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Unidade II

Unidade II
Esta Unidade II é composta por quatro partes ou capítulos. Na primeira (“O Método Clínico de
Piaget”), você irá conhecer a metodologia utilizada por esse autor para estudar o desenvolvimento
cognitivo da criança. Para isso, serão apresentados as provas operatórias, os critérios para aplicação das
mesmas, bem como a atitude do experimentador durante a entrevista.

Da mesma forma, serão conhecidas as respostas e as reações que a criança pode apresentar e os
critérios e os procedimentos para avaliação das mesmas. Na segunda parte (“O jogo em uma perspectiva
psicogenética”), serão apresentados os tipos de estruturas que caracterizam os jogos infantis e sua
relação com o desenvolvimento. Destacaremos, também, a construção do significado da regra pela
criança em relação ao desenvolvimento do julgamento moral.

Na terceira (“O desenho em uma perspectiva psicogenética”), estudaremos a evolutiva do grafismo


infantil como uma das manifestações simbólicas do pensamento da criança a partir de dois autores,
Luquet e Lowenfeld, e as implicações dessa avaliação em um contexto interventivo no cotidiano
educacional. E, na última parte (“Piaget e a Educação”), exporemos críticas importantes desse autor
frente à escola tradicional e finalizaremos discutindo, numa visão piagetiana, algumas contribuições do
jogo para a escola e para a vida.

Após esta breve apresentação dos conteúdos da Unidade II, convidamos você a continuar este
fascinante estudo da teoria piagetiana.

5 O Método Clínico de Piaget

5.1. Fundamentos históricos e metodológicos

Os estudos piagetianos sobre o conhecimento estão alicerçados em bases epistemológicas, mas


diferentemente dos epistemólogos de sua época, que se baseavam na razão pura, Piaget se propõe a
realizar uma verificação experimental, para a qual utilizou o método clínico com as adaptações que o
objeto de estudo requeria (VISCA, 1997).

Observação

O método clínico não é uma criação piagetiana, como muitos pensam,


na verdade nasceu no século V a.C. na Grécia, e desde seu nascimento até
os dias atuais tem sido utilizado em diferentes estudos.

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Psicologia Construtivista

O modelo piagetiano de investigação da inteligência é chamado de método clínico ou método crítico


e se manteve constante durante todo o tempo em que foi utilizado por Piaget em suas investigações,
embora tenham ocorrido certos aperfeiçoamentos.

Vinh-Bang (apud VISCA, 1997) apresenta quatro etapas de desenvolvimento no método clínico
piagetiano:

• 1ª etapa: Elaboração do método (1920-1930) – observação pura e método da conversação.


• 2ª etapa: Observação clínica (1930-1940) – decorre da observação que Piaget faz de seus filhos
no estádio sensório-motor e início do pré-operatório, indicando o valor da observação como
método de investigação em crianças pré-verbais.
• 3ª etapa: Formalização (1940-1955) – método misto, porque renuncia ao método da conversação
pura e simples para adotar o método crítico, em que utiliza as contra-argumentações verbais e
as deformações nos objetos apresentados à criança com a finalidade de investigar o pensamento
lógico subjacente.
• 4ª etapa: Recentes (desde 1955) – o método clínico, que antes era utilizado apenas com interesse
epistemológico, a partir desse momento passa a ser empregado com finalidade psicológica e
psicopedagógica por uma equipe de especialistas de diferentes áreas em Genebra. Isso permitiu
não um novo modo de interrogar, mas novos tipos de perguntas.

Portanto, com a finalidade de descrever as habilidades intelectuais do indivíduo e compreender


como o sujeito pensa e constrói o conhecimento, Piaget utilizou como estratégia de investigação o
método clínico e procurou adequá-lo à medida que o foi utilizando ao longo de seus estudos.

O objetivo do método clínico piagetiano é compreender como o sujeito pensa, resolve


situações‑problema e de que maneira responde às questões elaboradas. O enfoque está na compreensão
de como e quando o sujeito utiliza determinado conhecimento e no processo que o leva a dar uma
determinada resposta. Portanto, a resposta “errada” pode ser uma forma de raciocínio do sujeito em
determinado momento de seu desenvolvimento, e isso deve estar bem claro para o adulto.

Dessa forma, o método clínico de Piaget tem como pressuposto uma avaliação da inteligência a
partir de uma abordagem psicogenética (avaliação dos processos de desenvolvimento da inteligência),
que difere da maneira mais tradicional utilizada em psicologia, à abordagem psicométrica (avaliação ou
quantificação das respostas corretas dadas pelo sujeito ao exame).

Para melhor compreender a perspectiva piagetiana de avaliação da inteligência, apresentamos, a


seguir, os principais aspectos de cada uma delas.

Abordagem psicométrica

Alfred Binet nasceu em 8 de julho de 1857 (em Nice) e faleceu em 28 de outubro de 1911 em
Paris. Psicólogo e pedagogo renomado, pelos estudos da inteligência pela psicometria, foi o primeiro a
elaborar testes psicométricos para avaliação – o Quociente Intelectual (QI).
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O primeiro teste de inteligência, em uma perspectiva psicométrica, elaborado por Binet e seu
colega, também francês, Theodore Simon (1872-1961) foi em 1905. Esse teste, de caráter verbal e em
grau crescente de dificuldade, visava obter a quantificação da inteligência por meio de uma escala,
o Quociente Intelectual (QI) do indivíduo. Ao longo dos anos, surgiram outros testes na tentativa de
aperfeiçoar os critérios de medição da inteligência.

Em 1939, David Wechsler (1896-1981), psicólogo americano, desenvolveu um dos mais importantes
testes para avaliação clínica de capacidade intelectual: a Escala de Inteligência para Crianças (WISC) e a
Escala de Inteligência para Adultos (WAIS).

O objetivo dos testes psicométricos é a mensuração das habilidades mentais. A aplicação é feita por
meio do controle de variáveis ambientais, rapport com o examinador, controle por meio de um manual
com perguntas específicas a serem feitas, respostas padronizadas a serem dadas pelo sujeito e controle
do tempo (cronômetro). Para que não haja interferência no desempenho do sujeito, é necessário,
portanto, a padronização do material e o controle do ambiente.

Lembrete

Somente aos psicólogos é autorizada a utilização e aplicação dos testes


psicométricos de inteligência.

Abordagem psicogenética

O objetivo, na abordagem psicogenética, é investigar a forma como o sujeito pensa e resolve


determinadas situações que lhe são apresentadas. O controle está no entendimento das respostas e
instruções (controle psicológico), em vez da padronização das mesmas e das situações externas (controle
fisicalista).

O investigador, nessa perspectiva, está interessado em compreender o processo que leva um sujeito a
esta ou àquela resposta. Para isso, deve ter amplo conhecimento da teoria piagetiana, que irá nortear as
perguntas que serão feitas durante a aplicação das provas, bem como a maneira como serão avaliadas
as respostas dadas pela criança.

Assim, todas as respostas dadas pelo sujeito são interpretadas com a finalidade de entender o
processo que as gerou, e as diferenças individuais não são avaliadas como indicadores de inteligência –
como na abordagem psicométrica –, e sim como indicadores do estádio do desenvolvimento cognitivo
em que o sujeito se encontra.

Para aplicar o método clínico, Piaget utilizou entrevistas puramente verbais e também apresentou
situações-problema com materiais concretos, a fim de possibilitar ao sujeito a antecipação e a explicação,
após determinada demonstração. Esse material Piaget chamou de provas operatórias, que vamos estudar
ainda nesta unidade.

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5.2 Procedimentos do experimentador

O método clínico de Piaget consiste em uma técnica de entrevista com crianças, em que por meio
de um conjunto de intervenções sistemáticas se faz uma investigação sobre o pensamento do sujeito.
As perguntas abordam conceitos da física, da matemática, da moral, da natureza e de vários outros
temas que compõem o conhecimento geral. Durante a entrevista, o experimentador elabora perguntas
e contra-argumentações a partir das respostas dadas pela criança e avalia sua qualidade e abrangência.

Para isso, é esperado que o experimentador apresente duas qualidades:

• saiba observar, permita que a criança fale e não desvie ou esgote nada;
• saiba buscar algo de preciso, tenha a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria,
verdadeira ou falsa, para investigar.

Piaget propõe, portanto, que os seguintes procedimentos devam ser levados em consideração pelo
experimentador durante a aplicação do método clínico:

• acompanhar o raciocínio, não corrigir ou completar suas respostas de acordo com seu próprio
raciocínio, não concluir pelo sujeito;
• buscar justificativas para respostas dadas, uma vez que o interesse principal do estudo da
inteligência na teoria de Piaget está em compreender o processo pelo qual o sujeito chegou
àquela resposta, as relações estabelecidas entre os fatos e a compreensão se a resposta foi dada
com convicção ou ao acaso;
• verificar a certeza com que o sujeito responde, ou seja, se a resposta está inserida em um sistema
dedutivo, se o sujeito responde com convicção, se a resposta é dada na ausência desse sistema, o
sujeito a modifica toda vez que o examinador faz questionamentos;
• evitar ambiguidades nas respostas dadas pelo sujeito, não cabe ao experimentador escolher qual
dos possíveis significados foi aquele pretendido pelo sujeito.

Para que esses procedimentos sejam concretizados, é necessário que o experimentador utilize três
tipos de perguntas características no método clínico-crítico:

• Perguntas de exploração è o objetivo é fazer aflorar a noção cuja existência e estruturação se


quer comprovar.
• Perguntas de justificação è que centram o sujeito sobre as razões do estado atual do objeto e
nas explicações concernentes a sua produção e à legitimação de seu ponto de vista.
• Perguntas de contra-argumentação è o objetivo é estabelecer se as aquisições da criança são ou
não estáveis e qual o grau de equilíbrio de suas ações ante os problemas, bem como apreender
sua atividade lógica profunda.

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A entrevista inicia à medida que o experimentador propõe uma tarefa à qual a criança apresentará
uma resposta.

Não há resposta certa ou errada, a intenção do experimentador é avaliar o nível de pensamento da


criança, e sua atitude durante a aplicação deve ser flexível, possibilitando uma interação espontânea com
a criança. Nesse sentido, o rapport é muito importante para deixá-la à vontade durante as atividades.

Lembrete

Rapport é uma relação, especialmente única, de confiança mútua


ou afinidade emocional. Criar o rapport pode ser entendido como o
estabelecimento de confiança, harmonia e cooperação em uma relação.

Assim que a criança dá uma resposta, o experimentador faz outras perguntas, colocando uma
variação no problema, ou seja, criando uma nova situação-problema. Para isso, utiliza sua experiência e
o referencial teórico piagetiano.

Sendo assim, as perguntas (exploração, justificação, contra-argumentação) têm como objetivo


esclarecer o que está implícito na resposta da criança e propiciar uma melhor compreensão de sua
estrutura cognitiva (a maneira como o sujeito pensa e em qual estádio do desenvolvimento está
incluído). Portanto, no método clínico piagetiano, não há como criar uma padronização das perguntas a
serem feitas (como na abordagem psicométrica), pois o objetivo é seguir o pensamento da criança para
onde quer que ele se dirija.

Piaget salienta que somente após um ano de exercícios diários de estudo e aplicação das provas
operatórias, fundamentados em uma base teórica sólida, é que irá permitir, ao entrevistador, a utilização
do método clínico de maneira a propiciar uma compreensão sobre o pensamento do sujeito.

Nas palavras de Piaget (1926, 2005, p.11):

O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas


vezes incompatíveis: saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não
desviar nada, não esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de
preciso, ter a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria, verdadeira
ou falsa, para controlar. É preciso ter-se ensinado o método clínico para
compreender a verdadeira dificuldade. Ou os alunos que se iniciam sugerem
à criança tudo aquilo que desejam descobrir, ou não sugerem nada, pois não
buscam nada e, portanto, também não encontram nada.

5.3 Respostas e reações dos sujeitos

Outro aspecto fundamental na aplicação do método clínico piagetiano são os critérios para avaliação
das respostas dadas pelo sujeito. Diferentemente da abordagem psicométrica, a avaliação das respostas
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não se faz pela contagem de acertos e erros, mas sim pela compreensão do raciocínio utilizado pelo
sujeito para chegar àquela resposta, na compreensão da perspectiva a partir da qual o sujeito responde.

Nesse sentido, o erro é tão importante, ou mais, que o acerto, uma vez que indica, para nós, o processo
de pensamento ou raciocínio do sujeito durante o processo de construção de conhecimento. O erro no
construtivismo é possível e necessário, pois faz parte de um processo interno, de uma autorregulação
– para aprender, o sujeito precisa compreender e internalizar os fatos por oposição a simples cópia e
repetição de modelos externos.

Para a avaliação das respostas, deve-se utilizar como critério os indicadores apresentados por Piaget
em relação às estruturas de pensamento da criança em cada estádio do desenvolvimento cognitivo. Em
outras palavras, por meio das provas operatórias, podemos conhecer o funcionamento das estruturas de
pensamento do sujeito, suas funções lógicas e o nível cognitivo em que se encontra.

Sendo assim, Piaget propõe níveis de desenvolvimento ao avaliar as respostas dadas pelas crianças
durante o método clínico:

• Nível I – corresponde àquele em que a criança não resolve o problema, nem sequer o entende,
ou, então, responde erroneamente, mas com convicção.
• Nível II – corresponde ao conflito, ambivalência, dúvida, em que a criança oscila em suas respostas,
apresentando flutuações. Percebe o erro somente depois de o ter cometido, não sendo capaz de
antecipá-lo, por isso as ações da criança se baseiam em ensaio e erro, na tentativa, na solução
empírica.
• Nível III – corresponde àquele em que a criança apresenta uma solução suficiente à questão
e à compreensão do problema como é colocado. Os erros podem ocorrer, mas o que muda é a
maneira como sujeito lida com eles: podem ser antecipados, neutralizados, pré-corrigidos ou
compensados.

A questão fundamental que se coloca do ponto de vista psicológico e pedagógico é como podemos
criar situações-problema que possibilitem ao sujeito transformar o erro em um observável para si mesmo,
a ponto de que possa antecipá-lo, neutralizá-lo, corrigi-lo ou compensá-lo de maneira autônoma.

Piaget observou que a criança pode apresentar cinco reações durante as respostas às provas operatórias,
sendo duas delas manifestações de condutas significativas da aprendizagem e desenvolvimento da
criança.

Quadro 4

Principais reações da criança durante o método clínico


Não importismo
Fabulação
Crença sugerida
Crença desencadeada
Crença espontânea

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• Não importismo: quando a pergunta aborrece a criança ou, de maneira geral, não provoca
nenhum esforço de adaptação, a criança responde qualquer coisa e de qualquer forma, sem
mesmo procurar divertir-se ou construir um mito.
• Fabulação: quando a criança, sem mais refletir, responde à pergunta inventando uma história em
que não acredita, ou na qual crê, por simples exercício verbal.
• Crença sugerida: quando a criança esforça-se para responder a uma questão, sem que esta
lhe seja sugestiva, ou quando busca simplesmente contentar o examinador, sem considerar sua
própria reflexão. A pergunta não é da criança ou não lhe interessa, por isso responde na perspectiva
do examinador e não na sua própria.
• Crença desencadeada: quando a criança responde com reflexão, extraindo a resposta de
seus próprios recursos, sem sugestão para ela, dizemos que há crença desencadeada. A crença
desencadeada é influenciada necessariamente pelo interrogatório, pois a simples maneira como a
questão é colocada e apresentada à criança força-a a raciocinar em certa direção e a sistematizar
seu saber de certo modo; mas ela é, contudo, um produto original do pensamento da criança,
pois nem o raciocínio feito por ela para responder à questão nem o conjunto dos conhecimentos
anteriores que utiliza durante sua reflexão são diretamente influenciados pelo experimentador.
A crença desencadeada não é, portanto, nem espontânea nem propriamente sugerida: ela é
produto de um raciocínio feito sob comando, mas por meio de materiais (conhecimentos da
criança, imagens mentais, esquemas motores, pré-ligações sincréticas etc.) e de instrumentos
lógicos originais (estrutura de raciocínio, orientações do espírito, hábitos intelectuais etc.).
• Crença espontânea: quando a criança não tem necessidade de raciocinar para responder à
questão, mas pode dar uma resposta imediata à questão porque já formulada ou formulável,
há a crença espontânea. Há, portanto, crença espontânea quando a questão não é nova para a
criança e quando a resposta é fruto de uma reflexão anterior e original. Excluímos naturalmente
desse tipo de reação, como de resto de cada uma das precedentes, as respostas influenciadas
pelos ensinamentos recebidos anteriormente ao interrogatório. Há aí um problema distinto, e
naturalmente muito complexo, que consiste em distinguir, nas respostas recebidas, o que provém
da criança e o que foi inspirado pela companhia adulta.

Concluindo, durante o método clínico, é objetivo do experimentador a presença de crenças


desencadeadas, uma vez que é ele que apresenta as situações-problema, observa e discute com a
criança sobre suas hipóteses, favorecendo, assim, a construção do conhecimento e o consequente
desenvolvimento das estruturas operatórias do pensamento. Da mesma forma, o professor que
compreende o método clínico pode utilizá-lo como estratégia metodológica construtivista em sua
prática pedagógica ao planejar e ministrar suas aulas. São as crenças desencadeadas que mais desejamos
em nossos alunos.

5.4 Provas operatórias

Vamos, então, a seguir, apresentar algumas das provas operatórias estudadas por Piaget e descrevê‑las,
em relação aos procedimentos de aplicação e avaliação.

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Quadro 5

Apresentação das Provas Operatórias Piagetianas


PROVA 1 - Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos
PROVA 2 - Conservação da quantidade de matéria
PROVA 3 - Conservação de quantidade de líquidos
PROVA 4 - Conservação de comprimento
PROVA 1 – Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos

Primeira modificação espacial Segunda modificação espacial

Figura 8

Materiais: 9 fichas vermelhas e 9 fichas amarelas.

Início da prova: o experimentador deve dispor sobre a mesa de 5 a 7 fichas vermelhas e solicitar
à criança que coloque, de maneira equivalente, a mesma quantidade de fichas amarelas. Os elementos
vermelhos e amarelos devem apresentar correspondência termo a termo, e o experimentador não deve
continuar a prova até que a criança perceba que tem a mesma quantidade de fichas nas duas coleções
(igualdade inicial).

Primeira modificação: o experimentador espaça (ou une) as fichas vermelhas, de modo a formar
uma linha mais comprida (ou mais curta) que as fichas amarelas, e pergunta: “Eu tenho mais, menos ou
a mesma quantidade de fichas que você?”.

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Argumentação: onde tem mais? Onde tem menos? Por que tem a mesma quantidade? Como é que
você sabe?

Contra-argumentação: olha como esta linha é comprida, será que não tem mais fichas? (para
resposta conservativa); você se lembra de que, antes, as duas fileiras tinham a mesma quantidade de
fichas? (para resposta não conservativa). O experimentador faz a volta empírica (retorno das fichas ao
início da prova), fazendo as perguntas sobre a igualdade das fichas em cada coleção.

Segunda modificação: o experimentador coloca as fichas vermelhas em círculo sobre a mesa e


pede à criança que coloque ao redor a mesma quantidade de fichas amarelas, e pergunta: “Eu tenho
mais, menos ou a mesma quantidade de fichas que você?”.

Argumentação: onde tem mais? Onde tem menos? Por que tem a mesma quantidade? Como é que
você sabe?

Contra-argumentação: se as fichas fossem balas e você comesse todas as suas e eu comesse todas
as minhas, comeríamos a mesma quantidade ou um comeria mais e outro menos? Por quê?

Outras perguntas: você não acha que estas fichas de dentro possuem menos quantidade que estas
de fora? Explique por quê. Um menino de sua idade me disse que aqui (curta) tem menos, será que ele
estava certo, ou não? (para resposta conservativa); você não acha que estas fichas de dentro e as de fora
possuem a mesma quantidade? Explique por quê. (para resposta não conservativa).

Nas observações feitas por Piaget, crianças de 4 a 5 anos apresentam julgamentos não conservativos;
crianças a partir de 6 anos apresentam julgamentos estáveis de conservação que são justificados por
identidade, reversibilidade e compensação.

Observação

De acordo com Piaget, as idades são apenas valores indicativos.


Dependendo do contexto social e do sistema escolar da criança, poderá
haver variações no que se refere às idades em que essas condutas são mais
frequentes.

PROVA 2 – Conservação da quantidade de matéria

Modificação do elemento experimental


Igualdade inicial (achatamento)

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Modificação do elemento experimental Modificação do elemento experimental


(alargamento) (partição)

Figura 9

Materiais: 2 bolas de massa de modelar de cores diferentes, com 4 cm de diâmetro cada.

Início da prova: o experimentador pede à criança para igualar as duas bolas quanto à sua
quantidade. “Tem a mesma quantidade de massa nas duas bolas?”. O experimentador não deve
continuar a prova até que a criança perceba que tem a mesma quantidade de massa nas duas
bolas (igualdade inicial).

Primeira modificação: o experimentador deve transformar uma das bolas em uma salsicha (cerca
de 12 cm) e perguntar: “E agora, tem a mesma quantidade de massa na bola e na salsicha?”.

Argumentação: como é que você sabe? Pode me explicar?

Contra-argumentação: mas a salsicha é mais larga, você não acha que tem mais quantidade de
massa do que na bola? (para resposta conservativa); você se lembra que antes as duas bolas tinham a
mesma quantidade? O que você acha agora? (para resposta não conservativa). O experimentador faz
a volta empírica (retorno das bolas ao início da prova), fazendo as perguntas sobre a igualdade das
mesmas.

Segunda modificação: o experimentador transforma uma das bolas em bolacha (cerca de 7


cm de diâmetro) e procede como na primeira deformação, terminando o problema com a volta
empírica.

Terceira modificação: o experimentador fragmenta em migalhas uma das bolas (cerca de 8 a 10


pedaços) e procede como para as outras deformações.

Nas observações feitas por Piaget, crianças de 5 a 6 anos apresentam julgamentos não conservativos;
crianças a partir de 7 anos apresentam julgamentos estáveis de conservação que são justificados por
identidade, reversibilidade e compensação.

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PROVA 3 – Conservação de quantidade de líquidos

Materiais Igualdade inicial

A1 A2
D1 D2 D3 D4
C

A1 A2

Primeira modificação Segunda modificação

Terceira modificação

Figura 10

Materiais: 2 vasos iguais A1 e A2; 1 vaso mais fino e alto B; 1 vaso mais largo e baixo C; 4 vasinhos
iguais D1, D2, D3, D4; 2 garrafas contendo líquidos de cores diferentes.

Início da prova: o experimentador faz primeiro a criança constatar que os recipientes A1 e A2 são
de dimensões idênticas (altura e diâmetro). E não deve continuar a prova até que a criança perceba que
os dois vasos são iguais (igualdade inicial). Em seguida, pega uma das garrafas e despeja o líquido em
A1 e pede à criança que pegue a outra garrafa e despeje a mesma quantidade em A2. Pergunta: “Se eu

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beber neste copo (A1) e você beber neste outro (A2), nós beberemos igual ou um beberá mais e o outro
menos? Por quê?”. Caso a criança diga que tem mais em um do que no outro, diga a ela que faça com
que fiquem com a mesma quantidade. O experimentador não deve continuar a prova até que a criança
perceba que os dois vasos são iguais (igualdade inicial).

Primeiro transvasamento: o experimentador despeja o líquido de A2 em B e pergunta: “Será que


agora nós temos a mesma quantidade ou um tem mais que o outro? Será que um tem muito e o outro
pouco?”.

Argumentação: como é que você sabe? Pode me explicar?

Contra-argumentação: mas aqui (B) sobe mais, você não acha que tem mais para beber? (para
resposta conservativa); mas antes não tinha a mesma quantidade? (para resposta não conservativa). O
experimentador faz a volta empírica (retorno ao início da prova), fazendo as perguntas sobre a igualdade
das mesmas.

Segundo transvasamento: o experimentador despeja o líquido de A2 em C e pergunta: “Será que


agora nós temos a mesma quantidade ou um tem mais que o outro? Será que um tem muito e o outro
pouco?”.

Argumentação: como é que você sabe? Pode me explicar?

Contra-argumentação: mas aqui (C) está com nível do líquido mais baixo, você não acha que
tem menos para beber? (para resposta conservativa); mas antes não tinha a mesma quantidade? (para
resposta não conservativa). Terminar o problema com a volta empírica.

Segundo transvasamento: o experimentador despeja o líquido de A2 em D1, D2, D3, D4 e procede


como para os outros transvasamentos, insistindo sobre a comparação entre os quatro vidros e o vidro A.

Nas observações feitas por Piaget, crianças de 5 a 6 anos apresentam julgamentos não conservativos;
crianças a partir de 7 anos apresentam julgamentos estáveis de conservação que são justificados por
identidade, reversibilidade e compensação.

PROVA 4 – Conservação de comprimento

Perguntas iniciais Primeira situação

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Segunda situação

Figura 11

Materiais: 2 fios flexíveis de comprimentos diferentes (10 cm e 15 cm).

Início da prova: o experimentador inicia a prova dispondo sobre a mesa os dois fios e diz: “Vamos
fazer de conta que estes fios são dois caminhos, este maior (A) é meu e este menor (B) é o seu. Façamos
de conta que vamos caminhar por estes caminhos. Nós iremos caminhar igualmente ou um caminhará
mais que o outro?”. A criança deve compreender a desigualdade dos fios e emitir o julgamento A > B.

Primeira modificação: o experimentador deve diminuir o fio maior (A) para coincidir as extremidades
com o menor (B) e perguntar: e agora? Eu vou andar mais, menos ou o mesmo tanto que você?

Argumentação: como é que você sabe? Pode me explicar?

Contra-argumentação: mas olhe, não estão do mesmo tamanho? Será que não vamos andar o
mesmo tanto? (para resposta conservativa); mas você se lembra como estavam os fios antes? O que você
acha agora? (para resposta não conservativa). Voltam-se, então, os fios para a disposição inicial (volta
empírica).

Segunda modificação: o experimentador deve diminuir o fio maior (A), de modo que fique menor
que o fio (B) e que haja entre os fios A e B uma diferença em uma das extremidades. Faz-se, então, como
na primeira situação, questões de comparação dos comprimentos de A e B e, na contra-argumentação,
conforme as respostas da criança.

Nas observações feitas por Piaget, crianças de 6 a 7 anos apresentam julgamentos não conservativos;
crianças a partir de 8 anos apresentam julgamentos estáveis de conservação que são justificados por
identidade, reversibilidade e compensação.

Saiba mais
Convidamos você a pesquisar em sites na internet filmes que
apresentam crianças sendo entrevistadas pelo Método Clínico Piagetiano.
Será uma ótima oportunidade para verificar os procedimentos utilizados
pelo experimentador, os tipos de respostas e reações da criança, bem como
conferir as características do desenvolvimento cognitivo infantil estudados
nesta disciplina.

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6 O Jogo em uma perspectiva psicogenética

Antes de começarmos este item, convidamos você a refletir sobre algumas questões: qual o sentido
dos jogos para as crianças? E para você? Qual a relação que eles possuem com o desenvolvimento
humano? Eles “servem” apenas para distrair e desenvolver habilidades sensoriais e motoras ou têm outra
função?

Todos nós, ao menos enquanto éramos crianças, jogamos. Brincar de casinha, jogar bola, brincar
de esconde-esconde, de carrinho, jogar peteca, bola de gude, xadrez… São infinitas as possibilidades,
tanto nas formas mais solitárias (pular corda, por exemplo) como nas mais coletivas (futebol, basquete
etc.). Vivemos momentos de alegria, euforia e até “suamos a camisa”, sentimo-nos frustrados quando
errávamos, ou invejávamos a habilidade maior de algum colega… Enfim, jogar faz parte da vida de todos
e, mesmo em condições econômicas mais precárias, sempre as crianças acham uma forma de se divertir,
brincando e jogando (aqui, infelizmente, não podemos deixar de comentar as crianças que observamos
nas ruas das cidades grandes, que mesmo demonstrando falta de higiene e alimentação adequadas,
jogam entre si e brincam com papéis, com pedaços de madeira, com galhos de árvores pegados nos
jardins públicos etc.). Todos, enfim, jogamos, ainda que muitos de nós nunca tenhamos parado para
refletir sobre a importância do jogo na nossa vida: seja quando ainda éramos crianças, seja nas fases
seguintes.

Pois bem, perguntas semelhantes a essas foram feitas pelo próprio Piaget. Como seu interesse maior
de pesquisa sempre foi compreender como pensavam as crianças, como interagiam com seu próprio
conhecimento e como este evoluía ao longo dos anos até a idade adulta, ele logo observou que o
jogar era uma atividade ímpar no sentido de conhecer o universo infantil. E como sua perspectiva
epistemológica é psicogenética, foi esse mesmo ponto de vista que utilizou para estudar esse assunto:
ou seja, ele tem um olhar evolutivo e dinâmico para o jogo na vida infantil.

Piaget possui três livros principais em que tratou diretamente do tema jogo e, analisando cada um,
iremos compreender as três razões desse seu interesse.

Seguindo a ordem cronológica como foram escritos, examinemos esses três textos.

O juízo moral na criança (1932) – desenvolvimento moral

Para Piaget, o jogo tem importância fundamental na construção das regras pela criança, pois
permite ao sujeito a descentralização, essencial à autonomia. E esse é o tema central desse livro,
bastante original na época, pois, além de estudar a gênese da moralidade na criança, estudou esse
tema indo a campo, entrevistando e observando como as crianças jogavam. Nele, Piaget apresenta
inúmeros exemplos que fundamentam um dos princípios da sua teoria: que a ação precede a
tomada de consciência dessa ação pelo sujeito. Isso nos jogos fica bastante evidente: aprender
a jogar um jogo não depende de que antes você saiba como jogar, ao contrário, aprende-se
jogando! E, mesmo assim, nem sempre tomamos consciência de como são nossas estratégias no
jogo, mesmo quando já jogamos suficientemente bem.

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Piaget e seus colaboradores realizaram inúmeras entrevistas com crianças de diferentes idades,
especialmente sobre o jogo de bola de gude – bastante popular naquela época, na sociedade
em que Piaget vivia (Genebra, na Suíça). Ele vai demonstrar que a prática das regras dos jogos
evolui em ritmo diferente da consciência dessas mesmas regras. Mais adiante, quando tratarmos
do tema “jogo de regras”, examinaremos melhor como ocorrem essas evoluções e como elas se
relacionam diretamente com a evolução das ações e dos valores e juízos (julgamentos) morais
das crianças, lembrando que, como já comentamos anteriormente neste livro-texto, a direção do
desenvolvimento humano, para Piaget, se dá do egocentrismo para a descentração.

Por fim, é importante você saber que nesse mesmo livro, vinculado à questão da evolução da relação
com as regras e normas (dos jogos e, por extensão, as regras sociais), Piaget também tratou de temas
como a mentira e a noção de justiça.

Observação

Piaget discorda que a moralidade é aprendida pela pressão externa


do ambiente sociocultural, mas defende um olhar interacionista e de
construção dessa moralidade, com base na ação e na experiência.

A formação do símbolo na criança (1945) – desenvolvimento cognitivo

Esse livro trata de uma época fundamental do desenvolvimento infantil: o estádio pré‑operatório,
em que a criança começará a fazer diferentes usos da capacidade de representação, liberando-se
do egocentrismo prático do estádio anterior. O enfoque, portanto, será cognitivo e não sociomoral
como no livro anterior. Vejamos como o próprio autor fala disso:

No terreno do jogo e da imitação, pode-se acompanhar de maneira


contínua a passagem da assimilação e da acomodação sensório-motoras –
os dois processos que nos pareceram essenciais na constituição das formas
primitivas e pré-verbais da inteligência – para a assimilação e acomodação
mentais que caracterizam os inícios da representação (PIAGET, 1945,1990,
p. 11).

Na parte dedicada ao jogo, Piaget fará um exame detalhado e com muitas ilustrações de
situações práticas da evolução do jogo, desde as primeiras semanas de vida, na condição de
bebê, com uma ênfase claramente motora, até a adolescência, com jogos de nível mais abstrato
e coletivo.

Esse será o tema que estudaremos nas próximas partes desta unidade, que corresponde às quatro
estruturas dos jogos analisadas pelo autor: jogo de exercício, jogo simbólico, jogo de construção e jogo
de regras.

80
Psicologia Construtivista

As formas elementares da dialética (1980) – dialética e equilibração

Nesse terceiro livro, escrito já no final da vida de Piaget, encontramos em cada capítulo análises
empíricas de jogos específicos (como jogo de xadrez simplificado e jogo das boas perguntas), mas com
o enfoque comum: ilustrar o trabalho dinâmico e dialético da nossa inteligência, ou seja, detalhar como
se dá o mecanismo de equilibração cognitiva. Entre os três livros comentados, esse talvez seja o mais
complexo, pois se fundamenta em toda a obra do autor e numa análise cognitiva mais profunda. Ele
tem inspirado muitas pesquisas na área da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação. Dentre eles,
podemos destacar um livro, organizado pelo Prof. Lino de Macedo, Jogo, psicologia e educação: teoria
e pesquisas (2009). Nele, você encontra relatos de diferentes pesquisas, muitas delas realizadas em
contexto educacional, diretamente com alunos ou mesmo com professores, e que propõem reflexões e
mesmo atividades práticas úteis ao cotidiano docente.

Segundo Lino de Macedo, que faz a apresentação desse livro, Piaget destaca a principal função
dos jogos, qual seja, a de “serem veículo para processos de desenvolvimento e de solicitarem, por
sua estrutura e conteúdo, uma qualidade de interação de natureza construtiva, ou seja, que supõe
formas de interdependência relacional ou dialética” (PIAGET, 1980,1996, p. 7). Mas o que isso quer
dizer para nós, num contexto de formação em pedagogia? Que observar os jogos entre crianças
e, mais que isso, propô-los intencionalmente a elas – trata-se de uma forma de intervenção que
promove o seu desenvolvimento, pois os jogos “pedem” um aperfeiçoamento constante do jogador,
além de sua atenção, envolvimento, tomada de decisão e tantas outras habilidades cognitivas,
afetivas e sociais tão fundamentais.

Como vimos, Piaget apresenta em seus estudos três grandes tipos de estruturas que caracterizam os
jogos infantis, acrescentando uma quarta – os jogos de construção –, que formam os temas específicos
das quatro partes que compõem este capítulo da Unidade II:

• Jogo de exercício è Estádio sensório-motor (0-2 anos)

• Jogo simbólico è Estádio pré-operatório (2-6 anos)

• Jogos de construção è Transição

• Jogo de regra è Estádio operatório (7-15 anos)

Lembrete

As estruturas lúdicas analisadas por Piaget, e que se relacionam


aos estádios do desenvolvimento cognitivo, são: jogo de exercício, jogo
simbólico, jogo de construção e jogo de regras.

81
Unidade II

Saiba mais

Dica de leitura: matéria do Prof. Lino de Macedo “Brincar é mais que


aprender” (2007) para a Revista Nova Escola, da Editora Abril. Fala do valor
do jogo e do brincar para o desenvolvimento infantil: vale a pena acessar
o texto!

Disponível em:

<http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/
brincar-mais-que-aprender-jogos-brincadeiras-aprendizagem-541594.
shtml>. Acesso em: 20 fev. 2012.

6.1 Jogo de exercício

Os jogos de exercício correspondem à primeira forma de jogo da criança e são característicos do


primeiro estádio do desenvolvimento, o sensório-motor, embora essa estrutura de jogo permaneça até a
vida adulta. Mas isso nós veremos com detalhes mais adiante. Vamos primeiro entender de que se trata
esse tipo de jogo.

Como o nome sugere, o foco desse jogo é o exercício de uma função, ou seja, está diretamente
relacionado ao prazer que a criança extrai de exercitar (aprender, explorar) uma função. Num exemplo,
um bebê necessariamente precisa aprender a mamar (em um seio ou mamadeira), por uma questão
de sobrevivência, e depende, para isso, da ação do reflexo de sugar, inato, portanto. Entretanto, o que
Piaget irá observar é que mais do que servir como base para a alimentação do bebê, o reflexo de sugar
irá se transformar no esquema de sugar (como estudamos no capítulo respectivo ao primeiro estádio, na
Unidade 1) e, além disso, será fonte de brincadeira, de exploração lúdica e de prazer funcional. Ou seja,
ao repetir (e exercitar, portanto) uma função como o mamar, a criança estará fortalecendo seu domínio
sobre ela, o que lhe proporciona satisfação, segurança. A esse respeito, Macedo sintetiza:

a assimilação funcional, ou o prazer pela alimentação de algo que se tornou


parte de um sistema e que por isso pede repetição, caracteriza o aspecto
lúdico ou autotélico dos esquemas de ação. (…) A repetição, requerida
pelas demandas de assimilação funcional dos esquemas de ação, tem por
consequências algo muito importante para o desenvolvimento da criança: a
formação de hábitos (MACEDO, 1997, p. 129).

Esse caráter autotélico a que Macedo se refere significa que, no nosso exemplo, a criança tem prazer
em brincar de sugar o seio como um fim em si mesmo, um prazer do sugar/mamar pelo prazer que essa
atividade, a sua repetição e o domínio progressivo dessa função, proporciona a ela. E isso nós observamos
facilmente quando vemos um bebê ser amamentado a partir de poucas semanas. Ele brinca com o
seio da mãe, mesmo sem extrair leite dele. Mas isso não vale só para esse esquema: podemos pensar
82
Psicologia Construtivista

que quando qualquer um de nós, mesmo quando mais velhos, aprendemos uma função nova – como
aprender a utilizar sozinho os talheres ou um aparelho celular novo, por exemplo – vivenciamos um
prazer em explorar e “brincar” com esse objeto que vai além do uso prático da alimentação independente
e da comunicação com outra pessoa ou dos efeitos práticos que o aparelho permite realizar.

Nesse sentido, como afirmamos anteriormente, os jogos de exercício que se iniciam quando a
inteligência ainda é pré-verbal, essencialmente prática e inconsciente, permanecem como “pano de
fundo” em nossas vidas para sempre. Ou melhor, pensando na perspectiva psicogenética do autor, quanto
mais um bebê e uma criança pequena forem expostos e estimulados a viverem situações de jogos de
exercício, isso criará uma base de prazer e satisfação em aprender que se manterá até a vida adulta.
Ou, em contrapartida, se privarmos um bebê de “brincar” com os objetos e explorar livremente sua
ação sobre eles, ele poderá desenvolver uma relação pouco prazerosa, mecânica, com as aprendizagens
futuras.

Vemos, então, que a criança bem pequena brinca/joga sozinha, mesmo que sem utilização da noção
de regras (o que só será possível cognitivamente bem mais adiante). Com isso, Piaget quer mostrar
que o ato de jogar é uma atividade natural e espontânea do homem e surge como prazer funcional
em repetir exercícios motores (gestos, movimentos) – agitar os braços, sacudir objetos, emitir sons,
caminhar, pular, correr etc.

Lembrete

Embora característico do primeiro estádio, o jogo de exercício será


integrado pelas estruturas posteriores e permanecerá até a vida adulta.

Os jogos de exercício, portanto, formarão uma base importante para a aprendizagem cognitiva, para
o desenvolvimento da inteligência e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento da afetividade. Você
se lembra dos afetos perceptivos, que mencionamos no primeiro capítulo da Unidade I? Pois bem, esse
tipo de jogo infantil favorece essa relação de prazer sensorial e perceptivo e do desenvolvimento das
preferências individuais!

Figura 12 – Jogo de exercício

83
Unidade II

Saiba mais

Convidamos você a acessar a entrevista do filósofo Gilles Brougére


sobre o aprendizado do brincar, em que ele defende que o prazer deve ser
um elemento central no brincar.

Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/crianca-e-adolescente/


desenvolvimento-e-aprendizagem/entrevista-gilles-brougere-sobre-
aprendizado-brincar-jogo-educacao-infantil-ludico-brincadeira-
crianca-539230.shtml?comments=yes>. Acesso em: 20 jun. 2012.

Boa leitura!

6.2 Jogo simbólico

Com o avanço do desenvolvimento infantil e a aquisição da capacidade de representação,


alicerçada principalmente na linguagem falada, veremos o aparecimento de uma nova estrutura
lúdica: o jogo simbólico. Como o nome destaca aqui, o foco não estará mais no prazer do exercício
de uma função, mas em simbolizar, imaginar, criar significados para os objetos e situações. Nesses
chamados jogos de faz de conta, a satisfação do eu estará na possibilidade de transformação do
real em função dos seus desejos e, por isso, a assimilação nesse caso não é mais funcional, mas é
uma “assimilação deformante”.

Em outras palavras, o jogo simbólico tem como função assimilar as relações e os significados
predominantes no meio ambiente e, também, é uma maneira de autoexpressão, de criação pessoal.
O jogo de faz de conta possibilita à criança a realização de sonhos e fantasias, revela conflitos, medos
e angústias, aliviando tensões e frustrações. É a fase das brincadeiras de boneca, casinha, escolinha,
personagens, super-heróis etc.

Por que jogar e brincar são formas de representação? Uma das consequências
maravilhosas, nesse contexto de repetir, variar, recombinar e inventar, é
poder criar representações. Quando brincam de casinha, as crianças vivem
a experiência de reconstruir o cotidiano e simbolizar a vida (MACEDO, 2002,
s.d.)

É importante frisar que esse movimento de atribuir significados aos objetos e às pessoas (como
ao se tornar uma princesa ou bruxa) a criança não faz apenas com base em conteúdos individuais:
muito ao contrário, pelo jogo simbólico, as crianças expressam e “mergulham” no universo de sua
cultura, do grupo a que pertencem. Embora o brincar simbólico seja universal, uma necessidade de
todo ser humano (o que Piaget perseguiu em sua obra: o sujeito epistêmico e universal), o tema de
brincadeira e como cada criança representará os papéis será específico e particular de cada contexto
e cada criança.
84
Psicologia Construtivista

Outro aspecto fundamental na estrutura dos jogos simbólicos é sua função


socializadora. Graças a eles, as crianças aprendem, também, a se tornarem,
por exemplo, brasileiras, aprendem a sentir pertencendo a uma pátria, a uma
cultura ou religião. Esquemas simbólicos são, a propósito, organizações de
imagens, de ideias, de representações, de atividades corporais, por intermédio
das quais o sujeito pode tematizar um papel, pode operar uma coisa como se
fosse outra, pode realizar ações como conteúdos de formas agora simbólicas,
isto é, que representam aspectos sociais e culturais (MACEDO, p. 160).

Nos jogos de exercício, era o corpo da criança, sua capacidade de funcionar de agir, que sustentava
seu prazer. Aqui, o prazer estará em dominar esse universo simbólico e, inclusive, buscar compreendê-lo,
mas agora numa dimensão relacional e coletiva. Quando um grupo de crianças brinca de casinha, por
exemplo, e representam os diferentes papéis, de mãe, pai, filho etc., elas estão buscando compreender
como se dão essas relações na vida social.

Observação

No jogo de exercício, a criança descobre a forma da ação, no simbólico,


ela inventa o conteúdo para os objetos (MACEDO, PETTY, PASSOS, 1997).

Os livros de história infantil, os filmes de animação, a literatura infantil em geral oferecem exemplos
vários desse momento tão rico e fascinante da vida infantil e de como esses jogos simbólicos são
necessários ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social e não são distrações, apenas. Selecionamos
um poema da nossa importante escritora, Cecília Meireles, em que, com extrema delicadeza, ela descreve
a brincadeira de uma menina ao se transformar em bailarina.

A bailarina

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré


mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá


Mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,


mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar


e não fica tonta nem sai do lugar.
85
Unidade II

Põe no cabelo uma estrela e um véu


e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,


e também quer dormir como as outras crianças.
Fonte: MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

No livro A formação do símbolo na criança (1945,1990), em que Piaget descreve, inclusive, diferentes
fases internas a cada um dos tipos de jogo que estamos estudando neste texto, ele afirma que nem
sempre é fácil distinguir um jogo de exercício de um jogo simbólico. Por exemplo, porque podemos
encontrar jogos de exercícios verbais, como quando as crianças brincam com as palavras. Mas como,
então, saber diferenciá-los? No primeiro caso, o interesse da criança está na mera repetição das palavras,
na brincadeira com sons, por exemplo, e no segundo “ela se interessa pelas realidades simbolizadas,
servindo tão só o símbolo para evocá-las” (PIAGET, 1945, 1990, p. 56). Mais uma vez, portanto, fica claro
que a dimensão sociocultural é uma das características marcantes desse tipo de jogo.

Figura 13 – Jogo simbólico

Piaget afirma que grande parte dos conteúdos simbolizados na brincadeira são conscientes para
o sujeito: por exemplo, se ele utiliza uma colher como uma varinha mágica, ele tem noção clara das
funções (da colher e da varinha) e do modo como é possível associá-las na brincadeira. Porém, ele
também reconhecerá que há um simbolismo secundário, como ele denomina, nos jogos cujas motivações
podem ser inconscientes ao próprio sujeito. Esse é um dos raros, mas marcantes, momentos em sua obra
em que trata de temas relacionados à afetividade. Ele dirá que o símbolo permite à criança expressar
diferentes “esquemas afetivos, isto é, resumos ou moldes dos diversos sentimentos sucessivos que esse
personagem provoca” (PIAGET, 1945, 1990, p. 226). Ou seja, além dos conteúdos culturais referentes
86
Psicologia Construtivista

àquilo que observa e assimila cognitivamente das relações de que participa, a criança, num ato de
simbolizar um pai numa brincadeira de casinha, por exemplo, expressará seus sentimentos diversos (e
mesmo ambivalentes, como amor e temor, submissão e independência etc.) frente a essa figura.

Lembrete

Para Piaget (1945,1990, p. 221): “todo simbolismo supõe um interesse e


um valor afetivo, aliás, como todo pensamento”.

Nas últimas décadas, com o avanço dos jogos eletrônicos, acompanhamos um interesse
crescente, sobretudo entre jovens e adultos, nos chamados Jogos de papéis (Role-Playing Games
– RPG). É um jogo de representação de papéis em que todos os participantes, exceto um –
denominado Mestre –, escolhem, formam e representam um personagem, dentro de um mundo
imaginário (ou não), seguindo algumas regras. Esses jogadores não jogam uns “contra” os outros,
e sim uns “com” os outros. Nesse jogo, o importante não é vencer, nem sequer competir, mas sim
a diversão, ou seja, o aspecto lúdico do jogo.

Esses jogos relacionam-se diretamente, como o universo dos jogos simbólicos, embora já se
enquadrem na categoria dos jogos de regras que iremos tratar mais adiante neste livro-texto. Achamos
útil sugerir para seu aprofundamento uma das recentes pesquisas sobre esse tema e que possui enfoque
piagetiano de Miranda (2005, p. 58): “Libertando o sonho da criação: um olhar psicológico sobre os
jogos de interpretação de papéis (RPG)”.

Saiba mais

Uma definição simples desse tipo de jogo você encontra no site <http://
www.jogodeaprender.com.br/rpg_oq.html>. Acesso em: 20 mar. 2012. “RPG
(Role-Playing Game).

O texto de Miranda (2005), na íntegra, encontra-se disponível em:


<http://pt.scribd.com/doc/31123693/10/Aspectos-Gerais-da-Teoria-de-
Piaget>. Acesso em: 20 mar. 2012.

6.3 Jogo de construção

Os jogos de construção merecem um tratamento em paralelo por Piaget, que os coloca entre a
condição de jogo e de trabalho inteligente: vejamos o que ele quis dizer com isso.

O que é um jogo de construção? Ele permite uma vivência antecipada, e controlada, do real
pela criança, implicando um planejamento e um esforço maior de acomodação do que o jogo
87
Unidade II

simbólico. Expliquemos isso um pouco melhor. No jogo simbólico, a criança, obviamente, precisa
considerar as características próprias dos objetos, acomodando-se a elas, para que possa brincar,
mas isso de forma bastante flexível. Por exemplo, para representar uma espada num jogo de faz de
conta, o objeto deverá minimamente poder “parecer” ou “evocar” uma varinha: ou seja, um galho
de árvore, uma colher, um lápis poderão ser utilizados, mas um fio de lã ou uma bola não servirão.
No jogo simbólico, lembra-se, a assimilação era deformante, de modo que o que prevalecia era o
desejo do sujeito.

Já nos jogos de construção (construir com blocos, peças de encaixe, montar quebra-cabeças, por
exemplo), a criança precisará ser mais fiel às características do objeto para que sua imaginação possa
ser colocada em prática. Para construir uma torre com blocos, ela deverá, progressivamente, aprender
que os maiores e mais pesados deverão servir de base para os menores e mais leves, para que ela se
sustente. Podemos perceber, inclusive, que começa a aparecer um universo de regras, de limites mais
claros, que o sujeito deverá respeitar para que possa realizar seus desejos. A imaginação e a criatividade
(núcleo dos jogos simbólicos) continuam fortemente presentes e alimentando o envolvimento no jogo,
bem como o prazer funcional de explorar e repetir diferentes combinações de objetos, analisando seus
efeitos (prazer funcional dos jogos de exercício). Agora a palavra-chave que surge é a relação com o
futuro, com o encadeamento lógico entre as ações: a capacidade de antecipar situações e retroagir
frente a experiências passadas, para poder agir no presente. Portanto, vemos que aqui a capacidade
operatória – construída ao longo do terceiro estádio do desenvolvimento – estará fortemente vinculada
a essa estrutura lúdica.

Para Piaget, os jogos de construção não se constituem como uma estrutura particular de jogo, mas
se situam numa transição entre jogo e trabalho, ou entre jogo simbólico e imitação. Vejamos um trecho
do próprio autor.

Os jogos de construção ou de criação (…) assinalam uma transformação


interna na noção de símbolo, no sentido da representação adaptada.
Quando a criança, ao invés de representar um barco com um pedaço de
madeira, constrói realmente um barco, escavando a madeira, plantando
mastros, colocando velas e acrescentando-lhe bancos, o significante acaba
por confundir-se com o próprio significado e o jogo simbólico com uma
verdadeira imitação do barco (PIAGET, 1945,1990, p. 148).

Nesses tipos de jogo, portanto, a relação mais estreita com o real, com a transformação real dos
objetos e a reprodução de situações ou objetos concretos, é bastante clara e, por isso mesmo, possui esse
importante vínculo com o trabalho na vida adulta.

Observação

Você já havia percebido essa forte ligação entre os jogos de construção


ou de criação e o trabalho na vida adulta?

88
Psicologia Construtivista

Saiba mais

É interessante notar que o prazer e a atração pelos jogos de construção


não se restringem à infância, como nos outros tipos de jogo. Vale a pena
você realizar uma pesquisa em sites que apresentam construções e criações
feitas por adultos, com peças de encaixe, de grande beleza e extrema
complexidade. Indicamos dois endereços:

<http://www.dementia.pt/fantasticas-construcoes-lego>

<http://www.designontherocks.xpg.com.br/35-mega-construcoes-
com-lego>

Você vai se surpreender!

Figura 14 – Jogo de construção

6.4 Jogo de regras

Última estrutura estudada por Piaget e a mais complexa, que engloba as características das
precedentes, os jogos de regras pressupõem a existência de parceiros e um conjunto de obrigações
(regras), o que lhe confere um caráter eminentemente social. Havendo regras, há consequentemente
a obrigação de sujeitar-se a elas, com forte pressão para que ocorra acomodação do sujeito frente às
exigências do ambiente, ao que é externo a ele e deve ser compartilhado pelo grupo.

Ainda que possamos observar que mesmo em crianças menores de 6 ou 7 anos já existam algumas
condições – normas – para que os jogos e brincadeiras aconteçam, os jogos de regras no seu sentido
e no seu uso integral serão possíveis com a conquista da capacidade operatória. Como vimos acima,
ela possibilita a reversibilidade lógica e, também, a reciprocidade nas relações interpessoais. Assim, por
volta dos 7 anos, as crianças aprendem as regras dos jogos que são transmitidas socialmente, e o mesmo
89
Unidade II

permanece durante toda a vida do sujeito. Esses jogos são jogados em grupo e, pela descentração natural
do período operatório, as regras podem ser internalizadas com maior significado pelo sujeito. Assim, o
que caracteriza o jogo de regras é a existência de um conjunto de leis organizadas e planejadas pelo
grupo, e o não cumprimento dessas regras pode levar a conflitos e, muitas vezes, a não possibilidade de
vitória pelo jogador. Os jogos de regras são classificados como: jogos sensório-motor (futebol) e jogos
intelectuais (xadrez, dama, baralho).

Piaget deu extrema importância aos jogos de regras como ilustrativos dos sucessivos progressos
no desenvolvimento cognitivo, o que foi largamente explorado no livro As formas elementares da
dialética (PIAGET, 1980), que comentamos no início deste capítulo. Isso porque eles congregam a síntese
da evolução da inteligência e da moralidade: para sermos bons jogadores, não bastam qualidades
intelectuais, da análise das probabilidades das jogadas, por exemplo, mas é essencial que moralmente os
jogadores possam aderir a uma condição de respeito mútuo, reciprocidade e autonomia.

Figura 15 – Jogo de regras

Jean Piaget investigou a maneira como a criança constrói o significado da regra e, para isso, criou
vários dilemas que, em formato de histórias, possibilitavam à criança julgar quem errou e, dessa forma,
compreender o pensamento do sujeito em relação ao desenvolvimento do julgamento moral.

Exemplo de dilema moral elaborado por Piaget (1932/1994)

a) Um menino, que se chama Jean, está em seu quarto. É chamado para jantar. Entra na sala para
comer. Mas atrás da porta há uma cadeira. Sobre a cadeira há uma bandeja com 15 xícaras. Jean não
pode saber que há tudo isso atrás da porta. Entra: a porta bate na bandeja, e, bumba!, as 15 xícaras se
quebram.

b) Era uma vez um menino chamado Henri. Um dia em que sua mãe estava ausente, foi pegar doces
no armário. Subiu numa cadeira e estendeu o braço. Mas os doces estavam muito no alto e ele não
pode alcançá-los para comer. Entretanto, tentando apanhá-los, esbarrou numa xícara. A xícara caiu e
se quebrou.
90
Psicologia Construtivista

Ao perguntar para várias crianças se um sujeito errou mais do que o outro, até por volta dos 7 anos,
elas irão dizer que quem quebrou mais xícaras – Jean – foi quem errou mais, julgando o erro (ou a regra
que define o que é errado) pela quantidade do dano material. Esse tipo de argumento se baseia na
responsabilidade objetiva, ou seja, na análise dos aspectos objetivos da situação (no caso, a quantidade
de xícaras quebradas).

As crianças, a partir dos 8/9 anos, irão julgar o erro/a regra pela intencionalidade do sujeito ao
cometer determinado ato. No caso, a segunda criança (Henri) estaria mais errada, pois demonstrou
a intenção de desobedecer à mãe, ainda que o dano material (quantidade de xícaras) tenha sido bem
menor. A partir dessa idade, as crianças serão capazes de analisar que, no primeiro caso, embora tenham
sido quebradas mais xícaras, não houve uma má intenção na ação do sujeito, o prejuízo ocorreu sem
intenção (“sem querer”).

Os dilemas morais apresentam temas comuns na infância (dano material, mentira, roubo) e
permitem compreender de que maneira ocorre o desenvolvimento na construção da regra pela criança,
o que estará diretamente ligado à capacidade de a criança participar dos jogos de regras, aceitando e
submetendo-se a elas.

Lembrete

Nos jogos de regras, mais do que em qualquer outro tipo de jogo,


observamos a interdependência entre as três dimensões do desenvolvimento
humano: cognitivo, afetivo e moral (social).

De acordo com Piaget, o desenvolvimento moral ocorre em quatro períodos, embora ele sublinhe
que o último deles (autonomia) nunca se constituirá de forma plena e eventuais retrocessos à condição
anterior, de heteronomia, podem ocorrer. Já tratamos desse tema ao longo deste livro-texto, mas
faremos uma breve retomada, por que ele se vincula diretamente à possibilidade de realização dos jogos
de regras.

• Anomia (0 a 2 anos)

Não existe consciência da regra pela criança. Existe a repetição e a formação de hábitos, que
servirão de base para a compreensão e o exercício futuro das regras. Obviamente, as regras fazem
parte da vida da criança/bebê de maneira indireta, pois elas são observadas e seguidas pelos
adultos que cuidam dela.

• Heteronomia (2 a 6 anos)

Aqui, já começa a existir consciência da regra, embora a criança seja governada pelo outro, por
uma autoridade externa. Assim, ela vive uma condição de respeito unilateral: um manda e o outro
obedece, e esse respeito se baseia no medo da dor física e dor moral (perder o amor do outro, a
quem se admira, por exemplo).
91
Unidade II

Nessa fase heterônoma, a criança obedece cegamente à regra, ou, então, não cumpre a regra e
calcula o risco para não ser pego não a descumprindo. Permanecer nessa postura pode levar a
comportamentos de delinquência, em que não são considerados os valores morais envolvidos nos
atos praticados, mas apenas os modos de se fugir ou driblar a punição (enganar os outros).

• Semiautonomia (7 a 11 anos)

Início da autonomia moral, mas a criança ainda depende das regras do meio para organizar-se, já
aparecem características de autonomia, mas são mais instáveis e frágeis.

• Autonomia (12 a 15 anos)

Construção da autonomia moral: o indivíduo obedece à regra, busca formas de adequá-la às suas
necessidades sem modificá-la, ou ele próprio flexibiliza seus interesses, pois valoriza a adesão
e o sentido das regras para as relações humanas. Por ser capaz de avaliar as situações (com
base no pensamento operatório formal), a criança/adolescente assume a responsabilidade de
suas escolhas: se escolher não cumprir a regra, assumirá as consequências não se esquivando
ou culpando ao outro. Uma mudança central será na qualidade das relações de respeito, que se
baseiam no respeito mútuo (reciprocidade): respeito por cooperação, as regras são obedecidas por
ambos, pois há a compreensão de seu significado na relação. Aqui é interessante destacar que as
regras não são mais consideradas sagradas ou imutáveis (o que víamos na heteronomia), mas são
fruto de consensos, de modo que podem ser modificadas mediante acordos entre as partes (o que
fica muito evidente nos grupos de crianças dessa idade, que modificam regras dos jogos e criam
variações).

Para que haja o desenvolvimento de uma moralidade autônoma, é necessário que a criança se
desenvolva em um ambiente em que as regras possam ser construídas e internalizadas de maneira
significativa pelo sujeito. Um ambiente permeado pela moralidade da heteronomia moral fará com
que o sujeito continue heterônomo na fase adulta. Os jogos de regras constituem, assim, importantes
situações em que as crianças e adolescentes experimentam essas diferentes relações com as regras,
assumindo progressivamente uma postura mais autônoma e, portanto, responsável.

Figura 16 – Grupo de esporte coletivo

92
Psicologia Construtivista

Antes de encerrar este item, examinemos um pouco mais as pré-condições cognitivas e afetivas
envolvidas nos jogos de regras (além das de ordem morais, que acabamos de ver).

O caráter essencialmente coletivo dos jogos de regras remete a um tipo de assimilação específico:
a assimilação recíproca (a adesão mútua às regras propostas pelo jogo). O jogador deverá canalizar sua
criatividade, sua imaginação (própria dos jogos simbólicos) para o contexto permitido no jogo: num
jogo de xadrez, por exemplo, cada um será rei, rainha, bispo etc., dominando seu exército na busca pela
vitória. Mas esta última só trará verdadeira satisfação se ocorrer dentro do limite das regras.

Os jogos de regras envolvem, assim, a competição. Ou seja, é preciso haver um desejo comum aos
jogadores de ganhar o jogo: seja de superar o parceiro, seja superar a si mesmo (o que tem maior valor
em termos piagetianos, pois implica melhores equilibrações cognitivas e o autoaperfeiçoamento dos
sujeitos). Vemos, por exemplo, como as crianças a partir de certa idade (7, 8 anos, em geral) não aceitam
que as deixemos ganhar, que joguemos com elas “de mentirinha”: elas querem vencer seriamente, dentro
das regras do jogo (não querem a vitória a qualquer custo, como quando eram mais novas).

Isso, entretanto, não exclui de forma nenhuma a necessidade de cooperação: de cumprimento às


regras do jogo e ao adversário. Para Piaget, ambas – competição (que impulsiona o desenvolvimento,
o desejo de ser cada vez melhor) e a cooperação (que valida, que legitima as minhas conquistas) –
são inseparáveis. Além dessas habilidades sociais, os jogos de regras demandam o desenvolvimento
de estratégias, do pensamento hipotético-dedutivo, de análises combinatórias, da habilidade de lidar
simultaneamente com o passado (jogadas já feitas), o futuro (onde quero chegar), para decidir no
presente (efetuar minha jogada).

Não podemos deixar de mencionar novamente que os jogos de regras, nessa visão piagetiana, têm
sido instrumento de inúmeras pesquisas por educadores e psicólogos (dentre outros profissionais),
que merecem uma pesquisa dedicada feita por você, aluno. Algumas fontes já foram mencionadas
ao longo deste livro-texto e destacamos, aqui, uma dessas publicações Jogo, psicologia e educação:
teoria e pesquisas (MACEDO, 2009). Um dos capítulos, que justamente realiza uma análise das pesquisas
recentes sobre o nosso tema, nos mais importantes centros de pesquisa brasileiros, está disponível para
acesso on-line e é intitulado: “Os jogos de regras em uma abordagem piagetiana: o estado da arte
e as perspectivas futuras” (RIBEIRO; ROSSETTI, 2009). Ele está disponível no endereço <http://www.
casadopsicologo.com.br/jogospsicologiaeeducacao.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012.

7 O Desenho em uma perspectiva psicogenética

7.1 O desenho segundo Luquet

De acordo com Piaget, ao final do estádio sensório-motor (por volta dos 2 anos), surge na criança
uma capacidade cognitiva de representação – um significado por meio de um significante –, e o meio
que utiliza para isso pode ser a linguagem, o jogo simbólico, a imitação, a imagem mental e o desenho.

O desenho, nessa perspectiva, não é apenas um ato criativo e espontâneo da criança, mas sim uma
função de pensamento, simbólica e semiótica, que possibilita a representação da realidade. Em outras
93
Unidade II

palavras, o desenho é uma das manifestações da função simbólica ou semiótica que surge na criança
por volta dos 2 anos (estádio pré-operatório), possibilitando a representação intencional da realidade
por meio do grafismo.

Observação

No livro A representação do espaço na criança, Piaget apresenta um


estudo muito interessante sobre as relações espaciais elementares e o
espaço gráfico. Vale a pena conferir!

Piaget considera o desenho uma forma de representação do pensamento e, embora não tenha
estudado o desenvolvimento do grafismo infantil, refere-se em seus textos aos célebres estudos de
Georges-Henri Luquet (1876-1965), que foi o primeiro a tabular em etapas evolutivas.

Luquet inicia seus estudos observando de maneira sistemática os desenhos de seus filhos, Simone
e Jean Luquet. Percebe o desenhar como um ato de representação da realidade, uma imitação do real
através da representação e, nesse sentido, afirma que o desenho é realista na intenção. Portanto, o
“realismo” do desenho é uma concepção-chave em sua teoria.

A característica fundamental do desenho infantil é ser realista, a criança quando desenha expressa
uma intenção de representar a realidade tal qual ela se apresenta. Nesse sentido, o desenho infantil é
uma imitação do real por meio de uma representação e, por isso, é realista na intenção. Compreende
o desenvolvimento do grafismo infantil em quatro importantes etapas, demonstrando que o desenho
sofre mudanças e destacando um realismo que se desenvolve à medida que a criança vai avançando
em idade.

Essa característica realista apontada por Luquet sofre modificações ao longo do desenvolvimento
infantil. Gradativamente o desenho vai evoluindo em etapas e, em cada uma delas, há um tipo de
realismo. Em outras palavras, o realismo do desenho infantil ocorre em diferentes fases: Realismo
fortuito (2 e 3 anos), Realismo malsucedido (3 e 4 anos), Realismo intelectual (4 a 8/9 anos), Realismo
visual (8/9 a 11/12 anos).

Quadro 6

Etapas do desenho infantil – Luquet

Realismo fortuito (2 a 3 anos) è analogia entre o traço e o objeto, dando nome/“sem querer”.
Realismo malsucedido (3 a 4 anos) è a criança aprende a representar, há fracassos e sucessos; badameco girino e badameco.
Realismo intelectual (4 a 8 anos) è a criança desenha o que sabe e não o que vê; Transparência/Plano Deitado/Rebatimento.
Realismo visual è (9 a 12 anos) è a criança desenha o que vê/perda da espontaneidade para desenhar.

94
Psicologia Construtivista

Realismo fortuito

O desenho, para Luquet, é um conjunto de traços feitos intencionalmente para representar um


objeto real. No entanto, no início, não existe essa intenção de fazer uma imagem, o desenho é resultado
da livre exploração que a criança faz sobre os materiais. Munida de vários acessórios e dos movimentos
de sua mão, realiza marcas acidentais no papel, uma obra involuntária, que reconhece como sendo sua,
resultado de sua atividade, à qual não atribui significado. A criança limita-se a fazer traços aleatórios
no papel sem qualquer objetivo ou significação, manipula e explora os materiais, e no grafismo é o olho
que segue a mão e não as marcas impressas no papel.

Figura 17 – Débora (2a 2m)

Por volta dos 2 e 3 anos, a criança começa a fazer traços intencionais no papel, percebe certa
analogia entre seus traçados e objetos da realidade e faz uma interpretação: surge, então, o desenho
intencional, o desenho como representação. A criança que antes rabiscava aleatoriamente passa a fazer
uma analogia entre um objeto e seu traço, dando-lhe um nome e isso acontece de modo fortuito
(LUQUET, 1927, p.138), uma representação da realidade ao acaso.

Essa representação, por ser fortuita, não se mantém em todos os desenhos que a criança faz: é
apenas acidentalmente que ela é capaz de fazer um traçado que se pareça com um objeto, e isso explica
o porquê de ora nomear seu desenho de uma maneira, ora de outra.

Realismo malsucedido

Na segunda fase de evolução do desenho infantil, a criança desenha com a intenção realista (LUQUET,
1927) de representar, mas encontra dois obstáculos que dificultam a representação da realidade: um de
ordem física (LUQUET, 1927) ou gráfica, que consiste em coordenar seus movimentos motores para dar
ao traçado o aspecto do objeto desenhado; e o outro de ordem psíquica (LUQUET, 1927), que consiste na
falta de atenção da criança para desenhar pormenores. Por causa desses obstáculos, o desenho infantil
nessa fase é marcado por sucessos e fracassos; por isso, Luquet o chamou de “réalisme manqué ou
l’incapacité synthétique” (1927, p. 151-155), uma fase de imperfeição geral do desenho, que se inicia
geralmente entre 3 e 4 anos.

95
Unidade II

Observação

Vários autores traduzem réalisme manqué como “realismo fracassado”,


levando a uma conotação pejorativa esse momento evolutivo do desenho.
Na interpretação de Luquet, há uma incapacidade sintética e não uma
percepção “fracassada” da criança sobre sua representação. Por isso
preferimos utilizar o termo malsucedido.

A falta de proporções nos elementos desenhados é a primeira manifestação da incapacidade


sintética, isto é, os traços são feitos de maneira independente, a criança não estabelece as relações
entre os traçados. Luquet (1927) explica que essa desproporção pode ser resultado da imperícia
gráfica da criança ou pela maneira como procura ocupar o espaço no papel: se faltar espaço,
encurta o traço, se sobrar espaço, procura ocupá-lo e se o objeto ou o tema tratado é importante
para ela, exagera em seu tamanho (em um jogo de bola os braços são enormes). No entanto, tais
desproporções ocasionam justaposições ou síntese falsa. Segundo Piaget e Inhelder (1966,1968),
essa justaposição não retrata inabilidade técnica, mas revela modos de pensar da criança, ou seja,
fatores operatórios.

Figura 18 – Melina (4a 1m)

A justaposição, “juxtaposés” (PIAGET; INHELDER, 1966, p. 51), é a falta de coordenação entre os


elementos de um mesmo desenho em um todo. A criança desenha os elementos lado a lado (as 4
patas de um cavalo desenhado em paralelo), separados (disjuntos) e não tangentes (guarda-chuva
ao lado da menina e não em sua mão; chapéu no ar e não na cabeça do boneco) ou desenha sem
relação de inclusão (os botões da roupa desenhados fora do corpo). A síntese falsa (ALVES, 1986)
é o desenho que apresenta detalhes incompatíveis com a realidade: nariz sob a boca, pernas que
saem da cabeça.

Dessa forma, a incapacidade sintética é a indiferença da criança pela orientação de conjunto do


desenho em relação à posição do papel em que é traçado (céu e terra) e pela colocação de detalhes que
não condizem ao desenho (figura humana de cabeça para baixo dentro da casa; a ponta do telhado
desenhado para o chão e não para o céu).

96
Psicologia Construtivista

Segundo Piaget e Inhelder, também nessa fase a criança inicia a representação da figura humana,
que passa por estágios: inicialmente são representados os “bonecos-girinos ou badamecos girinos”
(PIAGET; INHELDER, 1966, p. 51), com cabeça, pernas e braços sem tronco e, em seguida, os “bonecos ou
badamecos” (PIAGET; INHELDER, 1966. p. 51), a figura humana propriamente dita.

Realismo intelectual

Por volta dos 4 anos, inicia-se o principal estágio, que irá estender-se até por volta dos 8/9 anos.
Essa fase se caracteriza pela superação da incapacidade sintética e, por isso, a criança passa a desenhar
de maneira realista, isto é, desenha os pormenores do objeto, levando em consideração as suas relações
recíprocas, o conjunto. Em outras palavras, o que caracteriza essa fase do realismo chamado por Luquet
de intelectual (LUQUET, 1927, p. 165) “é a concepção infantil de que para que o desenho seja parecido
deve conter todos os elementos visíveis e invisíveis do objeto do ponto de vista do sujeito, buscando a
sua exemplaridade”.

Figura 19 – Camila (9a 2m)

Dessa forma, a criança utiliza procedimentos para representar os elementos invisíveis de um objeto,
que são a transparência, o plano deitado e o rebatimento. A transparência (LUQUET, 1927, p. 174)
“consiste em representar o interior dos objetos como se fossem transparentes: os dedos no interior do
sapato, o cesto com as frutas à mostra, um ovo com o pato dentro”.

Lembrete

Segundo Luquet, o realismo intelectual é a fase de maior expressão


de criatividade do desenho infantil e deve ser preservado pelo adulto em
relação a sua psicogênese.

O plano deitado (LUQUET, 1927) consiste em representar o objeto projetado no solo, no plano, como
se fosse visto por cima, do alto e não de lado, e o rebatimento consiste em rebater as laterais dos suportes
dos objetos desenhados: perna de animais, pés de móveis, roda de carros. Esse tipo de procedimento
97
Unidade II

é utilizado em objetos vistos do alto, em plano deitado, pois desse ponto de vista os suportes estão
encobertos pelo corpo e, para a criança, não há outra forma de representá-lo.

Para Piaget, a fase do realismo intelectual é a mais importante, pois a criança desenha o que sabe
sobre os objetos e não aquilo que vê deles, dando ao desenho a característica de exemplaridade, sem
preocupação com a perspectiva visual: um rosto de perfil tem dois olhos, as pernas do cavaleiro serão
vistas por meio do cavalo e a comida no interior do boneco.

Realismo visual

Na última fase de evolução do desenho infantil, que se inicia por volta dos 8/9 anos, uma série de
fatores levam a criança a abandonar o realismo intelectual e a adotar o realismo visual como forma de
representação gráfica.

O desenho infantil, para ser plenamente realista na fase do realismo visual, deve representar o objeto
da forma como é visualmente percebido. As contradições e a insuficiência do realismo intelectual em
relação a isso levam a criança a abandonar os procedimentos utilizados na etapa anterior. Por isso, no
lugar da transparência, ela utiliza a opacidade (LUQUET, 1927), que consiste em suprimir os pormenores
que são objetivamente invisíveis no objeto representado; e, no lugar do rebatimento e do plano, utiliza a
perspectiva, que consiste na modificação do aspecto da silhueta de um objeto ou de pormenores vistos
de frente. O resultado disso é o abandono da exemplaridade.

Para Luquet, há uma submissão da criança às leis da realidade, com perda da espontaneidade ao
desenhar, diminuindo a produção artística (figuração adequada do real).

Em resumo, o realismo visual é marcado pela descoberta da perspectiva e pela submissão às suas leis.
Isso leva a um empobrecimento do desenho infantil, pois a criança, pela preocupação em desenhar aquilo
que vê e não o que sabe sobre os objetos, passa a limitar os detalhes de seu grafismo, tornando-o pobre
e pouco frequente, assemelhando-se às produções adultas (veja um exemplo de desenho empobrecido
de um adulto na figura 20).

A criança e, posteriormente, o adulto, a partir desse momento, perdem a espontaneidade ao desenhar


e, com isso, sua produção artística diminui, em função da preocupação que existe em fazer certo, de acordo
com a realidade. As partes escondidas não são figuradas, os objetos em segundo plano são diminuídos
em relação ao primeiro plano (perspectiva). Como na maioria das vezes não há um aprendizado sobre
essas técnicas de desenho, o sujeito irá apresentar um empobrecimento em sua produção gráfica e
uma inibição para expressar seus pensamentos por meio dessa forma de representação. Esta é uma das
maiores críticas dos estudiosos do grafismo infantil.

Observação
Pablo Picasso afirmou: “antes eu desenhava como Rafael, mas eu
precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças”,
indicando o valor espontâneo e criativo do grafismo infantil.
98
Psicologia Construtivista

Figura 20 – Claudia (21 anos)

Para Luquet, há uma submissão da criança às leis da realidade, com perda da espontaneidade ao
desenhar, diminuindo a produção artística (figuração adequada do real).

A seguir, é apresentado um desenho em que, embora no realismo visual, o sujeito não perdeu a
espontaneidade e a criatividade ao desenhar, pois teve a oportunidade de estudar técnicas de desenho
e, com isso, pôde representar a realidade da maneira como a vê (não apenas como pensa sobre ela).
A escola construtivista é aquela que possibilita ao sujeito interagir com situações de aprendizagem
favoráveis ao desenvolvimento do grafismo.

Figura 21 – Nathalia (13a 1m)

99
Unidade II

Saiba mais

Para conhecer mais sobre o desenvolvimento do desenho infantil,


sugerimos a leitura da reportagem “Pequenos Artistas”, em que são
entrevistados vários especialistas nessa área, articulando a psicologia do
desenho infantil com sua ação pedagógica.

Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-


a-6-anos/pequenos-artistas-422892.shtm>. Acesso em: 2 jul. 2012.

7.2 O desenho segundo Lowenfeld

Viktor Lowenfeld (1903-1960) também realizou vários estudos sobre o grafismo infantil e, entre
as publicações a respeito, destacam-se no Brasil duas obras: A criança e sua arte (1954/1976) e
Desenvolvimento da capacidade criadora (1947/1977), em coautoria com W. Lambert Brittain.

Os resultados de suas pesquisas revelaram que há uma transformação no grafismo infantil, que se
inicia na infância e vai até a adolescência, percorrendo sucessivas fases de desenvolvimento. São elas:
Garatujas (2 aos 4 anos); Pré-Esquemática (4 aos 7 anos); Esquemática (7 aos 9 anos); Realismo (9 aos
12 anos).

Quadro 7

ETAPAS DO DESENHO INFANTIL – LOWENFELD


Garatujas (2-4 anos) – são quatro tipos: desordenadas (rabiscos que não respeitam o limite do papel,
saem da folha, a criança risca a base onde está a folha); controladas (os riscos não saem mais da folha,
a criança respeita os limites do papel); nomeadas (a criança começa a tirar o lápis do papel, dando
nome aos riscos que faz na folha); diagramadas (traços e linhas se interligam, formando uma espécie de
mosaico ou mandala).
Pré-esquemática (4-7 anos) – é o início da representação da figura humana; há justaposição dos
elementos desenhados sem a presença da linha de chão.
Esquemática (7-9 anos) – é o aparecimento da linha de base (3 tipos), possibilitando maior
coordenação no desenho: objetos do chão e objetos no céu; há exageros e omissões e a utilização de
plano deitado e dos raios-X.
Realismo (9-12 anos) – é a preocupação com a perspectiva, profundidade, sobreposição, detalhes e
pormenores, desenhos satíricos; a criança desenha por opção e muitas vezes não desenha mais pela
perda da espontaneidade.

Fonte: Lowenfeld, 1977.

Primeira fase: garatujas

Assim como Bernson (1957,1962) e Mèredieu (1974,1979), Viktor Lowenfeld (1947/1977) observou
em seus estudos um desenvolvimento nas garatujas. Para esse autor, a criança por volta dos 18 meses
apresenta traços desordenados no papel, que evoluem para desenhos mais reconhecíveis aos adultos.

100
Psicologia Construtivista

Sendo assim, classificou as garatujas em três categorias principais: Garatujas desordenadas (2 anos),
Garatujas controladas (2 anos e meio) e Garatujas com atribuição de nomes ou nomeada (3 anos e
meio).

As primeiras garatujas são chamadas por Lowenfeld de desordenadas (1947, 1977). Para garatujar,
por volta de 2 anos, a criança utiliza o lápis de vários modos: apoia no papel qualquer uma das
extremidades ou lado e segura entre os dedos ou com a mão toda, realizando movimentos amplos sobre
o papel, sem um planejamento prévio ou um controle de suas ações, e isso lhe causa muito prazer. Ela
está mais interessada em explorar as propriedades físicas dos materiais (tocar, cheirar, ver, saborear) do
que desenhar. Muitas vezes coloca o lápis na boca ou bate a ponta repetidas vezes no papel. Como não
possui controle muscular, movimenta o braço para a frente e para trás, tanto pode olhar para a folha
enquanto garatuja como para o outro lado, e não para o papel.

O resultado irá variar, dependendo da qualidade dos traços aleatórios que foram feitos, sendo
que na maioria das vezes ultrapassa o limite da folha, garatujando também a mesa, a parede
ou o chão onde se encontra apoiado o papel. Isso ocorre porque não há controle motor de seus
movimentos.

É importante lembrar que, para Lowenfeld (1947, 1977), as garatujas não são tentativas de representar
a realidade, e sim rabiscos que fazem parte do desenvolvimento físico e psicológico da criança. Sendo
assim, é o primeiro registro permanente, anterior à linguagem, e será a partir dessa expressão inicial que
mais tarde iniciará a pintura, o desenho e a palavra escrita.

Lembrete

Para muitos educadores, os rabiscos não são considerados desenhos


porque não possuem forma definida, mas tanto para Luquet como para
Lowenfeld são representações, portanto, desenhos.

Por volta dos 2 anos e meio, seis meses após ter começado a garatujar, a criança passa a ter um
controle visual e motor de seus traços e, por isso, Lowenfeld chamou essa fase de “garatujas controladas”
(1947, 1977, p. 120). Nas palavras do autor:

Trata-se de um passo muito importante, pois a criança já descobriu o


controle visual sobre os traços que está fazendo. Ainda que uma olhadela
não encontre grande diferença nos desenhos, a aquisição do controle
sobre os movimentos é uma experiência vital para a criatividade infantil
(LOWENFELD, 1947,1977, p. 120).

101
Unidade II

Figura 22 – Rafael (3a 1m)

Assim, a criança começa a variar seus movimentos, tornando as garatujas mais elaboradas, embora
ainda não haja uma relação entre sua atividade e aquilo que na realidade representa o objeto. Seus
traços podem ser horizontais, verticais ou em círculos, e não ultrapassam mais os limites do papel. Não
levanta o lápis da folha, por isso não representa pontos ou pequenos modelos repetidos.

Nessa fase, a criança passa mais tempo garatujando, demonstra interesse em utilizar diferentes
materiais, em preencher todo o espaço do papel e inicia, sozinha, o treino para segurar corretamente o
lápis. Fica inteiramente absorta em suas garatujas e, às vezes, aproxima-se tanto do suporte que encosta
seu nariz no papel, sem percebê-lo.

Segundo Lowenfeld (1947, 1977), o adulto tem um papel muito importante a partir dessa fase,
porque, ao compartilhar com a criança a alegria de garatujar, estará auxiliando no desenvolvimento do
grafismo.

Por volta dos 3 anos e meio, há uma grande transformação no pensamento da criança, ela começa
a atribuir nomes (significados) às suas garatujas, é a fase das garatujas nomeadas. Antes havia um
simples prazer em realizar movimentos, agora os movimentos estão ligados ao mundo ao seu redor.
“Transferiu‑se do pensamento cinestésico para o pensamento imaginativo” (1947, 1977, p. 123), onde
a imagem mental tem um papel importante: a criança tem uma ideia do que irá fazer e é influenciada
por aquilo que desenhou.

Figura 23 – Ana Paula (2a 5m)

102
Psicologia Construtivista

Nesse sentido, a criança agora desenha com uma intenção, ela anuncia o que vai desenhar. Isso
não significa que tenha uma noção preconcebida do aspecto final de suas garatujas: o que no início é
anunciado como árvore, pode terminar recebendo um nome diferente. Segundo Lowenfeld, os traços
podem não ter sentido para os adultos, mas possuem um significado real para a criança.

Em suma, nessa fase, a criança passa mais tempo desenhando, suas garatujas são mais elaboradas,
distribuídas por toda página e acompanhadas de uma descrição verbal do que está representado no
papel. Não costuma dar seu desenho a alguém, porque a garatuja, nesse momento, é um registro que
faz sobre o ambiente.

Lowenfeld (1947/1977) adverte os adultos para não atribuir uma realidade visual aos rabiscos feitos
pela criança, porque dar uma interpretação própria ou forçar a criança a dar um nome ou explicação
para o que desenhou pode prejudicar seu desenvolvimento. Os pais e professores, segundo o autor,
devem apenas estimular essa nova representação que se inicia e será fonte para novas aquisições.

No final da fase das garatujas e início do período pré-esquemático (LOWENFELD, 1947, 1977),
algumas crianças apresentam desenhos em forma de diagramas: linhas que se cruzam formando uma
espécie de mandala. Essa representação é chamada de Garatuja diagramada e foi pesquisada por Rhoda
Kellogg (1969) como uma das formas de representação gráfica infantil.

Figura 24 – Amanda (4a 6m)

Segunda fase: pré-esquemática

Ao final da fase das garatujas, surge uma etapa muito importante. É o momento em que a criança,
por volta dos 4 anos, cria conscientemente desenhos que têm alguma relação com o mundo à sua volta,
para Lowenfeld é o início da “compreensão gráfica” (1947, 1977, p. 149). Os movimentos corporais
passam a ser controlados, relacionando-se a objetos visuais.

O primeiro símbolo criado é um homem, desenhado com um círculo para a cabeça e duas linhas
verticais para as pernas. Nas palavras do autor: “Tipicamente, o homem é desenhado com um círculo,
indicando a cabeça e, duas linhas verticais, as pernas. Essas representações ‘cabeça-pés’ são comuns nas
103
Unidade II

crianças de cinco anos.” (LOWENFELD, 1947, 1977, p. 149). Em outras palavras, a criança pensa a figura
humana dessa maneira, uma vez que não há cópia de um objeto visual, e sim a interpretação que faz
dele. Nesse momento, está desenhando a si mesma, o que sabe sobre si e não uma representação visual
de um modelo.

Segundo Lowenfeld (1947, 1977), essas primeiras experiências representativas da figura humana
não são símbolos imaturos, e sim uma abstração, um processo mental ordenado. Aos poucos, a criança
vai acrescentando pormenores a essa representação cabeça-pés: braços saem da cabeça, aparece um
umbigo entre as pernas e há a inclusão do corpo. Por volta dos 6 anos, a criança já consegue fazer um
desenho da figura humana bem organizado. Dessa forma, aos 4/5 anos surgem os desenhos de pessoas,
casas e árvores que, aos 6 anos, evoluem para desenhos mais organizados, com temas e claramente
identificáveis. É importante lembrar que a criança está em contínua busca de novos conceitos, por isso
seus símbolos representativos mudam constantemente e somente na próxima fase irá estabelecer um
esquema.

Figura 25 – Roger (6a 10m)

Outro aspecto importante é a maneira como organiza espacialmente os desenhos no papel. Desenha
os objetos e os nomeia separadamente, sem estabelecer uma relação entre todos: uma árvore, uma casa,
um homem. Na verdade, o espaço está relacionado ao seu corpo e consigo mesma, não estabelece relação
entre os objetos desenhados, desenha o que está a sua volta de maneira aparentemente desordenada e a
figura humana é o centro de toda representação. Por isso acaba fazendo uma justaposição dos modelos
ao invés de coordená-los em um todo. Nas palavras do autor: “Nenhuma relação espacial foi ainda
estabelecida, fora do conceito do eu da própria criança. Portanto, o espaço é concebido como algo que
gravita em torno dela” (LOWENFELD, 1947, 1977, p. 155).

Terceira fase: esquemática

Lowenfeld (1947, 1977, p. 181) denomina esquema a possibilidade que a criança encontra, a partir dos
7 anos, de desenhar utilizando símbolos que representam um objeto real. Esse esquema é flexível, passa
por alterações, é altamente individualizado e não inclui experiências intencionais. Em outras palavras,

104
Psicologia Construtivista

o esquema de um objeto é o conceito que a criança chegou a partir de várias experiências, representa
seu conhecimento ativo sobre o objeto. Esse esquema pode sofrer alterações a partir da experiência
particular e está revestido de um significado especial para ela. Dessa forma, podemos distinguir os
desenhos de uma criança dos de outra, observando as representações esquemáticas, pois, como já foram
mencionadas, elas são particulares.

O esquema humano é o conceito da figura humana que a criança criou após muita
experimentação. À medida que constrói a percepção do conceito de forma, desenvolve o símbolo
do homem, que irá repetir várias vezes, enquanto não tiver uma experiência particular que a
influencie a mudar esse conceito. Essa figura humana, nesse período, é um símbolo facilmente
reconhecível pelo adulto: possui as diferentes partes corporais, a roupa cobre o corpo e vários
detalhes são desenhados, como cabelo, nariz, boca, pescoço, mãos, dedos e pés. A simetria do
corpo é muito importante, por isso procura desenhar os dois lados com as mesmas características.
As figuras são retratadas de frente e o esquema de perfil pode vir associado ao frontal: dois olhos
e o nariz perfilado (LOWENFELD, 1947, 1977).

Em relação ao esquema espacial, há uma grande descoberta: a criança percebe que é parte de
seu meio e indica isso utilizando um símbolo que Lowenfeld denomina de linha de base (1947, 1977,
p. 185). Em outras palavras, a criança inclui todos os objetos desenhados em uma relação espacial
comum, estabelece uma relação mútua entre esses elementos, por meio da colocação de tudo nessa
importante linha básica. Dessa forma, não apresenta mais os objetos em relação a si mesma, mas começa
a representá-los com certa relação lógica entre si.

Figura 26 – Camila (6a)

Para Lowenfeld (1947, 1977), a linha de base é universal e pode ser considerada parte do
desenvolvimento da criança, como correr ou pular. Nas várias pesquisas que realizou, pôde observar a
existência desse esquema em crianças de diferentes culturas e seu significado é sempre de um solo, de
um chão onde pisam. Esse esquema é representado por uma linha horizontal na parte inferior do papel,
a base em que as coisas estão colocadas, e no alto são representados o céu com nuvens, o sol, a lua e
as estrelas. A criança tanto pode fazer um risco no papel para representar essa base como desenhar os

105
Unidade II

objetos emparelhados sob uma linha imaginária, facilmente identificável. Muitas vezes, ela faz, em um
mesmo desenho, duas linhas de base, uma acima e outra abaixo, para representar dois episódios ou para
desenhar duas situações concomitantes. Como não sabe representar no plano tridimensional, desenha
no plano bidimensional, um acima do outro. A utilização de duas linhas de base é um desenvolvimento
posterior e constitui um passo no sentido da perspectiva.

Embora a linha de base seja a maneira mais usual de a criança representar o espaço, algumas vezes
utiliza a “dobragem” (LOWENFELD, 1947, 1977, p. 191) como forma de representação, que consiste em
desenhar os objetos perpendicularmente à linha de base, os quais parecem estar colocados de pernas
para o ar.

É a representação subjetiva que faz com que a criança utilize essa maneira de desenhar e que, para
o adulto, pode ter maior significado se dobrar a folha ao longo da linha de base ou ao meio para ter a
dimensão do que foi representado.

Outro aspecto importante das experiências espaciais subjetivas da criança é o “plano e a


elevação” (LOWENFELD, 1947, 1977, p. 193). O desenho é feito de lado, mas alguns objetos são
representados como sendo vistos por cima. A partir da importância que a criança dá a esse objeto,
ela irá desenhá-lo para que possa ser visto. Como vimos anteriormente, Luquet (1927, 1969)
denomina isso de plano.

Lowenfeld (1947, 1977) também apresenta os desenhos de crianças que envolvem as representações
de espaço e tempo, ou seja, em um mesmo desenho há acontecimentos ocorridos em diferentes
sequências de tempo ou de impressões espacialmente distintas. São imagens ou quadros separados (ou
não) por linhas que relatam, a partir de um mesmo tema, fatos ocorridos em momentos diferentes. O
autor exemplifica esse tipo de representação em quatro fases do desenho de uma criança: “o homem
procura seu lápis, o encontra, apanha e coloca no bolso” (1947/1977, p. 199). Luquet (1927, 1969)
também observou esse mesmo tipo de representação nos desenhos de crianças e o chamou de narração
gráfica.

A “representação do tipo raios X” (LOWENFELD, 1947, 1977, p. 200) é a outra maneira utilizada
pela criança em seus desenhos, que consiste em mostrar o interior e exterior dos objetos,
misturando em seus desenhos os conceitos de dentro e fora. Em outras palavras, ela desenha a
parte exterior e interior dos objetos como se fossem transparentes. Luquet (1927, 1969) também
observou essa mesma forma de representação pela criança e, como já foi dito, chamou isso de
transparência.

Lembrete

Há muita semelhança nos indicadores apresentados por Luquet e


Lowenfeld, por isso esses dois autores são úteis na avaliação do desenho
infantil.

106
Psicologia Construtivista

Quadro 8

LUQUET LOWENFELD
Realismo fortuito Garatujas desordenadas, controladas,
nomeadas e diagramadas
Realismo malsucedido Pré-esquemática
Realismo intelectual Esquemática
Realismo visual Realismo

O conhecimento dos diferentes tipos de esquemas utilizados pela criança nos permite
compreender o processo de seu pensamento, a forma como constrói o significado dos objetos a
partir de sua representação. Lowenfeld (1947,1977) apresenta três aspectos importantes a serem
observados: o exagero de partes do desenho consideradas importantes para a criança, a negligência
ou omissão de partes menos importantes e a mudança de símbolos para partes significativas. Esses
aspectos são observados somente pelo adulto, pois, para a criança, não representam exageros ou
omissões, e sim uma importância maior ou menor que atribui para algum elemento do desenho.
Podemos observar isso na figura em que o lápis e os braços exagerados revelam sua importância
para a temática e a redução de um dos braços, na segunda figura, expressa sua menor importância
naquele momento.

Por fim, Lowenfeld (1947, 1977) sugere uma série de temas a serem apresentados aos alunos pelos
professores como forma de exploração de todos os esquemas utilizados pela criança nessa fase: linha
de base, dobragem, plano, elevação, representações de espaço-tempo e desenhos do tipo raios X.
Dessa maneira, o professor estará dando oportunidade para a criança explorar essas técnicas e propor
intervenções nas representações de seus alunos.

Quarta fase: Realismo

No período entre 9 e 12 anos, a criança vivencia a “idade da turma” (LOWENFELD, 1947, 1977,
p. 229), ou seja, uma fase do desenvolvimento em que as amizades grupais ganham importância e são
formados grupos do mesmo sexo. Em função disso, o jovem, nessa idade, começa a tomar consciência
da realidade, do seu mundo real, repleto de emoções, amigos, planos e recordações e, em seus desenhos,
rompe com o esquema da fase anterior e passa a retratar as características sexuais na figura humana,
com muitos detalhes. Descobre que as linhas e formas geométricas não são suficientes para desenhar
a figura humana, por isso se preocupa com os pormenores e não usa mais exageros ou omissões. O
desenho do tipo raios X e dobragem agora são julgados como não apropriados.

Em relação à representação do espaço, modifica o uso da linha de base para uma representação
mais naturalista, pela crescente conscientização visual. Os desenhos passam a incluir várias linhas de
base e os espaços entre elas ficam totalmente preenchidos. Passa a utilizar o plano e os espaços entre
as linhas de base e, por isso, essas linhas começam a desaparecer como única base. Adquire, também,
a consciência de profundidade e sobreposição, que utiliza largamente em seus desenhos: o céu ganha
significado de horizonte e um objeto pode encobrir outro.

107
Unidade II

Figura 27 – Tiago Luz (14a)

A criança desenvolve um senso crítico em relação a si mesma e aos outros, por isso pode esconder
seus desenhos dos adultos ou fazer comentários depreciativos sobre suas produções e a dos colegas.

Lowenfeld (1947/1977, p. 303) denomina a quinta fase do desenvolvimento do grafismo de


pseudonaturalista, que acontece entre os 12 e 14 anos, período da puberdade ou pré-adolescência;
e a última fase de período da decisão, que acontece entre os 14 e 17 anos. Em ambos os períodos,
os desenhos apresentam-se como estereotipados, ou seja, como pouca capacidade criativa.

Segundo Lowenfeld (1947/1977), em vários estudos realizados, o desenho da criança nessas últimas
fases se assemelha ao do adulto que não teve educação artística formal ou que passou por forte pressão
escolar. Os adultos forçam a criança a uma adaptação aos desejos sociais, sendo a imitação de modelos
e o conformismo fortes aliados nesse sentido.

Por isso, o autor salienta a importância de explorar a capacidade criadora da criança, a fim de que
se torne um adulto mais criativo, por meio da exploração de diferentes materiais, da não imposição de
técnicas e do incentivo a trabalhos coletivos e individuais.

Saiba mais

Convidamos você a assistir ao vídeo “Pensamento infantil – o desenho


da criança”, que mostra crianças de 3 a 5 anos desenhando e conversando
sobre suas produções com a educadora Monique Deheinzelin.

Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/crianca-e-adolescente/


desenvolvimento-e-aprendizagem/pensamento-infantil-desenho-
crianca-518429.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2012.

108
Psicologia Construtivista

8 PIAGET E A EDUCAÇÃO

8.1 Críticas à escola tradicional

Jean Piaget forneceu uma percepção bastante ampla e detalhada sobre o desenvolvimento infantil
que serve como base de muitas linhas educacionais atuais; mas devemos ressaltar que seus estudos
não tinham um comprometimento direto com a educação e nem ele lançou uma teoria pedagógica
aplicável na educação escolar. Como vimos até aqui, Piaget era um epistemólogo, um pesquisador,
que se dedicava à construção de uma ampla teoria sobre o desenvolvimento humano e, embora haja
inúmeras relações com o universo escolar, não foi esse o propósito de sua obra.

Lembrete

Erra a escola que diz utilizar o “método pedagógico de Piaget”. Apesar


disso, não se pode negar que suas contribuições para as áreas da psicologia
e da educação são incomensuráveis.

Em alguns momentos, ele se dedicou à explicitação de como via o papel da educação para a
sociedade e ao exame das relações no âmbito escolar. No trecho a seguir, ele já indica que a escola deve
fornecer os elementos essenciais para o desenvolvimento do homem em sociedade, para seu futuro,
indo muito além da aprendizagem de conteúdos curriculares. Ou seja, os conhecimentos adquiridos
na escola deverão articular a formação não somente cognitiva e intelectual, mas também afetiva e de
ordem social e moral.

Afirmar o direito da pessoa humana à educação é, pois, assumir uma


responsabilidade muito mais pesada que a de assegurar a cada um a possibilidade
da leitura, da escrita e do cálculo; significa, a rigor, garantir para toda criança o
pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos,
bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções,
até a adaptação à vida social atual (PIAGET, 1998, p. 34).

Figura 28

109
Unidade II

Piaget irá opor-se à escola tradicional, baseada em “povoar a memória e treinar o aluno na ginástica
intelectual” (PIAGET, 1998, p.138). O autor defende uma escola em que a criança seja ativa e incentivada
a conhecer o mundo por meio do desenvolvimento de seus próprios recursos, sendo contrário à ideia
de que o mestre detém o conhecimento ao qual a criança deverá se submeter passivamente. Essa
postura, condenada por ele, baseia-se na heteronomia e na valorização de relações assimétricas e
verticais e, portanto, não incentiva os contatos entre os alunos, pois eles implicariam perda de tempo e
outros prejuízos cognitivos. Para Piaget, ao contrário, o objetivo que deve ser perseguido pela escola é a
construção da autonomia intelectual dos alunos, baseada em um pensamento crítico e investigativo e
em relações de intercâmbio e cooperação entre os colegas. Ainda que evolutivamente, como descrevemos
anteriormente, a criança a princípio viva uma condição de heteronomia, esta deve servir de base, de
transição para a de autonomia, que seria a verdadeira meta da educação nas sociedades democráticas.

Figura 29

Piaget defende os chamados métodos ativos, nos quais os alunos não se limitam a aprender
pela exposição verbal e conceitual dirigida pelos professores, mas envolvem a experimentação,
a interação real com os objetos de conhecimento, a formulação e verificação de hipóteses sobre
os fenômenos. Ele critica a repetição mecânica como estratégia de aprendizagem: a repetição
é coadjuvante do processo de aprendizagem e só deve ocorrer de forma contextualizada. Ou
seja, por exemplo, colocar um aluno para repetir indefinidamente um conceito não promove
a aprendizagem efetiva, segundo esse autor. Para conhecer um conceito e compreendê-lo, é
necessário tornar-se capaz de aplicá-lo em diferentes situações, refletindo sobre suas implicações,
promovendo articulações com outros conhecimentos.

Piaget escreveu ainda, no ano de 1935, um interessante texto intitulado “Observações


psicológicas sobre o trabalho em grupos” (1998), no qual argumenta em favor da técnica de
trabalho por grupos (ou “equipes”). Logo no início, ele afirma que essa técnica se desenvolvia
visivelmente àquela época por uma conjunção de fatores sociológicos (por exemplo, pela
importância crescente dada ao fator coletivo em diferentes ideologias políticas) e psicológicos (e
é aqui que ele articula suas ideias).
110
Psicologia Construtivista

Ele parte da ideia central, que expusemos anteriormente, de que o desenvolvimento da razão e
da cooperação social andam juntos, pois tanto para uma como para outra o ponto de vista e o desejo
pessoal, até então considerados como absolutos, devem ser relativizados, confrontados e coordenados
com os dos outros. Qual seja, que o desenvolvimento humano caminha da direção do egocentrismo para
a descentração de pontos de vista.

O que nos pareceu importante destacar é que ele defende explicitamente o valor do grupo como
facilitador da aprendizagem cognitiva e social, funcionando ao mesmo tempo como estímulo e órgão
de controle. Mas o que isso quer dizer?

O grupo funciona como estímulo na medida em que desafia o sujeito (a criança) a explicar
e justificar suas posições, estimula-o a pensar e construir argumentos. Também é um estímulo
ao contato com diferenças: ouvindo e conhecendo as opiniões alheias, a criança mais uma vez
enriquecerá seu repertório cognitivo. No caso do grupo entre iguais, essa horizontalidade das
relações favorece que os membros se identifiquem uns com os outros e se sintam mais encorajados
a expressar suas ideias.

O grupo funciona como controle na medida em que mostra para cada indivíduo que ele não está
sozinho no mundo, que precisa dos outros e, para isso, deve reconhecer e aceitar determinadas regras.
Vejamos um exemplo bastante simples: a aprendizagem da língua falada. Você já parou para pensar no
esforço que cada indivíduo tem que fazer para internalizar os significados das palavras, as articulações
fonéticas envolvidas na pronúncia dos diferentes sons? E as regras gramaticais, então? Para que possa
se comunicar com outras pessoas, de forma eficaz, o indivíduo deverá aceitar esse controle social: não
é mesmo? E do ponto de vista das atitudes, das condutas desejáveis socialmente: não ocorre o mesmo?
Como já mencionamos, as interações sociais – e aqui a escola tem papel primordial – servirão de meio
e de alimento (se podemos pensar assim) para o crescimento de cada um como um adulto realizado
intelectualmente, ativo culturalmente, responsável socialmente, e, por que não, feliz!

Lembrete

O papel do grupo como estímulo e controle na construção do


conhecimento do indivíduo serve como um dos argumentos que mostram
por que sua teoria não é inatista ou apriorista.

Piaget insistirá que os conflitos de opiniões e os erros tornam-se situações favoráveis à tomada
de consciência do sujeito sobre si e sobre o mundo e, portanto, ao progresso cognitivo, afetivo e
social. Vale destacar, aqui, que considerar o grupo, reconhecer-se como parte dele, não significa,
de modo algum, tornar-se refém da opinião alheia, o que seria totalmente estranho às ideias
piagetianas! Muito pelo contrário, ele defenderá que a cooperação é condição para a efetiva
criação, para a libertação do pensamento de forma produtiva. Como isso ocorrerá? Para responder
a essa questão, será necessário realizarmos o percurso que Piaget propõe pelos quatro estádios do
desenvolvimento, até atingirmos a adolescência e sua passagem para a vida adulta. Então, vamos
deixá-la em suspenso, por enquanto.
111
Unidade II

Saiba mais

Para aprofundar as reflexões sobre contribuições piagetianas ao


ambiente escolar, convidamos você a ler a interessante entrevista do Prof.
Yves de La Taille à Revista Nova Escola.

<http://revistaescola.abril.com.br/crianca-e-adolescente/
comportamento/fala-mestre-yves-la-taille-466838.shtml>. Acesso em: 20
jun. 2012.

Para finalizar este item sobre Piaget e a Educação, comentaremos quatro aspectos destacados pelo
autor. Em primeiro lugar, ele defende que deve haver uma continuidade entre a educação oferecida pela
família e a escolar, de modo que esta última deve se ater não apenas ao desenvolvimento intelectual
dos alunos, mas à sua formação integral, baseada em valores de justiça, solidariedade e democracia.
Ao mesmo tempo, ele não deixa de sublinhar a especificidade da educação empreendida nas escolas,
que deve seguir o princípio essencial da educação científica. Ou seja, que os alunos sejam impelidos a
experimentar, a pesquisar, a buscar novas respostas aos desafios que lhes são propostos. Isso com base na
combinação de ações individuais e situações de troca coletiva. Um terceiro ponto – extremamente atual
– e que já era discutido por Piaget consiste na importância da interdisciplinariedade. Um conhecimento
que seja apresentado de forma estanque e compartimentalizada não favorece o desenvolvimento
intelectual. Ele defende a junção de disciplinas em grupos como forma mais eficaz de ensino, o que
envolveria pesquisas não apenas entre alunos, mas destes com os professores, num efetivo ambiente de
troca e crescimento mútuo.

Por fim, Piaget não deixa de mencionar a necessidade de uma atenção especial à preparação do
professor. Ele reconhece que a proposta de métodos ativos exige mais trabalho por parte do docente,
pois este não vive preso (e acomodado!) a um conhecimento tido como pronto, mas precisa criar
constantemente, produzir conhecimento e não somente reproduzi-lo. Ainda em relação à preparação
docente, além de mencionar a importância de cursos e atualizações, ele insiste que a figura do
professor merece uma real valorização por parte da sociedade, o que nem sempre ocorre (o que vemos,
infelizmente, ainda permanece em várias sociedades nos nossos dias…). Ele alerta que a desvalorização
e o desinteresse pela função docente “constituem um dos maiores perigos para o progresso, e mesmo
para a sobrevivência de nossas civilizações” (PIAGET, 1998, p. 25).

8.2 O jogo na escola e na vida

Dentre os vários aspectos de sua obra que têm servido de rica inspiração para as questões emergentes
no universo escolar, suas ideias sobre o jogo e a exploração lúdica têm recebido especial atenção. O lugar
da brincadeira na escola é comentado por Bontempo (1999) no texto “Brinquedo e educação: na escola
e no lar”, ao analisar os sentidos do brincar na criança, com base em diversos autores e perspectivas,
dentre eles, Jean Piaget. Num texto claro e voltado a educadores, o autor enfatiza a importância desses
temas na cultura e, portanto, na escola.
112
Psicologia Construtivista

A seguir, apresentamos um trecho desse texto, que esperamos sensibilize você a buscar conhecê-lo
na íntegra:

Aprender brincando ou brincar para aprender?

O brincar e a escola nunca estiveram em plena concordância. Para pedagogos, de Platão


a Schiller e de Comenius a Rousseau, o jogo ou brinquedo é o método mais eficiente de
aprendizagem para a criança. Porém, existe diferença entre aprender brincando e brincar
para aprender. “Aprender e brincar são realidades que fazem parte do reino da liberdade”
(Bousquet, 1986, p. 102). Um exercício escolar pode ser realizado como um jogo e este como
tarefa escolar, perdendo seu componente lúdico. O jogo, dentro do processo educativo,
deve ser mescla de repetição e surpresa, deve estimular o interesse dos participantes com a
introdução de elementos inesperados, agradáveis e difíceis, aproveitando o momento para
chegar com entusiasmo a esse descobrimento. É o aprender brincando.

Saiba mais

O texto, na íntegra, encontra-se disponível para acesso no endereço:

< h t t p : / / w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? p i d = S 1 41 3 - 8 5 5 71 9 9 9
000100007&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 fev. 2012.

É importante lembrarmos, sempre, que a brincadeira e o jogo, numa visão piagetiana, correspondem
a formas espontâneas de exploração e conhecimento de mundo pelo ser humano, acompanhadas de
intensas vivências afetivas. Ou seja, são ativadas as dimensões tanto cognitivas como afetivas e sociais.
Vimos exaustivos exemplos ao longo deste material de situações em que, jogando, a criança constrói
novas estruturas mentais e motoras, fortalece sua socialização, sua imaginação etc. É do adulto, no
nosso caso, do professor, a preocupação com a perspectiva de aprendizagem que esses recursos podem
oferecer à sua ação.

Para as crianças, o brincar e o jogar são modos de aprender e se desenvolver.


Não importa que não saibam disso. Ao fazer essas atividades, elas vivem
experiências fundamentais. Daí porque se interessam em repeti-las e
representá-las até criarem ou aceitarem regras que possibilitem compartilhar
com colegas e brincar e jogar em espaços e tempos combinados (MACEDO,
s/d).

Baseados no Prof. Lino de Macedo (2011, “A psicologia do jogo”, manuscrito não publicado),
comentaremos a seguir nove razões para nós, educadores, valorizarmos e utilizarmos os jogos em
nossas ações docentes, advertindo que não se trata de adaptá-los para funções pedagógicas (o que é
possível, mas já não se trata mais do jogo propriamente dito), mas do uso do jogo em si mesmo, da ação

113
Unidade II

do jogar, independente de sua função instrumental educacional, mas como instrumento que mobiliza
o desenvolvimento e a aprendizagem dos jogadores. Elas sintetizam aspectos de todas as estruturas
analisadas nos capítulos anteriores. São elas: 1) interação; 2) convenções e sistemas de regras sociais,
morais e lógicas; 3) desempenho de papéis; 4) objetivo inútil e indefinido; 5) destreza; 6) fantasia;
7) resultados; 8) prazer funcional; 9) universalidade e generalização.

1) Interação. Os jogos criam situações e, mais do que isso, criam e delimitam um contexto, um
cenário, em que as interações podem e devem ocorrer com aquilo de mais íntimo de cada um
de nós: nossas ações, nossas ideias, nossas possibilidades. Na escola, jogar com os alunos, e não
apenas observá-los enquanto jogam, aproxima o professor de seu aluno, cria laços.

2) Convenções e sistemas de regras sociais, morais e lógicas. Jogar não é uma ação que se executa
de qualquer forma; pressupõe atenção àquilo que cada jogo pede, impõe e, mais ainda, àquilo a
que nos desafia. Para que o jogo aconteça, é necessário que nos relacionemos de determinada
forma, que consideremos aspectos de como ele é, e não como desejamos que ele seja.

3) Desempenho de papéis. Aqui podemos destacar várias perspectivas, que vão desde os papéis
de cada jogo em si (como pequenos engenheiros construindo torres cada vez mais altas, por
exemplo), até, obviamente, os papéis de vencedor e perdedor/de conquista e fracasso, o que é
extremamente enriquecedor e mais uma vez necessário para nossos alunos.

4) Objetivo inútil e indefinido. Aqui, abrimos o nosso foco para além dos objetivos pedagógicos
ou mesmo esportivos (se pensarmos em campeonatos de jogos, por exemplo): jogamos porque
queremos jogar, apenas, nesse sentido mais indefinido e “inútil”, pois ele não é ferramenta de
aprendizagem (isso é o que nós podemos fazer com eles).

5) Destreza. Não há dúvida de que inúmeras habilidades, das mais amplas às mais refinadas, estão
presentes nos jogos: lançar, pegar, movimentar, empilhar, manusear, e tantas outras, de modo que
a prática do jogo leva ao seu aperfeiçoamento.

6) Fantasia. Durante qualquer jogo, nós nos transportamos para outros mundos, outras realidades,
não é mesmo?

7) Resultados. O jogar implica, sempre, um fechamento, uma conclusão, e algum tipo de aferição
de resultado: isso cria contornos e obrigações importantes à vida acadêmica: como aprender a
se comprometer com a finalização, o produto final de nossas ações? Aqui, lembramos que se o
processo do jogo é importantíssimo, não podemos descuidar da atenção ao seu ponto de chegada.

8) Prazer funcional. Como já comentamos, jogar e brincar provocam prazer: se não o for, algo não
está certo… Certa tensão faz parte, medo de perder etc., mas é preciso manter a chama, o espírito
lúdico durante o uso dos jogos em sala!

9) Universalidade e generalização. Ainda que cada jogo tenha seus aspectos específicos, eles se
desenrolam sobre uma base comum, tanto enquanto estrutura (alternância de jogadas, sucessão
114
Psicologia Construtivista

das mesmas etc.) como em termos culturais: e aqui a escolha de cada jogo pelo educador, por
algo que faça sentido para ele e para a comunidade dos seus alunos, deve ser foco de sua atenção,
sempre. Na dimensão particular de cada jogo e de cada jogada, é importante que possamos
vivenciar, assim como nossos alunos, nossa conexão com a humanidade, com algo maior que nos
transpassa.

Lembrete

O jogo para a criança/aluno possui características muito diferentes


daquelas do adulto/professor, que devem se complementar e nunca se
substituir.

Para finalizar este livro-texto, queremos deixar alguns questionamentos para você, aluno, sobre o
lugar dos jogos não somente na escola, mas na vida. A vida é como um jogo? O jogo pode nos ajudar
a viver melhor? Como? Macedo (2006) discorre sobre possíveis relações entre os jogos e os diversos
projetos que empreendemos em nossa vida, destacando que as duas atividades – jogo e projeto –
possuem dimensões irredutíveis, complementares e indissociáveis, ou seja, são intrinsecamente ligados,
mas possuem distinções importantes.

Pensando em sua formação enquanto pedagogo, trata-se de um tema bastante pertinente, uma vez
que, dentre os recursos utilizados pelos professores, o jogo tem recebido atenção crescente. Paralelamente,
não se trata meramente de usar jogos como distração, mas inseri-los no planejamento pedagógico, com
intencionalidade, dentro de uma perspectiva de um projeto com jogos. Assim, Macedo (2006) comenta
que, em essência, o jogo refere-se ao mundo da criança, mesmo que ainda vivo nos adultos que o
praticam: elas são desafiadas naquilo que o jogo é por si mesmo, sem se preocupar com alguma função
instrumental que possa carregar. Elas vivem mais o presente, a ação do jogo, do que a reflexão. Já os
adultos, vivem num mundo de projetos, sempre com um olhar prospectivo, um olhar para o “tornar-se”,
para a realização de algo futuro, o que implica grande empenho no pensar e no compreender, para que
as ações sejam mais efetivas. De certo modo, somos menos espontâneos do que elas.

Em resumo, no jogo, a criança curiosa, lúdica e interessada que habita


em todos nós faz perguntas incessantemente e vive a surpresa de suas
respostas, no nível em que podem ser formuladas. No projeto, um adulto
planeja a realização de algo, submetendo seu presente ao futuro do que
ele quer se tornar ou produzir. Brincando com as palavras, jogo pode ser
entendido como um projeto de “criança” e projeto, um jogo de “adulto”
(MACEDO, 2006, p. 32).

Esse tema das relações entre jogo e projeto se vincula diretamente a um dos temas sobre os quais
Piaget insistiu ao longo de toda sua obra: a continuidade funcional entre o ser criança e o ser adulto.
Algo que hoje pode nos parecer quase banal, mas que, naquela época, foi ousado e recebido com certo
ceticismo por renomados cientistas. Atualmente, parece-nos importante retomar a importância dessa
visão: não no sentido de confundir essas duas realidades, mas de buscar seus pontos de encontro e
115
Unidade II

suas diferenças. Entendemos ser esse um esforço constante de todo educador: manter-se na posição
de autoridade (o que não significa alimentar a dependência dos alunos, mas encaminhá-los para
uma posição de autonomia), de conhecimento (pois não se trata de apenas acompanhar o percurso
espontâneo dos alunos, mas de assumir sua posição de mediador ativo nesse processo) e, acima de tudo,
cultivar uma posição de abertura ao novo, ao desconhecido, compartilhando com seus alunos o desejo
permanente de crescer e construir formas cada vez melhores de ensinar e de viver.

Resumo

Nesta Unidade II, iniciamos o Capítulo 5 estudando a metodologia


utilizada por Jean Piaget para investigar o processo de desenvolvimento
cognitivo da criança. Em uma perspectiva histórica, são apresentadas
as etapas evolutivas do método utilizado por esse autor, chamado
de método clínico, que são: elaboração do método (1920-1930),
observação clínica (1930-1940), formalização (1940-1955) e recentes
(desde 1955).

Em seguida, foi definido o objetivo de Piaget em relação a esse método


de investigação: descrever as habilidades intelectuais do indivíduo e
compreender como o sujeito pensa e constrói o conhecimento, ou seja,
entender como o sujeito resolve situações-problema e de que maneira
responde às questões elaboradas. Por isso, seu enfoque é na compreensão de
como e quando o sujeito utiliza determinado conhecimento e no processo
que o leva a dar uma determinada resposta e, nesse sentido, a resposta
“errada” pode ser uma forma de raciocínio do sujeito em determinado
momento de seu desenvolvimento.

Para melhor compreender a perspectiva piagetiana de avaliação da


inteligência, apresentamos a diferença entre a abordagem psicogenética
de Jean Piaget e a abordagem psicométrica de Alfred Binet.

Os testes psicométricos visam à avaliação ou quantificação das


respostas corretas dadas pelo sujeito ao exame. Nesse sentido, o objetivo
é a mensuração das habilidades mentais por meio da quantificação das
respostas certas dadas pelo sujeito em testes psicométricos obtidos por
meio da padronização e do controle de variáveis ambientais.

Os testes psicogenéticos, chamados de provas operatórias, têm


como objetivo a avaliação dos processos de desenvolvimento da
inteligência, o objetivo é investigar a forma como o sujeito pensa
e resolve determinadas situações que lhe são apresentadas. Piaget
utilizou entrevistas puramente verbais e também apresentou
situações‑problema com materiais concretos, a fim de possibilitar ao
116
Psicologia Construtivista

sujeito a antecipação e a explicação, após determinada demonstração.


Por isso, em uma perspectiva psicogenética, o controle está no
entendimento das respostas e instruções (controle psicológico), em
vez da padronização das mesmas e das situações externas (controle
fisicalista) como em uma abordagem psicométrica.

Dessa forma, como o controle não está no material, destacamos


a importância da formação do investigador para que possa se valer do
método clínico como instrumento de investigação da inteligência. Assim
sendo, é fundamental que ele possua as seguintes características:

• tenha um amplo conhecimento da teoria piagetiana, que irá nortear


as perguntas que irá fazer durante a aplicação das provas, bem como
a maneira como avaliará as respostas dadas pela criança;
• saiba observar, permita que a criança fale e não desvie ou esgote
nada;
• saiba buscar algo de preciso, tenha a cada instante uma hipótese de
trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para investigar;
• acompanhe o raciocínio, não corrija ou complete suas respostas de
acordo com seu próprio raciocínio, não concluir pelo sujeito;
• busque justificativas para respostas dadas, uma vez que o interesse
principal do estudo da inteligência na teoria de Piaget está em
compreender o processo pelo qual o sujeito chegou àquela resposta,
as relações estabelecidas entre os fatos e a compreensão se a resposta
foi dada com convicção ou ao acaso;
• verifique a certeza com que o sujeito responde, ou seja, se a resposta
está inserida em um sistema dedutivo, se o sujeito responde com
convicção. Se a resposta é dada na ausência desse sistema, o sujeito
a modifica toda vez que o examinador faz questionamentos;
• evite ambiguidades nas respostas dadas pelo sujeito, não cabe ao
experimentador escolher qual dos possíveis significados foi aquele
pretendido pelo sujeito.

Vimos, também, que para a concretização desses procedimentos


é necessário que o experimentador utilize três tipos de perguntas
características no método clínico-crítico: perguntas de exploração,
perguntas de justificação e perguntas de contra-argumentação. Essas
perguntas têm como objetivo esclarecer o que está implícito na resposta
da criança e propiciar uma melhor compreensão de sua estrutura cognitiva
(a maneira como o sujeito pensa e em qual estádio do desenvolvimento
está incluído). Portanto, no método clínico piagetiano, não há como criar
117
Unidade II

uma padronização das perguntas a serem feitas (como na abordagem


psicométrica), pois o objetivo é seguir o pensamento da criança para onde
quer que ele se dirija.

Outro aspecto fundamental na aplicação do método clínico piagetiano


são os critérios para avaliação das respostas dadas pelo sujeito.
Diferentemente da abordagem psicométrica, a avaliação das respostas não
se faz pela contagem de acertos e erros, mas sim pela compreensão do
raciocínio utilizado pelo sujeito para chegar àquela resposta. Com isso, o
erro é tão importante, ou mais, que o acerto, uma vez que indica, para
nós, o processo de pensamento ou raciocínio do sujeito durante o processo
de construção de conhecimento. O erro no construtivismo é possível e
necessário, pois faz parte de um processo interno, de uma autorregulação
– para aprender, o sujeito precisa compreender e internalizar os fatos por
oposição à simples cópia e repetição de modelos externos. Assim, Piaget
propõe três níveis de desenvolvimento do erro (nível I, nível II e nível III)
para avaliar as respostas dadas pelas crianças durante o método clínico.

Ainda em relação às respostas dadas pelo sujeito durante o método


clínico, Piaget alerta sobre a importância da observação atenta das
reações que a criança pode apresentar durante a entrevista, pois a
partir delas o investigador irá orientar suas ações tanto na condução
do exame como na interrupção do mesmo se for necessário. As reações
são: não importismo, fabulação, crença sugerida, crença desencadeada
e crença espontânea.

Por fim, apresentamos algumas das provas operatórias estudadas


por Piaget, descrevendo os procedimentos de aplicação e avaliação:
conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; conservação
da quantidade de matéria; conservação de quantidade de líquidos; e
conservação de comprimento.

No Capítulo 6, apresentamos a perspectiva psicogenética piagetiana


sobre o valor evolutivo e dinâmico do jogo na vida infantil. Esse autor nos
apresenta em seus estudos grandes tipos de estruturas que caracterizam os
jogos infantis, que são:

• Jogo de exercício è Estádio sensório-motor (0-2 anos)


• Jogo simbólico è Estádio pré-operatório (2-6 anos)
• Jogos de construção è Transição
• Jogo de regra è Estádio operatório (7-15 anos)

118
Psicologia Construtivista

No jogo de exercício, o foco é o exercício de uma função, ou seja,


está diretamente relacionado ao prazer que a criança extrai de exercitar
(aprender, explorar) uma função, e inicia quando a inteligência ainda é
pré-verbal, sendo essencialmente prática e inconsciente. Embora seja
característico do estádio sensório-motor (0-2 anos), irá permanecer
como “pano de fundo” em todos os outros estádios do desenvolvimento
cognitivo. Quanto mais um bebê e uma criança pequena forem expostos e
estimulados a viverem situações de jogos de exercício, isso criará uma base
de prazer e satisfação em aprender que se manterá até a vida adulta. Em
contrapartida, se privarmos um bebê de “brincar” com os objetos e explorar
livremente sua ação sobre eles, ele poderá desenvolver uma relação pouco
prazerosa, mecânica, com as aprendizagens futuras. Os jogos de exercício,
portanto, formarão uma base importante para a aprendizagem cognitiva,
para o desenvolvimento da inteligência e, ao mesmo tempo, para o
desenvolvimento da afetividade.

O jogo simbólico aparece como uma nova estrutura lúdica em função


do avanço no desenvolvimento infantil e da aquisição da capacidade de
representação, alicerçada principalmente pela linguagem falada. No jogo
simbólico, o foco não está mais no prazer do exercício de uma função, mas
em simbolizar, imaginar, criar significados para os objetos e situações. Nos
chamados jogos de faz de conta, a satisfação do eu estará na possibilidade de
transformação do real em função dos seus desejos e, por isso, a assimilação
nesse caso não é mais funcional, mas é uma “assimilação deformante”. O
jogo de faz de conta possibilita à criança a realização de sonhos e fantasias,
revela conflitos, medos e angústias, aliviando tensões e frustrações. É a fase
das brincadeiras de boneca, casinha, escolinha, personagens, super-heróis
etc. É importante frisar que esse movimento de atribuir significados aos
objetos e às pessoas (como ao se tornar uma princesa ou bruxa) a criança
não faz apenas com base em conteúdos individuais: muito ao contrário, pelo
jogo simbólico, as crianças expressam e “mergulham” no universo de sua
cultura, do grupo a que pertencem. Além dos conteúdos culturais referentes
àquilo que observa e assimila cognitivamente das relações de que participa,
a criança, num ato de simbolizar, expressará seus sentimentos diversos (e
mesmo ambivalentes, como amor e temor, submissão e independência etc.)
frente à realidade.

Nos jogos de construção (construir com blocos, peças de encaixe,


montar quebra-cabeças, por exemplo), a criança precisará ser mais fiel às
características do objeto para que sua imaginação possa ser colocada em
prática. Para construir uma torre com blocos, ela deverá, progressivamente,
aprender que os maiores e mais pesados deverão servir de base para
os menores e mais leves, para que ela se sustente. Podemos perceber,
inclusive, que começa a aparecer um universo de regras, de limites mais
119
Unidade II

claros, que o sujeito deverá respeitar para que possa realizar seus desejos.
A imaginação, a criatividade (núcleo dos jogos simbólicos), continuam
fortemente presentes e alimentando o envolvimento no jogo, bem como o
prazer funcional de explorar e repetir diferentes combinações de objetos,
analisando seus efeitos (prazer funcional dos jogos de exercício). Agora, a
palavra-chave que surge é a relação com o futuro, com o encadeamento
lógico entre as ações: a capacidade de antecipar situações e retroagir frente
a experiências passadas, para poder agir no presente. Portanto, vemos que
aqui a capacidade operatória – construída ao longo do terceiro estádio do
desenvolvimento – estará fortemente vinculada a essa estrutura lúdica.
Para Piaget, os jogos de construção não se constituem como uma estrutura
particular de jogo, mas se situam numa transição entre jogo e trabalho, ou
entre jogo simbólico e imitação.

O jogo de regras é a última estrutura estudada por Piaget e a mais


complexa, pois engloba as características das precedentes, pressupõe
a existência de parceiros e um conjunto de obrigações (regras), o que
lhe confere um caráter eminentemente social. Havendo regras, há
consequentemente a obrigação de sujeitar-se a elas, com forte pressão
para que ocorra acomodação do sujeito frente às exigências do ambiente,
ao que é externo a ele e deve ser compartilhado pelo grupo. Para que os
jogos e brincadeiras aconteçam, os jogos de regras no seu sentido e no seu
uso integral serão possíveis com a conquista da capacidade operatória, ela
possibilita a reversibilidade lógica e, também, a reciprocidade nas relações
interpessoais. Assim, por volta dos 7 anos, as crianças aprendem as regras
dos jogos que são transmitidas socialmente, e o mesmo permanece durante
toda a vida do sujeito. Esses jogos são jogados em grupo e, pela descentração
natural do período operatório, as regras podem ser internalizadas com
maior significado pelo sujeito. Assim, o que caracteriza o jogo de regras
é a existência de um conjunto de leis organizadas e planejadas pelo
grupo, e o não cumprimento dessas regras pode levar a conflitos e, muitas
vezes, a não possibilidade de vitória pelo jogador. Os jogos de regras são
classificados como: jogos sensório-motor (futebol) e jogos intelectuais
(xadrez, dama, baralho). Piaget deu extrema importância aos jogos de
regras como ilustrativos dos sucessivos progressos no desenvolvimento
cognitivo, isso porque eles congregam a síntese da evolução da inteligência
e da moralidade: para sermos bons jogadores, não bastam qualidades
intelectuais, da análise das probabilidades das jogadas, por exemplo, mas é
essencial que, moralmente, os jogadores possam aderir a uma condição de
respeito mútuo, reciprocidade e autonomia.

Jean Piaget investigou a maneira como a criança constrói o significado


da regra e, para isso, criou vários dilemas que, em formato de histórias,
possibilitavam à criança julgar quem errou e, dessa forma, compreender
120
Psicologia Construtivista

o pensamento do sujeito em relação ao desenvolvimento do julgamento


moral. Os dilemas morais apresentam temas comuns na infância (dano
material, mentira, roubo) e permitem compreender de que maneira ocorre
o desenvolvimento na construção da regra pela criança, o que estará
diretamente ligado à capacidade de a criança participar dos jogos de regras,
aceitando e submetendo-se a elas.

De acordo com Piaget, o desenvolvimento moral ocorre em quatro


períodos e se vincula diretamente à possibilidade de realização dos jogos de
regras: anomia, heteronomia, semiautonomia e autonomia. O autor afirma
que o último período (autonomia) nunca se constituirá de forma plena e
eventuais retrocessos à condição anterior, de heteronomia, podem ocorrer.
Para que haja o desenvolvimento de uma moralidade autônoma, é necessário
que a criança se desenvolva em um ambiente no qual as regras possam ser
construídas e internalizadas de maneira significativa pelo sujeito. Um ambiente
permeado pela moralidade da heteronomia moral fará com que o sujeito
continue heterônomo na fase adulta. Os jogos de regras constituem, assim,
importantes situações em que as crianças e os adolescentes experimentam
essas diferentes relações com as regras, assumindo progressivamente uma
postura mais autônoma e, portanto, responsável.

No Capítulo 7, estudamos o desenho infantil em uma perspectiva


psicogenética e, para isso, foram utilizadas as referências piagetianas e de
outros dois autores, Luquet e Lowenfeld, e os indicadores apresentados por
cada um deles em relação à evolutiva do grafismo infantil. Sobre Luquet,
foram apresentados os momentos do desenvolvimento gráfico: realismo
fortuito, realismo malsucedido, realismo intelectual e realismo visual; e
sobre Lowenfeld, as seguintes etapas gráficas: garatujas, pré-esquemático,
esquemático e realismo.

Finalizamos esta Unidade com o Capítulo 8, intitulado: “Piaget e a


Educação”. Nele, foram comentadas contribuições de Piaget para a escola e
a pedagogia. Embora não tenha proposto um método pedagógico, pois era
um epistemólogo e um pesquisador, vimos que ele influenciou e influencia
significativamente o campo educacional. Defendia que os conhecimentos
adquiridos na escola deveriam articular a formação não somente
cognitiva e intelectual, mas também afetiva e de ordem social e moral, e
condenava os métodos tradicionais, fortemente baseados na repetição, na
memorização e no acúmulo de informações. O aluno deveria ser ativo em
relação ao seu processo de aprendizagem. Uma vez que o desenvolvimento
caminha do egocentrismo em direção à descentração, Piaget atribui um
valor inestimável ao grupo, ao trabalho em equipes (como ele diz), por duas
razões: como estímulo à argumentação lógica e como órgão de controle,
inclusive moral.
121
Unidade II

Por fim, vimos que Piaget defende quatro pontos gerais, visando a
uma educação democrática: continuidade entre e educação oferecida
pela família e a escolar, ênfase na educação científica (experimental e não
somente verbal), importância da interdisciplinaridade e atenção especial à
preparação e valorização do professor.

Discutimos, como conclusão do capítulo, aspectos do jogo que o


tornam um recurso útil para educadores, com destaque para os seguintes:
1) interação; 2) convenções e sistemas de regras sociais, morais e lógicas;
3) desempenho de papéis; 4) objetivo inútil e indefinido; 5) destreza;
6) fantasia; 7) resultados; 8) prazer funcional; 9) universalidade e
generalização. E propusemos algumas reflexões, fundamentadas em
princípios construtivistas, sobre as características dos jogos (próprias do
pensar e do agir infantil) e dos projetos (instrumentos típicos do pensar e
do agir adulto).

122
Psicologia Construtivista

FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 2

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 4

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 5

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 6

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 7

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 12

Disponível em: <http://cdn.morguefile.com/imageData/public/files/s/sideshowmom/preview/


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Figura 14

Disponível em: <http://cdn.morguefile.com/imageData/public/files/s/sideshowmom/preview/


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Figura 15

Disponível em: <http://cdn.morguefile.com/imageData/public/files/m/manicmorff/preview/


fldr_2011_01_13/file451294959608.jpg>. Acesso em: 4 jul. 2012.
123
Figura 16

Disponível em: <http://cdn.morguefile.com/imageData/public/files/k/karpati/preview/fldr_2010_08_06/


file7291281077168.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 17

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 18

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 19

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 20

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 21

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 22

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 23

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 24

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 25

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 26

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.


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Figura 27

Acervo de Mônica Cintrão França Ribeiro.

Figura 28

Disponível em: <http://www.morguefile.com/archive/display/59481>. Acesso em: 5 jul. 2012.

Figura 29

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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