descobertas da
física quântica (2010: 11). Minayo lista os aspectos que constituem a especificidade das
ciências sociais, cujo objeto é histórico, tem consciência histórica, e tem “um substrato
comum de identidade com o investigador”. E Minayo continua:
Outro aspecto distintivo das Ciências Sociais é o fato de que ela é in-
trínseca e extrinsecamente ideológica. Na verdade, não existe uma ciên-
cia neutra. Toda ciência—embora mais intensamente as Ciências So-
ciais—passa por interesses e visões de mundo historicamente criadas,
embora suas contribuições e seus efeitos teóricos e técnicos ultrapassem
as intenções de seus próprios autores. No entanto, as ciências físicas e
biológicas participam de forma diferente da ideologia social (...) pela
natureza mesma do objeto que elas colocam ao investigador. Na inves-
tigação social, a relação entre pesquisador e seu campo de estudos se
estabelece definitivamente. A visão de mundo de ambos está implicada
em todo o processo de conhecimento, desde a concepção do objeto aos
resultados do trabalho e à sua aplicação. Ou seja, a relação, neste caso,
entre conhecimento e interesse deve ser compreendida como critério
de realidade e busca de objetivação (2010: 13-14, grifos de Minayo).

O último aspecto da especificidade do objeto das Ciências Sociais trazido por Mi-
nayo é que ele é “essencialmente qualitativo”. Ou seja, de acordo com a autora, ele faz
parte de “um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado” (21). Trata-
-se de uma “realidade que é mais rica que qualquer discurso construído sobre ela” (25).

7 Ao longo de seu texto, Minayo usa uma série de categorias psicológicas: “a construção da identidade do pesquisador
pelo grupo vai se forjando nas várias instâncias de convivência, desde o início” (2010: 67); “A simplicidade por parte do
pesquisador é fundamental para o êxito de sua observação, pois ele é menos olhado pela base lógica de seus estudos e mais
pela sua personalidade e seu comportamento” (2010: 73); “mesmo partindo de posições sociais diferentes e assimétricas,
ambos buscamos a compreensão mútua que nos permita transcender ao senso comum. No entanto, o pesquisador nunca
deve buscar ser reconhecido como um igual. O próprio entrevistado espera dele uma diferenciação, uma delimitação do
próprio espaço, embora sem pedantismos, segredos e mistérios” (2010: 75).

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Para Minayo, existe “o objeto real”, que “diz respeito à totalidade das relações da
existência social. Suas fronteiras e complexidade, porque dinâmicas e constantemente
reinventadas, excedem a apreensão do conhecimento científico” (2010: 33). Ou ainda,
“as ideias ou explicações que fazemos da realidade estudada são sempre mais imprecisas do
que a própria realidade”, sendo, portanto, preciso que o investigador tenha uma atitude
de humildade diante dessa realidade (2010: 37). Em suma, a pesquisa qualitativa seria
definida por essa aproximação “incompleta, imperfeita e insatisfatória”, de uma realidade
social “suntuosa” que sempre a excede (2010: 14). Minayo sugere que o que torna essa
realidade inatingível pela ciência é o fato de ela se referir a “fenômenos humanos”—sig-
nificados, motivos, aspirações, crenças, valores, e atitudes, que, segundo ela, distinguem
o ser humano das outras espécies. Minayo considera que:
Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da
realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por
pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da rea-
lidade vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção
humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representa-
ções e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente
pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (2010: 21).

Essa concepção de pesquisa trazida por Minayo apresenta uma série de aspectos bas-
tante problemáticos: em primeiro lugar, a ênfase na identidade do/a pesquisador/a, que,
além de apresentar características “positivas” de personalidade (simpatia, simplicidade,
etc.), supostamente contribuem para a objetividade da pesquisa, sendo que objetivida-
de não é nunca definida, dando a entender que seja alguma coisa dada e reconhecida
universalmente. Em segundo lugar, numa visão extremamente simplista da linguagem,
o “dito” e o “não dito” são separados sem maiores problemas, e considera-se que a fala
seja transparente, revelando magicamente as condições do grupo estudado. Outro pro-
blema é a listagem das especificidades do objeto das ciências sociais que as distinguem
das demais ciências, colocando estas últimas como se não fossem também históricas e
ideológicas. A questão da “consciência histórica” do objeto e do “substrato comum de
identidade com o investigador”—dois itens que fazem parte dessa listagem—assenta-se
em outra dicotomia, que é a que se estabelece entre sujeito e objeto, a qual vem sendo
questionada pelos estudos da ciência, área em que Haraway tem publicado importantes
trabalhos.8 Finalmente, no trabalho de Minayo aparece uma realidade totalizada feita
de “fenômenos humanos”, que ultrapassa sujeitos e objetos.
Diferentemente de Minayo, Mata Machado não estabelece separações rígidas entre
abordagens quantitativas e qualitativas, tratando-as como alternativas possíveis nas
pesquisas em ciências.
Em relação à análise, Mata Machado distingue as análises qualitativas e de conteúdo
da análise do discurso. Segundo ela, esta última “pertence à outra linhagem, tem objeto e

8 Ver seu “Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX”, IN Tomas Tadeu (org.),
Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano (Belo Horizonte: Autêntica, Mimo, 2009 (1985), 2ª. Edição, trad.
Tomaz Tadeu). Ver também Bruno Latour, A Esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos da ciência (Bauru,
SP: EDUSC, 2001, trad. Gilson César Cardoso de Sousa). No subtítulo desse livro a expressão “science studies” foi tra-
duzida como “estudos científicos”, o que é inadequado, pois os estudos da ciência problematizam justamente o processo
de definição das fronteiras que definem o que é “científico”. Trata-se de estudar as ciências e não de estudos científicos.

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alvos completamente distintos” (66). Citando Mainguenau, Mata Machado contrasta a


análise de conteúdo que “se pretende constituir em um conjunto de técnicas auxiliares de
ciências sociais” com a análise do discurso, “que se esforça por se constituir em verdadeira
disciplina de análise de texto” (68) e adota esta última para análise das interações realizadas
em sua pesquisa na Favela Acaba Mundo, em Belo Horizonte, permeando sua análise
com conceitos da psicanálise, tais como inconsciente, transferência e contra-transferência.
Mata Machado argumenta que “a produção discursiva dos interatuantes, manifes-
tada empiricamente nos discursos provocados pelas entrevistas, articula-se à organização
psíquica e ao lugar (na divisão social do trabalho e imaginário) dos protagonistas” (2002:
16). Segundo ela,
é no discurso produzido pela entrevista e no seu tratamento analíti-
co, que se pode detectar a presença da subjetividade do observador e
das deformações da realidade que este introduz, graças a suas reações de
contra-transferência; no discurso pode-se explorar também a influência
da observação sobre o observado (2002: 16, meus grifos).9

Para Mata Machado, a entrevista aberta de pesquisa “está longe de ser uma simples
conversa”, é “um modo de interação particularmente frustrante para o entrevistador, a
quem é proibido agir como um interlocutor normal, exprimir seus próprios pontos de
vista, ... sair da escuta benevolente” (45). Essa interação “é mediatizada pela intersub-
jetividade” (51). Em sua análise dessa interação, Mata Machado conclui que:

Pode-se dizer ... que os interatuantes na situação da pesquisa, ao cons-


truírem o vínculo, viram-se mutuamente como um outro, sendo a al-
teridade reconhecida. Mas, frequentemente, esse reconhecimento levou
a uma classificação, que se transformou em separação e em busca de
dominação do outro. Esse desenrolar do vínculo social, que termina
na dominação, é bem o reflexo da organização social, cujo corpo não é
monolítico nem solidário, mas dividido e violento; a formação discursi-
va que aí atua retrata essas divisões. Assim, os resultados que obtive não
devem ser vistos como um defeito, um viés ou uma tendenciosidade
dos meus dados de pesquisa (e muito menos das entrevistas), mas como
um efeito das inscrições particulares, na sociedade, dos interlocutores
que produziram, na interação, os seus discursos distintos (e os seus mo-
nólogos). Essas inscrições são indissociáveis dos lugares que os intera-
tuantes ocupam, representam-se como seus e instituem na situação de
produção de palavra (2002: 137, grifos no original).

E, ao analisar sua contra-transferência, Mata Machado escreve que encontra

resistências (e mal-estares) para prossegui-la. Posso reconhecer (sem


apreciar) que, na condução das entrevistas e, igualmente, na coorde-
nação da equipe, falei de forma autoritária e elitista, o que era camu-
flado através do discurso participativo que norteava as ações da equipe:
o apossar-me da palavra a fim de controlar a entrevista e as questões
convencionais minhas e dos outros entrevistadores o comprovam. Os

9 Como veremos, ao considerar que a realidade seja “deformada” pela subjetividade do/a observador/a, Mata Machado se
aproxima da problemática da concepção de Minayo de uma realidade totalizada e inatingível.

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pressupostos evidenciados nas análises provocam-me igualmente certo


mal-estar. Mas não desejo me expor mais do que o fiz até o momen-
to. ... prefiro interromper aqui a exposição sobre minha implicação/
contra-transferência (138).

Na seção sobre os “pressupostos do entrevistador”, Mata Machado discute o que o


entrevistador “inconscientemente” revela através de sua fala, sobre como “imagina ser
a vida da favela”. Sua análise aqui parece ser mais crítica, na medida em que considera
as diferentes posições de sujeito produzindo o conhecimento na interação. Num trecho
muito importante de entrevista, aparece o estereótipo da favelada que, se “estava na
bica, está lavando roupa (favelado lava roupa)”, enquanto que é evidente ... que [ela] se
preparara cuidadosamente para ser fotografada” (2002: 113, grifos no original).
Assim, pode-se perceber que Mata Machado considera a questão da implicação
do/a pesquisador/a de modo mais crítico que Minayo, na medida em que não se
apoia em características da personalidade, nem apela para a identidade em sua análise
da interação. No entanto, essa crítica fica limitada ao focalizar apenas os aspectos da
contra-transferência da/o observador/a, que são vistos como deformando a realidade.
Considero que o uso da teoria psicanalítica nessa análise constitui um obstáculo para
um posicionamento que possibilite uma conversa não inocente com vistas a transfor-
mar as relações de dominação que ela aponta. Talvez a relação com a mulher favelada
que se apronta para a fotografia e não é vista pelo pesquisador possa indicar caminhos
para o posicionamento se forem utilizadas categorias tais como a de estereótipo de En-
rique Pichón-Rivière10, ou mesmo se for estudado o preconceito do/a observador/a no
processo de estabelecimento de fronteiras com o sujeito estudado. Considero também
que a crítica poderia ser aprofundada se fosse feita a análise das formações discursivas,
propostas por Michel Foucault11, que é apenas citada muito rapidamente no texto de
Mata Machado (2002: 66, 84).

O posicionamento na pesquisa
Considero que o que falta nas abordagens de Minayo e Mata Machado é a explicitação
da categoria do político. Vejamos como ele aparece explicitamente no texto de Haraway:
Como muitas outras feministas, quero argumentar a favor de uma dou-
trina e de uma prática da objetividade que privilegiem a contestação, a
desconstrução, a construção apaixonada, as conexões em rede e a espe-
rança na transformação dos sistemas de conhecimento e nas maneiras
de ver. Mas não é qualquer perspectiva parcial que serve; devemos ser
hostis aos relativismos e holismos fáceis feitos de adição e subsunção
das partes. (...) Precisamos também buscar a perspectiva daqueles pon-
tos de vista que nunca podem ser conhecidos de antemão, que prome-
tam alguma coisa extraordinária, isto é, conhecimento potente para a
construção de mundos menos organizados por eixos de dominação. De
tal ponto de vista, a categoria não marcada realmente desapareceria”
(1995: 24).

10 Enrique Pichón-Rivière, O Processo Grupal (São Paulo: Martins Fontes, 1994. Trad. Marco Aurélio Velloso).
11 Michel Foucault, A Arqueologia do Saber (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 4ª. Edição. Trad. Luiz Felipe
Baeta Neves).

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Tal categoria não marcada se refere às “posições de Homem e Branco ... na barriga
do monstro, nos Estados Unidos, no final dos anos 80” (1995: 18). Em seu texto, Ha-
raway propõe “uma doutrina de objetividade corporificada”, que pode ser aplicada “às
ciências exatas, naturais, sociais e humanas”, ou seja, “quer estejamos falando a respeito
de genes, classes sociais, partículas elementares, gêneros, raças, ou textos” (1995: 17).
Para Haraway, a objetividade “diz respeito à corporificação” (1995: 21). Ela insiste
“metaforicamente na particularidade e corporificação de toda visão (ainda que não
necessariamente corporificação orgânica e incluindo a mediação tecnológica)” (1995:
20). Como ela se expressa,

Quero uma escrita feminista do corpo que enfatize metaforicamente a


visão outra vez, porque precisamos recuperar esse sentido para encon-
trar nosso caminho através dos truques e poderes visualizadores das
ciências e tecnologias modernas que transformaram os debates sobre a
objetividade. Precisamos aprender em nossos corpos, dotados das cores
e da visão estereoscópica dos primatas, como vincular o objetivo aos
nossos instrumentos teóricos e políticos de modo a nomear onde esta-
mos e não estamos, nas dimensões do espaço mental e físico que mal
sabemos nomear. ... A objetividade feminista trata da localização limi-
tada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão
entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis
pelo que aprendemos a ver (1995: 21).

Haraway considera que a palavra chave para a objetividade na ciência seja o posicio-
namento. Para ela, é o posicionamento crítico que produz a ciência. E o posicionamento

depende da impossibilidade de políticas e epistemologias de “identi-


dade” inocentes como estratégias para ver desde o ponto de vista dos
subjugados, de modo a ver bem. Não se pode “ser” uma célula ou uma
molécula—ou mulher, pessoa colonizada, trabalhadora e assim por
diante—se se pretende ver e ver criticamente desde essas posições. “Ser”
é muito mais problemático e contingente. Além disso, não é possível
realocar-se em qualquer perspectiva dada sem ser responsável por esse
movimento. A visão é sempre uma questão do poder de ver—e talvez
da violência implícita em nossas práticas de visualização. Com o san-
gue de quem foram feitos os meus olhos? Essas observações se aplicam
também ao testemunho a partir da posição de um “eu”. Não estamos
imediatamente presentes a nós mesmos. O autoconhecimento exige
uma tecnologia material-semiótica relacionando significados e corpos.
A autoidentidade é um mau sistema visual (25).

Para Haraway, é a divisão, e não o ser que se constitui na “imagem privilegiada das
epistemologias feministas do conhecimento científico”. A divisão se refere a “multipli-
cidades heterogêneas, simultaneamente necessárias e não passíveis de serem espremidas
em fendas isomórficas ou listas cumulativas” (1995: 26). Trata-se de uma geometria que
diz respeito ao interior dos sujeitos e entre eles.

O eu cognoscente é parcial em todas suas formas, nunca acabado, com-


pleto, dado ou original; é sempre construído e alinhavado de maneira

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imperfeita e, portanto, capaz de juntar-se a outro, de ver junto sem pre-


tender ser o outro. Eis aqui a promessa de objetividade: um conhecedor
científico não procura a posição de identidade com o objeto, mas de
objetividade, isto é, de conexão parcial (1995: 26).

A corporificação feminista não se refere a uma posição fixa num corpo reificado,
mas a “nódulos em campos, inflexões em orientações e responsabilidade pela diferença
nos campos de significado material-semiótico. Corporificação é prótese significante”
(1995: 29). A teoria magistral (master theory) é substituída pelas explicações em rede,
que podem servir de base para uma “conversa” sensível ao poder, não pluralista. Para
Haraway:

O feminismo ama outra ciência: a ciência e a política da interpreta-


ção, da tradução, do gaguejar e do parcialmente compreendido. (...)
O feminismo tem a ver com uma visão crítica, consequente com um
posicionamento crítico num espaço social não homogêneo e marcado
pelo gênero (1995: 31-32).

Haraway argumenta que “posição diz respeito à vulnerabilidade” e “resiste à política


de fechamento” (1995: 32). Em suma, para ela, “a questão da ciência para o feminismo
diz respeito à objetividade como racionalidade posicionada” e suas imagens são “a junção
de visões parciais e de vozes vacilantes numa posição coletiva de sujeito que promete
uma visão de meios de corporificação finita continuada, de viver dentro de limites e
contradições, isto é, visões desde algum lugar” (1995: 33-34).
Ao longo do texto, Haraway insiste na ambiguidade, antecipando um campo
comum vinculando as ciências exatas, físicas, naturais, sociais, políticas, biológicas e
humanas, ligando todo esse campo heterogêneo de produção de saber institucionali-
zado “a um sentido de ciência que insiste na sua potência nas lutas ideológicas” (1995:
34). Haraway, no entanto, se propõe a sugerir a solução de uma ambiguidade, que diz
respeito ao “estatuto de qualquer objeto do conhecimento” (1995: 34). Tomando como
exemplo “sexo” como objeto de conhecimento biológico, que “aparece sob a capa do
determinismo biológico” que ameaça as possibilidades abertas pelo conceito de gênero,
“como diferença localizada socialmente, historicamente e semioticamente” (1995:35),
Haraway acredita que “perder as descrições biológicas autorizadas a respeito do sexo,
que criaram tensões produtivas com seu par binário, gênero, parece implicar perder
muito; parece implicar perder ... o próprio corpo como algo que não seja uma página
em branco para inscrições sociais, inclusive aquelas do discurso biológico” (1995: 35).
Porém, Haraway acredita que essa dificuldade e perda derivam da tradição analítica
ocidental que transforma tudo num recurso para ser apropriado, onde o objeto é apenas
coisa, matéria, e apenas reafirma o poder do conhecedor, sendo-lhe negado qualquer
estatuto de agente na produção de conhecimento.

A natureza é apenas a matéria-prima da cultura... na lógica do colonia-


lismo capitalista. De modo análogo, o sexo é apenas a matéria do ato de
gênero, a lógica da produção parece inevitável nas tradições dos binaris-
mos ocidentais. Essa lógica narrativa analítica e histórica explica meu ner-

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vosismo a respeito da distinção sexo/gênero na história recente da teoria


feminista. O sexo é “recuperado” para ser reapresentado como gênero,
que nós podemos controlar. Parece impossível evitar a cilada da lógica
apropriacionista de dominação, inscrita no par binário natureza/cultura e
na linhagem que ela gerou, incluindo a distinção sexo/gênero (1995: 36).

Haraway argumenta que “saberes localizados requerem que o objeto do conheci-


mento seja visto como ator e agente, não como uma tela, ou um terreno, ou um recurso,
e, finalmente, nunca como um escravo do senhor que encerra a dialética apenas na sua
agência e em sua autoridade de conhecimento ‘objetivo’” (36). E essa observação deve
valer para todos “os projetos de conhecimento chamados de ciência”, e não apenas para
as ciências humanas e sociais.
Como foi visto acima, na disciplina da pós-graduação, lemos, depois de Haraway,
textos de Horkheimer, Geertz e Azerêdo. Horkheimer propõe uma diferenciação entre
teoria tradicional e teoria crítica, mostrando que a primeira pretende alcançar um co-
nhecimento fora do contexto, preocupando-se apenas em estabelecer a veracidade dos
fatos. De acordo com ele:

A ideia tradicional de teoria é abstraída do funcionamento da ciência,


tal como ocorre a um nível dado da divisão do trabalho. Ela correspon-
de à atividade do/a cientista tal como é executada ao lado de todas as
atividades da sociedade, porém sem que a conexão entre elas se torne
imediatamente clara. Nesta visão da teoria, a função social real da ciên-
cia não se torna manifesta, nem o que a teoria significa para a existência
humana, mas apenas o que significa na esfera isolada em que é feita sob
condições históricas. Na verdade, a vida da sociedade é um resultado da
totalidade do trabalho nos diferentes setores de produção, e mesmo que
a divisão do trabalho funcione mal sob o modo de produção capitalista,
os seus ramos, inclusive a ciência, não podem ser vistos como autôno-
mos e independentes (1975: 131).

A essa visão de teoria, Horkheimer propõe o que ele chama de “atividade crítica”,
afirmando:
Que tem a própria sociedade como seu objeto. Ela não tem apenas
a intenção de remediar quaisquer inconvenientes; ao contrário, estes
lhe parecem ligados necessariamente a toda organização estrutural da
sociedade. Mesmo que esta atividade provenha da estrutura social, não
é nem a sua intenção consciente, nem a sua importância objetiva que
faz com que alguma coisa funcione melhor nessa estrutura. As catego-
rias: melhor, útil, conveniente, produtivo, valioso, tais como são aceitas
nesta ordem [social] são para ela suspeitas e não são de forma alguma
premissas extra-científicas que dispensem a sua atenção crítica. Em
regra geral o indivíduo aceita naturalmente como preestabelecidas as
determinações básicas de sua existência e se esforça para preenchê-la.
(...) ao contrário, o pensamento crítico não confia de forma alguma
nesta diretriz, tal como é posta à mão de cada um pela vida social. A
separação entre indivíduo e sociedade, em virtude da qual os indivíduos
aceitam como naturais as barreiras que são impostas à sua atividade, é
eliminada na teoria crítica, na medida em que ela considera ser o con-

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texto condicionado pela cega atuação conjunta das atividades isoladas,


isto é, pela divisão dada do trabalho e pelas diferenças de classe, como
uma ação que advém da ação humana e que poderia estar possivelmen-
te subordinada à decisão planificada e a objetivos racionais (1975: 138).

Geertz, por sua vez, propõe a necessidade de uma antropologia baseada na inter-
pretação dos significados das ações humanas, a qual se torna possível através do uso da
descrição densa, uma prática de escrita que possibilita diferenciar uma contração da
pálpebra como sendo uma piscadela de cumplicidade ou simplesmente uma irritação
no olho, por exemplo. Talvez sua contribuição mais importante seja nos alertar contra
a necessidade de totalização e de fechamento da realidade. Como ele diz, “a análise
cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos
completa” (1989: 39). Geertz se refere a uma história indiana em que um inglês per-
gunta a um indiano onde se apoiava a tartaruga sobre cujas costas se apoiava o elefante
que carregava o mundo e que recebeu a seguinte resposta: “Em outra tartaruga. E essa
tartaruga? ‘Ah, Sahib, depois dessa são só tartarugas até o fim’” (1989: 39). Para ele, ao
invés de buscarmos nos aproximar de uma realidade “complexa demais”, será melhor
não perder de vista as duras realidades cotidianas em que nós vivemos. Como ele escreve:

Na busca de tartarugas demasiado profundas, está sempre presente o pe-


rigo de que a análise cultural perca contato com as superfícies duras da
vida—com realidades estratificadoras políticas e econômicas, dentro das
quais os homens são reprimidos em todos os lugares—e com as necessida-
des biológicas e físicas sobre as quais repousam essas superfícies (1989: 39).

Os dois textos de Azerêdo tratam especificamente da dificuldade de se teorizar


dentro de uma perspectiva feminista na psicologia, propondo nessa teorização a análise
do literário, que ajudaria a psicologia a entender melhor a experiência da diferença.
Apoiando-me no trabalho de Joan Scott12 sobre a experiência, vejo no literário a pos-
sibilidade de entender a complexidade e contradição das produções discursivas sobre a
experiência, que são processos com múltiplos significados, sendo impossível usar uma
única narrativa para dar conta delas.

Uma história sobre a discussão em sala de aula


Quero finalizar contando uma história sobre nossa discussão dessas questões em
sala de aula.
Comecei a discussão do texto de Haraway, abrindo para comentários das/os estu-
dantes. Já havíamos visto alguns problemas com o político no texto de Mata Machado,
o que tinha incomodado a algumas pessoas, que tinham gostado muito do livro. Um
aluno (da área de concentração em psicanálise) começou o debate perguntando com
quem Haraway estava brigando. A quem ela estava se dirigindo com tanta raiva. Tentei
mostrar que o texto deixava bem explícito que Haraway estava falando dos Estados

12 Joan Scott, “Experiência”. IN IN Silva, Lago e Ramos, Falas de Gênero. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 1999,
pp. 21-55.

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Unidos dos anos 80 e mostrei algumas passagens onde isso aparecia. Não se tratava
simplesmente de uma “briga”, mas de um texto que propunha uma metodologia séria
de pesquisa que considerasse a objetividade como sendo possível apenas em termos de
posicionamento. É certo que ela estava usando a ironia e estava falando claramente
do feminismo, de uma metodologia feminista. O comentário de um segundo aluno
(da área de Psicologia Social) mostrou que talvez o que estivesse incomodando fosse
justamente isso. Como pensar uma metodologia de pesquisa objetiva quando se fala
do lugar da militância política? Este aluno da Social começou sua crítica ao texto de
Haraway dizendo que ele parecia “uma ode ao feminismo”. Em resposta, o aluno da
Psicanálise disse que o problema para ele é que o texto tinha sido escrito antes de ele
nascer, em 1989, e, portanto, ele não entedia nada daquilo.
Sem dúvida, tratava-se de uma brincadeira, porém eu já estava irritada com todos
aqueles comentários e respondi ao aluno da psicanálise que considerava o que ele havia
dito como sendo uma provocação. Quer dizer, então, que eu podia dizer também que
não entendia nada da segunda guerra mundial porque tinha nascido em 1946, logo
depois que a guerra tinha acabado? Perdi realmente a paciência com esse aluno e só aos
poucos fui me acalmando, com a ajuda de outro aluno, mais velho, que apontou para
trechos do texto de Haraway onde ela parecia mesmo estar brigando com Reagan e a
ciência tradicional, masculinista, dos Estados Unidos. Um desses trechos diz que ela se
sentia paranoica em relação a essas produções. Um terceiro aluno, tentando acalmar a
discussão, alegou que aquele era um texto publicado em 1988. Desde então, muita coisa
tinha mudado e hoje o que está escrito ali talvez não tivesse a mesma importância. Em
resposta a essa impertinência, li uma parte de nossa entrevista13 em que Haraway afirma:

Tudo que tentei dizer neste ensaio-entrevista é uma resposta à sua


indagação sobre onde os “saberes localizados” estão agora, depois
de as relações de parentesco entre cyborgs e “espécies companhei-
ras” se tornaram inevitáveis para as feministas, ou pelo menos para
mim e o “nós” formado por essas questões. Aberta e vulnerável,
capaz de espanto e invenção, faminta em aprender como herdar o
fardo terrível dos genocídios, extermínios e extinções sem repeti-
-los numa necessidade de me tornar inocente e pura—essas são
minhas preocupações agora, assim como eram na década de 1980.
Mas agora tenho uma bela cachorra para me acompanhar em ve-
redas que ela poderá achar mais promissoras... (2011: 408-409).

Enfim, fui me acalmando, e, na aula que se seguiu àquela, desculpei-me por ter
perdido a paciência, impedindo, assim, uma discussão mais amena, que possibilitasse
mostrar a questão política envolvida com o feminismo e a importância do posiciona-
mento. Confirmei que Haraway era, sim, apaixonada pelo feminismo e ela achava que
aquele texto podia ser, sim, uma “ode ao feminismo”.
Avaliando agora toda a situação, tendo já se passado alguns meses das aulas de
Metodologia, acho que, embora minha reação intempestiva e apaixonada tenha, sim,

13 “Companhias Multiespécies nas Naturezaculturas: uma conversa entre Donna Haraway e Sandra Azerêdo”, IN Maria
Esther Maciel, pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica (Florianópolis: Editora da UFSC, 2011, 389-
417).

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criado uma atmosfera tensa em que perdemos a oportunidade de ter uma discussão
mais promissora sobre a introdução do político nas práticas de pesquisa em psicologia,
a experiência foi positiva, especialmente em relação aos trabalhos que recebi. Ainda que
cerca de ¾ da turma da psicologia social tenha escolhido o texto de Minayo para tomar
como base para o trabalho, produzindo trabalhos pouco interessantes, houve estudantes
que escolheram os textos de Haraway, Geertz e Horkheimer, escrevendo trabalhos muito
bons sobre a questão do posicionamento e da transformação da sociedade. Entre esses/
as estudantes havia alguns homens, não apenas mulheres. Isso serviu de alento ao difícil
embate que tive com os homens da turma, na discussão sobre o texto de Haraway.
Logo no início de seu texto, Minayo escreve que “[p]ara problemas essenciais, como
a pobreza, a miséria, a fome, a violência, a ciência continua sem resposta e sem propostas”
(2010: 9-10). Essa não é a ciência que queremos construir na psicologia. Queremos uma
ciência que através do posicionamento tenha propostas para enfrentar esses problemas.
É preciso uma ciência visionária, como diz Haraway, e não uma ciência sem propostas.

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Gênero e suas expressões em um
contexto educacional e de atendimento
à infância e à adolescência em uma
cidade do interior paulista 1

Fernando Silva Teixeira-Filho2


Nayara Lima Longo3
Juliane Campos de Souza4

Introdução
Este trabalho, fruto de projeto de iniciação científica financiado pela FAPESP
(05/03663-4 e 05/03662-8), buscou averiguar como representações de gênero
se expressam no cotidiano das práticas de cuidados e educação desenvolvidos
por monitoras, funcionárias e coordenação de uma instituição filantrópica
junto a crianças e adolescentes em um município do interior do Estado de
São Paulo. Para tal, fizemos uma relação entre os dados colhidos por meio de
entrevistas e observações de campo. A intenção aqui é problematizar o sentido
destas representações, demonstrando que estas são produzidas a partir de deter-
minada configuração de poderes de um espaço e tempo. Desta maneira, como
faremos ver, será possível denunciarmos os essencialismos que as compõem, o
modo como funcionam na produção e manutenção das mais variadas formas
de exclusão e violência.
O disparador das reflexões desta pesquisa deu-se a partir de nossa partici-
pação em um projeto de estágio5, o qual tem como premissa que os sujeitos se
constituem no interior de práticas e discursos, sendo compostos e construídos
em processos, em linhas de subjetivação e a partir de dispositivos estratégicos, tais
como os da sexualidade tal qual problematizado pelo filósofo Michel Foucault
ao longo de sua obra. Assim, tal estágio foi desenvolvido em um estabelecimento
de cunho assistencial-filantrópico de atendimento à infância e adolescência,
localizado em um bairro de baixa renda de um município do interior do Esta-
do de São Paulo. Neste local, desenvolvíamos um trabalho institucional com

1 Este artigo é derivado do Projeto de Iniciação Científica, denominado “Gênero e suas expressões nas práticas
institucionais”, financiado pela FAPESP em 2006, processos: 05/03663-4 e 05/03662-8
2 Prof. Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica e ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Assis
3 Psicóloga formada pela UNESP, Campus de Assis. Bolsista FAPESP – Processo: 05/03662-8
4 Psicóloga formada pela UNESP, Campus de Assis. Bolsista FAPESP – Processo: 05/03663-4
5 Trata-se do projeto de estágio/extensão denominado Corpo-afecto e sexualidade no trabalho com Educação
Sexual, desenvolvido junto ao Departamento de Psicologia Clínica da UNESP, Campus de Assis, SP

Este documento es proporcionado al estudiante con fines educativos, para la crítica y la investigación respetando la reglamentación en materia de derechos de autor.
Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
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crianças, adolescentes e funcionárias/o, tentando problematizar e articular questões


referentes à sexualidade.
Neste contexto, percebemos que as representações de gênero que por ali circulavam
eram fator indispensável para refletir sobre as práticas daquele estabelecimento em relação
ao dispositivo da sexualidade e ao gênero. Porém, não apenas com relação às práticas liga-
das diretamente à sexualidade, como também aos modos de organização, ação e produção
cotidianas que ali ocorriam. Tomados, então, por estas questões, decidimos investigar quais
as linhas que estavam compondo as representações de gênero naquele estabelecimento,
tentando articular estas concepções com as práticas que ali se desenvolviam.
Para tal, passamos a problematizar os discursos e práticas de cuidados exercidos por
funcionários/as, monitores/as e coordenadoras junto às crianças e adolescentes acolhidos
por este estabelecimento.

“Gênero? Mas o que é isso?”


Sempre quando colocávamos a noção de gênero como uma linha sobre a qual
se desenrolaria nossa pesquisa, deparávamos-nos com as seguintes perguntas das
participantes:”Gênero? Mas o que é isso? Vocês estudam, então, as diferenças entre
homens e mulheres?”
A questão já era imediatamente colocada em um”plano molar6”de constituição
da subjetividade (GUATTARI, ROLNIK, 1996), isto é, onde as formas e sujeitos já
estavam constituídos e devidamente identificados.
Assim, temos que sistemas de representações, constituídos no bojo de relações de
poder, operam na tentativa de ligar corpos a identidades estáveis, fixas e imutáveis. A
partir disto, são produzidas ideias do que é ‘ser mulher’ e do que é ‘ser homem’. Caracte-
rizam-se pela tentativa de ordenar multiplicidades, ligar corpos a uma suposta essência,
transformando-os em”passageiros de identidades fictícias”(SWAIN, 2005, p. 327).
Ao contrário, gênero relaciona-se com a perturbação destas formas e identidades
que tentam circunscrever territórios e modos de habitar o mundo. Assim, gênero deve
ser considerado a partir de uma lógica relacional, isto é, produzido nas relações sociais,
pela exaltação de determinadas diferenças e ocultamento de certas semelhanças (BOR-
DIEU, 1999, p. 8). Deste modo, a categoria gênero permite questionar a classificação de
corpos em masculinos e femininos, evidenciando a arbitrariedade desta divisão binária.
Operar com esta noção, portanto, exige que consideremos seu caráter marcadamente
histórico, retirando do debate os enfoques biológicos de cunho determinista. Neste sentido,
o sexo biológico “deixa de ser significante geral que abriga o binário sexual e passa a ser igual-
mente signo produzido no próprio seio do agenciamento social”(SWAIN, 2005, p. 333).
Como afirma Louro (2004, p. 75-76),”características dos corpos significadas como
marcas pela cultura distinguem sujeitos e se constituem em marcas de poder”. Neste
sentido, estas representações, muitas vezes, servem naturalizam efeitos de exclusão e

6 Para os autores, a subjetividade se compõe a partir de dois planos: o molar, que é da ordem do visível, ou seja, dos
modelos, das identidades, das estruturas, das normas, dos gêneros; e o plano invisível, que é o plano dos fluxos de desejo
que engendram diferentes formas. Deste modo, o plano molar é o plano formal, da consciência, das representações e do
imaginário. Neste plano, as fronteiras são definidas e reificadas cronológica e espacialmente.

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Gênero e suas expressões em um contexto educacional e de atendimento à infância e
à adolescência em uma cidade do interior paulista

dominação presentes nas relações sociais. Entendendo aqui representação como:

Práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais


os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. É por
meio dos significados produzidos pelas representações que damos senti-
do à nossa experiência e àquilo que somos (WOODWARD,2000:17).

Para nós, psicólogos/as, trabalhar com a categoria gênero permite, desta maneira,
mapear processos de constituição de representações que regulam modos de classificação
e hierarquização de corpos a partir de sua anatomia e traços.

Algumas linhas do processo da pesquisa

Construindo o lugar
Trata-se de uma casa grande, com amplo espaço ao ar livre, fundada por senhoras
católicas há 50 anos, que atualmente trabalham com cerca de 200 crianças com idade
entre 2 e 12 anos em regime de contra-turno. Tem na coordenação freiras de uma
Ordem católica.
Contrariando as expectativas, temos que as freiras se mostraram bastantes dispo-
níveis à nossa atuação junto às crianças. O principal ponto de resistência encontrado
foi com o grupo das educadoras.
A intervenção
Para os objetivos deste trabalho realizamos, em um primeiro momento, observa-
ções etnográficas que nos permitiram maior intimidade com as rotinas, os trâmites e as
práticas cotidianas daquele estabelecimento.
A partir dos dados oriundos das observações, elaboramos entrevistas semi-estrutura-
das divididas em três blocos de perguntas. Os participantes foram divididos em grupos
de três a quatro pessoas, mediados por duas pesquisadoras. Conversamos com todas as
pessoas que trabalhavam no estabelecimento, sendo que, das dezoito pessoas entrevis-
tadas, apenas uma era do sexo masculino. Os grupos foram organizados de acordo com
a disponibilidade de horários e o cargo ocupado pelos participantes.
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio após assinatura do Termo de Con-
sentimento Livre e Esclarecido dos depoentes.

Identidade: breves apontamentos


Temos que a identidade só adquire sentido por meio da linguagem e dos sistemas
simbólicos pelos quais são representadas (WOODWARD, 2000, p. 8).
Como nos lembra Silva (2000, p. 96-97): “A identidade é uma construção, um
efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo.(...) é instável,
contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. (...) está ligada a estruturas dis-
cursivas e narrativas.”
Desta forma, contra a ideia de uma concepção unificada de identidade, devemos
pensá-la como produto e produtora de relações de poder, sendo este último aqui com-

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preendido na sua positividade, como produto/produtor de um determinado plano de


realidade em um tempo e espaço (FOUCAULT,1979).
Com isso, a partir dos apontamentos anteriormente colocados, tentaremos agora
empreender uma discussão/interpretação dos dados a partir de excertos retirados das
observações etnográficas e das entrevistas. Deste modo, buscamos contribuir para a re-
flexão sobre como tendem a se dispor as forças constitutivas dos processos de produção
de gênero neste estabelecimento.

Representações acerca de homens e mulheres


Destacamos alguns excertos das entrevistas, dividindo-os em tópicos que nos pa-
recem significativos para ilustrar as demarcações do masculino e do feminino traçadas
pelos entrevistados:
“Cada um tem seu papel”

[...] mulher não é mulher? Homem não é homem? Eu não posso ser
mulher, eu posso ser mulher? Não posso ser mulher. A vida diferencia
isto. [Hóracio7 - Auxiliar de serviços gerais] (sic)
[...] Desde pequeno a gente nota na criança a diferença entre meninos
e meninas. [Tamires - Diretora] (sic)
[...] Ah! Porque os homens fazem isto, a mulher também vai. Nada
disso! Mulher tem que fazer papel de mulher e o homem papel dele, de
homem. Cada um tem o seu papel. [Tamires - Diretora] (sic)

Como se pode perceber pelos exertos acima, há uma clara demarcação (imaginária)
das fronteiras de gênero, isto é, através dos discursos dos entrevistados percebemos
identidades de gênero nitidamente demarcadas, funcionando como estruturantes de
posições de sujeito no mundo. Há uma tendência por parte dos entrevistados a se pautar
em uma visão essencialista, geralmente embasada pela Biologia dos corpos, que concebe
o masculino e o feminino como opostos:

São diferentes no biológico [referindo-se a homens e mulheres], eles são


diferentes. Nas brincadeiras que eles têm...entre outras coisas. [Sabrina
- Educadora]

É interessante salientar aqui como a identidade também é marcada pela diferença.


Como coloca Silva (2001, p. 76):

(...) identidade e diferença são mutuamente determinadas. (...) seria


preciso considerar a diferença não simplesmente como resultado de um
processo, mas como o processo pelo qual tanto a identidade como a
diferença (compreendida aqui como resultado) são produzidas.

7 Todos os nomes dos participantes são fictícios

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à adolescência em uma cidade do interior paulista

A identidade de gênero é construída por meio de oposições binárias: ser mulher


é não ser homem. Essas oposições acabam por determinar hierarquizações, uma vez
que “a relação entre dois termos de uma oposição binária envolve um desequilíbrio
necessário de poder entre eles”. (DERRIDA apud WOODWARD, 2001, p. 50). Ou
seja, aprendemos a pensar dentro de uma lógica dicotômica, concebendo masculino e
feminino como polos opostos; diferença sempre marcada pela superioridade de um dos
elementos em relação ao outro.
“Pelo amor de Deus, isto é coisa de moleque!”
Uma das mais clássicas demarcações entre estes polos é a que associa a mulher a um
“ser”de sentimento e o homem a um “ser”de razão. Como afirma Birman (2001, p. 56):
“a cartografia moral da diferença sexual reside entre os polos da natureza e da civilização”.
E isso pareceu-nos tão mais verdadeiro quando escutamos de uma de nossas partici-
pantes da pesquisa a seguinte explicação acerca das diferenças entre homens e mulheres:

[...] Pode ver que a maioria de coisa de matemática, computador, vi-


deogame... o homem... eu acho que ele é mais rápido que mulher em
relação a isto. Mulher é mais delicada, né? [Renata - Educadora] (sic)

Sendo a mulher situada no polo da natureza e do sentimento, há uma tendência


a situá-la como sensível, frágil e doce, como podemos perceber, algumas vezes, nos
discursos dos entrevistados:

Ah, sei lá. Mulher é mais delicada né? Geralmente homem é mais gros-
seiro. Mas queira ou não, o mundo deixa esta imagem pra gente: que
mulher é mais delicada e o homem mais grosseiro. A menina que gosta
de falar, né? Menina que fala muito palavrão? Pelo amor de Deus! Isto
é coisa de moleque!. [ Renata - Educadora ] (sic)
Os meninos são um pouco mais agressivos, eu acho, nas brincadeiras.
[Fábia -Educadora] (sic)

Paradoxalmente, por outro lado, paralelo à ideia de fragilidade e sensibilidade da


mulher, percebemos, de maneira enfática, a tendência em situá-la como mais forte
emocionalmente:

O sexo [Eleva a voz], né? No sexo é diferente, na força é diferente.


Na força que eu falo é na força física. Mas na força da dor, a mulher
é muito mais forte, né? Ela aguenta muito mais. Eu acredito que são
diferentes mesmo. Mais diferentes nisso... Mas nos direitos, pra mim
são iguais”. [Vânia - Diretora] (sic)
É a mulher quem segura a barra.[Fábia - Educadora] (sic)
Tem que enfrentar todos os problemas, até os do marido. Então, haja
cérebro! Haja mente! Haja tudo. [Joana - Educadora] (sic)
Você compara uma mulher quando fica doente com um homem quan-
do fica doente... a mesma coisa [a mesma doença]: o homem se entrega.
A mulher não! [Fábia – Educadora]. (sic)

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A ideia da mulher como sendo mais forte emocionalmente, talvez se vincule ao ideal
de maternidade proposto para a mulher. É o que desenvolveremos no próximo item.
Mãe do pai, mãe do marido, mãe do filho
Tomar a mulher por suas características biológicas fornece elementos para asso-
ciações que, em geral, remetem à ideia da maternidade e adjetivos a ela relacionados.
Encarnada nesta ideia de maternidade, novamente encontramos como características
do ser mulher a primazia dos afetos sobre a racionalidade (BIRMAN, 2001). Não é
surpresa, portanto, nos depararmos com afirmações como estas:

Já nasce, é uma obra de Deus, desde que foi a vez de Maria e tudo
(referindo-se ao instinto materno). E é aqui... é mesmo ter instinto ma-
terno”. [Silvana - Educadora] (sic)
Tanto que uma boneca elas cuidam como se fosse uma criança. Menina
com a boneca já põe o peito. É umas brincadeiras bem assim mesmo.
Eu concordo com essa afirmação. A mulher já nasce com o instinto
materno. [Fábia - Educadora] (sic)
Por que se a mulher não nasceu com este instinto materno, vai virar o
quê? Não vou nem falar que é bicho, porque bicho tem mais instintos
ainda que o ser humano. [Joana - Educadora] (sic)
Ah, eu acho que tem [refere-se ao instinto materno]. A mulher... porque
eu vejo as meninas ali, de quatro anos, às vezes elas pegam as bonecas
delas e colocam no peito como se estivesse dando de mamar pra uma
criança. Então, a gente vê que ali, ela é muito pequenininha sabe? O
menino fica assim... às vezes até olham a criança, mas não é da mesma
forma que a mulher, sabe? Eu acho que já tem ali, desde pequenininho,
já tem assim aquela vocação pra ser mãe, sabe? É a impressão que eu
tenho. [Amanda - Educadora] (sic)

No entanto, a maternidade, no relato da maioria das entrevistadas, vincula-se ao


sofrimento e à sobrecarga de atividades. Vejamos:

[...] Então, é isso daí mesmo, eles depende muito da gente pra tudo e a
gente acaba né, sendo aquela mãezona né, mãe do pai, mãe do marido,
mãe do filho até, às vezes, mãe da mãe da gente, né? Eles cobram muito
da gente. [Sabrina - Faxineira] (sic)

Birman (2001, p. 60-63) argumenta que a inserção destas ideias no imaginário


coletivo deu-se como uma estratégia do biopoder. Este conceito, cunhado por Michel
Foucault, refere-se às estratégias de controle dos indivíduos e da população advindas
com a modernidade (RABINOW, 2006). O poder agora é exercido sobre a vida, uma
vez que a “qualidade de base do capital humano seria (...) a condição de possibilidade
para a produção e reprodução do capital econômico”. (BIRMAN, 2001, p. 61). Uma
das estratégias deste biopoder foi o surgimento da família nuclear, emergente no século
XVIII e organizada em torno da criança.
A partir daí, portanto, acontece uma redistribuição do papel da mulher, do homem
e da criança. Com um novo ‘status’ adquirido a partir do século XV (ARIÈS, 1981), a
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Gênero e suas expressões em um contexto educacional e de atendimento à infância e
à adolescência em uma cidade do interior paulista

infância agora é considerada etapa particular do desenvolvimento, exigindo, portanto,


cuidados específicos. Alguém teria que se responsabilizar pelas novas demandas produ-
zidas sobre a figura da criança.
Desta forma, através dos discursos médico, religioso e econômico o corpo da
mulher é tomado por seu potencial reprodutivo (BADINTER, 1985). Há um forte
investimento discursivo em torno do corpo da mulher, delegando a esta o papel da
maternidade, responsabilizando-a pela governabilidade do espaço privado e da família.
Nesta perspectiva, o espaço doméstico foi diferenciado da esfera pública do trabalho
e definido como um lugar majoritariamente feminino.

Acho que assim; tipo, num casamento: a mulher, ela pode optar entre
querer trabalhar ou não. [Renata - Educadora]. (sic)
Não, mas lá em casa é eu que... eu que sou a forte. Lá em casa é eu que
falo alto, o (marido) não. Lá em casa eu sou estourada. O que eu falar
tá certo. Se eu falar que não, não, não. Se eu falar que sim, sim é sim. E
não dianta não porque aí o pau quebra mesmo, né? Então, é... em casa
sou eu que dou as ordens... [Laura - Auxiliar de cozinha]. (sic)

Ainda assim, de maneira crítica, as entrevistadas pontuaram a exclusão feminina


do espaço público, destacando a hierarquização entre homens e mulheres no mercado
de trabalho, na família, nas formas permitidas de manifestação da sexualidade e na
distribuição das atividades cotidianas.

E a mulher, né? Sai um boato de que ela fez alguma coisa... Casada,
então? Uma mulher casada trai o marido? Cabou. Não arranja marido
mais.Vixi. E ele, quanto mais melhor, né? Se ele tem duas, três, quatro,
cinco, já é o bambambam e quer mais ainda. Não sei se é desvantagem
ou vantagem, mas que ele leva a fama boa e pode fazer o que quer. Pra
salário, geralmente homem ganha mais que mulher. Mulher entrando
na política. Por quê? Igual, motorista. Deu maior bafafá na cidade por-
que tava só contratando mulheres pra trabalhar. [Renata - Educadora]
(sic)

Apesar disso, percebemos que mesmo gerando conflitos, lugares específicos para
homens e mulheres continuam sendo reproduzidos.
O que a maioria dos relatos permite evidenciar é como determinados modos de
subjetivação se colocam como verdades universais, gerando intensas ressonâncias e
naturalizando modos de experienciar e estar no mundo.

Práticas e interferências: Condutas e formas de


relacionamentos para meninas e meninos
Podemos vislumbrar até aqui como e quais são as representações sobre homens
e mulheres em geral. Agora discorreremos sobre como estas concepções articulam-se
com o modo como os participantes conduzem as relações entre meninos e meninas no
interior de seus discursos e práticas profissionais.

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Tem menina aqui que parece moleque!


É frequente nas falas, principalmente das educadoras, uma inclinação a situar as
meninas como criaturas frágeis e doces que devem ser protegidas dos meninos que, por
sua vez, são tidos como agressivos e violentos. Desta forma, configura-se uma autori-
zação para a manifestação da agressividade no menino, estimulada a todo o momento,
enquanto que na menina esta expressão seria reprimida:

Ah, eu falo porque quando os meninos têm uma tendência, pelo menos
os meus né? Até hoje todos os que eu tive, tem umas sementes que são
um pouco... Umas brincadeiras mais agressivas e aí eu falo: ‘Manera nas
brincadeiras’. Pra que eles não machuquem a menina que, geralmente,
são mais delicadas em relação a força né? E é a única coisa, recomenda-
ção que eu dou. [Renata – Educadora] (sic)
Eu acho que os meninos, ainda mais lá na minha classe, eles são mais
violentos que as meninas. Então eu tenho medo, de um acertar... de um
acabar machucando o outro[...] Porque as meninas são assim mais de-
licadinhas, no jeito de brincar. [...]. Tem menina que parece moleque.
Claro, tem menina que gosta de subir mais do que moleque, mas é raro,
é mais difícil. [...] Outro dia veio uma menininha aí, ela ficou um dia
só, mas ela se deu tão bem com um menininho, e o menino era triste,
sabe? Ele não pára. E ela se deu tão bem com ele: parecia que os dois já
se conheciam há muito tempo; fizeram a maior amizade e brincaram
o tempo todo junto os dois. Eu achei bonitinho.Tá vendo? Não é uma
regra. Você falar: “não, o menino não vai se dar bem com a menina de
jeito nenhum”. Não é assim! Mas também a gente tem que tomar cui-
dado, de repente numa dessas eles brigam ali e machucam. A menina lá
pequeninha. As menininhas vivem sendo machucadas pelos moleques
porque eles são estúpidos. [...]. Dá medo! Então tem que separar um
pouco. [Amanda - Educadora] (sic)
Peço pra que não faça mais isso. Eu falo que o menino pode machucar
a menina, que elas são menores ou que são mais quietinhas, pra que eles
não façam isso, que brinquem entre eles e que deixem elas brincarem
do jeito delas. Meio que dou um jeito de dar uma separada nos dois.
[Amanda – Educadora] (sic)
Às vezes, dependendo da brincadeira, se a gente vê que não é uma brin-
cadeira agressiva a gente pode falar que as meninas também podem
brincar. Mas eles mesmos direcionam, virou um clube, né? [Fábia -
Educadora] (sic)

Ela faz coisa de menino?


Às vezes, transparecem, nas declarações, conflitos com as normas de gênero propos-
tas no plano social, que ora provocam questionamentos, ora despertam complacência:

Jogar futebol com os meninos. Então, isso parece uma coisa, sei lá. O
mundo coloca isso pra gente, que isso é coisa de homem. Então... Ela
faz coisa de menino? Não sei. [Renata - Educadora] (sic)

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Porque um dia a menininha trouxe uma maquiagem e tinha três mo-


leques brincando com ela e querendo passar a maquiagem, querendo
passar batom... e passaram, sabe? Então, a gente fica naquela pergunta:
deixa ou não deixa? Porque desde muito pequeno a gente falou: “Ah,
quem passa batom é mulher”, né? E, de repente você fala assim. Aí o
menino passa. Dái você fala: ‘Não, mas isso é de mulher’. E ele questio-
na: ‘Mas porque eu não posso?’ [Amanda - Educadora] (sic)
E ele é lindo (referindo-se a um menino) E a gente tava montando a core-
ografia country e daí, no final, as meninas fazem uma pose e ele me para
do lado e faz [igual às meninas]. Um sarro. E ele ficou lindo. Todo assim.
[levanta e faz gesto com corpo], sabe assim? [Daniela – Educadora] (sic)

No entanto, cabe salientar que, especialmente nas observações que realizamos,


evidenciou-se que as práticas das educadoras delimitavam claramente lugares distintos
para meninos e meninas, como poderemos notar nas observações destacadas a seguir:
(Observação nº. 05):
A educadora pergunta se o menino quer carrinho. Em seguida, dirige-se a uma
menina que observava a brincadeira dos meninos e pede que ela se afaste dos
meninos, dizendo: “Aí são os meninos, deixe os meninos brincarem aí. Fique
aqui (na mesinha)”. A educadora propõe jogo de massa de modelar a uma das
meninas. Chama uma menina que estava envolvida no carrinho com os meninos
para brincar também.
(Observação nº 07):
A educadora permanece sentada observando. Fala “Q., Z., (ambos meninos) vem
pra cá. As meninas estavam brincando bonitinho de casinha aí”. (As meninas
estavam em um canto separado, há apenas um menino entre elas). Mais tarde,
esta educadora organiza duas filas, uma de meninos e outra de meninas.
(Observação nº 04):
A educadora inicia uma brincadeira de roda, apenas com meninas. Um menino
diz que quer tomar lanche e ela lhe diz: “Fique lá que nós já vamos”. Ele não é
convidado a brincar de roda e permanece com o livro de historinhas. Algumas
meninas ficam em volta da educadora. Uma delas reclama de um coleguinha. A
educadora diz: “Brinca com elas, olha quanta menina para você brincar”.
(Observação nº 14):
A professora faz duas rodas de crianças na sala. A roda das crianças mais novas
se divide entre meninos e meninas. Uma das meninas diz que não quer fazer a
atividade com os meninos. Educadora olha para ela e se cala. A menina diz que
não quer fazer com os meninos e sai da roda. A educadora diz que tudo bem.
(Observação, nº 20):
Educadora diz pra menina: “Olha só, na terra não pode brincar muito. Ainda
mais vocês, que são menininhas. Na areia tem xixi de gato. Só pode brincar um
pouquinho”.

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As crianças fazem uma fila mista. A educadora pega três meninas que estavam no
começo da fila e as coloca do lado e diz: “Aqui que é de menina”, colocando-as
numa fila de meninas, e todos vão para o parque.
No parque, educadora fala para uma menina: “Chame outra menina para brincar
com você de mamãe e filhinho”.
“Que força, você está ficando forte, né J?”, a educadora fala para um menino
que estava no balanço.
A partir destas observações, demonstra-se o quanto as virtualidades do brincar
acabam por serem envoltas em regras e sanções culturalmente demarcadas por gênero.
Assim, explica-se, incentiva-se, ou não, uma brincadeira em função do sexo da criança,
restringindo e empobrecendo suas possibilidades de criação e atuação.
É o que acontece quando a educadora oferece carrinho para o menino e sugere que
menina brinque de “mamãe e filhinho”. Nesse sentido, Moreno (1999, p. 32) diz que
“em suas brincadeiras, as meninas têm a liberdade para serem cozinhei-
ras, cabeleireiras, fadas madrinhas, mães que limpam seus filhos, enfer-
meiras, etc., e os meninos são livres para serem índios, ladrões de gado,
bandidos, policiais, ‘super-homens’, tigres ferozes ou qualquer outro
elemento da fauna agressiva”.

Desta maneira, os sujeitos são incitados a identificarem-se com os modelos de con-


duta destinados a seu sexo biológico, ou como nos ensinará Butler (2003), as pessoas
são incitadas a performarem os gêneros, adequando seu comportamento ao seu sexo
biológico. Tal performance, todavia, não se dá conscientemente, por vontade própria.
Pautada nas teorias de Austin sobre a perfomatividade dos atos de fala, o filósofo
Jacques Derrida irá dizer que um ato de fala só adquire “valor de realidade” por conta de
dois processos: iterabilidade e pela citacionalidade. Isto é, são constantemente repetidos
e reificados historicamente pelo falante que os enuncia. Pautada nestes pressupostos, a
filósofa Judith Butler afirmará que o gênero processa-se a partir das performances em
equivalência ao que afirma Austin sobre os atos de fala. Desse modo,

A forma como se usa a linguagem, criando um discurso coercitivo


em relação ao gênero, é performática porque produz uma realidade,
criando limites e regras para sua expressão. Simultaneamente, garante
o caráter performático do próprio gênero, pois este se cria ao mesmo
tempo em que é normatizado. Referindo-se ao conceito de interpelação
de Louis Althusser, Butler afirma que o gênero começa a ser regulado
desde que se anuncia que um bebê é “menino”ou “menina”. Afinal, esse
anúncio determina uma cadeia de atos que visam a moldar o gênero e a
forma como o indivíduo viverá sua sexualidade. Haverá controle sobre
o tipo de roupas que a criança poderá usar, as cores, os brinquedos, etc.
(BENTO, s/d, p. 2)

Como vimos, a performance é produzida na linguagem e por ela engendra-se nos


corpos, construindo neles o gênero, o sexo.

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Gênero e suas expressões em um contexto educacional e de atendimento à infância e
à adolescência em uma cidade do interior paulista

É importante salientar a omissão das educadoras frente às divisões de gênero muito


evidentes. Passa-se, de maneira naturalizada e maciça, à “preferência”de meninas pelas
bonecas, bolsinhas rosa, batons e afins, para a dos meninos com seus carrinhos, espadas
e aviãozinho. As educadoras, assim como algumas funcionárias, esboçam em alguns
momentos das entrevistas uma tentativa de problematização deste fenômeno, mas que
não interfere em suas práticas. Auad (2006, p. 51), seguindo os passos de Bordieu,
informa-nos que para ele: “a masculinização dos corpos masculinos e a feminização dos
corpos femininos opera-se com a sistematização do livre- arbítrio cultural”.

Produções e a relação com a dissidência à norma


A partir das entrevistas e observações realizadas percebemos que discursos e práticas
que circulam cotidianamente neste estabelecimento acabam por reiterar uma lógica
falocêntrica hegemônica. São poucas, difusas e quase inexistentes as vozes que instituem
movimentos que fujam deste sistema binário e falocêntrico de organização dos corpos
a partir do binômio sexo/gênero.
A classificação de pessoas e situações em termos binários (norma), baseados em
expectativas sobre identidades de gênero, funciona como fator que ordena as fronteiras
do normal, do desejável e a do excluído ou do incluído neste estabelecimento. Os en-
volvidos na instituição, em sua maioria, tomam o que não corresponde ao ideal binário
(menino/masculino, menina/feminino) como fator de questionamento, de ‘tolerância’
pelo diferente, ou mesmo de gracejos. As opiniões variam, por vezes, entre uma visibi-
lidade que vem para classificar os sujeitos e uma invisibilidade por omissão (negando
a existência do que é considerado diferente ou, por exemplo, não problematizando as
atitudes que fujam daquilo que seria esperado).
Uma norma heterossexual, branca e masculina é tomada como a referência que não
precisa ser nomeada. Conforme Louro (2001, p. 16):

(...) serão os outros sujeitos sociais que se tornarão marcados, que se


definirão e serão denominados a partir desta referência [...]. Ao clas-
sificar os sujeitos, toda sociedade estabelece divisões e atribui rótulos
que pretendem fixar as identidades. Ela define, separa e, de formas sutis
ou violentas, também distingue e discrimina. [...] todas estas práticas e
linguagens constituíam e constituem sujeitos femininos e masculinos;
foram – e são – produtoras de marcas. Homens e mulheres adultos con-
tam como determinados comportamentos ou modos de ser parecem ter
sido ‘gravados’ em suas histórias pessoais.

Assim, temos que esta instituição, foco de nosso estudo, não apenas reproduz iden-
tidades de gênero instituídas no social, como também as produz através de suas omissões
e incentivos. Como já colocado por Moreno (1999, p. 68), a escola [contextos educativos]
representa uma importante instituição para o desenvolvimento de padrões de organização
das condutas e das atividades de gênero.
Sendo esta instituição um lócus espaço-temporal e sociocultural onde as crianças
vivenciam situações de interação, podemos situá-la como produtora e (re)produtora das
identidades de gênero que circulam no social.

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SEÇÃO I – (Des)Continuidades e Rupturas com e na Psicologia Contemporânea

Desta maneira, discursos engendrados nas práticas institucionais constroem e recons-


troem um recorte especifico da realidade. Discursos que estruturam práticas que, em sua
maioria, reforçam a exclusão e patologizam as condutas de crianças e adolescentes que
não correspondem aos parâmetros definidos pelos entrevistados como legítimos para
serem transmitidos. Concordamos com Gomes (2005, p. 128) quando esta afirma que:

Todos os contextos educativos, [...] constituem-se como espaços gen-


drados, pois buscam formar, definir e produzir sujeitos por meio de
práticas discursivas e não discursivas que reproduzem e sustentam hie-
rarquias de gênero, segundo a lógica binária homem/masculino versus
mulher/feminino.

Em busca de modos de inventar o mundo


Como normas são invenções sociais (LOURO, 2004, p. 89), gostaríamos de
pontuar aqui a necessidade de desmantelamento de todo esse aparato que, ao enrijecer
as identidades, funciona como fator de hierarquização e de desigualdades entre os seres
humanos.
Para tanto, torna-se necessário reconceituar as identidades como efeito, como
produção, abrindo assim espaço para o devir, para a multiplicidade.
Louro (2003, p. 51) convoca educadores e educadoras para esta tarefa:

Talvez seja mais produtivo para nós, educadoras e educadores, deixar de


considerar toda esta diversidade de sujeitos e práticas como um proble-
ma e passar a pensá-la como constituinte do nosso tempo. Um tempo
em que a diversidade não funciona mais com base na lógica da oposição
e da exclusão binárias, mas, em vez disso, exige uma lógica mais com-
plexa. Precisamos, enfim, nos voltar para práticas que desestabilizem e
desconstruam a naturalidade, a universalidade e a unidade do centro
e que reafirmem o caráter construído, movente e plural de todas as
posições.

Pensar a partir do gênero como categoria útil de análise (SCOTT, 1995) implica
em questionar o falocêntrismo de nossa cultura, percebendo que os modelos identitários
oferecidos para meninas e meninos são autoritários e castradores das potencialidades
humanas. Rago (2003, p. 485) assim questiona: “Trata-se de problematizar as pró-
prias práticas cotidianas de normatização, produzidas no contexto de uma pedagogia
autoritária pautada pelo medo e pelo ressentimento”. Neste sentido, é tarefa da escola
[contextos educativos] abrir “espaço para a manifestação livre da subjetividade e para cria-
ção de práticas de liberdade, liberando, pois, anarquicamente a ação e a expressão”[...].
(RAGO, 2003, p. 488).
Assim, esperamos que este trabalho sirva, ainda que minimamente, para proble-
matizar os binarismos normativos e fomentar práticas de transformação da realidade
junto aos educadores, suscitando-lhes reflexões e problematizações sobre a necessidade
de criação de novos e diferentes modos de habitar o mundo.

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à adolescência em uma cidade do interior paulista

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SEÇÃO II

Queering e as Práticas “Psis”

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Problematização de gênero, violência
e políticas públicas nos casos de abuso
sexual intrafamiliar vivenciado por
crianças e adolescentes

Juliana Helena Faria

O presente artigo traz como referência inicial para problematização os dados


de atendimentos realizados no Centro de Referência Especializado da Assistência
Social (CREAS) do município de Ourinhos-SP, instituição pública implantada
a partir da consolidação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), a
qual deve ofertar serviço de proteção especial de média e alta complexidade,
dentre eles o Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual Infanto Juvenil.
Neste CREAS, dentre os 347 casos de violência sexual vivenciada por crianças
e/ou adolescentes atendidos no período de cinco anos, entre 2006 e 2011, foi
possível constatar que não houve nenhum caso em que a violência tenha sido
perpetrada por uma mulher. Podemos considerar que houve algumas situações
de cumplicidade da mulher, nas quais esta não revelou o abuso e, portanto, fez
parte do pacto de silêncio estabelecido pelo agressor. Destes 347 casos atendidos,
171 crianças foram abusadas por alguém de sua própria família.
A Violência Sexual Intrafamiliar Vivenciada por Crianças e Adolescentes
(VSIVCA) sempre foi especialmente tratada como tema tabu, para além das
questões biológicas, principalmente por ser esperado pela sociedade ocidental
burguesa, desde o século XVIII, que pais e mães “cuidem bem” de seus filhos
(BADINTER, 1985, FERRARI, 2002), e isso implica em dizer: que não tenham
relações sexuais com eles, razão pela qual foi escolhida a especificidade da violência
sexual intrafamiliar como foco de atenção neste estudo. Serão foco de problema-
tização também as ações do Estado diante das denúncias dos casos identificados.
Diante de tais dados evidencia-se uma correlação entre gênero e violência,
gênero e violência sexual, gênero e diferença geracional, categorias de análise
a serem consideradas neste artigo. De acordo com Louro (1996, p. 16-19),
“gênero aponta para a noção de que, ao longo da vida, através das mais diversas
instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres [...]”
por meio de complexos jogos de forças que se inserem atualmente através dos
meios de comunicação, dos brinquedos, da literatura, do cinema, da música,
da escola que de forma sutil tem naturalizado a feminilidade e a masculinidade,
produzido desigualdades e discriminação de sujeitos devido à relação entre gênero
e diferenças de idade, classe social, etnia, orientação sexual, religião, aparência
física entre outras categorias de análise.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Ressalta-se portanto a necessidade dos/as profissionais da Psicologia estarem atentos/


as para que as práticas e os afetos dirigidos às situações de VSIVCA não se tornem redu-
cionistas e que não se perca de vista as violências estrutural e de gênero que permeiam
essas relações. Ou seja, as “manifestações da violência, infligida por instituições clássicas
da sociedade e que expressa, sobretudo, os esquemas de dominação de classe, grupos e
do Estado” (NETO; MOREIRA, 1999, p. 34). É importante que se atente às violências
que ocorrem no plano das relações familiares, que se dirigem contra outro sujeito, contra
seu corpo ou contra o seu existir social, num processo constante de assujeitamento.
Pretende-se, a partir destes dados de atendimento, refletir sobre quais as ações de
proteção o Estado tem garantido ao se deparar com as denúncias de VSIVCA, além
de problematizar se este tipo de violência perpetrada predominantemente por sujeitos
do sexo masculino é resultado de uma patologia individual ou efeito de uma sociedade
adoecida em sua difusão androcêntrica1 e adultocêntrica2.
Para analisar os modos de produção da opressão que ocorre no interior das famílias
será considerado o processo sócio-histórico de formação e modulação destas, e também
as violências produzidas a partir da diferença de idade, assim como os dispositivos da
sexualidade, de controle e regulação dos corpos, que permeiam os processos de norma-
tização e autorização no que se refere à sexualidade infantil.

Produção do mito da família


A partir do que é estabelecido pelo Biopoder3 e suas regulações bio-políticas, pre-
tendo apresentar a produção e o estabelecimento da forma e modelo do que passou a
ser chamado de família a partir do século XVII. É importante ressaltar também que a
violência problematizada é uma violência que nasce no interior destas famílias, e que
este tipo de violência foi durante muito tempo incitado e autorizado pela Igreja e pelo
Estado. Procurarei problematizar esse modelo de família do qual não se abre mão, não
se revê e se pressupõe universal, apesar das múltiplas e incansáveis situações de fracasso
e violações de direitos notadas em seu interior. Teixeira-Filho (2010) alinha questiona-
mentos que auxiliam na reflexão sobre a produção discursiva desse modelo de família
problematizado:

1 “O androcentrismo consiste em considerar o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a medida
de todas as coisas, como o único observador válido de tudo que ocorre em nosso mundo, como o único capaz de ditar
leis, de impor a justiça, de governar o mundo” (MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na
escola. Trad. Ana Venite Fuzatto. São Paulo: Moderna, 1999, p. 23).
2 As relações adultocêntricas são assimétricas pela imaturidade biológica da criança e sua dependência em relação ao adul-
to, que a vê como objeto de sua propriedade (RANGEL, Patrícia Calmon. Abuso sexual intrafamiliar recorrente. Curitiba:
Jiruá, 2002).
3 O conceito de biopoder foi apresentado por Michel Foucault, no primeiro volume de História da Sexualidade (1988).
A ideia de biopoder veio se juntar às suas reflexões sobre as práticas disciplinares, considerada pelo autor como técnicas
de exercício de poder, nas quais as disciplinas se voltavam para o indivíduo, e para o seu corpo, para a sua normalização
e adestramento através das diversas instituições modernas que esse indivíduo atravessava durante a sua vida – a partir
do século XVIII e XIX (a escola, a caserna, a fábrica, o hospital, a prisão, etc.). Para Foucault o biopoder cuidava de
processos como nascimentos e mortalidades, da saúde da população (doenças e epidemias, por exemplo), da longevidade,
e etc. O biopoder é a gestão da vida como um todo, técnicas de poder sobre o biológico, que se torna referência central
nas discussões políticas.

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Problematização de gênero, violência e políticas públicas nos casos de abuso sexual
intrafamiliar vivenciado por crianças e adolescentes

[...] elas são produzidas como respostas a um discurso que legitima e


valoriza a filiação e produção da família a partir dos laços de sangue e
menos a partir das necessidades afetivas das pessoas envolvidas [...]. Em
uma cultura na qual os laços de sangue fossem irrelevantes será que exis-
tiriam as categorias “mãe/pai biológica/o” e “mãe/pai adotiva/o”? Afinal,
o que define a parentalidade? A quem importa a diferença entre o afe-
to e a biologia, tomados em nossa sociedade como realidades concretas,
distintas e desiguais? [...] A que serve o imperativo da consanguinida-
de a partir do qual se autoriza o Estado a legislar sobre as relações de
parentesco, sobre o que é ou não uma família, uma filiação, uma pa-
rentalidade, uma conjugalidade? (TEIXEIRA-FILHO, 2010, p. 244).

Os discursos do direito romano, do absolutismo político e da teologia cristã no século


XVII deliberavam em comum a autoridade do homem justificada pela desigualdade
natural (que se refere à aparência física e origem da mulher pela costela de Adão) entre os
seres humanos, na qual ao homem cabia mandar e ser chefe do casal, responsável perante
Deus por sua família. A mulher era representada como o mal, o pecado e a imperfeição.
O tratamento dirigido aos filhos e às filhas também foi diferenciado, pois o menino era
tratado como um sujeito livre e aprendiz do adulto homem, já a menina como inferior,
contida e desvalorizada. Porém, ambos deveriam ser dependentes e submissos aos pais
(BADINTER, 1985, p. 32-37), ressaltando-se a superioridade geracional.
Até meados do século XVIII, a ideia de infância como uma fase separada da vida
adulta não existia e até o final da era vitoriana as crianças eram consideradas propriedades
dos adultos e sujeitas ao abuso físico e sexual. Neste período, o amor teve conotação
negativa, pois era associado à fraqueza e passividade; as relações familiares eram esta-
belecidas através do medo e qualquer desobediência filial era motivo para se recorrer às
surras e agressões físicas (ARIÈS, 2006, p. 90; BADINTER, 1985, p. 51).
Donzelot (1986, p. 11) localiza o surgimento do sentimento moderno de família,
“caracterizado pela ternura e intimidade que ligam os pais aos filhos” (BADINTER,
1985, p. 53-54), no período do Antigo Regime. Inicialmente, se propagou entre as
camadas burguesas e nobres e, segundo o autor, a configuração de família apresentada
pela burguesia teria se estendido mais tarde para todas as classes sociais, reduzindo-se
então à unicidade de um modelo, desprezando-se as variações econômicas da popula-
ção e o que estas poderiam influenciar no sucesso ou fracasso na adesão deste modelo.
Concomitantemente à instauração de um modelo de família criado pela burguesia
ocorre a proibição do infanticídio pela Igreja Católica (BADINTER, 1985), observa-se
uma reserva humana que se produz devido à impossibilidade de adequação totalitária
a este regime. Para aqueles que não foram mantidos no interior de sua família, ocorre
a instauração de modos alternativos de absorção e disciplina: os hospícios de menores
abandonados, a criação dos filhos por nutrizes e a educação camuflada das crianças ricas
(DONZELOT, 1986).
A respeito dos hospícios de menores abandonados, o Estado lamentava o alto índice
de mortalidade, pois estaria perdendo futuras forças de trabalho destes que, sem possuir
vínculos ou obrigações familiares seriam muito úteis nos processos de colonização, para
a milícia, a marinha ou qualquer tarefa nacional.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Essa associação da mortalidade infantil com as nutrizes se dava devido ao habito


de se buscar nutrizes nos campos para cuidar das crianças. Isto era comum em todas as
classes da sociedade urbana, principalmente nas famílias mais ricas. Porém, ao se tornar
um negócio com fins lucrativo, estas amas-de-leite ocupavam-se de várias crianças ao
mesmo tempo, muitas vezes continuavam recebendo de famílias as quais não sabiam
que seu/sua filho/a já havia falecido. Segundo Donzelot (1986, p. 15-17), havia uma
porcentagem de morte de cerca de dois terços das crianças cuidadas por nutrizes mais
distantes e um terço daquelas cuidadas pelas mais próximas.
Badinter (1985, p. 13) nos faz refletir quanto a estas estatísticas ao chamar a atenção
para o fato de que as mães que utilizavam os serviços das nutrizes mantinham esta prática
mesmo diante de tantas mortes, não levando em consideração sua experiência pessoal de
já haver perdido outros/as filhos/as, ou ainda de pessoas conhecidas que tivessem passado
por isso. Cita um caso apresentado por um historiador dos costumes, Marcel Lachiver,
no qual uma nutriz deixou morrer 31 crianças em 14 meses. Diante de tais dados, a
autora considera a possibilidade de um real desinteresse dessas mulheres por suas crianças.
Mesmos aqueles que possuíam maiores posses e podiam contar com uma nutriz ex-
clusiva não tinham garantido o modo de cuidado e educação que as crianças receberiam.
As escravas, por exemplo, tinham em mãos alguém que no futuro poderia oprimi-las.
Por conseguinte, não se ocupavam em fazê-los fortes. Enfaixar bebês e crianças era uma
forma de poderem passar despercebidos os momentos de abandono e negligência que
ocorriam. Esta situação nos remete novamente a um abandono do bebê por parte da
mãe, e à desconsideração de uma situação de risco (DONZELOT, 1986).
Badinter (1985, p. 22) chama a atenção primeiramente para a desmistificação do
amor materno enquanto instinto, e o localiza enquanto sentimento. Porém, neste, ainda
se reserva ilusão do outro, mas é mais possível de ser adjetivado, pois todo sentimento
pode ser incerto, frágil e imperfeito, podendo estar presente ou não, sem se recorrer a
qualquer patologização e sim a uma problematização de que o sentimento dos adultos
em relação às crianças ao longo da história não é constante e, como tudo na vida, está
em construção permanente.
Como ferramenta para análise elegemos algumas categorias conceituais que podem
ser norteadores possíveis.

O dispositivo da sexualidade e as políticas públicas na


manutenção do androcentrismo e do adultocentrismo
Para pensarmos o dispositivo da sexualidade como mecanismo determinante na
produção dos modelos de relações estabelecidas entre os adultos e as crianças, homens e
mulheres em nossa sociedade, assim como mecanismo que dá manutenção ao machismo,
proponho explorar primeiramente algumas reflexões quanto ao que pode ser compreen-
dido por dispositivo. Foucault (1979, p. 244) define o dispositivo da sexualidade como:

[...] um conjunto heterogêneo que engloba discurso, instituições, or-


ganizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas admi-
nistrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filan-
trópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo.
O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.

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Problematização de gênero, violência e políticas públicas nos casos de abuso sexual
intrafamiliar vivenciado por crianças e adolescentes

Deleuze (2001), a partir das análises dos três momentos de Michel Foucault4,
visualizou o dispositivo como um conjunto de linhas que atravessam o sujeito5, linhas
que formam “um emaranhado”, que são múltiplas, que podem ser paralelas ou se rom-
perem entre si, linhas que se encontram, se fazem bifurcar ao se encontrarem, às vezes
se aproximam, às vezes se afastam umas das outras.
De acordo com Deleuze (2001), quando o sujeito é atravessado por novas linhas,
novos pensamentos de “outros”, muitas vezes estes se instalam e passam a fazer parte do
sujeito, não sendo mais o mesmo sujeito; já se é outro e o que era atual já será parte do
arquivo diante deste novo vir a ser. Este novo muitas vezes leva o sujeito a um estado
de perplexidade, sensação de loucura, medo, mas também pode causar alívio e sensação
de liberdade diante de novos olhares e possibilidades.
Nos pontos de encontro dessas linhas são instalados nós de fixação, que irão “moldar”
os comportamentos, trazendo ao indivíduo a necessidade de responder às cobranças
externas, como se a realização do desejo estivesse no social, “no fora”, a partir da sobre-
posição do poder (um obstáculo), no qual se dá uma dobra que constitui um novo “eu”.
Dependendo da força que este poder impõe, a dobra se fecha e a interioridade passa a
ser o que é o fora e o fora é o que tem dentro, até que ocorra um novo encontro, uma
nova informação. Entre esses nós existem espaços onde se formam os territórios, os
quais serão como vãos que poderão ainda ser atravessados por linhas de subjetivação;
estas poderão ser linhas duras, linhas flexíveis ou de fuga. As linhas duras remetem ao
lógico e controlável, são linhas circulares que levam à repetição do mesmo, ao binário,
isto é, certo-errado, assim como impedem a percepção da diferença e o indivíduo de-
seja apenas aquilo que é esperado que ele deseje. As linhas flexíveis poderão produzir
rupturas nestes nós, “movimentando e operando pequenas transformações” (BARROS,
1994 apud FONSECA & KIRST, 2003, p. 263). De acordo com Deleuze (2001, p.
03), as linhas de fuga proporcionam um processo de individuação que “age nos grupos
ou nas pessoas e se subtrai tanto nas relações de força estabelecida quanto aos saberes
constituídos [...] para se reinvestirem nos poderes e saberes de um novo dispositivo, sob
outras formas ainda por nascer”, é o que possibilita subjetividades singulares.
De acordo com Foucault (1988), o Dispositivo da Sexualidade surge na cultura oci-
dental a partir do século XVII. A censura e a interdição do sexo se tornam um imperativo
que passa a produzir crenças, mitos e tabus em torno deste tema. Este mecanismo de
censura refere-se a um conjunto de instâncias sociais, políticas, religiosas, médicas, jurí-
dicas, entre outras, que inseriu o sexo num lugar de invisibilidade, discrição e contenção.
Porém, o silenciamento que se produz em torno do sexo, o fim dos “risos estre-
pitosos que, durante tanto tempo, tinham acompanhado a sexualidade das crianças”
(FOUCAULT, 1988, p. 33), não significa que se fala menos do sexo, mas que se fala de
outra maneira e que é estabelecida progressivamente uma nova forma de tratá-lo, com

4 Três são os momentos frequentemente identificados por estudiosos nos escritos de Foucault e por ele mesmo: Arqueolo-
gia do saber, Genealogia do Poder e uma Genealogia da Ética.
5 Neste estudo, o sujeito será considerado a partir do conceito proposto por Foucault, no qual ele não é dado, mas sim
constituído (FONSECA, 2011, p. 14).

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objetivos de se obter outros efeitos, dentre eles a codificação e a qualificação daqueles


que poderiam falar sobre o sexo. Este tema deveria ser mencionado somente quando
solicitado pelas instituições produtoras de verdades, as quais demandavam dos cidadãos
incansáveis e minuciosas descrições quanto às suas práticas sexuais, a partir das quais o
sujeito ocidental acabou atado à tarefa de analisar, especificar, decodificar e dizer, em
segredo, tudo sobre seu sexo (FOUCAULT, 1988).
Um excelente representante dessas forças de controle de discursos é a instauração
de procedimentos regulamentados de confissão do sexo, da sexualidade por intermédio
dos prazeres sexuais instaurados pela Igreja. Porém, no campo da sexualidade, o efeito
destes mecanismos de extorsão da verdade e de produção de realidade não somente
oprimem a sexualidade, mas também a estimulam (FOUCAULT, 1979; 1988; PENE-
DO, 2008). Para Foucault (1979, p. 146-147), a sexualidade, ao se tornar “um objeto
de preocupação e de análise, como alvo de vigilância e de controle”, produz concomi-
tantemente a “intensificação dos desejos de cada um por seu próprio corpo [...]”. Este
posicionamento rompe com a ideia de um poder que se apresenta apenas como lei ou
repressão, mas que coloca o sujeito como produto e produtor.
Dentre os controles propostos pela regulamentação da sexualidade no século
XIX, a medicina passa a intervir na disciplina do corpo para uma sexualidade que
fosse pensada somente para procriação, na regulamentação do coletivo com vistas ao
controle de natalidade, e também passa a relacionar as sexualidades que considerava
indisciplinadas e irregulares (FOUCAULT, 2002, p. 290-301).
Segundo Rubin (2003), todas estas instituições de influência social que disseminaram
tantos aspectos negativos relativos ao sexo propagaram um verdadeiro pânico moral e a
cultura popular passa a assimilar qualquer variação erótica como perigosa. Rubin (2003)
apresenta o percurso sócio-histórico em que a sexualidade é engendrada, no qual controles
formais e informais a atravessaram (e ainda a atravessam) na sociedade ocidental. Para
a autora, a sexualidade se estruturou num contexto social de caráter punitivo, no qual
a noção de uma libido natural deveria ser reprimida. Neste contexto é ressaltada uma
negatividade do sexo, o qual é considerado como força perigosa, destrutiva e negativa.
Primeiramente, a sexualidade é atravessada pelo caráter pecaminoso atribuído pela tradi-
ção cristã, na qual o sexo é admitido somente no casamento, sem que se admita chamar
atenção para qualquer possibilidade de prazer. Neste caso, permitido somente para a
procriação. Posteriormente, estes aspectos são ainda mais reforçados pela legislação que
incorpora a crença religiosa e atribui ao sexo que não cumpre as normas impostas pela
Igreja os castigos mais severos imputados pelo poder jurídico. Mais tarde, para multiplicar
ainda mais as categorias de má conduta sexual, a medicina e a psiquiatria se apropriaram
da sexualidade mapeando-a a partir de uma hierarquia moral, atribuindo disfunções
psicológicas a qualquer diferença nas atividades sexuais. A categoria de pecado sexual é
abandonada para se inserir a de doença mental ou de desajuste psicológico, ou ainda,
pela sexologia, a ideia de “desvio”..
Dentre os dispositivos de controle acionados por instâncias do Estado há um
grande investimento na disciplina da sexualidade das crianças. Desde o fim do século
XVIII até o século XX, com o advento do modelo da família conjugal procriadora, as
questões da sexualidade das crianças que anteriormente vagavam sem escândalos entre

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Problematização de gênero, violência e políticas públicas nos casos de abuso sexual
intrafamiliar vivenciado por crianças e adolescentes

as transgressões visíveis dos adultos são também cuidadosamente encerradas, silenciadas.


As crianças passam a ter um status de assexuadas, mobilizando atitudes de interdição
e controlado silenciamento quanto aos assuntos que tratavam da sexualidade infantil
(FOUCAULT, 1988, p. 18).
A apresentação da visibilidade e atenção destinada às questões da sexualidade por
diferentes instâncias pretende evidenciar “o caráter inventado, cultural e instável de
todas as identidades” (LOURO, 2004, p. 23). Ressalta-se que do mesmo modo as
práticas de dominação e de opressão existentes nas relações entre adultos e crianças,
entre homens e mulheres, são produzidas social e historicamente e permanecem em
constante processo de transformação.
O percurso que tem sido trilhado pelas políticas públicas diante dos casos de VSIVCA, o
mau uso que os adultos, em sua maioria homens, responsáveis pelos cuidados de uma criança
ou adolescente têm feito do “poder familiar”6 tem sido tolerado a partir de dispositivos que
exaltam e ratificam valores e modelos de comportamentos adultocêntricos e androcêntri-
cos, modelos que incluem a pretensão de domínio de um sobre os demais, modelos nos
quais os homens são incitados a buscar múltiplas conquistas sexuais sob uma autorização
gerada pelo essencialismo, o qual propõe uma suposta necessidade do homem em exibir
“traços supostamente viris, como a coragem e a indiferença à dor”, expressos em relações
baseadas em desigualdades reais e na manipulação do poder (CASTAÑEDA, 2006, p. 16).

Questão de gênero
Nessa breve introdução sobre o conceito do termo “gênero”, primeiro abandona-
-se a ideia da abordagem das diferenças entre homens e mulheres entrelaçada ao termo
sexo, que remete o pensamento à condição biológica de macho/fêmea naturalizada ao
longo dos tempos.
O conceito de gênero aparece nos anos 60 e 70 nos escritos feministas. Neste
período, o uso do termo gênero serviu para ressaltar as diferenças sexuais, ou seja, a
diferença entre a mulher e o homem, entre o feminino e o masculino. A demarcação
das diferenças a partir do sexo biológico produziu espaços sociais que se dividiram pelas
especificidades referidas a cada gênero, o que acabou por formar guetos feministas.
Assim, a produção de estudos sobre as mulheres, de espaços de circulação somente
de mulheres, reifica uma dicotomia, uma prática binarizante na qual as mulheres, de
acordo com Lauretis (1994, p. 209), “acabavam falando delas para elas mesmas”, o que
produziu a limitação de se universalizar os homens e as mulheres, impossibilitando a
articulação das diferenças entre as mulheres “ou, talvez mais exatamente, as diferenças
nas mulheres” (GUEDES, 1995, p. 04; LAURETIS, 1994, p. 209).
Estas práticas binarizantes tornam-se reducionistas e propõem uma leitura na qual
ainda estaria relacionada a diferença em relação a, diferença entre, ou seja, diferença da
mulher em relação ao homem e desta forma a mulher ainda presa à representação do
masculino para afirmar sua existência (LAURETIS, 1994: 206-207), pois o homem é
mantido como referência que modela e posiciona os olhares e discursos.

6 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Scott (1995) mostrou que esta questão deixou de ser exclusiva e privativa de
mulheres tendo se ampliado política e socialmente quando incluiu os homens,
também, como vítimas da normatividade machista, falocêntrica e heterossexual.
O desafio de romper esse esquema binário não é, na verdade, nada banal, mas um desafio
que vem sendo proposto por alguns/as estudiosos/as feministas.
Butler (2003, p. 19), menciona que a capacidade de singularização do sujeito
dependerá:

[...] de uma política feminista que tome a construção variável da iden-


tidade como um pré-requisito metodológico e normativo, senão como
um objetivo político [...] e que [...] a categoria das ‘mulheres’, o sujeito
do feminino, é produzida e reprimida pelas mesmas estruturas de poder
por intermédio das quais busca-se emancipação.

Segundo estudiosas feministas, o dispositivo de gênero deve ser considerado como


efeito e estratégia de produção de corpos e sujeitos. Tal dispositivo pode ser pensado
como representação e auto-representação, um “produto de diferentes tecnologias sociais,
como o cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas institu-
cionalizadas, bem como das práticas da vida cotidiana” (LAURETIS, 1994, p. 208).
Portanto, a sexualidade, o gênero, não seria uma série de processos, mas uma ferramenta
para a ação política (PENEDO, 2008).
Em cada cultura há processos de subjetivação que relacionam o sexo a valores
pré-determinados socialmente. Porém, qualquer sistema sexo-gênero está sempre inti-
mamente interligado a fatores políticos e econômicos em cada sociedade, através dos
quais são produzidas, organizadas e mantidas as desigualdades sociais. Ser representado
como masculino ou feminino é trazer consigo os atributos sociais pertencentes a cada
termo (LAURETIS, 1994, p. 212-220).
Na análise das causas da opressão das mulheres realizada por Rubin (1975), a autora
esclarece que o posicionamento que cada sujeito ocupa se dá a partir das relações estabele-
cidas em determinado tempo e lugar. Sendo assim, a mulher só se torna uma doméstica,
uma esposa, uma mercadoria, uma prostituta ou ditafone humano em certas relações.
Peres (2005, p. 12) ressalta ainda que:

As determinações culturais são importantes para qualquer tipo de aná-


lise que possamos vir a fazer, sempre em conjugação com outros olhares
que possam contribuir para uma análise mais pertinente de qualquer
estudo, mesmo porque, cada cultura tem o seu rol de valores e signi-
ficados pelas quais orientam seus comportamentos e seus modos de
existência. (PERES, 2005, p.12).

Nestas perspectivas verificamos que o conceito de gênero vai além de um significado


que pode ser dado a “homem” e “mulher”, a “feminino” e “masculino”, uma vez que
ser “homem” e “mulher” não tem nenhum significado acabado. O gênero é relacional e
como tal, negociado em cada encontro, em cada relação.

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Violência tolerada
O conceito de violência que nos apoiamos se apresenta de forma clara na definição
do fenômeno proposta por Chauí (1985, p. 35):

[...] conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hie-


rárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de
opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualda-
de em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação
que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se
caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que
quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há
violência.

Não podemos nos referir ao fenômeno da violência sem considerar as relações de


poder que se baseiam nas desigualdades presentes, nos diferentes relacionamentos que
são estabelecidos entre as pessoas a partir de referenciais de diferentes categorias de
análise como idade, gênero, raça, etnia, tamanho, força física e do que se compreende
de experiências já vividas.
Considerando as especificidades da VSIVCA, nos orientamos pela definição de
Azevedo e Guerra (1998, p. 177), na qual este fenômeno se estabelece em:

[...] todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual


entre um ou mais adultos que tenham para com ela uma relação de
consanguinidade, afinidade e/ou mera responsabilidade, tendo por fi-
nalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter esti-
mulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.

Cohen (1997, p. 212) afirma que é segundo o parentesco cultural que a proibição
do incesto possui um efeito estruturante, e quando alguém da família por algum motivo
não puder reprimir seus impulsos incestuosos, o Estado, como se fosse um pai, deve
cumprir esta função. Tem a responsabilidade, em suas diversas estruturas, pelo desen-
volvimento das condições de vida e garantia dos direitos destas crianças e adolescentes
(NETO; MOREIRA, 1999).
Quanto às determinações legais que visam proteger a criança, de acordo com o
que é estabelecido no Estatuto da criança e adolescente (ECA) em leitura concomitante
com seu código de ética, nos casos de VSIVCA os/as profissionais da Psicologia têm a
obrigação de realizar a denúncia nos casos em que a família se negue a realizá-la, o que
é muito comum na dinâmica da Violência sexual intrafamiliar.
Em minha experiência de três anos no atendimento de casos de VSIVCA, e há trê
anos na coordenação do projeto que acolhe estes casos, através do CREAS do município
de Ourinhos/SP, foi possível constatar inúmeras “falhas” do Estado relativas à efetivação
da assistência e/ou proteção dessas crianças e/ou adolescentes após a identificação das
situações de VSIVCA e efetivação da denúncia.
Entre essas “falhas” notamos que muitas vezes o agente agressor permanece em
contato com a criança/adolescente por um longo período, até que seja instaurado in-

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quérito. Esta morosidade possibilita que ocorram novas situações de abuso sexual com
a mesma ou com novas vítimas, possibilitando ainda que se produza um novo ciclo de
violência, através de retaliações e/ou ameaças à criança ou ao adolescente mediante o
conhecimento do agressor sobre a revelação realizada pela vítima.
Maior ainda a invisibilidade que se instaura nos casos de suspeita de VSIVC. Ao ser
efetivada a denúncia, geralmente muito pouco é realizado quanto a uma investigação
policial para se buscar provas.
Deverá então o/a profissional sentir ter cumprido seu dever após realizar a notifica-
ção de um caso quando existe um “clima” incestuoso, sem uma verdadeira passagem ao
ato, e que não ofereça prova legal/material para a constatação da denúncia? Será papel
do/a profissional da Psicologia ir atrás das provas? Como alcançar a proteção da criança
sem provas? Que proteção se oferece? Que alternativa têm as crianças e/ou adolescentes
que vivenciam abuso sexual intrafamiliar e precisam aguardar junto ao agressor o seu
julgamento que pode demorar anos?
É curioso que a denúncia seja considerada como ferramenta polivalente para pro-
teção das crianças/adolescentes e que a efetiva prevenção nos casos de maior risco não
pareça constar das preocupações do Estado, visto que a atenção aos casos de VSIVCA
é deslocada para os atendimentos às vitimas que já vivenciaram a violência, relegando à
Psicologia a função de denúncia de algo que ele, o Estado, não soube como impedir que
acontecesse e arrisca-se a dizer, favorece.
Diante das considerações apresentadas, pode-se afirmar que os/as profissionais da
Psicologia estão numa posição muito delicada diante do imperativo de denúncia com-
pulsória perante a falta de políticas públicas que garantam efetivas ações de proteção
às crianças e adolescentes.
O imperativo da quebra de sigilo, a partir da denúncia, revela também o fato de
que a violência poderia ter sido evitada caso as relações entre adultos e crianças fossem
submetidas a leis que não privilegiassem, respectivamente, a autonomia de um em
relação ao outro. Tal situação subverte a função do/a psicólogo/a, deslocando-o/a para
a posição de denunciante de uma violência supostamente localizada na figura de um
indivíduo, quando na verdade este indivíduo não é o agente isolado desta violência e
sim o efeito de uma sociedade adultocêntrica e adoecida.
Podemos considerar, portanto, que a criança vítima de violência sexual intrafamiliar
é o resultado último de uma sociedade que estabelece como modelo relacional a primazia
da vontade e diligência do adulto em relação àqueles que a ele são subordinados. Trata-se
então de observarmos que no campo social o adulto tem autonomia sobre a criança e
isso é corroborado pelo Estado.
Estas ideias devem remeter nossa categoria profissional a questionar os procedimen-
tos generalizados que ocorrem diante de situações de VSIVCA, pois aqueles que estão
no atendimento direto destes casos conhecem as particularidades de cada situação e o
apontamento genérico e reticente das instituições responsáveis por proteger estas crianças
e adolescentes tem sido pouco assertivos. Portanto, ainda falta maior (re) ação social
em todos os espaços públicos (escolas, postos de saúde, delegacias, ministério público,
conselhos tutelares, entre outros) que têm conhecimento destes casos, além da sociedade
civil, pois ao que nos parece há uma tolerância diante de tais situações, considerando-se

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intrafamiliar vivenciado por crianças e adolescentes

que não há ações estratégicas de proteção para que se evitem reincidências de abusos ou
mesmo a ocorrência de novas vítimas.

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Corporalidades fora dos eixos:
a insurgência dos prazeres
e modificações corporais na
transcontemporaneidade1

Márcio Alessandro Neman do Nascimento2

As rupturas e as descontinuidades trazidas pelo acaso e as co-existências de acontecimentos


na transcontemporaneidade apontam as insurgências que emergem nas corporalidades e
nos modos de viver, sendo esses pontos múltiplos e estratégicos nos processos de subjeti-
vação. Sensações e sensibilidades aos prazeres, assim como as (trans)formações nos e pelos
corpos têm configurado amplos contextos de colisões no campo das experiências estéticas.
Esses embates também urgem entre projetos de corpos midiáticos disciplinados e outros
estilos singulares apresentados sob a forma de estéticas excêntricas - que buscam romper
com o instituído, o referenciado e o ordinário. Nas produções de saberes (trans)contempo-
râneos, os corpos extrapolam e borram seus limites definidores e identitários produzindo
desarranjos na lógica do saber-poder da Ciência, principalmente às epistemologias e
métodos surgidos nos séculos XIX e XX. Assim sendo, o presente artigo problematiza a
insurgência de dissidências corporais e de produções e modos de subjetivação resistentes
às estéticas matrizes dominantes. Para tanto, buscou-se em narrativas performáticas - em
uma perspectiva do método cartográfico - a expressão e sentido dados por sujeitos abjetos
que (des)constroem seus corpos e (re)montam estéticas manejadas e criativas e, revoltadas
para olhares incipientes, disciplinados e disciplinadores. Corporalidades fora dos eixos!
Palavras-chave: corporalidades; corpo; processos de subjetivação.
Nada está pronto, nada principia e muito menos finaliza! Os acontecimentos
e sujeitos estão em processos provisórios, em (des)construções, em transitorie-
dade. Em Rosi Braidotti (2006) encontramos a ideia de transcontemporaneidade
sendo utilizada para analisar os acontecimentos que co-existem, co-habitam,
assim como também problematizar as reverberações e as polissemias que pro-
duzem descontinuidades e modos de existir que se contrapõem aos paradigmas
que se baseiam em uma visão positivista.
A partir de Luiz Alberto Oliveira (2008) problematizei que novos olhares e
formas de pensar os fatos estão sendo disparados por fissuras, crises, revoluções
e rupturas evocadas por cenas insurgentes do cotidiano. Crise? Revolução? O
que “antecede” o quê? Seria a revolução uma resposta à crise ou a crise surge
de uma revolução? Onde se encontram as quebras e continuidades disso tudo?
Onde co-habitam os avanços e retrocessos da História? Quando se percebeu que
a linearidade histórica é falha e imprecisa?

1 O presente artigo se refere a um recorte da pesquisa de doutorado, em andamento, intitulada Corpos (Con)
Sentidos: cartografando processos de subjetivação de produto(re)s de corpos singulares, orientada pelo
Profº Dr. Wiliam Siqueira Peres.
2 Psicólogo; Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus de Assis-SP. Membro do GEPS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualida-
des, registrado no Diretório de Pesquisas CNPq. E-mail: marcioneman@gmail.com

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Embora me afaste de respostas prontas, de “desvendamentos” e análises determi-


nistas, problematizei junto aos pensamentos de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995)
que as crises insurgem de maneira rizomática, desordenada, portanto, nunca de uma
fissura única. Não há como sistematizar a genealogia das crises, porém seria possível
cartografar suas construções por meio de pistas e assim analisar que as revoluções po-
dem ser respondentes aos momentos de crises tanto quanto promotoras de outras. As
crises e revoluções podem restaurar ou instaurar modos de pensar e agir (processos de
subjetivação) como também podem produzir desvios e mutações.
Nesse sentido, as mutações podem ser analisadas como rupturas processuais que
agrupam múltiplos acontecimentos de diversas referências, materiais, funções e épocas
distintas (OLIVEIRA, 2008). Assim sendo, atuariam como agenciadores de estilos
singulares sem se estabelecer a partir de um único paradigma existente (no entanto, não
podemos descartar a busca de referências de diversas ordens para compor performances
transcontemporâneas, por exemplo).
Sobre esse período de produções que extrapolam a visão do projeto do sujeito
moderno e de seus modos de subjetivação, Suely Rolnik (1992, p. 13) diz:

O homem contemporâneo vive uma intensificação da experiência de


ruptura, ao mesmo tempo em que se encontra em plena transformação
o modo como esta experiência o afeta. Em outras palavras, é a relação
do homem com o caos o que está em jogo nesta transição. De negativo
da ordem, o caos passa a ser considerado em sua positividade: ele é a
processualidade intrínseca a todos os corpos, efeito de seu inelutável
encontro com outros corpos – ou seja, o caos é efeito da inelutável alte-
ridade. De tendência do mundo para a morte (mundo aqui incluindo,
evidentemente, as formas de existência humana, individuais e coleti-
vas), o caos passa a ser considerado como tendência a uma evolução
contínua e irreversível, na qual vão se produzindo uma diferenciação e
uma complexificação cada vez maiores.

Desse modo, a autora analisa que o caos sempre foi visto como negativo e aterrador,
uma vez que durante séculos foi inventado um constructo psicológico idealizado, com uma
suposta completude que depõe contra tudo que não seja naturalizante, essencialista,
transcendental, universal, linear e identificável.
Entretanto, no contexto da transcontemporaneidade (embora ainda se veja engen-
drado o ciclo da modernidade nos modos de subjetivação dados desde o século XVI) se
observa diversas concepções difundidas, principalmente nas áreas das ciências humanas,
que anunciam a dissolução desse sujeito moderno, entre elas citarei: a Teoria Queer
(Queer Theory), a Esquizoanálise e o Método Cartográfico de Deleuze e Guattari e mui-
tos outros estudiosos sobre modos e processos de subjetivação, sexualidades, gêneros e
corporalidades que entendem o sujeito como múltiplo, contextual, produto/produtor de
subjetividades e atravessados por diversos marcadores sociais e suas interseccionalidades.
Nesse contexto, as corporalidades emergem como articuladores insurgentes e
políticos de práticas discursivas. Toda forma de interpelar o corpo nos conduz para
as produções de subjetividades normativas ou em sujeitos que buscam singularidades,

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Corporalidades fora dos eixos: a insurgência dos prazeres e modificações corporais na transcontemporaneidade

que por sua vez indicam processos contínuos e/ou rupturas com conceitos e práticas
corporais dadas através dos séculos.
Desse modo, torna-se impossível contextualizar corporalidades sem o aprofunda-
mento dos estudos genealógicos sobre os modos disciplinares, de controle, e produtores
de corporalidades, ou melhor, sem nos atentarmos às estratégias provenientes e emer-
gentes de tecnologias produtivas/produtoras de biopolíticas, de cuidados de si e estilos
de existir dadas no campo social, evidenciadas por Michel Foucault (1987).
Enquanto objeto de estudos acadêmicos, o corpo problematiza diversas manifesta-
ções sociais que evocam a politização da vida cotidiana, experiências singulares, tabus e
crenças, expressões de desejos, tanto quanto proporciona debates interdisciplinares de
diversas áreas de saber (logo, do poder).
As transformações corporais apresentadas nas estéticas e nas fisiologias humanas po-
dem ser compreendidas como as linhas subjetivas de visibilidades recorrentes no cotidiano.
No entanto, são necessários olhares e deslocamentos mais atentos para notar que as linhas
de enunciação potencializam análises que conectam as extensões das experiências estéticas
e dos prazeres (Deleuze, 2001), no caso desta pesquisa - as modificações corporais.
Ainda, na análise deleuziana, no fluxo da feitura dos sujeitos (e subsequentemente, das
corporalidades), existem linhas de forças que englobam visibilidades e enunciados por
meio de relações de poderes projetadas em tramas múltiplas de discursos, sendo essas,
práticas discursivas engendradas por verdades instituídas ao longo dos séculos, como
nos dirá Félix Guattari e Suely Rolnik (1986, p. 27):

[...] tudo o que nos chega pela linguagem, pela família e pelos equipa-
mentos que nos rodeiam – não é apenas uma questão de ideia, não é
apenas uma transmissão de significações por meio de enunciados signi-
ficantes. Tampouco se reduz a modelos de identidade, ou a identifica-
ções com polos maternos, paternos, etc. Trata-se de sistemas de conexão
direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de
controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de per-
ceber o mundo.

Nessa perspectiva podemos problematizar as subjetividades como sendo compostas


por fluxos de desejos e/ou multiplicidades de feixes de linhas que constroem os sujeitos,
seja por linhas de fuga, resistência, ou fissuras nas normativas, assim como pela repro-
dução do já instituído (Deleuze, 2001). De tal modo, podemos refletir o humano
a partir de acontecimentos que emergem de dispositivos disciplinares e de controle. Por
dispositivo entendemos como:

[...] um emaranhado, um conjunto multilinear. Ele é composto de li-


nhas de natureza diferente. E estas linhas do dispositivo não cercam
ou não delimitam sistemas homogêneos, o objeto, o sujeito, a língua,
etc..., mas seguem direções, traçam processos sempre em desequilíbrio,
às vezes se aproximam, às vezes se afastam umas das outras. Cada linha
é quebrada, submetida a “variações de direção”, bifurcante e engalhada,
submetida a “derivações”. Os objetos visíveis, os enunciados formulá-
veis, as forças em exercício, os sujeitos em posição são vetores ou tenso-
res [...] (Deleuze, 2001, p. 01).

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Esses dispositivos são disseminados pelas práticas discursivas e nas relações de poder
presentes nas instituições, regulamentos e enunciados, enfim, em todos os contextos
nos quais os sujeitos são constituintes e constituídos (Foucault, 2003). Assim, as
instâncias Poder, Saber e Subjetividade não possuem contornos fixos, sendo fluxos va-
riáveis em suas intensas lutas de forças, portanto, passíveis de criarem linhas de fuga e
resistência ao modelo normatizador/instituído (possibilitando novas conexões, planos
e dimensões de existências).
Mediante ao exposto, para este artigo investi em análises iniciais sobre a insurgên-
cia das modificações corporais na (trans)contemporaneidade – período marcado por
transformações críticas e aceleradas e em contraposição aos processos paradigmáticos
baseados no essencialismo, nas ciências modernas, na classificação e patologização do
humano, na causalidade e binarização do mundo. O objetivo para o estudo dessas novas
configurações de corporalidades modificadas e visibilizadas se intensificou a partir do
meu interesse em conhecer novas propostas de estilos de vida, práticas de cuidado de
si e de prazer, em suma, busquei problematizar possíveis posicionamentos políticos e
estratégicos que poderiam produzir resistência e enfrentamento aos modelos matrizes
ou à cessão ao mercantilismo e/ou fetichismo do corpo enquanto mercadoria.
O proceder metodológico escolhido para pesquisar modificações corporais e práticas
de prazer foi o método cartográfico. Tomando como disparador para análise os pressu-
postos de Deleuze e Guattari (1995) e Rolnik (1989), compreendi a Cartografia como
um modo de pensar e fazer pesquisa que problematiza as produções de subjetividades, a
feitura dos sujeitos e os acontecimentos a partir de um prisma flexível (dinâmico) e em
constante movimentação. Este método visa o acompanhamento processual e múltiplo
do objeto de pesquisa de modo que não haja uma divisão entre sujeito/pesquisador e
objeto pesquisado. Assim, Virgínia Kastrup (2009, p. 32) indica que:

[...] trata-se sempre de investigar um processo de produção. De saída,


a ideia de desenvolver o método cartográfico para a utilização em pes-
quisas de campo no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de
definir um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas. Não se
busca estabelecer um caminho linear para atingir um fim. A cartografia
é sempre um ad hoc. Todavia, sua construção caso a caso não impede
que se procurem estabelecer pistas que têm em vista descrever, discutir
e, sobretudo, coletivizar a experiência do cartógrafo.

De modo complementar, Rolnik (1989, p. 66) pondera que os processos carto-


gráficos (pistas e trajetórias metodológicas) do pesquisador emergem na implicação do
pesquisador no e pelo campo de pesquisa, uma vez que cartografia “diz respeito, fun-
damentalmente, às estratégias das formações do desejo no campo social”. A implicação do
pesquisador/cartógrafo se refere, também, ao posicionamento filosófico e ético frente à
vida e aos participantes do campo de pesquisa. Em tempo, esse posicionamento filosófico
parte do pressuposto da existência de um campo dinâmico e movimentado em que a
co-existência do desejo e do social afasta todas as formas de leituras individualizantes
e cristalizantes, uma vez que um “bom” cartógrafo se sensibiliza diante das produções
e intensidades que habitam no “entre” potências, planos de forças e políticos, “entre”

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Corporalidades fora dos eixos: a insurgência dos prazeres e modificações corporais na transcontemporaneidade

sujeito e o mundo, “entre” pesquisador e campo pesquisado (Rolnilk, 1989; Bar-


ros e Kastrup, 2009).
Os procedimentos metodológicos para a problematização dessa pesquisa se confi-
guraram em quatro contextos convergentes e complementares para o início das reflexões
sobre modificações corporais na (trans)contemporaneidade, sendo eles: 1- acesso a redes
sociais virtuais (orkut e facebook); 2- visitas aos estúdios e lojas de tatuadores e piercers,
eventos e lugares informais de socialização direcionados ao público interessado por
body modification, 3- eventos específicos para adeptos da prática de suspensão corporal
humana e, 4- entrevistas individuais e audiogravadas. Saliento que os primeiros três
contextos foram e são descritos no caderno de notas de campo da pesquisa.
Sobre o público-alvo dessa pesquisa - os adeptos da body modification, Braz (2007)
os compreende como um grupo urbano que estabelece interações sociais por meio do
interesse em comum por aqueles que buscam conhecer e aplicar técnicas de modificação
corporal. O termo body modification se refere, portanto,

[...] a uma longa lista de práticas que incluem o piercing, a tatuagem, o


branding, o cutting, as amarrações e inserções de implantes para alterar a
aparência e a forma do corpo. A lista dessas práticas poderia ser estendi-
da para incluir a ginástica, o bodybuilding, a anorexia e o jejum – formas
pelas quais a superfície corporal não é diretamente desenhada e alterada
por meio de instrumentos que cortem, perfurem ou amarrem. Nessas
práticas, o corpo externo é transformado por meio de uma variedade de
exercícios e regimes alimentares, que constituem processos mais lentos,
com efeitos externos, tais como o ganho ou a perda de massa, gordura ou
músculos, que só se tornam observáveis após longos períodos de tempo
[...] Adicionalmente, devemos considerar os modos pelos quais o corpo
é modificado pelo uso de formas variadas de próteses e sistemas tecno-
lógicos” (Featherstone, 1999, p. 01 apud Braz, 2007, p. 25).

Embora a lista de condições acerca das modificações corporais seja extensa, de-
limitamos para esta pesquisa apenas o recorte do body modification enquanto técnica
e procedimento de manipulação do corpo. Desse modo, é importante diferenciar
condições descritivas e contextuais entre o que se considera body modification (como
qualquer forma de transformação corporal) e body modification (realizada enquanto
técnica por body modifiers, performers, body piercings, tatuadores, ou os ditos urban
primitives ou modern primitives3). O body modification enquanto conjunto de técnicas e
procedimentos específicos inclui o uso de materiais tais como piercings, tatuagens, im-
plantes subcutâneos (por exemplo, os beadings), uso de ganchos para suspensão corporal

3 Movimento criado em meados da década de 1960 pelo xamã e performer Fakir Musafar (Roland Loomis) – considerado
o Pai do Movimento Moderno Primitivo. Esse movimento é seguido por pessoas que habitam países desenvolvidos e oci-
dentais e que praticam rituais de modificação corporal (e de prazer) em referência e/ou homenagem aos ritos de passagem
de culturas ditas como “primitivas”, como por exemplo, algumas etnias e povos indígenas e/ou orientais. Fakir é diretor
e professor da Fakir Body Piercing & Branding Intensives, organização que oferece cursos sobre modificações corporais,
além de ser proprietário da revista Body Play <http://www.bodyplay.com/>, editada entre 1992-1999. Experienciou,
em seu próprio corpo, técnicas e procedimentos tais como, suspensão corporal, perfurações, branding e escarificação, se
tornando não apenas um ícone do body modification, mas também de comunidades undergrounds ligadas às práticas de
sadomasoquismo (BDSM). Ver: Vale, V.; Juno, A.. Modern primitives: an investigation of contemporary adornment
& ritual. San Francisco: Re/search (1989/2010). Ver: http://www.fakir.org/classes/index.html.

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humana (suspenders), o uso de corset, escarificação, branding, cortes e perfurações (em


diversos níveis da pele) entre outras técnicas que insurgem a partir da experienciações
dos corpos. Outras expressões do uso do corpo podem ser condicionadas às técnicas
da body modification, como por exemplo o body play 4 e o body art5. Ainda em relação
ao público-alvo, evidencio que um número significativo de participantes pertencia ao
gênero masculino, faixa etária entre 19 a 51 anos, brancos, em relacionamento afetivo
estável (casados, namorados, conviventes) e que atuavam como tatuadores e body pier-
cers. Embora as mulheres sejam minoria entre as pessoas que circulam entre os eventos,
sessões de suspensão e que trabalham na área, observei que as participantes são engajadas
e estão crescendo progressivamente neste contexto.
A porta de entrada e o início das incursões ao campo se deram mediante visitas a
estúdios de tatuagem e de piercing, acompanhando amigos que iriam realizar algum
tipo de intervenção ou mesmo em outros momentos que consultei preços e técnicas
enquanto consumidor. Uma vez nesses lugares, as conversas informais surgiam à medi-
da que demonstrava interesse em me aprofundar nas temáticas que circunscreviam às
práticas de modificação corporal.
Participei de rodas de conversas que resultavam em indicações de nomes de muitos
tatuadores, piercers, suspenders e de pessoas que usam as técnicas de body modification
que, por sua vez, eram adicionados nas redes virtuais (o facebook, por exemplo). Também
tive acesso às pessoas que realizam modificações corporais mais extremas (nulificação)
como, por exemplo, a retirada dos mamilos. Tão logo iniciava contatos virtuais com
algumas pessoas já as interpelava nos chats e nos sites para solicitar informações de
eventos, de materiais e indicações de pessoas para que eu pudesse conhecer e conversar.
As conversas foram importantes para compreender a dimensão da cultura e a formação
de grupos de admiradores de body modification que se fortalecem principalmente pelas
participações nas redes sociais. Grande parte das pessoas com as quais entrei em contato
só aceitou falar comigo mediante a intercessão de outros participantes com quem eu já
havia entrado em contato e conhecido pessoalmente.
Nos encontros presenciais e nas rodas de conversas, eram agendadas entrevistas indi-
viduais que objetivavam analisar nas práticas discursivas dos falantes a multiplicidade e a
coletividade dos adeptos de body modification, assim como também conhecer o processo
de produção de uma possível corporalidade dissidente. Além disso, participava como
observador convidado de sessões restritas de suspensão em algumas cidades do Brasil.
A questão relacionada à motivação que os levavam a modificar o próprio corpo era

4 O body play ou play piercing pode ser compreendido como expressões corporais (jogos e brincadeiras) que utilizam,
temporariamente, técnicas de perfuração para produzir sensações através da elevação de corpos por auxílio de ganchos
e cordas (suspensão), produzir tração de forças contrárias entre corpos (pulling), costurar partes dos corpos (sewing),
aplicações uniformes e geométricas de piercings (corset) e agulhas, entre outros.
5 O body art refere-se à utilização do corpo como um dispositivo político e reivindicatório, ativado pela contextualização
da arte performática. Nela, a multiplicidade e plasticidade estética e de sensações/sentimentos são experienciadas no e pelo
instrumento da ação artística – o corpo. As corporalidades na body art são (res)significadas a partir do uso de técnicas de
tatuagem, perfurações, amarrações, marcas na pele, utilização de acessórios e idumentárias que produzem performances
sui generis, bizarras, híbridas, surreais e plurais que, de modo político, visam romper com o instituído, com o comum, o
naturalizado e o padrão. As conexões entre processos subjetivos do(s) ator(res) e a linguagem da arte (técnica e filosófica)
insurgem em performances que evocam o não-convencional, o grotesco, o esdrúxulo, o absurdo, o sem nexo e o abjeto (por
exemplo, os freakshows), envolvendo posições corporais e contextuais deslocadas no tempo e espaço, produzindo deste
modo, discursos, estéticas e narrativas midiáticas implicadas em cenas e discussões sobre a política da vida em sociedade.

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Corporalidades fora dos eixos: a insurgência dos prazeres e modificações corporais na transcontemporaneidade

recorrente ao longo das conversas. As motivações eram referenciadas em convergência


com os estudos de Steve Haworth6 – considerado o pai da Body Art 3D (incisões e
implantes subcutâneos). Dentre as pessoas pesquisadas, foram mencionadas motivações
de diversas ordens, mas principalmente relacionadas ao crescimento pessoal (experiência
e superação), ritual de passagem, transgressão social, aspectos espirituais, sexuais, mas
também por bem-estar e estética.
Entre os argumentos relacionados aos processos de estetização, observei que existia
um discurso pulverizado na sociedade de que as modificações corporais tratam apenas
de uma tendência de moda ou um transtorno psicopatológico. Já entre os discursos dos
entrevistados, era anunciado o posicionamento contra a absorção sistemática de processos
midiáticos de massa. Sobre esse posicionamento trazido pelos body modifiers era proferido,
por eles, que não estavam alheios à presença de inúmeras alternativas de estetização dos
corpos a partir de investimentos de políticas de mercado (moda) que são, por sua vez,
orientados pela lógica do capitalismo. Relatavam também a observância da ampliação
do mercado profissional para quem trabalha como piercer e tatuador, justificado pela
moda fetichista para o uso desse tipo de adorno. Entretanto, esse processo, segundo
eles, dizem respeito ao uso de piercing e tatuagem em locais do corpo autorizados e
pouco invasivos, sendo que consideram poucos os que se envolvem em um projeto de
modificação corporal descrita como “extreme”.
Os entrevistados, de modo avaliativo e unânime, narram que, se por um lado a
comercialização dessas técnicas e signos estéticos tenha contribuído para a diminuição
de estigmas e preconceitos7, também é verdade que a banalização da manipulação do
corpo traz um desrespeito ao projeto artístico das corporalidades. Porém, pergunta-se:
É possível construir estéticas corporais insurgentes que se afastam do investimento de
políticas de mercado orientadas pela lógica do capital?
A (trans)contemporaneidade permite o surgimento recorrente de diversas possi-
bilidades interventivas para que indivíduos possam produzir modos específicos de se
perceberem belos (de modo normativo ou dissidente). Nesse cenário, o corpo emerge
como produção discursiva que sofre interdições/produções em seus contornos, concei-
tos e funções de acordo com os acontecimentos sócio-históricos, culturais e políticos
emergentes. Assim, torna-se impossível pensar o corpo como um constructo sólido,
essencial e imutável, sendo necessário problematizá-lo por meio de determinantes
construídos a partir do encontro entre homem e cultura e, subsequentemente, de toda
prática discursiva que se produz a partir dessa relação (FOUCAULT, 2006).

6 Steve indica em entrevista ao documentário “Modify” que a busca de uma estética diferenciada não se configura na única
função das práticas de body modification. Para ele, as técnicas e procedimentos de modificações corporais são praticados há
séculos por uma grande variedade de razões e por diferentes culturas, sendo elencados 4 aspectos motivacionais para que as
pessoas passem pelo processo de modificação corporal: 1- valores estéticos; 2- reforço/potência na condição sexual; 3- chocar
ou confrontar valores sociais e; 4- espiritualidade. Ver: Documentário Modify. JACOBSON, Greg; GARY, Jakson. Modify.
Comunmited Films, LLC. 85 minutos. DVD. Ver ficha técnica no site: <http://www.imdb.com/title/tt0455980/d>
7 A captura mercadológica da estetização - por meio dos processos midiáticos e da moda - obtida por modificações
corporais é demonstrada pela crescente visibilidade de locais de atuação de body piercers e tatuadores, que saíram da
clandestinidade dos porões e passaram a atuar em estúdios equipados, assim como também observamos a minimização
do estigma de marginal para integrantes de tribos urbanas de grandes centros. No caso da tatuagem, era recorrente o uso
entre criminosos (presídio), marinheiros (zonas portuárias), prostitutas e cafetões nos recantos de prostíbulos (Costa,
2004). Em relação às tribos urbanas podemos citar os punks, os rockabillies, hippies, clubbers, pitboys, entre outros.

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De acordo com o sociólogo Marcel Mauss (1974), ao longo da história sempre


existiram técnicas corporais impostas duramente pelas práticas sociais que incidiam
no controle e disciplina das corporalidades de um dado período sócio-histórico. As
expressões do corpo eram adestradas, dominadas, inibidas em sua espontaneidade dos
movimentos. O padrão comportamental a ser exibido e/ou corrigido era ditado por
uma educação das gestualidades, estabelecido e mantido em nome da moral e tradição.
Por meio dos seus estudos sobre dispositivos de disciplina e controle, Foucault
(1987; 2005) denunciou o assujeitamento às relações de poder assimétricas existentes
sobre a vida e a morte das populações, engendradas na vida pública e privada dos sujeitos,
enfim, relações investidas não somente pelo Estado, mas pulverizadas cotidianamente
sobre os corpos. O poder sobre a vida era refletido na exaustão das forças corporais em
concomitante docilidade destes corpos dados por estratégias disciplinares anátomo-
-políticas do corpo. A disciplina era orquestrada por estratégias de biopoder e regulada
por uma biopolítica, demarcando, assim, o que se poderia ou não fazer com o próprio
corpo. Isso pode ser notado durante toda a história da humanidade em que o corpo
era produzido para guerra, para o trabalho e para a manutenção da vida social ditada
pelos regimes governamentais.
Mais especificamente sobre a história da sexualidade problematizada por Foucault
(2005), assim como as problematizações de gênero discutidas também por Judith
Butler (2003), encontramos que os constructos sexualidade(s), gênero(s) e corpo(s)
foram utilizados como um dispositivo regulatório e disciplinar das populações. Sobre
a tecnologia estratégica do dispositivo da sexualidade, Foucault (2005, p. 100) expõe:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não


à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande
rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação
dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos,
o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns aos outros,
segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder [...].

As reflexões trazidas por Michel Foucault e Judith Butler, além de muitos outros
autores, têm contribuído para que possamos situar sócio-historicamente os modos pelos
quais os processos de subjetivação produzem práticas discursivas e, subsequentemente,
a feitura dos sujeitos. A ordem de discursos impõe referências que se materializam nos
corpos, assujeitando-os às regras normativas, às instituições disciplinares e à matriz
heterossexual (heterossexualidade compulsória). Recorrentemente, de modo geral, os
sujeitos buscam recursos da estetização por meio também de técnicas do body modification
para reificar o binário sexual e de gênero. Essa condição pode ser analisada no período
histórico atual devido à utilização das tecnologias de corporalidades e tecnológicas de
gênero para (re)produzir diferenciação e relações de poder entre homens e mulheres,
feminino(s) e masculino(s), sexualidade(s) normativa(s) e dissidências sexuais, entre
outros (De Lauretis, 1994; Butler, 2004).
Nas pesquisas sobre o uso de tatuagem e prática do bodybuilding (uso exacerbado
de exercícios com finalidade de hipertrofia muscular), César Sabino e Madel Luz (2006)
indicam, no recorte populacional do Rio de Janeiro, que muitos homens recorrem a essas

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técnicas para construir uma corporalidade mais ostensiva da virilidade e da força. Nessa
mesma perspectiva, Beatriz Pires (2005) analisa que a experiência da dor nas práticas
corporais também corrobora com a análise que o processo de práticas doloridas também
pode ser condicionado à ideia de macho e virilidade. Já as mulheres,

[...] tendem a tatuar determinadas figuras, como rosas e flores em geral,


estrelas, borboletas, lua, sol, personagens femininas de histórias em qua-
drinhos, beija-flores, gatos e fadas. Ideogramas, desenhos tribais, palavras e
frases em letra gótica, símbolos da computação, códigos de barra, corações,
duendes, deuses ou deusas mitológicos são símbolos inscritos tanto na pele
de homens quanto de mulheres. Águias, cruzes, panteras, tigres, dragões,
demônios, caveiras, armas, arame farpado, sereias, mulheres nuas, tubarões,
esqueletos com foice e capuz e, principalmente, cães da raça pitbull, são
tatuagens masculinas (SABINO e LUZ, 2006, p. 254-255).
[...] os locais do corpo também definem o gênero: mulheres costumam
tatuar a nuca, a região lombar (principalmente as chamadas tribais), os
seios, as nádegas e virilhas, às vezes omoplatas, pés e calcanhares. Já entre
os homens os desenhos situam-se principalmente no bíceps (em geral na
parte exterior, mas também há desenhos na parte interior), costas, deltóide,
antebraço e mais raramente abdômen, panturrilhas e peito (SABINO e
LUZ, 2006, p. 255).

Em outra pesquisa brasileira, Débora Krischke Leitão (2004, p. 5) elencou pilares


sobre o uso da tatuagem para (res)significar o corpo na contemporaneidade, a partir de
entrevistas com mulheres, indicando assim:

A possibilidade dessa ressignificação e aceitação da marca e da imagem


do tatuado se constrói, no grupo estudado, sobre três pilares: (1) o uso
da marca se insere no universo feminino através dos cuidados com o
corpo e das práticas embelezadoras; (2) vai ao encontro de princípios
presentes no ideário contemporâneo que pregam valores, como auto-
controle, auto-responsabilização, autodisciplina e autonomia sobre a
anatomia - revelando o corpo como superfície maleável; (3) vai ao en-
contro da ideologia de valorização da pessoa singular, da subjetividade
e das diferenças individuais.

Nos últimos anos, homens e mulheres evidenciaram o uso de tatuagens e piercings


em números sem precedentes, na busca da construção de um projeto de corpo belo,
fashion, erótico e atualizado pelos processos comerciais e midiáticos, produzindo desse
modo práticas discursivas e processos de subjetivação que podem ser entendidos como
normatizados. Todavia, busquei no processo cartográfico da pesquisa encontrar outros
processos de subjetivação e modos de produzir corporalidades que não fossem somente
atrelados à lógica da moda.
Durante as incursões ao campo e na realização das entrevistas muitas perguntas emer-
giram, entre elas: Se o corpo é performance e toda performance é discurso, e se todo discurso
é produto/produtor de subjetividades, indaguei - podemos pensar em novas configurações
corporais a partir da insurgência de distintas práticas discursivas? Existem possibilidades
de escolher performances corporais? Que lugar ocupa o desejo nesta discussão? Só podemos

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problematizar corpo a partir do binário generificado? Ou ainda, existem possibilidades


em desconstruir o essencialismo, a naturalização e a biologização dados aos corpos? O que
dizemos quando falamos sobre corporalidades na (trans)contemporaneidade?
Se retornarmos aos estudos históricos, observamos que as modificações corporais
são modos visibilizados de diluir a binarização de um de corpo natural versus um corpo
social, partindo de enunciados sobre constructos culturais dessas corporalidades, ou seja,
produções contextuais e fluídas que são atravessadas por linhas de forças que intem-
pestivamente (re)produzem experiências, expressões de desejos, prazeres e interdições.
De modo aplicado, o campo cartografado, as conversas e observações descritas
no diário de campo entoam a problematização de que existem diferenciações para se
pensar as modificações corporais. Primeiramente, saliento que o público interlocutor
da minha pesquisa foram pessoas implicadas e aficionadas nos estudos de técnicas e
possibilidades de manipulações corpóreas que se traduzem em um estilo de vida menos
convencional. Esse estilo de vida, muitas vezes, passa por processos de estigmatização
recorrentes dessas transformações e modos de viver. Para o público-alvo da pesquisa, as
modificações trazem singularidades corporais, mas também uma individualidade que
se soma em um coletivo quando se agrupam com outras pessoas que se realizam nestas
experiências e sensações.
Assim, podemos observar a proposta da body modification como um dispositivo
estratégico de autogoverno e insurgência corporal, da fluidez dos desejos e prazeres e da
construção singular de estética que possui sentido e significado para quem produz um
corpo dissidente. O corpo pode ser tomado como um projeto processual a ser elaborado,
em curto e em longo prazo, visando comunicar uma grande variedade de mensagens
pessoais e culturais, entre elas a utilização do corpo como um dispositivo político para
a problematização das normativas, controles e disciplinas.
Analisei a partir de Richard Miskolci (2009) e Judith Butler (1999) que a ideia
de abjeção se conecta e se potencializa com a ideia de queer, a partir de quando esses
conceitos se remetem às dissidências existenciais e de prazeres, quando anunciam corpo-
ralidades não autorizados de pessoas ou grupos ditos como minorias8 e não-convenionais.
O posicionamento queer rompe com a coerência e a continuidade instituídas pelas
normas, principalmente no que diz respeito aos gêneros, sexualidades e corporalidades,
como podemos observar nos dizeres de Butler:

[...] a “coerência” e a “continuidade” da “pessoa” não são características


lógicas ou analíticas da condição de pessoa, mas, ao contrário, normas de
inteligibilidade socialmente instituídas e mantidas. Em sendo a “identi-
dade” assegurada por conceitos estabilizadores de sexo, gênero e sexua-
lidade, a própria noção de “pessoa” se veria questionada pela emergência
cultural daqueles seres cujo gênero é “incoerente” ou “descontínuo”, os
quais parecem ser pessoas, mas não se conformam às normas de gênero
da inteligibilidade cultural pelas quais as pessoas são definidas (BUTLER,
2003, p. 38).

8 Aqui “minoria” não será relacionada à ordem numérica, quantidade ou porcentagem de pessoas, mas às pessoas que
enfatizam a dissidência fugindo das redes normativas que engessam a insurgência de estilísticas de existências singulares.

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Dentre o grupo de pessoas estudadas (que habitam o campo da pesquisa e alguns


dos entrevistados) foi observado que as normas e regras são bastante visíveis em alguns
casos9. No entanto, outros demonstram um conjunto de práticas de resistências ao mo-
delo coerente e contínuo, principalmente ao modo de como extrair prazer do corpo. A
busca da produção de uma coletividade era anunciada por eles quando lutavam a favor
de diversos outros grupos minoritários que buscavam a equidade de direitos sociais
como, por exemplo, os veganos; defensores do meio ambiente e dos animais; discurso
contra a violência contra as mulheres, LGBTs10, crianças e idosos e também contra
a intolerância religiosa (relacionado ao satanismo, candomblé, ateísmo, hinduísmo,
budismo, entre outros).
Em relação específica ao sexo, gênero, prática sexual e desejo foi relatado por alguns
o gosto pela prática de sadomasoquismo, bondage e outras performances de prazer sexual
pouco convencionais. O corpo é compreendido como ponto de encontro de experiên-
cias, onde as performances não dizem respeito às identidades demarcadas socialmente,
mas sim a “um estilo corporal, um ‘ato’, por assim dizer, que tanto é intencional como
performativo, onde ‘performativo’ sugere uma construção dramática e contingente de
sentido” (BUTLER, 2003, p. 199). Assim, analisei se as tecnologias de modificações
corporais podem se transformar em um potente dispositivo de problematização do
binarismo sexual a partir de quando discutem a dicotomia corpo natural versus corpo
social e a rigidez do sistema sexo-gênero.
Ainda em relação ao processo de singularização e à construção da coletividade de
admiradores de corporalidades dissidentes foram observadas, nos estúdios e no uso de
acessórios e indumentárias pessoais, diversas referências às tribos urbanas e movimen-
tos vanguardistas que se visibilizaram, mais fortemente na década de 1960 como, por
exemplo, topetes rockabillies, moda pin up girl, jaquetas punks, braceletes de metaleiros,
roupas customizadas, decorações locais com referência no Kitsch (distorcido e exagera-
do), inspirados em filmes cult e trash e filmes de terror, produções próprias de desenhos
e quadros, entre outros. A preocupação com a autenticidade faz com que as palavras
“referência”, “inspiração”, “criar a partir de...” sejam recorrentes em discursos sobre a
construção de si, do trabalho e do estilo de vida. A valorização da estética está, para
alguns, na produção do cuidado de si; na busca da autonomia do corpo; no posiciona-
mento político de diferenciação e singularização; produção de desejos e práticas corporais
prazerosas dissidentes em relação às outras práticas convencionais. Para que isso seja
possível, a mescla de estilos possibilita a desconstrução do binário masculino/femino,
uma vez que o que se está em pauta é a formulação de um estilo distinto e autêntico.
Suspender-se em ganchos, perfurar e tatuar grandes extensões de pele, im-
plantes intradermais, amarrações entre outras técnicas de prazer e estetização do corpo
não estão condicionadas às classificações psicopatológicas, autopunitivas, relacionadas
à baixa auto-estima ou ainda, uma violação do próprio corpo. A partir do posiciona-
mento filosófico de Deleuze e Guattari (2004), o corpo pode se apresentar como um

9 Encontrei pessoas que relataram a frequência em cultos evangélicos por não suportar a culpabilização feita por familiares
em relação, principalmente, ao baixo grau de empregabilidade.
10 Sigla referente ao movimento social e político de pessoas que se autodenominam Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais
e Travestis.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

caminho ético e político, tendo ele uma potência de práticas corporais criadoras de
intensa existência e prazer.
Ao analisar as corporalidades, adentramos ao mundo do campo discursivo e da
produção ora normatizada, ora singular, ora flexível (passível de mudanças) de planos
e (re)invenções de experiências, expressões de desejos, transmutações de realidades e
fluxos, assim como também estabelecemos inúmeras conexões e articulações dotadas
de sentidos e significados socioculturais.
A presença de corpos insurgentes e revoltados na cena cotidiana produz desordem
nas bordas identitárias dos signos entre os marcadores sociais e suas interseccionalidades
quando utiliza técnicas de modificação corporal que traduz signos contrários, mistos e
criativos relacionados ao gênero, à questão geracional, raça/etnia, identidade cultural
e territorial, valores estéticos entre outros. Nestas discussões, o corpo representa uma
multiplicidade de propostas, processos e projetos de experiências inacabadas, transitórias,
performáticas, coletivas e políticas.
De maneira conclusiva, observamos que a sociedade ocidental engendrou dispo-
sitivos disciplinares e de controle que produziram modos de subjetivar e modos de
fazer gêneros e sexualidades, subsequentemente, modos de produzir prazer e estéticas
corporais. Enfrentar o binarismo sexual não parece tarefa fácil, pois se trata de realizar
enfrentamentos contra políticas históricas de subordinação dos sujeitos. No entanto,
também é notável que ao longo da história muitas mudanças no campo social ocorreram,
sendo causadas por acontecimentos de resistência de ditas populações minoritárias. A
maneira de como combater os pilares do machismo, da homofobia, da misoginia não
caminham progressivamente de maneira unilateral, uma vez que os acontecimentos so-
ciais possuem uma multiplicidade de conexões que produzem continuidades e rupturas.
O que podemos problematizar a partir da proposta de Foucault (2005, p. 91) seria: “[...]
lá onde há poder, há resistência [...].”, ou seja, se tornar importante criar mecanismos e
estratégicas de combate à normatização das estilísticas das existências, possibilitando
a expansão dos fluxos de desejos e da ética dos gêneros, sexualidades e corporalidades.

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Corporalidades fora dos eixos: a insurgência dos prazeres e modificações corporais na transcontemporaneidade

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Estudios de Género y LGBTI
na Psicología Latinoamericana

Gloria Careaga Pérez

Los estudios de género y sexualidad en América Latina tienen ya una larga


historia. A partir de la resolución de UNESCO en 1980, inició la fundación de
los primeros centros de estudio feminista, pero destaca su institucionalización
masiva en las Universidades y Centros de Investigación en la década de los 90.
Su objeto, más que el análisis de las representaciones de género estuvo orientado
a la introducción de un proyecto para introducir la perspectiva de género de
manera transversal en todas las carreras y disciplinas y tener así visible la condi-
ción de género en el análisis del conocimiento. Al mismo tiempo, buscaron la
revisión de la estructura organizativa, y la persistente desigualdad entre mujeres
y hombres en la misma (Careaga, 2002). No obstante, el logro de este objetivo,
treinta años después aun es limitado.
Si bien, muchos de estos fueron fundados como centros o núcleos de inves-
tigación sobre la mujer, pronto fueron incorporando una perspectiva más amplia
que les llevó a reconocer su carácter relacional que les llevó a la incorporación de
la masculinidad en sus ejes de análisis. Aunque no todos los centros de estudios
feministas de la región incorporaron la masculinidad, al asumir el género como
eje de sus análisis posibilitó miradas más incluyentes; más sin embargo, poco
es lo que se ha avanzado para mirar efectivamente al género en un continuo
donde lo masculino y lo femenino no sean atributos del sexo biológico en un
sistema sexo-género restringido. Aún así podríamos afirmar que no existe país
y probablemente universidad de la región latinoamericana que no contemple el
análisis de género en distintos niveles.
No ha sido lo mismo, con la incorporación de nuevas perspectivas en torno a
la sexualidad. A pesar del planteamiento feminista inicial de identificar como ejes
principales de la subordinación de las mujeres a la violencia y a la sexualidad, ésta
última poco ha sido considerada para dar sustento al análisis de la realidad que
enfrentan las mujeres y por tanto en la construcción y revalidación de la teoría
feminista. Sólo algunos de estos centros han abierto la puerta a la reflexión sobre
sexualidad y son mucho menos aún los que abordan la crítica queer. Aun así, en
muchos países de la región resultan ser los espacios con mayores posibilidades
para albergar algunas discusiones y espacios para la difusión en sus publicaciones.
El desarrollo más importante en la región ha devenido de las reflexiones en
torno a la condición de las personas LGBTI. Si bien no se han institucionali-
zado programas de estudios lésbico gays como en el Norte, académicos LGBTI
y feministas han desarrollado interesantes reflexiones en torno la situación que
enfrentan y sobre la sexualidad en general. Muchos de ellos, producto de su

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

intercambio internacional, han retomado las principales aproximaciones desarrolladas


en USA y en Europa. Y hoy en día, se plantean también la necesidad de recuperar o
revalorar la identidad latinoamericana y buscar la difusión de la literatura propia, en-
frentar la presión académica de la valoración de la producción del Norte y la negación
de la academia dominante de traducir textos e incluso de acercarse a otras realidades.
Disciplinariamente, la Psicología ha mostrado una perspectiva mucho más limitada.
Sólo programas institucionales en Brasil y Puerto Rico, muestran líneas de investigación
definidas en lo que se ha denominado estudios lésbico gays o líneas claras de trabajo en
torno a la sexualidad. La Universidad de Puerto Rico, probablemente siguiendo la tra-
dición anglosajona ha instalado áreas de estudios lésbico gays y las escuelas de Psicología
y sus revistas periódicas incluyen análisis y resultados de investigación en este campo.
La misma Sociedad de Psicología de Puerto Rico muestra una sección de estudiosos de
esta perspectiva. En Brasil, como en Puerto Rico, incluso celebran reuniones internacio-
nales anuales para la discusión sobre sus avances de investigación y nuevas perspectivas
en desarrollo. Puerto Rico incluso ha sido líder en el impulso reciente de un grupo
de trabajo de especialistas en este campo al interior de la Sociedad Iberoamericana de
Psicología. Su interés está centrado precisamente, en el impulso de este tipo de análisis,
así como en la articulación de profesionales de la psicología dedicados al trabajo en el
campo de los estudios lésbico-gay.
No obstante, esto no quiere decir que no exista un importante desarrollo en la
región en el trabajo sobre sexualidad. Después de aproximadamente 15 años de estu-
dios sobre sexualidad, es imposible pensar que la circulación de ideas en este campo se
haya mantenido con una misma lectura. Los estudios sobre sexualidades y géneros no
heteronormativos tienen su propia y larga historia, pero dado que en la gran mayoría
de los países, como antes señalé, no se institucionalizaron de la misma forma que en el
Norte, tampoco han requerido las mismas formas de contestación. Más bien, la respuesta
dada en varios países de Latino América ha sido hacia el poder de la sexología sobre
los estudios de la sexualidad, en los cuales nada o poco se dice de género y si mantie-
nen un estrecho vínculo con su aproximación médico-biológica; al mismo tiempo, se
ha desarrollado un claro cuestionamiento a la concepción de los derechos sexuales y
su vínculo con la reproducción, como lo han trabajado amplias capas del feminismo
latinoamericano e internacional. En este desarrollo crítico han sido fundamentales los
abordajes históricos, culturales y sociales a las sexualidades y a las relaciones de género,
sin duda con una gran influencia del feminismo (Viteri, Serrano y Vidal-Ortiz, 2011).
En la región existen importantes procesos de articulación multidisciplinaria, for-
mación de redes y diálogo permanente en y entre espacios académicos y otros lugares
de producción de conocimiento. A nivel regional, destacan experiencias como las del
Centro Latinoamericano en Sexualidad y Derechos Humanos que viene elaborando
investigaciones sobre salud, género, sexualidades y diversidad tanto en, como entre países
de la zona (Viteri, Serrano y Vidal-Ortiz, ídem); el Programa de Ciudadanía Sexual de
la Universidad Cayetano Heredia en Perú, que reúne y promueve interesantes debates
entre activistas y la academia; el Observatorio de Sexualidad y Política de Río de Janeiro
que impulsa miradas críticas sobre el papel de la política en la sexualidad; y el Encuentro
bianual sobre Sexualidad y Sociedad que reúne a investigadores y activistas de toda la

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región, en México. Igualmente, en los programas universitarios de estudios de género de


México, Colombia, Brasil, Costa Rica, Chile, Perú, Argentina e incluso en West Indias
del Caribe, han existido espacios más o menos permanentes para la reflexión e inves-
tigación sobre temas de sexualidades e identidades de género no heteronormativas. La
gran mayoría de éstos, además, ha tenido una amplia difusión de sus trabajos a partir de
sus publicaciones. En ese sentido habría que destacar también la reciente pero creciente
apertura de espacios para publicación en las revistas de estos centros de Estudios de
Género, pero también en algunas disciplinarias como Nómadas de Colombia; Revista
Iberoamericana de Pittsburg; Debate Feminista, en México; Mujer y Salud, de la Red
de Salud de América Latina y del Caribe; Cuicuilco, en México, Íconos, de Ecuador;
FACES de Venezuela, entre otros
Los escritos previos a lo queer en América Latina si bien muestran diversos parale-
lismos con otros desarrollos más amplios, proponen un uso de lo distinto o lo disidente
cuyo significado tiende a dirigirse a las sexualidades marginales o sexualidades no
normativas, y a veces específicamente a poblaciones gays o lésbicas. Dichos abordajes
implican la propuesta originaria de lo queer como acercamiento transgresor, pero no
mucho más de esto. Dentro de la literatura circulante puede ser preocupante el implícito
renunciamiento a trabajar con el género como categoría central de lo que se antepone
o enmarca lo queer. Si bien la temática queer nombra sistemas heteronormativos que
son opresivos, los estudios de género ya venían, décadas atrás, también enfocándose en
el sexismo y heterosexismo como marcos que afectan a todos los miembros de la socie-
dad (Adam, 1998) En los estudios de género en América Latina, se han dado algunos
espacios de flexibilidad hacia las temáticas emergentes que estudian la diversidad sexual
o lo queer, pero también importantes resistencias a los mismos.
La noción de diversidad sexual y de género ha sido una de las formas en que se
viene trabajando en la región latinoamericana las cuestiones de sexualidad no hetero-
normativas o construcciones de género no dicotómicas. Es extensa la literatura que usa
tal noción. Para revisar algunos ejemplos: Bracamonte (2001), Cáceres (2004) Caleb
(2007) Careaga y Cruz (2004) Elizalde, Felitti y Queirolo (2009), Espinoza (2009),
Maffia (2003), Marquet (2001), Díaz (2006), Pecheny (2005), Araujo y Prieto (2008)
entre otros. Pero los avances en el reconocimiento de la diversidad sexual se encuentran
hoy en mucho colocados en los corredores del mercado y la moda. Incluso en una
peligrosa búsqueda de aprobación social a través de su “adecentamiento”. Así, se puede
pretender la existencia de una mayor liberalidad en su posicionamiento social, cuando
no se ha logrado cambiar significativamente su valoración y desacreditación social, al
enfrentarlos contra los valores tradicionales prevalecientes. A la vez, hay importantes
debates desde el feminismo sobre los riesgos de incluir en tal noción de diversidad sexual
y género a las distintas expresiones de la sexualidad heterosexual o el androcentrismo,
pues para muchos éstos no son parte del abanico de diversidades sino las normas que
rigen tanto el género como la sexualidad.
En América Latina, la representación social de la sexualidad guarda varios oríge-
nes. La expresión de la sexualidad hoy es producto del sincretismo entre las religiones
prehispánicas, las africanas y el judaísmo cristiano. Estos antecedentes, ofrecen una
compleja visión que expresa la diversidad cultural de nuestra región, pero que ha sido

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poco explorada. Entonces, la genealogía de estudios queer en la región es distinta a la


teoría queer del Norte, pues los acercamientos desde los estudios feministas, de género
o desde la relación entre sexualidad y cultura a las sexualidades e identidades de género
no heteronormativas o disidentes, no necesitan pasar por la transformación y tensión de
mucha de la teoría queer. Aún así, el reconocimiento de la sexualidad como un proceso
social, ha contribuido al cuestionamiento mismo de las ideas sobre la sexualidad y la
naturalización de sus procesos y expresiones (Careaga, 2004), al mismo tiempo que ha
brindado nuevas miradas para la comprensión de los fenómenos hoy presentes en la
cotidianidad de la vida social, sus vínculos con otras dimensiones y sus repercusiones.
No obstante, no podemos dejar de reconocer la influencia que sobre el desarrollo
del análisis de la sexualidad en la región tienen los estudios que en este campo se desar-
rollan en USA. Los estudiosos y las estudiosas latinoamericanos de la sexualidad que
residen o han realizado sus estudios de posgrado en USA o Europa es muy numeroso y
su constante retorno a su país de origen, como el constante intercambio que tienen con
las universidades de la región, generan un importante y fluido caudal de intercambio de
experiencias y conocimientos. Y no sólo con sus compatriotas, el estudio de las distintas
expresiones de la sexualidad latinoamericana ha sido objeto de interés de estudiosos de
distintas latitudes. Afortunadamente, muchos de los productos colectivos resultado de
estos intercambios, generan una propia visión de la realidad. Al mismo tiempo, cada
vez más los núcleos de estudio e investigación están conformados de manera multidis-
ciplinaria, dando un peculiar enriquecimiento a sus aproximaciones.
Es decir, en la región el trabajo en torno a las sexualidades da cuenta de la existencia
no sólo de ciertas prefiguraciones queer, sino de diálogos con otros temas y objetos de
reflexión que no necesariamente recurren a los marcos queer. Lo importante aquí es
que la producción en este campo permite observar que el deseo y la sexualidad no son
aspectos menos importantes para la comprensión de las sociedades como las economías,
la política o la religión.
Las trayectorias latinoamericanas de los estudios sobre la sexualidad en la región,
en vez de pasar por una cierta genealogía que primero habla de los estudios de género
y sexualidad, luego desarrollo de los estudios gay y lésbicos y finalmente cuestiona a
través de la teoría queer (Gamson, 2000), en general, insertan al sujeto, al tiempo que
cuestionan los sistemas normativos y la estabilidad de las categorías. Las producciones
latinoamericanas, resultado de la colonia y el mestizaje, introducen lo queer en un
terreno que no ha tenido las separaciones tradicionales de la academia norteamericana,
por lo que les fue posible poner lo queer como algo diferente, pero no necesariamente
opuesto a eso que ya existía (Viteri, Serrano y Vidal-Ortiz, 2011), producto de la propia
tradición cultural y la conjunción histórica.
Aunque mucha de la literatura generada tiene un énfasis en los estudios literarios
y culturales, que también son todavía la corriente principal de la teoría queer en los
Estados Unidos, también hay un buen volumen de distintos estudios empíricos desde
el marco general de las ciencias sociales y las humanidades, donde la ética, como la
economía, la política y las dimensiones sociales juegan un papel importante, a diferencia
de la producción en el Norte.

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Es importante contrastar también la producción social con el trabajo de España que


como señalan Viteri, Serrano y Vidal-Ortiz (2011) publican algunos trabajos de teoría
queer para el supuesto beneficio del Sur, sosteniendo así las relaciones de colonialidad;
aunque también empañan el interés en romper fronteras entre las Américas al utilizar
marcos de estudios del Norte y aplicarlos de manera no crítica en el Sur, mediante
la definición o imposición implícita de parámetros de lectura, muchas veces ante las
limitantes de difusión de lo propio, de lo local e incluso de lo regional y otras ante la
mirada privilegiada hacia el norte que todavía tienen algunos sectores universitarios de
la región. Lo que es evidente es que hay mucho más de lo que se conoce y que haría falta
el desarrollo de proyectos de impresión y divulgación de los trabajos locales.
Lo queer existe como tal y ha existido en América Latina antes de su conceptualiza-
ción; se dibuja y desdibuja, cobra formas inesperadas que confrontan nociones lineales
alrededor del género y las sexualidades, y pone de relieve un marco colonial con su
historia de desigualdades varias y dolorosas ya conocidas. A pesar de la miopía crítica
de las teorías queer desarrolladas en Europa y Norteamérica un número importante de
autores latinoamericanos y latinos nacidos en los Estados Unidos articulan su subjetividad
y buena parte de su propuesta intelectual, no sólo en relación a su disidencia sexual,
sino además, de cara a los múltiples sistemas de opresión (raza, clase, etnia, ideología y
orígenes). Sistemas que intervienen y están presentes en la construcción de la realidad
socio-política de cada uno de sus países y que incluso han conducido a muchos ellos al
llamado sexilio en busca de poder ser (Guzmán, 1977:227).
En contraste con las imposturas homosexuales de occidente (Palaversich, 2005:
157), artistas e investigadores proponen estrategias rebeldes para re-imaginar el proyecto
queer latinoamericano. Sus producciones contestan los modelos importados, tanto de
análisis teórico como de formas de ser disidente, que ignoran, por ejemplo, las secuelas
de los regímenes dictatoriales en países como Argentina, Brasil, Chile y el Uruguay,
las particularidades del proceso revolucionario cubano o los trastornos creados por la
política de los Estados Unidos, en México y Puerto Rico como efecto directo de la
cercanía geográfica, o en los países de Centroamérica, por la dependencia económica.
Si las feministas norteamericanas y europeas de los sesenta y setenta revelaron que lo
personal es político, los y las intelectuales LGBTI latinoamericanos acentúan una relación
inversa: lo político lo permea todo, lo determina todo, lo limita todo. Así, defienden
y reivindican el sincretismo transformador y potencian los intercambios culturales,
con el Norte, como entre la región. En ese sentido, la propuesta latinoamericana no
puede ser objetiva, hay una permanente reivindicación de la pasión y su proyecto está
centrado en el devenir incesante, en un sujeto sin-identidad, transgresor y emancipador
(Arboleda, 2011). Esta mirada crítica posibilita la valoración de la propia especificidad,
el reconocimiento de la subjetividad, y la elaboración teórica más allá de las categorías
que nos han impuesto.
Los espacios de la otredad, como lugares estratégicos de enunciación política han
permitido a artistas y activistas de la región manifestar sus experiencias particulares en
la construcción de resistencia a las realidades injustas y desarrollar expresiones estéticas y
políticas que han enriquecido de manera particular el análisis y la comprensión teórica de
estas manifestaciones, al mismo tiempo que difundir estas otras formas de ser y recrear.

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Intentar latinoamericanizar la teoría queer entonces es interpelar una propuesta


crítica que falla en integrar en su análisis las marcas de la historia de colonización, la
injusticia, el imperialismo, el racismo y la desigualdad social de las que somos producto.
Pero que falla también en reconocer la intensidad y la fuerza de las resistencias: resisten-
cia negra, india, pobre, de mujer (Arboleda, ídem) de la amplia gama de la diversidad
sexual, que exigiría el desarrollo de la micropolítica propuesta por Félix Guattari, dentro
del la agenda macrocultural del análisis de la condición LGBT. Así, como señala Paola
Arboleda, la crítica geopolítica no tiene una única dirección territorial sino que se
orienta a interpelar los diferentes centros de poder en-desde-para los cuales se produce
el conocimiento, sean estos en el mismo idioma o en la misma región.

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Este documento es proporcionado al estudiante con fines educativos, para la crítica y la investigación respetando la reglamentación en materia de derechos de autor.
Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
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Dentre o anômalo e o mais-do-mesmo,
para onde caminharia o
Movimento LGBT?

Tânia Pinafi1

Desde o lançamento do livro de Regina Facchini, em 2005, sobre o Mo-


vimento Homossexual Brasileiro, a discussão sobre as identidades sexuais e de
gênero ganha novo vigor e impulso sobre a população em geral. Em parte, pela
provocação lançada por ela no título: Sopa de letrinhas?: movimento homossexual
e produção de identidades coletivas nos anos 1990, que seria bem ao gosto po-
pular, na medida que remete à militância homossexual como algo que não se
entende e tampouco se quer entender. Mas, também por causa dos debates que
tomaram a cena brasileira nos últimos anos por ocasião do lançamento do Brasil
Sem Homofobia (BSH) – Programa de Combate à Violência e à Discriminação
contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual (2004), da I Conferência
Nacional LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), em 2008,
assim como as discussões travadas em 2009, ano do trigésimo aniversário do
Movimento LGBT brasileiro.
Teríamos, então, a voz dos ativistas do Movimento LGBT, do Estado e da
Academia fomentando o debate em torno das identidades sexuais e de gênero,
discutindo sobre a vulnerabilidade e a visibilidade da população LGBT. Três
instâncias de produção de saber que dizem deter o poder de dizer a Verdade sobre
o que pensam, sobre como sentem, como vivem e sobre quem é toda uma gama
de sujeitos que recusam as normativas da heterossexualidade no modo como
direcionam seus desejos e práticas sexuais. Com isso, quero destacar que a apa-
rente neutralidade e universalidade da expressão “população LGBT”, este “nós”
que o Movimento LGBT representa, oculta uma multiplicidade de vetores de
produção de subjetividade em termos de cor, de classe, de sexualidade, de idade,
de diferenças corporais, de diferenças geopolíticas, etc. Assim, por exemplo, uma
mulher que identitariamente defina-se como lésbica e negra – ou negra e lésbica,
se preferir, pois esta mulher não hierarquiza e não dissocia de seu ser estas duas
esferas – terá abarcada no Movimento LGBT somente a “metade” lésbica de sua
identidade. Por isso, vemos emergir coletivos como a Rede Afro LGBT2, Grupo

1 Mestre em Psicologia pelo Programa de Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNESP/Assis-SP. E-


-mail: tania.pinafi@gmail.com
2 A Rede Afro LGBT se define como uma: “rede de ativistas negras e negros LGBTs que tem por missão fortale-
cer a cidadania e a autoestima deste segmento lutando contra o racismo e homofobia, lesbofobia e transfobia,
bem como todas as formas discriminatórias, de opressão e exclusão.”. (REDE AFRO LGBT. Blogger. Dispo-
nível em: < http://www.redeafrolgbt.blogspot.com/>. Acesso em: 27 abr. 2011).

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

E-JOVEM3, Grupo Mulheres de Kêto4, que se dispõem a não dissociar a discussão das
identidades dissidentes pela heteronorma de outros marcadores sociais da diferença que
lhes são caros. Muito embora se possa pressupor que aqueles/as que escolheram abrigar-
-se sob uma mesma designação identitária percebam-se da mesma forma, nada garante
que, de fato, assim o seja, pois como Didier Eribon (2008, p. 97) diz:

[...] já que a maneira como os gays e as lésbicas percebem a si mesmos e


desejam falar de si mesmos é eminentemente múltipla, toda definição
produzida por gays ou lésbicas só pode desagradar a outros gays e outras
lésbicas. A autodefinição coletiva é um desafio de lutas entre os próprios
homossexuais e, assim, a “identidade” não é nem uma realidade nem
um programa, nem um passado nem um futuro, mas um espaço de
contestações e de conflitos políticos e culturais. O que implica que ela
nunca pode ser totalmente estabilizada num discurso único ou unitário
que poderia pretender trancá-la numa apreensão congelada.

Por isso, a organização política do Movimento LGBT é bastante plural, abrigando


tanto grupos ou associações mistas, da qual a ABGLT – Associação Brasileira de Lés-
bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais é um exemplo, quanto específicas como
a Associação Brasileira de Gays (Abragay), a Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL),
a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) ou o Coletivo Nacional de Transexuais (CNT).
Já no que se refere ao Estado, a aproximação entre a militância e os partidos políticos
que passou a ocorrer, principalmente na segunda metade da década de 90, está sendo
vista como motivo de preocupação por certa parcela do Movimento LGBT, que teme
que isso resulte num ativismo condescendente e pouco crítico à esfera governamental.
Esta não é uma preocupação descabida, visto que o interior do Movimento LGBT
está tomado por uma forte apologia ao Partido dos Trabalhadores, onde prevalece um
comportamento radical que classifica os militantes LGBTs em opositores quando eles
questionam ou não compactuam com a política petista na promoção da cidadania LGBT.
Na realidade, os militantes gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais “[...] são
aliados em permanente disputa identitária e de poder, a despeito de se apresentarem e
de serem socialmente vistos como um movimento social unificado.” (SER-TÃO, p. 6).
Enquanto isso, o Estado brasileiro segue sendo “[...] o campeão mundial de homi-
cídios contra as minorias sexuais: cinco homossexuais são mortos a cada duas semanas”
(DHNET, 2011, s/p), o que demonstra uma elevada homofobia presente na sociedade e
a consequente vulnerabilidade da população LGBT. Apesar dos esforços do Movimento
LGBT para combater a homofobia, a pesquisa Políticas públicas para a população LGBT no
Brasil: um mapeamento crítico preliminar, desenvolvida pela equipe do Ser-Tão (Núcleo de

3 Na página deste grupo encontra-se a informação de que: “o Grupo E-JOVEM é uma rede de adolescentes e jovens gays
que funciona com o esforço de voluntários em todo o país.”. (GRUPO E-JOVEM. Página da web. Disponível em:
<http://www.e-jovem.com/>. Acesso em: 27 abr. 2011).
4 O Grupo Mulheres de Kêto nasceu “[...] tendo em vista a necessidade de organização de Lésbicas negras e de periferia da cidade
de São Paulo [...]”. (COMUNILES – Comunicação Lésbica. Página da web. Disponível em: <http://www.comuniles.org.br//
index.php?option=com_content&task=view&id=14&Itemid=32>. Acesso em: 27 abr. 2011). Para mais informações acerca
do Grupo Mulheres de Kêto, ver: MEDEIROS, Camila Pinheiro. Mulheres de Kêto: etnografia de uma sociedade lésbica na
periferia de São Paulo. 2006. 179 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

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Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade), revela que: “[...] até o momento, não existe
no país qualquer legislação federal específica de criminalização e combate à TGBLfobia
e que, ademais, assegure proteção, direitos civis e sociais a estes segmentos.” (AVELAR;
BRITO; MELLO, 2011, p. 320). É claro que a homofobia presente em nosso Congresso
Nacional, sobretudo, a calcada no fundamentalismo religioso, tem dificultado a aprovação
e implementação de medidas que afiancem os direitos civis e sociais da população LGBT
no Brasil, além de comprometer a laicidade do Estado.
Além disso, ainda que ao longo dos anos 2000 tenham sido formulados planos
e programas, pelo Governo Federal, voltados à população LGBT, como: o Brasil Sem
Homofobia (BSH) – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT
e de Promoção da Cidadania Homossexual (2004); o Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
PNDCDH-LGBT (2009)5; ou o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH 3
(2009), que são importantes e positivos em muitos aspectos, seus efeitos, todavia, são
limitados, dado que são políticas públicas que ainda não se transformaram em efetivas
políticas de Estado, ou seja, não têm sua existência assegurada, estando “[...] à mercê da
boa vontade de governantes e das incertezas decorrentes da inexistência de marco legal
de combate à LGBTfobia e de promoção da cidadania TBGL.” (MELLO; MAROJA;
AVELAR, 2011, p. 62).
Na atual conjuntura, o acento posto pela militância LGBT nas reformas legislativas
e na ação governamental tornou o Movimento altamente dependente das vissicitudes da
política de governo. Assim, de modo estratégico, o Estado segue atendendo a algumas
das reivindicações LGBTs, mas vai limitando o avanço das pautas mais reformistas desta
militância, como, por exemplo, a alteração do registro civil após cirurgia de transge-
nitalização, a qual se encontra regulamentada pelo SUS6, ou a garantia do direito de
adoção por casais homoafetivos.
Por sua vez, a Academia, ou melhor, pesquisadores/as acadêmicos que produzem
discursos e difundem conhecimentos sobre os sujeitos do Movimento LGBT podem
contribuir, ou não, para gerar conhecimentos que representem avanços para a transforma-
ção da sociedade em relação à aceitação das pessoas que sofrem por não se enquadrarem
à grade de inteligibilidade de gênero, a qual diz que a um corpo devém um sexo, um
gênero, um desejo e uma prática sexual heterossexual (BUTLER, 2003).
De fato, aqueles que não se enquadram às normativas de gênero e sexualidade
da heterossexualidade, inevitavelmente, em algum momento de suas vidas, sofrerão
retaliações (zombarias, insultos, perseguição, violência, etc.) e poderão ser relegados ao
ostracismo. Desse modo, pessoas que não se conformam aos ideais da heteronormativi-
dade convivem com a experiência social da abjeção, que tende a marcar profundamente
suas subjetividades, principalmente no que se refere à percepção de si. Daí não ser
surpreendente que algumas pessoas LGBTs possam ser homofóbicas.

5 Elaborado a partir das propostas aprovadas na I Conferência Nacional LGBT, em 2008.


6 BRASIL. Portaria nº 1.707/GM, de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o
Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de ges-
tão. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=14380>. Acesso em 5 out. 2011.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Ultimamente muito tem sido dito e escrito acerca das manifestações homofóbicas
dirigidas aos LGBTs por parte daqueles(as) que não se enquadram neste grupo, enquanto
raramente se discute os atos homofóbicos perpetrados por sujeitos LGBTs a seus pares.
Muitas vezes, ainda que sem perceber, pessoas não-heterossexuais podem participar do
processo de inferiorização de si e de outros que lhe são semelhantes, contribuindo para
a perpetuação da homofobia. Para citar apenas alguns exemplos, temos o caso dos gays
que não veem com bons olhos as travestis, as lésbicas masculinizadas e os gays efemina-
dos ou o caso da segregação das transexuais que foram impedidas de participar do VI
Seminário Nacional de Lésbicas – SENALE7.
Mas, basicamente, o que existe é uma segregação em função das questões de sexo/
gênero, apesar de pouco difundida no discurso corrente da militância LGBT. Muitos
gays e lésbicas buscam estabelecer uma “representação positiva” de si mediante a adoção
dos constructos dos gêneros instituídos pela lógica heterossexual. Desse modo, o gay
masculinizado e a lésbica feminina são mais bem vistos e quistos do que os gays efemi-
nados, as lésbicas masculinas, as travestis e as transexuais, que transgridem as normativas
de sexo/gênero mais radicalmente.
Na minha pesquisa do mestrado (PINAFI, 2011, p. 129), um dos entrevistados,
comenta:
Tem a divisão em função dessas questões de gênero mesmo, eu acho. O
gay afeminado tem toda essa questão de que como você tem uma... Um
doutrinamento de que macho é melhor que fêmea, masculino é melhor que
feminino. Então, o gay afeminado é aquele que é pior, né? A travesti, né?
É pior. [...] Com os travestis então é pior do que com lésbicas. O gay tem
muito preconceito contra travesti ou contra gay afeminado, né? É uma coisa
muito forte. E aquilo que eu tava falando de jogar o desprezo que você tem
por si mesmo no outro acontece muito com o gay afeminado ou a travesti.
É como dizer: “- Aquilo é o que eu não quero ser, né?”. “- Aquilo é a bicha
escancarada”. (Alceste)

Quando os gays agem com preconceito contra aqueles/as que adotam uma expressão
de gênero oposta ao seu sexo biológico acabam por normatizar as relações afetivo-sexuais
não-heterossexuais, ainda que inconscientemente. E, desta forma, salvaguardam as
fronteiras binárias e hierárquicas dos gêneros do regime heterossexual.
Comprendo que desenvolver um trabalho voltado à criação de um mundo menos
homofóbico é uma responsabilidade que cabe às três instituições aqui mencionadas: o
Estado, o ativismo LGBT e à Academia. Cada uma delas, a seu modo, pode contribuir
para a construção de um mundo mais humano e menos excludente. Mas, para isso,
é importante que questionemos o pensamento antitético (normal x abjeto), o qual é
ordenador de uma tecnologia política de produção de indivíduos homofóbicos.
Os critérios de atribuição de gênero, estruturados binariamente em nossas sociedades
ocidentais, tomam o corpo como o filtro da percepção por meio do qual se estabelecem
as condições de inteligibilidade, impondo sanções àqueles/as que se extraviam do gênero
que lhes foi designado. Judith Butler (2006, p. 87, tradução nossa) adverte que:

7 SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas. Relatório final. Disponível em: <http://senale.files.wordpress.com/2009/10/


relat_rio_senalefinal1.pdf>. Acesso em: 5 out. 2011.

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Este documento es proporcionado al estudiante con fines educativos, para la crítica y la investigación respetando la reglamentación en materia de derechos de autor.
Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
Dentre o anômalo e o mais-do-mesmo, para onde caminharia o Movimento LGBT?

Os castigos sociais que perseguem as transgressões de gênero incluem a


correção cirúrgica das pessoas intersexuais, a patologização psiquiátrica e
a criminalização em diversos países – Estados Unidos dentre eles – das
pessoas com “disforia de gênero”, o acosso a pessoas que problematizam o
gênero na rua ou no trabalho, a discriminação no emprego e a violência.8

As violências física e não-física geradas por anseios homofóbicos fundamentam-


-se na pressuposição de que suas vítimas devem ser castigadas por transgredirem as
normativas sexuais e de gênero, por isso não podemos interpelar a homofobia sem
interpelar a ancoragem epistemológica e ontológica das categorias de gênero. Esta in-
dissociabilidade é problematizada por Butler (2006, p. 58-59, tradução nossa), a partir
da seguinte pergunta:

O que motiva a aqueles que se sentem impelidos a matar a alguém por-


que é gay, ou a ameaçar a matar a alguém por ser intersexual, ou a aque-
les que seriam capazes de matar a alguém que reconheceu publicamente
sua condição de transgênero? [...] A pessoa que ameaça com a violência
parte de uma crença ansiosa e rígida que defende que um sentido do
mundo e do eu será radicalmente socavado no caso de se permitir a tal
pessoa não categorizável viver no mundo social. A negação de tal corpo,
através da violência, é um vão e violento esforço de restaurar a ordem,
de renovar o mundo social sobre a base de um gênero inteligível e de
recusar o desafio de repensar o mundo como algo distinto do natural
ou espontâneo. Isso não está desvencilhado da ameaça de morte ou
mesmo do assassinato de transexuais em diversos países, e de homens
gays que se identificam como “femeninos” ou de mulheres gays que
se identificam como “masculinas”. [...] Esta violência emerge de um
profundo desejo de manter a ordem do gênero binário como natural ou
espontânea, de convertê-la em uma estrutura, seja ela natural, cultural
ou ambas, contra a qual nenhum humano possa se opor e seguir sendo
humano.9

A argumentação de Butler (2006, p. 58-59, tradução nossa) repousa sobre a ideia


de que: “[...] a própria vida requer uma série de normas sob a qual se ampara e, assim,
estar fora delas ou viver fora delas, equivale a cortejar a morte.”10

8 No original: Los castigos sociales que siguen a las transgresiones de género incluyen la corrección quirúrgica de las
personas intersexuales, la patologización psiquiátrica y la criminalización en diversos países – Estados Unidos entre ellos
– de las personas con “disforia de género”, el acoso a personas que problematizan el género en la calle o en el trabajo, la
discriminación en el empleo y la violencia.
9 No original: ¿Qué motiva a aquellos que se sienten impulsados a matar a alguien porque es gay, o a amenazar con matar
a alguien por ser intersexuado, o a aquellos que serían capaces de matar a alguien que ha reconocido públicamente su
condición transgénero? […] La persona que amenaza con la violencia procede desde una creencia ansiosa y rígida que
mantiene que un sentido del mundo y del yo será radicalmente socavado si se permite a tal persona no categorizable vivir
en el mundo social. La negación a través de la violencia de tal cuerpo es un vano y violento esfuerzo de restaurar el orden,
de renovar el mundo social sobre la base de un género inteligible y de rehusar el reto de repensar el mundo como algo
distinto de lo natural o lo necesario. Esto no está alejado de la amenaza de muerte o del asesinato mismo de transexuales
en diversos países, y de hombres gay que se identifican como “femeninos” o de mujeres gay que se identifican como
“masculinas”. […] Esta violencia emerge de un profundo deseo de mantener el orden del género binario natural o nece-
sario, de convertirlo en una estructura, ya sea natural, cultural o ambas, contra la cual ningún humano pueda oponerse
y seguir siendo humano.
10 No original: “[...] la vida misma requiere una serie de normas bajo las que ampararse, y que estar fuera de ellas, o vivir
fuera de ellas, equivale a cortejar a la muerte.”.

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A matriz de gênero binária engendra a produção de um saber interior sobre quem


somos, nos define através de sua grade de inteligibilidade cultural (BUTLER, 2003).
Aqueles que se enquadram às normas da programação de gênero se tornam sujeitos
inteligíveis e adquirem o status de humano, além de uma identidade estável, evocada em
determinadas formulações como: “sou um homem”, “sou uma mulher”, “sou heteros-
sexual”, etc. No entanto, diria que este aparato de gênero que categoriza as existências
em identidades estanques apresenta um caráter restritivo, limitado e, até mesmo, frágil
quando penso na consideração de Butler (2003, p. 38) de que: “[...] a própria noção
de ‘pessoa’ se veria questionada pela emergência cultural daqueles seres cujo gênero é
‘incoerente’ ou ‘descontínuo’, os quais parecem ser pessoas, mas não se conformam às
normas de gênero da inteligibilidade cultural pelas quais as pessoas são definidas.”. Toda-
via, esta é a norma que dirige a construção da identidade, positivando certas identidades
em detrimento de outras, as quais se tornam passíveis de sofrer discriminação em face
da percepção de que alguns indivíduos e/ou grupos são inferiores.
Portanto, toda vez que invocamos o estatuto ontológico desse sistema para apre-
ender os sujeitos, reinstituímos o pensamento da diferença para pensar as identidades,
contribuímos para perpetuar a existência do modelo binário de sexo, de gênero e de
sexualidade, eclipsamos a heterogeneidade presente no grupo dos homens e das mulheres,
enfim, boicotamos a emergência do pensamento da diversidade para apreender a nós
mesmos e ao mundo. Por isso, penso que se um dia o pensamento da diversidade vier a
quebrar a supremacia do binarismo naturalizante como modelo que organiza e produz
as representações sociais de sexo, gênero e sexualidade, talvez nossa sociedade se torne
um lugar menos hostil àqueles/as que hoje são vistos como seres abjetos. Mas, como
dizem Deleuze e Guattari (1992, p. 44): “[...] um conceito tem sempre componentes
que podem impedir a aparição de um outro conceito, ou, ao contrário, que só podem
aparecer ao preço do esvanecimento de outros conceitos.”. Por isso, especialmente en-
quanto profissionais responsáveis pela construção de saberes sobre os sujeitos devemos
nos engajar na busca por formulações teóricas que coloquem em tela a naturalidade
com que marcamos certas existências como abjetas para, assim, incitar um pensamento
de combate à homofobia prevalecente em nossa sociedade.
Combater a homofobia implica confrontar a lógica hegemônica das categorias de
gênero e de sexualidade do sistema heteronormativo, pois os discursos conjuram efei-
tos materiais e não apenas simbólicos. E como já disse Monique Wittig (1992, p. 50,
tradução nossa), três décadas atrás: “Este poder que tem a ciência ou a teoria de atuar
materialmente e efetivamente sobre nossos corpos e mentes não tem nada de abstrato,
ainda que o discurso que produzem, certamente, seja.”11.

11 No original: “Este poder que tiene la ciencia o la teoría de actuar material y realmente sobre nuestros cuerpos y mentes
no tiene nada de abstracto, aunque el discurso que produzcan sí lo sea.”.

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

Fernando Pocahy1

Aquenda!
Aquendar é expressão usual que se pode oferecer às significações de pegar,
fazer e dar atenção, no sentido mais erótico em que se possa conjugar o verbo e/
ou oferecer-se à fruição dos prazeres sexuais. É, ainda, significado para falar, ver,
tomar uma atitude, conhecer e experimentar – performando alguma curiosidade,
não necessariamente erótica. Essa ‘invenção’ (ou reapropriação) linguística pode
indicar uma dentre as formas de resistência presentes no que podemos denominar
como sendo o campo das minorias sexuais, especialmente ao usar e abusar da
linguagem, torcendo a língua com hibridizações etno-sexo-gênero combativas
das formas de hierarquização, violência e injúria.
Aquendar2 como expressão de uma linguagem plástica para um embate duro.
Ato performativo como confronto, disputa e reinvenção linguístico-discursiva
para reagir diante das interpelações injuriosas da heterossexualidade compulsória,
sexismo e racismo.
Sabemos que as palavras portam muito mais do que significados fixos, pois
elas produzem sentidos e (re)inventam o mundo/ mundos, agitando e sendo
agitadas pelas experiências (micro)políticas e culturais. No entanto, é preciso
perceber também a linguagem como arena da agonística que produz, define e
torna inteligível a vida e o que se denomina como humano, tanto em suas objeti-
vações quanto em suas possibilidades de (re)construir um referente para condutas
éticas – no sentido de uma margem de liberdade possível, de uma posição que
o sujeito toma diante de determinados jogos de verdade (FOUCAULT, 2001
[1984e]), diante de moralidades. A linguagem é forma de conhecer o mundo em
suas interpelações etno-sexo-generificantes e ela corporifica discursos, na mesma
potência em que se oferece como materialidade a contestações.

1 Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza, coordenador


do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Corpo, Gênero e Sexualidade nos Processos de Subjetivação/
Multiversos. Doutor em Educação e Mestre em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul - UFRGS e Pós-Doutor pelo PPG em Antropologia Social da Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC, pocahy@uol.com.br
2 Não estou preocupado aqui com a “verdadeira” origem da palavra, mas com a força política que ela opera
nas sociabilidades ditas periféricas ou marginais. Sobretudo na sua potência de tráfico de significados e como
forma de “despistar”, reconhecendo aqui especialmente a porosidade das culturas afrodescendentes brasileiras
para as questões de sexualidade e gênero. A expressão aquendar, por exemplo, consta em distintas formas de
grafia e é citada como originada em diferentes matrizes linguísticas. E, na definição do “Aurélia – A dicionária
da língua afiada”, outro tráfico-provocação linguística, significa, para os autores do verbete: “quendar (do
bajubá) 1- Chamar para prestar atenção, prestar atenção; 2- Fazer alguma função; 3- Pegar, roubar. Forma
imperativa e sincopada do verbo: kuein!”  (LIB & VIP, 2006).

Este documento es proporcionado al estudiante con fines educativos, para la crítica y la investigación respetando la reglamentación en materia de derechos de autor.
Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Minha proposta com este texto é aquela de uma ‘aquendação’ no sentido de uma
experimentação linguística que aceita ser lambida por duas forças de significado: inven-
ção e re/posicionamento político-epistemólogica (desculpem a redundância, uma vez
que toda epistemologia é política). Proponho, neste sentindo, um pequeno escândalo
acadêmico: a ‘pesquisa-aquendação’ como posição investigativa e modo de problemati-
zação sobre as representações de corpo, gênero e sexualidade, no plano das experiências
de sociabilidade – meu interesse sobre os arquivos vivos nas/das Cidades.
Este é um ensaio discursivo-desconstrucionista. Não deseja muito. Apenas pro-
voca e desafia a implicação de pesquisadoras e pesquisadores no trabalho que envolve
práticas eróticas e sexuais. Isto é, a pesquisa em sexualidade também como processo
de subjetivação.
Cabe sublinhar, antes de prosseguir, que esta perspectiva não seria um desdobra-
mento tácito da pesquisa-ação, da pesquisa-participativa ou da pesquisa-intervenção,
mas, talvez, e por consequência e graças a esta, posição que considera o pesquisar como
instante em que algo se modifica e no qual o/a pesquisador/a produz interferências, (re)
conhecendo-se enquanto sujeito que investiga (em já sendo um agente performativo) na
posição de quem compreende a sexualidade como uma forma de conhecer o mundo,
em seus riscos discursivos e vertigens da ‘perdição de si’ – fissurando seu corpo (também
teórico) como abertura epistemológica.
Dessas derivações, ouso fazer aqui um convite: cruzar a cidade, revirá-la, escavá-la,
abraçá-la, deitar-se com ela em um jogo de homo/erotiCidade. O próprio corpo em cena
(o corpo pesquisador) é superfície de intensidades e de encontros ‘problematizadores’
– o (a) pesquisador(a) posiciona-se como um corpo-problematizador na experiência
sexo-étnico-classe-generificadas.
Com isto, rascunho meus objetivos para este texto: encontrar possibilidades de
pensar, perguntar e problematizar desde o avesso das hetero e homonormas (LOURO,
2009) e da heterossexualidade compulsória (RICH, 2001 [1980]), rastreando-resistindo
no campo minado-normatizado de algumas disciplinas que se ocupam da sexualidade,
especialmente, em nosso caso, certas Psicologias, ainda em muito obstinadas a patologizar
condutas, práticas e experiências socioculturais.
Este texto evidentemente tem um (leve) tom confrontativo. Afinal, é preciso com-
bater os fascismos cotidianos das objetificações discursivas que estabelecem as vidas
que valem a pena ser vividas e as vidas que não valem (BUTLER, 2005). Logo, trata-se
de pesquisar-combater-resistir, agenciando uma profusão de estranhamentos sobre as
formas de conhecer e, ainda, daquilo que é possível que se possa saber ou descobrir:
conhecimento entre os lençóis discursivos dos prazeres envolvendo a sexualidade e
performances de gênero, sem jamais desconsiderar interseccionalidades com outros
marcadores de identidade e diferença que operam na produção de modos de experi-
mentação e também de desigualdades sociais.

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

Fronteiras epistemológicas borradas


A libertinagem que proponho desde o título tem a intenção de produzir movi-
mentos dissidentes diante dos modos canonizados de perceber os (ditos) territórios
(existenciais) marginais. Esta deriva moral é quase sinônimo de liberdade (permitam-
-me essa ‘deformação’ semântica pelo momento): bricolagem pop-acadêmica de sig-
nificações e estratégia neopolítica (e não neoliberal) para a dessacralização do corpo
e dos prazeres, é posição ficcionada de pesquisar.
Como princípio de método, debruçado sobre si mesmo e à revelia dos bons cos-
tumes acadêmicos, essa libertinagem tem apenas a intenção de sacudir e dissuadir os
instituídos em torno das formas canônicas de conhecimento. Não busco a polêmica ou
o escândalo (bem que este sempre parece ter um efeito cínico e divertido). Mas, reafirmo
contundentemente, o olhar da pesquisa é desde sempre generificado e não pode ser
pensado sem considerar a própria experiência corporal da pessoa-pesquisador/a, como
sujeito/a de uma produção discursiva que porta as marcas de certa inteligibilidade social.
A postura que arrisco sugerir é aquela de um sujeito engajado politicamente
aos movimentos de crítica/análise sobre os processos de objetificação assentados em
regimes de verdade que produzem epistemologias normativas. Busco, dessa forma,
relativizar o princípio de autoridade que “a Teoria” (me/ nos) confere.
Considero que a experiência discursiva da sexualidade e do gênero podem ser ex-
perimentadas em algumas cenas de exceção, entre sussurros e gemidos, de forma a fazer
arder algum ponto normativo sobre o prazer e erotiCidade (neste instante sublinho a
dimensão que a Cidade ocupa nos processos de experimentação da sexualidade e nas re-
lações de gênero, produzindo zonas morais, ora apartadas, ora hibridizando-se – fazendo
coabitar o limpo e o sujo, o puro e o desprezível, entre outras marcações oposicionistas
e binárias Modernas no rastro do corpo e cidade).
As palavras abusadas, a música que embala os corpos no vai-e-vem da deriva da
orgia e do corpo encenado e os restos de conversas e narrativas dubladas (recitações)
são o que nos servem nesse desvio investigativo. São estes elementos que trago a partir
das análises e estudos que venho realizando enquanto pesquisador em Psicologia, na
perspectiva de alguma aproximação com os estudos culturais e estudos queer.
Um gesto ‘fechativo’, a paródia, a cena ‘escandalosa’, tudo isso e muitas outras
performances têm indicado para mim rasgos discursivos diante das marcas da violência
que objetificam o corpo. Trago em análise souvenirs de prazeres de corpos dissidentes
que nos ajudam a pensar a historicidade dos problemas de nosso presente. Através de
um tipo de escrita-borrada, busco pistas, mesmo que escorregadias, no rastro úmido
dos vapores de saunas ou desde os escuros labirintos de videolocadoras pornôs. Nos
últimos tempos tive a oportunidade e alguma margem de liberdade para desenvolver

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

algumas pesquisas3 e intervenções4, que têm me servido para alguns ensaios episte-
mológicos. São movimentos (e procuro momentos críticos) por onde se ensaia des/
dizer como alguém, marcado como abjeto, desde o ponto de vista da sexualidade, da
idade e da aparência física, se move diante das tramas (de poder) que ficcionam certa
inteligibilidade generificada. Não é, portanto, nada mais que produção investigativa
em um campo de/generado.
Nada evidente, mas contundente anúncio: os princípios que definem esse modo
de operar em pesquisa seguem no rastro da perspectiva genealógica de Michel Foucault
(1995; 2004) como ferramenta conceitual importante para o trabalho de problema-
tização das condições de possibilidade e de emergência dos discursos – que se opõem
e/ou se associam nos jogos de verdade que dão contornos à relação dos sujeitos con-
sigo mesmos, no processo de sua (auto)constituição. Sigo a proposta (foucaultiana)

3 Em estudo de doutorado desenvolvi, sob a orientação da Profa. Dra. Guacira Lopes Louro, a tese “Entre vapores
e pornô-tapes: dissidências homo/eróticas nas tramas do envelhecimento” (UFRGS/2007-2011). Esta pesquisa de
doutorado em Educação analisou formas de regulação do gênero e da sexualidade em interseccionalidade com a ‘ida-
de’, onde busquei problematizar os discursos de objetificação dirigidos a homens idosos que exercem práticas homo/
eróticas. Tratei de compreender de que maneira se produzem estratégias de contestação às significações desquali-
ficantes sobre a (homo)sexualidade e o envelhecimento. A análise possibilitou compreender algumas das relações
de poder em torno das formas de regulação da vida que se interseccionam às ‘marcas’ e ‘habilidades’ do corpo, aos
discursos de racialização humana, às relações sociais abertamente tarifadas, à classe social, às representações de mas-
culinidade e à ‘orientação sexual’. Este trabalho cartográfico sinaliza que mesmo que os sujeitos implicados nestes
jogos de poder não tenham a intenção de produzir uma crítica à norma em questão, as cenas performativizadas nesses
espaços de sociabilidade nos pareceram produtivas para compreender a hetero e a homonormatividade como regimes
discursivos que trabalham na produção de uma cultura hetero/sexista e antienvelhecimento. O estudo se produziu a
partir de duas entradas de campo: a) uma sauna e videolocadora pornô frequentada por homens idosos e b) um bar
onde as relações se organizam em torno do protagonismo de homens idosos e de garotos de programa. Estes dois
contrapontos nos permitiram uma ampliação das formas de compreender as distintas e variadas formas de viver a
(homo)sexualidade nas tramas discursivas da homonormatividade, considerada neste estudo como importante dis-
positivo na reificação da velhice como uma forma de abjeção. Outra possibilidade de experimentação em pesquisa: o
trabalho de dissertação de mestrado que realizei junto ao PPG em Psicologia Social e Institucional da UFRGS, sob
a orientação do Prof. Dr. Henrique Caetano Nardi. “A pesquisa fora do armário: ensaio de uma heterotopia queer”
problematiza as experimentações da sexualidade de jovens que se autoidentificam como lésbicas, gays, travestis,
heterossexuais, bissexuais e transexuais e que aderiram a uma ação de saúde, no campo das doenças sexualmente
transmissíveis/hiv e aids. Além de seu caráter de enfrentamento à epidemia, a intervenção permitiu-nos analisar os
modos como os jovens produzem experimentações na sexualidade face à  homofobia presente na sociedade brasileira.
O estudo foi orientado metodologicamente pela perspectiva da pesquisa-intervenção e os seus resultados apontam
para alguns dos limites e das possibilidades das ações de saúde junto ao público juvenil. No que se refere ao acesso
e à produção da cultura da diversidade sexual e consolidação dos direitos humanos, este estudo indicou que as ati-
vidades do grupo de jovens possibilitaram a construção de um lócus de reflexividade ética e de ocupação agonística
da Cidade, uma vez que estes jovens vivem no avesso de dois dispositivos de normalização, ou seja, da  hetero e da
homonormatividade, evidenciadas na íntima relação da normalização sexual com a desigualdade econômica. Assim,
a ação buscou transformar as condições de vulnerabilidade explorando as possibilidades de deslocamento de uma
posição abjeta para a de cidadão de direitos pela via da reflexão e da ampliação das redes de sociabilidade. Este efeito
foi buscado principalmente na formulação de estratégias coletivas de enfrentamento das capturas identitárias ligadas
à estigmatização da pobreza na sua associação com as sexualidades ditas marginais. O Projeto Gurizada, Saindo do
Armário e Entrando em Cena foi realizado pela ONG nuances – grupo pela livre expressão sexual, atuante em Porto
Alegre; em cooperação com a UNESCO, o Programa Nacional de DST/AIDS e a Coordenação Estadual de DST/
AIDS da Secretaria da Saúde do RS.
4 Junto ao nuances – grupo pela livre expressão sexual, tive a oportunidade de experimentar ainda outros bons desafios
e práticas de ‘rebelião’ militante-epistemológica ou de movimentos de heterotopia: Projeto Prazer também tem preço;
Educando para a Diversidade; Centro de Referência em Direitos Humanos no combate à Homofobia; Projeto Gurizada;
Jornal do nuances, entre outras inúmeras ações políticas e em produção de saberes-transtornados (usando a ideia de
Berenice Bento sobre as práticas transtornadas). Por fim, a pesquisa de serviço, realizada com a colaboração de Manoela
Carpenedo Rodrigues (à época estagiária de pesquisa em psicologia no Centro de Referência, atualmente Mestre em
Psicologia Social) desenvolvemos a pesquisa Práticas Sexuais, Sociabilidades e Violência, entre 2008-2009, com finan-
ciamento da Seção de DST/AIDS da Secretaria Estadual da Saúde (relatório de pesquisa depositado junto à SES/RS e
publicação no prelo, revista DeSignis).

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

de uma recusa a métodos descritivos que priorizam a constância histórica ou o traço


antropológico imediato. Alio-me ainda aos argumentos de Tomaz Tadeu da Silva
(2003) quando afirma que “o mundo estático e morto das coisas e dos significados
fixos é um mundo sem disputa, sem contestação. Ele está simplesmente ali: é um
dado” (p.65). Ou seja, faz sentido para mim a perspectiva genealógica no campo
dos estudos sobre gênero e sexualidade na sua potência analítica como possibilidade
de traçar as linhas que constituem o regime de materialidade que torna possível um
enunciado, redefinindo as suas possibilidades de (re)inscrição e legitimidade nos jogos
de poder e verdade (FOUCAULT, 2004 [1969]) – jogos estes que oferecem/produzem
‘inteligibilidades’ e formas de ‘reconhecimento social’.
O que está em jogo na pesquisa, acredito, é a disputa por uma posição que leva em
conta o efeito de raridade dos enunciados – “valor que não é definido por sua verdade,
que não é avaliado pela presença de um conteúdo secreto, mas a posição enviesada
que caracteriza o lugar deles, sua capacidade de circulação e troca, sua possibilidade de
transformação” (FOUCAULT, 2004 [1969]).
Tudo isso nos exige uma dobra: o trabalho de pesquisa no campo das relações de
gênero e sexualidade não pode definir-se como um trabalho disciplinar e, tampouco,
interdisciplinar ou transdisciplinar. Quiçá pós-disciplinar. Afinal, a sexualidade não
estaria saturada de disciplina? :

(...) mais do que interdisciplinaridade, deveríamos falar em uma des-


-disciplinarização. Trata-se de parasitar as disciplinas existentes, de co-
locar em risco sua estabilidade e a concepção do sujeito humanista ou
universalista que elas continuam a pressupor. Trata-se de recusar o po-
der da disciplina, fonte de apagamentos e de congelamentos. (BOUR-
CIER, 2005, p. 28-29)

Logo, se considerarmos que em uma posição pós-moderna e desde alguma apro-


ximação com o campo dos estudos pós-estruturalistas não há como separar o modo de
analisar do modo de olhar – observar e participar do campo –, não fica difícil abusar
de negociações conceituais e de ousadias, aliás, é quase uma condição. E isso significa
resistência, apoiada na ideia de experiência – em certo tipo de relação onde temos a
sorte de sairmos transformados, diria Foucault. O pesquisador e a pesquisadora precisam
de alguma forma sair tranformados/transtornados desde uma experiência de pesquisa.
Podemos e devemos recusar métodos canônicos. Precisamos inventar, radicalizar o
sentido da inventora/inventor de problemas sobre nosso tempo. E para isso precisamos
de um modo de pesquisar que tenha a ver com um tipo de curiosidade ‘vadia’ e não
como aquela curiosidade perversa “la que busca asimilar lo que conviene conocer, sino
la que permite alejarse de uno mismo”(FOUCAULT, 2006 [1984], p. 12).
A ideia de uma pesquisa-aquendação é nada mais que uma participação-observante
(MENDES-LEITE, 1992), onde a pesquisadora/o pesquisador encontra-se radicalmente
despida/o de algumas moralidades, não todas – afinal, é preciso que sejamos coerentes,
honestas/ honestos e humildes, acima de tudo, para saber que nunca estamos livres de

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

uma nova relação de poder. Mas é nesta disposição de uma nudez que não quer ser
castigada, por onde ela ou ele (pesquisador/a) tem a chance de pensar com o/a outro/a
os problemas de seu tempo, a partir da experiência ‘desmoralizada’ de seu próprio corpo
e da sua própria subjetividade em devir.
Cabe recuperar, antes de prosseguir, que essa perspectiva em pesquisar sobre o que
se faz/vive ou sobre o seu ethos, especialmente no campo dos estudos sobre sexualidade
(em uma perspectiva cultual), insere-se em um plano rizomático de tensões e disputas
epistemológicas que foram produzidas e se tornaram legitimamente possíveis na acade-
mia somente a partir da experiência da epidemia da AIDS. Algo que surgiu por entre
as nossas múltiplas possibilidades nos termos de fazermos uma história contemporânea
da sexualidade, definida através dos desafios político-culturais que colocaram em ques-
tionamento certas bases paradigmáticas sobre corpo, saúde e direitos humanos. Estas
circunstâncias de pesquisar algo que toca diretamente a sexualidade, exigiram, segundo
Rommel Mendes-Leite (1994) “grau de intimidade e implicação” como condições
decisivas para a análise e a intervenção.
De mesma forma, deriva das reflexões de Néstor Perlongher (1987) sobre o grau
de intimidade e intensidade do envolvimento em relação ao trabalho no terreno das
sociabilidades envolvendo a sexualidade, a ideia de que o trabalho de campo não
pode deixar de ser concebido sem a sua dimensão política. O que, de meu ponto de
vista, inclui o corpo-subjetividade do pesquisador como experiência viva-interferente-
-impertinente – pois é com seu corpo que se aproxima de alguém (de outrem), com
suas marcas corporais distancia-se, mas também aloja em uma relação, estranhando-se
– ‘queerinzando-se’. Isto possibilita uma aproximação e relação ética com outras cenas
da sexualidade e desde as relações de gênero e suas performances, que nos conduzem a
problematizações seguramente mais “realísticas” sobre as materialidades discursivas em
torno do corpo e do fazer ciência com o corpo.
Associo-me, da mesma forma, também ao pensamento de Marie-Hélène Bourcieur,
quando considera que “as disciplinas repousam na maior parte do tempo sobre con-
cepções ontológicas de homem e de mulher e elas se articulam sobre a diferença sexual
e são o produto de um regime epistêmico heterossexual” (BOURCIER, 2005, p. 29).
Assim, considerando-se as brechas epistemológicas produzidas pelos estudos e
ativismos queer, pouco a pouco se modificam as paisagens ‘científicas’ e pode-se ousar
um pouco mais na pesquisa. E desde este ‘entrevero’ político da pós-modernidade
novos modos de viver a pesquisa acadêmica vão se ‘firmando’, onde noções de ética
e implicações na pesquisa passam a ser compreendidas para além dos procedimentos
protocolares e assépticos.
Paul Rabinow (1999) expressa de forma contundente a ideia foucaultiana da ética
reflexiva da liberdade através de sua aposta em uma posição que denomina “cosmopo-
litismo crítico”:

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

O princípio condutor é ético. Esta é uma posição oposicionista, des-


confiada de poderes soberanos, verdades universais, precisão relativi-
zada em demasia, autenticidade local, moralismo de cima e de baixo.
Entendimento é o seu outro valor, mas um entendimento desconfiado
de suas tendências imperialistas. Esta posição presta atenção às – e res-
peita – diferenças, mas também está alerta à tendência de essencializá-
-las. (1999, p. 100)

Como consequência deste re/posicionamento tático na pesquisa, podemos conside-


rar, então, que a produção do material de análise – a construção das entradas de análise
para uma pesquisa qualquer envolvendo pessoas e feminismos, pessoas e sexualidade,
pessoas e etnicidade, ou na transversalidade destes e outros marcadores sociais – podem
ser mais bem compreendidas se levarmos em consideração em nossas práticas a própria
forma de nos relacionar com o campo (plano de experiência, alteridade), nossas meto-
dologias, uma vez que elas são produto e efeito de discursos de saber.
Talvez possamos pensar a ideia de campo de pesquisa como território de experi-
mentação, onde se produzem movimentos de (re)composição de cenas do cotidiano,
reunindo as contradições, contestações, as continuidades e as descontinuidades que
marcam as representações em torno do corpo e de suas performances de gênero, no
exercício da sexualidade, como a possibilidade de uma atitude de análise ético-reflexiva,
considerando-se que somos mais um na cena, pensando com e não sobre.
O princípio aqui pode ser aquele derivado de Foucault e retrabalhado em Joan
Scott, quando ela afirma que não são os sujeitos que produzem as experiências, mas
que são produtos dessas experiências (SCOTT, 2009 [1989]).
Como já sugeri, o olhar da pesquisa é sempre generificado e pensado desde a pró-
pria experiência da figura/subjetividade da pesquisadora/do pesquisador como sujeito
de uma produção discursiva que porta as marcas de certa inteligibilidade. A diferença
se faz na margem de liberdade e de crítica desse sujeito/dessa sujeita, caso ela/ele tenha
a coragem de uma análise sobre os processos de objetificação que considere os riscos de
sua própria presença, quando experiência de assujeitamento aos regimes de verdade que
produzem epistemologias normativas. Este modo recusa o olhar excitado e objetificante
– que muitas vezes é encontrado em pesquisas sobre as ditas práticas e vidas ‘abjetas’.
No sentido de uma subversão das políticas de conhecimento hegemônicas, aponta
Guacira Louro (2004):

Os estudos feministas, os estudos gays e lésbicos e a teoria queer vêm


promovendo uma nova articulação entre sujeitos e objetos do conhe-
cimento. Não são apenas novos temas ou novas questões que têm sido
levantadas. É muito mais do que isso. Há algumas décadas os movi-
mentos e grupos ligados a esses campos vêm provocando importantes
transformações que dizem respeito a quem está autorizado a conhecer,
ao que pode ser conhecido e às formas de se chegar ao conhecimento.
Desafiando o monopólio masculino, heterossexual e branco da Ciência,
das Artes, ou da Lei, as chamadas minorias se afirmam e se autorizam
a falar sobre sexualidade, gênero, cultura. Novas questões são colocadas
a partir de suas experiências e de suas histórias; noções consagradas de
ética e estética são perturbadas. (p.24)

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

As perturbações que se expressam na escrita autobiográfica (de certo modo) ofere-


cem possibilidades para se relativizar o princípio de autoridade que “a Teoria” confere
(BOURCIER, 2005). Negocia-se, desse modo, a possibilidade da análise sem descon-
siderar os efeitos, as possibilidades e os limites da superfície corporal da pesquisadora/
do pesquisador.
Um excerto de Suely Rolnik parece contundente nesse sentido, para que não se
reifique ou se tome de forma ingênua a experiência autobiográfica como consignação
de individualidade: “que entendamos por ‘auto’, aqui, não a individualidade de uma
existência, a do autor, mas a singularidade do modo como atravessam seu corpo as forças
de um determinado contexto histórico” (s/d, p. 22).
Entendendo ainda a pesquisa de campo como “um tipo de viagem – pela inquietação
com outras experiências, pelo desejo de encontrar desconhecidos, pela disponibilidade
para se expor a esse tipo de dificuldade, à novidade, à diferença” (CAIAFA, 2007, p.
149). A Cidade se constitui, assim, como um plano privilegiado de investigação. Se-
guindo o rastro de Néstor Perlongher (1987) em sua análise sobre a prostituição viril
na cidade de São Paulo, pode-se compreender que “o dispositivo da sexualidade não
se detém em conferir à homossexualidade uma demografia – uma base populacional.
Instaura também uma territorialidade geográfica” (p.48).
Os caminhos destas experimentações de alguma forma se cruzam na cidade, produ-
zindo, às vezes, descolamentos no imaginário da sexualidade para uma Pólis. Segundo
Nicolas Boivin:

O espaço não se limita ao simples suporte desta sensualização do pra-


zer. O espaço engloba o corpo e o corpo torna-se um elemento inteiro
nesta configuração espacial. (...) Este conhecimento do mundo passa
inevitavelmente pela sexualidade. O único obstáculo a este esquema
idealizador das percepções espaciais das práticas sexuais reside no siste-
ma de controle dos prazeres, nascidas da história de cada sociedade, de
cada lugar e de cada espaço. (2007, p. 12)

A cidade e seus re/cantos e esconderijos produzem alianças táticas para a re-


versibilidade das posições de assujeitamento e abjeção, como aquelas que cercam a
experiência das ditas identidades sexuais e das formas de produção de prazer. Dessa
ideia concebo que esses lugares se constituem como espaços de educação, como
lugares onde algo é ensinado e algo é apre(e)ndido através de pedagogias de gênero
e de sexualidade (LOURO, 2000) desde movimentos de significação estética que
entram/rasgam as cenas dos ditos “espaços limpos” para se aprender-ensinar e, con-
sequentemente, como espaço de subjetivação.
A pergunta que deriva desta aposta e que continua reverberando em meus estudos
é: algo nesses espaços pode agenciar forças subversivas ou que digam respeito a um
tipo de ascese direcionada a uma vida criativa? (FOUCAULT, 2001 [1984b]). Esses
espaços representados como zonas de abjeção – as zonas inóspitas e inabitáveis da vida
(BUTLER, 2005d [1993]) – podem apontar para algumas possibilidades de re/signi-
ficação do corpo, do gênero e da sexualidade e/ou mesmo de estourar as significações
normativas do ‘corpo’?

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

Intimidade e conhecimento nas margens(centro) da Cidade


Proponho que tomemos os arquivos analisados na pesquisa de campo como arquivos
vivos da Cidade construídos por interlocutores e interlocutoras que nos permitem a
produção de problemas para nosso tempo e nossas instituições, nossos aparatos teóricos e,
sobretudo, nossa sociedade (nas suas múltiplas combinações e arranjos político-culturais).
É a partir das performances das interlocutoras/ interlocutores em uma pesquisa que
podemos tratar de analisar, no rastro das formas de gestão da vida, os rasgos e as marcas
discursivas que nelas se materializam e que a elas interpelam em posições abjetas.
Penso aqui justamente na perspectiva genealógica que nos permitiria compreen-
der algo dos jogos de produção da identidade e diferença (SILVA, 2007), em oposição
à simples constatação e às classificações que alucinam muitas pesquisas imbuídas de
generalizações ou totalizações.
No entanto, não arriscaria afirmar que aqui se trata neste modo de trabalhar em
fixar a experiência do texto sobre gênero e sexualidade em um referencial, seja pós-
-estruturalista, feminista de segunda ou terceira onda, queer, pós-feminista ou anarco-
-feminista. Uma das poucas certezas, no entanto, sugeriria que talvez possamos encontrar
possibilidades para compreender os modos pelos quais em nossas sociedades (a partir
de um contexto particular) nos tornamos (performamos) o que dizemos que somos.
Evidentemente, algumas alianças teóricas devem ser articuladas de forma a compre-
ender os modos de contestação das regulações e prescrições em torno da produção do
corpo como superfície de abjeção, sobretudo alianças táticas com bases epistemológicas
que nos permitiram tensionar as formas discursivas e os discursos que se articulam na
produção de inteligibilidades (político, culturais, sociais... e das subjetividades). Entre
estas táticas de aliança, um caminho possível é aquele de (re)compor os acontecimentos
do trabalho de campo em termos de uma narrativa que diga respeito a uma ruptura
com o murmúrio anônimo de vidas e experimentações objetificadas e desqualificadas
no discurso da normalidade e das totalizações acadêmicas.
Seguindo as ideias propostas por Tomaz Tadeu da Silva (2003), não se trata de “negar
a realidade”, mas de “ampliar a própria noção de realidade.” (p.42) a partir da experiência
viva e dos movimentos que as pessoas fazem à revelia das prescrições normativas sobre
as condutas e práticas em torno do desejo e do prazer.
Neste momento de conceber a forma de escrever podemos recorrer à ideia de “récit
de soi” no sentido proposto por Judith Butler (2005c), onde ela sugere outra forma de
‘apreender’ algo da experiência, marcando oposição às ideias de narrativas ajustadas aos
discursos normativos de saber que intentam apreender a experiência humana a partir
de referentes epistemológicos hetero/sexistas. Teríamos talvez a chance de pensar que “o
corpo singular sobre ao qual se refere uma narrativa não pode ser ele mesmo capturado
plenamente pela narração” (BUTLER, 2005c, p. 7).
Para Butler, esta história não é senão a história de uma relação – ou de um conjunto
de relações – com base em um conjunto de normas. O ‘eu’ é despossuído sempre em
certa medida pelas suas próprias condições de emergência. Dessa ideia, ela afirma que
não se pode pensar uma subjetividade sem considerar a substância ética:

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Em primeiro lugar, as normas estão lá, à distância, e o trabalho consis-


te em encontrar uma maneira de se apropriar delas, de tomá-las para
si, de estabelecer com elas uma relação viva. O quadro epistemológico
deste encontro é pressuposto neste encontro – aquele onde o sujeito
diz encontrar as normas morais e deve achar seu caminho com elas.
(BUTLER, 2005c, p. 9)
Considerando-se esta perspectiva, é preciso estabelecer uma relação com o campo
no sentido de adentrar de corpo nas experimentações e “construir uma vida” nos lugares
que pesquisamos e com os/as interlocutores/ras que lá são nossas/nossos companheiras/
ros de uma viagem e de uma ficção.
Talvez fosse produtivo se nos detivéssemos a essa experiência como quem se detém
a um lugar quando viaja: agarrando-me às possibilidades de estranhamento e vivendo
como um estrangeiro em minha própria morada. Como afirma Caiafa: “(...) o trabalho
de campo oferece uma oportunidade singular de agenciamento com o desconhecido, por
realizar de diferentes formas uma viagem, por envolver estrangeirismos” (2007, p. 155).
Nesse campo da deriva erótica, a única prescrição é ética e materializa-se em nossas
condutas e práticas quando, deixando-nos tocar e levar por mãos anônimas, desejosas,
refratárias ou simplesmente curiosas, seja em um quarto escuro, uma sauna, um bar,
em um canto qualquer no jardim das delícias, temos a oportunidade de vivermos a
experiência de nossos corpos-pesquisadores como quem sente seu corpo sendo ‘seques-
trado’ das grades disciplinares. Eu, estrangeiro em mim e na relação com o outro, com
a outra, com quem não deseja ou reivindica tampouco esses binarismos reforçados na
grade discursiva da Modernidade.
Um passo ou outro, mais firmes no terreno escorregadio de uma sauna ou no subir
de uma sinuosa e estreita escadaria de um bar, em meu caso, me permitiam perseguir os
movimentos de corpos nas/das sombras nos densos espaços do prazer em uma cidade
miscigenada de erotismo e “corpos estranhos” (LOURO, 2004). Instâncias e formas
sociais que, como aponta Tomaz Tadeu da Silva, “são construídas discursiva e linguis-
ticamente” (2003, p. 42).
De minha modesta experiência como pesquisador sempre busquei por nada além de
uma aproximação àquilo que Michel Foucault denominou a liberdade refletida (2001
[1984d]). Um tipo de ascese que partia, sobretudo, de uma reflexão sobre o meu agir
na relação com o outro, na postura de uma certa fruição e cumplicidade ética.
Nesses termos, aponta Butler:
O sujeito não é necessariamente produzido pela norma que inaugura
sua reflexividade; nós nos confrontamos invariavelmente com as condi-
ções da própria vida que não fomos capazes de escolher. Se existir uma
operação da capacidade de agir, isto é, da liberdade – esta luta – ela
não tem lugar senão dentro de um campo de tensões o permitindo
isto e coagindo. Esta capacidade de agir ética não é nunca totalmente
determinada nem radicalmente livre, mas a sua luta ou seu dilema pri-
meiro é de ser produzida por um mundo no mesmo instante em que
cada um/a deve construir a si mesmo de certa maneira. Esta luta contra
as condições impostas à vida de cada um/a – uma capacidade de agir
é igualmente tomada possível paradoxalmente pela persistência desta
condição originária de não-liberdade. (2005c, p. 19)

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

Nesse momento se apresenta a ardida dimensão da ética como uma prática, como
a maneira como cada um deve (talvez nosso único dever) refletir sobre a forma como se
constitui a si mesmo como sujeito moral inserido em um determinado código (FOU-
CAULT, 2001 [1984b]).
O que posso dizer dessa experiência é que meus passos nesse caminho se quiseram
acertados, mas meu andar, muitas vezes, balançou na vertigem da experiência que não
pude deixar de viver com meu próprio corpo. E na tentativa de deixar o rastro indi-
cativo de uma margem mínima de liberdade, creio que posso dizer que desse trabalho
saí, em algum sentido, transformado. Procurei não deslizar na arrogância de imaginar
que poderia ter modificado ou moldado a vontade política de meus companheiros –
simplesmente porque um encontro entre um ‘universitário’ e um ‘marginal’ se produziu.
Adentrei a escuridão de labirintos de perdição e prazeres. E neles reencontrei-me
outro e com outros. Apenas a umidade do rastro líquido/vaporoso do pensamento
foucaultiano dava-me alguma certeza de onde eu estava e o que estava fazendo (de mim
e da pesquisa). Tentei, do modo mais respeitoso possível, seguir fazendo o que nos pro-
pôs Foucault: a história dos problemas de nosso tempo, pesando sempre nos riscos do
presente. E veio desse rastro molhado a coragem para enfrentar de frente, e não poucas
vezes nu, as armadilhas do dispositivo da sexualidade na pesquisa.
Aqui está um movimento que imagino tenha me possibilitado compreender minima-
mente como um conjunto de práticas discursivas faz algo entrar no jogo do verdadeiro e
do falso e, ao mesmo tempo, como se constitui este algo como objeto para o pensamento
moral ou para a reflexão ética (FOUCAULT, 2001 [1984d]). Creio que essa perspectiva
ofereceu-me condições de pensar/viver uma pesquisa marcada pela intencionalidade de
compreender como os sujeitos situados em determinados jogos de verdades, tais quais
aqueles que instituem a trama normativa entre envelhecimento e (homo)sexualidades, se
movem e contestam os significados e as identidades a si atribuídos e/ou corporificados;
movimento de pensar e viver junto – sem operar na distinção “eles”/ “nós”.
Busquei o que poderia indicar alguma tensão nas representações alinhadas à ficção
das hetero e homonormas, especialmente na sua interseccionalidade (inter)geracional
(no caso de minha pesquisa sobre homo/erotiCidade e envelhecimento) e diante das
performatividades que definem um conjunto de inteligibilidade através de normas
físicas e morais (condutas). Assim, os movimentos que se articulam no confronto entre
as práticas de reiteração das representações de masculinidade e as práticas do prazer
permitiram-me pensar que não há uma hegemonia, seja ela durável ou efêmera, que
apreenda o gênero de forma inexaurível.
Neste sentido, retomo a importância do corpo do pesquisador como experiência
não ‘turística’ nesta cena – é que estas formas generificadas de ‘fazer’ o humano en-
contram possibilidades para sua desestabilização nos jogos do prazer (mesmo que seja
quase que somente momentaneamente, na maioria das vezes). O que insinuo é que
talvez seja possível pensar em movimentos de desgenerificação do corpo – desfazer o
gênero, considerando-se a ideia de que “o gênero é o mecanismo pelo qual as noções de
masculino e de feminino são produzidas, mas ele poderia muito bem ser o dispositivo
pelo qual estes termos são desconstruídos e desnaturalizados” (BUTLER, 2006, p. 59).

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

A aposta do olhar sobre o campo e desde o campo sempre foi pensar que as esca-
padas no exercício da sexualidade me permitiriam imaginar certa desestabilização das
representações de gênero. E a partir dos estudos de gênero e dos estudos queer (BUTLER,
2004, 2005a [1990],b,c, 2010; LAURETIS, 2006; LOURO, 2000, 2004; RUBIN,
1998 [1975]; SEGDWECK, 2008 [1990]; SCOTT, 2009 [1989]; BOURCIER, 2005;
PRECIADO, 2004, 2009) segui procurando possibilidades para uma implosão dos
binarismos com base nas práticas de sociabilidade e culturas eróticas.
No entanto, na busca de encontro com aquilo que poderia insinuar modos de
desestabilização das formas institucionalizadas do gênero e com as possibilidades de
experimentação da sexualidade (uso dos prazeres) não encontrei mais do que pequenas
alianças dispersas em um contexto ‘estigmatizado’. Mas, ali e acolá, pude ouvir evoca-
ções e experimentar, também desde meu corpo, alguma forma de desestabilização. O
encontro de corpos ‘ininteligíveis’, mas insistentes, vestidos com as marcas do tempo,
ou produzidos na ‘deformidade’, estiveram sempre prontos a desnudar-se, sem muitas
objeções às negociações que teriam de fazer para viver um instante de prazer.

Pistas para desaquendar


Os desafios éticos desta perspectiva de pesquisa não são poucos, mas não são mais
difíceis do que qualquer outro estudo que se sustenta no compromisso político com as
discussões sobre as moralidades e normalidades acionadas e reiteradas para a manutenção
do dispositivo da sexualidade ou de forma mais ampla da biopolítica contemporânea.
O ‘problema’ maior – o escândalo ou a polêmica – residem, talvez, no fato de que
esta proposta de pesquisa a partir da experiência do corpo da pesquisadora/do pesqui-
sador consiste no ato de experimentar um campo imerso na deriva dos prazeres e em
espaços de sociabilidade que ainda são veiculadas sob pânicos morais de todas as ordens
(acadêmico-prescritivas-reacionárias, bio-patologizantes, pedagógico-morais, etc.).
Não sugiro aqui a ‘promiscuidade intelectual’, mas um trabalho de compromisso com
a ética reflexiva da liberdade (FOUCAULT, 2001 [1984e]. Fazer este que inclui pensar o
dispositivo da sexualidade na sua experiência mais ‘atormentada’ e desestabilizadora – o
prazer que escapa e contesta. O prazer como dimensão cultural. Claro que estou atento
aos perigos desta via(da)gem. E sei bem que o trabalho com “seres humanos” esbarra
no que Edward MacRae (2006) denomina de imperativos epistemológicos. MacRae, ao
comentar a resolução 196/96, do Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde,
que orienta a pesquisa “envolvendo seres humanos”, refere que a perspectiva imposta
nesse modelo de regulamentação não atende às demandas de trabalho de campo envol-
vendo temas e grupos “sensíveis” ou ocultos, sobretudo, porque impõe um modelo que
“despolitiza os problemas humanos”, tomando-os pelo viés técnico-cientificista e muitas
vezes referendando-se em bases biológico-naturais .
Entendo que uma pesquisa com pessoas – com gente – não pode colocar as coisas
em termos de exame, objetificando as subjetividades. Os sujeitos no campo são par-
tícipes fundamentais do processo de produção do conhecimento, são interlocutoras e
interlocutores diante de um problema de pesquisa, eles e elas não são o problema. Isto
é, com eles/elas que produzimos/fazemos os problemas de nosso tempo, problemas que

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‘Pesquisa-aquendação’
Derivas de uma epistemologia libertina

apontam, revelam desde o avesso das normas, o que nossas sociedades são: hierarquizantes
e totalitárias, fascistas, moralizantes. Nossos problemas não devem ser o que as pessoas
são, mas o que as impede de devir.
A destreza, a delicadeza e o cuidado são preocupações constantes no percurso desse
tipo de trabalho. Neste árduo terreno do prazer, que é ainda “deliciosamente perigoso”,
o contexto e as suas possíveis contestações do campo oferecem-se como pontos de aná-
lise na perspectiva de pensar quais seriam/foram as condições de possibilidade nestes
espaços e que tipo de perguntas puderam ser feitas desde os encontros, marcados pela
aproximação e vivência de abjeção. O que é possível ser problematizado (e perguntado)
e em que medida se dá esta autorização, dizem em muito sobre o lugar que ocupamos
nestas cenas. É necessário que pesquisemos com “simpatia”, com o sentimento de ter
estado lá e de ter escrito em companhia das vozes polifônicas. Como indica Janice
Caiafa (2007, p. 152-153):

(...)o afeto que nos permite entrar em ligação com os heterogêneos que
nos cercam, agir com eles, escrever com eles. O co-funcionamento ou
simpatia difere tanto da identificação quanto da distância, que Deleuze
(1977:67) menciona como ´duas armadilhas´. Porque a distância nos
indica ´o olhar do entendimento´, ´um olhar científico asseptizado´,
enquanto a identificação nos leva ao contágio, à confusão com o outro.
Nos dois casos perdemos a força da alteridade, a oportunidade de entrar
em composição com os heterogêneo. Perdemos o que a simpatia nos
proporciona: esse ‘corpo-a-corpo’. Deleuze observa que não há nenhum
julgamento na simpatia. Aqui não é questão de distanciar-se para com-
preender o outro, nem tampouco de tomar-se por esse outro, mas de ter
algo a ver com ele, ‘alguma coisa a agenciar com ele’.

Minha provocação final é de que façamos da pesquisa (em nosso caso nas Psicologias)
um modo problematização que escarnifique os regimes discursivos que se organizam
através da gestão da vida, controle, deciframento, incitação para o corpo dócil e útil,
da ordem e organização espacial e institucional das subjetividades - considerando que
gênero e sexualidade se articulam aqui como dispositivos nos jogos de prescrição e de
controle evidenciando pedagogias para ‘ser/parecer humano’.
Aquendando as/nas rachaduras, diante e com o que e quem escapa, ousemos pensar
outramente a sexualidade, perturbando-a e colocando-a fora do lugar central de decifra-
mento. Não há nada a ser revelado – uma vez que a materialidade é efeito dissimulado
de poder, como diria Judith Butler.
No rastro das provocações de Teresa de Lauretis (2007), em relação aos arranjos
teóricos queer, a questão se dirige então à elaboração de “outro horizonte discursivo”,
acompanhando movimentos que nos permitem viver/pensar a sexualidade do ponto de
vista de uma erótica, não de uma ciência sexual ou sobre as profundezas do ser. Seria o
caso de provocarmos em nossos estudos e pesquisas a indução política diante de efeitos
de verdades – onde se fabrica qualquer coisa que ainda não existe, como diria Foucault
(2001 [1977], p. 236): “(...) ‘ficciona(r)mos’ uma política que ainda não existe a partir
de uma verdade histórica”. A sexualidade como política de subjetivação e a ´liberação´
e profusão dos prazeres, do devir.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Isto significa reafirmar o caráter fabricado/ficcional e político de uma pesquisa,


questionando o lugar de quem pode ou não dizer algo, conhecer algo, analisar. Afinal:
“Não se tem o direito de perguntar quem, portanto, é esse que interpreta? É a própria
interpretação, forma da vontade de poder, que existe (não como um ‘ser’, mas como um
processo, um devir), enquanto paixão” (NIETZSCHE apud BARTHES, 2006, p. 72).
Foucault (2006 [1984]) acomoda um pouco os desafios sobre este jeito enviesado
de produzir problemas:

¿Qué valdría el encarnizamiento del saber si sólo hubiera de asegurar la


adquisición de conocimientos y no, en cierto modo y hasta donde se
pude, el extravío del que conoce? Hay momentos en la vida en los que
la cuestión de saber si se puede pensar distinto de cómo se piensa y per-
cibir distinto de cómo se ve es indispensable para seguir contemplando
o reflexionando. (p. 12)

O campo e nossas/nossos companheiras/companheiros nos indicam os caminhos


por onde devemos nos perder para deitarmos com alguma problematização ética e,
efetivamente, transformadora em nossas sociedades normativas, demonstrando não
apenas a necessidade de outros modos de conhecer (descobrir algo ali naqueles lugares
e sobre aqueles sujeitos), mas interpelando a pesquisa em outra disposição para dar
corpo teórico às suas experimentações e fazendo uma dobra sobre o que pensamos
que é conhecer, desaquendando5 os fascismos epistemológicos e as tirarias normativas.
Precisamos realizar criações culturais enquanto movimentos éticos, estéticos e po-
líticos na pesquisa e em nossas práticas psi, compreendendo o corpo como uma força
possível para multitudes de prazeres e de sentidos. Não mais a corporificação-superfície
dissecada por disciplinas e moralidades.

Prazer/Fruição: terminologicamente isso ainda vacila, tropeço, confun-


do-me. De toda maneira, haverá sempre uma margem de indecisão: a
distinção não será origem de classificações seguras, o paradigma ran-
gerá, o sentido será precário, revogável, o discurso será incompleto.
(BARTHES, 2006, p. 8)

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5 Para usar o reverso da expressão aquendar: banir, sair, ir embora, eliminar, deixar, esquecer.

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Educação Sexual nas escolas:
um desafio ao educador e à
educação brasileira

Carina Alexandra Rondini1


Fernando Silva Teixeira Filho2
Lívia Gonsalves Toledo3

Breve Histórico da Educação Sexual no Brasil


A Educação Sexual é hoje um processo e não deveria se limitar a uma dis-
ciplina específica dentro do currículo escolar. Tal processo se instaura a partir
de uma série de políticas, éticas, procedimentos, atitudes, comportamentos,
conteúdos e reflexões que visam dar espaço, voz, letra, expressão e materiali-
dade ao corpo, ao desejo, aos afetos, às emoções, às sensações e à cognição dos
envolvidos neste trabalho.
Percorrendo o histórico da Educação Sexual no Brasil, notaremos que os
primeiros investimentos em políticas públicas que trataram das questões de
atenção às crianças e adolescentes iniciaram na década de 30, com a criação do
Departamento Nacional da Criança, visando proteger a maternidade, a infân-
cia e a adolescência e, na década seguinte, a criação do Serviço de Assistência a
Menores. Essas políticas tinham cunho de legitimação do controle, da disciplina
e da normalização, especialmente sobre as classes ditas “perigosas”, isto é, com
maiores índices de pobreza, prostituição e a família proletária (ABIA, 2001, p.
17). Nos anos 60, as demandas e reformas sociais surgiram e prepararam o terreno
para as reivindicações dos anos 70 que, por força dos movimentos feministas,
conseguiram introduzir nos currículos escolares a abordagem da Educação
Sexual. Porém, como as políticas públicas para este setor eram apoiadas pelos
blocos de empresários da área hospitalar, pelas cooperativas e seguros de saúde,
indústria farmacêutica, de equipamentos médico-hospitalares, burocracia estatal
representada pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS) e pelo Ministério da Saúde, vemos que há uma concentração na
assistência em detrimento das ações preventivas (ABIA, 2001, p. 17).

1 Doutora em Engenharia Elétrica. Professora Assistente Doutora junto ao Departamento de Psicologia Ex-
perimental e do Trabalho da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis-SP.
E-mail: carina@assis.unesp.br e/ou carondini@yahoo.com.br
2 Doutor em Psicologia Clínica, Psicólogo. Professor Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica da
Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis-SP. E-mail: fteixeira@assis.unesp.br
3 Psicóloga e Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual
Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis-SP. E-mail: liviagtoledo@gmail.com

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Foi dentro desse contexto que, em 1974, o Conselho Federal de Educação imple-
mentou a Educação Sexual nas escolas de segundo grau, com uma abordagem centrada
em questões biológicas e médicas, sem abarcar a discussão sobre comportamentos e
valores sexuais. Dois anos depois, a Educação Sexual voltou a ser uma responsabilidade
exclusiva da família, isto é, em 1976, o governo não mais se responsabilizou pela Edu-
cação Sexual dando maior atenção a temas sociais e econômicos.
Na década de 80, entretanto, alguns fatores forçaram a mudança de uma política
de saúde pública baseada em um modelo de atenção centralizado e seletivo para um
modelo descentralizado e universal (sem que isto implicasse em uma modificação ime-
diata no ethos conservador das políticas). Dentre estes fatores, quatro merecem destaque:
1) o envelhecimento da população; 2) a “onda jovem”, isto é, aumento do volume das
faixas etárias de 10 a 24 anos em decorrência da queda da mortalidade infantil e das
taxas de fecundidade; 3) aumento das taxas de gravidez na adolescência; e 4) o avanço
da AIDS no país. Somando-se ao fim da ditadura militar, tais fatores elencados levam
novamente ao espaço escolar a temática da Educação Sexual, porém não mais de cunho
assistencialista, mas agora partindo de uma abordagem que Arilha, Unbehaum, Medrado
(1998, p. 23) denominaram de “preventivista”.
A ideia de a sexualidade ser uma questão de saúde começou a tomar consistência
jurídica e de Direitos Humanos, primeiro, em 1988, com a promulgação de uma
nova constituição no Brasil que, em seu Artigo 227, determina que cabe ao Estado, à
família e à sociedade o dever de proteger integralmente a criança e o adolescente. E,
segundo, na década de 90, com a criação e promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (E.C.A.) por força da Lei 8.069/90, que legisla com fins de assegurar à
criança e ao adolescente os direitos à sobrevivência, ao desenvolvimento, à proteção e
à participação social.
Até 1996 a formalização da Educação Sexual nas escolas era “garantida” por meio do
tópico de Educação para a Saúde exclusivamente nas áreas de Ciências e Biologia. Neste
mesmo ano, entretanto, foram elaborados e homologados os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) voltados para os ciclos básico, fundamental e médio, contendo um
tópico denominado orientação sexual4.
A partir dos PCNs, muitos projetos foram criados em níveis regionais e estaduais
para atender à exigência da inclusão de discussões sobre Educação Sexual nas escolas.
A grande inovação deste período foi a inserção do conceito e discussões sobre gênero5
como fator de vulnerabilidade à saúde sexual e física dos jovens, bem como a inserção

4 Nos PCNs, a palavra orientação sexual é utilizada como correlata de Educação Sexual para explicitar as ações desenvolvi-
das pela escola, família e/ou serviços de saúde visando a preparação de crianças e jovens para uma vida sexual prazerosa,
sadia, segura e responsável. Porém, o termo é também utilizado para designar o direcionamento (a orientação) do desejo
sexual: se voltado para o sexo oposto é chamado heterossexual; se voltado para o mesmo sexo é chamado homossexual;
e, se voltado para ambos os sexos, chamado bissexual (BRASIL, 1998).
5 O conceito de gênero está sendo empregado aqui como “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas
diferenças que distinguem os sexos, e como uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Scott, 1986
[2003], p. 289). Assim, falará dos chamados papéis ou expressões sexuais (o que se espera socialmente daqueles nascidos
biologicamente machos e fêmeas), das identidades de gênero (a atribuição de categorias relativas à masculinidade e à
feminilidade dos corpos, naturalizados, respectivamente, aos conceitos homem e mulher) e das identidades sexuais (a as-
sunção política de uma identidade social para nomear a orientação do desejo dentro do repertório disponível no contexto
no qual o indivíduo está inserido).

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Educação Sexual nas escolas: um desafio ao educador e à educação brasileira

do tema do uso indevido de drogas (ECOS, 1999). Todos estes temas passaram a ser
abordados transversalmente, isto é, recortando e abrangendo todas as disciplinas ensi-
nadas na Escola.
Tendo como eixo norteador a ética, a cidadania e os Direitos Humanos, os PCNs
situam a Educação Sexual em um novo significado: ela passa a ser um processo volta-
do a educar os envolvidos para a democracia, a partir da discussão da necessidade de
transformação das relações sociais nas suas dimensões culturais, políticas e econômicas
visando a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos para todos os gêneros
sexuais, a participação e a (co)responsabilidade pela vida social. Neste sentido, a Educação
Sexual visa agora não apenas informar os envolvidos sobre os processos de Reprodução
Humana ou simples diferenças sexuais entre homens e mulheres, mas também propor
reflexões que transformem as hierarquias sociais, de gênero e de sexualidades, formadoras
de estigmas e, consequentemente, desigualdades, violências e desrespeito aos Direitos
Universais dos Seres Humanos.

Educação Sexual: revendo elementos higienistas,


de heresia e de militância
A primeira razão para se trabalhar a Educação Sexual nas escolas é por uma questão
informativa. Os alunos serão informados sobre as formas de contaminação por Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DSTs) ou pelo vírus HIV, sobre o funcionamento e fisio-
logia dos aparelhos sexuais humanos, sabendo como ocorre uma gravidez ou evitando
uma violência doméstica, etc. A escola, que já desenvolve programas de Educação
Sexual com características meramente informativas, estará colaborando para diminuir
a vulnerabilidade e o risco de que algum destes riscos venha a atravessar a vida de seus
alunos. Porém, sabemos que informar não é condição necessária para que as pessoas
não incorram em risco. Para exemplificarmos esse fato, recorreremos aos dados de um
survey6 realizado em 2009, junto a 2282 adolescentes, de ambos os sexos, com 17 anos
em média (erro padrão = 0.03), estudantes do ensino médio público, em três cidades
do Oeste Paulista, a saber: 714 (31,3%) de Presidente Prudente, 779 (34.1%) de Assis
e 789 (34.6%) de Ourinhos. Desse contingente de alunos7, 2159 (95.2%) se autode-
clararam heterossexuais, sendo 1245 (57.7%) do sexo feminino, e 109 (4.8%) como
não-heterossexuais, assim distribuídos: 38 bissexuais; 12 gays, 11 lésbicas e 48 outros
(transexual, recusaram-se a definir ou não sabiam).
Embora a maioria dos heterossexuais 1480 (68.9%), em 2148 respondentes, e dos
não-heterossexuais 75 (70.1%), em 107 respondentes, tenham declarado se sentirem
bem informados sobre a prevenção às DST/HIV-AIDS, encontramos em relação à
variável sexo desprotegido (com penetração e sem o uso do preservativo) uma razão
de 100 heterossexuais praticando sexo desprotegido, para cada 14 não-heterossexuais.

6 Trata-se de projeto de pesquisa aprovado em Edital lançado em 2007 dentro do Acordo de Cooperação PN-DST/
AIDS – SVS/Ministério da Saúde/Bird/Unodc (projeto ad/bra/03/h34 - acordo de empréstimo Bird 4713-BR), o qual
o financiou. O mesmo foi desenvolvido em parceria com as seguintes instituições: ONG NEPS (Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre as Sexualidades), na qualidade de mantenedora, e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades
(GEPS) vinculado ao Departamento de Psicologia Clínica da UNESP de Assis, na qualidade de executor.
7 Quatorze alunos não declararam sua sexualidade e/ou seu sexo biológico.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Verificamos ainda que, independentemente do sexo e orientação sexual, cerca de 17.0%


dos/as adolescentes conversam com os/as professores/as como 9ª ou 10ª fonte de in-
formação, e 17% buscam informações em livros, artigos e revistas específicas. A partir
do recorte de sexo, podemos inferir que parece haver um percurso diferenciado para
ambos quanto à busca de fontes de informação, isto é: 1) para os rapazes: amigos – In-
ternet – pai – mãe – TV – propagandas – não conversam; e, 2) para as moças: amigos
– mãe – namorado – médicos – Internet –leituras específicas. Já, a partir do recorte de
orientação sexual, encontramos outro percurso: 1) para os heterossexuais: amigos – mãe
– namorado – Internet – TV – propagandas – leitura; 2) para os não-heterossexuais:
amigos – Internet – mãe – namorado – TV – não conversam – médicos.
Houve ainda variação quanto à prioridade das fontes informacionais a partir do
recorte de sexo e orientação sexual. Por exemplo, para os rapazes, a Internet é a 2ª
fonte de informação, ao passo que para as moças ela é a 5ª. No recorte de orientação
sexual, a Internet está em 4º lugar para os/as jovens heteros e em segundo para os/as
não-heterossexuais.
Além disso, inquiridos/as a respeito de temas que gostariam de conversar na escola
verificou-se que as jovens preferem conversar sobre violência sexual contra crianças e
adolescentes e os jovens sobre drogas e álcool. Ainda, comparativamente aos rapazes,
vemos que as moças preferem também conversar sobre diversidades sexuais e métodos
contraceptivos. Entretanto, independentemente do sexo, parece haver mútuo interesse
nos modos de infecção, prevenção e testagem do HIV, com especial atenção para as
suas manifestações sintomáticas.
Assim, para que um programa de Educação Sexual na escola seja efetivo e garanta
aos alunos o direito à saúde e cumpra o seu dever de proteger as crianças e os adoles-
centes de situações de risco, é preciso pensar o paradigma, os propósitos, os conceitos,
os lugares, os conteúdos e os modos de se trabalhar a Educação Sexual, levando-se em
consideração os anseios e as necessidades dos alunos.
Muitas reações negativas surgiram por conta do estigma em relação ao HIV e à
AIDS. Evidentemente que sozinha esta epidemia não poderia ter provocado isto. Tal
processo é histórico e corresponde ao modo como frequentemente as sociedades res-
pondem às epidemias (Jeolás, 1999) e às doenças sexualmente transmissíveis (Carrara,
1994). Autores como Susan Sontag (1989) mostraram justamente esta face oculta
da AIDS, que até hoje carrega inúmeras metáforas de significação, de exclusão e de
desigualdade. Estas metáforas se apoiam, justamente em relações estigmatizadas ante-
riores ao surgimento do HIV/AIDS, a saber: a sexualidade, o gênero, a raça, a etnia,
a pobreza ou a marginalização econômica (Parker & Agleton, 2001). Grmek (1995),
em artigo que discorre sobre a AIDS enquanto epidemia emergente e em decorrência de
progressos tecnológicos, também concorda com a ideia de que a face sociológica que
permitiu o avanço da AIDS reside justamente nas relações estigmatizadas apontadas, já
que as mesmas produzem desigualdades férteis para a expansão biológica do vírus HIV.
Assim é que o estigma, enquanto marca/sinal de diferença, historicamente passou
a ter significado de uma marca de deterioração de identidades, tal qual estudado por
Goffman (1975). Neste estudo, o autor nos fala de uma relação de (des)valorização
social variante e variável conforme o contexto em que esta marca/diferença está inse-

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Educação Sexual nas escolas: um desafio ao educador e à educação brasileira

rida8. Mas, avançando nestes estudos, observa-se que os fatores que levam um estigma
a ter um valor social positivo ou negativo não residem apenas em elementos culturais.
Em pesquisa realizada por Teixeira Filho (2000), onde se trabalhou com pessoas
nascidas com extrofia vesical9 – que em Medicina é concebida como “malformação
congênita” –, evidenciou-se que a relação que determina o valor deste estigma neste
corpo com esta condição física é justamente uma relação de poder, de dominação, de
controle e saber sobre os corpos humanos, não dependendo apenas do contexto de
uma cultura particular, de eventos históricos ou econômicos, políticos ou de situações
sociais. Outrossim, estes fatores são determinados por processos de naturalização destas
marcas que consistem em atribuir a estas valores inatos, retirando das mesmas toda a
sua potência de singularização, de individuação (TEIXEIRA-FILHO, 2000, p. 75).
Neste sentido, o estigma é uma estratégia de fabricação da desigualdade social (PA-
RKER & AGGLETON, 2001, p. 16) que só pode ser compreendida plenamente na
intersecção entre poder, cultura e diferença, que são elementos tipicamente encontrados
em sociedades normatizadas e hierarquizadas como a nossa.
A partir desta compreensão de que o estigma tem a sua força de (re)produção de
desigualdades sociais no poder e na cultura que determinam os modos como se irá lidar
com as diferenças (físicas, biológicas, genéticas, sexuais etc.) é que a Educação Sexual irá
se basear em paradigmas, isto é, em um conjunto de ideias que pautam as propostas de
trabalho, (Kuhn, 1990), que chamamos de sócio-históricas e desconstrucionistas. Tais
propostas terão como princípio a desnaturalização das relações sociais, dos conceitos e
dos mitos visando esclarecer que tudo o que existe tem uma história produzida a partir
das relações humanas.
A vantagem de se basear a Educação Sexual nesta proposta é a possibilidade de di-
minuir a exclusão de minorias sociais na medida em que se tem uma compreensão dos
fatores que produziram as desigualdades a elas impostas. Assim é que se pode dizer que
a Educação Sexual hoje trabalha a partir da ética da inclusão, da cidadania e de respeito
e cumprimento aos Direitos Humanos. A Educação Sexual na era da AIDS tornou-se
um híbrido, já que mistura elementos higienistas, pois visa informar “corretamente” as
pessoas sobre sexo, sexualidade e prevenção às DST/HIV-AIDS; elementos de heresia,
pois, para atingir seus objetivos preventivistas necessita desmistificar mitos e preconceitos
tradicionalmente veiculados pelas religiões, dogmas e políticas institucionais, bem como
elementos de militância, pois se espera, por intermédio dela, resgatar direitos fundamentais
de todo e qualquer cidadão, especialmente o direito ao prazer e ao desejo de desejar, de
singularizar-se sem que isto se torne um “caso de polícia”.

8 O conceito de contexto está sendo empregado aqui tanto como o local onde esta marca está inserida, quanto o sistema
e instituições. Assim, o contexto pode ser a cultura, a família, a comunidade de bairro, a cidade, os sistemas de saúde, as
escolas, a educação, etc.
9 O termo extrofia é derivado do grego ekstriphein, que significa “sair de dentro para fora”, ou seja, revirar-se de dentro
para fora; com o sufixo – ia, diz-se ekstriphein. A medicina classifica esta condição física como tal por conta de que, nestes
casos, a bexiga está exposta na barriga. Tal condição física tem graus, variando de malformações penianas (epispadias) até
as mais severas, que é a extrofia cloacal.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

As práticas higienistas: o modelo de risco e vulnerabilidade


O que podemos afirmar é que os comportamentos de risco são gerados por uma
complexa trama de acontecimentos que estão intimamente ligados à vulnerabilidade
dos indivíduos. Por exemplo, em relação à AIDS, como sugere Jeolás (1999, p. 219)
em pesquisa de doutoramento realizada com jovens adolescentes em Londrina/PR:

[...] tentar entender o risco de contaminação pelo HIV entre jovens nos
remete a um composto sincretismo complexo, ou seja, nos força a entender
a sinergia e contradições inerentes ao processo de se lidar com as repre-
sentações dos riscos e perigos vividos pelos jovens, bem como aqueles aos
quais mais se sujeitam, isto é, àqueles aos quais estão mais vulneráveis.

Usaremos o conceito de vulnerabilidade, emprestado da epidemiologia e introduzido


nesta por Thomas Mann, e trazido ao Brasil por Ayres et al (1998 apud ABIA) como
contraponto à ideia de risco. Segundo ele, o conceito de risco, embora bastante ope-
racional na epidemiologia, tem “frequentemente, apresentado ‘custos’ técnicos, sociais
e políticos superiores a seus benefícios” (Ayres et al., 1998 apud ABIA, p. 17) dado o
grau de preconceito relativo aos então chamados “grupos” de risco ou a despreocupação
em relação à epidemia de quem “não tinha comportamento de risco” unicamente, por
exemplo, por se estar casado(a).
O conceito de vulnerabilidade foi então construído e aplicado no campo da
saúde relacionado ao esforço de superação dessas práticas estigmatizantes. A partir
do entendimento da fragilidade desse método para a prevenção, criou-se o conceito
de vulnerabilidade, que depende de um conjunto integrado de aspectos individuais,
sociais e institucionais.
Deste modo é que a ideia de risco dá lugar à ideia de vulnerabilidade, devendo ser
compreendida como um grau de exposição a quaisquer fenômenos que atravessam os
indivíduos (AIDS, gravidez na adolescência, drogas, violência, acidentes, etc.), sem con-
tudo serem unicamente gerados pelos próprios indivíduos. Por isso, por vulnerabilidade
compreendemos, a partir das conceituações de Ayres (2002), como sendo um conjunto
de aspectos individuais e coletivos a partir dos quais podemos avaliar objetivamente as
diferentes chances que todo e qualquer indivíduo tem de se expor a diferentes graus
e modos de contaminações e violências/sofrimentos (psicológicos, morais, físicos e
sexuais) e, de modo indissociável, ao maior ou menor acesso a recursos adequados para
se superá-los/evitá-los.
De acordo com o autor, vamos entender que uma pessoa está mais ou menos vul-
nerável a depender não de seus comportamentos imediatos da ação voluntária, mas em
decorrência das “condições objetivas do meio natural e social em que se dão esses com-
portamentos, ao grau de consciência que estes indivíduos têm sobre tais comportamentos
e condições objetivas e ao efetivo poder de transformação de comportamentos a partir
dessas consciências” (AYRES et al., 1998 apud ABIA, p. 18) – também conhecida como
resiliência. Assim é que no contexto em que o conceito de vulnerabilidade surgiu, ou seja,
o da prevenção da AIDS há três planos a serem considerados, a saber: 1) o individual; 2)
o social; e 3) o institucional ou programático (AYRES et al., 1998 apud ABIA, p. 23-24).

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Educação Sexual nas escolas: um desafio ao educador e à educação brasileira

O plano individual diz respeito aos determinantes sociais que, ao longo das experiências
pessoais, fazem mudar o comportamento de uma pessoa. O plano social remete ao contexto
de existência dos indivíduos, isto é, suas condições socioeconômicas, cotidiano, aspectos
culturais que influenciam na construção de sua sexualidade (tabus, mitos, representações
sobre sexo e sexo seguro, relações de gênero). O plano institucional ou programático, por
fim, diz respeito aos investimentos políticos e públicos para garantir os direitos dos cidadãos
ao acesso às informações, à educação, aos programas de prevenção, materiais informativos,
insumos, criação de programas de assistência e prevenção (AYRES et al., 2003).
Deste modo, informar os alunos sobre as formas de risco à infecção pelo HIV, o
funcionamento das doenças e do corpo é apenas um primeiro processo. Mas o segundo
processo de problematizar o estigma, a discriminação e as relações de poder que envolvem
o HIV lançando as pessoas em graus diferenciados de vulnerabilidade é um processo
ainda complicado e difícil para a maioria dos profissionais.

Elementos de heresia: revendo as questões de gênero


Para se trabalhar gênero na Educação Sexual, os principais conteúdos a serem
compreendidos são: sexo, sexualidade, gênero e orientação sexual (HALSTEAD, 2001;
HILTON, 2001). Por sexo se entende apenas as condições físicas masculinas e femininas.
Isto é, biologicamente determinadas: o cariótipo XX (Feminino) ou XY (Masculino) e
os órgãos internos e os genitais correspondentes. Além disto, existe o hermafroditismo,
que é uma condição física onde uma pessoa pode nascer com cariótipo de um sexo e
os órgãos internos e genitais de outro ou de ambos. A sexualidade desde Freud (1905
[1976]) é entendida como algo que transcende o sexo biológico, ao qual corresponde a
reprodução. Freud deu a esta palavra uma acepção muito ampla, de modo que a mesma
fala dê certo modo social, institucional e individual de se buscar o prazer. E prazer aqui
não se resume tampouco ao ato sexual. Prazer é visto como uma descarga de tensão.
Do ponto de vista individual, isto é, a sexualidade de um sujeito, traduz-se no
prazer advindo da descarga de um excesso de energia que o próprio corpo desta pessoa
teria produzido. Por exemplo, no ato de sugar o seio, a mamadeira ou o dedo, o corpo
do bebê produz energia que deverá ser aplicada a um destes fins. Só que esta energia
produzida não chega a ser toda ela gasta neste ato. A este excesso de energia, Freud
denominou de pulsão. Essa pulsão, portanto, precisará ser descarregada em outra coisa
(ato ou objeto), além daquela já utilizada na sucção do leite ou do dedo. A princípio,
qualquer coisa pode servir para descarregar esta pulsão, já que a mesma não tem um
objeto específico por não se tratar de instinto e tampouco reflexo. Deste modo, o bebê
descarrega esta pulsão investindo primeiramente no corpo próprio e, posteriormente,
em outros objetos externos a ele (um brinquedo, os próprios pais, etc.).
Este seria, portanto, o fluxo primário da pulsão. Ocorre que a sociedade, por inter-
médio da instituição familiar, da escola, etc., dita normas e condutas gerais de satisfação
dos prazeres. É, propriamente, de uma política e cultura do corpo e do prazer que
estamos falando. Assim, esta criança terá que aprender, desde pequenina, a lidar com
suas formas individuais de obter prazer e com as regras sociais instituídas para tal. E é
nesse jogo conflituoso que a sexualidade estabelecerá sua dimensão social, institucional
e cultural. Digamos, por exemplo, que uma criança do sexo masculino queira, numa
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brincadeira junto a meninas onde estas estejam brincando com tintas, ao interagir com
elas, pintar suas próprias unhas. Sabemos que esse modo de satisfação, em sociedades
como a nossa, geralmente não lhe é permitido por conta das regras de gênero.
O gênero é a expressão sócio-histórico-cultural de regras de comportamento que
se projetam sobre o sexo biológico. Deste modo, mesmo antes de uma criança nascer,
os pais, a sociedade, enfim, já constroem expectativas a respeito do sexo do bebê e do
que é ou não apropriado para ele: a cor das roupas, os brinquedos e a sua história de
identificação, que começa, por exemplo, com o nome a ser escolhido para esta crian-
ça. Assim, a nossa criança do exemplo acima teria, a depender da história que lhe foi
atribuída pela sua família, pela escola, etc., um pouco de dificuldade em obter prazer
pintando suas unhas junto com aquele grupo de meninas, pois dele a sociedade espera
um comportamento masculino, ou seja, um papel sexual específico na sociedade e dentro
do seio daquela família. Ser masculino ou feminino, portanto, é um atributo cultural,
variando de sociedade para sociedade, de geração a geração.
A orientação sexual nos diz do desejo e atração sexual de uma pessoa em relação
a pessoas de sexo distinto ou semelhante ao seu, consideradas todas as suas variações
corporais, etárias, étnicas, etc. Portanto, se o desejo sexual se orienta para o sexo oposto
fala-se de heterossexualidade; se para o mesmo sexo fala-se de homossexualidade; e se
para ambos os sexos fala-se de bissexualidade. A orientação sexual, portanto, atravessa a
identidade de uma pessoa, sem, contudo, se resumir a esta. Assim é que, por exemplo,
se explica o fato de uma pessoa ter experiências de práticas sexuais heterossexuais, mas
em um determinado período de sua vida decidir-se por compartilhar sua história com
alguém de mesmo sexo biológico que o seu e vice-versa. O desejo se dirige, portanto,
a um objeto e não apenas a uma prática, onde esta passa a ser apenas a via pela qual se
chega ao objeto. Por exemplo, imaginemos uma mulher que busque confiança, carinho,
amorosidade e compreensão numa relação amorosa. Pode ocorrer que ela encontre isto
em um homem ou em uma mulher. São justamente estes objetos que a atraem e não
necessariamente os órgãos e atributos sexuais de uma pessoa. Neste caso, imaginemos
que esta mulher encontre estes objetos de satisfação de seus desejos em um homem.
Assim, ela será classificada socialmente de heterossexual, já que seu encontro carnal se
efetua com alguém de sexo genital diferente do seu. Mas isto não nos dará garantia de
que seu desejo por estes objetos de satisfação só possam ser encontrados nas relações
com homens ou ainda com aquele homem em específico.
Resumindo, nossos desejos se dirigem mais às sensações, emoções, imaterialidades
e sutilezas das relações humanas e menos aos genitais das pessoas. É fundamentalmente
por isto que o ato sexual não dá garantia de gozo e prazer sexual. Há que se encontrar
no ato sexual aquilo que motiva o erotismo: os objetos invisíveis da paixão, dos sen-
timentos, dos afetos. Cada um de nós tem os seus guardados em fantasias sexuais e
projetos de vida e felicidade.

Atuação militante: por que a escola e o que esperar dela?


A escola, enquanto um espaço de socialização secundária para crianças e adolescentes,
é um terreno fértil para a promoção da cidadania. É na escola que a criança terá o con-

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tato com a diversidade da cultura humana, por exemplo, percebendo que cada criança é
diferente uma da outra, que a “mãe de fulano é diferente da do ciclano”, que o “pai do
José é diferente do pai do Mário”, que o corpo dele é diferente do corpo do amigo e/ou
da amiga, enfim, na escola é que se aprende desde pequeno a ser gente, a ser humano, a
ser “civilizado”, a entender que o mundo é vasto, muito vasto, como diria Drummond.
Trabalhar com Educação Sexual nas escolas faz com que os alunos aumentem o
seu rendimento escolar, justamente porque muitas dúvidas são sanadas e porque os
alunos passam a ter mais confiança em si mesmos, pois compreendem melhor o seu
corpo, as suas histórias de opressões e desigualdades. Vão entendendo que muitas vezes
são estigmatizados não porque “nascerem maus ou bons”, mas porque há uma história
social, há processos de estigmatização que os precedem e marcam suas condutas, suas
emoções e suas atitudes de forma desigual.
Assim, espera-se que a escola deixe de ser um espaço de confinamento e discipli-
narização autoritária para se abrir ao conhecimento que o próprio aluno traz, visando a
construção de um conhecimento coletivo e consensual que seja mais rico em experiências
para todos. Deste modo, o aluno passa a ver a escola como mais lúdica e interessante.
E tão importante quanto isto é ensinar ao aluno que a saúde não é um assunto
exclusivo da Medicina, uma “coisa” que eu tenho e delego a alguém para outrem cuidar
quando algo vai mal. A saúde não é uma mercadoria, um produto, um objeto que eu
entrego nas mãos de alguém. Ela é um aprendizado, uma construção social, cultural e
histórica e que, portanto, cada sociedade constrói suas políticas de saúde, de corpo, de
regimes desejantes e, inclusive, de adoecimentos.
A esperança, a partir deste novo paradigma, é que as escolas consigam ensinar às
crianças e adolescentes que os(as) médicos(as) devem ser nossos aliados(as), pessoas que
sabem um pouco mais do que nós sobre o corpo humano não porque a Medicina é um
“saber divino” onde os médicos seriam, por dedução lógica, “semi-deuses”, mas porque
a Medicina é o saber que se interessa por se aprofundar pela saúde um pouco mais além
daquilo que nos é necessário saber para viver de bem conosco mesmo.
Por exemplo, sabemos que existe certa resistência por parte da maioria dos homens
para irem ao médico. E não são apenas dos homens que ultrapassam a idade de 40 anos
aos quais se é recomendado o exame de próstata. Primeiro, isto ocorre porque homem
não é bicho, é animal (biologicamente falando). Segundo, porque, parafraseando Si-
mone De Beauvoir, nós nos tornamos homens e/ou mulheres e nascemos masculinos
ou femininos. Isto é, a nossa condição biológica (M/F) é apropriada pela cultura, pelo
social de modo a nos moldar dentro das concepções e crenças (geralmente baseadas em
mitos e fantasias) sobre o que é ser homem e o que é ser mulher.
Logo, os homens vão menos ao médico do que as mulheres, pois sobre eles pesa a
violenta expectativa de seu gênero que faz com que esperemos deles que sejam sempre
fortes, “guerreiros” e instransponíveis. Assim, não podem compreender, por exemplo,
como um “bichinho minúsculo e invisível” como é o vírus da AIDS, possa matá-lo,
ou literalmente, “derrubar o seu corpo que, por força do imaginário social, ele sente
como sendo um corpão”. E mais, na relação com as mulheres, o homem é educado a ser
aquele que garante a força e a segurança da mulher. Deste modo, não passa pela cabeça
de muitos homens que uma mulher, mesmo que esta possa estar contaminada com o

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vírus da AIDS, venha a lhe “derrubar”. Assim, estes homens, aos quais pesa o “dever”
de serem mais fortes que as mulheres, não usam o preservativo na hora do prazer sexual.
Vejamos alguns dados de nossa pesquisa relativos a este tema. Quando indagamos
os/as adolescentes sobre a negociação do uso do preservativo, temos que para aqueles/
as que disseram já terem desejado usar camisinha com uma pessoa que não queria usar
(n = 316), 146 (46.2%) disseram ter usado o preservativo após entrar em entendimento
com o/a parceiro/a, sendo a maior proporção entre os heterossexuais, 135 (47.2%); 64
(20.3%) decidiram não fazer sexo – maior proporção entre os não-heterossexuais, 10
(33.3%); e 63 (19.9%) fizeram sexo com penetração e sem camisinha – maior proporção
também entre os não-heterossexuais, 7 (23.3%). O mesmo padrão foi verificado para o
recorte de sexo, sendo a primeira alternativa proporcionalmente maior entre os rapazes, 65
(48.5%), e as demais proporcionalmente maior entre as moças, 40 (22.0%) para ambas.
Na situação oposta, ou seja, entre aqueles que disseram já terem recusado usar cami-
sinha com alguém que o quisesse, 49 (49.5%) alegaram terem feito sexo com penetração e
sem camisinha (em 99 respondentes tendo uma proporção semelhante de respondentes
hetero e não-heterossexuais, 50.0%). Do restante, 28 (28.3%) foram convencido/as a
usá-la. Contexto semelhante apurou-se para o recorte de sexo, sendo as moças as que,
proporcionalmente, mais fizeram sexo com penetração e sem camisinha.
Como se pode perceber, a mulher tende a estar em desvantagem na utilização do
uso do preservativo, já que são as que mais fazem sexo com penetração sem preservativo.
Isto ocorre porque vivemos numa sociedade hierarquizada que subjuga a mulher ao
desejo dos homens, no caso, a não usar o preservativo.
Assim, em resumo, podemos dizer que os objetivos mínimos da Educação Sexual
nas escolas são: contribuir para a construção de uma autoestima positiva dos envolvidos;
informar as crianças e adolescentes de aspectos do funcionamento do corpo que possam
auxiliá-los para o desempenho de uma vida sexual cidadã; fornecer noções de autocuida-
do; desmistificar preconceitos sobre os prazeres sexuais; discutir semelhanças e diferenças
sexuais, isto é relações de gênero, visando a diminuição das desigualdades entre homens
e mulheres; marcar a originalidade e diversidade dos sexos e das orientações sexuais; e
desenvolver capacidades físicas visando o prazer que se pode ter com o próprio corpo.

Considerações Finais
No trabalho da Educação Sexual na escola, primeiro, é fundamental que a escola
como um todo (funcionários, professores, alunos e pais) discuta e reflita sobre a im-
portância deste assunto para a vida de todos, sobre a partir de qual paradigma irá se
trabalhar e quais temas deverão ser abordados (MILTON, 2001). Porém, trata-se, antes
de tudo, de decidir-se por quais temas, bem como sugerir novos, a partir da realidade
de cada escola.
A escola realizará melhor sua função de formar cidadãos para a cultura e para a
humanidade se puder entender quais são as resistências que as pessoas envolvidas no
projeto têm para lidar com este tema e puderem discutir isto abertamente.
Nenhum trabalho em Educação Sexual pode ser considerado potencialmente eficaz
se ocorrer enquanto um evento pontual, isolado ou de responsabilidade de uma única

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Educação Sexual nas escolas: um desafio ao educador e à educação brasileira

pessoa. É importante lembrar que saúde sexual é um direito do aluno e dever da escola,
portanto, necessita da participação coletiva na construção destes princípios, pontos de
vista e paradigmas.
Os melhores métodos para se trabalhar com Educação Sexual são aqueles que
priorizam a participação-reflexiva de forma interdisciplinar e transversal, que pode ser
alcançada por intermédio de estratégias como oficinas contextualizadas, isto é, que levem
em conta as demandas dos participantes. Também sugerimos que a escola desenvolva
parcerias com Organizações Governamentais (Ogs) e Não Governamentais (Ongs) e
Institutos Especializados na área de reconhecimento social, para terem consultoria nos
trabalhos e estratégias de ação. Assim, como saúde é uma conquista construída em
todos os dias de nossas vidas, este trabalho apenas poderá ser bem otimizado se ocorrer
enquanto um processo de Educação Continuada.
E, finalizando, qualquer um pode, a princípio, trabalhar com Educação Sexual,
mas é preciso estar aberto para o conhecimento do outro e de si próprio. É preciso ser
tolerante consigo mesmo, gostar de estudar e aprender coisas novas, não ter uma relação
“autoritária com o saber”, pois sexualidade é um aprendizado mutante; é preciso estar
disposto(a) a rever preconceitos, atitudes e crenças infundadas e, porque não, uma certa
dose de militância dirigida à Educação.
Os trabalhos com Educação Sexual têm produzido em nós, educadores, o resgate
de uma militância na potência da finalidade da Educação enquanto um poderoso dis-
positivo de transformação social. Um elemento que fragiliza as desigualdades sociais.
Uma militância que não tem como paradigma a lógica do mercado ou de qualquer
outro regime econômico. Trata-se de uma militância que crê que não se educa e não
se aprende apenas para se ter um emprego ou por conta de uma vocação profissional,
mas que se educa para a vida, para a cultura, para a cidadania, para a autonomia. Não
se trata, tampouco, de uma militância que segura em armas. Outrossim, trata-se de
uma militância que passeia nas sutilezas das palavras, nas delicadezas intempestivas dos
gestos, nas malícias e indiscernibilidades dos olhares, enfim, nos sentidos, nas sensações,
nas emoções e no “jogo de corpo”.
Assim, a ação do educador se faz com o cuidado com as palavras, com a precisão
cirúrgica dos gestos, da entonação da voz, das intenções dos olhares, enfim, com o
corpo, matrix da sexualidade, expressão da cultura, história de práticas e costumes,
pulsação de desejo.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

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Estudos queer e práticas
singularizadoras: potencialidades
da psicologia em execução penal

Cíntia Helena dos Santos1

Este trabalho resulta de um recorte de pesquisa de doutorado que investiga


os processos de subjetivação dos funcionários que atuam no Sistema Penitenciário
do Paraná, e tem como categoria de análise as tecnologias de gênero, em especial
as masculinidades. O referido projeto justifica-se pelos encontros, desencontros
e confrontos ocorridos durante a atuação por 15 anos desta pesquisadora no
Sistema Penitenciário como psicóloga, e também na sua articulação com os
impasses contemporâneos do Sistema Penitenciário e em que estes se relacionam
com a Segurança Pública no país.
Embora qualquer levantamento histórico demonstre a inoperância da pena
privativa de liberdade, no Brasil e em diversos países, ela é a forma dominante
de punição, fato que se agrava se considerarmos que os próprios idealizadores
de tal medida e seus contemporâneos já conheciam sua disfuncionalidade para
o indivíduo e para a sociedade.
No entanto, mesmo que juristas e criminólogos possam construir teorias
bastante convincentes em relação à necessidade de acabar com as prisões, e que
venham a convencer aqueles que efetivamente tem poder para tanto, atualmente,
existem milhares de pessoas encarceradas, e outras tantas que delas se ocupam,
que necessitam de alternativas para alcançar um tratamento penal que ultrapasse
a repetição do binômio médico-punitivo.
Este binômio tratar-punir opera em extremos opostos, e nada faz além de
perpetuar a pena de prisão como um aprisionamento recorrente daquele que
delinquiu, imprimindo angústia constante naqueles que deles se ocupam pela
frustração de não ter objetivos claros e possíveis no trabalho que executam.
A Prisão, produto da sociedade disciplinar/normatizadora, produz efeitos nos
encarcerados e funcionários. Neste sentido, o presente recorte da pesquisa propõe,
considerando os impactos da lógica prisional, de vigilância e controle, nas histórias
de vida das pessoas presas e dos profissionais que delas se ocupam, refletir sobre
as particularidades, limites e potencialidades da Psicologia no Sistema Prisional.
A metodologia utilizada foi analisar os discursos de funcionários, presos,
estagiários e psicólogos das unidades penais, obtidos mediante realização de
entrevistas e diários de campo. Desde um inclinar-se sobre a prisão e como esta

1 Unesp - Assis

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

se inscreveu como instituição e campo subjetivo, delineamos o surgimento da prisão e


qual o seu lugar na produção de subjetividades contemporânea. Para além da escuta das
pessoas, a análise dos encontros onde construímos estes espaços de escuta nos permitiu
pensar na potência de uma Psicologia que possibilite às pessoas, presos, funcionários
ou pesquisadores questionar cristalizações produzidas pelas construções sóciohistóricas
que nos engendram, escapando em direção a uma forma de existência mais criativa e
produtiva em detrimento daquela produzida pelas lógicas normatizadoras em operação.

Da Prisão
Durante a Idade Média temos a sociedade organizada e caracterizada em torno de
uma lógica de produção feudal, pautada também sob uma visão de mundo teológica. A
Idade Moderna, séc. XVIII e XIX, inicia-se a partir do ideário da Revolução Francesa de
1779, empreendendo o discurso de luta por igualdade, fraternidade e liberdade, o que
culminou no surgimento da revolução industrial. Neste contexto, almeja-se o aumento
da produção para maior obtenção de lucro, visando, em torno da lógica da propriedade
privada, a acumulação de capital. Temos na Modernidade a ênfase sobre a “razão” e no
conhecimento científico, configurando uma nova visão de mundo, conhecido como
Iluminismo, período das luzes, se opondo à Idade Média, agora chamada, idade das
trevas. Com a nova organização social em torno do trabalho industrial, um panorama
social diferente começa a se configurar, com nova organização política, social e subjetiva
(OUTEIRAL, 2003).
A urgência do estado moderno, na lógica capitalista, faz com que se invistam forças
para que haja o desaparecimento das diferenças individuais no intuito de produzir indi-
víduos iguais e normatizados. É a época marcada pela construção da ideia de indivíduo,
onde o mesmo torna-se alvo e efeito privilegiado das intervenções e investimentos da
sociedade burguesa. Benevides (1994, apud Barros e Josephson, 2007, p. 441) vem nos
conceituar este momento dizendo que:

O modo de produção capitalista investe, como outros modos de produ-


ção expressos em outros momentos, na produção de determinadas for-
mas de subjetividade de tal forma a garantir sua continuidade e expansão.
Assim é que certos modos de existência passam a ser hegemônicos porque
são, ao mesmo tempo, produto e produtores do próprio modo de pro-
dução e reprodução do capital. A esses modos de existência, próprios do
modo de produção capitalista, chamamos MODO-INDIVÍDUO.

Assim, para que o motor da nova engrenagem de produção pudesse funcionar,


organiza-se toda uma tecnologia que toma o corpo do indivíduo como peça principal
do sistema industrial capitalista, assegurando, assim, seu funcionamento (BARROS E
JOSEPHSON, 2007). Para tanto, a sociedade passa a ser entendida como um todo,
composta pela soma dos indivíduos que devem trabalhar para viabilizar interesses
individuais.
Nesta conjuntura, na construção de um novo modo de produção e de um novo
modo-indivíduo de existir, a ciência foi fundamental, através da articulação com o
estado e da criação de discursos e práticas adestradoras, que tomam principalmente as

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Estudos queer e práticas singularizadoras: potencialidades da psicologia em execução penal

questões biológicas (natalidade, mortalidade e etc) do indivíduo como uma problemática


do estado, para controle da população.
É a medicina social ou estratégia biopolítica que, conforme denominou Foucault
(1979), foi criada para regular e organizar as massas, contendo as agitações sociais
advindas do aumento populacional nas grandes cidades, que passa por um contexto
novo de mercado e produção, e assim, consequente desemprego, escassez de alimento
e moradia, decorrentes também da superpopulação, assim como analisam os autores:

O Estado desempenhará o papel de orquestrador-produtor dessa ope-


ração biopolítica, com auxílio da tecnologia disciplinar operada pela
medicina, que agregava médicos, cientistas e outros profissionais e
funcionava como uma polícia, pois não só difundia as normas para os
cuidados com a saúde e a higiene, como também controlava sua correta
aplicação (BARROS E JOSEPHSON, 2007, p. 443).

Ou seja, através de estratégias biopolíticas ocorre a captura da subjetividade na nova


maneira de gerir os homens, administrando e disciplinando os corpos e a população.
“Aumentando sua utilidade e enquadramento em um sistema invisível de ordenação da
subjetividade”. (BARROS E JOSEPHSON, 2007, p. 443).
Assim constitui-se, como denominou Foucault, a “sociedade disciplinar”, baseada
em estruturas de vigilância contínua e anônima, que vão fixar e regular os movimentos
e ações de cada um através também de técnicas de fixação dos indivíduos em lugares
específicos (hospitais, escolas, presídios, asilos, fábricas, conventos, etc.). Foucault (1999,
p. 119) pontua que:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma


arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas ha-
bilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de
uma relação que no mesmo mecanismo o torna mais obediente quanto
é mais útil.

Para obter controle maior da população é preciso produzir indivíduos iguais, com
desejos, aspirações e temores similares, se tornando um corpo disciplinado, “útil” e
“dócil”. (FOUCAULT, 1999). Para tanto, faz-se necessária a regulamentação de práticas
disciplinares, que a todo o momento vão constituir um modo de vigilância permanente
da sociedade, visando examinar, classificar, regular e distribuir os indivíduos no espaço
social. Como diz Foucault (1999, p. 118): “É dócil um corpo que pode ser submetido,
que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.
Foucault (1999, p. 195) analisa que esta lógica:

(...) elabora por todo corpo social, os processos para repartir os indi-
víduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles
o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codi-
ficar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem
lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação,
registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se
centraliza.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

A partir deste momento instauram-se Instituições, entidades abstratas, que servem


para vigorar e cumprir a função de regular a vida humana. Baremblitt (1992, p. 27)
define o conceito de instituição dizendo que:

As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segun-


do a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem
ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem
ser pautas, regularidades de comportamento.

Toda instituição toma parte do tempo e do interesse do indivíduo, funcionando


através de mecanismos de poder e dominação, distribuindo e regulando os indivíduos
em um mesmo movimento dos corpos. “Uma disposição básica da sociedade moder-
na é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com
diferentes coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral”
(GOFFMAN, 1961, p. 17).
O autor ainda pontua que “toda instituição tem tendência ao “fechamento”, com
a finalidade de vigiar as pessoas, visando, principalmente, prepará-las e discipliná-las
para a produção e para atender as demandas do novo sistema econômico emergente”.
Assim como analisa o autor:

Seu “fechamento” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à re-


lação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas
vezes estão incluídas no mesmo esquema físico – por exemplo, portas
fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, floresta ou pânta-
nos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais (GOFF-
MAN, 1961, p. 16)

Deleuze (1990) pontua que estas instituições fechadas ou instituições totais são
meios de confinamento nos quais os indivíduos não cessam de passar de um espaço
fechado a outro, numa rede de vigilância e correção.
A partir desta lógica, temos a Instituição Prisão, no qual Deleuze (1990, p. 219)
nos diz, retomando Foucault, “ser o meio de confinamento por excelência” que surge
na Europa no final do século XVIII, e princípio do século XIX, instituída no lugar da
condenação por suplícios, como um novo mecanismo para corrigir os homens.
Foucault (1999, p. 31) descreve como era este tipo de condenação regida até ser
instituída a prisão:

O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só:


esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de sofri-
mento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com
a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas víti-
mas. Há um código jurídico da dor; a pena, quando é supliciante, não
se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é calculada de acordo
com as regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do
ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal
decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez
de deixá-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade

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deve intervir), tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou


língua furados). Todos esses diversos elementos multiplicam as penas e
se combinam de acordo com os tribunais e os crimes.

Até esta época, a história foi marcada por punições dirigidas ao corpo do condena-
do. O corpo supliciado, amputado, esquartejado, marcado simbolicamente no rosto ou
no ombro, exposto vivo ou morto, era dado como um espetáculo através de punições
físicas que serviam de exemplo e como objeto repressor. (FOUCAULT, 1999). Como
ressalta o autor:

Nas cerimônias do suplício, o personagem principal é o povo, cuja re-


presentação real e imediata é requerida para sua realização. Um suplício
que tivesse sido conhecido, mas cujo desenrolar houvesse sido secre-
to, não teria sentido. Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a
consciência de que a menor infração corria sério risco de punição; mas
provocando um efeito de terror pelo espetáculo do poder tripudiando
sobre o culpado (FOUCAULT, 1999, p. 49).

Aos poucos, o espetáculo da punição física vai saindo de cena, partindo da nova
conjuntura do estado e do novo contexto social. O suplício passou a ser visto e colocado
no mesmo nível do crime cometido, no qual comparavam o carrasco ao criminoso:

(...) ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime man-
tinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassan-
do em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de
que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos
crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos as-
sassinos (FOUCAULT, 1999, p. 13).

O estado não queria mais carregar o peso e a responsabilidade desta comparação. A


proposta era colocar a prisão como um processo de humanização das punições. Desta
forma, a justiça deixa de assumir publicamente parte da violência ligada ao seu exercício.
Para tanto, a privação de liberdade teria a ideia de ser um castigo igualitário, com
o objetivo de transformar e recuperar os indivíduos. Não tocar mais no corpo, dirigin-
do a punição ou o castigo agora à alma. Alma esta que habita e que leva o indivíduo
à existência. “Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer
sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação
merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de
novos arranjos com maior profundidade?” (FOUCAULT, 1999, p. 12).
Este tipo particular de poder que se engendra na lógica da prisão é configurado
como peça fundamental no conjunto das punições, no qual a configuração histórica
que se contextualiza com a nova noção de indivíduo retira a pena ou o castigo dirigido
ao corpo do condenado, para uma racionalidade diferente de punição, através da disci-
plina dos corpos. Mesmo antes que a lei definisse a prisão como a pena por excelência,
ela foi criada pela aparelhagem para tornar os indivíduos úteis e dóceis, através de um
trabalho preciso sobre seu corpo:

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

A punição vai tornando, pois, a parte mais velada do processo penal,


provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase
diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua
fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que
deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a
mecânica exemplar da punição muda as engrenagens (FOUCAULT,
1999, p. 13).

Este sistema de aprisionamento supõe e se fundamenta como um aparelho de corri-


gir, reformar e transformar indivíduos. Mas assim como Dostoievski (apud Mameluque,
2006, p. 626), relatando suas memórias do cárcere, em que afirma: (...) “O famoso
sistema celular só atinge um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo,
enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e, no fim, apresenta-no-lo como mo-
delo de correção, de arrependimento, uma múmia moralmente dissecada e semilouca”.
Foucault (1999, p. 132-133) descreveu o clima de obviedade e disfunção da lógica
da prisão dizendo que:

O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo que o pró-


prio projeto. Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transfor-
mar o criminoso em gente honesta, serve apenas para fabricar novos
criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então
que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização
estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delin-
quentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico
como no político.

A equipe dirigente
A partir deste contexto, temos as pessoas que irão custodiar esta população carcerária.
A equipe dirigente, um pessoal especializado, indispensável e constantemente presente
para garantir o funcionamento e a execução da pena.
As instituições totais possuem características que interferem tanto no aspecto físico
da própria instituição, quanto nos aspectos subjetivos, relacionados aos indivíduos,
institucionalizados, encarcerados ou não. Segundo Goffman (1961, p. 11):

(...) uma instituição total pode ser definida como um local de residência
e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação seme-
lhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de
tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.

Este espaço institucional é muito bem dividido, ocupado por dois estratos sociais
grosseiramente limitados e imobilizados, um grande grupo controlado e uma pequena
equipe de supervisores. Estes dois grupos assumem estereótipos distintos, pois enquanto
os internos tendem a sentir-se inferiores, fracos, censuráveis e culpados, a equipe dirigente
tende a sentir-se superior e correta.
As instituições totais tendem a suprimir os indivíduos que lá vivem, seja na con-
dição de encarcerados ou na condição de funcionários, ainda que de formas diferentes.

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Estudos queer e práticas singularizadoras: potencialidades da psicologia em execução penal

Os funcionários que trabalham nessas instituições, no caso da prisão, em razão de um


ambiente tenso e hostil vivenciam constantes fatos que implicam na intervenção direta
e imediata, o que lhes trazem as mais diversas experiências, produzindo impacto à
subjetividade dos mesmos.
Referindo-se ao grupo de internados e ao que os dirige, GOFFMAN (1961, p. 18)
diz que “(...) o fato é que um é feito para o outro (...)”. O grupo recluso sempre tenderá
a ver no agente penitenciário o impeditivo de suas intenções e ações, a barreira que
estabelece todos os seus limites. Não obstante, agentes penitenciários e pessoas presas
convivem diariamente e conhecem um pouco mais do outro todos os dias. Esta interação,
ainda que incipiente, hierarquizada e carregada de cautela, não necessariamente impede
que funcionários e presos se vinculem, mesmo que de forma sutil, velada.
Pela busca de sentido em seu trabalho, os funcionários criam estratégias, teorias, algo
que os organize, que justifique sua prática. Ferramentas que sejam eficazes no encontro
de coerência em sua atividade. Para Goffman (1961, p. 80):

A equipe dirigente tende a criar o que se poderia considerar uma teoria


da natureza humana. Como uma parte implícita da perspectiva institu-
cional, essa teoria racionaliza a atividade, dá meios sutis para manter a
distância social com relação aos internados e uma interpretação estereo-
tipada deles, bem como para justificar o tratamento que lhes é imposto.

Entre o fazer e o dever fazer, afirma Goffman (1961, p. 69) que “esta contradição
entre o que a instituição realmente faz e aquilo que oficialmente deve dizer que faz,
constitui o contexto básico da atividade diária da equipe dirigente”. Encarregados de
manter a segurança e a disciplina nas prisões, o contexto destes funcionários é demar-
cado por um distanciamento importante entre a organização do trabalho prescrito e a
organização do trabalho real, feito.

Estudos Queer e Psicologia na Prisão


Eu, uma psicóloga, mesmo entrando diariamente por 16 anos em uma peniten-
ciária composta na grande maioria por homens, quer presos ou funcionários, durante
o percurso desta pesquisa conheci certo modo de composição de território que aqui
denomino A Casa dos Homens. Esta experimentação me fez sentir os violentos impactos
dos encontros. Venho de uma trajetória de estudos e trabalho ligados à questão peni-
tenciária. Neste caminho, iniciado por estudos em filosofia e psicanálise, destacam-se
dois encontros transformadores: com Foucault na ocasião do mestrado, e agora, no
doutorado, com os estudos de gênero. Rolnik (1993, p. 241) bem diz destes encontros
que nos desassossegam:

Pois bem, no visível há uma relação entre um eu e um ou vários outros


(como disse, não só humanos), unidades separáveis e independentes;
mas no invisível, o que há é uma textura (ontológica) que vai se fazendo
dos fluxos que constituem nossa composição atual, conectando-se com
outros fluxos, somando-se e esboçando outras composições. Tais com-
posições, a partir de um certo limiar, geram em nós estados inéditos,

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

inteiramente estranhos em relação àquilo de que é feita a consistência


subjetiva de nossa atual figura. Rompe-se assim o equilíbrio desta nossa
atual figura, tremem seus contornos. Podemos dizer que a cada vez que
isto acontece, é uma violência vivida por nosso corpo em sua forma
atual, pois nos desestabiliza e nos coloca a exigência de criarmos um
novo corpo - em nossa existência, em nosso modo de sentir, de pensar,
de agir, etc. - que venha encarnar este estado inédito que se fez em nós.
E a cada vez que respondemos à exigência imposta por um destes esta-
dos, nos tornamos outros...o que estou chamando de marca são exata-
mente estes estados inéditos que se produzem em nosso corpo, a partir
das composições que vamos vivendo. Cada um destes estados constitui
uma diferença que instaura uma abertura para a criação de um novo
corpo, o que significa que as marcas são sempre gênese de um devir.

O primeiro encontro foi com o trabalho de Foucault, que foi matriz epistemológica
para que eu trabalhasse uma genealogia da prática psicológica da prisão como pesquisa
de mestrado. Considero-o uma marca, porque minha prática e minha vida se tornaram
outras depois dele. Para dimensionar essas modificações é preciso historiar o processo
subjetivo de construir uma “identidade” de psicóloga na prisão para se apreender a
forma como ela foi desconstruída no encontro.
Tendo iniciado as atividades como psicóloga da Penitenciária com uma formação
eminentemente clínica de orientação psicanalítica, logo no início já me encontrei com
um real para além do que os estudos e trabalhos psicanalíticos puderam me alicerçar.
Com dois meses de trabalho uma pessoa presa me disse, durante um atendimento psi-
cológico, que estavam cavando um buraco na cela onde ele estava. Perguntado sobre
o porquê estava me dizendo aquilo, respondeu que era para que alguém, além dele
mesmo, soubesse que ele não estava envolvido. Se o buraco fosse descoberto, ele teria
que assumir junto com os outros e se não, teria que assumir sozinho porque não fugiria
e então responderia pelo que os outros tinham feito. Ele não me pediu nada. O que
eu poderia fazer? Melhor, minha questão era: o que pode a Psicologia neste contexto?
Quanto de real, desconexo, violento e irracional a Psicologia aguenta?
Mesmo no desassossego momentâneo destas questões, busquei supervisão e ferra-
mentas na Psicanálise. Caminhava em uma zona de relativo conforto quando, ao ser
aceita no mestrado, o orientador me indica a obra de Michel Foucault como matriz
epistemológica e me pede para retirar todos os conceitos e ferramentas psicanalíticos
que constavam do projeto. Após o misto de raiva e susto, pude, dolorida, mas produ-
tivamente, encontrar-me com o modo como as práticas psicológicas operam na prisão;
como as práticas/dispositivos de segurança, de disciplina e de controle engendram a
produção de corpos dóceis e úteis, de subjetividades submissas, moldadas para ratificar
a hegemonia de uns em detrimento de outros. Além disso, colaboram na produção de
saberes que sutilizam o poder para dificultar as resistências. Confesso que me senti uma
“tonfa” (espécie de cassetete usado nas penitenciárias) de algodão.
Quanto ao segundo encontro, ao apresentar o Projeto durante a seleção para o
doutorado, uma pergunta iniciaria o desassossego: Poderíamos incluir as sexualidades
e gênero neste projeto? Ainda sem a menor dimensão do que seria, mas dada a desa-
fios, disse que sim. Os desdobramentos do percurso me mostraram o tamanho desta

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Estudos queer e práticas singularizadoras: potencialidades da psicologia em execução penal

pergunta. O caminho advindo de minha resposta à violenta desestabilização exigiu de


mim um outro corpo, e desde aí um outro olhar, escuta, afetos, relações, pensamentos,
questões. Daí então não mais olhar para uma prisão, e nem para “A Casa dos Homens”
como trabalha Welzer-Lang (2004), mas para os processos de subjetivação que cons-
troem e, ouso dizer, destroem estes homens, me fez modificar os caminhos e escolhas
de pesquisa e trabalho.
Além das Masculinidades, o encontro com os estudos queer fez contornos novos
quanto à reflexão sobre a Psicologia na prisão, considerando que o queer questiona mes-
mo os binarismos dos quais as teorias sobre as masculinidades se originam, desafiando
o próprio regime da sexualidade, as teorias que as pessoas produzem sobre si marcadas
como sexuadas e atravessadas pelos gêneros.
Destaco que pessoas presas e funcionários compartilham com os homossexuais uma
autocompreensão fundada na experiência da vergonha, subjetividades fundadas, como
diz Miskolci (2011), “no temor de serem socialmente marcados como perigosos ou
sob suspeita”. Nesta perspectiva da experiência de abjeção, a Teoria Queer propõe uma
outra forma de crítica política. Ainda conforme Miskolci (2011), para além de criticar
ou ter como foco as mentiras e incorreções das manifestações homofóbicas, os queer
preferem iluminar as estratégias que o sistema saber-poder constrói para legitimar as
heterossexualidades como hegemônicas. Pensando a Teoria Queer aplicada ao trabalho
da Psicologia dentro da prisão, seria algo como desfocar dos discursos protetivos que
vitimizam e dos fatalistas que demonizam ora as pessoas presas ora os funcionários, na
direção de refletir acerca das relações de poder-saber que legitimam uns e tornam abjetos
outros discursos e corpos que habitam a prisão. Fazer e provocar esta reflexão potencia-
liza a Psicologia como prática singularizadora, escapando assim do lugar classificatório,
estigmatizante, disciplinar, enfim, normatizador que ainda hoje ela ocupa nas prisões.
Finalizando, destaco os desdobramentos possíveis da Teoria Queer: além das
estilísticas de existências ligadas às sexualidades às quais ela amplia ao desconstruir as
hegemonias postas, ela potencializa problematizar cristalizações que engessam, e por
que não dizer, aprisionam, o trabalho com pessoas nas mais diversas situações. Que a
Psicologia se torne cada vez mais queer, podendo assim ser mais potente ao trabalhar
com pessoas nesta contemporaneidade com subjetividades e contextos que cada vez mais
desafiam os binarismos cristalizados que baseiam os corpos dóceis e úteis utilizados na
construção da sociedade disciplinar.

Bibliografia
BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
BARROS, R. B.; JOSEPHSON, S. Lares Abrigados: dispositivo clínico-político no impasse
da relação com a cidade. Londrina: Saúde em Debate, 2007.
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1998.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20º Ed. Petrópolis: Vozes, 1987/1999.
GOFFMAN, I. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed Perspectiva, 1961.
MAMELUQUE, M. G. C. A. Subjetividade do encarcerado: um desafio para a psicologia.
Artigo: Psicologia Ciência e Profissão. 2006.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

MISKOLCI, R. Não ao sexo rei: da estética da existência foucaultiana à política queer. In:
SOUZA, L.A.F; SABATINE, T.T.; MAGALHÃES, B.R. (org) Michel Foucault: sexualidade,
corpo e direito. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
OUTEIRAL, J. Adolescência, modernidade e pós-modernidade. In: Adolescer- Estudo revisado.
Rio de Janeiro: Ed. Revinter, 2003.
ROLNIK, S. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho
acadêmico. São Paulo: Cadernos de Subjetividade PUC-SP, vol 1, n 2, 214-251, 1993.
WELZER-LANG, D. Os homens e o masculino numa perspectiva de relações sociais de
sexo. In: SCHPUN, M.R. (org). Masculinidades. São Paulo: Boitempo Editorial; Santa Cruz
do Sul, Edunisc, 2004.

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Matéria monstra: digressões
esquizoanalíticas da Figura
Paola Zordan

“na base de cada corpo vivo há um buraco abissal e um anjo


que pouco a pouco o preenche a partir das cavidades de
eternidade e que tenta, por submersão, tomar seu lugar.”1

1 ARTAUD, 1986, p. 121.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

A psicanálise não cansa de sobrecodificar2 a Figura dos monstros nas matérias do


inconsciente. Inexprimível desejo negado, o inconsciente psicanalítico é uma tumba
ocupada por um fantasma eternamente culpado cuja penitência é não poder realizar
a queixa da própria degradação. Drama perverso, essa ideia de inconsciente é fundada
nos interditos da Lei, que funciona como lâmina da castração, palavra de ordem, código
de marcação, qualquer tipo de barreira imposta pela linguagem que funcione como
impedimento ao livre curso do desejo. O desejo psicanalítico é concebido como falta,
espécie de vazio que nunca se preenche, de modo que o inconsciente, que aí já é uma
espécie de ser do desejo, acaba reduzido ao horror do buraco. Falo às avessas, o buraco
representa um tipo de medo perpétuo, cheio de ressentimentos, opressões: o problema
psíquico típico é aquele que gira em torno dessa falta abissal, produtora de uma angústia
que só consegue ser apaziguada quando consegue dar ao buraco uma cara. A solução do
problema parece estar sempre na descoberta daquilo que se mete no buraco, “conteúdos”
recalcados da matéria psíquica, sublimações do próprio problema. Entretanto, mesmo
reconhecendo no buraco uma feição, sua “cara”, o rosto do buraco nos apavora. O furo
é interminável e o fantasma não cansa de se lastimar. Tudo é túmulo significante e cova
subjetivada, papai e mamãe, Édipo.
Para a esquizoanálise, o Édipo e seus buracos são agenciamentos de estratificação do
desejo. O sistema da rostidade, cara de buraco, aparece em Mil platôs para cartografar
a zonas estratificadas onde habitam as subjetividades e suas tramas de significações.
“Conto de terror” (Deleuze; Guattari, 2004, p. 32), redundância que aloja as paixões,
a consciência e todo tipo de signos, o sujeito é uma composição de buracos negros no
enorme muro branco da linguagem. A subjetividade é um diagrama incerto sobre a
tela vazia, folha em branco que Deleuze mostra ser povoada de clichês. Tela, muro,
papel vazio, o buraco é sempre uma questão de superfície, de sombras e projeções. É
certo que a superfície pressupõe no mínimo uma triangulação, pois são necessários
três pontos para estabelecer a altura e a largura de um plano bidimensional. Olho de
Deus, trindade, triângulo: os estratos dos estratos. Atrás do Édipo se esconde o Saturno
engolidor: tempo cronológico que inexoravelmente marca e que mata. Perpétuo drama
do sujeito engolfado por “ordem de razões” (Deleuze; Guattari, 2004 p. 35). É a razão
que cria as figurações monstruosas que assombram as atividades vigilantes (mesmo as
da vigília, que está implícita no sonho, essa atividade de uma razão que nunca dorme)3:
neurose obsessiva que mascara a dureza do exílio titânico, triste abandono de Saturno
nas profundezas do Tártaro. Ingenuamente, o monstro ganha a cara de conteúdos
psíquicos, o fundo escuro e abissal onde se escondem potências malévolas que a razão
teme ad infinitum não estarem adormecidas. Mas, sobre esse problema (ainda não se saiu
do buraco), a psicanálise sempre esbarra no mesmo beco-sem-saída: nada se consegue

2 Aspecto determinado que reterritorializa os códigos, num processo transcodificador que é uma espécie relativa de dester-
ritorialização, sobre as desterritorializações absolutas.
3 Ao desconstruírem as figurações que revestem o inconsciente psicanalítico (escuro, recalcado, etc), Deleuze e Guattari,
em O Anti Édipo: capitalismo e esquizofrenia, obra propulsora do que hoje se configura como a esquizoanálise, fazem
alusão a Rousseau para mostrar o não antropomorfismo da natureza e dos horrores engendrados por um inconsciente
imanente à infraestrutura dos corpos. Revertem o dito da gravura de Goya, aqui ilustrada, explicando que os monstros
não são engendrados pelo sono da razão e sim pela “racionalidade vigilante e cheia de insônias” (1996, p. 117). Cf.
Francisco de Goya, gravura em metal n.º 43 da série Los Caprichos, 1799.

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

extrair do abismo, dentro dele nada sai, do inconsciente nada se tira, mesmo que tudo
caiba dentro do buraco.
A esquizoanálise surge nesse furo, ânus solar que brilha sobre o Anti-Édipo, para
mostrar que a aporia em que a psicanálise se mete é o próprio modelo de inconsciente
que esta estruturou. Deleuze e Guattari juntam suas forças para mostrar que não há
um modelo de inconsciente, assim como não existem “conteúdos” inconscientes, muito
menos suas identificações (olho de górgona que petrifica o sujeito no “eu”). O desejo,
fluxo que move a máquina abstrata inconsciente, não tem nada a ver com a falta e com
os códigos estabelecidos pela linguagem e por isso não cabe dentro de subjetivação ne-
nhuma, a ponto de jamais ser representando. O desejo, potência ativa que não possui
nenhuma determinação, apenas passa e impele as forças em jogo, de acordo com as
voluptuosidades que lhe são próprias. Pode-se dizer que a única lei do inconsciente é a
volutiva, axioma ontológico da desterritorialização (regra da alegria, devir-imperceptível).
O desejo tem sua razão de ser no movimento, é sempre uma linha de fuga (regra nômade,
devir-impessoal) que ultrapassa a razão para brincar com a loucura, desemaranhar os
fios das ontogenias animais, vegetais, a organização molecular das pedras e dos cristais,
dos sistemas orgânicos, para seguir linhas de crianças e palhaços e criar seres de sensação
(regra da leveza, devir-indiscernível). A perspectiva esquizoanalítica pensa o inconsciente
como produção de agenciamentos desejantes que são modos de funcionamento e não
fantasmas, uma máquina criadora de dispositivos de vontade e não depósito de projeções.
Ao invés de ser a efígie impossível do “insondável”, o monstro é efeito de uma língua
“cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos” (Deleuze;
Guattari, 2004, p. 32). Sob o rosto não visto de Deus, o monstro revoluto é o movimento
que gera conflito no espalhar das forças. Funciona como máquina produtora de tensões,
de afectos que passam a compor arranjos de força específicos, diferenciados entre si. O
monstro é sempre uma multiplicidade cheia de paradoxos. No cristianismo, a Figura
dos monstros faz gritar o apelo panteísta, enquanto a teleologia mítica atesta que, por
maior que seja a dimensão fabulosa do monstro, sua figuração é sempre a menor. É a
Figura que tem menos potência, não brilha, não goza, não tem poder. Na iconografia
e nos mitos, o monstro é sempre o elemento coadjuvante, apesar de seu enfrentamento
ser sempre o motivo principal. Animal insurrecto, a besta ou fera que dá corpo para o
monstro não ama e não é amada. Tudo isso carimbado com a crença no castigo, paga-
mento de uma dívida devida por falta de amor. Não é ídolo e só aparece na iconografia
tradicional na posição de subjugado (cobra sob os pés da Virgem, dragão na ponta da
lança de São Jorge, demônio fustigado por São Miguel).
Criação heteróclita, o monstro constitui-se a partir de elementos da natureza, os
quais inverte, paralisa, exaure ou destrói. Ao cortar o suposto curso natural de uma
matéria que se presume ordenada, o monstro tanto aprisiona quanto libera as forças da
vida e da morte. É sobre esta relação, entre diferentes naturezas ou da própria natureza
com algo diferente, artificial e antinatural, que a monstruosidade se define. Não pela
ideia de algo que está além, “sobre” a natureza, mas sim daquilo que, junto à natureza,
cria alguma coisa outra, diferente. Uma diferença sentida no estado das coisas, de modo
que o monstro sempre ocupa um corpo, mesmo que etéreo, invisível, microscópico,
fluídico, paradoxalmente incorporal. O que é incorpóreo no monstro é a discrepância

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

das grandezas e o potencial de aparição para as mais absurdas distorções que não saem do
corpo: deformação, mutilação, degenerescência. Vulnerabilidade das carnes, o monstro
é “uma forma- suspensa entre formas- que ameaça explodir toda e qualquer distinção”
(Cohen, 2000, p. 30). Como aberração da natureza ou espetáculo de violência, o
monstruoso se presta a produzir imagens da corrupção da carne e de todos os perigos
e delícias que rondam os corpos. O perigo do monstro não é a queda abissal da morte,
mas os equívocos e as incoerências do corpo e suas constantes dissoluções.
Algo acontece com os corpos divididos, multiplicados, que somam uma parte à
outra e subtraem seus pedaços. Várias cabeças, dezenas de olhos, órgãos que se repetem,
exageros de números e de partes. Corpos que se dividem e se esfacelam, degradam-se, se
decompõem. Prolífero, o corpo-monstro aparece nas coletividades incontroláveis e no
agigantamento: é sempre marcado pelo excesso. Não apenas em termos de abundância
como também de ausência, pela supressão de partes ou pela inexistência de membros:
“quem não tem braços nem pernas, como uma cobra, é um monstro”, explica Foucault
em uma de suas aulas do seminário Os anormais (2001, p. 79). A definição do mons-
tro híbrido, mistura de reinos e categorias evocada por Foucault vem de Michaux,
considerado “grande mestre do monstruoso”, na extensa pesquisa de Gilbert Lascault
sobre os monstros na arte ocidental (1973). Para os enciclopedistas do século XVIII, o
monstro é o “animal com conformação contrária à ordem da natureza ou com alguma
parte diferente daquelas que caracterizam a espécie da qual faz parte” (Lascault, 1973,
p. 56). Produção maquínica dos corpos, positividade esquizo dos fluxos desejantes, o
monstro surge na troca e no excesso de elementos, nos contágios e nas misturas, no
indiscernível do devir. Cultuado nas encruzilhadas, o monstro exprime um lugar de
encontros, de linhas que se cortam, se unem ou se bifurcam. Personagem que desenrola
um plano meio inconsistente, o monstro trata do encontro com o inesperado, com o
ato desestabilizador, violência do fora, essa experiência de um morrer que não é o fim.
Embora apareça com certa discrição nos monumentos da arte, difuso no meio dos
elementos da decoração, o monstro figura uma regra ontológica do seu funcionamento
artista: enfrentar a ameaça, o outro, o esquisito, neutralizar seu potencial destrutivo,
dominar a matéria. Não é feita a arte, tal qual o monstro, de loucas combinações entre
corpos cujos aspectos e ações desorganizam as organizações? Como a arte, o monstro
é matéria, substância infinita desterritorializante e desterritorializada, afirmação de
uma força que ignora as leis da razão, mesmo quando cria regras para modular suas
sensações. Independente da finalidade para a qual um monstro é criado, sua Figura
funciona sempre como dispositivo doutrinário. A função pedagógica do monstro não
é apenas ensinar a moral dicotômica pregada pela Igreja, mas principalmente fornecer
amostragens da arte mesma que delira sobre os aportes que a lenda lhe dá. Exercícios
das virtudes divinas bem ao gosto do povo, os monstros animam as criações grotescas
da arte “sem educação”, dos bárbaros construtores de catedrais. Isto não apenas no
gótico, mas em todos os estilos de monumentos, sob os quais o paganismo geme e se
faz exumar. Qualquer arte que crie seres de sensação com devires-animalescos, Figuras
infernais e fabulosas que arrancam suas faces superficiais para fazer gritar a mistura de
concavidades e calombos em jogo nos volumes dos corpos. Mesmo gigante um monstro

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

é molecular. Corpo menor, mesmo molécula o monstro nunca deixa de devir-animal,


força última do guerreiro abandonado à podridão.
Marcada pela diferença, toda monstruosidade é extrema, mesmo em termos
medianos, familiares, corriqueiros e banais. Mas também aparece no igual, no mes-
mo que se diferencia sem deixar de ser igual, no semelhante cuja igualdade é sempre
enganadora. Nenhum monstro é feito para ser neutro, mesmo que apavore por sua
aparente indiferença, pois carrega em seu corpo o pânico da indistinção e da perda de
referência, as incertezas do verdadeiro que, por natureza, é sempre diferente. Por outro
lado, é a monstruosidade do mesmo e a perda de identidade, a estratificação do desejo,
o petrificar das vibrações do corpo sepultado. Imagens escatológicas que subvertem
certos teores iconoclásticos, as figurações monstruosas implicam composições entre
afectos que se estranham numa luta inevitável. O monstro é a Figura do afeto repulsivo
exercido por um corpo menos nobre do que aquele que o cânone clássico estabelece:
Figura de proporções áureas, propícia a mágicas circunscrições, modelos santificados,
gestos alegóricos. A repugnância do monstro não vai longe da degradação da carne,
pedaço de carne morta, corpo sobrepujado. Pode-se dizer que a figuração do monstro é
aquela que não encontra o modelo, mas sempre a sua deterioração. O mostro se cria de
pedaços espalhados na poeira e na borrasca, sob corpos degradados, cujos modelos sem
gênese no máximo podem ser explicados como motivos temáticos que modulam tipos
dificultosos de devir. O devir-monstro é o imprescindível elemento escarnecido, cheio
de escamas frias e viscosas, arestas e ondulações, Figura que seduz, escapa e ameaça. Mas
não deixa nunca de valer suas potências ctônicas sob a sola desnuda do pé, ameaçado
pela ponta da lança ou sendo decepado quando tenta infiltrar-se na boca. O monstro
pode mesmo derivar do buraco e exercer em torno dele jogos de atração. Contudo, as
forças que o compõem envolvem toda a complexidade filogenética da devoração.
O monstro surge como típico mensageiro da morte (Lascault, 1973, p. 75) e da
destruição, marcador de potências vitais de desterritorialização que sempre estão em
jogo na arte. A arte é afirmação da vida, mas somente daquela vida que nasce com n
potenciais de morrer: corpo aberto ao acontecimento, corpo de desejo. Com seus dentes,
serrilhas, pinças, cavidades, protuberâncias, engrenagens e vórtices numa máquina, o
corpo é a matéria de expressão tanto para o monstro como para a arte. O corpo do
desejo não é o organismo que nasce da matéria destinada à morte, mas vida que não
cessa nunca de proliferar e de desorganizar os organismos e as organizações. Vida que
não se separa da morte. Impelida por forças paradoxais que lançam a vida num plano
onde dançam milhões de pequenas mortes, a máquina do inconsciente compõe fluxos
cuja força libidinal funciona em constante cisão esquizofrênica. O que revolve a má-
quina são tantos impulsos desterritorializadores como reterritorializações das pulsões
colocadas em jogo num só desejo. O monstro marca essas linhas psicóticas, borderline,
que experimentam as intensidades vertiginosas do devir. Os problemas não são apenas
as variações da linha, mas principalmente o risco da sua fuga virar uma morte. A morte
não é só o buraco dentro do qual um corpo se aniquila, mas a passagem derradeira de
uma sensação que é o acontecimento de uma vida.
O problema da morte não é a decomposição ou a putrefação que seu devir implica
aos corpos, mas a máscara cadavérica ou tumba fechada que sobrecodifica a vida mesmo

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

nos organismos em que ela pressupõe estar. Há algo horrível nesse tipo de morte. Uma
alma que subvive sobre o pretexto de glórias e feitos que também envolvem lástimas e
culpas por uma falta pecaminosa original. O problema volta para o buraco, no encer-
ramento do desejo num “eu” idiota, que “pensa” que pensa, conservando suas feições
num pretenso monumento. A piada é que o processo sublimatório, capaz de erguer os
verdadeiros monumentos de uma arte e de uma vida, só se dá no descarte desse “eu”.
Perder o nome, provar o caos, sair do ser e entrar em devir, processo desterritorializador
de própria vida que se faz arte, que ergue monumentos para conservar as potências in-
corporais da matéria e nunca para perpetuar as afecções e percepções de um indivíduo.
O perigo não é se deixar engolfar pelo dragão, acordar dentro da cova, ser esquecido,
afinal o desejo só consegue mesmo se atualizar quando corre para a boca do inferno. O
risco é ser paralisado pela rostidade, “anjo da morte, santo sudário” (Deleuze; Guattari,
2004, p. 33), que prende as sensações nas sombras e espectros da limitada percepção
ótica do real. Não há figura ou paisagem que não corra o risco de sepultar a perspectiva
em um efeito que impede o pensamento de fugir dos termos bidimensionais com a
qual costuma operar: figura/fundo, eu/isso, sujeito/objeto, negativo/positivo, falso/
verdadeiro. Sempre em fuga, a sensação é o afecto do espaço háptico, tridimensional,
onde a complexidade do corpo não se reduz à visão de um rosto e as paisagens jamais
podem ser encerradas numa feição.
Acabar no buraco não é o perigo, mas antes uma maneira de se proteger e se
conservar, que é um dos modos de funcionamento do inconsciente. Cavar um buraco
é a maneira mais simples de experimentar os afectos da realidade tridimensional. O
buraco é a toca, o lugar privilegiado para a semente, o germe ou o ovo, zeroidade cuja
potência se abre ao infinito. O problema não é o buraco, mas a estratificação do sistema
de superfície onde ele aparece. “As organizações de formas, as formações de sujeito” que
seguram o desejo dentro do buraco, “tornam o desejo ‘impotente’(...) o submetem à lei,
(...) introduzem nele a falta” (Deleuze;Parnet, 1998, p. 112), drama que já cansamos de
conhecer. A única espécie de falta possível com a qual o desejo se depara é a ausência
de pontos de fugas que funcionem para alargar seus horizontes. De qualquer modo,
mesmo dentro do oco da tumba escura o desejo foge e desterritorializa. O desejo não
precisa contrapor-se a nenhuma ordem para se afirmar, bastam os devires do corpo
para que dê seguimento a seu curso. Esquecer a cara apavorante do desejo, enregelado
na palavra de ordem ou clichê representacional, implica desmontar o rosto, estrato de
significação e subjetividade, para experimentar o devir.
Os devires são os afectos do corpo. O corpo existe como ponto de vista que define
a paisagem, imagem que o corpo faz sobre si mesmo, paisagem das forças junto às quais
o corpo se dobra. Os olhares recaem no corpo “ imagem-invólucro que encerra a rude
presença da carne”, mantos que o cobrem com uma outra pele (Tuchermann, 1999, p.
151). Superfície das sensações, pele virtual com a qual todo o corpo se reveste. Pele da
paisagem. Pele da arte, essa operação “horrível e esplêndida” de abrir o corpo na pai-
sagem e fazer do corpo a paisagem. A paisagem é a figura de um devir, ser de sensação
que envolve multiplicidades, séries, repetições filogenéticas, variedades expressas na
matéria, profusão de tipos, relações de vizinhança e multidões. Superfície contraída, a
figura nem bem se forma para ir se desenvolver e estirar. Cobertos com o sentido que

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

rola na superfície, os corpos atravessam “envelopes de Pele” (Doel; Rose, 2001, p. 84-
185), a “envoltura de pele” (Domènech; Tirado; Gómez, 2001, p. 122) as superfícies da
linguagem e as sedimentações do organismo para experimentar os devires mais loucos e
inumanos da matéria. O problema começa quando um corpo começa a se estratificar,
obsedado numa paisagem clichê ou endurecido na estátua de uma persona. O corpo perde
suas múltiplas dimensões para se sobrecodificar nas máquinas binárias das identidades:
homem/mulher, docente/discente, heterossexual/homossexual. O corpo perde-se no
rosto. É a cara no muro, a codificação do corpo em números e dados, datas combinadas
num continuum espaço-temporal: vida de indivíduo expressa em coordenadas, relações
entre termos variáveis, medidas extensas, conquista de graus. Mas há alguma coisa em
uma vida que as expressões do indivíduo formado jamais conseguem precisar. São os
devires que faz passar, os povos que a animam, as composições entre os corpos, a criação
de afectos desterritorializadores. Todas essas forças que, quando se exprimem num só
corpo, compõem também uma vida individual. Uma vida, sempre imensurável.
Sob as feições de um povo urgem agenciamentos tribais que funcionam polifonica-
mente num corpo coletivo de múltiplos devires, que são sua vida. São fluxos animalescos
e inumanos que deixam passar os devires menores e processam desterritorilizações no
possível rosto molar pelo qual um povo se permite representar. Para desmanchar o rosto,
é preciso fazer passar o corpo, suas cavidades e volumes, pelos buracos da superfície.
Como as Figuras das telas de Bacon, o corpo funciona como ponta de escape, linha de
fuga expressa por um buraco, por gritos, seringas, um órgão que funciona como prótese,
sombra, cortinas, traços animais. O corpo se compõe como figura, massa de cor inde-
terminada, volumosa, incorporada ao fundo com o qual também contrasta. Corpo em
ato. Não um corpo causado, ordenador, formal, formado, órgão ou organismo, mas peça
móbil no jogo de forças das artes e de outros devires da matéria não-natural, pedaços de
carne, destroços. A natureza do corpo é desterritorializar o organismo, estranhar a matéria,
infringir possibilidades, alterar movimentos e atirar o caos na carne. Deleuze explica que
o “corpo não é questão de objetos parciais, mas de velocidades diferenciais” (Deleuze;
Guattari, 2004, p. 37), forças moleculares, não imagens molares fantasmagóricas. Mesmo
que os corpos definam na matéria uma multiplicidade de Figuras, produções de espaços
interiores e exterioridades, o interior do corpo é indeterminado no espaço (Bergson, 1999,
p. 63). O corpo é o estado atual do devir, o ponto de encontro onde se experimenta as
sensações e a máquina sensório-motora executa os movimentos (idem, p. 162). Exposto
à ação “das causas exteriores que ameaçam desagregá-lo”(Bergson, 1999, p. 57), o corpo
desterritorializa sua própria natureza sobrecodificado nos territórios. Não pertence mais
à natureza de uma terra, mas à emblemática de uma pátria. O emblema é sempre o rosto,
a efígie posta como cara de um sistema de representação. Um território representado se
fecha numa cara, careta apavorante do bicho-papão estatal. Mesmo os territórios mais
sobrecodificados, aparelhos de Estado e complexos imperiais, têm suas feições desman-
chadas e distorcidas, mudam de cara, perdem seus rostos. Para Deleuze, a sociedade se
caracteriza exatamente por esse escape, essa facilidade de cair no buraco. A lei é sempre
a do corpo e até mesmo os estratos binários da rostidade acabam se desestratificando, as
faces se avolumam em cabeças, as cabeças de desenvolvem nos troncos; toda a estrutura
dos corpos se subsume a partes menores que se desterritorializam nos mais estranhos

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

elementos: alimento, paus, pedras, armas, instrumentos, enfeites, jóias, dinheiro. O corpo
localizável, codificado em coordenadas, representado por números, nomes, emblemas e
bandeiras não tem devires, apenas extensão (apesar de algumas marcas que o localizam
pertencerem ao virtual). Esse tipo de corpo maquínico extensivo surge com a ocupação
territorial e as projeturas daquilo que da Terra emana e dela pode se aproveitar. O corpo
estatal se desenvolve para guardar os tesouros, controlar as minas, tampar os buracos,
fechar os túmulos, formar a carne e acondicionar os corpos no cumprimento de suas
funções. Toda política funciona como agenciamento de corpos nos espaços. A política
dos aparelhos de Estado é sobrecodificar o corpo no rosto e reduzir o rosto no buraco,
boca faminta ou grito de cobrança, desterritorializar o desejo em Lei, instituir deveres,
tributos para o Tesouro engolidor, do qual todos os corpos são depositários. Corpo/buraco
são dois termos de desterritorialização, artifícios maquínicos “pelos quais um elemento,
ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova a outro que também perdeu
a sua” (Deleuze; Guattari, 2004, p. 41).
Alheios ao buraco, os corpos se embatem nas conquistas da superfície, povos se
chocam, bandos e exércitos destroem-se uns aos outros e definem seus territórios com
máquinas potencialmente destrutivas. O monstro é a razão irracional da luta, uma
medição de forças violenta, potencialmente fatal, do domínio de terra extensa compu-
tada por riquezas. Do exército romano, estrategicamente armado para formar um só
corpo de destruição, até as ogivas nucleares, a ameaça bélica se atualiza na Figura de um
monstro: corpo explosivo, corpo de morte, corpo de misérias. O monstro é, ao mesmo
tempo, o olho de Deus, o rosto dos tiranos, a cara dos invasores e o corpo do Juízo
Final. Fedendo a enxofre, feito de ferro e chumbo, os devires do monstro são marciais
e saturninos. Marte, deus sanguinário e violento da guerra, e o exilado Saturno, titã
devorador culpado da castração, planetas cujas influências se acreditavam maléficas.
Para os gnósticos, cuja doutrina propagou o pensamento platônico que fundamenta as
linhas do cristianismo, Saturno era “o deus ‘maldito’que criou o tempo e o espaço”, e
que em nada se difere da “serpente que guarda o paraíso”(Roob, 1997, p. 38). Antideus
sinistro que nos aprisiona na carne desprezível e martiriza os corpos na encruzilhada do
tempo no espaço do mundo terreno. O corpo vira, então, uma superfície penitente, sem
virtudes, sem potências, inferior, degradante e perigosa. Matéria destinada ao abismo,
atirada no buraco, exílio de Titãs.
Uma perspectiva agnóstica pega a lenda e todo seu potencial didático para mostrar
outros tipos de lição. Saturno é o marcador da Terra, o criador do horizonte feito na
separação de Urano e Géia, cujos corpos em ebulição existiam num único abraço. O
corte não pode ser só a barreira da castração, mas a linha abstrata, crivo no caos que é
a condição para toda a arte e para todo pensamento. A força de Saturno é o manejo da
foice e a marcação do cultivo. O jogo titânico que instaura são as experiências primiti-
vas da metalurgia e da agricultura, técnicas que desenvolveram a civilização. Enroscada
numa árvore, a serpente ensina o segredo do vinho a Dioniso, que realiza sua mágica
junto com Réia, a consorte de Saturno. Assim como a foice corta a árvore para fazer
com ela utensílios e ferramentas, a Serpente é a figura que dá a possibilidade dos frutos
desembocarem noutros devires. Videira, uvas, sumo, vinho, transe: infinitas potências
em aberto. Devir-cultivo, devir-colheita, devir-folguedo, devir-embriaguez. A serpente,

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

enroscada na Árvore do Conhecimento do bem e do mal, incita a mulher a burlar a


lei, a mudar as regras, a manipular a árvore, provar a sensação dos frutos, inventar artes
para transmutar os corpos. O problema não se coloca no abismo da linguagem, mas nos
manejos dos cortes, nas linhas, molduras e fórmulas junto às quais a matéria maquina.
O corte não é a castração, mas uma maneira de funcionamento. O túmulo, a morte,
as profundezas da terra, a serpente, o falo, o buraco, não se reduzem a um único signi-
ficante e suas representações imaginárias dos terrores da castração. Esses elementos são
figuras que dão passagens a uma série de devires, jogo de forças entre potências telúricas
e celestes, forças que se expandem e se contraem, fluxos que diferem em velocidade e
lentidão. Contra a dívida interminável exigida pelo buraco a estratégia é lançar um coro
de vozes para abafar o grunhido engolidor; fazer do verbo de Deus palavra de ordem, uma
pululante boca de Inferno, uma multidão polifônica nos umbrais do caos. O problema
não é tampar o buraco com aquilo mesmo do que ele é feito, soterrar a serpente, lapidar
o cadáver, mas os modos de extrair a matéria, dominar técnicas e abrir os potenciais
para a arte. Processo de virtualização nas virtualidades da matéria, a arte só é possível
nos desmanches, na degradação dos modelos, nas decomposições dos organismos, nas
alquimias operadas sobre a matéria. O sentido da arte é a criação de novos corpos, novos
cortes, novas linhas e blocos de sensações. A serpente que desterritorializa a árvore, seja
em fruto do pecado original ou em vinho, afirma outro tipo de conhecimento, uma
relação com a matéria que não é a da lei organizada, que não se enquadra no molde da
cruz e nos diagramas das coordenadas espaço-corporais. Não se trata do conhecimento
de uma verdade, de uma essência decalcada numa lógica binária, mas de um desejo de
sensações cultivado no corpo e na terra, e cuja experiência deu em plantio, em vinhos,
em vidas, em artes e lendas, nos elementos de uma cultura cuja natureza é a mesma do
devir. No plano de composição em que se estende um problema, uma sucessão de séries
é colocada. Na mostra dos elementos com os quais essas séries se compõem, a estranheza
do devir é o acontecimento na matéria, o sentido das desterritorializações. Monstro,
serpente, Terra, cada um desses termos comporta uma multiplicidade de elementos, uma
sucessão de figuras, explicações, molduras, corpos para desterritorialização. Decompor
os termos: tarefa essencial do problema. A desterritorialização funciona como impacto
do problema, sua razão mesmo de ser. Não se trata de decodificar regras, mas de criá-
-las. As figuras não são o cerne de uma questão apresentada sobre linhas arborescentes,
genealógicas, mas figuras dos devires marginais, rechaçados para as linhas frágeis, ainda
não codificadas. Linhas de fuga onde monstros se vislumbram em sombrias e esparsas
aparições. Os devires de uma figura determinam as variedades das sensações e as variações
que seus afectos criam nos conceitos. Pensar com blocos de sensação é colocar os termos
dos problemas em fuga e decompor os seus clichês. Colocar um problema é estranhar
as paisagens, surpreender-se com seus povos, todas as figuras do plano de composição.
Trata-se de mostrar as variações nos perceptos da paisagem e os tipos de devires que são
os seus afectos. A carne, os ossos, os animais, o corpo, as artes, as festas, as flores, a ve-
getação e suas frutas, as bebidas, toda uma série de afectos intensificadores, cuja função
é animar os seres de sensação e a matéria corpórea onde se deixam vibrar. O problema,
distante da árvore, longe da cruz e fora do buraco, se coloca fugitivo, seguindo linhas
sinuosas, deslizamentos sáurios e ofídios, tocas, corpos em devir.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

As revoluções territoriais acontecem nos agenciamentos coletivos entre os corpos,


mas as revoluções moleculares operam nos agenciamentos coletivos de enunciação.
Corpos, figurações e figuras são os agenciamentos da linguagem pictórica com a qual se
expressa toda a arte. As figuras de um povo são a matéria de expressão de seus devires,
a natureza de sua alma. O caráter malévolo do monstro, imagem clichê para a ideia
transcendente do Mal, figuração dos processos desterrritorializadores, não apresenta
a força de sua figura. As razões do corpo e do monstro acabarem como Face do Mal
é a própria Fúria da Razão frente a forças despropositadas, para as quais a lógica não
encontra codificações. Criada pelas esquizofrenias do desejo, a força de um monstro só
pode ser expressa num ser de sensação. A questão é, portanto, decompor as forças que
estão em jogo na produção de uma sensação e os tipos de devires que acompanham suas
criações. Implica uma análise dos modos de marcação do desejo, das escalas de valor,
das hierarquias, dos vetores sociais, das lutas de poder, dos esquemas cosmográficos,
das figurações e de todos sistemas de organização da matéria que, embora emoldurem
e recortem seus termos, não constituem uma disciplina fechada.
Tomar uma matéria, esquadrinhar um campo problemático de estudo, não é sim-
plesmente aplicar um sistema organizado sobre ele, independente do tipo de ordem e
dos termos entre os elementos que apresenta. Ao se tomar uma matéria de um estudo,
conteúdo-forma-expresso para se aprender, é necessário partir da complexificação to-
pológica dos corpos, suas ligações magnéticas, linhas desconectas, direções cardinais,
pontos de encontro e de dispersão, movimentos intrínsecos e extrínsecos, velocidades
diferenciais. Multiplicidade de termos que colocam corpo e matéria num continuum de
desterritorializações. Sem um arsenal de matérias, o pensamento não pode funcionar.
Sem matéria não se pensa, mas ser obrigado a pensar uma matéria não é dispor de
máquinas mnemotécnicas decoradas para sua organização. A matéria obriga a pensar
porque é nela que os problemas se colocam e as máquinas são inventadas. Os problemas
são desterritorializações aleatórias, encontrados ao acaso, matérias in-formadas que for-
çam o pensamento. Como é impossível prever a exatidão desses encontros e a natureza
daquilo que neles se expressa, a inteligência precisa dispor de algumas balizas, instru-
mentos de crivo que são as imagens. As imagens formadas não servem para ajudar, pois
tendem a transformar os problemas em dogmas. Aprender a pensar problemas possíveis
é descartar as formas dogmáticas e intuir as diferenças moleculares. Essa aprendizagem
implica exercícios de composição, estudos de diagramas problemáticos que são mapas,
imagens em aberto, para o pensamento devir no caos. Pensar é orientar-se no lado de
fora das imagens de pensamento e traçar a grafia dos problemas que a matéria-caos
coloca. Colocar o problema, grafar suas linhas, é a sua solução.
Tal processo gráfico retira partes dos corpos da questão, insere elementos estranhos,
distorce os esquemas da matéria, encontra afectos, modula experiências cujos registros
criam perceptos. Nessa modulação especial da matéria, essencialmente artística, é que
se aprende. Sem captar a sensação da matéria não se aprende. Aprender é se envolver na
matéria de uma arte. Fazer arte é desenvolver diagramas que realizam as orientações do
pensamento na matéria. Para se realizar, o pensamento tem que retirar determinações
do caos. Atravessar o caos só é possível com força de vontade e coragem, virtudes que
precisam ser exercitadas, o atletismo a que tantas vezes Deleuze se refere. Sem exercícios

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

de decomposição, os problemas acabam mesmo virando um único buraco que sorve


toda a vida do pensar. Se “pensar é experimentar” (Deleuze; Guattari, 1992, p. 143),
não há como conceber o pensamento sem o corpo que se põe na experiência. O corpo
experimentador envolve uma esquizoide montagem de partes, membros e tecidos con-
seguidos, achados e roubados, retalhos suturados, cortes radicais, provas de iniciação que
exigem dele vários contorcionismos. Todas essas movimentações são o devir-atlético do
pensar. O pensamento é sempre uma questão da vontade, nunca de alcance de verdades.
A vontade não está dada na matéria, mesmo que seja a própria expressão dos devires
que a matéria compõe. Exercitar a vontade é trabalhar nas matérias do desejo, não sob
a ótica da neurose capitalista e sim na volição esquizofrênica da máquina e de todos
seus monstruosos devires.
Toda a matéria é inerente ao devir psicótico de partículas, campos de forças que
se movimentam em corpos atômicos e seus compostos moleculares. A matéria é uma
questão de energia. Suas extensões extrapolam a tridimensionalidade com a qual fomos
acostumados a nos acercar. Os problemas ensinam a não se confiar nas imagens perce-
bidas e sim intuir as sensações, que são tipos de corpos paradoxalmente incorpóreos,
junto aos quais o desejo se orienta. Aprender uma matéria exige uma entrega ao ser de
sensação que ela compõe. Entregar-se à matéria é padecer das imagens de seu corpo e da
vicissitude de seus órgãos, tecidos, da carnalidade da sensação. A carne da sensação não
são os organismos, mas o corpo intenso da experiência, o corpo sem órgãos de Artaud
(CsO). Se todo corpo é potencialmente uma máquina de guerra, o CsO é uma opção e
uma estratégia política. “Cada órgão é um protesto possível” (Deleuze; Guattari, 1996,
p. 218), cada movimento é uma revolução. Fazer um CsO é deixar passar as sensações,
criar o ponto fugidio que dá volume para alojar seus seres. O que vibra numa sensação
depende das aberturas potenciais que envolvem as carnes por onde ela passa. Potencia-
lizar a carne é seguir a decomposição e a desintegração dos organismos, revolver seus
órgãos, tecidos, fios. Mostrar matéria.
Nem a matéria e nem a sensação têm algo para contar, para narrar. Não há história,
começo, meio ou fim. O que se mostra são imagens, Númens, Figuras que expressam a
matéria, contração de forças numa Paisagem. Figura que não é a imagem do território,
mas inflexão de forças sob um corpo icônico, máquina- fetiche cuja matéria faz passar os
espíritos, seres que manifestam as sensações dos corpos. Cultuar ícones é uma maneira
de adorar forças da natureza e meditar os mistérios da sua matéria. A arte dos ícones
faz passar as sensações da terra, mostrando na matéria a força expressiva do Numen.
Deus torturado, Mães Negras, Crianças, Animais, Flores e Estrelas. O paganismo grita
tão forte nos ícones que não fica difícil fazer o santo virar o ídolo da bruxa. O ícone,
sublime adoração de uma matéria, morre com o dogma. Seus elementos mais primi-
tivos, marcações de deidades que são a alma incorpórea da terra, passam a constituir a
iconografia maldita do demônio, figura de traços animalescos e cornos de meia-lua. A
extrema depreciação da matéria cria esse ente palpável, um corpo maneirista sem órgãos
e barroco cujas ações “perversas” se mostram no corpo dos falsos cristãos, os adoradores
de abominações.
O problema é a multiplicidade do corpo, suas multidões em transe, matéria n dimen-
sional possuída de devires. Colocá-lo, solucioná-lo, é desenvolver uma arte. Criar seres

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de sensação junto a seus termos, transformar matérias, mostrá-las. A sensação se mostra


nas telas, no interior das redomas, no escuro dos templos, nos palcos, nos terreiros, nos
bosques, nas danças, na duração pulsando na matéria viva. Não a Criação de um único
Deus, mas caos de corpos compondo a Terra, múltipla Mãe Caósmica que “amamenta
as serpentes no seio”(Henderson, 1988, p. 41). Não só a Molécula Gigante, corpo de
linha de fuga absoluto, fulgor da matéria em todos os tipos de universo. Corpo sacrificial
do qual se alimenta a vida, força anímica monstruosa provocadora de fascínio e terror,
matéria que bebe da morte. Morte que não é um fim, mas uma prática de potencializar
a vida. Aprender a morrer, ascese dos xamãs e feiticeiros, é conjugar-se com as forças do
abismo, entrar nas profundezas da matéria e aprender a manipular suas possibilidades. A
morte é a prova das sensações caósmicas em devir. Morrer é experimentar a imensidão,
ver na vida algo muito maior que aquilo que um corpo pode suportar, alguma coisa que
as imagens da matéria não aguentam e sem a qual a arte não pode existir.
Expressar a matéria da sensação imensa, sem rosto, é mesmo lhe dar um rosto. Não
marcar buracos negros no muro branco, mas deixar aparecer um sorriso de lua fina, uma
linha hiperbólica. Pensar também é pintar telas, decorar afrescos, esculpir. Gestos que,
como na arte de Bacon, fazem funcionar o “dilaceramento, mas também estiramento
da tela por eixo de fuga, ponto de fuga, diagonal, golpes de faca, fenda ou buraco: a
máquina já está aí, funciona sempre, produzindo rostos e paisagens, mesmo as mais
abstratas” (Deleuze; Guattari, 2004, p. 39). Trata-se de um traço que jamais consegue
reduzir a imensidão num olho, muito menos num buraco, tampouco num significante,
pois é “desterritorialização absoluta” (idem, p. 38) em rostos expressivos, que facilmente
se desestratificam marcando as cadências vibráteis onde se quedam as sensações.

Referências
ARTAUD. Escritos de Antonin Artaud. Porto Alegre: LP&M, 1986.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Trad.
Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
COHEN. A cultura dos monstros: sete teses. _In: Silva, Tomaz Tadeu (org.). A pedagogia dos
monstros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Joana
Moraes Varela e Manuel Maria Carvalho. Lisboa: Assírio e Alvim, 1996.
DELEUZE; GUATTARI, O que é a filosofia? São Paulo: Ed. 34,1992.
DELEUZE;GUATTARI. Mil Platôs, v. 3. São Paulo: Ed. 34, 2004.
DELEUZE; PARNET. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
DOEL. Corpo sem órgãos: esquizoanálise e descontrução._In: TADEU da Silva. Nunca fomos
humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
DOMÈNECH, TIRADO e GÓMEZ. A dobra: psicologia e subjetivação. _In: TADEU da
Silva. Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
FOUCAULT. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
HENDERSON. Arte Medieval. São Paulo: Cultrix, 1988.
LASCAULT, Gilbert. Le monstre dans l’art occidental: un probléme esthétique. Paris: Klin-
cksieck, 1973.
ROOB, A. Alquimia e misticismo. Taschen, 1997.

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Matéria monstra: digressões esquizoanalíticas da Figura

ROSE, Nikolas. Inventando nossos eus. In: TADEU da Silva. Nunca fomos humanos: nos rastros
do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
TUCHERMAN. Breve história do corpo e seus monstros. Lisboa: Passagens, 1999.

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Vapores etnografados:
dos desejos de clientes,
michês e pesquisador

Elcio Nogueira dos Santos1

Resumo: Kulick e Willson (1995) apontam uma questão importante para os pesqui-
sadores dos estudos LGBTT e Queer. Os autores trazem à tona a subjetividade dos que
pesquisam práticas e sexualidades resistentes, das margens. Em seu questionamento, os
autores fazem algumas perguntas: como adotar ou não práticas homoeróticas em suas
vidas pessoais teria interferência direta no resultado obtido? Braz (2009; 2010), em sua
pesquisa com clubes de sexo e Diaz-Benítez (2009), com sua pesquisa sobre a produção
pornográfica no Brasil, fazem esta discussão. Ambos nos dizem que é ainda bastante
incipiente dentro do campo de pesquisas LGBTT e Queer trabalhos que tragam discus-
sões mais amplas sobre este ponto. Pocahy (2011), como Braz e Diaz-Benítez, aponta
para o corpo do pesquisador como local de resistência e produção de subjetividades
quando estamos frente a frente com práticas sexuais tidas como transgressoras. Em
outras palavras, é o próprio pesquisador que surge como mais um ponto a ser discu-
tido e pesquisado e não, como sugerem cânones de pesquisas positivistas, um “objeto
neutro” e “isento” que detém algum poder sobre o pesquisado. Presenciar a gravação
de cenas de sexo explícito para a produção pornográfica (Diaz- Benítez, 2009), ou ter
que comparecer apenas de meias e, algumas vezes, apenas de cuecas em clubes de sexo
(Braz, 2010), expõe e denuncia o corpo, a presença e a subjetividade do pesquisador,
mas não como uma pessoa detentora de uma suposta verdade que irá surgir a partir
de uma análise supostamente “fria” e “distante” colhida por este, mas como alguém
que, efetivamente, participa da cena. Em minha pesquisa para o doutorado, apesar de
inicialmente estar distante do objetivo da pesquisa presenciar cenas de sexo entre os
frequentadores das saunas de michês, deparei-me com espaços em que ocorre a prática
sexual e que não poderiam, simplesmente, serem deixados de lado. Espaços como as
saunas propriamente ditas, a seca e a vapor, as salas que passam filmes pornográficos
gays e heteros, e os banheiros eram locais fortemente frequentados por clientes e mi-
chês e também onde muitas relações afetivas e/ou sexuais se desenvolviam e que foram
importantes para esta pesquisa. Com exceção dos banheiros, mesmo ao pesquisador foi
vedada a entrada de roupas, pois se eu quisesse ir a estes locais teria de ir de cuecas ou
de toalha. Bem distante de uma “epistemologia do ver”, como pode parecer a alguns,
este texto trata de uma etnografia, a mais completa possível, ou uma “descrição densa”,
nos termos de Geertz (1989), das saunas de michês em São Paulo. Seu ponto central é
a discussão da subjetividade do pesquisador e as relações de poder que se estabelecem
entre este e seus pesquisados durante o andamento da pesquisa.
Palavras-Chave: Homoerotismo, Subjetividade, Desejo, Michê, Poder

1 Doutor em Ciências Sociais- PUC-SP

Este documento es proporcionado al estudiante con fines educativos, para la crítica y la investigación respetando la reglamentación en materia de derechos de autor.
Este documento no tiene costo alguno, por lo que queda prohibida su reproducción total o parcial.
El uso indebido de este documento es responsabilidad del estudiante.
SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Os espaços externos dos desejos


Como se começa um texto? Especialmente um texto que tenta, ao menos, discutir
questões etnográficas? A meu ver, não existe melhor maneira de começar tal tarefa des-
crevendo os lugares por onde se fez a pesquisa etnográfica. Em assim sendo, vamos a
uma brevíssima descrição do que, neste artigo, será denominado de “espaços do desejo”.
O que denomino de “espaços do desejo” são as saunas que oferecem os serviços dos
garotos de programa ou michês como são mais comumente conhecidos2. Em outras
palavras, as pessoas vão a estas saunas para a prática sexual com algum michê, para
exercerem seus desejos e fantasias sexuais com homens, geralmente mais jovens.
Foram três as saunas pesquisadas para o meu doutorado. Em termos geográficos, as
três saunas se distanciam bastante uma da outra. Duas delas ficam em bairros de classe
média da cidade de São Paulo, e próximas uma da outra em termos geográficos. Se dis-
tanciam uma da outra em média 6 Km. São bairros com uma boa infraestrutura, contam
com farmácias que funcionam vinte e quatro horas, colégios frequentados por jovens da
classe média, supermercados, acesso fácil ao metrô e outros tipos de transporte coletivo.
A terceira e mais antiga situa-se distante na cidade de São Paulo. Fica na periferia da
cidade de São Paulo. É bom que se diga que estas três saunas são as mais antigas da cidade.
A Lovely foi inaugurada em 1976, a Apolo, sauna tradicional de São Paulo, foi aberta
em 1980 e a Rainbow, a caçula das três, em 1992. Este artigo concentra-se nos dados e
impressões colhidos na Apolo e na Rainbow.
Concentro-me em duas neste texto: a Apolo e a Rainbow. A Lovely, como destaquei
em minha pesquisa, Santos (2012) sofreu várias intervenções policiais durante a pesqui-
sa. A maioria destas denúncias remetia ao possível uso de psicoativos ilícitos por seus
frequentadores. Em 2010, a Lovely encerrou suas atividades permanentemente. Assim,
optei por concentrar-me na Apolo e Rainbow. É importante citar que nas poucas vezes
em que estive na Lovely, antes de seu fechamento, não foi possível colher informações,
além das observações de campo. Seus frequentadores, alegando razões diversas, prefe-
riram não dar entrevistas. Lembro ainda que contar aqui a estória e os detalhes de seus
espaços internos seria fugir ao escopo deste artigo. Mas quando falamos em etnografia,
alguns dados são importantes.

Breve discussão teórica


Assim, detalho em breves palavras seus espaços internos, mas este detalhamento se
dará apenas nos espaços que dizem respeito ao tema deste artigo, qual seja, os desejos
dos pesquisados e do pesquisador. A teoria para a pesquisa partiu do inspirador traba-
lho de Rabinow (2007) e a antropologia reflexiva. Trata-se de uma antropologia que
vê na inter e intrasubjetividade, inclusive do pesquisador, material suficiente para um
aprofundamento teórico. Se para Geertz (1989) quando escolhemos nosso objeto de
pesquisa “já o estamos interpretando”, utilizando sua famosa frase sobre ser a cultura

2 Michês, boys, garotos de programa se equivalem e serão utilizados neste artigo como equivalentes. No Brasil, estes ra-
pazes trocam sexo por dinheiro com homens, sendo raros os que também se prostituem com mulheres. Durante toda a
minha estada no campo, nenhum deles declarou se prostituir com mulheres. Para uma definição ampla do termo michê:
ver Perlongher (2008).

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Vapores etnografados: dos desejos de clientes, michês e pesquisador

um tecido repleto de significados a ser interpretado e isto exige uma “etnografia densa”,
ou seja, apontar o que significa o que para grupos culturais distantes; é Rabinow (2009)
quem traz para a cena a subjetividade do pesquisador. Para este autor, o próprio pesqui-
sador também merece ser interpretado. Em outras palavras, temos de nos questionar
constantemente sobre os significados do campo e de sua influência sobre nós e nossas
pesquisas. Com Rabinow (2007, p. 5), digo que:

toda atividade cultural é experimental, que o trabalho de campo é um


tipo distintivo de atividade cultural, e que a existência desta atividade é
que define a disciplina. Mas o que deveria, portanto, ser a própria for-
ça da antropologia- sua atividade experimental, reflexiva e crítica- tem
sido eliminada como área válida de pesquisa pela sua ligação com uma
visão positivista de ciência, que eu penso ser radicalmente inapropriada
em um campo que tem por objetivo o estudo da humanidade. (tradu-
ção minha)

Sobre a reflexividade proposta por Rabinow (2007), Kulick (1995,2), seguindo


Strathern3 (1991,8), nos diz que:

O termo ‘reflexividade’ em antropologia pode significar muitas coisas,


mas basicamente ‘traz para fora um problema que outrora não era pro-
blemático: a figura do pesquisador de campo’ (Strathern 1991:8). Pro-
blematização desta vez autoconfidente que ficou se sujeitando ao escru-
tínio e à crítica: ‘Quais são as bases para o “conhecimento”?’.As pessoas
agora respondem. ‘Como fazer para coletar estas informações? Como o
autor faz os seus relatos? Para quem? Para quais efeitos?’ Questões como
essa têm enriquecido a antropologia, negociando o golpe mortal da ob-
jetividade antropológica, finalmente propondo o que é este mistério, e
estimulando os antropólogos para dentro do exame político, histórico e
cultural para as condições que devem ter lugar para a antropologia fazer
sentido como um campo de pesquisa e como uma prática metodológica
e textual. (tradução minha)

O método para a coleta de dados consistia de entrevistas semiestruturadas, depoi-


mentos colhidos nas mesas junto aos clientes e boys, observação participante, método
definido por Eunice Durham (2004). Ou seja, um método que possibilita, segundo
interpretação de Fry (2004,11) da autora: “compreender a cultura em seus níveis macros”.
E com este pesquisador trajando jeans, camiseta e tênis. Muito rapidamente percebi que
se me mantivesse usando trajes do dia a dia perderia muito do que pretendia pesquisar.
Talvez o leitor pergunte: Por quê? Qual a influência da roupa do pesquisador nos dados
coletados da pesquisa? Simples. Bem, não tão simples assim.

3 Savage, Md.: Rowman and Littlefield.

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O interior como espaço do desejo e da sociabilidade


Como já disse Santos (2007) anteriormente, as saunas são espaços amplos, bem
iluminados, com american- bar, mesas para os clientes e boys se sentarem e conversarem,
mesas que servem para alguns jogos de cartas. Ambas as saunas oferecem vários privês
para a prática sexual entre clientes e michês, um sauna seca e uma a vapor, banheiros,
sendo que a Rainbow possui um dark- room4. Tanto as saunas, como os banheiros e o
dark- room são espaços utilizados para a prática sexual entre boys e entre boys e clientes.
O preço de um programa nestes espaços pode ser mais baixo do que o realizado nos
privês. Já a Rainbow se diferencia da Apolo em função de seu espaço interno e dos rapazes
que trocam sexo por dinheiro. seu O espaço interno da Rainbow, possui 1.000 m² de
área construída, salas de ginástica, duas piscinas que fazem parte do parque aquático
da sauna, enfim, são espaços que não apenas permitem, mas favorecem a sociabilização
entre seus frequentadores.
Durante as semanas em que estava nas saunas, em média três horas por noite, eu
me sentava no balcão do bar ou nas mesas que ficam nestes espaços. Diversas vezes fui
alvo de “cantadas” por parte dos boys, as quais consistiam em passar as mãos em minhas
coxas, até atingir meu pênis com a tentativa de deixá-lo ereto, dizer em meu ouvido
frases como: “que tal? Vamos fazer uma brincadeirinha hoje?5”, e por diversas vezes
recusei estes toques. Dizia que era doutorando de Ciências Sociais pela PUC-SP e que
gostaria muito que ele me desse uma entrevista. Neste ponto, o boy dava um sorriso e
dizia algo assim: “com prazer, em um outro dia”, e se afastava da mesa. Claro, estes boys
nunca mais pararam em minha mesa ou onde eu estivesse.

O desejo do pesquisador
Voltando às roupas que usava durante a pesquisa, passados três meses em campo,
descobri através de Marcelo, um de meus colaboradores principais, que os garotos difi-
cilmente falariam, e por diversas razões. Alguns me viam como “uma penosa6”, outros
eram casados e tinham filhos, tinham medo de que fossem identificados por suas esposas,
enfim, as razões eram várias. Ao longo da pesquisa de campo, amigos de outros tempos
também se afastavam de mim pelas mesmas razões dos rapazes, ou seja, pensavam que
minha posição como pesquisador evitaria o pagamento pelo programa. Em uma frase:
as roupas me afastavam de meus colaboradores.
No entanto, surgiu outro ponto importante durante a pesquisa: nas saunas o acesso
aos banheiros, salas de vídeo e dark-room é terminantemente proibido de roupas. Muitas

4 A Apolo também possuía um dark- room, quarto escuro utilizado para a prática sexual com parceiros desconhecidos,
quando iniciei a pesquisa, mas resolveu fechar porque, segundo seu gerente: “os garotos iam lá pra puxar fumo e isso não
pode”.
5 “Brincadeirinha” ou “brincadeira” são termos utilizados pelo michê para indicar práticas sexuais que vão desde a mastur-
bação mútua, passando pelo sexo oral. Dificilmente se refere à prática sexual com penetração por um dos parceiros, mas
ocasionalmente pode remeter a este tipo de prática.
6 “Penosa” é um termo utilizado pelos michês para designar clientes com pouco poder aquisitivo e que tentam ter um
programa de graça. Assim, minha posição de pesquisador era encarada por eles como falsa, como uma artimanha para
conseguir um programa gratuito. É bom lembrar aqui que a posição de pesquisador, posta em dúvida por eles, servia
mais como uma barreira do que como uma aproximação.

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Vapores etnografados: dos desejos de clientes, michês e pesquisador

relações entre clientes e boys, boys e boys, clientes e clientes se passavam nestes espaços. Os
espaços de uso comum serviam para a sociabilidade e para acertos de programas entre
garotos e clientes, tendo pouco a dizer em termos destas relações. Assim, me perguntei:
De roupas ou de toalha? Uma etnografia difícil.
Acabei optando por fazer a pesquisa etnográfica alternando algumas vezes de toa-
lhas, usando uma sunga e uma toalha que cobria esta sunga e outras tantas com jeans,
camiseta e tênis. É importante destacar que tal mudança junto com uma espera minha
para me situar como pesquisador acabou por favorecer a pesquisa. Os boys, vendo-me
de toalha, passaram a me encarar como um cliente qualquer da sauna. Sentavam-se à
mesa onde eu estava e começavam a entabular uma conversa. Eu deixava a conversa
fluir, até que vinha a tradicional cantada do garoto. Neste ponto eu interrompia a fala e
me posicionava como pesquisador e perguntava ao boy se ele não gostaria de participar
da pesquisa. Assim obtive 24 entrevistas gravadas, vários depoimentos dados na mesa,
isto porque alguns garotos optaram por não gravarem entrevistas. Os clientes passaram
a me ver de outro modo e também colaboraram prontamente com a pesquisa.
Nas palavras de Braz (2010) eu “estava vestido de antropólogo”. E mais, era o meu
corpo exposto e posto à prova. Sim, posto à prova como algo que pudesse ou deveria
resistir ao desejo. Enfrentei talvez o pior inimigo do etnógrafo: ele próprio. Quem sou
eu: pesquisador ou cliente? Muitas vezes estas perguntas trespassaram minha mente.
Meu corpo estava inteiro na pesquisa e, parafraseando Pocahy (2009), à deriva, corpo
e mente à deriva. A este respeito, falo junto com Pocahy (2009,1):

Escrevo como se eu estivesse na escuridão de um dark room (ou, escrevo


já desde a devassidão escura deste), sendo tocado e levado por mãos
anônimas, desejosas, refratárias ou simplesmente curiosas. Sinto-me li-
teralmente à deriva, perdido nas buscas das personagens de um passado
que de certa forma me fizeram ser o que sou: produto de uma ‘política
de identidade’ (destaques do autor)

Políticas de identidade que nos tornam lésbicas, gays, homossexuais, travestis,


transexuais, e, ainda acrescento, antropólogos. O corpo, o meu corpo, estava literal-
mente à deriva. Um corpo Queer7 que questiona políticas de identidade, que tenta
sair do padrão socialmente aceitável. Ou seja, para um pesquisador em seu campo de
pesquisa o socialmente aceitável é que ele ou ela esteja vestido. No meu caso, estar de
toalhas tornava-se, de certa forma, um comportamento disruptivo para com os padrões
de pesquisa. Mas vamos nos deter um instante para uma reflexão sobre a Teoria Queer.
Segundo Miskolci (2009,150), a Teoria Queer surgiu nos EUA no fim da década de
1980 “em oposição crítica aos estudos sociológicos sobre minorais sexuais e de gênero”.
Ainda segundo o autor, “seu objeto de análise: a dinâmica da sexualidade e do desejo
na organização das relações sociais”. Pode-se acrescentar que a Teoria Queer tem como
objetivo desestabilizar as políticas de identidade que foram, aos poucos, excluindo pessoas
com práticas homoeróticas, que não eram socialmente aceitáveis. Seguindo o autor, a

7 A palavra Queer, segundo Miskolci (2009), é antiga nos Estados Unidos e é utilizada para denominar de maneira pejo-
rativa e ofensiva. É um xingamento que significa “anormal”, “perverso”, “viado”, “bicha”, etc.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Teoria Queer, fortemente influenciada por Derrida, mostra que o que está aparentemente
“fora”, “nas margens” de um sistema, é também o que constitui este sistema como tal.
Em outras palavras, e seguindo Butler (2003,2005), são, por exemplo, os corpos con-
siderados abjetos, estranhos que acabam por confirmar os corpos do centro, que, por
assim dizer, os legitimam. Para Miskolci (2009,152)

Central foi o rompimento com a concepção cartesiana (ou iluminista)


do sujeito como base de uma ontologia e de uma epistemologia. Ain-
da que haja variações entre os diversos autores, é possível afirmar que
o sujeito no pós- estruturalismo é sempre encarado como provisório,
circunstancial e cindido.

Mas, para mim, a roupa tampouco, pois era apenas um invólucro de algodão e
lycra que cobria o meu corpo, sendo um padrão em termos de se fazer pesquisa, mas
também o que me distanciava de meu colaborador. De maneira simbólica a roupa me
“confirmava” como pesquisador. Mas ela se tornava um impedimento para uma pesquisa
mais complexa. Estabelecia-se um paradoxo.
Perlongher (2008[1993],2), em um texto que discute a “autoridade” do antropólogo
e o “outro” “exótico”, aponta para um dos pontos centrais da etnografia: o conhecimento
do outro. Sempre diferente de nós, este outro muitas vezes surge como algo “exótico”,
algo a ser descoberto. E, claro, a autoridade do etnógrafo é quem vai “desvendar” este
outro. Partimos de nossas concepções, conceitos e preconceitos para descobrir o exótico,
o que é diferente de nós. Mas, afinal, quem é este outro? O que pode ser chamado de
“autoridade do etnógrafo”? Quem confere tal “autoridade” ao pesquisador? No meu
caso, o “outro”, “estranho”, ao ambiente era eu. O autor nos fala:

Nessa situação, estritamente imaginária, fica claro de que lado está o


antropólogo- do lado da autoridade- e está claro quem são os outros:
os nativos polinésios. Os outros são outros mesmo. Aqui, deveria ser re-
lativamente simples aplicar a noção de “identidade contrastiva”, já que
a primeira condição- que é diferenciar-se do outro - está dada por an-
tonomásia. Tão clara é a diferenciação que, com frequência, esse antro-
pólogo colonial, ligeiramente démodé, vai dirigir sua observação exclu-
sivamente sobre os outros, os nativos, deixando um tanto de lado- por
desnecessária- sua auto-observação. Esse descuido traz consequências
infelizes. Assim, conhecemos descrições exaustivas da ornamentação
dos nativos polinésios: em troca, pouco sabemos acerca de como estava
vestida Margaret Mead em cada uma de suas expedições (destaques do
autor).

O meu “outro” não era um nativo polinésio, mas amigos e garotos de programa,
todos ansiosos para colocar em prática seus desejos, fosse pelo dinheiro ou pelo corpo do
cliente, ou pelo corpo do garoto. Neste momento em que escrevo, não penso em outros
mesmo para parafrasear Perlongher, mas penso no papel do etnógrafo, do pesquisador de
campo, diante de seus colaboradores em pesquisas que envolvem práticas sexuais e sua
observação direta. Mais especialmente ainda, quando a pesquisa é feita em ambientes
supostamente conhecidos, que de alguma maneira nos rodeiam e, por que não dizê-lo,

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Vapores etnografados: dos desejos de clientes, michês e pesquisador

fazem parte de nossas fantasias? No que penso? Penso nas relações intersubjetivas entre
pesquisador e pesquisados.
Crapanzano (2005) discute um importante elemento quando estamos em campo:
a “sombra”, algo que “quebra” a “objetividade” que tentamos ter quando estamos em
nossa pesquisa. Algo que “sombreia nossa visão”, “algo que procuramos afastar” de nós
como algo que estaria fora do contexto da pesquisa, tida como “objetiva”. Neste ponto,
Crapanzano nos fala sobre a subjetividade e a intersubjetividade quando estamos em
campo. O subjetivo, algo que não devia estar ali, mas está. Sobre a subjetividade e seu
elemento essencial para o campo e pesquisa Crapanzano (2005,359) afirma:

Devo acrescentar, apesar de não poder aqui prosseguir com minha ar-
gumentação, que a subjetividade, de quanto possa parecer minha, é
essencialmente intersubjetiva, tanto em um modo mediado pela lin-
guagem, por exemplo, quanto imediatamente, por meio de encontros
reais e imaginados com figuras significativas cercadas de sombras. Para
mim, ao menos, a cena é aquela aparência, a forma ou refração da situa-
ção “objetiva” em que nos encontramos, colorindo-a ou nuançando-a e,
com isso, tornando-a diferente daquilo que sabemos que ela é quando
nos damos ao trabalho de sobre ela pensar objetivamente.

Seguindo Crapanzano (2005) posso sugerir que a “sombra” de minha pesquisa,


que teimava em nublar minha busca pela objetividade era e, partindo da reflexividade
proposta por Rabinow (2009), e adotada por Kulick (1995), cheguei à conclusão de
que o meu desejo foi posto em xeque pela pesquisa. Presenciar cenas de sexo entre boys
e entre boys e clientes nas saunas seca e a vapor, nos banheiros, salas de exibição de vídeo
pornográfico e nos dark rooms, não era uma tarefa fácil e questionava de forma subjetiva,
mas diretamente meus desejos. Sem dúvida, era uma etnografia difícil.

Relações de poder- as relações entre michês e clientes


A discussão empreendida neste artigo não é exatamente nova dentro dos estudos
LGBTT e Queer. É bem verdade, como Kulick (1995) chama a nossa atenção, que o
debate sobre a posição e o desejo do pesquisador é em números bem maiores quando se
trata de pesquisadoras (es) heterossexuais. Por exemplo, Dubisch (1995, p. 32) comenta
o diário de Malinowski. A autora nos fala que “o diário de Malinowski está repleto de
fantasias e sonhos eróticos (com as mulheres Trobriandesas), indicações de frustrações
sexuais e anseios que o afligiam em seu trabalho de campo”. (tradução minha). Mas
como nos diz a autora, o importante para o argumento dela em seu artigo é examinar
sua própria posição e experiência no campo. Esta é também a posição de Kulick (1995)
e Kulick e Willson (1995). Também de Rabinow (2007) e a minha.
Mas, Kulick e Willson (1995), Lewin e Leap (1996), entre outros, já empreenderam
este debate dentro dos estudos LGBTT e Queer. Lewin e Leap (1996) concentram-se
mais na importância ou não de se revelar como pesquisador homossexual nos campos
de pesquisa de antropólogos. Seus textos dão pouca atenção à reflexividade e mais à
revelação ou não da identidade. E nos perguntam: O pesquisador gay tem ou não
práticas homoeróticas com seus pesquisadores? E, tendo ou não, isto interfere em sua

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pesquisa? É importante ter práticas homoeróticas? E o desejo do pesquisador pelo


objeto pesquisado: existe ou não? Em outras palavras, estamos falando da produção
de conhecimento dentro dos estudos LGBTT e Queer no Brasil. Como já alertaram
Diaz- Benitez (2009) e Braz (2007, 2010), a bibliografia sobre este tema em nosso país
ainda é bastante escassa. Eu diria quase inexistente.
De qualquer modo, seguindo o pós-estruturalismo e as posições da Teoria Queer
de que o desejo e a sexualidade são organizadores da vida social, quando estamos em
um campo em que as práticas sexuais heterossexuais ou homossexuais são o objeto de
pesquisa, devemos nos questionar sobre nossos próprios desejos e sexualidade. Segun-
do Kulick (1995, p. 3), por um longo tempo os antropólogos estiveram preocupados
com o sexo dos outros. Agora, apesar das resistências internas, se veem às voltas com
seu próprio sexo e sexualidade. E tal resistência se deve, em muito, pela forma como a
antropologia foi construída, isto é, como uma ciência objetiva, tanto na coleta de dados
como nos textos etnográficos.
Assim, seguindo a proposta de Rabinow (2007) e Kulick (1995), temos de nos
perguntar: por que deveria pôr meu desejo em prática, ou seja, praticar sexo com o
boy ou com o cliente? Onde isto me levaria? Quais os propósitos disto? Melhoraria a
pesquisa? Tal prática seria enriquecedora para a minha tese? Respondo mais abaixo estas
perguntas. Antes, gostaria de me deter em um ponto crucial nas relações entre michês
e clientes nas saunas: as relações de poder nos termos foucaultianos destas relações, já
sinalizadas anteriormente por Perlongher (2008).
As relações nas saunas são bastante hierarquizadas, tanto entre os boys como entre
os clientes. Por exemplo, michês que são tidos como apenas “ativos” durante o ato se-
xual têm ascensão sobre michês tidos como “passivos8”. Como nos disseram Miskolci e
Pelucio (2008), o que se busca na prostituição viril é uma masculinidade hegemônica,
que nas palavras de Perlongher (2008) é mais falada do que posta em prática. No en-
tanto, eu diria que aqueles que performatizam tal masculinidade são clientes ou michês
e têm ascensão sobre outros.
Outro ponto é a hierarquia e o poder dados pelo dinheiro, pelo corpo, por ser novo
na sauna, e estas diferenças valem para os clientes e para os boys. Explico: por exemplo,
sobre o dinheiro: clientes com mais poder aquisitivo são mais cobiçados pelos boys do
que os clientes com menor poder aquisitivo, etc.
Estas hierarquias além de reproduzirem modelos heteronormativos, modelos de
uma masculinidade hegemônica, tencionam as relações de maneira constante, como
um contínuo entre os frequentadores das saunas de michês em São Paulo. Deste modo,
para o michê o que importa é a sedução do cliente, “ganhar”- e esta palavra é usada
repetidamente pelos frequentadores de maneira geral- um cliente novo e, quem sabe,
com isto torná-lo um cliente fixo, ou seja, um cliente que só “saia” com o michê que o
“ganhou”, o qual passa a ser seu “proprietário”.

8 É bastante difícil, segundo meus colaboradores, encontrarmos michês que sejam apenas “ativos” ou “passivos”. Como
disse Marcelo, boy, 20 anos: “A gente começa só fazendo ‘ativo’, mas vai se tornando conhecido, a grana acaba e então
tem que se fazer ‘passivo’ também”. Eu diria que não é apenas o mercado que os leva para diferentes posições no ato
sexual, mas também a preferência do michê em ser “ativo” ou “passivo”, como é o caso Lucas, que opta por ser “passivo”
porque gosta.

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Vapores etnografados: dos desejos de clientes, michês e pesquisador

A palavra sair nestes espaços assume vários significados, que vão desde efetivamente
sair para um programa como teatro ou cinema até ir apenas ao privê da sauna com
o cliente. Conforme declarou Lucas, boy, 20 anos, quando um cliente “seu” sai com
outro michê sem lhe avisar ou “perguntar se pode”, ele fica bastante bravo e é capaz de
“terminar com o cliente, pois isso é traição”. Esta situação traz a figura do namorado
do michê. Muitos garotos me apresentaram para clientes dizendo se tratar de seus “na-
morados”. Deste modo, a circulação nas saunas de algumas palavras como “ter”, “ser”,
“fixo” e “namorar” tornam-se atos performativos da linguagem, ou seja, eles fazem o ato.
Nos termos de Austin (1975):

Sentença performativa ou proferimento performativo, ou de forma abre-


viada, ‘um performativo’. O termo ‘performativo’ será usado em uma
variedade de formas cognatas, assim como se dá com o termo ‘impe-
rativo’. Evidentemente que este nome é derivado do verbo inglês to
perform, verbo correlato do substantivo ‘ação’, e indica que ao se emitir
o proferimento está se realizando uma ação, não sendo, consequente-
mente, um mero equivalente a dizer algo.

Deste modo, “namorar” com um cliente é “possuir e controlar” a vida deste clien-
te, ou “namorar” com um michê é também, para o cliente, “possuir e controlar” este
michê.cliente. Em se tratando dos clientes, a situação pode se tornar explosiva, pois o
combustível que alimenta estas relações, que as media de maneira forte, é o dinheiro.
O cliente fixo deste michê irá, ou tentará lhe dar,roupas, celulares, pagará seu aluguel e,
em algumas vezes, um carro é o presente. Deste modo, o cliente “compra” o boy com os
presentes e não deixa faltar nada para este garoto. O sentimento de traição pode incen-
diar esta situação. Regras de espaços altamente hierarquizados e regulados pelo poder.

Concluindo...
Respondendo as perguntas feitas acima, manter relações sexuais com os boys ou com
clientes em nada melhoraria meu texto, minha pesquisa. Ao contrário, os dados seriam
bem provavelmente enviesados. Outro ponto são as relações de poder mencionadas
acima. Estaria usando uma posição de destaque e de claro poder para obter os dados
necessários. A posição do pesquisador que, teoricamente, sabe mais que os “nativos”,
pois é ele que, com sua “autoridade” etnográfica, está lá para descrevê-los.
Outro ponto é o poder do boy. Para o garoto, o que importa é seduzir o cliente,
torná-lo fixo. Quais garantias eu teria de que eles estavam falando o que sentiam e o
que era importante para eles? Nenhuma. Todas as falas poderiam ter o sentido de me
seduzir como cliente. Neste momento, lembro-me de uma frase de Marcos em suas
várias falas: “Elcio, o que o garoto quer é o dinheiro, se tiver que mentir, que minta”.
Não concordo com Bolton (1995) de que o fato de ser homossexual me aproxima
mais de meus informantes, de que tal aproximação leva a uma maior confidencialidade
e intimidade. Este raciocínio é, sugiro, essencialista. Ou seja, “ser” homossexual ou he-
terossexual contém algum substrato comum que nos liga em uma espécie de irmandade.
Assim, para Bolton (1995), a identificação seria a base da pesquisa. Não devemos nos
esquecer de que nos primeiros momentos da segunda onda do feminismo as mulheres

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

fizeram várias e, digam-se, justas críticas sobre o campo antropológico ser androcêntrico.
Naquele momento, apenas mulheres saberiam falar de mulheres. Logo descobriram que
a categoria mulher não é algo fechado e acabado. Nesse movimento do feminismo, logo
ficou claro que as mulheres que falavam por todas as mulheres eram brancas, de classe
média e heterossexuais. Descobriu-se que mulheres lésbicas e negras com condição
socioeconômica inferior não tinham voz. (Lewin e Leap, 1996).
Para este autor, o sujeito está sempre em composição, nunca é completo, sempre
falta algo, é fluido, contingente, nos termos de Butler (1998). Sua identidade não se
completa. Supor que identificações podem facilitar o campo de pesquisa é, de antemão,
partirmos com um a priori, inclusive político.
A toalha serviu para me incluir no grupo, tornar-me parte dos que frequentam as
saunas. Porém, não para me aproximar e praticar sexo com qualquer uma das partes.
Serviu para poder entender as relações que se estabelecem entre michês, por exemplo.
Explico: muitos rapazes namoram entre si, mas quando seus clientes “namorados” estão
na sauna, os rapazes se mantêm afastados uns dos outros. Seu encontro se dará nas saunas,
algumas vezes porque o cliente- namorado irá levar um dos rapazes para um programa
mais longo, como uma viagem, ou ainda porque este cliente é ciumento e não gostaria
de saber que divide um boy com outro boy. Aliás, ouvi inúmeras vezes que os michês
ficavam mais entre eles do que com clientes, o que é uma constante preocupação das
gerências das casas. Quando subimos às salas de vídeo, notamos que, de fato, os michês
têm prolongados beijos e, às vezes, relações sexuais completas.
Enfim, para concluir, diria que usar ou não uma toalha pode ser uma estratégia de
pesquisa, mas é também um ato reflexivo e que nos remete à ética dentro do campo.
Em outras palavras, o que queremos com nossas pesquisas? Buscarmos novos parceiros
ou aprofundarmos o nosso conhecimento sobre as sexualidades divergentes? A resposta
é de cada um.

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Quando a violência se torna vergonha:
a expressão da homofobia interiorizada
em narrativas sobre o homoerotismo
entre mulheres
Lívia Gonsalves Toledo1
Orientador: Prof. Dr. Fernando Silva Teixeira Filho2

Entendemos a homofobia como formas específicas de violência (além do medo, o descré-


dito, a aversão e o ódio) contra as pessoas que adotam ou pareçam adotar performances de
gênero e/ou sexuais ditas não-naturais ou anormais da sexualidade humana. As principais
vítimas são gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, mas também as pessoas heterossexu-
ais. A homofobia é direcionada a todas aquelas pessoas que não regulam suas relações e
subjetividades às normas do sistema sexo/gênero/desejo/práticas sexuais (Butler, 2003)
hegemônicas e referendadas naquilo que se convencionou chamar de heterossexualidade
em acordo com as normas/valores sócio-histórico-culturalmente construídos. Em nossa
cultura, a qual privilegia a heterossexualidade e aqueles que seguem suas normas, todas
as pessoas, independentemente de suas orientações sexuais e identidades de gênero são,
desde a infância, ensinadas a rejeitar um contato mais íntimo com o mesmo sexo, a nunca
inverterem normas de gênero e a serem homofóbicos. Quando uma pessoa é exposta, desde
sempre, a certa ideia, acaba por adotá-la, tornando-se um valor implícito e automatizado.
Neste sentido, a homofobia é chamada interiorizada quando é a própria pessoa vítima
de homofobia que pensa, verbaliza e age de modo homofóbico. A partir de Narrativas de
Histórias de Vida de mulheres que não vivem em acordo com a sexualidade heterossexual,
buscamos analisar como se processa a hostilidade desencadeada diante de tudo o que se
refere à heteronormatividade, adentrando à problemática da homofobia na construção
política e existencial de seres sexuados e generificados. Este trabalho faz parte de uma tese
de doutorado realizada junto ao programa de Pós-Graduação da UNESP de Assis-SP, e
financiada pela FAPESP.
Palavras chave: Homofobia interiorizada; Processos de subjetivação; Homoerotismo.

Homofobia
Em sua conceituação inicial, o termo homofobia podia ser entendido como
um medo (fobia), uma repulsa irracional, inclusive o ódio, por gays e lésbicas
(BORRILLO, 2001). Porém, a homofobia, mais que um traço individual, mais
que uma emoção, possui uma dimensão cultural (a recusa da homossexualidade
enquanto fenômeno psicológico e social) (BORRILLO, 2001). Por isso, Borrillo

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/
Assis-SP. Membro do GEPS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (Unesp, Assis-SP), cadas-
trado junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq
2 Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Psicologia Clínica, Unesp de Assis e ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Unesp, Assis.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

(2001, p. 22) propôs que, na conceituação deste termo, fosse levado em conta, sobretudo,
todo o “conjunto de atos, sentimentos e pensamentos negativos sobre a homossexua-
lidade a nível social, moral, jurídico e/ou antropológico.”. Assim, a homofobia é um
princípio ideológico, um sistema de crenças e valores, formado por discursos e práticas
discursivas inteligíveis para o sistema heteronormativo que legitimam, inferiorizam,
discriminam, violentam e criam vulnerabilidades no plano individual, social e insti-
tucional às pessoas que configuram suas existências de modos não compatíveis com o
referencial da “sexualidade regular” (FOUCAULT, 1988), ou seja, heteronormativo.
Aí, incluem-se lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, intersexos,
e qualquer pessoa dissidente das normativas de gênero determinadas para cada um dos
sexos macho e fêmea, hegemônicas centradas na heterossexualidade.
Segundo Borrillo (2001) e Junqueira (2007), a homofobia tem sua construção
não apenas na compulsoriedade heterossexual do desejo, mas também na desigualdade
entre os sexos e gêneros. Ou seja, não se restringe às pessoas ditas homossexuais, mas a
todas as pessoas que não se encaixam rigidamente nas normas socialmente estabelecidas
para o sistema de organização heterossexual da sociedade. Assim, a homofobia pode
significar formas específicas de exclusão e violência contra as pessoas que assumem ou
são suspeitas de assumir uma orientação sexual diferente da heterossexual, assim como
identidades e performances de gênero e sexuais diferentes da norma “macho, então
masculino, então homem” e “fêmea, então feminina, então mulher”. Borrillo (2001,
p. 16) complementa que:

A homofobia se converte assim na guardiã das fronteiras sexuais (hetero/


homo) e de gênero (masculino/feminino). Por isso os homossexuais não
são as únicas vítimas da violência homofóbica, que também atinge todos
aqueles que não se aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transe-
xuais, bissexuais, mulheres heterossexuais com forte personalidade, ho-
mens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade.

Ademais, a homofobia exige também que as pessoas heterossexuais mantenham


relações íntimas de amizade, coleguismo ou mesmo familiar apenas com heterossexuais
(segregando e excluindo de seu convívio amigos e parentes homossexuais), de modo
que a homofobia acaba por atingir e prejudicar a todos, por também influenciar nega-
tivamente nas relações interpessoais. Por isso não podemos pressupor que o combate
à homofobia seja assunto de preocupação apenas das pessoas não-heterossexuais. Sua
manifestação se dá desde a ridicularização e a injúria até assassinatos, englobando práticas
de interdição, segregação, exclusão, controle, adequação, invisibilidade, inferiorização,
violação e destruição.
É importante lembrar que a homofobia é sentida e manifestada independentemen-
te da orientação sexual do sujeito, de modo que pessoas que sentem desejo, atração e
se relacionam com outras do mesmo sexo também são capturadas por processos de
subjetivação homofóbicos. Assim, a partir de uma pesquisa de doutorado que estudou
Narrativas de Histórias de Vida (coletadas por entrevistas semi-estruturadas no ano de
2010) de 10 mulheres que vivenciam o homoerotismo, em uma região do interior do
Oeste Paulista, buscarei analisar como se processa a homofobia nos modos de subjetiva-

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Quando a violência se torna vergonha: a expressão da homofobia interiorizada
em narrativas sobre o homoerotismo entre mulheres

ção de mulheres não-heterossexuais, adentrando à problemática na construção política


e existencial de seres sexuados e generificados.

Homofobia “interiorizada”
A partir da instituição da heterossexualidade compulsória, todas as pessoas, salvo
raríssimas exceções, nascem, crescem, são educadas e aprendem a ser heterossexuais e re-
jeitar a homossexualidade e a dissidência de gênero heteronormativo. De acordo com Rich
(1980/1986), heterossexualidade compulsória é uma organização social-sexual, mantida pela
dominação masculina, que pressiona, força e obriga, de forma violenta ou subliminar, todas
as pessoas a tornarem-se heterossexuais. Esta instituição se concentra nos muitos tipos de
intensa pressão que a sociedade exerce sobre as pessoas para garantir que a heterossexualidade
se torne destino. E uma das formas de controlar e impor a heterossexualidade é rebater com
todas as forças a homossexualidade, estigmatizando, invisibilizando, excluindo, agredindo e
produzindo modos de subjetivação homofóbicos pautados em sentimentos como aversão,
nojo, medo e ódio sobre tudo o que foge à normativa heterossexual.
No processo de produção da identidade sexual e de gênero, a obrigatoriedade de
ser heterossexual e de corresponder aos padrões de gênero determinados para seu sexo
começa a gestar fortes implicações subjetivas no sujeito. Segundo o psicólogo López
[2000?], para um bem-estar psicológico e emocional é preciso que a pessoa possa estar
consciente de sua orientação sexual (seja esta homo, bi ou heterossexual), aceitá-la e
integrá-la à identidade pessoal integral e poder manifestá-la ao seu entorno.
Assim, aquelas pessoas que começam a perceber-se com desejos, atrações e senti-
mentos diferentes daqueles programados, e que são delas esperados, passam por um
difícil processo normatizador de captura pelos processos homogeneizantes homofóbicos,
pois já cristalizam em seus modos de subjetivação qualidades (em sua grande maioria
negativas) que escutam e veem sobre aquilo que estão começando a sentir e perceber
em si mesmas. López [2000?] descreve esse processo:

Diríamos que o indivíduo que cresce e se desenvolve em uma socie-


dade heterossexista irá adquirir ideias e conceitos negativos sobre as
orientações sexuais não-heterossexuais de maneira natural e por vários
meios, alguns deles significativos para ela (a família, o contexto escolar,
a televisão, a Igreja etc.) [...] É fácil adivinhar que se torna muito mais
complexo para uma pessoa, que tem interiorizado mensagens negativas
e catastróficas sobre as orientações sexuais minoritárias, a elaboração
satisfatória das distintas fases de desenvolvimento sem sentir emoções
como o temor e a repulsa por sua orientação sexual quando descobre
que é lésbica, gay, bissexual ou transexual. […] Uma sociedade heteros-
sexista pode influenciar negativamente no desenvolvimento da identi-
dade sexual, e este fato afetará negativamente com maior probabilidade
outras variáveis como: a autoestima, o controle do entorno, a segurança
e confiança pessoal, a percepção de apoio social, as expectativas quanto
ao futuro, etc. A influência negativa do heterossexismo no desenvolvi-
mento da identidade sexual e sobre o restante das variáveis biológicas
e psicológicas do crescimento como pessoa se manifesta, muitas vezes,
como um sentimento negativo pela própria orientação sexual. (LÓPEZ
[2000?], p. 3) [minha tradução do espanhol]

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Isso é o que chamaremos de homofobia “interiorizada”. Tratarei “interiorizada”


entre aspas – que alguns autores também chamam de “internalizada” – justamente pelo
entendimento de subjetividade em processo, ou seja, não considerando um “interior” de
um indivíduo, mas vendo cada uma das pessoas como possuindo uma individualidade
aberta, em contato constante com o social, com processos subjetivos nos atravessando a
todo o momento. Concordo com Guattari e Rolnik (1996, p. 33) quando dizem que a
subjetividade é “essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências
particulares.”. Tais atravessamentos estão sempre tendendo a processos normatizadores,
mas também com possibilidades de se tornar processos singulares de expressão da vida. É
por isso que podemos pensar que todos (homossexuais, bissexuais e heterossexuais) são
atravessados pela homofobia. Enquanto um processo normatizador, a tendência é que
todos nos tornemos pessoas homofóbicas, o que configuraria entre os homossexuais o
que se chama de “homofobia interiorizada”. Contudo, também sabemos que não somos
meros receptáculos dos valores hegemônicos, e que a força do desejo de vida também
se opera sobre nós, fazendo-nos fugir dos processos homogeneizantes. Usarei o termo
homofobia “interiorizada” (com aspas) por se tratar de um termo mais conhecido no
meio acadêmico, mas com ciência de que este é tão inadequado quanto o termo homo-
fobia, como muitos autores já descreveram (BORRILLO, 2001).
Como aponta Castañeda (2007), quando uma pessoa é exposta, desde sempre,
a certa ideia, acaba por “interiorizá-la”, adotando-a, tornando-a sua. Diversos fatores
heterogêneos negativos e complexas práticas de poder difusas no campo social sobre a
homossexualidade e dissidência de gênero (como determinantes históricos, políticos,
religiosos, culturais etc.) atravessam os sujeitos dissidentes da heteronormatividade e se
cristalizam em seus modos de subjetivação, sendo tomados como naturais e próprios.
Assim, a “homofobia torna-se ‘natural’: torna-se um valor implícito e inconsciente,
gerando reações imediatas, automáticas e aparentemente instintivas.” (CASTAÑEDA,
2007, p. 143). Isso significa que a homofobia pode se manifestar a partir das próprias
pessoas homossexuais: em relação a si mesmas; sobre outros homossexuais ou dissiden-
tes das normativas de gênero heterossexuais; ou em relação a qualquer coisa que faça
referência à homossexualidade em geral.
Nas narrativas de histórias de vida das participantes da pesquisa, dentre as mani-
festações da “interiorização” da homofobia, observamos: diminuição da autoestima,
rejeição, temor, desprezo e desconfiança de seus próprios desejos e sentimentos, vendo-os
como ilusórios, irreais, sujos, perversos ou até perigosos; apresentar comportamentos
e pensamentos autodestrutivos conscientes e inconscientes; dificuldade e incapacidade
de expressar sua atração, desejo por outra mulher; obrigar-se a ficar, se relacionar e ter
relações sexuais heterossexuais sem o querer; afastar-se de amigos homossexuais e da
própria parceira para não ser identificada como lésbica; ter dificuldade em assumir
um relacionamento sério com uma mulher; relegar sua relação de casal para um plano
secundário ao fazer projetos sem levar a parceira em conta; ter a sensação de estar em
desvantagem; duvidar de si mesmas, suas capacidades e ambições, “interiorizando”
estereótipos associados à homossexualidade como o fracasso, a limitação, o defeito
etc.; envergonhar-se de expressar-se publicamente; e ter dificuldade ou incapacidade de
reconhecer seu direito de igualdade de direitos e de expressão diante dos heterossexuais.

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Quando a violência se torna vergonha: a expressão da homofobia interiorizada
em narrativas sobre o homoerotismo entre mulheres

De acordo com Wiliamson (2000), a homofobia “interiorizada” tem atraído poucas


pesquisas no ramo da psicologia, apesar de seu impacto destrutivo na saúde mental da
comunidade LGBT. Forst e Meyer (2009) a caracterizam como um conflito intrapsíquico
e como a necessidade da pessoa homossexual de ser e/ou parecer heterossexual – como
ocorreu com todas as participantes da pesquisa, com algumas mais pontualmente,
com outras por poucos anos, e com uma delas, durante mais de 20 anos depois de
sua conscientização de sua atração por mulheres. A partir disso, Wiliamson (2000, p.
97) lembra que é preciso cuidado no uso deste conceito para que este não seja usado
acriticamente, como muitos teóricos o fazem, re-patologizando gays e lésbicas como
‘doentes’ (como os dizendo possuidores de uma orientação sexual “egodistônica”3) e
retirando a atenção do foco dos mais importantes componentes culturais da homofobia
e do heterossexismo. Para Forst e Meyer (2009), a homofobia “interiorizada” é um dos
maiores causadores de prejuízo por homofobia sobre homossexuais, pois, apesar de ter
sua origem na sociedade heterossexista, tem sua manifestação a partir da própria pessoa
homossexual, mesmo quando não está sofrendo atitudes ou em situações de discrimi-
nação, e age nos modos de subjetivação do sujeito antes mesmo de se conscientizar de
sua homossexualidade. Ou seja, a homofobia “interiorizada” interfere na descoberta do
próprio desejo homossexual, de modo que não fosse a homofobia, possivelmente muitas
pessoas perceberiam seu desejo e atração por pessoas do mesmo sexo mais cedo (ou do
mesmo modo como percebem os heterossexuais quando se apaixonam pela primeira
vez) do que comumente percebem.
Castañeda (2007) detalha outras diversas consequências da “interiorização” da
violência homofóbica, muitas das quais aparecem de modo menos claro na vida das
participantes: ter uma imagem desvalorizada de si mesmos; prejudicar suas relações
na sua vida sexual e até mesmo em sua saúde física; fazer com que pareça normal que
seus familiares e amigos critiquem sua/seu parceira/o e ela/ele mesmo critique e ignore
sua/seu parceira/o; levar a pessoa homossexual a reprimir ou negar a raiva derivada das
agressões sofridas que, voltada para ela mesma, pode ter como consequência depressão,
quadros de ansiedade diversos ou se manifestar em trágicas condutas como assassinatos
e suicídio; e fazer com que as pessoas homossexuais se sintam observadas, julgadas,
excluídas, debochadas, ofendidas ou desprezadas, mesmo que não o sejam. Assim, a
homofobia “interiorizada” pode gerar sobre aqueles que se percebem dissidentes da
heteronormatividade sentimentos como: angústia, ansiedade e produção de reações
defensivas, uma preocupação exagerada e obsessiva com a estigmatização, autodesqua-
lificações e desvalorizações pessoais, níveis elevados de estresse, expectativas negativas
quanto ao futuro, estado de alerta, baixa autoestima relacionada com a percepção de
não disponibilidade de apoio social, participação em circuitos variados e diferentes de
mentiras e segredos, ocultação da própria orientação sexual, e até identificação com o
agressor homofóbico (LÓPEZ [2000?]) pelo engendramento do ódio contra si mesmo.

3 De acordo com o CID 10 - F66.1 , a chamada “Orientação sexual egodistônica” diz respeito aos aspectos do pensamento,
dos impulsos, atitudes, comportamentos e sentimentos que contrariam e perturbam a própria pessoa. Assim, caracteriza-
se quando a pessoa tem uma orientação sexual ou atração que está em desacordo com a própria imagem idealizada de si
mesmo, causando ansiedade e um desejo de mudar de orientação ou tornar-se mais confortável em relação a sua orientação
sexual. A crítica que não se faz disso é que a ansiedade e desejo de mudança não é relacionada ao sujeito homossexual, mas
ao social homofóbico que o envolve.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Não é à toa que muitas procuram terapia psicológica, ou outros modelos terapêuticos,
sentindo-se inadequadas em relação à sua orientação sexual. Importante sobre isto é
lembrar que tais sentimentos não provém da homossexualidade, mas da homofobia
expressa a seu redor.
Além destes sentimentos, e sem querer colocá-los como de menor importância,
é em especial o sentimento de vergonha que levaremos aqui em conta, pois é um dos
elementos principais que faz com que gays e lésbicas se sujeitem às violências perpetradas
pela homofobia, não reivindiquem seus direitos e se sobrepujem às regras sociais devido
à ação da homofobia “interiorizada”.

Quando a violência se torna vergonha


O sentimento de vergonha já acompanha a descoberta do desejo ou sentimento
homossexual, independente da idade em que este ocorra. Lembrando que a homofobia
é uma violência manifestada a níveis individual, social, institucional e estrutural (seja de
natureza física, verbal, psicológica), Mason (2002) diz que o sentimento de vergonha
é um dos efeitos da violência, que está relacionada com sentimentos de humilhação e
indignidade, já que objetifica a vítima (CHAUÍ, 1999). Em suas pesquisas sobre segredo
nas relações familiares, a autora confirma que quem relata o evento de vergonha, em
geral, é a vítima das agressões no seio familiar. Ou seja, o atravessamento de diversos
modos de violência nos modos de subjetivação da vítima produz nesta o sentimento de
vergonha como consequência de sua constante objetificação.
A vergonha vai além da desmoralização ou embaraço diante de algo pelo qual sente
culpa por ter realizado uma ação errada ou inadequada e do que tem consciência e pode
desculpar-se. Mason (2002) explica que:

A vergonha é frequentemente confundida com culpa. Entretanto, a ver-


gonha e a culpa estão em extremos opostos do continuum. A culpa ema-
na de uma consciência e valores integrados. O sentimento de culpa é um
ativador que nos diz que enfrentamos a possibilidade de violar um valor.
A culpa diz respeito ao comportamento; a vergonha diz respeito ao self.
Em outras palavras, a culpa relaciona-se ao que fazemos; a vergonha diz
respeito ao que somos. Com culpa, eu cometo um engano; com a vergo-
nha, eu sou um engano. Com a vergonha, não podemos dizer ‘Estou
enganado, desculpe, cometi um erro’. Dentro da culpa há um caminho
de volta, um modo de fazer reparações. (MASON, 2002, p. 51).

Deste modo, os sentimentos produzidos pelo atravessamento e cristalização da


violência homofóbica nos modos de subjetivação da pessoa homossexual podem en-
gendrar o sentimento de vergonha, fazendo com que gays e lésbicas “se escondam e
mantenham-se invisíveis, a fim de não serem identificados como pertencentes àquela
categoria estigmatizada.” (NASCIMENTO, 2010, p. 235), evitando a expressão de
afeto e erotismo em espaços públicos, não se sentindo no direito de expor publicamente
coisas que as pessoas heterossexuais não pensariam sequer em esconder, e nem ao menos
pensariam estar ofendendo, desrespeitando ou causando desconforto a alguém. Uma
frase dita por uma das participantes em relação aos seus motivos de não exposição ou

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Quando a violência se torna vergonha: a expressão da homofobia interiorizada
em narrativas sobre o homoerotismo entre mulheres

verbalização pública da homossexualidade evidencia tal sentimento: “temos que respeitar


as pessoas, em ambiente familiar ou com criança [...]”. Para ela, expor publicamente a
homossexualidade é algo errado e desrespeitoso, sugerindo a crença de que apresentar
o afeto e o erotismo entre pessoas do mesmo sexo é “impuro”, que ultrapassa os limites
morais diante de entidades sociais consideradas “puras” como a família e a infância.
Em realidade, o que é desrespeitado é a regra social de manter a heterossexualidade no
topo de pirâmide do privilégio e consideração social. Ao expor o homoerotismo em
público, desrespeita-se a discriminação, e isto está longe de ser algo ruim. Segundo
Foucault (1981/2004), as relações homossexuais não apenas subvertem a regra sexual,
pois a homossexualidade não é apenas composta de práticas sexuais, mas os homosse-
xuais subvertem também a lei dos relacionamentos, a lei do amor, da composição da
conjugalidade e, conseguintemente, da família.
Segundo Forst e Meyer (2009), a homofobia “interiorizada” é comumente experien-
ciada no processo de desenvolvimento da identidade sexual e de gênero e desconstruir
essa homofobia é essencial para o desenvolvimento de um saudável autoconceito. Porém,
a homofobia “interiorizada” pode nunca ser completamente desconstruída, podendo
afetar os sujeitos LGBT por muito tempo depois da descoberta de sua diferença sexual.
A pessoa movida pela homofobia “interiorizada” também se afasta da convivência
com outras pessoas LGBT, afetando negativamente a qualidade de suas amizades, com
seus familiares e outros relacionamentos íntimos (FORST & MEYER, 2009). Em mui-
tos casos, homossexuais desprezam seus iguais nas vivências cotidianas quando estes se
assemelham aos perfis mais estigmatizados das homossexualidades, que geralmente são os
homossexuais assumidos ou aqueles que, além de homossexuais, são também dissidentes
das normativas de gênero, como lésbicas masculinas, gays femininos, travestis, transexuais
e transgêneros. Do mesmo modo, sob a ação da homofobia “interiorizada”, homossexuais
ridicularizam, desprezam e humilham outros homossexuais que não correspondem a
padrões de beleza, de status social e cultural, de raça/etnia usando essas qualidades como
bode expiatório de sua homofobia. Percebemos que se trata de homofobia “interiorizada”
quando tal hostilidade por raça/etnia, estética, nível social e cultural e a ausência de outras
características socialmente valorizadas são direcionadas apenas a outros homossexuais,
não ocorrendo o mesmo diante de pessoas heterossexuais com os mesmos atributos.
Além disso, Castañeda (2007) diz que a homofobia “interiorizada” pode fazer com
que os homossexuais se portem demasiadamente atentos aos desejos e necessidades
dos outros para serem aceitos e por dificuldade de afirmar ou defender seus próprios
desejos e necessidades.

Paradoxalmente, essa sensação difusa de inferioridade ou de insuficiência


pode provocar um esforço contínuo para compensar o ‘defeito’ da ho-
mossexualidade em outras áreas da vida. O homossexual pode (incons-
cientemente) tentar provar que é ‘aceitável’ apesar de tudo, segundo o
critério da sociedade heterossexual. Essa supercompensação pode levá-lo
a se tornar demasiadamente perfeccionista e exigente com ele mesmo: ele
pode sentir que não está ‘à altura’ em inúmeros campos. Como qualquer
minoria discriminada, tentará constantemente provar que pode satisfazer
as demandas da maioria (CASTAÑEDA, 2007, p. 152).

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

Vemos isso ocorrer com as participantes da pesquisa especialmente em relação aos


seus familiares. Na tentativa de corresponder às expectativas de boa filha para os pais,
algumas mulheres limitam suas vivências homoeróticas, findam relacionamentos e
perdem muito de suas experiências eróticas e sexuais em prol do desejo dos pais. Agem
como se devessem compensar os pais por serem homossexuais: “faço até antes, faço até
mais para realmente não ter motivo nenhum para ficar falando de mim.”.
Forst e Meyer (2009) também falam que a busca por relacionamentos mais estáveis
sugere a superação da homofobia “interiorizada” – o que também não significa que a
busca por relações fortuitas seja movida apenas pela homofobia “interiorizada”. O que
os autores dizem é que aquelas pessoas homossexuais que apresentam altos níveis de
homofobia “interiorizada”, para encobrir sua própria orientação sexual, acabam evitando
relações com outros membros LGBT, e até mesmo deixando de assumir relacionamentos
afetivo-sexuais estáveis e duradouros. Segundo os autores, a homofobia “interiorizada” se
manifesta em problemas na qualidade das relações íntimas entre pessoas LGBT4, muitas
vezes em consequência de sintomas depressivos. Eles explicam que para aliviar qualquer
um dos sentimentos causados pelo processo normatizador da homofobia:

[…] indivíduos podem evitar relacionamentos duradouros e profundos


com outras pessoas LGB e/ou buscar caminhos por expressão sexual des-
providas de intimidade e aproximação interpessoal. Dentro de um rela-
cionamento de casal romântico, o parceiro e as experiências compartilha-
das servem como uma constante lembrança da própria orientação sexual.
A homofobia interiorizada pode, assim, levar a problemas relacionados à
ambivalência, conflito relacional, mal-entendidos e objetivos discrepan-
tes (Mohr & Fassinger, 20065).6(FORST & MEYER, 2009, p. 98)

Tal como pontuam os autores, comprometer-se em um relacionamento profundo


e estável com alguém do mesmo sexo é estar constantemente afirmando sua orientação
sexual homossexual, e, para alguém que sofre de homofobia “interiorizada”, isso se
torna tarefa torturante cotidiana. Destarte, movida pela homofobia “interiorizada”, é
comum que a pessoa evite relacionamentos íntimos prolongados e profundos e, quando
os têm, é mais frequente que tenha problemas com suas/seus parceiros/as (inclusive
dificuldades sexuais) e se esforce menos para resolvê-los. Em geral, a relação acaba tendo
menor durabilidade, menos qualidade e sendo mais empobrecida comparativamente
àquelas de pessoas que apresentam baixos níveis de homofobia “interiorizada” (FORST
& MEYER, 2009).
Deste modo, se muitas pessoas homossexuais não têm relacionamentos sérios,
estáveis e duradouros, não é porque os homossexuais são mais promíscuos ou sentem
maior liberdade em vivenciar relações sem compromisso, não-monogâmicas e praticar

4 Os autores deixam claro que, embora seu estudo sugira que a internalização da homofobia seja um fonte significante de
problemas de relação entre indivíduos não-heterossexuais, eles levam em conta que existe ainda um espectro cheio de
fatores que pode afetar a qualidade de suas relações (como níveis de compromisso discrepantes, desaprovação da família
e amigos, e outros estressores), os quais eles não puderam avaliar naquele estudo.
5 Mohr, J. J., & Fassinger, R. E. (2006). Sexual orientation identity and romantic relationship quality in
same-sex couples. Personality and Social Psychology Bulletin, 32(8), 1085-1099.
6 Minha tradução do inglês.

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Quando a violência se torna vergonha: a expressão da homofobia interiorizada
em narrativas sobre o homoerotismo entre mulheres

sexo com vários/as parceiros/as. É preciso ser um tanto cínico para achar que heteros-
sexuais não têm as mesmas ações e desejos, não se tratando de uma característica da
homossexualidade. Contudo, nestes modos de vivência das relações entre homossexuais,
parcela disto pode estar na ação da homofobia “interiorizada”.
Finalmente, há também outros processos especialmente inconscientes de prejuízo
que homossexuais causam a si mesmos, movidos pela “interiorização” da homofobia.
Alguns autores (FORST & MEYER, 2009; LOPEZ [2000?] e WILLIAMSON, 2000)
chamam de “estresse de minoria” um sentimento que afeta os que sofrem de homofobia
“interiorizada” de modo a comprometer algumas dimensões de sua saúde física e mental,
o que aumenta a probabilidade de desenvolvimento de alguns transtornos psicológicos
e emocionais. Forst e Meyer (2009) dizem que o estresse de minoria exige das pessoas
que compõem a minoria mudanças na forma de se comportar e requer adaptação em
um ambiente social inóspito – onde é preciso constantemente avaliar se o ambiente
é ameaçador, trabalhar expectativas de rejeição, encobrimento da orientação sexual e
esforços para se contrapor ao estigma. Segundo os autores, o estresse de minoria, por-
tanto, produz diferenças essenciais na vida de pessoas homossexuais comparativamente
com as pessoas heterossexuais. E os autores reafirmam que:

É importante notar que apesar de internalizado e insidioso, o quadro


do estresse de minoria localiza a homofobia interiorizada em sua ori-
gem social, provenientes do heterossexismo e do preconceito social, e
não de uma patologia interna ou de uma personalidade a ser tratada.
(Russell & Bohan, 20067)8 (FORST & MEYER, 2009, p. 97-98)

López ([2000?], p. 4) diz que “parece ser que os transtornos de ansiedade, de estado
de ânimo e o abuso de drogas se relacionam em muitos casos com fatores sociais [...]” e
que “pesquisas têm demonstrado o aumento da vulnerabilidade para desenvolver trans-
tornos de estado de ânimo e de ansiedade e talvez maiores proporções de transtornos
psicológicos [...]” entre homossexuais. Não é que os homossexuais tenham, por sua
orientação sexual, a predisposição a transtornos mentais, mas que os estressores sociais
causados pela homofobia produzem mais chances de traços de distúrbios surgirem nos
sujeitos homossexuais que vivem sob pressão social, familiar, institucional, etc. da ho-
mofobia, pois os homossexuais sofrem altos níveis de imprevisibilidade e níveis elevados
de estresse na vida cotidiana. López ([2000?], p. 5) diz que, “também por isso, as lésbicas
têm maiores riscos de desenvolver dependência a álcool que outras mulheres, enquanto
os homens gays têm mais prevalência de transtornos de ansiedade que os heterossexuais.”.
Castañeda (2007) fala que uma emoção disparada pela violência que é frequente-
mente reprimida pelas pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo é a cólera,
pois elas são objeto de agressões contínuas muitas vezes já em idades bem prematuras.
As gozações, piadas, etiquetas e humilhações relativamente constantes e conscientes às
quais são expostas no cotidiano por conta da homofobia obviamente que as afeta, sem

7 Russell, G. M., & Bohan, J. S. (2006). The case of internalized homophobia: Theory and/as practice. Theory & Psycho-
logy, 16, 343–366.
8 Minha tradução do inglês.

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SEÇÃO II – Queering e as Práticas “Psis”

levar em conta as violências verbais, psicológicas ou mesmo físicas de que são vítimas.
“A pergunta a ser feita não é a de saber se tudo isso as afeta ou não – pois é evidente
que sim –, mas a de saber o que fazem com a cólera que normalmente deveriam sentir”
(CASTAÑEDA, 2007, p. 149), e com todos os outros sentimentos despertados pela
ação da homofobia, como a tristeza, a revolta, a indignação, a ansiedade, a insegurança
e o desamparo. Segundo pesquisas, a implementação desses sentimentos pode produzir
atitudes autodestrutivas. Temos com exemplo mais crítico a tentativa de suicídio, que
é extremamente alta entre adolescentes e jovens homossexuais. Hersch, (19919 apud
SANDERS, 1994) diz que jovens gays e lésbicas estão três vezes mais propensos a tentar
o suicídio que os jovens heterossexuais, e até 30% de todos os suicídios que ocorrem
na adolescência podem estar relacionados com questões de identidade sexual – ou
seja, a homofobia sobre as identidades dissidentes da heteronormatividade. Entre as
participantes, uma delas achava que “devia morrer” quando tomou ciência de sua ho-
mossexualidade, achando-se uma aberração; outras duas tiveram o claro pensamento de
suicídio devido às dificuldades encontradas nas relações com a família quando reveladas
suas dissidências da heterossexualidade.
No Brasil, em estudo empreendido com mais de 2 mil adolescentes de escolas pú-
blicas da região do Oeste Paulista em 2009 pelo Dr. Fernando Teixeira Filho e a Dra.
Carina Marretto, do Departamento de Psicologia da Unesp de Assis-SP, “encontrou-
-se que os não-heteros têm ‘aproximadamente’ 2 vezes mais chances de pensarem em
suicídio e 3 vezes mais chances de tentarem se matar comparativamente aos heteros.”10.
Para Cooklin e Barnes (1994), os comportamentos autodestrutivos desempenhados
por homossexuais poderiam advir de uma tentativa de implementação de vida. Também
vemos exemplos desses comportamentos autodestrutivos entre duas participantes pela
forte opressão que sentiram especialmente dos pais assim que eles souberam de sua
homossexualidade. Baixa autoestima afetada, isolamento dos amigos e da família, fuga
de casa passando necessidades, consumo de muita bebida alcoólica e tabaco, desejo de
morte e pensamentos suicidas foram alguns dos modos como elas enfrentaram a rejeição,
discriminação e violências de suas famílias. Todas essas formas de lidar com a homofobia
acarretavam em prejuízos à sua saúde física, emocional e mental.
Segundo os autores, esses comportamentos irresponsáveis com a vida podem
demonstrar “uma tentativa, embora incompetente e distorcida, de criar maior flexibi-
lidade ou causalidade em um sistema rígido, sem um desafio direto à ordem social.”
(COOKLIN & BARNES, 1994, p. 293). Esses sistemas rígidos, nos quais os sujeitos
estão inseridos, podem estar na família, nas relações no trabalho, na igreja, em um
contexto baseado em fundamentalismos morais e religiosos homofóbicos; ou mesmo
na vivência da homossexualidade pautada em rígidas normativas heterossexuais.

9 HERSCH, P. Secret Lives. Family Therapy Networker, p. 36-39, Jan/Fev, 1991.


10
Retirado de: http://vireilobisomem.blogspot.com/2010/10/tres-adolescentes-homossexuais-se-matam.html.
Acesso em 15 de fevereiro de 2011.

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em narrativas sobre o homoerotismo entre mulheres

Conclusão
Como sabemos, López [2000?] fala que não é a homossexualidade em si mesma que
causa sofrimento à pessoa homossexual nem aos demais, mas os pensamentos, os estigmas
e a violência interiorizados sobre a homossexualidade. “Seguindo este argumento, é fácil
compreender que se o significado que tem para uma pessoa o fato de ser lésbica, gay,
bissexual ou transexual é negativo, aumentará seu sofrimento.” (López [2000?], p. 1).
López ([2000?], p. 8) sugere que a luta contra a homofobia e as mudanças sociais
comecem pelos próprios homossexuais, “para que se ouça a voz do oprimido, evitando
a vitimização como única ferramenta de pressão, e sim utilizando os direitos humanos
como objetivo desejável por todas as sociedades democráticas.”. Nascimento (2007)
propõe a ressignificação da experiência da homossexualidade, sugerindo que ao invés de
vergonha gay, significar o orgulho gay, que visa “antes de mais nada uma (re)apropriação
da identidade homossexual que reverteria o estigma em orgulho, tanto privado quanto
público, reivindicando sua identidade de maneira a desbancar o discurso heterossexista.”
(NASCIMENTO, 2007, p. 68-69). Assim, “a construção do processo identificatório
de gays e lésbicas, tanto no plano pessoal quanto coletivo (política), atua de maneira a
resistir ao abuso dos mecanismos de controle mencionados e pensar em novos estilos
de vida.” (NASCIMENTO, 2007, p. 68).
Além de toda a ação da homofobia que vivenciam em diversos âmbitos da vida
(família, escola, grupos religiosos, no trabalho, etc.), a homofobia “interiorizada” aparece
como outro elemento que potencializa as vulnerabilidades da população LGBT a partir
de todos os sentimentos que proporciona aos dissidentes da heteronormatividade e as
ações negativas movidas por eles com base nesses sentimentos. Uma análise propriamente
política da homofobia converge, deste modo, para a crítica dessa ordem social heteronor-
mativa de modo a produzir saúde psicológica, mental e física a todos os atingidos por ela.
Sabemos que ninguém escapa à “interiorização” da homofobia. Do mesmo modo
como a orientação sexual não se escolhe, ser homofóbico também não é uma escolha, mas
um efeito discursivo. E, seja em pessoas homossexuais, bissexuais ou em heterossexuais,
é com a informação e com a experiência em relação à homossexualidade (por exemplo,
conhecendo homossexuais ou vivenciando a homossexualidade, com as experiências
de vida, com novos encontros, com o atravessamento e despertar de novos desejos)
sob diversos aspectos é que é possível retirar a homossexualidade da invisibilidade e
desconstruir estigmas e processos de exclusão, visualizando-a como uma possibilidade
plural da sexualidade humana, tal como é a heterossexualidade. Contudo, se mesmo
com informação não há mudança, há uma escolha.
Schulman [2009 ou 2010] levanta uma problematização muito interessante em
uma entrevista sobre seu livro sobre homofobia familiar “Ties That Bind: Familial
homophobia and its consequences”11, no qual ela discute o conceito de homofobia. Ela
diz que, longe de ser uma fobia, a homofobia é um sistema de prazer. Segundo ela, as
pessoas profundamente homofóbicas não transparecem o medo em suas faces quando
estão exercendo a homofobia, mas estão desfrutando de seu poder. A palavra fobia

11 Schulman, Sara.Ties That Bind: Familial homophobia and its consequences, New Press, New York, 2009.

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constrói a ideia que o homofóbico está ameaçado, porém é o oposto que ocorre. Ele
está em pleno gozo de sua suposta superioridade.
A “fobia” que podemos considerar aqui não é a “fobia” da pessoa homossexual, mas a
“fobia” de ser homossexual, a fobia do homossexual em nós, de pertencer a um modo de
existência que sofre discriminação e violências constantes e a perda do status de manter
privilégios e se pretender superior.

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Sobre o livro

Capa 15,5 cm por 22,5 cm


Miolo 31 cm por 22,5 cm
Tipologia utilizada Schineidler BT
Papel Capa: Supremo 250g
Miolo: pólen bold 80

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