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Autora
Vera Regina Beltrão Marques
2009
© 2003 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
ISBN: 85-8900-859-2
1. Educação-História. I. Título.
CDD 370.9
Roma.....................................................................................................................................17
Entrando pela história...............................................................................................................................17
Educando à romana...................................................................................................................................17
A educação grega revisitada.....................................................................................................................19
A Educação higienizada........................................................................................................75
A ordem médica chega às escolas.............................................................................................................75
A escola higiênica e as propostas eugenizadoras......................................................................................75
Saúde, moral e trabalho: máximas para todos..........................................................................................76
Referências............................................................................................................................95
Introdução à História
da Educação
A
disciplina História da Educação tem seus começos, diferentemente do que poderia se supor,
no campo da Pedagogia, e não como uma especialização temática da História. Esse proce-
dimento teria se originado na Europa e Estados Unidos, vinculado às Escolas Normais e aos
cursos formadores de professores. E os historiadores, até muito recentemente, pouco se debruçaram
sobre problemas alusivos à educação.
Por que isso teria acontecido?
Reportando-nos aos inícios da história da pedagogia (séculos XVIII e XIX), é possível detectar
as causas desse vínculo primeiro. Os estudos históricos realizavam-se a partir da escola, orientados
por objetivos de (con)formar técnicos e cidadãos, em duas vertentes: educação-instrução e matrizes
teóricas. História persuasiva e teoricista unificava classes sociais, pouco abordando as instituições
educativas em suas singularidades. Assim, a educação patrocinada por diferentes instituições – famí-
lia, escola, fábrica, exército, prisão, manicômios, igreja etc – foi tratada sem que houvesse qualquer
distinção, abordada através de modelos ideais nos quais passava a caber, amparada nos grandes mes-
tres da filosofia. Contemplava-se, em especial, a história das idéias pedagógicas (CAMBI, 1999).
Já desde o segundo pós-guerra, porém, difundiam-se novas orientações historiográficas, também no campo peda-
gógico, e, ao mesmo tempo, entravam em crise alguns pressupostos daquele modo tradicional de fazer a história
da pedagogia. Iniciava-se, assim, um longo processo que levou à substituição da história da pedagogia pela mais
rica, complexa e articulada história da educação, que só em anos recentes aparece definitivamente constituída
como modelo-guia para a pesquisa histórica em educação e pedagogia. (CAMBI, 1999, p. 23).
Para essa nova orientação contribuíram saberes de outras ciências, e, como salientava Lucien
Febvre em Combates pela História, seus estudiosos precisam ser menos historiadores e mais sociólo-
gos, juristas, geógrafos, antropólogos e não podem encarar a história como uma necrópole adormeci-
da “onde só passam sombras despojadas de substância”. É preciso penetrar na história animado pela
vontade de lutar e combater, “avivando as luzes e restabelecendo o barulho”. E convém lembrar: “o
historiador não é um juiz, nem sequer um juiz de instrução. E a história não é julgar, mas compreen-
der – é querer compreender” (FEBVRE, s.d., p. 167).
“Assim, a metodologia histórica sofre por sua vez uma transformação radical: articula-se segundo muitos âmbitos
de pesquisa, acolhe uma multiplicidade de fontes, organiza-se em setores especializados, e cada vez mais espe-
cializados, de modo a dar vida a subsetores de pesquisa doravante reconhecidos e reconhecíveis pela autonomia
de objetos e métodos que os marca, assim como pela tradição de pesquisa que os une”. A pesquisa histórica da
educação passa a contemplar a história das teorias e das instituições escolares e formativas, a história da didática,
da infância, das mulheres ou ainda do imaginário, fosse de adultos, jovens ou crianças (CAMBI, 1999, p. 24).
mentos (não como monumento, mas efeito de interpretações) (LE GOFF, 1994).
Modo novo de fazer a história dos eventos pedagógico-educativos, “toman-
do a noção de educação seja como conjunto de práticas sociais seja como feixe de
saberes”. Verdadeira revolução historiográfica que redesenha “o domínio históri-
co da educação e todo o arsenal da sua pesquisa” (CAMBI, 1999, p. 24).
Para que tal revolução ocorresse, em muito contribuiu a escola dos Annales.
Inspirada no marxismo, “enriqueceu e matizou sua lição ao introduzir o estudo de
estruturas (ou infra-estruturas) não só econômicas, como a mentalidade, tendo em
vista uma história por inteiro, que leve em conta todos os fatores e aspectos de um
momento ou de um evento histórico. Os Annales sublinharam, assim, o pluralis-
mo da pesquisa histórica e o jogo complexo das muitas perspectivas que acabam
por constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências sociais”, como salientou
Febvre. Mas o próprio marxismo, os aportes da psico-história americana, o estru-
turalismo, dentre outros, não podem ficar de fora quando se aborda essa revolução
historiográfica (CAMBI, 1999, p. 24-26).
E como teria começado a história da educação no Brasil?
Warde também localiza no terreno da educação os começos dessa história.
Nossos renovadores da educação a partir da década de 1930 buscaram estabelecer
as “singularidades teóricas e práticas da educação brasileira” e para tal lança-
ram mão das matrizes científicas que a amparavam. Neste contexto, a história da
educação foi inserida como ciência auxiliar, abordada como enfoque. As matri-
zes conferidoras do estatuto de ciência foram buscadas na Biologia, Psicologia
e Sociologia. A História da Educação foi incorporada como matéria formadora
de natureza disciplinar, mais no intuito de despertar valores humanos à prática
educacional. Assim a “História da Educação foi conformada para ser útil, para
oferecer justificativas para o presente e não para interpretar ou reinterpretar os
processos históricos específicos da educação brasileira” (WARDE, 1990).
“O fato de a trajetória da História da Educação estar relacionada à Pedago-
gia e ao ensino dificultou sua constituição como uma área de pesquisa propria-
mente dita. É muito recente o movimento no Brasil, concretizado na fundação de
associações, grupos de trabalho, periódicos especializados, que insistiu na neces-
sidade de realização de pesquisas em arquivos e no tratamento historiográfico das
fontes”. Ademais, eram os próprios educadores os responsáveis pelo desenvolvi-
mento das pesquisas históricas, tarefa para a qual não tinham a formação neces-
sária, nem suficiente (LOPES; GALVÃO, 2001).
É claro que todo esse movimento no campo da História da Educação trouxe
também dilemas ao professor.
Como ensinar aos alunos a História da Educação dos gregos aos nossos dias,
da Europa e da América, aos estudos e pesquisas hoje desenvolvidos no Brasil?
Realizar qualquer tentativa de abarcar tamanha complexidade por meio de
um único livro, ou “manual”, se revestiria de uma tentativa fracassada. Fadado ao
insucesso, nosso libelo também poderia ser taxado de “herético”!
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Introdução à História da Educação
UMA CIDADE sem passado. Direção de Michel Verhoeven. Alemanha: Globo Vídeo, 1990.
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Introdução à História da Educação
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A Educação na
Antigüidade Clássica
Grécia
A
civilização grega é o resultado de um amplo processo de relações socio-
culturais estabelecidas principalmente a partir do II milênio a.C.
Sobre um território estéril, de topografia montanhosa, levas sucessi-
vas de povos indo-europeus foram estabelecendo-se. Agrupando-se em pequenas
comunidades primitivas esses povos (aqueus, jônios, eólios, dórios) ao longo do
tempo premidos pela necessidade de novas áreas cultiváveis para a produção de
alimentos e impulsionados por movimentos de conquistas de novos territórios,
espalharam-se ao longo do Mediterrâneo.
A Grécia antiga – chamada Hélade – ocupando o sul da Península dos Bal-
cãs, as ilhas do Mar Egeu e Jônio e o litoral da Ásia Menor, constituiu um mosaico
de pequenas comunidades independentes.
Os grupos humanos dividiram-se em extensas famílias – os genos – cujos
membros, mais do que formarem uma associação natural, devido aos laços con-
sangüíneos, constituíam uma associação religiosa.
Os gregos, no entanto, não foram um povo unitário étnica e culturalmente.
A formação de reinos isolados e independentes, favorecida pela própria formação
geográfica, não impediu a elaboração de uma profunda unidade espiritual que
deu vida a uma civilização comum. “Embora geograficamente dispersa, a Gré-
cia antiga mantém uma vida cultural relativamente homogênea, que se manifesta
numa língua comum, em formas de organização política semelhantes e em mes-
mas crenças religiosas”. (VALVERDE, 1987, p. 16).
Ao conformar os agrupamentos humanos em formações sociais cujas men-
talidades estavam impregnadas de crenças em divindades, a criação de mitos,
deuses e heróis daria sustentação à constituição de uma estrutura hierárquica, que
por longo espaço de tempo dominou o modo de vida da sociedade grega.
A formação do cidadão
A estrutura política consolidada na Grécia antiga a partir das invasões dos
dórios no século XI a.C., ou seja, reinos independentes e territoriais, passa por
gradativas, mas profundas mudanças. A intensificação das trocas comerciais com
o desenvolvimento de uma economia monetária, a expansão dos contatos com o
exterior favorecendo o aparecimento de novas idéias e técnicas, a conformação de
novas classes sociais, apontavam para a desagregação irreversível das formações
humanas fundadas com base na organização gentílica da sociedade.
A unidade política estabelecida em torno da figura do rei sofre profundos aba-
los diante do acirramento dos conflitos entre os diversos grupos sociais, entre as pró-
prias famílias aristocráticas e entre essas e as camadas mais pobres da população.
As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais decorrentes
dessa permanente tensão culminaram no desaparecimento da realeza e ascensão
2 Se Homero retrata acon-
tecimentos que teriam ao poder político por parte de uma aristocracia de ricos proprietários de terra,
ocorrido por volta de 1260 e
1250 a.C., período anterior dando origem a uma nova forma de organização política e social – a pólis.
ao por ele vivido, sua difusão
se dá em Atenas por volta Surgida em meados do século VIII a.C., no final da época homérica, a
do século V a.C., após a sua
morte. cidade-Estado (pólis) busca responder aos desafios colocados pela evolução dos
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A Educação na Antigüidade Clássica
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A Educação na Antigüidade Clássica
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A Educação na Antigüidade Clássica
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A Educação na Antigüidade Clássica
Nos séculos V-IV a.C., “a cultura grega caracterizada agora pelo papel he-
gemônico de Atenas entra numa fase de crise e de transformação em paralelo com
a profunda mudança da sociedade em seu conjunto” ... A pólis, como organismo
educativo, entra em crise; a ela se contrapõe o indivíduo, o sujeito, que vive uma
profunda desorientação e é levado a buscar uma nova identidade.
Delineia-se uma cultura mais crítica em relação ao saber religioso e mitopoético e mais
técnico-científica, que exalta a dimensão livre e o livre exercício da razão próprio de cada
indivíduo e disposto a submeter à analise qualquer crença, qualquer ideal, qualquer prin-
cípio de tradição (CAMBI, 1999, p. 85).
15
A Educação na Antigüidade Clássica
nova cultura, que caracterizaria daí por diante, as regiões do Império de Alexan-
dre – a cultura helenística”. (AQUINO et al., 1985, p. 260).
Apesar da presença desses elementos, a cultura helenística foi profunda-
mente original e marcante; muito mais do que uma simples transposição da tradi-
ção grega para um cenário mais amplo.
Assim como outros povos se adaptaram aos valores helênicos, passando
a adotar a língua, a arte e o pensamento gregos, a própria cultura grega sofreu
modificações. Isso implicou numa grande virada na compreensão que os gregos
tinham de si mesmos. Na medida em que a pólis sucumbiu ao Império, a condição
de cidadão referida basicamente ao homem grego, perdeu seu fundamento; agora
todos – gregos e “bárbaros”–, igualam-se na condição de súditos.
Do mesmo modo, a cultura helenística não é mais grega ou ‘bárbara’: prevalecem os valo-
res gregos, mas já mesclados com as mais diversas tradições e culturas à sua volta – é uma
cultura cosmopolita” [...], “não mais de uma pólis, mas da cosmópolis, a cidade universal.
(AQUINO et al., 1985, p. 102).
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Roma
E
ntre os séculos IX e VIII a.C., a Itália primitiva encontrava-se dividida em vários territórios
ocupados por povos de origens diversas. Latinos, sabinos, équos, dentre outros, que possuíam
diferentes níveis de vida material e cultural.
Os etruscos, de origem controvertida, fixados na fértil planície da Etrúria provavelmente desde
o século IX a.C., iniciaram no século VIII a.C. um movimento de expansão ao sul, resultando no
domínio sobre Roma.
Desde o século VIII a.C., havia povoações latinas espalhadas nas colinas da margem esquerda
do rio Tibre, as maiores situadas no Palatino e no Esquilino. Roma se constituiu da junção dessas
povoações em uma única comunidade. Embora resultante de um longo processo de expansão e fusão
dessas cidades, alguns historiadores, confirmando a tradição, aceitam o ano de 753 a.C. como ano de
fundação de Roma.
A tradição romana que nos chega através da obra de Tito Lívio – historiador romano do século I a.C. – narra a fun-
dação como tendo sido realizada por um par de gêmeos, Rômulo e Remo. Pela descrição de Tito Lívio, verifica-se
que a fundação da cidade obedeceu a ritos etruscos: tomada dos auspícios (meio de conhecer a vontade dos deu-
ses), traçado dos limites sagrados da cidade, com arado, por exemplo. Por essas e outras razões os historiadores
afirmam ter sido a fundação de Roma obra dos etruscos. (AQUINO et al., 1985, p. 227).
O “caráter agrário de toda a civilização arcaica de Roma”, era marcado até então, por uma forte
cultura “tradicionalista, pelo intercâmbio de mercadorias agrícolas, pela constituição de latifúndios,
por um estilo de vida frugal e por uma religiosidade ligada à terra, às estações do ano, à produção
agrícola”. (CAMBI, 1999, p. 104).
Educando à romana
Em seu arcaico modelo cultural, o centro da vida social era ocupado pela família. Nesta, os
elementos constituintes, denominados patrícios, submetiam-se à autoridade absoluta do pai (pater
familias) o qual possuía plenos poderes, inclusive “de vida e de morte” sobre os filhos, podendo
reconhecê-los ou rejeitá-los, governá-los inclusive na plena maturidade e ao qual se deve, ao mesmo
tempo, uma atitude de reverência e temor. (CAMBI, 1999, p. 104).
Neste modelo, a tradição – “o espírito, os costumes, a disciplina dos pais” – ocupava papel cen-
tral. As relações sociais típicas de uma sociedade agrícola atrasada, enfatizavam as virtudes públicas
e privadas: “a frugalidade, o sacrifício, a dedicação à coisa pública, o desinteresse, o heroísmo”, como
“exemplares ao jovem romano e ao cidadão em geral” (CAMBI, 1999, p. 104), situando-se entre os
objetivos primários da educação arcaica romana.
Na Roma etrusca, no entanto, apenas os patrícios (cujo nome deriva de pater) detentores do po-
der econômico e militar, eram contemplados na sua plenitude; os plebeus, embora homens livres e que
compunham a maioria da população, não participavam das decisões políticas, assim como os clientes
Roma
A introdução dos filhos nos meandros da vida civil se dava pelo acompa-
nhamento dos pais nos tribunais e até nas sessões do Senado; ao completarem 16
18
Roma
ou 17 anos, “o jovem abandonava a toga pretexta para adotar a toga viril. Então
entrava no exército e na vida pública” (AQUINO et al., 1985, p. 60), não sem an-
tes ter passado um ano, geralmente acompanhado de um político experiente, na
aprendizagem da vida pública.
A educação romana primitiva caracterizava-se por um “espírito de sobrie-
dade e austeridade, operosidade e disciplina” em cujo conteúdo tinha um duplo
aspecto: “de um lado, a educação física, com caráter pré-militar mais que espor-
tivo e, de outro, a educação jurídico-moral, baseada na Lei das Doze Tábuas”.
(AQUINO et al., 1985).
Sempre ameaçada por povos vizinhos, a partir do século IV a.C., a política
romana tornou-se mais agressiva, levando Roma às guerras de conquista. A ex-
pansão romana pelo Mediterrâneo até alcançar seu domínio completo, culminou
num vasto Império que no seu auge, nos séculos I e II d.C., abrangeria a quase
totalidade de Europa ocidental, o norte da África e a Ásia Menor.
Dessas conquistas, no entanto, decorreriam importantes mudanças na po-
lítica interna de Roma. O controle de todo o Império impunha uma melhor pre-
paração dos quadros burocráticos, ao lado de uma maior centralização do poder,
necessária também para conter as contínuas conspirações e agitações aguçadas
em decorrência da acentuada divisão entre a minoria economicamente poderosa e
a massa proletária cada vez mais empobrecida, porém politicamente mais forte.
Como conseqüência da riqueza excessiva de alguns e da pobreza e miséria de muitos, ins-
talaram-se o luxo e o desregramento dos costumes nas famílias aristocráticas e nas dos Ca-
valeiros, enquanto que a massa da população, aglomerada em grandes habitações coletivas,
convivia com a promiscuidade, as doenças e a ignorância. (AQUINO et al., 1985, p. 237).
19
Roma
Freqüentadas por meninos e meninas, logo mista a partir dos sete anos, a es-
cola primária “tinha um programa muito elementar, consistente em leitura, escrita
e cálculo, com algumas canções, disciplina muito rigorosa e freqüentes castigos
físicos”. (LUZURIAGA, 2001, p. 61).
Na escola secundária foi onde mais se fez sentir a influência da cultura gre-
ga. Estudava-se gramática latina e grega, com base nos clássicos e nos poemas
de Homero; igualmente estudava-se retórica, oratória e matemática. A música e a
ginástica recebiam pouca atenção, ao contrário dos estudos jurídico-políticos. Os
alunos começavam a freqüentá-la com 12 anos, permanecendo até os 16. Nesta
fase, meninos e meninas se separam. Elas, se pertencerem a uma família abasta-
da, passam a aprender com preceptores, eles continuam na escola. Vale lembrar
que uma menina aos 14 anos já era considerada adulta. (VEYNE, 1991).
Como salienta Veyne, os meninos não estudavam para se tornar bons cida-
dãos, nem para adquirir algum ofício. “Em Roma não se ensinava matérias forma-
doras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica”. (VEYNE,
1991, p. 33).
No terceiro grau escolar, uma espécie de escola de direito destinada à
minoria governante, ao lado do estudo jurídico-político cultivava-se a retórica,
especialmente a oratória inspirada na filosofia grega.
A educação romana, na época imperial, difere da anterior mais pela or-
ganização que pelo conteúdo, ao ultrapassar os limites da educação particular e
alcançar a esfera da educação pública.
A criação de escolas municipais no século I a.C., demarca essa transfor-
mação, com o Estado intervindo com subvenções e certa inspeção; mais tarde,
arvora-se como legislador e diretor do processo.
A determinação em ampliar as oportunidades de acesso por meio de au-
mento do número de escolas fez com que os imperadores estimulassem as munici-
palidades a criarem escolas públicas, não só em Roma, mas em todo o Império.
À permanente necessidade do Império de funcionários com formação su-
perior, adicionou-se a preocupação com a universalização da cultura romana, em
particular da língua latina e do direito romano. A escola seria o principal veículo
a suportar essas importantes funções, transformando-se em um instrumento es-
sencial da romanização do mundo. (GIARDINA, 1994).
Ainda que os teóricos da educação romana não alcançassem a proeminência
atingida pelos educadores gregos, a contribuição de seus principais pensadores,
entre eles: Catão (234-149 a.C.); Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.); Marco Túlio
Cícero (106-43 a.C.); Marco Fábio Quintiliano (35-96 d.C.); Sêneca (4 a.C. - 65);
Plutarco (46 -119 d.C), seria projetada na futura escola ocidental.
E é na Antiguidade Clássica, nas culturas grega e romana que estão fincadas
as raízes da pedagogia ocidental.
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Sob as asas dos ensinamentos
cristãos: a Educação
na Idade Média
P
ara o medievalista Jacques Le Goff, a longa Idade Média
é o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas campo-
nesas tradicionais, no entanto, viva pelo que criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Criou a
cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro e o garfo, o vestuário,
a pessoa, a consciência e finalmente a revolução. (Le Goff, 1993, p. 12).
Tempo de grande impulso criador, cortado por crises, graduado por deslocações no espaço e no
tempo, escreve o historiador.
E ele tem o cuidado de salientar: não se trata de contrapor a modernidade como se fosse uma
lenda dourada à lenda negra medieval. E sim considerar a longa Idade Média em todos os aspectos que
compõem esse sistema, que funciona desde o Baixo Império Romano até a Revolução Industrial dos
séculos XVIII e XIX.
Aí deve ser buscada a nossa modernidade para entender as transformações que são o fundamento
da história como ciência e experiência vivida. E esse domínio do passado, detido pelos historiadores, é
tão indispensável aos contemporâneos quanto a física e a biologia quando dominam a matéria e a vida.
(Le Goff, 1993).
A Educação, como outros aspectos da vida na sociedade medieval, foi marcada pelos princípios
do cristianismo, porém um cristianismo que foi sendo reatualizado de diferentes formas ao correr da
longa Idade Média. Contemplaremos neste texto a educação do povo, tendo como recorte o período
que se estende do século V ao início dos anos mil e a partir daí abordaremos a criação da universidade
e a formação nas corporações de ofício.
Poucas pessoas liam, logo a memória era tudo: sermões mais lembravam verda-
des já sabidas do que transmitiam novos conhecimentos, seguindo a missão de educa-
dora do povo, tomada pela Igreja desde o fim da Antiguidade. Imbuída como a grande
escola de formação humana e moral, os pregadores, dentre eles Agostinho, realizavam
seus sermões atuando “sobre o ouvinte como os slogans da publicidade, com a dife-
rença de que eram espontaneamente procurados pelo destinatário, não em busca do
fútil consumo, mas da transcendência”. (Lauand, 1998, p. 13).
Havia ainda as festas religiosas que adentravam o imaginário popular atra-
vés de símbolos e signos que ao mesmo tempo em que exaltavam figuras e com-
portamentos, também geravam temores e expectativas. (Cambi, 1999).
Lembremos que por volta do ano Mil, portanto na primeira fase da Idade Mé-
dia, houve quase que um total desaparecimento das escolas públicas na Antiguidade
romana. Os mosteiros passaram a monopolizar a educação. Ensinando as Sete Artes
Liberais divididas em Trivium (gramática, retórica e lógica) e Quadrivium (aritmé-
tica, geometria, astronomia e música) somente propunham-se a preparar clérigos
para o ingresso na carreira eclesiástica, privilégio de poucos naquele período.
A educação medieval desenvolve-se em comunhão com a Igreja e suas ins-
tituições, à exceção do ensino direto dos ofícios; são elas as educadoras por ex-
celência. “Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação,
organizam-se as instituições e programam-se as intervenções, como também nela
se discutem tanto as práticas como os modelos. Práticas e modelos para o povo,
práticas e modelos para as classes altas [...]”. (Cambi, 1999, p. 146).
A própria escola tal qual a conhecemos hoje é um legado da Idade Média. A
figura do professor que ensina a um determinado número de alunos, respondendo
por sua atividade, seja disciplinar ou de avaliação, tem sua origem nas escolas-
catedrais e nas universidades (Cambi, 1999). É também no período medieval que
nossas modernas universidades fincam suas raízes.
A partir dos séculos XII e XIII, as universidades começam a tomar corpo
tanto por meio de comunidades de alunos, como as de professores, ou ainda, por
intervenção do poder público.
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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média
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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média
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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média
palmente após a grande peste, cuja responsabilidade e ação eram competência das
autoridades públicas. (Le Goff, 1993).
“Fazer uma universidade” tinha então dois aspectos: por um lado agregava
prestígio intelectual, por outro proporcionava uma formação utilitária que se rea-
lizaria no trabalho do futuro profissional formado.
Além disso, as universidades sempre mantiveram estreitos laços com os po-
deres públicos, o que abria a possibilidade de acesso aos mesmos. No decorrer do
Renascimento chegaram mesmo a andar a reboque destes, formando castas nas
quais prevalecia o nepotismo e a submissão jurídica e econômica. Manteve tam-
bém estreitos vínculos com a Igreja, pois os interesses de ambos convergiam e
como manifesta Le Goff (1993), muitos funcionários públicos são eclesiásticos e
os interesses da Igreja estão em consonância com os dos Estados.
Somente na Revolução Industrial, as universidades tornar-se-iam centros
de uma nova intelectualidade, pondo em causa os poderes públicos e obedecendo
somente quando estivessem em causa princípios e ideais que transcendessem os
interesses do Estado.
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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média
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A modernidade educativa:
o humanismo
O
período, compreendido no intervalo dos séculos XI e XIV, assistiu o
ressurgimento do comércio e das cidades. A intensificação dos conta-
tos entre o Ocidente e o Oriente proporcionado primeiro pelas Cruza-
das, depois pela instalação de feitorias comerciais permanentes, garantiam um
fluxo contínuo de produtos, especiarias e sobretudo de um estilo de vida novo
na Europa.
As grandes cidades (burgos), tornadas centros de produção artesanal e co-
mercial, criadas e desenvolvidas pelo estabelecimento desse eixo comercial, foram
favorecidas pelo crescimento demográfico e pelo aumento da produção de alimen-
tos nos campos europeus, decorrente da introdução de novas técnicas agrícolas.
A predominância das cidades sobre os campos, a superação das trocas na-
turais pela economia de base monetária e a dinâmica do comércio promoveram
mudanças e uma ruptura nas corporações de ofício medievais e, principalmente,
projetaram e fortaleceram uma nova camada – a burguesia – ávida pelo poder
político e prestígio social, correspondentes à sua opulência material.
No entanto, a conjugação de diversos fatores estruturais internos associados
àquelas condições, progressivamente, abalaram os sustentáculos feudais, prenun-
ciando seu final.
No século XIV eclode grave crise, acarretando drásticas transformações.
Dentre as causas apontadas pelos historiadores como sendo as principais respon-
sáveis, encontramos: a peste negra, que dizimou entre um terço e metade da popu-
lação européia; a Guerra dos Cem Anos (1346-1450) deflagrada entre os soberanos
da França e da Inglaterra, que ampliou o funesto quadro; e, as revoltas populares
provocadas pela desorganização da produção e disseminação da fome nos campos
e cidades, decorrentes dessa mortalidade.
Além disso, o declínio demográfico viria sobrecarregar os camponeses re-
manescentes, os quais teriam sua jornada de trabalho e seus impostos aumentados
pelos senhores feudais, que não queriam ter seus rendimentos diminuídos. Era
contra essa superexploração que os trabalhadores se revoltavam.
A busca de uma fórmula para se produzir mais encontrou a saída preferen 1 Essa síntese histórica foi
produzida a partir dos
livros: O renascimento; His-
temente na adoção do trabalho assalariado, ou seja, através do arrendamento os tória das sociedades; História
do pensamento e Histór ia da
servos seriam liberados para venderem os excedentes no mercado das cidades. pedagogia, p rincipalmente.
A modernidade educativa: o humanismo
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A modernidade educativa: o humanismo
O Renascimento na Educação
Todo esse complexo processo vem também tocar profundamente a educação
e a pedagogia, que são, por sua vez, radicalmente transformadas tanto no terreno
político e religioso como no ético e social. No âmbito político, o nascimento do
Estado moderno, “pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade
que se vê assim controlada em todas as suas manifestações, é que vem determinar
uma pedagogia política, típica do mundo moderno (melhor: típica e central, até
os dias de hoje) e uma educação articulada sob muitas formas e organizada em
muitos agentes (família, escola, associações, imprensa etc.), que convergem num
processo de envolvimento e conformação do indivíduo, de maneira cada vez mais
capilar”. (CAMBI, 1999, p. 244).
O despertar cultural que caracteriza o início do Renascimento é sobretudo
uma afirmação renovada do homem, dos valores humanos nos vários domínios:
desde as artes à vida diária. (GARIN, 1991). Nesse movimento colocava-se
aberta polêmica com a tradição medieval e escolástica, toda propensa a valorizar o papel
da transcendência religiosa e a colocar o indivíduo dentro de uma rígida escala social,
a nova civilização concebe o homem como ‘senhor do mundo’ e ponto de referência da
criação, ‘cópula do universo’ e ‘elo de conjunção do ser’. (CAMBI, 1999, p. 224).
Um homem que
não exclui Deus, mas que volta as costas aos ideais de ascese e da renúncia, pronto para
imergir no mundo histórico real com o intento de dominá-lo e nele expandir sua própria
humanidade. O homem da nova civilização, uma vez adquirida a consciência de poder ser
o artífice de sua própria história, quer viver intensamente a vida da cidade junto com seus
semelhantes; para isso mergulha na vida civil, engaja-se na política, no comércio e nas
artes exprimindo uma visão harmônica e equilibrada dos aspectos multiformes dentro dos
quais se desenvolve a atividade humana. (CAMBI, 1999, p. 224).
29
A modernidade educativa: o humanismo
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A modernidade educativa: o humanismo
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A modernidade educativa: o humanismo
32
Os inícios da
Pedagogia Moderna
O
século XVI marca os inícios da pedagogia tal como a conhecemos.
Pensado como tempo de importantes transformações caracterizadas
sobretudo pelo individualismo, já anotado com o advento da educação
humanista, pela secularização que se dissemina e pela constituição dos Estados
modernos, o Quinhentos revelou-se extremamente promissor.
Tempo de descobertas de mundos e homens novos, a educação e a pedago-
gia não ficariam imunes às transformações que se processavam.
Como revela Cambi (1999, p. 245), neste século tem início mudanças nas
técnicas educativas e escolares: “nasce uma sociedade disciplinar que exerce vi-
gilância sobre o indivíduo e tende a reprimi-lo/controlá-lo, inseri-lo cada vez mais
em sistemas de controle [...]; forma-se a escola moderna: instrutiva, planificada e
controlada em todas as suas ações, racionalizada nos seus processos”, que come-
çados aí, desenvolver-se-ão ao longo da Idade Moderna.
Escolas reformadas
A educação da Reforma insere-se no grande movimento humanista do Re-
nascimento – em sua vertente religiosa –, desencadeada a partir do cisma da Igreja
Católica, ocorrido no século XVI. Martinho Lutero, monge agostiniano inconfor-
mado com a venda de indulgências realizadas pelo alto clero, lança em 1517, suas
95 teses nas quais denuncia a corrupção que grassava nas hostes católicas e pro-
põe novo (re)direcionamento à Igreja de Roma no sentido de uma volta às origens.
Instado a retratar-se sob pena de excomunhão, Lutero afasta-se definitivamente
compondo o movimento de reforma religiosa.
O movimento de reforma religiosa e cultural, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem
importantes conseqüências na história da cultura européia, assume desde seus inícios um
importante significado educativo. Seja Lutero ou Melanchton, os dois maiores represen-
tantes da Alemanha reformada também no que diz respeito ao campo pedagógico, embora
com ênfases em partes diferentes, voltam sempre a enfrentar o problema educativo. Se de
fato a ‘Reforma’ põe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o cren-
te e as Escrituras e, por conseguinte, valoriza uma religiosidade interior e o princípio do
‘livre exame’ do texto sagrado, resulta essencial para todo o cristão a posse dos instrumen-
tos elementares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira mais geral,
para as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nível popular, por
meio de instituições escolares públicas mantidas às expensas dos municípios. Pode-se dizer
que com o protestantismo, afirma-se em pedagogia o princípio do direito-dever de todo ci-
dadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e
da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a firmação de um conceito autônomo
e responsável de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação
mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus. (CAMBI, 1999, p. 243-4).
Os inícios da Pedagogia Moderna
Educação da Contra-reforma
Operada a ruptura do cristianismo, a Igreja Católica passa por importante
processo de renovação. Eleito o papa Paulo III e convocado o Concílio de Trento
(1546-1563) as decisões tomadas vão de encontro a manter a essencialidade da
doutrina católica, quais sejam: a Igreja e o valor dos sacramentos, as obras que
redimem os homens, além da intervenção da graça divina. Buscava-se não só
responder aos desafios colocados pela Reforma como promover mudanças dentro
da própria Igreja, no intuito de difundir o catolicismo no Novo Mundo ao mesmo
tempo em que tentava conter o que passou a ser chamado de heresia protestante.
Como registra Cambi (1999, p. 256),
a Igreja adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a um
significativo florescimento de congregações religiosas destinadas de maneira específica
a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas também dos jovens descendentes
dos grupos dirigentes. Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo
entre o movimento da Reforma e o da Contra-reforma. O primeiro privilegia a instrução
dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições mínimas para uma lei-
tura pessoal dos textos sagrados, enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas,
repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo
político e social expresso pela classe dirigente.
36
A Educação da Contra-reforma
aporta no Brasil
O
s jesuítas para cá vieram com uma missão bastante ampla. A eles coube a tarefa de integrar
os “bárbaros” nativos ao mundo então civilizado, e, especialmente, à Igreja Católica, recém
contra-reformada. Porém, ao decorrer do tempo, a Companhia de Jesus acrescentou à sua
meta de catequizar, também aquela de ensinar.
Catequese em primeiro lugar, eles puseram as mãos na massa. Sem fé (a católica), rei (a Coroa)
ou lei (as normas jurídicas), como salientou Pero de Magalhães Gandavo, os gentios da América
portuguesa nem humanos pareciam, na visão desses pastores de Deus. Porém enfrentaram o desafio,
afinal a natureza era pródiga, com todo o tipo de riquezas a explorar e os jesuítas fizeram grandes
negócios nestes lados do Atlântico.
A instrução dispensada aos indígenas com intuito de catequizá-los consistia em inseri-los nos
rituais cristãos, iniciando-os no mundo das escrituras, do catecismo, das festas religiosas, dos sa-
cramentos e tudo mais. Adentrar ao mundo do colonizador, tomar suas regras e principalmente sua
organização social. Segundo Manuel da Nóbrega, assim que chegaram posicionaram escolas e passa-
ram a ensinar a ler, escrever, contar e cantar, sendo que em 1551 já se afirmava que o colégio também
pretendia educar “cristãos para os ensinar e doutrinar”. (PAIVA, 2000).
Primeiramente o gentio se deve sujeitar e fazê-lo viver como criaturas racionais, fazendo-lhe guardar a lei
natural [...]
A lei, que lhes hão de dar, é defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do Governador; fazer-lhes
ter uma só mulher, vestirem-se pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos; fazê-los viver quietos sem
se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhe bastem, e como estes
Padres da Companhia para os doutrinarem. (TORRES apud DAHER, 2001, p. 51).
Este discurso proferido pelo padre Manuel Torres da Bahia, em 1558, vem de encontro aos ob-
jetivos destacados por Vilalta (1997): inculcar a obediência, a fé, a lei e o rei foi o apostolado. Entre-
tanto, isso não impediu que os gentios questionassem muitos dos ensinamentos ministrados, como a
virgindade de Maria após o nascimento de Jesus ou mesmo o celibato dos padres, conforme atestam
as cartas de Anchieta.
Em muitas das missões construídas significados foram trocados entre rituais cristãos e guaranis
e nestas aproximações entre indígenas e jesuítas, Maria Leônia Chaves de Resende identificou práti-
cas de aculturação dos indígenas. Mas a historiadora demonstra, também, que os sacerdotes cristãos
partilharam intensamente do universo dos gentios enquanto tratavam de convertê-los.
Daher ao analisar o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, explora o
discurso jesuítico do ponto de vista de sua função primordial “de conduzir o índio à ordem hierár-
A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil
As indígenas reivindicavam
saber ler e escrever
Os indígenas não entendiam porque suas mulheres não podiam aprender a
ler e escrever. Afinal, eram elas as mais presentes e assíduas nas sessões de ca-
tequese, não cabendo afastá-las das letras. A veemência do pedido deve ter sido
tanta que o padre Manuel da Nóbrega não se esquivou de escrever à rainha de Por-
tugal, dona Catarina, solicitando instrução para ensiná-las. (RIBEIRO, 2000).
O pedido não foi atendido. Se nem as mulheres da Corte freqüentavam a
escola, pois classes para elas lá não havia, imagine a ousadia e as “conseqüências
nefastas que o acesso das mulheres indígenas à cultura dos livros da época pudes-
se representar”, instruiu a rainha. (RIBEIRO, 2000, p. 81).
No entanto, Catarina Paraguassu, considerada por alguns autores como a
filha de Caramuru, o Diogo Álvares Correia, e por outros como sua mulher, escre-
ve em 1561, ao padre Manuel da Nóbrega uma carta de próprio punho iniciando
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A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil
as mulheres das terras dos brasis na arte da escrita. Foi o passo inicial e não o
derradeiro. Pois tempo decorrerá até que a instrução feminina se institucionalize
entre nós.
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A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil
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Revolucionários
da Ciência: a Educação do
século XVII
S
e o nascimento do pensamento pedagógico moderno é tributário dos séculos XVI e XVII, é
neste último que as escolas européias começaram a institucionalizar-se, embaladas pelo ímpeto
reformador religioso no qual muitas delas foram criadas pelas municipalidades. Almejando
conseguir acesso à palavra de Deus a um número maior de pessoas adiantando a leitura, à Reforma
tem-se atribuído a responsabilidade de promover linearmente a queda nos índices de analfabetismo na
Europa. No entanto, como observou Chartier (1991, p. 121), tal assertiva merece ressalvas:
Só com a ‘Segunda Reforma’, iniciada pelo pieteismo no final do século XVII, a relação individual com a Bíblia –
que supõe o domínio da leitura – é colocada como uma exigência universal, apresentada inicialmente pelo ensino
mútuo dos conventículos religiosos, afirmada a seguir pelos Estados nas ordenações que regulamentam os pro-
gramas das escolas elementares. Donde uma alteração no próprio status da Bíblia: enquanto que, na Alemanha
do século XVI, ela é um livro de pastores, de candidatos ao ministério, de bibliotecas paroquiais, na Alemanha
de inícios do século XVIII ela se torna um livro de todos, produzido em massa e a baixo custo.
Assim reforça o historiador: é com o pietismo e não com a Reforma luterana que a prática da leitura
se difunde de forma maciça na Alemanha. (CHARTIER 1991, p. 121).
O pietismo, movimento de renovação da religião luterana reformada, visava valorizar o aspecto
íntimo e espiritual ao invés do dogmático e intelectual. Hermann Francke (1663-1727), seu idealiza-
dor, fundou em 1695, em Halle, uma escola para crianças pobres na qual desenvolveu seu modelo pe-
dagógico, depois adaptado para outras instituições educacionais. Diferentemente do que ocorria nas
escolas católicas, nas quais preponderava a parte literária, propugnava que o objetivo primordial das
escolas deveria ser religioso, com ênfase realista e científica, colocando os alunos em contato com a
natureza e com a realidade. De suas propostas desenvolveu-se a escola primária, popular e na língua
alemã; a escola secundária – o colégio – no qual se ensinava o latim e promovia a leitura dos clássicos;
o Pedagogium, escola secundária de tipo científico de onde se derivou o colégio realista e o seminário
para formar professores – as primeiras escolas normais alemãs. (LUZURIAGA, 2001).
Jean Battiste de La Salle (1651-1719), como Francke, também voltava suas preocupações para
as escolas populares, pautando o ensino como de caráter obrigatório, gratuito e dirigido a todos; pen-
sava-o como formação integral: instrução com ênfase na formação religiosa. Logo, deveria ensinar-
se leitura e escrita em língua vernácula, as quatro operações e o catecismo, além de uma formação
técnico-científica que profissionalizasse. Funda escolas dominicais e um instituto para menores infra-
tores. (CAMBI, 1999).
As escolas para o povo – os institutos de beneficência – seguiam propostas elaboradas no interior
da Igreja, fosse reformada ou não, consistindo basicamente em uma educação de tipo instrumental – en-
sinar a ler e escrever. Ter acesso a esses locais, no entanto, constituía-se em privilégio conferido a poucos
alunos. Os poderes públicos omitiam-se quando o assunto era educação das massas. (CAMBI, 1999).
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII
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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII
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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII
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Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII
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No Brasil, a revolução
pedagógica deitava arcas
E
mbora a educação no Brasil colonial do século XVII se mantivesse ancorada no ensino dos
jesuítas e a formação de clérigos permanecesse na ordem do dia, algumas transformações já se
faziam sentir.
A partir de 1549, quando foram fundados, até 1599, os colégios brasileiros tinham a catequese
e o ensino entre os seus objetivos, segundo as propostas do padre Manoel da Nóbrega para a Bahia.
Ensinava-se a ler, escrever e gramática (leia-se latim, pois este além de constituir a formação básica
dos letrados, era indispensável aos futuros clérigos). No colégio de São Vicente dava-se aulas de leitu-
ra, escrita, canto, flauta e latim; em São Paulo, José de Anchieta ministrava aula de latim no Colégio
Piratininga, em 1554. No ano de 1568 foi proposto o curso de dialética para o Colégio da Bahia, tendo
o curso de artes (filosofia e ciências) começado em 1572 (com 20 alunos em 1593, já contava com 40
em 1598). Havia ainda teologia moral – ou Casos de Consciência – em 1556 no Colégio de São Vicen-
te; teologia dogmática (ou especulativa) a partir de 1572. (HANSEN, 2001).
Depois de 1599, aplicou-se a Ratio Studiorum em todos os colégios brasileiros e os estudos dividiram-se em
inferiores e superiores. Os inferiores eram gramática (latim), humanidades e retórica. Os estudos inferiores ti-
nham uma cadeira privada (retórica e gramática) para os irmãos da Companhia e quatro classes públicas (pri-
meira, segunda e terceira de gramática; além da escola elementar para os meninos). Os estudos superiores eram
teologia, filosofia e matemática. (HANSEN, 2001, p. 17).
Os cursos de artes (basicamente filosofia) ministrados em Portugal eram propedêuticos aos cur-
sos da Universidade de Coimbra, porém os aqui ministrados não preenchiam esse requisito, obrigando
os alunos a cursá-los mais uma vez, ou prestar exames de equivalência. A Ratio Studiorum e todos os
preceitos de ensino que a compunham estavam diretamente relacionados a combater as heresias, leia-
se lutar contra as verdades da Igreja reformada. Assim, a retórica adquiria importância fundamental:
era “um modo de pensar e de organizar todas as representações das matérias em todas as atividades
dos cursos”, pois a pregação oral funcionaria como modo privilegiado de propagar a fé, opondo-se às
teses de Lutero de que a leitura da Bíblia prescindia do clero, pois se constituía em exercício indivi
dual. A retórica era ensinada através de preceitos, estilo e erudição, recuperando autoridades antigas:
Cícero, Quintiliano, Aristóteles e Santo Agostinho.
Assim no século XVII buscava-se implementar a Ratio. Após a publicação da Ratio atque
Institutio Studiorum Societatis Iesu, em 1599, contemplava-se o que “havia de melhor” em todas as
experiências desenvolvidas nos colégios jesuíticos.
E o que aparecia como novo?
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas
O conhecimento deve ser produto da prática coletiva dos padres que repe-
tem saberes autorizados como aplicação imediatamente útil, assegurando unidade
de pensamento e ação. (HANSEN, 2001).
Ao fim e ao cabo estava (re)colocada a ortodoxia da Igreja de Roma contra
os luteranos, calvinistas e heréticos em geral. A Ratio era um código prático de
leis pedagógicas, como descreve Hansen. O conhecimento advinha de modelos
que devem ser exercitados, repetindo-se exemplos que guiarão as ações. Esses
processos intelectuais e práticos servem para todos os cursos, tanto inferiores
quanto superiores. O currículo tem doze classes, a aprendizagem das matérias é
graduada, atendendo idade e nível dos cursos.
Desde a classe inferior de gramática, os alunos aprendem as cerimônias e os ritos cristãos,
que são sistematizados doutrinária e teoricamente nos cursos de artes, ou filosofia, e teo-
logia. Todos os cursos são orientados pelo estudo de preceitos, estilos e erudição, ou seja,
prescrições e regras das línguas, da retórica, das letras, da filosofia, e teologia; exercícios
com os vários gêneros retórico-poéticos de representação das matérias das humanidades,
memorizadas como tópicas ou lugares-comuns já aplicadas e desenvolvidas pelas várias
autoridades estudadas; memorização de técnicas de falar e escrever, além dos esquemas
da própria arte da memória. (HANSEN, 2001, p. 18).
E as mulheres coloniais?
Rezar, ler, trabalhar são ocupações úteis que podem preservar do ócio, mas não devem ter
um objetivo secular. São atividades que devem manter a jovem ocupada enquanto está em
casa; e não deve sair de casa a não ser para ir à igreja. As mulheres não podiam transpor
os limites da esfera privada para se introduzirem no espaço exterior onde, na vida econô-
mica, social, política e cultural, quem prevalecia era o homem. Esse regime de castidade,
decoro, obediência e silêncio era reservado às mulheres. (KING, 1991, p. 219).
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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas
se o essencial de forma que conseguissem ler, quando então poderiam voltar para
as artes do fuso, instrução que foi paulatinamente sendo alterada no decorrer da
Idade Moderna. (KING, 1991).
Já no Brasil Seiscentista, as mulheres deveriam permanecer escondidas no
sacrossanto lar. Como admitia um relatório holandês de 1638, “os homens são muito
ciosos de suas mulheres e as trazem sempre fechadas [...]”. (ARAÚJO, 1997, p. 58).
Mulheres trancafiadas em casa a fiar e a coser, ou quando educadas so-
mente obteriam sê-lo para a submissão e a contenção, povoaram a historiografia
brasileira por um longo período. Como ressalta Vainfas (2000, p. 414-6), a mulher
no Brasil dos tempos coloniais ganhou vários estereótipos: as brancas passavam
por castas e enclausuradas; as negras, mestiças e indígenas por pervertidas, pois
extremamente excitadas sexualmente. Porém a partir dos anos de 1980, há outra
vertente de estudos que dá conta de outras “realidades desafiadoras.”
Desde o início da colonização mulheres colocaram-se à frente dos negócios mais varia-
dos, como donas de engenho, vendas, tabernas. Estudos quantitativos demonstraram por
outro lado, o elevado percentual de domicílios chefiados por mulheres, sobretudo nos
centros urbanos, onde quase 50% das unidades domésticas eram chefiadas por mulheres.
A insubmissão também pôde ser constatada pela quantidade expressiva de raptos, com a
concordância das mulheres, e de fugas. Em quase todos os divórcios ocorridos no Brasil
colonial, foram as mulheres que iniciaram o processo, o que tem sido interpretado como
reação de esposas maltratadas.[...] A historiadora Leila Algranti afirma que romper com
os estereótipos de reclusão e submissão das mulheres foi uma contribuição definitiva da
historiografia, mas alerta para o risco de se excluírem da história as mulheres menos ou-
sadas que viveram reclusas ou se submeteram à dominação masculina, possivelmente a
grande maioria, segundo a autora. (VAINFAS, 2000, s. p.).
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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas
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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas
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No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas
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As luzes na Educação
e o homem novo
P
ara os iluministas, o homem poderia ser formado como ser moral e intelectual pela Educação e
pela política. “Ora isto significa dizer que, ao refletir sobre a natureza humana, os iluministas
encontravam a cultura, a sociedade e a educação” em estreita relação. Logo, o papel social do
homem estaria diretamente conectado a ele mesmo e à sociedade na qual se inserisse. (HILSDORF, 1998).
A autora relembra: se os homens haviam sido desnaturalizados e infelizes e assim descritos
por pensadores de períodos anteriores, fora decorrência do domínio teológico e feudal; maculados
pelo pecado original, vivendo em um estado natural e imperfeito, só lograriam vencer se a educação
alcançasse reprimir essas tendências naturais. Ademais, os racionalistas do Seiscentos acreditaram
no a priori inato que marcava os homens, cabendo pouco à Educação. Somente obter-se-ia corrigir ou
evidenciar o existente.
Se nas concepções de cunho religioso a graça divina salvava o homem, para os iluministas
somente sua razão poderia construí-lo. Este caráter racional-antropológico oferecia vastas possibili-
dades à educação, porém, sempre variáveis já que diferentes pesos lhe foram atribuídos pelos homens
das luzes. Um grande debate estabeleceu-se, tendo como foco o poder da Educação e seus limites,
destacando-se Diderot, Helvetius e Rousseau entre os principais polemistas. (BOTO, 1996).
Rousseau afirmava que a Educação não era tudo no processo de resgate da natureza humana,
não acreditando na sua onipotência, pois havia a capacidade de opção, de desvio da norma prescrita.
(BOTO, 1996).
Já Helvetius, ferrenho defensor dos poderes educativos ilimitados, opunha-se a Rousseau, pois
acreditava que a Educação tudo podia: não havia diferenças, fossem provenientes do nascimento, ou
de qualquer ordem, todos seriam contemplados com as mesmas possibilidades físicas e mentais, sen-
do a sociedade e a cultura as responsáveis pelas diferenças. O homem é moldável à Educação e aos
hábitos, segundo afirmava. (BOTO, 1996; HILSDORF, 1998).
Para Diderot, a Educação poderia muito e em sua Refutação de Helvetius, escrita entre 1773 e
1775, defendia que o homem não seria essa tábula rasa, donde tudo se inscreve, havendo limites para
a ação educativa (BOTO, 1996). As estruturas mentais diferenciadas e as desigualdades deveriam ser
respeitadas e compensadas no processo educacional, acessível a todos por meio da instrução pública.
(HILSDORF, 1998).
Grosso modo poder-se-ia dizer que, embora com variações e matizes, a Educação representaria
o desenvolvimento da natureza humana.
Com o espocar das Revoluções Americana e Francesa acompanhadas dos princípios democrá-
ticos que as marcaram, a questão da educação entrou na “ordem do dia”. Tratava-se de instruir os
cidadãos e o processo educativo foi, nos dois países, objeto de grandes e representativas assembléias.
Como assinala Manacorda (1989), “os políticos são os novos protagonistas da batalha pela instrução,
ainda que Locke e Rousseau sejam seus inspiradores”.
As luzes na Educação e o homem novo
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As luzes na Educação e o homem novo
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A quem cabia educar
no Brasil setecentista?
O
ilustre Antônio Ribeiro Sanches, grande inspirador do Iluminismo português, conhecia
bem sua terra e mais do que isso, seus patrícios e a educação preconizada no amplo império
d’aquém e além mar. O que se ensinava em terras lusitanas, segundo ele, somente possibi-
litaria ser sacerdote ou jurisconsulto.
De fato, nas terras da América portuguesa a preocupação das ordens religiosas centrava-se
na formação de seus próprios quadros. E mesmo quando o ensino de primeiras letras e gramática
estendia-se à população leiga, como ocorria em vários conventos, a maior preocupação das ordens re-
ligiosas estava dirigida em dar formação aos monges para que eles pudessem participar dos cursos de
filosofia e teologia e assim alcançar os estudos eclesiásticos. Os beneditinos, carmelitas e franciscanos
assim procediam nas terras dos brasis. (CARVALHO, 1985).
Após a expulsão dos jesuítas em 1759, extinguiram-se os seus colégios, iniciando reformas
no ensino de latim, grego e retórica. Além disso, o Comissariado Geral de Estudos, criado pelo
Estado português, instituiu novas disciplinas: aulas de ler e escrever, gramática latina, retórica e
filosofia. No ensino médio surgiram novas matérias: línguas vivas, matemática, física, ciências
naturais, sendo instituídas as Aulas Régias, em perfeita sintonia com o Iluminismo português, ou
seja, cristão e católico.
Valendo-se daquelas ordens religiosas que permaneciam na Metrópole, a Coroa também passou
a realizar concursos para contratar novos mestres e assim dar conta do ensino pós-reforma.
Os novos professores foram então remunerados com recursos provenientes de impostos cobrados
na venda da aguardente e de carne abatida nos açougues. Denominado Subsídio Literário, esse recolhi-
mento mostrou-se insuficiente e não raras vezes foi utilizado em práticas clientelistas de toda sorte.
Por seu turno, os professores régios não deixavam de escancarar as dificuldades encontradas no
desenvolvimento de seu ofício. Como fervorosos batalhadores da laicização da educação no Brasil,
avessos ao ensino peripatético ainda em vigor, não poucas vezes se dirigiram às autoridades. Veja a
representação enviada à Rainha D. Maria I, em 15 de janeiro de 1787, por João Marques Pinto e Ma-
noel Ignácio da Silva Alvarenga, respectivamente professores de grego e retórica:
Senhora – Nós os Professores Régios de Humanidades desta cidade do Rio de Janeiro abaixo nomeados, vendo
com mágoa o abatimento em que se acham os estudos régios, não podemos deixar de pôr [...] as causas de tão
funesto efeito, e apontar alguns meios com que estas nos parecem que poderão ser atalhadas para que não diga o
público presentemente, nem a posteridade para o futuro, que nós advertidos pelos fatos passados, deixamos expi-
rar em nossas mãos sem lhes procurar algum remédio, uns estudos que vimos há pouco serem restaurados à custa
de tantos trabalhos pelo Augustíssimo Senhor rei Dom José da ruína em que estiveram sepultados por espaço
de dois séculos, a fim de fazer feliz a sua Monarquia. [...] Criando pela lei de 06 de novembro de 1772 escolas de
A quem cabia educar no Brasil setecentista?
Filosofia, Retórica, Língua Grega nas cabeças de Comarca, como terras mais populosas,
para tirar da infeliz ignorância seus Vassalos, e promovê-los à mesma prosperidade em
que se acham aqueles povos onde estas e as outras ciências mais florescem.
Porém tal lei permanecia inócua. Fôra tamanha a resistência das ordens reli-
giosas em aplicá-la, na cidade do Rio de Janeiro, que tais estudos haviam sido
não só abandonados pela mocidade que se destina ao Sacerdócio, por ser admitida fran-
camente às Ordens, mas também (o que é mais) que os Clérigos e Religiosos devendo ser
os primeiros em aconselhar [...] são pelo contrário os que mais se põem em campo contra
eles a favor da ignorância e superstição, e os que mais se esforçam em persuadir a dita mo-
cidade e mais vassalos de Vossa Majestade a que os desprezem, chegando os Religiosos,
arrogando-se o ensino da mocidade [...] ao excesso de arrancarem industriosamente de
nossas aulas para as suas, apesar dos nossos clamores, quantos desses poucos discípulos,
que nós tínhamos, lhes foi possível, sem que ainda soubessem, como devia ser, Gramática
Latina, nem as outras faculdades que lhes ensinávamos, atropelando as Ordenações de
Vossa Majestade [...] das instruções feitas para regular as escolas Reais, e isto para que
entretanto a mocidade por uns poucos de anos com a sua filosofia peripatética, já proibida
pelas Leis como inútil e prejudicial ao progresso das ciências, e desviando-a de se ilumi-
nar com os estudos de Vossa Majestade, a conservarem sem a mínima resistência na sua
obediência por meio de uma ignorância que põe em descrédito a mesma Nação, como há
pouco praticaram os Religiosos Beneditinos, e de Santo Antônio, e praticarão para o futu-
ro se a força superior de Vossa Majestade não coibir os seus despóticos excessos. (RHIGB
apud SANTOS, 1992).
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A quem cabia educar no Brasil setecentista?
Mesmo após a vinda da família real para o Brasil, não parece ter havido ime-
diata alteração na qualidade da educação escolar. Das aulas de primeiras letras às
aulas régias – as classes foram ministradas de forma avulsa, faltando professores,
manuais e recursos para custear a educação pública. (VILALTA, 1997).
Os colégios-seminários: a Educação
vetada aos judeus, negros, mulatos
e aos filhos de “uniões ilícitas”
Tamanha falta faziam os recursos que expedientes diversos foram utilizados
quando a carne escasseava e, então, o Subsídio Literário despencava. D. Azeredo
Coutinho, por exemplo, no desempenho da Direção-geral dos estudos em Per-
nambuco, ao defrontar-se com uma intensa seca que rareou os estoques de carne
fresca abatida, passou a exigir que fossem cobrados tributos sobre a carne-seca,
além daqueles aplicados sobre a carne importada. A fora ter criado na Diocese de
Olinda, um imposto pessoal sobre todos os habitantes com mais de 12 anos, ale-
gando ser essa a única possibilidade para que estudantes e seminaristas pobres in-
tentassem formar-se no Colégio-seminário daquela diocese. Diga-se de passagem,
instituição só freqüentada por jovens ricos, no qual aprendia-se gramática latina,
retórica, filosofia – com ênfase na natural – pois esta permitiria o levantamento
das riquezas naturais do Brasil, geometria e teologia (ALVES, 2000).
O Seminário de Olinda, em que pese suas particularidades em grande medi-
da alavancadas por Azeredo Coutinho, no que tange aos educandos freqüentado-
res em nada ficava a dever aos demais em sua época. Mantinha a tradição desses
educandários em todas as ordens: formar seus próprios quadros. E mais, neste
caso específico o seminário fora fundado pela ala regalista da Igreja Católica, de
cunho privado, porém financiado com recursos públicos.
Alves assim aponta as fontes de recursos do Seminário:
[...] o Subsídio Literário, alargado ao incidir também sobre a carne-seca, e o impos-
to pessoal de vinte réis. Logo, a partir dos doze anos, indiscriminadamente, todos os
habitantes da capitania contavam-se como seus contribuintes. Contudo, não podiam
usufruir dos serviços do colégio-seminário jovens nascidos de ligações matrimoniais
ilícitas, que abundavam nos albores do século XIX, nem judeus, negros e mulatos, so-
bre os quais pesava ‘infamia de jérasão das reprovadas em Direito’. Assim a totalidade
dos cidadãos era obrigada a custear os serviços escolares, mas a grande maioria, desde
o princípio, não apresentava os pré-requisitos impostos pelos rígidos critérios que se-
lecionavam os colegiais. Jovens pobres e órfãos jamais usufruíram de seus benefícios.
(ALVES, 2000, p. 73).
59
A quem cabia educar no Brasil setecentista?
embrenhar-se pelos matos à procura de metais, “peças”, almas, animais [...]. Como
fazê-lo, ainda, sendo escravos, estando sujeitos a outrem? Como pensar em escola,
por fim, sendo homem livre expropriado, pobre, em uma palavra “desclassifica-
do”, encontrando-se sempre sob a expectativa de recrutamento pelas autoridades
para a execução de tarefas das mais diversas?
Haveria alguma possibilidade de a escola sensibilizar a esses homens e
aos seus filhos?
60
O século da Pedagogia
e os vínculos com a
sociedade:
a Educação oitocentista
O
século XIX é herdeiro das três revoluções do Setecentos: a Industrial, a Francesa e a Ame-
ricana. Entendido como o século do triunfo burguês, nele muitos desafios foram colocados
para a Educação.
Tratava-se de educar as massas populacionais que aportaram nas cidades em vista da expansão
das fábricas, privilegiando os ideais de liberdade e do direito, a todos ampliado. Lembremos uma das
máximas proposta pela Revolução Francesa: pretendia-se contemplar a Educação como direito de
todos e dever do Estado.
O “século da pedagogia” como afirma Cambi (1999, p. 413-4), deparou-se com o
advento da sociedade de massa e com a afirmação do industrialismo, viu-se diante do problema da conformação
a novos modelos de comportamento de novas classes sociais, de povos, de grupos, realizáveis apenas através da
educação, mas uma educação nova (organizada de forma nova) regulada por teorias novas, por uma pedagogia
consciente do desafio a que ela deve responder. Um século bastante rico em modelos formativos, em teorizações
pedagógicas, em compromisso educativo e reformismo escolar, em vista justamente de um crescimento social a
realizar-se de maneira menos conflituosa possível e de forma mais geral. É certo, porém, que este compromisso
político-social da pedagogia não será inteiramente realizado, pelos conflitos entre forças sociais diferentes e seus
modelos educativos que se ativarão no curso do século e que alimentarão, todavia, a riqueza e a criatividade da pe-
dagogia, a sua intensa participação no complexo e contraditório desenvolvimento da sociedade contemporânea.
Os sistemas nacionais de Educação estão em pauta e todos disputam o controle da escola. Go-
vernos, pedagogos, filantropos, burgueses iluminados, partidos, igrejas, procuram impor seus modelos
educacionais. A proposta de uma educação nacional como mola propulsora de uma nação civilizada
conta com a figura de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), entre os seus mais destacados inspiradores.
A escola pública aparece como o instrumento fundamental para o crescimento educativo das
sociedades industriais. Sob os auspícios de leis maiores, o ensino elementar expande-se ao longo de
todo o século, tanto na Europa como na América. Leiga e universal, gratuita e obrigatória a educação
é proposta como direito dos cidadãos. O que já não acontece na mesma medida com a escola secun-
dária, quase que exclusiva para aqueles que depois cursarão as universidades, centros de excelência
e desenvolvimento da pesquisa científica. Para as crianças de 0-6 anos também são criadas escolas, e
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista
62
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista
A educação do povo também foi debatida por Karl Marx (1818-1883). Rela-
cionando educação e sociedade, acreditava que não havia possibilidade de pensar
as práticas educativas de uma determinada sociedade desvinculadas da situação
socioeconômica e da luta de classes. Ao despojar a pedagogia de qualquer aspecto
que diga respeito à neutralidade inseriu-a no mundo da política e do social. Assim
a proposta educativa de Marx e Engels3 desenvolve-se intrinsecamente ligada ao
“papel fundamental atribuído ao trabalho no âmbito escolar”, vinculado ao trabalho
produtivo da fábrica e, portanto, à sociedade na qual se insere. (CAMBI, 1999).
Assim consolida-se a relação entre indivíduo e ambiente histórico-natural,
fundamental para a humanização do homem. “Nas Instruções aos delegados,
Marx afirma ‘numa situação racional da sociedade, toda a criança sem distinção
a partir dos nove anos de idade deveria torna-se um operário produtivo’, e supõe
uma divisão das crianças em três classes de idade (dos 9 aos 13 anos; dos 13 aos
15; dos 16 aos 17), nas quais a atividade laborativa deve ser respectivamente de
duas, quatro e seis horas”, sempre acompanhada da instrução pensada como for-
mação espiritual, educação física (ginástica a exemplo dos exercícios militares) e
instrução politécnica ou tecnológica. (CAMBI, 1999).
O modelo de educação marxista,
introduziu na pedagogia contemporânea pelo menos duas propostas que podem ser consi-
deradas revolucionárias: a referência ao trabalho produtivo, que se punha em aberto con-
traste com toda a tradição educativa intelectualista e espiritualista, e a afirmação de uma
3 Friedrich Engels (1820-
1895) é um dos fundado-
res do materialismo histórico,
constante relação entre educação e sociedade, que se manifesta tanto como consciência de juntamente com Marx.
63
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista
64
Os anos oitocentos
no Brasil: cabe derramar
a instrução para todas
as classes
E
xaminando a Constituição política do Império do Brasil, jurada em 25 de março de 1824, obser-
vamos em sua letra um avanço significativo: a instrução elementar estava garantida. O artigo
179, parágrafo XXXII indicava: a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos. A criação
de escolas de primeiras letras deveria ser efetivada em todas as cidades, vilas e lugarejos, reservando-
se às comarcas o ensino secundário. Criar-se-iam ainda aulas para as meninas nas cidades e vilas mais
populosas, promovendo os estudos “o quanto é possível”, como dizia D. Pedro em alusão ao Colégio
das Educandas, fundado no Rio de Janeiro sob a direção do bispo local, “para instruir moças”, como
registra Chizzotti (2001).
Na província do Paraná, por exemplo, onde também foram criadas classes voltadas às crianças
do sexo feminino diversas foram as dificuldades para a consecução desse objetivo, a começar pela
indefinição do currículo. Em 3 de novembro de 1879, a professora Maria Rosa dos Santos, professora
primária da vila de Palmeira, dirigiu-se ao diretor geral da Instrução Pública para apontar as dificul-
dades que se apresentavam ao bom andamento de suas aulas:
Ensinar a ler é ‘acender o lume’, diz Victor Hugo. Porém nesta sábia asserção estão compreendidas muitas per-
cepções que devem subentender-se. Assim mesmo à meninas deve-se ensinar o mais perfeitamente possível. Ora,
a ciência que ensina a ler e escrever perfeitamente (e por conseguinte, a falar corretamente) é a gramática; mas
a gramática é o pomo vedado às meninas por certo número de pais, senhores absolutos de suas filhas! Nestas
conjeturas esmorece a dedicação, falece o ânimo, aniquila-se o prazer e impossibilita-se os exames finais nas
escolas. (BAP, 1988).
Prosseguia ainda, salientando a necessidade de maiores recursos para o aluguel da casa e uten-
sílios essenciais tais como mesas e cadeiras.
Meninas tendo acesso à escola, revelava-se um avanço, mesmo que ainda separadas dos meni-
nos. Ao que tudo indicava, teríamos educação para o povo.
Mas não aconteceu exatamente assim. Apesar dos intensos debates legislativos registrados nas
Assembléias Provinciais, preocupadas com a “necessidade de escolarização da população, sobretudo das
chamadas ‘camadas inferiores da sociedade’” (FARIA FILHO, 2000), a lei não se cumpria no seu todo.
A elite imperial educava seus filhos através de preceptores, preferentemente estrangeiros. Pre-
ceptoras francesas ou alemãs, como Ina von Binzer, desembarcaram no Brasil aptas a educar filhos
de fazendeiros ou pupilos provenientes de famílias abastadas. (RITZKAT, 2000).
Sem acesso a essas facilidades, a grande massa analfabeta permanecia apartada da escola,
caracterizando uma situação ainda precária, embora se desenvolvessem importantes iniciativas edu-
cacionais no âmbito de diversas províncias, na tentativa de implantar um sistema escolar de ensino
mútuo, por meio do método lancasteriano.
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes
66
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes
dos e materiais necessários. Assim os liceus de Curitiba, Natal, São Luís, dentre
outros, foram fechados.
O relatório do ano de 1858 da Inspetoria Geral da Instrução Pública apre-
sentado ao presidente da província do Paraná revelava mais uma dificuldade a ser
posta: “todo arbitrário que era o plano, como a divisão do ensino, torna atualmen-
te difícil a colocação dos alunos nas classes estabelecidas, tanto mais que os pro-
fessores em geral propensos a fazer figurar nas escolas a classe superior, alunos
que não estão preparados. Tal estado de cousas tornam solitárias e silenciosas as
aulas secundárias, por falta de mocidade preparada para elas”. (BAP, 1984).
Na tentativa de suprir a crônica falta de professores, são criadas naquele
século, as primeiras escolas normais brasileiras.
67
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes
68
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes
69
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes
70
A República sustenta
o direito à Educação?
Educação: questão nacional
D
esde o iluminismo a Educação tornara-se a grande responsável pela cons-
trução do cidadão. A república brasileira não fugia à regra. Os ideais re-
publicanos estavam a demandar modernização e civilização. Logo se fez
premente constituir instituições educativas que possibilitassem o ingresso da po-
pulação brasileira na República recém-instaurada.
Após a proclamação contávamos com nada menos do que 82,63% de anal-
fabetos, cifra considerada vergonhosa para a jovem nação, não podendo de forma
alguma compor o rol dos países cultos. (ROMANELLI, 1997).
Em 1890, criou-se a Secretaria de Negócios da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos, incorporada ao Ministério da Justiça, em 1891, com o firme propósito
de alterar essa realidade, porém sem nenhum recurso de maior monta previsto
para a instrução pública.
Com muitas propostas de reformas em discussão e sob a égide da Constitui-
ção da República de 1891, instituiu-se a descentralização do ensino, reservando-se
à União o poder de criar nos Estados instituições de ensino superior e secundário,
além de prover a instrução secundária no Distrito Federal. Coube assim aos esta-
dos cuidar da instrução primária e do ensino profissional.
Benjamin Constant, primeiro Ministro da Educação, propôs uma reforma
na qual o velho currículo humanista fosse substituído pelo currículo enciclopé-
dico, introduzindo as disciplinas científicas em um ensino seriado. Alterava-se o
ensino primário, o secundário e o superior, e criava-se o Pedagogium, semelhante
ao INEP dos nossos dias. (ROMANELLI, 1997).
O ensino primário, a quem se atribuiu a responsabilidade e competência para
reverter o alarmante quadro de analfabetismo no Brasil, adquiria nos estados as
mais diversas conformações. Variando muitíssimo de norte a sul, experimentava
novas saídas, principalmente em estados mais ricos, como ocorreu em São Paulo.
72
A República sustenta o direito à Educação?
Imigrantes e Educação
Considerando que, ao aqui chegar não encontravam escola para seus filhos,
tomaram para si a tarefa de educá-los. Foi o caso dos colonos alemães no Paraná.
Vindos de um país no qual a instrução fora alvo de importantes conquistas, tudo
fizeram para propiciá-la a seus filhos aqui no Brasil.
Vejamos o que nos revela o professor Amorim, neste registro de 1884, loca-
lizado no Departamento de Arquivo Público do Paraná e utilizado como fonte de
pesquisa. (DEAP)
“Diz Luiz Gomes de Amorim que subindo já ao número de 34 meninos
inclusive 5 meninas que cotidianamente freqüentam a sua escola no lugar de-
nominado Colônia Muricy quarteirão do Cupim, vem requerer a Sua Senhoria
se designar atestar o suplicante acha-se em condições exigidas pela lei e se
possui os costumes morais para esse magistério” (25 de abril de 1884). Ao que
o Inspetor paroquial responde: “atesto tudo pela afirmativa”. (DEAP, Códice:
Instrução Pública).
Dessa forma, os colonos ao contratarem professores iam tentando dar conta
da educação dos filhos e da manutenção de suas tradições culturais, à revelia das
leis não-cumpridas no país em que viviam.
A partir de 1938, através da nacionalização compulsória, as diversas práticas
autóctones de educação foram banidas, silenciando-se suas histórias. Atualmente
a partir de fontes localizadas em sociedades e igrejas, começam a ser recuperadas,
e a história da educação dos imigrantes reescrita. (KREUTZ, 2000).
O Estado tratou então de incorporá-los às suas hostes e a escola pública tor-
nou-se veículo eficaz tanto de consolidação do regime, quanto da nacionalidade.
73
A República sustenta o direito à Educação?
74
A Educação higienizada
U
m país amorfo, de habitantes analfabetos; como transformá-los em
povo e constituir a nação? Essa era a questão colocada pelos intelectu-
ais brasileiros, para a qual não vislumbravam fácil solução, nos inícios
do século XX.
Se o país fosse pensado por algum eugenista1, o problema ganhava tons ain-
da mais sombrios com o diagnóstico médico revelando-se ainda mais cruel: lugar
de doentes, viciados degradados, assolados pela degenerescência, por anarquistas
e baderneiros.
Na ótica desses intelectuais, tratava-se de regenerar as gentes do país tor-
nando-as saudáveis, disciplinadas e produtivas. Muitas foram as estratégias pen-
sadas e muitos os dispositivos acionados. Mas uma certeza perpassava a todos:
cabia educar o povo. Logo, a salvadora da pátria já estava eleita: a escola.
Os médicos higienistas assumiram prontamente a tarefa de regenerar a na-
ção via Educação. A higiene fazia parte dos currículos escolares desde a instau-
ração da República, quando de um ensino humanista passou-se para o enciclopé-
dico, com a entrada das ciências. Ademais a higiene estendia-se por várias searas,
e fora em seu nome, por exemplo, que cortiços foram derrubados e as populações
ali residentes afastadas, deslocadas para distantes vilas operárias. Era a higiene
intervindo de forma insidiosa sobre indivíduos e os espaços urbanos por eles ocu-
pados. Transvestida em uma espécie de gerenciadora da cidade e das populações
ela não tardou em chegar à escola.
Ademais, na década de 1920, a higiene especializou-se: através da eugenia
ela intentou controlar o homem enquanto espécie, entendendo que só por meio do
melhoramento da raça conseguiria regenerar o país.
Assim, os eugenistas viram na escola espaço adequado para constituir sujei-
tos higiênicos, eugenizados, moralizados, por fim civilizados.
Como essa operação foi efetuada?
A escola higiênica e
seu idealizador, a euge
nia seria a ciência que se
preocuparia com a melhoria
as propostas eugenizadoras
da raça humana e, para tan-
to, procederia à identificação
dos seres mais bem dotados
física e mentalmente, favo-
Pretendiam como anunciado no II Congresso Brasileiro de Higiene, reali- recendo seus casamentos. Ao
facilitar a ação da evolução,
zado em Belo Horizonte, reservar à Educação higiênica função essencial na for- sua teoria converter-se-ia em
uma nova religião, científica
mação da raça. As escolas eram locais de excelência para a formação do corpo e moderna.
A Educação higienizada
78
Nos tempos da Escola Nova
E emenda o educador:
Do ponto de vista político, pretende a escola única e a paz pela escola. Do ponto de vista filosófico, admite mais
geralmente as bases do neovitalismo, que as do mecanicismo empírico. Dentro desses pontos de vista, e para a
consecução de tais fins, propõe novos meios de aplicação científica. Aconselha, primeiramente, a transforma-
ção da organização estática dos estabelecimentos de ensino, pelo emprego do estudo objetivo da criança, para
classificação racional: e pela verificação objetiva do trabalho escolar (testes), para avaliação objetiva do que foi
aprendido. Depois, a transformação da dinâmica do ensino, a reforma dos processos. Ao invés do ensino passivo,
decorrente da filosofia sensualista e intelectualista de outros tempos, proclama a necessidade do ensino funcional
ou ativo, baseado na expansão dos interesses naturais da criança. Ao invés do “nada está na inteligência que não
tivesse passado pelos sentidos”, o “nada está na inteligência que não tenha sido ação interessada”. Ao invés do
trabalho individual, de fundo egoístico, o trabalho em comunidade, que dê o hábito da cooperação. Ao invés da
discriminação de materiais, o ensino em situação total ou globalizado. Ao invés da autoridade externa, a reunião
de condições que permitam desenvolver-se, em cada indivíduo, a autoridade interna: toda educação deve ser uma
auto-educação. (LOURENÇO FILHO apud GADOTTI, 1996).
O
destacado educador Lourenço Filho, no trecho acima, explicitava o cerne do escolanovismo.
O movimento pretendia alterar práticas e saberes escolares.
O fulcro da atividade educativa de fins do Oitocentos já passara a se situar na criança
e nas relações de aprendizagem, nas normas higiênicas e disciplinares que moldavam corpo e mente
do alunado, amparada por métodos científicos que construíam o conhecimento, via observação e in-
tuição. Mas outras mudanças precisavam vir, embora muitas já despontassem aqui e ali, como ocor-
rera no Ceará, quando o próprio Lourenço Filho, na qualidade de diretor da instrução realizara uma
reforma geral do ensino naquele estado.
Mudanças à parte, a escola permanecia como lócus privilegiado. Veja o registro de Zaia Brandão:
se no império [...] o ‘primado da razão’ exigia que se derramasse ‘a instrução sobre todas as classes’, nesse início
da década de 30, após o impacto da primeira guerra e a crise de 29, embora surgisse a consciência da ‘outra face’
do progresso e da civilização ainda persistia a crença na escolarização como o mais seguro caminho para dirigir
e, até mesmo reorientar, o sentido das transformações sociais. (1999, p. 66).
E nossos pioneiros da Educação não tinham dúvidas: amparados nos grandes idealizadores
internacionais do movimento da nova escola, em especial John Dewey, entendiam que havia chegado
o momento da grande virada na escolarização brasileira. O Manifesto constituía-se numa espécie de
Nos tempos da Escola Nova
As classes populares
tiveram acesso à Educação?
O número das “nossas escolas primárias e secundárias é ainda mínimo, em
relação com o que há de crianças em idade escolar, em todo o Brasil”, reconheciam
médicos e educadores, presentes ao V Congresso Brasileiro de Higiene, reunido
em Recife, no ano de 1929. (ANAIS, p. 59).
Embora os indicadores apontassem um aumento na taxa de analfabetismo
entre 1900 e 1920 (de 65, 3% para 69,9%), as alterações não eram importantes;
porém, o percentual revelava-se muito elevado a considerar que desde o século
anterior havia a intenção de derramar “a instrução sobre todas as classes”. E mais,
cerca de 90% da população em idade escolar não freqüentava a escola nos anos
1920. (LOURENÇO FILHO apud ROMANELLI, 1997).
Se considerarmos dados referentes às décadas de 1920-1970, o quadro muda
bastante: enquanto os índices de crescimento demográfico dos escolarizáveis va-
riou de 100 em 1920, para 276 em 1979, a matrícula modificou-se substancialmen-
te, passando de 100 para 1653, durante o período. (ROMANELLI, 1997).
Houve, portanto, maiores possibilidades de efetivar o acesso à escola, o que
permite inferir que, ao alargar as disponibilidades de matrículas, se tenha promo-
vido também o ingresso das classes populares aos bancos escolares, propiciando
2 O ensino que se faz via
objetos de interesse da
criança foi proposto por Her-
bart, nos idos do século XIX;
a tão propalada democratização do ensino. porém, em uma perspectiva
passiva, pois não havia a ex-
E esta democratização teria se dado em duas perspectivas, segundo Beise- perimentação ativa. No es-
cola-novismo o aluno reunia
gel (1986): ação e experiência.
81
Nos tempos da Escola Nova
82
Nos tempos da Escola Nova
sários. Mas alguns tinham conseguido passar a donos de pequenos negócios, muitos trabalhavam
por conta própria, ou já tinham uma tradição de trabalho na indústria. Além disso, muitas vezes
com enormes sacrifícios, puderam dar educação formal a seus filhos – alguns já tendo, naquela
época chegado à universidade, mesmo que em profissões consideradas então de segunda categoria
(por exemplo, contadores, economistas), valendo-se da expansão da rede pública de ensino. Já a
massa dos negros da cidade continuou, após a Abolição, abandonada à sua própria sorte, ocupada
nos trabalhos mais “pesados” e mais precários, muitos vivendo de expedientes, amontoada em
habitações imundas, favelas e cortiços, mergulhada também, no analfabetismo, na desnutrição
e na doença. Poucos os que, até 1930, tinham conseguido se elevar às funções públicas mais su-
balternas, ou ao trabalho especializado mais valorizado, de marceneiro, costureira, alfaiate, etc.
Pouquíssimos conseguiram ir muito além do abc na educação formal; contavam-se nos dedos os
que tinham chegado à universidade. É verdade que, no início dos anos 50, o panorama tinha se
alterado, como sublinhou Florestan Fernandes neste livro magnífico que é A integração do negro
na sociedade de classes. “O negro supera, graças ao seu esforço, a antiga situação de pauperismo
e anomia social, deixando de ser um marginal (em relação ao regime de trabalho) e um depen-
dente (em face do sistema de classificação social) [...] Eles podem, por fim, lançar-se no mercado
de trabalho e escolher entre algumas alternativas compensadoras de profissionalização”. Mas seu
ponto de partida não podia deixar de trazer as marcas ainda frescas da escravidão e do descaso
dos ricos e poderosos: era muitíssimo mais baixo que o do imigrante estrangeiro, o que impunha
limites estreitos à sua progressão na ordem social competitiva. Estava, isto sim, bem próximo do
migrante rural.
O imigrante, italiano, sírio, libanês, espanhol, japonês etc., não poderia deixar de ser o grande
vencedor desta luta selvagem pelas novas posições sociais que a industrialização e a urbanização
iam criando. O dono do pequeno negócio, até o mascate, torna-se médio ou grande empresário, na
indústria, no comércio, nos serviços em geral. Muitos dos que já eram trabalhadores especializa-
dos convertem-se em donos de pequenas empresas. Pais e mães ficam orgulhosos com seus filhos
“formados”, médicos, dentistas, engenheiros, jornalistas, advogados, economistas, administrado-
res de empresas, publicitários etc., e acompanham suas carreiras, muitas delas meteóricas, como
funcionário de empresa ou profissional liberal.
Mas o migrante rural também se sente um vencedor. Dos que se elevaram até o empresaria-
do, a maioria “saiu do nada”; pouquíssimos vieram de “profissões liberais”, poucos de postos de
trabalho qualificado. Mas são incontáveis as mulheres, antes mergulhadas na extrema pobreza do
campo, que se tornaram empregadas domésticas, caixas, manicures, cabeleireiras, balconistas,
atendentes, vendedoras, operárias passando a ocupar um sem-número de postos de trabalho de
baixa qualificação, alguns de qualificação média. Incontáveis, são também, os homens despre-
zados pela sorte que se converteram em ascensoristas, porteiros, vigias, garçons, manobristas de
estacionamento, mecânicos, motoristas de táxi, até operários de fábrica. Alguns chegam a traba-
lhadores especializados na construção civil, pedreiros, encanadores, pintores, eletricistas, ou na
empresa industrial, uma minoria às profissões liberais. Os negros, em sua esmagadora maioria,
ficaram confinados ao trabalho subalterno, rotineiro, mecânico, mas também eles, em geral, me-
lhoraram de vida.
83
Nos tempos da Escola Nova
84
Sob a Ditadura Militar
“A Revolução de 64”, ao banir, pela violência, as forças do igualitarismo e da democracia, produziu, ao longo de
seus 21 anos de vigência, uma sociedade deformada e plutocrática, isto é, regida pelos detentores da riqueza.
No final do período de crescimento econômico rápido, em 1980, as relações concretas entre as classes sociais
guardaram uma semelhança apenas formal com aquelas observadas nos países desenvolvidos. As desigualdades
relativas em termos de renda e riqueza eram muitíssimo maiores no Brasil. A dinâmica econômica e social se
apoiou continuamente, de um lado, na concorrência desregulada entre os trabalhadores, e, de outro, na monopo-
lização das oportunidades de vida pelos situados no cimo da sociedade.
Como resultado, em vez de a renda das grandes maiorias subir continuamente em compasso com o aumento da
produtividade social do trabalho, regulando os demais rendimentos (trabalho de direção e demais funções ligadas
ao controle do capital), ocorre o contrário. Ou seja, os rendimentos dos trabalhadores subalternos são comprimi-
dos para abrir espaço simultaneamente para lucros astronômicos e para a diferenciação das rendas e do consumo
dos funcionários do dinheiro e da nova classe média. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 620.)
O
anteprojeto da Comissão de juristas (encarregados de elaborar as propostas para a nova car-
ta), mantinha praticamente inalterados os dispositivos da Constituição de 1946 relacionados
com a educação. Apenas três modificações eram propostas: gratuidade do ensino oficial
estaria condicionada não apenas à falta ou insuficiência de recursos dos alunos, mas também ao seu
‘excepcional merecimento’e seria permitido ao Estado remunerar os professores de religião. (HORTA,
2001, p. 217).
Porém o projeto preparado por Medeiros Silva – indicado pelo Executivo – abdica quase que
totalmente do previsto na Constituição anterior. Escassamente, em dois artigos estavam reafirmados
o direito de todos à educação, à igualdade de oportunidade, à liberdade da iniciativa particular, à
obrigatoriedade do ensino primário e à liberdade de cátedra. “Quanto à gratuidade, esta é substituída,
no grau médio e superior, pela concessão de bolsas aos estudantes carentes de recursos, exigindo-se
efetivo aproveitamento e reembolso, no caso do ensino superior”. (HORTA, 2001, p. 217).
Foram muitas as reações e a ABE (Associação Brasileira de Educação), assim se pronunciou,
segundo Horta:
A ABE que desde a Constituição de 1934 se tem permitido acompanhar a elaboração da Magna Carta, em matéria
de educação, lamenta que as principais conquistas consagradas nas Constituições de 1934 e 1946 tenham sido
postergadas do projeto divulgado na imprensa e reivindica a inclusão, pelo menos, dos preceitos relativos a esses
pontos: a) direito à educação; b) obrigação do poder público em matéria de ensino, regulado por planos periódi-
cos, que tendam à obrigatoriedade escolar progressiva; c)percentuais mínimos de recursos destinados ao ensino;
d) desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica.
O ministro da Educação recorreu então à sua equipe técnica para que elaborasse um substituti-
vo ao capítulo da educação, que seria apresentado pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso e denomina-
do Emenda 862. Recebendo o apoio dos partidos (ARENA E MDB), foi aprovado com modificações
apresentadas pela Comissão Mista e pleno plenário do Congresso Constituinte. (HORTA, 2001).
Porém, a vinculação da receita anual da União estabelecia que deveria ser, nunca menor de 10%
para manutenção e desenvolvimento do ensino, acompanhada de no mínimo 20% daquela arrecadada
em estados e municípios, por meio de impostos, o que não foi aprovado, segundo Horta.
Sob a Ditadura Militar
E a escola da Ditadura?
Muitos filhos de trabalhadores comuns tiveram acesso às escolas públicas.
Em 1980 estavam matriculados no ensino fundamental proporcionado por estados e
municípios nada menos do que 17,7 milhões de alunos (contra 6,5 milhões de 1960). Mas
a qualidade do ensino era, em geral, péssima. De cada cem alunos, apenas 37 chegavam
à quarta série, e só dezoito à oitava série: os mais pobres estavam muito sujeitos à repe-
tência e tinham de abandonar a escola quando chegava a hora de trabalhar. Por força do
crescimento do sistema escolar, multiplicou-se o número dos professores, merendeiras,
serventes etc. (MELLO; NOVAIS, 1998).
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Sob a Ditadura Militar
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Sob a Ditadura Militar
88
As universidades brasileiras:
ainda a Educação de poucos
Faculdades e universidades
O
s começos do ensino universitário no Brasil remontam à vinda da família real. Fugindo de
uma premente invasão francesa D. João VI aqui chegou, acompanhado da rainha-mãe e
toda a sua corte. Junto vieram os livros da Biblioteca do Palácio da Ajuda que depois com-
poriam a nossa Biblioteca Nacional, bem como a alta burocracia civil, militar e do clero. “Instituições
econômico-financeiras, administrativas e culturais, até então proibidas, foram criadas, assim como
foram abertos os portos ao comércio das nações amigas e incentivadas as manufaturas”. (CUNHA,
2000, p. 153).
Diferentemente de outras colônias, em especial as dependentes do jugo espanhol, onde as uni-
versidades foram instaladas ainda no século XVI, funcionários da coroa, senhores-de-engenho, pro-
prietários de terras e seus filhos há muito reivindicavam cursos superiores no Brasil, pois assim evita-
riam os custosos deslocamentos para Coimbra. Os apelos jamais encontraram eco e tudo que por aqui
existia eram cursos de Artes (Ciências Naturais ou Filosofia) e Teologia, ministrados pela Companhia
de Jesus até 1759, e depois, pelos conventos franciscanos.
A Metrópole temia que esse grau de estudos só fizesse incentivar propostas de liberdade e au-
tonomia, tão em voga sob os ventos iluministas que sopravam da França e cá se faziam sentir. Havia
ainda o agravante de Portugal não dispor de muitos recursos docentes para poder transferi-los para
sua a rica colônia do Brasil. (CUNHA, 2000).
Os primeiros cursos superiores passaram a funcionar ainda em 1808, após a instalação da corte,
porém sob a forma de cátedras isoladas: Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro e, em 1810, Enge-
nharia também no Rio funcionando junto à Academia Militar da qual só se desvincularia em 1874,
passando a chamar-se Escola Politécnica.
As cátedras consistiam em unidades de ensino muito simples, nas quais os professores reuniam
seus alunos em locais diversos, utilizando seus próprios materiais para ensinar. Veja o exemplo do
médico e farmacêutico Manoel Joaquim Henriques de Paiva, lente de Farmácia do já então Colégio
Médico-Cirúrgico da Bahia, assim denominado quando as cátedras independentes de anatomia e
cirurgia foram reunidas a outras criadas depois. Esse professor ministrava suas lições na espaçosa
botica do Convento de Santa Teresa, para onde transferira “sua cátedra e os utensílios que possuía,
adquiridos a sua custa”. (PEREIRA, 1923, p. 20).
Foram as escolas, academias e as faculdades, surgidas mais tarde, a partir das cátedras isoladas, as unidades de
ensino superior que possuíam uma direção especializada, programas sistematizados e organizados conforme
uma seriação preestabelecida, funcionários não-docentes, meios de ensino e local próprios. Em 1827, cinco anos
depois da independência, o imperador Pedro I acrescentou ao quadro existente os Cursos Jurídicos em Olinda
e em São Paulo, com o que se completava a tríade dos cursos profissionais superiores que por tanto tempo do-
minaram o panorama de ensino superior no país: Medicina, Engenharia e Direito, seguindo a tradição francesa.
(CUNHA, 2000, p. 154).
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As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos
Incluídos e excluídos
das hostes universitárias
Os primeiros cursos superiores no Brasil buscavam ou conferir uma profis-
sionalização prática que atendesse necessidades burocráticas, em especial após
a Independência do país quando foi necessário preencher o quadro geral da ad-
ministração e da política, ou ainda, conferir graus de distinção tão ao gosto das
nossas elites, desde a Colônia.
Os cursos médico-cirúrgicos, por exemplo, visavam formar os acadêmicos
que viriam aplacar as mazelas do corpo doente; mas, no decorrer do Oitocentos,
substituir os práticos tornara-se a grande meta. Não esqueçamos que os curadores
dos séculos XVII e XVIII foram pessoas de “pouca qualidade”, como diziam os
mandantes coloniais.
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As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos
Cunha], além de tardia, nunca teve a centralidade das universidades ibero-americanas trazidas
pelos colonizadores [...].
Preferimos cultivar em Coimbra o gosto pelo bacharelismo de nossas elites imperiais e ape-
nas na década de 30 institui-se a Universidade de São Paulo. Esta, ao estabelecer um compromisso
institucional entre a tradição das Escolas ou Faculdades profissionais e o embrião da universidade
nascente que foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornou-se a matriz da primeira gera-
ção de instituições públicas federais e confessionais católicas.
Embora as universidades se disseminem nacionalmente a partir do modelo da USP, houve
alguns esforços precursores como o da Universidade do Paraná, da Universidade Técnica de Porto
Alegre sob a inspiração dos positivistas e da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro que, em sua
origem, teve uma fundação simbólica para conceder um título acadêmico ao rei da Bélgica. Outro
paradoxo é a diferença que se refere à autonomia universitária. Ao contrário das universidades
hispano-americanas, as universidades públicas brasileiras não gozarão da autonomia que se tor-
nou um traço dominante de universidades que incorporaram esta conquista em seu próprio nome,
tal como a Universidade Autônoma do México. Ainda que a bandeira da autonomia tenha sido
um dos temas centrais do movimento da “reforma universitária” dos anos 60 e que se inspirava,
também tardiamente, na luta histórica pelo “co-governo” da Universidade de Córdoba na Argen-
tina, no Brasil, com exceção da autonomia concedida às universidades paulistas na última década
(USP, UNICAMP, UNESP), o sistema federal de educação superior jamais gozou de autonomia
administrativa e de gestão financeira.
O grande paradoxo brasileiro, porém, é que o princípio da autonomia universitária inscrita
na Constituição de 1988, tornou-se letra morta para as instituições públicas federais submetidas a
controles kafkianos, enquanto que as universidades privadas, uma vez reconhecidas pelo governo,
passam a gozá-la plenamente imunes a qualquer controle governamental.
Daí decorre um último paradoxo do ensino superior no Brasil: a dominância aplastante do
sistema privado de educação superior sobre o público federal e estadual. As instituições privadas
expandiram-se em três décadas de 40% para 75% das matrículas, gerando um processo de privati-
zação estimulado pelos governos militares, cujo padrão na América Latina somente encontra pa-
ralelo no Chile de Pinochet, fazendo com que a democratização do acesso ao ensino superior não
se faça pela via da “massificação” do ensino público, como são exemplos o México e a Argentina,
mas através de um ensino privado, pago e de baixa qualidade média.
Cabe ressaltar, porém, que, em termos latino-americanos, o sistema universitário público
brasileiro, além de responsável por 90% da pesquisa científica e tecnológica do país, tem uma
qualidade média muito superior ao setor privado dominante, salvo algumas instituições privadas
tradicionais dentre as quais se destacam as universidades católicas. É preciso admitir que tal dife-
rença resultou, em grande medida, de políticas dos governos militares que, se por um lado viola-
ram a liberdade acadêmica com inaceitáveis cassações e aposentadorias, com a reforma de 1968
tornaram essa superioridade incontrastável pelos investimentos que fizeram no sistema público
universitário. Essas políticas, visando o sonho do “Brasil-potência”, estimularam fortemente a ex-
pansão da pós-graduação nas universidades públicas e desenvolveram ações coerentes no campo
do desenvolvimento científico e tecnológico. Da mesma forma que, na última década, os recursos
investidos de forma estável pelo sistema de autonomia das universidades públicas paulistas permi-
tiram que elas atingissem um outro patamar, especialmente no caso da UNESP, face à estagnação
a que está submetido o sistema federal do ensino superior.
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As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos
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Hino Nacional
Poema de Joaquim Osório Duque Estrada
Música de Francisco Manoel da Silva
Parte I Parte II
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”
Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!
Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica celebrada
entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.