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História da Educação

Autora
Vera Regina Beltrão Marques

2009
© 2003 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

M357 Marques, Vera Regina Beltrão. / História da educação. /


Vera Regina Beltrão Marques. — Curitiba : IESDE
Brasil S.A. , 2009.
100 p.

ISBN: 85-8900-859-2

1. Educação-História. I. Título.

CDD 370.9

Todos os direitos reservados.


IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Sumário
Introdução à História da Educação.......................................................................................5
Da História da Pedagogia à História da Educação...................................................................................5

A Educação na Antigüidade Clássica....................................................................................9


Grécia........................................................................................................................................................9

Roma.....................................................................................................................................17
Entrando pela história...............................................................................................................................17
Educando à romana...................................................................................................................................17
A educação grega revisitada.....................................................................................................................19

Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média...................................21


Como se educava o povo?........................................................................................................................21
Dos colégios às universidades..................................................................................................................22
Por que ir à universidade?.........................................................................................................................24
A formação dos ofícios.............................................................................................................................25

A modernidade educativa: o humanismo..............................................................................27


Histórias que cumpre contar.....................................................................................................................27
O Renascimento na Educação..................................................................................................................29

Os inícios da Pedagogia Moderna.........................................................................................33


Escolas reformadas...................................................................................................................................33
Educação da Contra-reforma....................................................................................................................35

A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil..................................................................37


As escolas dos jesuítas: a formação dos clérigos e dos curumins............................................................37
As indígenas reivindicavam saber ler e escrever......................................................................................38

Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII....................................................41


As ciências chegam à escola.....................................................................................................................42
A escola moderna e a formação do homem civil......................................................................................44

No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas..................................................................47


Ainda entre clérigos..................................................................................................................................47
E as mulheres coloniais?...........................................................................................................................48
“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada”.....49
Os conventos educavam as mulheres.......................................................................................................50

As luzes na Educação e o homem novo................................................................................53


A Educação dos cidadãos..........................................................................................................................54
Como deve ser a escola do homem novo?................................................................................................54
A criança entra para a história..................................................................................................................55
A quem cabia educar no Brasil setecentista?........................................................................57
Jesuítas expulsos, professores régios são contratados:
inicia-se o lento processo de laicização educacional................................................................................57
Os colégios-seminários: a Educação vetada aos judeus, negros,
mulatos e aos filhos de “uniões ilícitas”...................................................................................................59
Corporações de ofício: homens brancos
e livres aprendiam atividades manuais.....................................................................................................60

O século da Pedagogia e os vínculos


com a sociedade: a Educação oitocentista............................................................................61
Novos sujeitos passíveis de serem educados............................................................................................61
As escolas para crianças pobres; escolas para o povo..............................................................................62
A Educação dos pequenos........................................................................................................................64

Os anos oitocentos no Brasil:


cabe derramar a instrução para todas as classes....................................................................65
Cabia formar professores..........................................................................................................................67
O ensino que profissionaliza.....................................................................................................................68
Escolas para os pequeninos......................................................................................................................68

A República sustenta o direito à Educação?.........................................................................71


Educação: questão nacional......................................................................................................................71
Templos da civilização: os grupos escolares............................................................................................71
Imigrantes e Educação..............................................................................................................................73

A Educação higienizada........................................................................................................75
A ordem médica chega às escolas.............................................................................................................75
A escola higiênica e as propostas eugenizadoras......................................................................................75
Saúde, moral e trabalho: máximas para todos..........................................................................................76

Nos tempos da Escola Nova.................................................................................................79


O manifesto, novos métodos, novos programas escolares:
o aluno está no centro do processo educativo...........................................................................................79
As classes populares tiveram acesso à Educação?...................................................................................81

Sob a Ditadura Militar..........................................................................................................85


A Educação na Constituição de 1967.......................................................................................................85
E a escola da Ditadura?.............................................................................................................................86

As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos..................................................89


Faculdades e universidades.......................................................................................................................89
Incluídos e excluídos das hostes universitárias........................................................................................91

Referências............................................................................................................................95
Introdução à História
da Educação

Da História da Pedagogia à História da Educação

A
disciplina História da Educação tem seus começos, diferentemente do que poderia se supor,
no campo da Pedagogia, e não como uma especialização temática da História. Esse proce-
dimento teria se originado na Europa e Estados Unidos, vinculado às Escolas Normais e aos
cursos formadores de professores. E os historiadores, até muito recentemente, pouco se debruçaram
sobre problemas alusivos à educação.
Por que isso teria acontecido?
Reportando-nos aos inícios da história da pedagogia (séculos XVIII e XIX), é possível detectar
as causas desse vínculo primeiro. Os estudos históricos realizavam-se a partir da escola, orientados
por objetivos de (con)formar técnicos e cidadãos, em duas vertentes: educação-instrução e matrizes
teóricas. História persuasiva e teoricista unificava classes sociais, pouco abordando as instituições
educativas em suas singularidades. Assim, a educação patrocinada por diferentes instituições – famí-
lia, escola, fábrica, exército, prisão, manicômios, igreja etc – foi tratada sem que houvesse qualquer
distinção, abordada através de modelos ideais nos quais passava a caber, amparada nos grandes mes-
tres da filosofia. Contemplava-se, em especial, a história das idéias pedagógicas (CAMBI, 1999).
Já desde o segundo pós-guerra, porém, difundiam-se novas orientações historiográficas, também no campo peda-
gógico, e, ao mesmo tempo, entravam em crise alguns pressupostos daquele modo tradicional de fazer a história
da pedagogia. Iniciava-se, assim, um longo processo que levou à substituição da história da pedagogia pela mais
rica, complexa e articulada história da educação, que só em anos recentes aparece definitivamente constituída
como modelo-guia para a pesquisa histórica em educação e pedagogia. (CAMBI, 1999, p. 23).

Para essa nova orientação contribuíram saberes de outras ciências, e, como salientava Lucien
Febvre em Combates pela História, seus estudiosos precisam ser menos historiadores e mais sociólo-
gos, juristas, geógrafos, antropólogos e não podem encarar a história como uma necrópole adormeci-
da “onde só passam sombras despojadas de substância”. É preciso penetrar na história animado pela
vontade de lutar e combater, “avivando as luzes e restabelecendo o barulho”. E convém lembrar: “o
historiador não é um juiz, nem sequer um juiz de instrução. E a história não é julgar, mas compreen-
der – é querer compreender” (FEBVRE, s.d., p. 167).
“Assim, a metodologia histórica sofre por sua vez uma transformação radical: articula-se segundo muitos âmbitos
de pesquisa, acolhe uma multiplicidade de fontes, organiza-se em setores especializados, e cada vez mais espe-
cializados, de modo a dar vida a subsetores de pesquisa doravante reconhecidos e reconhecíveis pela autonomia
de objetos e métodos que os marca, assim como pela tradição de pesquisa que os une”. A pesquisa histórica da
educação passa a contemplar a história das teorias e das instituições escolares e formativas, a história da didática,
da infância, das mulheres ou ainda do imaginário, fosse de adultos, jovens ou crianças (CAMBI, 1999, p. 24).

Estão assim alterados: os métodos empregados (quando se perdeu a “certeza do método”); o


tempo histórico e não mais o tempo do relógio (o qual conta pouco como, por exemplo, quando tem
as mentalidades como tema de pesquisa, e cuja mudança só é apreendida na longa duração); os docu-
Introdução à História da Educação

mentos (não como monumento, mas efeito de interpretações) (LE GOFF, 1994).
Modo novo de fazer a história dos eventos pedagógico-educativos, “toman-
do a noção de educação seja como conjunto de práticas sociais seja como feixe de
saberes”. Verdadeira revolução historiográfica que redesenha “o domínio históri-
co da educação e todo o arsenal da sua pesquisa” (CAMBI, 1999, p. 24).
Para que tal revolução ocorresse, em muito contribuiu a escola dos Annales.
Inspirada no marxismo, “enriqueceu e matizou sua lição ao introduzir o estudo de
estruturas (ou infra-estruturas) não só econômicas, como a mentalidade, tendo em
vista uma história por inteiro, que leve em conta todos os fatores e aspectos de um
momento ou de um evento histórico. Os Annales sublinharam, assim, o pluralis-
mo da pesquisa histórica e o jogo complexo das muitas perspectivas que acabam
por constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências sociais”, como salientou
Febvre. Mas o próprio marxismo, os aportes da psico-história americana, o estru-
turalismo, dentre outros, não podem ficar de fora quando se aborda essa revolução
historiográfica (CAMBI, 1999, p. 24-26).
E como teria começado a história da educação no Brasil?
Warde também localiza no terreno da educação os começos dessa história.
Nossos renovadores da educação a partir da década de 1930 buscaram estabelecer
as “singularidades teóricas e práticas da educação brasileira” e para tal lança-
ram mão das matrizes científicas que a amparavam. Neste contexto, a história da
educação foi inserida como ciência auxiliar, abordada como enfoque. As matri-
zes conferidoras do estatuto de ciência foram buscadas na Biologia, Psicologia
e Socio­logia. A História da Educação foi incorporada como matéria formadora
de natureza disciplinar, mais no intuito de despertar valores humanos à prática
educacional. Assim a “História da Educação foi conformada para ser útil, para
oferecer justificativas para o presente e não para interpretar ou reinterpretar os
processos históricos específicos da educação brasileira” (WARDE, 1990).
“O fato de a trajetória da História da Educação estar relacionada à Pedago-
gia e ao ensino dificultou sua constituição como uma área de pesquisa propria-
mente dita. É muito recente o movimento no Brasil, concretizado na fundação de
associações, grupos de trabalho, periódicos especializados, que insistiu na neces-
sidade de realização de pesquisas em arquivos e no tratamento historiográfico das
fontes”. Ademais, eram os próprios educadores os responsáveis pelo desenvolvi-
mento das pesquisas históricas, tarefa para a qual não tinham a formação neces-
sária, nem suficiente (LOPES; GALVÃO, 2001).
É claro que todo esse movimento no campo da História da Educação trouxe
também dilemas ao professor.
Como ensinar aos alunos a História da Educação dos gregos aos nossos dias,
da Europa e da América, aos estudos e pesquisas hoje desenvolvidos no Brasil?
Realizar qualquer tentativa de abarcar tamanha complexidade por meio de
um único livro, ou “manual”, se revestiria de uma tentativa fracassada. Fadado ao
insucesso, nosso libelo também poderia ser taxado de “herético”!

6
Introdução à História da Educação

Heresias à parte, esse “guia”, em 18 lições, pretende apontar “pistas”, ca-


minhos a trilhar para o entendimento dessa importante área que é a História da
Educação, indicando bibliografia e filmes. Logo, tenha-o como referência e leia a
bibliografia recomendada.
Este livro está elaborado a partir dos sujeitos da educação: quem tinha aces-
so às escolas em diferentes períodos históricos e como as instituições educativas
organizavam o ensino. Na educação grega e romana, “carreguei nas tintas” do
contexto histórico, pois aí estão fincadas as matrizes da pedagogia ocidental. A
escola é uma invenção da educação grega. O humanismo renascentista também
teve seu período e cenário mais detalhados, afinal marca a volta do homem para o
palco da história. O teocentrismo (Deus como centro) é substituído pelo antropo-
centrismo (homem adquire centralidade) na visão e explicação do universo e das
relações entre homem-Deus-natureza-sociedade. Claro que são transformações
que não se dão por etapas ou linearmente. Há idas e vindas: há rupturas, mas
também permanências. Lembre disto.
Bom estudo!!!!

UMA CIDADE sem passado. Direção de Michel Verhoeven. Alemanha: Globo Vídeo, 1990.

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Introdução à História da Educação

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A Educação na
Antigüidade Clássica
Grécia

A
civilização grega é o resultado de um amplo processo de relações socio-
culturais estabelecidas principalmente a partir do II milênio a.C.
Sobre um território estéril, de topografia montanhosa, levas sucessi-
vas de povos indo-europeus foram estabelecendo-se. Agrupando-se em pequenas
comunidades primitivas esses povos (aqueus, jônios, eólios, dórios) ao longo do
tempo premidos pela necessidade de novas áreas cultiváveis para a produção de
alimentos e impulsionados por movimentos de conquistas de novos territórios,
espalharam-se ao longo do Mediterrâneo.
A Grécia antiga – chamada Hélade – ocupando o sul da Península dos Bal-
cãs, as ilhas do Mar Egeu e Jônio e o litoral da Ásia Menor, constituiu um mosaico
de pequenas comunidades independentes.
Os grupos humanos dividiram-se em extensas famílias – os genos – cujos
membros, mais do que formarem uma associação natural, devido aos laços con-
sangüíneos, constituíam uma associação religiosa.
Os gregos, no entanto, não foram um povo unitário étnica e culturalmente.
A formação de reinos isolados e independentes, favorecida pela própria formação
geográfica, não impediu a elaboração de uma profunda unidade espiritual que
deu vida a uma civilização comum. “Embora geograficamente dispersa, a Gré-
cia antiga mantém uma vida cultural relativamente homogênea, que se manifesta
numa língua comum, em formas de organização política semelhantes e em mes-
mas crenças religiosas”. (VALVERDE, 1987, p. 16).
Ao conformar os agrupamentos humanos em formações sociais cujas men-
talidades estavam impregnadas de crenças em divindades, a criação de mitos,
deuses e heróis daria sustentação à constituição de uma estrutura hierárquica, que
por longo espaço de tempo dominou o modo de vida da sociedade grega.

A Educação do guerreiro não é a do povo


As obras homéricas, como muitas lendas e mitos gregos, trazem à tona im-
portantes aspectos de uma Grécia arcaica, dividida em reinos independentes, social-
mente estratificados que exercitavam práticas religiosas, comerciais e culturais sob 1 A Ilíada, de Homero,
narra eventos finais da
o poder monopolizado pela aristocracia, abrigada sob o manto dos reis-guerreiros. guerra de Tróia nos quais se
envolve o guerreiro Aqui-
São essas obras que dão esteio à educação heróica esboçada tanto na Ilíada quanto les e, a Odisséia, ­descreve o
retorno do herói Ulisses que
na Odisséia, voltadas aos adolescentes aristocráticos, abrangendo “tanto o aspecto vaga após a derrota de Tróia
por dez anos pelos mares até
físico-esportivo quanto o cortês-oratório-musical”. (CAMBI, 1999, p. 77)1. chegar a Ítaca, sua terra.
A Educação na Antigüidade Clássica

Esses poemas dão testemunhos da existência de um intenso vigor cultural.


São, portanto, produtos de “séculos de poesia oral, composta, recitada e transmi-
tida por bardos de profissão”, sem o auxílio da escrita (FINLEY apud CAMBI,
1999, p. 76), o que evidencia uma profunda unidade espiritual do povo grego2.
Delineando nestes escritos um ocaso dos costumes mais antigos, aponta
para a “afirmação de uma sociedade menos brutal e mais racional, que se organiza
em torno dos valores de força e da persuasão, da excelência física e espiritual, das
armas e da palavra”, elaborando um novo modo de viver e de pensar (CAMBI,
1999, p. 76). Assim, os poemas homéricos servirão – por séculos – de textos de
formação das classes dominantes.
Já em Os trabalhos e os dias, do poeta Hesíodo, outro destacado poeta do
século VIII a.C., encontramos importantes aspectos da educação voltados ao povo.
Descrevendo as difíceis condições de vida dos pequenos agricultores à mercê dos
grandes proprietários rurais e dos usurários, defende em seu poema a “necessi-
dade do trabalho como condição humana”, apontando para o papel crucial das
práticas de iniciação “para o crescimento e inserção social das jovens gerações
na sociedade adulta, sancionando uma futura maturidade do indivíduo”, como
assinala Cambi (1999, p. 77).
Em Teogonia, Hesíodo explica a criação do mundo, “ordena os vários mi-
tos contraditórios entre si, explicando os fenômenos da natureza e da história”.
Mostra que os deuses amam, traem e lutam entre si e que após a vitória de Zeus
­instalam-se no Olimpo liberando o homem de suas maquinações. A justiça de
Zeus premia ou castiga os homens, em conformidade com seus atos e responsabi-
lidades – o homem já é livre para pensar por sua conta.

A formação do cidadão
A estrutura política consolidada na Grécia antiga a partir das invasões dos
dórios no século XI a.C., ou seja, reinos independentes e territoriais, passa por
gradativas, mas profundas mudanças. A intensificação das trocas comerciais com
o desenvolvimento de uma economia monetária, a expansão dos contatos com o
exterior favorecendo o aparecimento de novas idéias e técnicas, a conformação de
novas classes sociais, apontavam para a desagregação irreversível das formações
humanas fundadas com base na organização gentílica da sociedade.
A unidade política estabelecida em torno da figura do rei sofre profundos aba-
los diante do acirramento dos conflitos entre os diversos grupos sociais, entre as pró-
prias famílias aristocráticas e entre essas e as camadas mais pobres da população.
As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais decorrentes
dessa permanente tensão culminaram no desaparecimento da realeza e ascensão
2 Se Homero retrata acon-
tecimentos que teriam ao poder político por parte de uma aristocracia de ricos proprietários de terra,
ocorrido por volta de 1260 e
1250 a.C., período anterior dando origem a uma nova forma de organização política e social – a pólis.
ao por ele vivido, sua difusão
se dá em Atenas por volta Surgida em meados do século VIII a.C., no final da época homérica, a
do século V a.C., após a sua
morte. ­­­cidade-Estado (pólis) busca responder aos desafios colocados pela evolução dos

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A Educação na Antigüidade Clássica

acontecimentos históricos. Consolidando-se com uma “forte unidade espiritual


(religiosa e mitopoética) que organiza um território, é sobretudo aberta ao exterior
(comércio, emigração, colonização)” (CAMBI, 1999). As cidades-estados gregas
eram independentes entre si. Governadas por regimes ora monárquicos, ora oli-
gárquicos, ora tirânicos, ora democráticos, com freqüência envolviam-se em acir-
radas disputas, somente estabelecendo frágeis alianças quando do enfrentamento
de inimigo comum.
Sua intensa vida comunitária influiu de maneira decisiva no desenvolvi-
mento do pensamento humano, resultando numa verdadeira revolução da menta-
lidade e da política, cujas principais características, segundo o historiador francês
Jean-Pierre Vernant (apud VALVERDE, 1987), são:
o caráter público de todas as decisões políticas, com a elaboração de leis
escritas, para que todos pudessem conhecê-las;
a ampliação do culto, perdendo a religião o caráter de saber secreto,
transformando-se numa religião de Estado, acessível a todos;
a supremacia do logos (significando palavra ou razão), retirando da
condição social e econômica o poder decisório sobre assuntos da pólis,
­transferindo-o para a força das palavras e capacidade de argumentação
dos oradores.
Esse formato de organização social e política desembocou na construção
da democracia possibilitando a todos os cidadãos – isto é, menos às mulheres,
crianças, estrangeiros e escravos aos quais a cidadania era negada –, reunidos em
assembléias, deliberarem sobre questões de âmbito público, além de, ao estruturar
um saber que buscava explicar os diversos fenômenos sem o concurso das forças
místicas e divinas, fazer surgir a Filosofia.

As práticas e os modelos educativos


Neste cenário, por volta do século VI a.C., começam a tomar forma as
­primeiras idéias sobre as quais se assentaria o pensamento ocidental.
A família se constitui no primeiro espaço de socialização do indivíduo, na
qual adquire regras de comportamento, assimila sistemas de valores e concepções
do mundo. Nela as mulheres exercem um papel secundário e submisso ao homem.
Sua vida se desenvolve no interior do òikos (casa) onde fia e tece, organizando
a vida da casa entre nascimentos, casamentos e mortes, porém sob a chancela e
olhares atentos do homem. Suas funções públicas se resumem nas participações
em funerais para lamento e choro dos mortos, para a partida e retorno do guerrei-
ro, como portadora do kanòun (cesto sacrificial) nos sacrifícios e nas festividades
dançando ou integrando o coro (CAMBI, 1999).
A infância é pouco valorizada em toda a cultura grega, vista como uma
“idade de passagem, ameaçada por doenças, incerta nos seus futuros”, como sa-
lienta Ariès. A criança controlada pelo “medo do pai” que pode reconhecê-la ou
abandoná-la, é alvo de poucos investimentos afetivos (CAMBI, 1999).

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A Educação na Antigüidade Clássica

Quanto aos cidadãos, sua consciência é, sobretudo, influenciada pelas leis


que fixam ações e proibições e pelos ritos e mitos, que ao estipularem padrões
comportamentais e oferecerem uma interpretação para a complexidade do mun-
do, exercem um importante papel regulatório.
Entre os gregos, o teatro e os jogos agonísticos – ginásticos – masculino e
feminino ocupam destacado lugar na educação comunitária. Os principais autores
tea­trais (Ésquilo, Sófocles, Eurípedes) por intermédio de dois gêneros dramáticos,
a tragédia e a comédia, elegem o teatro como lugar de representações das contra-
dições que permeiam o corpo social, fustigam e ridicularizam comportamentos,
fomentando a reflexão e auxiliando a comunidade a educar-se a si mesma. Os jogos
agonísticos, através dos desafios e disputas, buscam alcançar pelo uso da inteligên-
cia, da comunicação e imaginação a excelência formativa aspirando atingir com o
domínio do corpo uma harmoniosa e precisa atividade espiritual (CAMBI, 1999).
Esparta e Atenas ocupam papel de destaque entre as pólies gregas gerando
modelos políticos, sociais e culturais distintos entre si, mas que se consolidaram
como referência original no desenvolvimento de toda a cultura ocidental.
Nelas, dois ideais de educação vieram à luz: um, o de Esparta desenvolven-
do-se numa perspectiva militarista de “formação de cidadãos guerreiros, homo-
gêneos à ideologia de uma sociedade fechada e compacta”, o outro, de Atenas,
basea­do na “concepção de paidéia, de formação humana livre e nutrida de experi-
ências diversas, valoriza o indivíduo e suas capacidades de construção do próprio
mundo interior e social” (CAMBI, 1999, p. 82).
O Estado espartano constituído por volta do século IX a. C., após a inva-
são do Peloponeso pelos dórios, compreendia cinco aldeias desprovidas de mu-
ralhas rigidamente organizadas em comunidades gentílicas, localizadas no vale
formado pelo rio Eurotas. Ao fundar diversas colônias e em busca de novas áreas
de colonização, por volta do século VIII a. C. conquistou a vizinha Messênia,
­submetendo-a. Em meados do século VII a. C., os dórios adotaram uma política
de isolamento restringindo o contato com outros Estados além de reforçarem a
separação entre a minoria governante e os povos conquistados. “No final do sé-
culo VI a.C., depois da conquista da Messênia, o Estado espartano completou sua
organização, transformando-se em verdadeiro ‘acampamento militar” (AQUINO
et al., 1985, p. 186).
“Na verdade, toda a sociedade e a educação espartanas estavam voltadas
para a guerra”. Nesse sistema educativo, delineado pelo mítico Licurgo, as crian-
ças do sexo masculino, a partir dos sete anos, eram retiradas da família e entregues
ao Estado para que este cuidasse de sua educação. Inseridas em escolas-ginásios
rece­biam até os 16 anos uma formação do tipo militar que deveria favorecer a
aquisição da força e da coragem.
Das letras aprendiam apenas o indispensável; toda a educação restante dizia respeito a
bem obedecer a ordens, resistir a fadigas e vencer em combate. Por isso, ao chegar a idade,
a exercitação era mais extensa; seus cabelos eram cortados rente e habituavam-se a mar-
char descalços e a brincar quase sempre nus. Aos doze anos passavam a viver sem túnica,
recebiam um manto por ano, andavam sujos, desconhecendo o banho e os ungüentos [...]
(PLUTARCO apud AQUINO, p. 187).

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A Educação na Antigüidade Clássica

As mulheres, a quem era delegada a responsabilidade de gerar filhos sadios,


também deveriam, através da ginástica, robustecer o próprio corpo.
Além da educação dos jovens o Estado espartano impunha rígida vigilância
sobre a vida familiar dos cidadãos, preocupando-se com o casamento e por meio
da Lei Atímica, impunha penas para os celibatários.
Já o modelo ateniense de educação seguia outras premissas.
A ocupação da Ática pelos jônios a partir do século X a.C., culminou na
­cria­ção de Atenas. Penetrando pacificamente na região, miscigenaram-se com os
antigos habitantes e estabelecendo-se em aldeias fortificadas viviam sob o regi-
me de comunidade gentílica. Segundo o historiador Tucídides, imputa-se ao Rei
Teseu a responsabilidade pela fusão dos povoados da Ática e formação do Estado
ateniense. Em Plutarco (Vidas paralelas), havia em Atenas três classes sociais
distintas entre a população livre: os eupátridas (a aristocracia agrária); os geomo-
res (pequenos proprietários rurais) e os demiurgos (artesãos), que viviam de seu
próprio trabalho. As duas últimas classes constituíam o povo. Um grande número
de estrangeiros (metecos) atraídos pelo desenvolvimento das trocas comerciais
também fixou-se em Atenas. Esses comerciantes pessoalmente livres, não possu-
íam direitos civis ou políticos (AQUINO et al., 1985).
Com o crescimento do comércio e diversificação da produção artesanal, as
n­ ovas camadas sociais – comerciantes, assalariados (urbanos e rurais) – além dos
camponeses e artesãos, assumiram uma importância econômica cada vez maior,
sem a correspondente participação no poder político.
Diante desse quadro, a acirrada luta de classes elevou-se de patamar, quan-
do no século VII a.C., o movimento de colonização grega atingiu o apogeu e teve
início a cunhagem de moeda.
Ameaçados de perder o monopólio político, a classe dominante – repre-
sentada pela aristocracia agrária – viu-se obrigada a implementar uma série de
reformas exigidas pela massa urbana. Assim é que em 621 a.C., foram publicadas
as primeiras leis escritas, obrigatórias a todos, redigidas pelo Arconte Drácon
(AQUINO et al., 1985).
Mesmo com os avanços obtidos, a situação das classes subalternas não mu-
dou substancialmente, dando prosseguimento às tensões sociais.
Fortalecidos economicamente com a colonização, os ricos comerciantes
conseguiram, em 594 a. C., com a eleição de Sólon, realizar importantes reformas
socioeconômicas e políticas, exaurindo a organização gentílica de sociedade. Do-
ravante uma sucessão de novos regimes políticos foram sucedendo-se (Plutocra-
cia, Tirania, Democracia Escravista), espelhando um maior nível de organização
e participação política.
Assim, ao findar-se a Época Arcaica e iniciar-se o século V a.C.– período da maior pros-
peridade de Atenas, em particular, e da Grécia, em geral –, vamos encontrar uma grande
parte das cidades-Estados gregas vivendo sob o regime da Democracia Escravista (AQUINO
et al., 1985, p. 196).

13
A Educação na Antigüidade Clássica

Nos séculos V-IV a.C., “a cultura grega caracterizada agora pelo papel he-
gemônico de Atenas entra numa fase de crise e de transformação em paralelo com
a profunda mudança da sociedade em seu conjunto” ... A pólis, como organismo
educativo, entra em crise; a ela se contrapõe o indivíduo, o sujeito, que vive uma
profunda desorientação e é levado a buscar uma nova identidade.
Delineia-se uma cultura mais crítica em relação ao saber religioso e mitopoético e mais
técnico-científica, que exalta a dimensão livre e o livre exercício da razão próprio de cada
indivíduo e disposto a submeter à analise qualquer crença, qualquer ideal, qualquer prin-
cípio de tradição (CAMBI, 1999, p. 85).

A escrita difundiu-se a todo o povo; os cidadãos livres passaram a dedicar-


se à oratória, à filosofia, à literatura, desprezando o trabalho manual e comercial.
As mulheres também passaram a participar da vida cultural.
Afirmou-se um ideal de uma formação mais culto e civil, ligado à eloqüência e à beleza
[...] capaz de atingir os aspectos mais próprios e profundos da humanidade [...], que em
particular a filosofia e as letras conseguiam nele fazer emergir e amadurecer. Assim, a
educação assumia em Atenas um papel-chave e complexo, tornava-se matéria de debate,
tendia a universalizar-se, superando os limites da pólis. (CAMBI, 1999, p. 84).

A idéia harmoniosa de formação que inspirava o processo educativo pre-


via que os jovens atenienses, numa primeira fase, freqüentassem “a escola e a
palestra, onde eram ensinados através da escrita, da música e da educação física,
sob a direção de três instrutores: o grammatistes (mestre), o kitharistes (profes-
sor de música), o paidotribes (professor de gramática). O rapaz (pais) era depois
acompanhado por um escravo que o controlava e o guiava; o paidagogos”. Havia
também uma grande preocupação com o cuidado do corpo, para torná-lo belo e
sadio. Aos 18 anos o jovem era “efebo” (auge da adolescência) e inscrevendo-se
numa circunscrição (demo) entrava, após a realização de uma cerimônia, na vida
de cidadão prestando depois dois anos de serviço militar (CAMBI, 1999, p. 84).
Na consolidação da democracia de Atenas, a afirmação de uma educação
voltada à formação de cidadãos aptos à vida pública revela-se como preocupação
central. O emprego da palavra como instrumento de ação política ressalta a neces-
sidade de bons oradores, que saibam argumentar em público; os quais os sofistas
se encarregariam de formar.
Mestres em retórica, iam de cidade em cidade, fazendo conferência sobre
diversos assuntos, sendo pagos para isso. Dedicando-se aos grupos sociais emer-
gentes, criticavam a moral tradicional – para Trasímaco, “a Justiça é simplesmen-
te o interesse do mais forte” – , tendo alguns de seus seguidores desenvolvido
teo­rias a respeito da legitimidade ou não da existência do Estado. Os princípios
democráticos por eles defendidos entrechocavam-se com as idéias reacionárias da
aristocracia territorial.
Os sofistas (literalmente, “sábios”) estudando as relações entre a Natureza e
a sociedade, deram um grande impulso à ciência e à Filosofia.
Nem vilões, nem heróis, homens de seu tempo, o que os sofistas fazem é tentar acumular
conhecimentos e técnicas sobre as mais variadas atividades humanas, que se diversificam
cada vez mais, mesmo que isso signifique ser superficial. (VALVERDE, 1987, p. 46).
Os sofistas, portanto, indicam uma dupla virada na cultura grega: uma atenção quase
exclusiva para o homem e seus problemas, como também para suas técnicas, a partir do
14
A Educação na Antigüidade Clássica

discurso; além da cultura tradicional, naturalista e religiosa, cosmológica, que é submeti-


da a uma dura crítica. (CAMBI, 1999, p. 85).

E “a transmissão dessa cultura” torna-se “a tarefa fundamental da atividade


educativa”. (VEGETTI apud CAMBI, 1999, p. 86).
No entanto, Platão, Aristófanes dedicaram-lhes ferozes críticas, “tanto que os
sofistas nem são tidos como filósofos, e atualmente a palavra ‘sofista’ virou sinôni-
mo de ‘demagogo’, e ‘sofisma’, de falso argumento”3. (VALVERDE, 1987, p. 46).
Sobre o universalismo da cultura grega e sua influência, poderíamos con-
cluir com Isócrates:
De tal modo a nossa cidade se distanciou dos outros homens, no que toca ao pensamento
e à palavra, que os seus alunos se tornaram mestres dos outros, e o nome de Gregos já
não parece ser usado para designar uma raça, mas uma mentalidade, e chamam-se Helenos
mais os que participam da nossa cultura do que os que ascendem a uma origem. (AQUINO
et al., 1985, p. 215).

Mas o esplendor da hegemonia ateniense teria um alto preço: o crescimento


da rivalidade com Esparta vai culminar, em 431 a.C., com a Guerra do Pelopone-
so. O regime democrático que já se encontrava debilitado por intrigas, conspira-
ções e corrupção, cede com a capitulação de Atenas, em 404 a.C., ao governo dos
chamados “Trinta Tiranos”.
Com as rivalidades entre os Estados gregos, os divisionismos políticos in-
ternos da Grécia possibilitaram no século IV a.C., que o exército de Felipe II, rei
da Macedônia, ao derrotar as forças aliadas de Tebas e Atenas, impusesse unidade
à Grécia submetendo-a ao seu domínio.
A Macedônia iniciou na época de Felipe II um movimento de expansão
rumo à Ásia. A partir de 336 a.C., com o assassinato de Felipe II, seu filho Ale-
xandre deu prosseguimento ao movimento expansionista derrotando os persas na
Ásia Menor, em 334 a.C., conquistando as cidades gregas aí localizadas. Em 333
a.C., novamente vence os persas conquistando a Fenícia e a Palestina.
No Egito, Alexandre empreendeu a fundação da cidade de Alexandria, no
delta do rio Nilo, que logo se projetaria como importante centro comercial além
de tornar-se pólo irradiador de cultura com suas construções públicas, palácios,
templos, museus e sua monumental biblioteca.
Estabelecendo sua capital na Babilônia, a Macedônia constituiu-se, a partir
de Alexandre, como núcleo de um vasto Império que somente seria superado em
extensão pelo Império Romano, séculos mais tarde.
Alexandre desenvolveu com os povos conquistados uma hábil política de
relacionamento, apresentando-se como libertador dos mesmos, antes submetidos
aos persas. As instituições políticas e religiosas foram respeitadas, sendo inclusive
os jovens persas, educados no idioma, nos costumes e nas técnicas militares dos
gregos e incorporados ao exército grego-macedônico.
A cultura grega foi amplamente difundida, tendo como centros as cidades
fundadas ou conquistadas no decorrer das campanhas militares (Alexandria, Pér- 3 Na história do pensa-
mento, raros pensadores
devem ter sido tão odiados
gamo). A fusão entre elementos culturais gregos e orientais deu origem a uma como os sofistas.

15
A Educação na Antigüidade Clássica

nova cultura, que caracterizaria daí por diante, as regiões do Império de Alexan-
dre – a cultura helenística”. (AQUINO et al., 1985, p. 260).
Apesar da presença desses elementos, a cultura helenística foi profunda-
mente original e marcante; muito mais do que uma simples transposição da tradi-
ção grega para um cenário mais amplo.
Assim como outros povos se adaptaram aos valores helênicos, passando
a adotar a língua, a arte e o pensamento gregos, a própria cultura grega sofreu
modificações. Isso implicou numa grande virada na compreensão que os gregos
tinham de si mesmos. Na medida em que a pólis sucumbiu ao Império, a condição
de cidadão referida basicamente ao homem grego, perdeu seu fundamento; agora
todos – gregos e “bárbaros”–, igualam-se na condição de súditos.
Do mesmo modo, a cultura helenística não é mais grega ou ‘bárbara’: prevalecem os valo-
res gregos, mas já mesclados com as mais diversas tradições e culturas à sua volta – é uma
cultura cosmopolita” [...], “não mais de uma pólis, mas da cosmópolis, a cidade universal.
(AQUINO et al., 1985, p. 102).

Todos os campos das humanidades sofreram influências.


A religião politeísta tolerante em relação aos demais cultos viu novas prá-
ticas mágico-religiosas serem introduzidas, produto da mistura dos cultos gregos
com os orientais. O Teatro – com a Nova Comédia –, as Artes Plásticas, a Arqui-
tetura e a Escultura deixaram registros significativos.
Porém, as maiores realizações intelectuais ocorreram no campo das ­Ciências:
a Filosofia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia, a Botânica e a Zoologia ob-
tiveram significativos avanços.
O Império macedônico, todavia, não resistiu à morte de Alexandre, em 323
a.C. Mas suas notáveis realizações foram duradouras e desempenharam impor-
tante papel no progresso das sociedades posteriores.

16
Roma

Entrando pela história

E
ntre os séculos IX e VIII a.C., a Itália primitiva encontrava-se dividida em vários territórios
ocupados por povos de origens diversas. Latinos, sabinos, équos, dentre outros, que possuíam
diferentes níveis de vida material e cultural.
Os etruscos, de origem controvertida, fixados na fértil planície da Etrúria provavelmente desde
o século IX a.C., iniciaram no século VIII a.C. um movimento de expansão ao sul, resultando no
domínio sobre Roma.
Desde o século VIII a.C., havia povoações latinas espalhadas nas colinas da margem esquerda
do rio Tibre, as maiores situadas no Palatino e no Esquilino. Roma se constituiu da junção dessas
povoações em uma única comunidade. Embora resultante de um longo processo de expansão e fusão
dessas cidades, alguns historiadores, confirmando a tradição, aceitam o ano de 753 a.C. como ano de
fundação de Roma.
A tradição romana que nos chega através da obra de Tito Lívio – historiador romano do século I a.C. – narra a fun-
dação como tendo sido realizada por um par de gêmeos, Rômulo e Remo. Pela descrição de Tito Lívio, verifica-se
que a fundação da cidade obedeceu a ritos etruscos: tomada dos auspícios (meio de conhecer a vontade dos deu-
ses), traçado dos limites sagrados da cidade, com arado, por exemplo. Por essas e outras razões os historiadores
afirmam ter sido a fundação de Roma obra dos etruscos. (AQUINO et al., 1985, p. 227).

O “caráter agrário de toda a civilização arcaica de Roma”, era marcado até então, por uma forte
cultura “tradicionalista, pelo intercâmbio de mercadorias agrícolas, pela constituição de latifúndios,
por um estilo de vida frugal e por uma religiosidade ligada à terra, às estações do ano, à produção
agrícola”. (CAMBI, 1999, p. 104).

Educando à romana
Em seu arcaico modelo cultural, o centro da vida social era ocupado pela família. Nesta, os
elementos constituintes, denominados patrícios, submetiam-se à autoridade absoluta do pai (pater
familias) o qual possuía plenos poderes, inclusive “de vida e de morte” sobre os filhos, podendo
reconhecê-los ou rejeitá-los, governá-los inclusive na plena maturidade e ao qual se deve, ao mesmo
tempo, uma atitude de reverência e temor. (CAMBI, 1999, p. 104).
Neste modelo, a tradição – “o espírito, os costumes, a disciplina dos pais” – ocupava papel cen-
tral. As relações sociais típicas de uma sociedade agrícola atrasada, enfatizavam as virtudes públicas
e privadas: “a frugalidade, o sacrifício, a dedicação à coisa pública, o desinteresse, o heroísmo”, como
“exemplares ao jovem romano e ao cidadão em geral” (CAMBI, 1999, p. 104), situando-se entre os
objetivos primários da educação arcaica romana.
Na Roma etrusca, no entanto, apenas os patrícios (cujo nome deriva de pater) detentores do po-
der econômico e militar, eram contemplados na sua plenitude; os plebeus, embora homens livres e que
compunham a maioria da população, não participavam das decisões políticas, assim como os clientes
Roma

(geralmente estrangeiros sob proteção jurídica de uma família patrícia). O escravo


considerado como coisa, era objeto de propriedade de um patrício.
A organização social, no entanto, já no período da realeza (753-509 a.C.) pas-
sava por um profundo processo de mudanças. A antiga forma gentílica de associa-
ção foi desintegrando-se em famílias restritas, acompanhando o desenvolvimento
da economia, a evolução política e a expansão territorial.
As transformações operadas nos modelos éticos-civis passaram a incorpo-
rar as demandas das camadas subalternas, em constante ebulição.
Esse é o caso das primeiras leis escritas, em 450 a.C., conhecidas como Lei
das Doze Tábuas. Antes do período republicano, os antigos códigos de conduta
pautavam-se nos costumes baseados nos preceitos religiosos, cujo monopólio do
conhecimento e interpretação estava nas mãos dos patrícios. As primeiras leis
escritas, gravadas sobre doze tábuas de bronze e fixadas no fórum para conhe-
cimento de toda a população, passaram a abranger “o direito civil, o privado, o
penal e aspectos do direito público, e que de modo geral equiparava juridicamente
os plebeus aos patrícios”. (AQUINO et al., 1985, p. 139).
Segundo Cícero, “o texto-base de educação romana foi por muito e muito tem-
po o das Doze Tábuas” que “fixavam a dignidade, a coragem, a firmeza como valo-
res máximos, ao lado, porém, da pietas e da parcimônia”. (CAMBI, 1999, p. 105).
A educação romana, sobretudo na época arcaica, era investida de um
caráter prático, familiar e civil, destinada a formar em particular o civis romanus, superior
aos outros povos [...], formado antes de tudo em família pelo papel central do pai, mas
também da mãe, por sua vez menos submissa e menos marginal na vida da família em
comparação à Grécia. (CAMBI, 1999, p. 106).
A mãe romana foi educatrix de seus filhos no sentido mais amplo da palavra, que abarca
campos semânticos indicando tomar conta de alguém nas suas exigências tanto mate-
riais como espirituais: da nutrição à criação, da instrução, ao sustento; em suma, de seu
­crescimento físico e moral. (FRASCA apud CAMBI, 1999, p. 106).

Diferente, entretanto, é o papel do pai, cuja autoridade destinada a formar


o futuro cidadão, é colocada no centro da vida familiar e por ele exercida com
dureza, abarcando cada aspecto da vida do filho (desde a moral até os estudos, as
letras, a vida social), usando inclusive o “porrete”. A educação para as mulheres
era direcionada no intuito de preparar-lhes para exercerem seu papel de esposas
e mães,
mesmo se depois, gradativamente, a mulher tenha conquistado maior autonomia na so-
ciedade romana. O ideal romano de mulher, fiel e operosa, atribui a ela, porém, um papel
familiar e educativo que não tem nada de marginal.
Marginais, pelo contrário, são as crianças, totalmente fechadas no âmbito da vida fami-
liar, sujeitas a doenças e à morte precoce, às vezes mimadas e cuidadas, em geral, porém,
brutalizadas e violentadas, submetidas ao duplo regime do “medo do pai” e da orientação
ética da mãe, além da vigilância dos pedagogos e do autoritarismo dos mestres. (...) as
crianças romanas, através de sua educação familiar, entram em contato com os valores e
os princípios da vida civil, incorporando-os como valores comuns e modelos de compor-
tamentos. (CAMBI, 1999, p. 106).

A introdução dos filhos nos meandros da vida civil se dava pelo acompa-
nhamento dos pais nos tribunais e até nas sessões do Senado; ao completarem 16
18
Roma

ou 17 anos, “o jovem abandonava a toga pretexta para adotar a toga viril. Então
entrava no exército e na vida pública” (AQUINO et al., 1985, p. 60), não sem an-
tes ter passado um ano, geralmente acompanhado de um político experiente, na
aprendizagem da vida pública.
A educação romana primitiva caracterizava-se por um “espírito de sobrie-
dade e austeridade, operosidade e disciplina” em cujo conteúdo tinha um duplo
aspecto: “de um lado, a educação física, com caráter pré-militar mais que espor-
tivo e, de outro, a educação jurídico-moral, baseada na Lei das Doze Tábuas”.
(AQUINO et al., 1985).
Sempre ameaçada por povos vizinhos, a partir do século IV a.C., a política
romana tornou-se mais agressiva, levando Roma às guerras de conquista. A ex-
pansão romana pelo Mediterrâneo até alcançar seu domínio completo, culminou
num vasto Império que no seu auge, nos séculos I e II d.C., abrangeria a quase
totalidade de Europa ocidental, o norte da África e a Ásia Menor.
Dessas conquistas, no entanto, decorreriam importantes mudanças na po-
lítica interna de Roma. O controle de todo o Império impunha uma melhor pre-
paração dos quadros burocráticos, ao lado de uma maior centralização do poder,
necessária também para conter as contínuas conspirações e agitações aguçadas
em decorrência da acentuada divisão entre a minoria economicamente poderosa e
a massa proletária cada vez mais empobrecida, porém politicamente mais forte.
Como conseqüência da riqueza excessiva de alguns e da pobreza e miséria de muitos, ins-
talaram-se o luxo e o desregramento dos costumes nas famílias aristocráticas e nas dos Ca-
valeiros, enquanto que a massa da população, aglomerada em grandes habitações coletivas,
convivia com a promiscuidade, as doenças e a ignorância. (AQUINO et al., 1985, p. 237).

As transformações socioeconômicas operadas produziram mudanças nos


costumes da população, notadamente nas cidades. “As antigas formas de vida
foram dando lugar a novos hábitos e à dissolução dos antigos costumes”, a despei-
to de inúmeras manifestações, como a do Censor Catão, opondo-se “à crescente
influência da cultura grega na sociedade romana”. (AQUINO et al., 1985).

A educação grega revisitada


A influência da cultura helênica foi marcante nesse período, principalmente
a partir do século II a.C., quando Roma anexou a Grécia e a Macedônia. “O co-
nhecimento do idioma grego tornou-se necessário ao comércio e também símbolo
de prestígio social: as famílias aristocráticas encarregavam preceptores gregos
(geralmente escravos) da educação de seus filhos”. (AQUINO et al., 1985).
Reflexo dessa influência é o desenvolvimento ou fundação de escolas, ain-
da que em caráter particular. As raras existentes eram muito elementares; sendo
que a assimilação do universo cultural helênico estimulou a sua proliferação. A
princípio havia duas classes de escolas: uma que ensinava em grego, outra em que
predominava o latim. Em ambas estruturou-se três graus que mais tarde se torna-
riam clássicos no ensino: elementar, médio e superior.

19
Roma

Freqüentadas por meninos e meninas, logo mista a partir dos sete anos, a es-
cola primária “tinha um programa muito elementar, consistente em leitura, escrita
e cálculo, com algumas canções, disciplina muito rigorosa e freqüentes castigos
físicos”. (LUZURIAGA, 2001, p. 61).
Na escola secundária foi onde mais se fez sentir a influência da cultura gre-
ga. Estudava-se gramática latina e grega, com base nos clássicos e nos poemas
de Homero; igualmente estudava-se retórica, oratória e matemática. A música e a
ginástica recebiam pouca atenção, ao contrário dos estudos jurídico-políticos. Os
alunos começavam a freqüentá-la com 12 anos, permanecendo até os 16. Nesta
fase, meninos e meninas se separam. Elas, se pertencerem a uma família abasta-
da, passam a aprender com preceptores, eles continuam na escola. Vale lembrar
que uma menina aos 14 anos já era considerada adulta. (VEYNE, 1991).
Como salienta Veyne, os meninos não estudavam para se tornar bons cida-
dãos, nem para adquirir algum ofício. “Em Roma não se ensinava matérias forma-
doras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica”. (VEYNE,
1991, p. 33).
No terceiro grau escolar, uma espécie de escola de direito destinada à
minoria governante, ao lado do estudo jurídico-político cultivava-se a retórica,
especial­mente a oratória inspirada na filosofia grega.
A educação romana, na época imperial, difere da anterior mais pela or-
ganização que pelo conteúdo, ao ultrapassar os limites da educação particular e
alcançar a esfera da educação pública.
A criação de escolas municipais no século I a.C., demarca essa transfor-
mação, com o Estado intervindo com subvenções e certa inspeção; mais tarde,
arvora-se como legislador e diretor do processo.
A determinação em ampliar as oportunidades de acesso por meio de au-
mento do número de escolas fez com que os imperadores estimulassem as munici-
palidades a criarem escolas públicas, não só em Roma, mas em todo o Império.
À permanente necessidade do Império de funcionários com formação su-
perior, adicionou-se a preocupação com a universalização da cultura romana, em
particular da língua latina e do direito romano. A escola seria o principal veículo
a suportar essas importantes funções, transformando-se em um instrumento es-
sencial da romanização do mundo. (GIARDINA, 1994).
Ainda que os teóricos da educação romana não alcançassem a proeminência
atingida pelos educadores gregos, a contribuição de seus principais pensadores,
entre eles: Catão (234-149 a.C.); Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.); Marco Túlio
Cícero (106-43 a.C.); Marco Fábio Quintiliano (35-96 d.C.); Sêneca (4 a.C. - 65);
Plutarco (46 -119 d.C), seria projetada na futura escola ocidental.
E é na Antiguidade Clássica, nas culturas grega e romana que estão fincadas
as raízes da pedagogia ocidental.

20
Sob as asas dos ensinamentos
cristãos: a Educação
na Idade Média

P
ara o medievalista Jacques Le Goff, a longa Idade Média
é o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas campo-
nesas tradicionais, no entanto, viva pelo que criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Criou a
cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro e o garfo, o vestuário,
a pessoa, a consciência e finalmente a revolução. (Le Goff, 1993, p. 12).

Tempo de grande impulso criador, cortado por crises, graduado por deslocações no espaço e no
tempo, escreve o historiador.
E ele tem o cuidado de salientar: não se trata de contrapor a modernidade como se fosse uma
lenda dourada à lenda negra medieval. E sim considerar a longa Idade Média em todos os aspectos que
compõem esse sistema, que funciona desde o Baixo Império Romano até a Revolução Industrial dos
séculos XVIII e XIX.
Aí deve ser buscada a nossa modernidade para entender as transformações que são o fundamento
da história como ciência e experiência vivida. E esse domínio do passado, detido pelos historiadores, é
tão indispensável aos contemporâneos quanto a física e a biologia quando dominam a matéria e a vida.
(Le Goff, 1993).
A Educação, como outros aspectos da vida na sociedade medieval, foi marcada pelos princípios
do cristianismo, porém um cristianismo que foi sendo reatualizado de diferentes formas ao correr da
longa Idade Média. Contemplaremos neste texto a educação do povo, tendo como recorte o período
que se estende do século V ao início dos anos mil e a partir daí abordaremos a criação da universidade
e a formação nas corporações de ofício.

Como se educava o povo?


“Como já ocorria no mundo antigo e como havia sido teorizado por Platão em A República, a edu-
cação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho”, afirma Cambi (1999, p. 166). A criança já co-
meçava aprender na oficina: sob a direção do mestre, copiando e reproduzindo seu saber, submetendo-se
à sua autoridade. “A Educação que se realizava no local de trabalho era uma Educação da reprodução,
das capacidades técnicas, das classes e das relações sociais, sem valorizar realmente a inovação”.
Além do tempo do trabalho, no tempo do lazer também se ensinava. Os sermões eram memo-
ráveis e complementavam as leituras litúrgicas da missa. Enquanto o bispo falava do púlpito, a pa-
lavra ouvida tinha a função de prover a “abertura da alma” para a grandiosidade, tanto arquitetônica
e plástica como da inteligência e da palavra. Mais pastoral do que retórico, o discurso apoiava-se
na sensibilidade e na memória da Bíblia, alimentando a inteligência, a conduta, a moral e a vida
interior dos fiéis. (Lauand, 1998).
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

Poucas pessoas liam, logo a memória era tudo: sermões mais lembravam verda-
des já sabidas do que transmitiam novos conhecimentos, seguindo a missão de educa-
dora do povo, tomada pela Igreja desde o fim da Antiguidade. Imbuída como a grande
escola de formação humana e moral, os pregadores, dentre eles Agostinho, realizavam
seus sermões atuando “sobre o ouvinte como os slogans da publicidade, com a dife-
rença de que eram espontaneamente procurados pelo destinatário, não em busca do
fútil consumo, mas da transcendência”. (Lauand, 1998, p. 13).
Havia ainda as festas religiosas que adentravam o imaginário popular atra-
vés de símbolos e signos que ao mesmo tempo em que exaltavam figuras e com-
portamentos, também geravam temores e expectativas. (Cambi, 1999).
Lembremos que por volta do ano Mil, portanto na primeira fase da Idade Mé-
dia, houve quase que um total desaparecimento das escolas públicas na Antiguidade
romana. Os mosteiros passaram a monopolizar a educação. Ensinando as Sete Artes
Liberais divididas em Trivium (gramática, retórica e lógica) e Quadrivium (aritmé-
tica, geometria, astronomia e música) somente propunham-se a preparar clérigos
para o ingresso na carreira eclesiástica, privilégio de poucos naquele período.
A educação medieval desenvolve-se em comunhão com a Igreja e suas ins-
tituições, à exceção do ensino direto dos ofícios; são elas as educadoras por ex-
celência. “Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação,
organizam-se as instituições e programam-se as intervenções, como também nela
se discutem tanto as práticas como os modelos. Práticas e modelos para o povo,
práticas e modelos para as classes altas [...]”. (Cambi, 1999, p. 146).
A própria escola tal qual a conhecemos hoje é um legado da Idade Média. A
figura do professor que ensina a um determinado número de alunos, respondendo
por sua atividade, seja disciplinar ou de avaliação, tem sua origem nas escolas-
catedrais e nas universidades (Cambi, 1999). É também no período medieval que
nossas modernas universidades fincam suas raízes.
A partir dos séculos XII e XIII, as universidades começam a tomar corpo
tanto por meio de comunidades de alunos, como as de professores, ou ainda, por
intervenção do poder público.

Dos colégios às universidades


A historiografia francesa e italiana não tem dúvidas no que tange aos co-
meços da universidade: os colégios teriam sido a semente inicial. Claro que não
­seriam quaisquer colégios e sim aqueles em funcionamento permanente junto às
grandes catedrais: as denominadas escolas-catedrais.
1 As escolas monásticas
foram criadas a partir Da passagem de escolas-catedrais à universidades, o tempo e as necessida-
do século VI, escolhendo
crianças e exigindo dos clé­
des se encarregariam.
rigos certos conhecimentos.
Dotadas de biblio­teca e ateliê Trabalhando como escolas ativas, haviam sido criadas para formar clérigos
de cópias de manuscritos. En-
fatizavam o apren­di­zado da instruídos já que as escolas monásticas1 encontravam-se em declínio. As primei-
gramá­tica (latim) que capaci-
tava para o aprendizado das
ras funcionaram nas cidades de Orléans, Paris, Chartres, entre outras.
Escrituras, além do canto e do
cálculo. (VERGER, 2001). E o que se aprendia nestas escolas?

22
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

Artes liberais, compostas pelo ensino de gramática, retórica, geometria, ló-


gica aritmética, música e astronomia, além de instruções acerca da Sagrada Escri-
tura. (CHARLE; VERGER, 1996).
Muitos dos clérigos formados tornavam-se professores, passando muitas
vezes a atuar nessas escolas. Havia, por exemplo, egressos das escolas-catedrais
ministrando aulas extramuros na cidade de Paris, às margens do Rio Sena. Em
função do prestígio que ultimavam conquistar, logravam aglutinar alunos para
suas aulas, proliferando escolas particulares que passavam a funcionar por meio
da licentia docendi – autorização de ensino conferida pela Igreja católica, por ser
dela o monopólio do ensino escolar. Houve mestres que se tornaram preceptores;
outros se ligaram às autoridades de cidades e burgos. (VERGER, 2001).
Vários professores de “bom nome”, agrupados em escolas particulares, firma-
ram contratos com alunos fundando universidades que passaram a atuar autonoma-
mente, sob o crivo da Igreja. (CHARLE; VERGER, 1996; VERGER, 2001).
Em Paris, mestres de Artes Liberais passaram a se associar nas primeiras déca-
das do século XIII, constituindo as faculdades de Teologia e Direito, exemplo seguido
em Oxford e depois em Cambridge. Em Montpellier, mestres associados fundam tan-
to a Faculdade de Medicina quanto de Direito. (CHARLE; VERGER, 1996).
O mesmo ocorreu nas regiões mais distantes, a exemplo daquelas locali-
zadas além dos Alpes, onde muitos professores passaram a ser contratados por
comunidades de alunos agrupados de acordo com sua nacionalidade (ingleses,
alemães etc). (CHARLE; VERGER, 1996).
A Faculdade de Direito localizada ao norte da Itália, na cidade de Bologna,
e a de Medicina em Salerno, ao sul, foram criadas dessa forma.
Essas comunidades de alunos formaram universidades juramentadas, esta-
belecendo seus estatutos, elegendo seus representantes, criando formas de auxílio
mútuo e regulamentando o exercício autônomo. (CHARLE; VERGER, 1996).
Claro que tal avanço só foi possível pelas migrações que se processavam e pelo
franco progresso urbano daquele período favorecendo a vida associativa com novas
oportunidades de emprego, moradia e circulação de moedas. (VERGER, 2001).
Nos séculos XIV e XV, as universidades continuavam a expandir-se pas-
sando a ser fundadas por soberanos de vários reinados. No século XIII haviam
sido criadas as universidades da Península Ibérica (Portugal, Aragão e Castela) e
no século XIV as alemãs. Neste período dissemina-se a idéia de que uma univer-
sidade deveria congregar quatro faculdades: Artes Liberais; Medicina; Direito e
Teologia. (CHARLE; VERGER, 1996).
Os sistemas pedagógicos eram então diferenciados, porém o método de es-
tudo baseava-se na escolástica, a escola urbana ancorada na filosofia cristã. A es-
colástica pretendia possibilitar ao homem o entendimento das verdades reveladas.
Logo não se tratava de encontrar a verdade, pois ela já fora revelada por Deus.
Cabia entendê-la, conciliando fé e razão. (VERGER, 2001).
Com a onda de traduções das obras de Aristóteles, Avicena e Averroés ex-
pandiam-se os textos estudados para além daqueles de Lógica.

23
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

A universidade oferecia saberes que elaborados na Antiguidade co-


briam o domínio da cultura erudita. As Artes Liberais constituíam as dis-
ciplinas propedêuticas que logo seriam as bases de formação de qualquer
faculdade. Dividiam-se em:
a) Trivium no qual se estudava a gramática, a retórica e a dialética, compon-
do a arte da palavra e do signo;
b) Quadrivium formado pelos conhecimentos da aritmética, geometria, as-
tronomia e música o qual tratava das artes, das coisas e dos números.
(CHARLE; VERGER, 1996).
Como se pensava determinado assunto?
1. Leis da linguagem: é o sentido da palavra que elabora o raciocínio.
2. Domínio dos instrumentos: constroem o pensamento.
3. Leis da demonstração: são possíveis pela dialética (recorre a argumen-
tos contrários).
4. Leis da autoridade: conformados pelas fontes cristãs como a Bíblia e os
próprios padres da Igreja.
5. Leis da razão: proporcionam a compreensão mais profunda de todas
as coisas.
6. Leis do pensamento clássico: Platão e Aristóteles.
O método poderia ser aplicado de duas formas: lectio – leitura, comentário e
análise do texto e disputato consistia no debate e em proposições. (Le Goff, 1995).

Por que ir à universidade?


As universidades eram centros de formação profissional.
Muitos alunos procuravam-nas movidos pelo simples desejo de saber. Cerca
de 5% da nobreza ali buscava conhecimento. Havia também a aspiração por uma
carreira honorífica ou lucrativa, além da possibilidade de ascender socialmente.
Filhos dos artesãos e comerciantes que haviam enriquecido buscavam esse reco-
nhecimento social e intelectual. Ademais não se pode perder o caráter de corpo
prestigiante, na acepção de Le Goff (1993), atribuído às universidades, como for-
madoras de uma aristocracia intelectual.
Não convém esquecer que o período de formação e desenvolvimento das
universidades correspondeu ao período de crescimento, tecnicização e especiali-
zação dos ofícios públicos, quando então dispor desses formandos na constituição
dos quadros administrativos revelou-se promissor. (Le Goff, 1993).
Além disso, por meio das faculdades era possível desenvolver diversas ações
de cunho social. As Faculdades de Medicina, por exemplo, exerceram importante
papel quando se fez necessário resolver questões de salubridade e saúde pública.
Colocadas pelo crescimento das cidades, regras de higiene urbana foram deman-
dadas. Houve também surtos epidêmicos que precisaram ser combatidos, princi-

24
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

palmente após a grande peste, cuja responsabilidade e ação eram competência das
autoridades públicas. (Le Goff, 1993).
“Fazer uma universidade” tinha então dois aspectos: por um lado agregava
prestígio intelectual, por outro proporcionava uma formação utilitária que se rea-
lizaria no trabalho do futuro profissional formado.
Além disso, as universidades sempre mantiveram estreitos laços com os po-
deres públicos, o que abria a possibilidade de acesso aos mesmos. No decorrer do
Renascimento chegaram mesmo a andar a reboque destes, formando castas nas
quais prevalecia o nepotismo e a submissão jurídica e econômica. Manteve tam-
bém estreitos vínculos com a Igreja, pois os interesses de ambos convergiam e
como manifesta Le Goff (1993), muitos funcionários públicos são eclesiásticos e
os interesses da Igreja estão em consonância com os dos Estados.
Somente na Revolução Industrial, as universidades tornar-se-iam centros
de uma nova intelectualidade, pondo em causa os poderes públicos e obedecendo
somente quando estivessem em causa princípios e ideais que transcendessem os
interesses do Estado.

A formação dos ofícios


Já nas corporações de ofício, trabalho e aprendizagem encontram-se imbri-
cados. Os aprendizes eram assumidos pelos mestres, sendo que o número daque-
les que eram instruídos variava em função do ofício. Diferentemente do que hoje
chamamos escola do trabalho não havia uma escola, mas um lugar de trabalho no
qual se aprendia. Aos aprendizes não destinavam-se tarefas de produção separa-
das daquelas da aprendizagem.
Para iniciarem seu aprendizado, os pretendentes faziam um exame que
apontava suas qualidades morais e os avalizava para ingressarem no treinamento.
O tempo de preparação do aprendiz variava de quatro a dez anos. No trabalho
adquiria-se habilidades da arte e os conhecimentos necessários para o seu exercí-
cio, estabelecendo-se uma relação educativa. (Manacorda, 1989).
Embora os mestres cobrassem, nem sempre os aprendizes podiam pagá-los,
o que acabava redundando em estender o período do aprendizado. Os certificados
eram expedidos pelas corporações e de posse deles os recém-formados buscavam
junto à autoridade competente as credenciais que permitiria exercer o ofício. Ha-
via os regulamentos das artes e todos se empenhavam em trabalhar em conso-
nância com os usos e normas em vigor, não admitindo qualquer transgressão. O
segredo do fazer também era zelosamente guardado, principalmente em relação
aos ajudantes. (Manacorda, 1989).
Assim, as corporações de ofício eram muito fechadas, com leis, regras e
administrações próprias e o sistema de aprendizado era minuciosamente estrutu-
rado. Manacorda salienta que os documentos alusivos pouco revelam em relação
à formação do mestre, o que é compreensível. Se os segredos da arte deveriam ser
mantidos, como estampá-los em documentos?

25
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. Alemanha, 1986.

26
A modernidade educativa:
o humanismo

Histórias que cumpre contar1

O
período, compreendido no intervalo dos séculos XI e XIV, assistiu o
ressurgimento do comércio e das cidades. A intensificação dos conta-
tos entre o Ocidente e o Oriente proporcionado primeiro pelas Cruza-
das, depois pela instalação de feitorias comerciais permanentes, garantiam um
fluxo contínuo de produtos, especiarias e sobretudo de um estilo de vida novo
na Europa.
As grandes cidades (burgos), tornadas centros de produção artesanal e co-
mercial, criadas e desenvolvidas pelo estabelecimento desse eixo comercial, foram
favorecidas pelo crescimento demográfico e pelo aumento da produção de alimen-
tos nos campos europeus, decorrente da introdução de novas técnicas agrícolas.
A predominância das cidades sobre os campos, a superação das trocas na-
turais pela economia de base monetária e a dinâmica do comércio promoveram
mudanças e uma ruptura nas corporações de ofício medievais e, principalmente,
projetaram e fortaleceram uma nova camada – a burguesia – ávida pelo poder
político e prestígio social, correspondentes à sua opulência material.
No entanto, a conjugação de diversos fatores estruturais internos associados
àquelas condições, progressivamente, abalaram os sustentáculos feudais, prenun-
ciando seu final.
No século XIV eclode grave crise, acarretando drásticas transformações.
Dentre as causas apontadas pelos historiadores como sendo as principais respon-
sáveis, encontramos: a peste negra, que dizimou entre um terço e metade da popu-
lação européia; a Guerra dos Cem Anos (1346-1450) deflagrada entre os soberanos
da França e da Inglaterra, que ampliou o funesto quadro; e, as revoltas populares
provocadas pela desorganização da produção e disseminação da fome nos campos
e cidades, decorrentes dessa mortalidade.
Além disso, o declínio demográfico viria sobrecarregar os camponeses re-
manescentes, os quais teriam sua jornada de trabalho e seus impostos aumentados
pelos senhores feudais, que não queriam ter seus rendimentos diminuídos. Era
contra essa superexploração que os trabalhadores se revoltavam.
A busca de uma fórmula para se produzir mais encontrou a saída preferen­ 1 Essa síntese histórica foi
produzida a partir dos
livros: O renasci­mento; His-
temente na adoção do trabalho assalariado, ou seja, através do arrendamento os tória das sociedades; ­His­tória
do pensamento e Histó­r ia da
servos seriam liberados para venderem os excedentes no mercado das cidades. pedagogia, p­ rincipalmente.
A modernidade educativa: o humanismo

Estimulados pela perspectiva de aumento de seus rendimentos, os arren-


datários incrementaram as técnicas e aumentaram a produção; por outro lado,
ao passar a predominar as atividades agrocomerciais sobre as culturas de sub-
sistência, a necessidade de áreas de cultivo maiores suscitou o aparecimento de
reivindicações de propriedade exclusiva e privada de terras. Tudo concorria para
a dissolução do sistema feudal de produção.
No desenrolar desses acontecimentos, as estruturas social e política sofre-
ram profundas modificações. Os senhores feudais dispendendo recursos para fa-
zer frente às despesas da longa guerra e aos custos aumentados da produção,
endividavam-se frente aos capitalistas burgueses, e com freqüência viam-se obri-
gados a desfazerem-se de partes de suas propriedades. Se por um lado a nobreza
depauperava-se e enfraquecia-se, o oposto ocorria com a classe burguesa.
O comércio, outro componente importante desse processo agora já fortale-
cido, à procura de menores preços do transporte de mercadorias, estimularia e se
beneficiaria da procura de novas rotas marítimas, que com as descobertas de no-
vas terras veria o Atlântico transformar-se no cenário principal, deslocando para
um segundo plano o Mar Mediterrâneo.
As cidades surgidas como centros comerciais nessas novas rotas, entre elas
Sevilha, Lisboa, Londres, foram acompanhadas por cidades como Lion, na Fran-
ça, Antuérpia em Flandres e Augsburg na Alemanha, frutos de uma maior inte-
gração do transporte marítimo com o terrestre.
O campo político no qual os conflitos de interesses invariavelmente afloram
com muita intensidade, não ficaria imune a essas transformações.
O fortalecimento das monarquias locais colocava às claras que uma nova
hegemonia política, social e cultural estruturava-se. A gestação do Estado moder-
no “interessado no domínio da sociedade civil e que exerce um domínio racional,
pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade ...”, configurou-se.
(CAMBI, 1999, p. 244).
A unificação política em torno da monarquia, vista como um recurso legí-
timo contra as arbitrariedades da nobreza, pressupunha também a instituição de
impostos, moedas, leis e normas, pesos e medidas, fronteiras e aduana. “A ruptura
dos antigos laços sociais de dependência social e das regras corporativas promo-
vem, portanto, a liberação do indivíduo e o empurram para a luta da concorrência
com os outros indivíduos, conforme as condições postas pelo Estado e pelo ca-
pitalismo. O sucesso ou fracasso nessa nova luta dependeria, segundo Maquiavel
– o introdutor da ciência política precisamente nesse momento – de quatro fatores
básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza. Para os pensadores renascentistas, os
humanistas, a educação seria o fator decisivo”. [...] O momento histórico coloca-
va em foco sobretudo a capacidade criativa da personalidade humana. (CAMBI,
1999; SEVCENKO, 1984, p. 10).

28
A modernidade educativa: o humanismo

O Renascimento na Educação
Todo esse complexo processo vem também tocar profundamente a educação
e a pedagogia, que são, por sua vez, radicalmente transformadas tanto no terreno
político e religioso como no ético e social. No âmbito político, o nascimento do
Estado moderno, “pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade
que se vê assim controlada em todas as suas manifestações, é que vem determinar
uma pedagogia política, típica do mundo moderno (melhor: típica e central, até
os dias de hoje) e uma educação articulada sob muitas formas e organizada em
muitos agentes (família, escola, associações, imprensa etc.), que convergem num
processo de envolvimento e conformação do indivíduo, de maneira cada vez mais
capilar”. (CAMBI, 1999, p. 244).
O despertar cultural que caracteriza o início do Renascimento é sobretudo
uma afirmação renovada do homem, dos valores humanos nos vários domínios:
desde as artes à vida diária. (GARIN, 1991). Nesse movimento colocava-se
aberta polêmica com a tradição medieval e escolástica, toda propensa a valorizar o papel
da transcendência religiosa e a colocar o indivíduo dentro de uma rígida escala social,
a nova civilização concebe o homem como ‘senhor do mundo’ e ponto de referência da
criação, ‘cópula do universo’ e ‘elo de conjunção do ser’. (CAMBI, 1999, p. 224).

Um homem que
não exclui Deus, mas que volta as costas aos ­ideais de ascese e da renúncia, pronto para
imergir no mundo histórico real com o intento de dominá-lo e nele expandir sua própria
humanidade. O homem da nova civilização, uma vez adquirida a consciência de poder ser
o artífice de sua própria história, quer viver intensamente a vida da cidade junto com seus
semelhantes; para isso mergulha na vida civil, engaja-se na política, no comércio e nas
artes exprimindo uma visão harmônica e equilibrada dos aspectos multiformes dentro dos
quais se desenvolve a atividade humana. (CAMBI, 1999, p. 224).

A Itália, por seu desenvolvimento econômico e posição geográfica privile-


giada, que lhe havia facilitado o domínio comercial no Mediterrâneo, é que mais
condições reúne para o desabrochar do Renascimento. Suas comunas evoluem
conformando-se em cidades-Estados, que embora formalmente democráticas, en-
contram-se sob o domínio de “poderosas famílias burguesas: os Visconti e, depois,
os Sforza, em Milão, e os Medici, em Florença, são os principais exemplos. Sua ri-
queza permite contratar sábios, filósofos, cientistas e artistas, ou, então patrocinar
a sua formação”, além de sua proximidade com Constantinopla transformá-la em
“abrigo natural de seus emigrados” recebendo através destes toda uma tradição
intelectual e cultural do Império do Oriente. (VALVERDE, 1987, p. 191).
Esses financiadores de uma nova cultura, burguesia, príncipes e monarcas, eram chama-
dos mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente a autopromoção,
mas também a propaganda e difusão de novos hábitos, valores e comportamentos. [...] As
atividades e os campos de reflexão que mais preocupavam os pensadores renascentistas
aparecem condensados nas artes plásticas: a filosofia, a religião, a história, a arte, a técni-
ca e a ciência. (SEVCENKO, 1984, p. 24).

29
A modernidade educativa: o humanismo

Nesse contexto histórico e social afirmado, primeiro na Itália e posterior-


mente no restante da Europa, baseado numa concepção nova de homem como
sujeito ativo, exige uma formação “polivalente” garantidora do “exercício de fun-
ções variadas na sociedade. [...] Tal formação se realiza através de um currículo
formativo baseado essencialmente na leitura dos clássicos gregos e latinos. O es-
tudo direto dos clássicos permite não só superar a utilização puramente grama-
tical e estilística que deles fez a cultura medieval, mas sobretudo descobrir uma
humanidade feita de valores universais elaborados e produzidos na Antigüidade.
[...] ainda que não desapareçam completamente as gramáticas e os compêndios de
inspiração escolástico-medieval”. (CAMBI, 1999, p. 225).
Todavia,
essa ação cultural não foi desenvolvida tanto pelas escolas como pela própria vida de
uma minoria cortesã e cidadã, e pela cultura que um escol garimpava de Grécia e Roma.
A massa do povo quedou à margem dessa influência, bem que não privada dela graças à
­contemplação dos espetáculos e obras de arte promovidos pelos príncipes e pelas cidades.
[...] A influência humanista foi naturalmente maior no ensino e cultura superior, em acade-
mias fundadas no estilo platônico e em ateneus docentes. (LUZURIAGA, 2001, p. 95).

Mesmo que de caráter eminentemente aristocrático, não se deve deixar de


sublinhar seus indiscutíveis méritos, ao “atribuir grande importância no plano
didático aos jogos e à educação física, no âmbito de uma revalorização, depois da
decidida negação medieval do mundo físico e natural, e mais ainda de descobrir
a infância, o valor da vida infantil, da sua especificidade e de assegurar-lhe um
lugar não-secundário no quadro do mais amplo contexto social” ... preparando
aquele “interesse psicológico” e aquela “preocupação moral” que estarão nos fun-
damentos da pedagogia moderna e contemporânea. (CAMBI, 1999, p. 226-7).
Costuma-se atribuir a Francesco Petrarca (1304-1374) a exposição da
concepção humanista sobre a formação do homem. Não escreveu sobre edu-
cação, mas sua Vida dos antigos, suas cartas e toda a sua obra poética nela
influíram grandemente.
Dentre outros importantes autores ligados à formação do homem renas­
centista, encontraremos Pier Paolo Vergerio (1370-1444). No seu tratado De in-
genuis moribus et liberalibus studis adulescentiae defende a importância da edu-
cação para uma vida de engenho e livre do ócio. “Desenvolve positivamente um
quadro de estudos liberais necessários a todos indistintamente, não só para aque-
les de nobres costumes, mas também ‘para aqueles de engenho medíocre, os quais
devem ser tanto mais ajudados quanto menor for a sua natural capacidade”’ ...
Também sobre o processo de aprendizagem, faz afirmações significativas inferin-
do que o mesmo “requer uma vida ordenada e metódica, além de uma distribuição
racional do tempo nas diversas ocupações, mas também quando requer a ligação
entre a educação intelectual e a física, de modo que ‘o corpo possa tolerar por
ser forte e obedecer com facilidade’ e ‘a mente possa discernir e racionalmente
comandar’”. (CAMBI, 1999, p. 230).
Vittorino da Feltre, lecionou gramática e matemática por vinte e dois anos
em Pádua, onde abriu a Casa Giocosa, ensinando filhos de príncipes, de nobres e
de gente humilde. “Foi, na realidade, a primeira escola nova da Europa, onde se

30
A modernidade educativa: o humanismo

ensinavam, em ambiente de liberdade, a cultura clássica e a fé cristã e se conside-


rava a vida integral dos alunos, com a música, os exercícios físicos, a poesia, as
ciências etc.”. (LUZURIAGA, 2001, p. 96).
Com Leon Battista Alberti (1404-1472), “o humanismo adquire uma dimen-
são menos ligada ao espírito do classicismo e mais alinhada com as exigências
práticas do tempo”. Em suas páginas “redescobre-se uma grande atenção pela
infância, quando ele censura aqueles que ‘batem e espancam’ as crianças, descar-
regando sobre elas seus desgostos e ressentimentos” [...] (CAMBI, 1999, p. 232).
Ressaltaria ainda: Erasmo (que será tratado no movimento da Reforma do
século XVI); Juan Luís Vives (1492-1540) cujo grande destaque pedagógico re-
sidiu na aplicação da psicologia à educação, no emprego da língua materna para
o aprendizado das línguas clássicas e na utilização do método indutivo no ensi-
no; Rabelais (1495-1553) atento observador da natureza a relaciona às ciências da
educação. Foi duro contestador da escolástica e suas críticas adquiriram corpo em
duas obras. Gargantua e Pantagruel satiricamente fazem a crítica dos formalismos
educativos herdados da Idade Média.
Não seria possível deixar de mencionar Montaigne (1532-1592), arguto crí-
tico de sua época, propõe a educação integral como a formação desejada: “Não
basta fortalecer só a alma, é preciso também endurecer os músculos” e formar o
juízo. “Entre os estudos liberais comecemos por aqueles que nos façam livres”. “O
fruto do nosso trabalho deve consistir em fazer o aluno melhor e mais prudente”.
(LUZURIAGA, 2001, p. 106-7).
Se muitos são os expoentes da studia humanitatis (estudos humanísti-
cos), Garin não deixa de garantir o título de humanistas também aos “pequenos
­mestres-escolas, os professores de Gramática e de Retórica. Foram esses mestres
que prepararam os jovens para os primeiros contatos com os clássicos, que subs-
tituíram finalmente os auctores octo medievais”. (1991, p. 15).

31
A modernidade educativa: o humanismo

32
Os inícios da
Pedagogia Moderna

O
século XVI marca os inícios da pedagogia tal como a conhecemos.
Pensado como tempo de importantes transformações caracterizadas
sobretudo pelo individualismo, já anotado com o advento da educação
humanista, pela secularização que se dissemina e pela constituição dos Estados
modernos, o Quinhentos revelou-se extremamente promissor.
Tempo de descobertas de mundos e homens novos, a educação e a pedago-
gia não ficariam imunes às transformações que se processavam.
Como revela Cambi (1999, p. 245), neste século tem início mudanças nas
técnicas educativas e escolares: “nasce uma sociedade disciplinar que exerce vi-
gilância sobre o indivíduo e tende a reprimi-lo/controlá-lo, inseri-lo cada vez mais
em sistemas de controle [...]; forma-se a escola moderna: instrutiva, planificada e
controlada em todas as suas ações, racionalizada nos seus processos”, que come-
çados aí, desenvolver-se-ão ao longo da Idade Moderna.

Escolas reformadas
A educação da Reforma insere-se no grande movimento humanista do Re-
nascimento – em sua vertente religiosa –, desencadeada a partir do cisma da Igreja
Católica, ocorrido no século XVI. Martinho Lutero, monge agostiniano inconfor-
mado com a venda de indulgências realizadas pelo alto clero, lança em 1517, suas
95 teses nas quais denuncia a corrupção que grassava nas hostes católicas e pro-
põe novo (re)direcionamento à Igreja de Roma no sentido de uma volta às origens.
Instado a retratar-se sob pena de excomunhão, Lutero afasta-se definitivamente
compondo o movimento de reforma religiosa.
O movimento de reforma religiosa e cultural, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem
importantes conseqüências na história da cultura européia, assume desde seus inícios um
importante significado educativo. Seja Lutero ou Melanchton, os dois maiores represen-
tantes da Alemanha reformada também no que diz respeito ao campo pedagógico, embora
com ênfases em partes diferentes, voltam sempre a enfrentar o problema educativo. Se de
fato a ‘Reforma’ põe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o cren-
te e as Escrituras e, por conseguinte, valoriza uma religiosidade interior e o princípio do
‘livre exame’ do texto sagrado, resulta essencial para todo o cristão a posse dos instrumen-
tos elementares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira mais geral,
para as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nível popular, por
meio de instituições escolares públicas mantidas às expensas dos municípios. Pode-se dizer
que com o protestantismo, afirma-se em pedagogia o princípio do direito-dever de todo ci-
dadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e
da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a firmação de um conceito autônomo
e responsável de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação
mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus. (CAMBI, 1999, p. 243-4).
Os inícios da Pedagogia Moderna

Baseadas nas escolas humanistas, a educação da reforma tem como eixo o


ensino das línguas – as antigas e as vernáculas – de cada país, com forte acento na
educação gramatical; afinal somente seu conhecimento e domínio permitem a lei-
tura dos textos sagrados. As escolas deveriam ser organizadas em quatro áreas:
a) línguas (latim, grego, hebraico, alemão), permitindo o acesso às Sagra-
das Escrituras;
b) obras literárias (pagãs e cristãs), para o ensino da gramática;
c) ciências e artes; e
d) jurisprudência e medicina.
As aulas teriam duração de duas horas diárias sobrando tempo para que os
educandos trabalhassem em casa, aprendendo um ofício. Logo, estudo e trabalho
andariam lado a lado. (CAMBI, 1999, p. 243-4).
Dado que a formação de cidadãos cultos, polidos e honrados só traria bene-
fícios às comunidades, às escolas estariam reservadas bibliotecas sortidas e bons
professores, capazes de formar jovens em substituição à família, quando esta não
bem representasse seu papel.
Sob inspiração da Reforma, a educação alemã reorganizou escolas muni-
cipais e fundou algumas secundárias – os ginásios –; porém, as destinadas às
camadas populares não tiveram um maior incremento.
Como assinala Chartier (1991, p. 121)
já em meados da década de 1520, Lutero abandona a exigência da leitura individual e
universal da Bíblia em prol de outro projeto, que enfatiza a prédica e o catecismo – por-
tanto a missão de ensinar e interpretar restituída aos pastores, que assim devem controlar
a compreensão do texto sagrado. Instaura-se uma nítida separação entre as políticas es-
colares dos Estados luteranos, que acima de tudo visam à formação das elites pastorais e
administrativas, e a obra de educação religiosa do povo que, baseada no ensinamento oral
e na memorização, pode muito bem conviver com o analfabetismo.

Logo não se deve atribuir o avanço das práticas de leitura na Alemanha


somente ao protestantismo.
Fazendo alusão à região do Reno, anota Chartier que em meados do século
XVI os inspetores encarregados de examinar os conhecimentos religiosos dos
­fiéis constatavam “recitações sem compreensão, respostas decoradas e falhas que
provam que a catequese não visa a uma leitura pessoal da Bíblia, mas apenas à
memorização de fórmulas ensinadas oralmente”. (CAMBI, 1999, p.121).
Por onde a renovação religiosa estendeu-se, a educação pretendia andar a
passo com as reformas concebidas. É o caso da Suíça e da Holanda, onde ganha-
ram relevância os trabalhos de João Calvino (1509-1564) e Erasmo de Rotterdam
(1466-1536).
Calvino, ao acreditar na predestinação, não desprezava o aspecto educacio-
nal. Ao contrário, fazia com que os crentes procurassem o sinal de sua eleição,
impulsionando-os para a responsabilidade e para o trabalho. Segundo ele, deve-
ria ser acentuado o aspecto laico da educação de forma a preparar os cidadãos
para a “república” e para a “sociedade”. Logo, o saber se impõe como necessidade
34
Os inícios da Pedagogia Moderna

pública: assegura a boa administração política, proporciona apoio à Igreja e man-


tém a humanidade entre os homens. Daí a importância da criação de escolas ele-
mentares, colégios secundários e universidades tanto para ricos quanto para po-
bres. Calvino enfatizava o conhecimento das Escrituras, das línguas nacionais,
bem como o espírito progressivo de indagação e investigação. (LUZURIAGA,
2001; GILES, 1987).
Erasmo, por sua vez, não deixa de enfatizar o valor da educação: sendo a
razão o traço que diferencia os homens deve ser cultivada em profundidade, pois
só assim a verdadeira humanidade se desenvolverá. A atividade educativa deveria
se dar a partir dos três anos de idade, respeitando as características naturais da
criança. Realçando o papel do professor – pois é este que deverá buscar o melhor
método –, destaca a função pública da educação e, segundo Cambi, é o mestre
quem elabora o sistema didático mais completo do humanismo europeu no que
diz respeito aos estudos dos clássicos e “enfrenta, segundo perspectivas novas
e com notável organicidade, os problemas mais gerais da pedagogia, apontando
soluções (atenção à infância, promoção da educação pública, formação dos educa-
dores) em profunda sintonia com as subseqüentes elaborações da época moderna”.
(CAMBI, 1999, p. 255).

Educação da Contra-reforma
Operada a ruptura do cristianismo, a Igreja Católica passa por importante
processo de renovação. Eleito o papa Paulo III e convocado o Concílio de Trento
(1546-1563) as decisões tomadas vão de encontro a manter a essencialidade da
doutrina católica, quais sejam: a Igreja e o valor dos sacramentos, as obras que
redimem os homens, além da intervenção da graça divina. Buscava-se não só
responder aos desafios colocados pela Reforma como promover mudanças dentro
da própria Igreja, no intuito de difundir o catolicismo no Novo Mundo ao mesmo
tempo em que tentava conter o que passou a ser chamado de heresia protestante.
Como registra Cambi (1999, p. 256),
a Igreja adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a um
significativo florescimento de congregações religiosas destinadas de maneira específica
a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas também dos jovens descendentes
dos grupos dirigentes. Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo
entre o movimento da Reforma e o da Contra-reforma. O primeiro privilegia a instrução
dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições mínimas para uma lei-
tura pes­soal dos textos sagrados, enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas,
repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo
político e social expresso pela classe dirigente.

A criação da Companhia de Jesus (1539) é o exemplo mais acabado da


nova filosofia educativa da Igreja Católica. Segundo Santo Ignácio de Loyola, nas
“Constituições” da Companhia apareciam a catequização, a pregação, a confissão
e o ensino como meios para ajudar os homens a alcançarem o fim para o qual
foram criados. A educação acabou por tornar-se o instrumental para a realiza-
ção dessa grande missão. Como não havia escolas facilmente acessíveis coube à
Companhia criá-las. Ignácio de Loyola seguia os ideais dos estudos humanistas
35
Os inícios da Pedagogia Moderna

alicerçando-os na filosofia de Aristóteles, a mesma abraçada por Tomás de Aqui-


no. Método essencialmente verbal, consistia em lição ou preleção, explicação,
repetição, composição e memorização. Destacava-se a elocução, redação, assim
como a leitura dos clássicos, desde que não constassem do Index–índice dos livros
proibidos. (LUZURIAGA, 2001; GILES, 1987).
O plano de estudos seguido nos colégios da Companhia baseava-se na Ratio
Studiorum, como um programa de formação de caráter católico. Nele estavam
traçadas as rígidas normas organizativas a serem seguidas nos colégios: as fun-
ções dos dirigentes (reitores e provinciais), disposições didáticas a respeito de pro-
fessores e alunos, bem como disciplinas a serem ensinadas, no escopo de formar
“uma consciência cristã culta e moderna e orientar, também mediante a institui-
ção escolar, para uma obediência cega e absoluta à autoridade religiosa e civil”.
Contemplando o grego e o latim, nesses estudos os idiomas nacionais ficavam
relegados. (CAMBI, 1999).
Os colégios da Companhia ensinavam aos noviços gramática, retórica, lógi-
ca, seguidas pela filosofia natural, moral e metafísica, além de teologia escolástica
e conhecimentos de grego, hebraico e demais línguas, desde que atendessem aos
fins missionários. Os estudos superiores tinham caráter teológico e universitário
ao passo que os inferiores contemplavam as disciplinas das escolas humanistas,
inexistindo estudos em língua nacional e ciências físico-naturais. Porém, desde
1546, alunos que não seguiriam a vida religiosa freqüentavam essas escolas. Para
que se avalie o impacto desses educandários, vale frisar sua expansão pela Euro-
pa: em 1554 havia 35 colégios; em 1586 somavam-se 162, sendo 147 externatos
(GILES, 1987); foi tão significativo, que Cambi (1999, p. 263) destaca a novidade
trazida pelas escolas dos jesuítas como a “construção de um ambiente educativo
rigoroso e coerente, organizado segundo uma severa disciplina, mas aberto para
fora através das cerimônias, dos prêmios e das disputas”.

36
A Educação da Contra-reforma
aporta no Brasil

As escolas dos jesuítas:


a formação dos clérigos e dos curumins

O
s jesuítas para cá vieram com uma missão bastante ampla. A eles coube a tarefa de integrar
os “bárbaros” nativos ao mundo então civilizado, e, especialmente, à Igreja Católica, recém
contra-reformada. Porém, ao decorrer do tempo, a Companhia de Jesus acrescentou à sua
meta de catequizar, também aquela de ensinar.
Catequese em primeiro lugar, eles puseram as mãos na massa. Sem fé (a católica), rei (a Coroa)
ou lei (as normas jurídicas), como salientou Pero de Magalhães Gandavo, os gentios da América
portuguesa nem humanos pareciam, na visão desses pastores de Deus. Porém enfrentaram o desafio,
afinal a natureza era pródiga, com todo o tipo de riquezas a explorar e os jesuítas fizeram grandes
negócios nestes lados do Atlântico.
A instrução dispensada aos indígenas com intuito de catequizá-los consistia em inseri-los nos
rituais cristãos, iniciando-os no mundo das escrituras, do catecismo, das festas religiosas, dos sa-
cramentos e tudo mais. Adentrar ao mundo do colonizador, tomar suas regras e principalmente sua
organização social. Segundo Manuel da Nóbrega, assim que chegaram posicionaram escolas e passa-
ram a ensinar a ler, escrever, contar e cantar, sendo que em 1551 já se afirmava que o colégio também
pretendia educar “cristãos para os ensinar e doutrinar”. (PAIVA, 2000).
Primeiramente o gentio se deve sujeitar e fazê-lo viver como criaturas racionais, fazendo-lhe guardar a lei
natural [...]
A lei, que lhes hão de dar, é defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do Governador; fazer-lhes
ter uma só mulher, vestirem-se pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos; fazê-los viver ­quie­tos sem
se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhe bastem, e como estes
Padres da Companhia para os doutrinarem. (TORRES apud DAHER, 2001, p. 51).

Este discurso proferido pelo padre Manuel Torres da Bahia, em 1558, vem de encontro aos ob-
jetivos destacados por Vilalta (1997): inculcar a obediência, a fé, a lei e o rei foi o apostolado. Entre-
tanto, isso não impediu que os gentios questionassem muitos dos ensinamentos ministrados, como a
virgindade de Maria após o nascimento de Jesus ou mesmo o celibato dos padres, conforme atestam
as cartas de Anchieta.
Em muitas das missões construídas significados foram trocados entre rituais cristãos e guaranis
e nestas aproximações entre indígenas e jesuítas, Maria Leônia Chaves de Resende identificou práti-
cas de aculturação dos indígenas. Mas a historiadora demonstra, também, que os sacerdotes cristãos
partilharam intensamente do universo dos gentios enquanto tratavam de convertê-los.
Daher ao analisar o Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, explora o
discurso jesuítico do ponto de vista de sua função primordial “de conduzir o índio à ordem hierár-
A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil

quica do Império português” (2001, p. 44). Hansen, discutindo o mesmo diálogo,


destaca que a Nóbrega parecia não haver necessidade de padres letrados para con-
vencer os indígenas, e sim virtuosos: “considerando a depravação dos costumes
do clero regular e dos colonos amancebados com índias, afirmava que somente
os bons exemplos da moralidade católica fornecidos pelos soldados de Cristo po-
deriam vingar, donde sua idéia de uma conversão operada antes pelo exemplo de
vida virtuosa que por palavras”, isto para “mantê-los reduzidos e sujeitados aos
portugueses”. (HANSEN, 2001, p. 28).
Mas os jesuítas não instruíam somente os brasis. Dedicavam-se também à
ação educacional dos mandantes coloniais. Não esqueçamos da guerra deflagrada
pelos católicos contra hereges e reformistas protestantes convindo, portanto, zelar
pelas ovelhas do rebanho. Primando pelo ensino dos textos clássicos gregos e
latinos privilegiavam a retórica e a eloqüência, baseados na velha escolástica. Por
impedimento da Metrópole não forneciam diploma de curso superior, obrigando
aos que queriam e podiam, deslocar-se
­­­ à Coimbra para obtê-lo.
O ensino elementar era ministrado por preceptores ou familiares dos senho-
res, que também aprendiam línguas e instrumentos musicais, embora esse grau de
ensino fosse oferecido, após 1549, em colégios jesuíticos. Havia ainda outras ordens
religiosas ensinando aos filhos dos portugueses, vide por exemplo a dos Frades Me-
nores que já no século XVI aqui estavam. (CHAMBOULEYRON, 1999).
Ademais, o ensino público ou popular não existia a rigor e os homens pardos
não tinham acesso aos colégios dos jesuítas. Vilalta (1997) refere uma ordem de
D. João V expedida ao governador de Minas, em 1721, ordenando que em cada
vila se pagassem mestres para ensinar a ler, escrever e contar, além do latim a
todos os filhos ilegítimos da Capitania. O governo local, porém, não tomou ne-
nhuma iniciativa já que todos eram filhos de negras.

As indígenas reivindicavam
saber ler e escrever
Os indígenas não entendiam porque suas mulheres não podiam aprender a
ler e escrever. Afinal, eram elas as mais presentes e assíduas nas sessões de ca-
tequese, não cabendo afastá-las das letras. A veemência do pedido deve ter sido
tanta que o padre Manuel da Nóbrega não se esquivou de escrever à rainha de Por-
tugal, dona Catarina, solicitando instrução para ensiná-las. (RIBEIRO, 2000).
O pedido não foi atendido. Se nem as mulheres da Corte freqüentavam a
escola, pois classes para elas lá não havia, imagine a ousadia e as “conseqüências
nefastas que o acesso das mulheres indígenas à cultura dos livros da época pudes-
se representar”, instruiu a rainha. (RIBEIRO, 2000, p. 81).
No entanto, Catarina Paraguassu, considerada por alguns autores como a
filha de Caramuru, o Diogo Álvares Correia, e por outros como sua mulher, escre-
ve em 1561, ao padre Manuel da Nóbrega uma carta de próprio punho iniciando

38
A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil

as mulheres das terras dos brasis na arte da escrita. Foi o passo inicial e não o
derradeiro. Pois tempo decorrerá até que a instrução feminina se institucionalize
entre nós.

A MISSÃO. Direção de Roland Joffé. Inglaterra, 1986.

39
A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil

40
Revolucionários
da Ciência: a Educação do
século XVII

S
e o nascimento do pensamento pedagógico moderno é tributário dos séculos XVI e XVII, é
neste último que as escolas européias começaram a institucionalizar-se, embaladas pelo ímpeto
reformador religioso no qual muitas delas foram criadas pelas municipalidades. Almejando
conseguir acesso à palavra de Deus a um número maior de pessoas adiantando a leitura, à Reforma
tem-se atribuído a responsabilidade de promover linearmente a queda nos índices de analfabetismo na
Europa. No entanto, como observou Chartier (1991, p. 121), tal assertiva merece ressalvas:
Só com a ‘Segunda Reforma’, iniciada pelo pieteismo no final do século XVII, a relação individual com a Bíblia –
que supõe o domínio da leitura – é colocada como uma exigência universal, apresentada inicialmente pelo ensino
mútuo dos conventículos religiosos, afirmada a seguir pelos Estados nas ordenações que regulamentam os pro-
gramas das escolas elementares. Donde uma alteração no próprio status da Bíblia: enquanto que, na Alemanha
do século XVI, ela é um livro de pastores, de candidatos ao ministério, de bibliotecas paroquiais, na Alemanha
de inícios do século XVIII ela se torna um livro de todos, produzido em massa e a baixo custo.

Assim reforça o historiador: é com o pietismo e não com a Reforma luterana que a prática da leitura
se difunde de forma maciça na Alemanha. (CHARTIER 1991, p. 121).
O pietismo, movimento de renovação da religião luterana reformada, visava valorizar o aspecto
íntimo e espiritual ao invés do dogmático e intelectual. Hermann Francke (1663-1727), seu idealiza-
dor, fundou em 1695, em Halle, uma escola para crianças pobres na qual desenvolveu seu modelo pe-
dagógico, depois adaptado para outras instituições educacionais. Diferentemente do que ocorria nas
escolas católicas, nas quais preponderava a parte literária, propugnava que o objetivo primordial das
escolas deveria ser religioso, com ênfase realista e científica, colocando os alunos em contato com a
natureza e com a realidade. De suas propostas desenvolveu-se a escola primária, popular e na língua
alemã; a escola secundária – o colégio – no qual se ensinava o latim e promovia a leitura dos clássicos;
o Pedagogium, escola secundária de tipo científico de onde se derivou o colégio realista e o seminário
para formar professores – as primeiras escolas normais alemãs. (LUZURIAGA, 2001).
Jean Battiste de La Salle (1651-1719), como Francke, também voltava suas preocupações para
as escolas populares, pautando o ensino como de caráter obrigatório, gratuito e dirigido a todos; pen-
sava-o como formação integral: instrução com ênfase na formação religiosa. Logo, deveria ensinar-
se leitura e escrita em língua vernácula, as quatro operações e o catecismo, além de uma formação
técnico-científica que profissionalizasse. Funda escolas dominicais e um instituto para menores infra-
tores. (CAMBI, 1999).
As escolas para o povo – os institutos de beneficência – seguiam propostas elaboradas no interior
da Igreja, fosse reformada ou não, consistindo basicamente em uma educação de tipo instrumental – en-
sinar a ler e escrever. Ter acesso a esses locais, no entanto, constituía-se em privilégio conferido a poucos
alunos. Os poderes públicos omitiam-se quando o assunto era educação das massas. (CAMBI, 1999).
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

Na Europa absolutista preponderavam os modelos educacionais para os fi-


lhos da nobreza, pois aí residia o poder político, econômico e religioso. “A edu-
cação dos nobres realiza-se através do ensino de preceptores particulares ou no
interior dos ‘seminários dos nobres’, colégios próprios nos quais os ­jovens aris-
tocráticos são formados tanto no plano intelectual como no do comportamento,
mediante um ­programa de estudos que, ao lado das línguas modernas e das novas
ciências, contempla ­também a atividade de vida prática como a equitação, a caça,
a esgrima e a d­ ança”. (CAMBI, 1999, p. 296)1.
François S. de la Mothe-Fénelon (1651-1715), homem nobre e de Igreja,
diretor de uma congregação feminina, esmera-se em descrever a educação das
crianças nobres. A “maciez do cérebro” permitia que tudo se imprimisse nele,
daí a importância de bem prepará-lo para a instrução, educando-as indiretamente
através dos aspectos de utilidade. Histórias e fábulas curtas revelavam-se promis-
soras, pois educavam moralmente de forma agradável. No tempo das fábulas de
La Fontaine, a narração de histórias revelava-se interessante para o aprendizado
de preceitos morais, “e para a formação de um gosto literário alinhado com a edu-
cação nobiliária e de corte que Fénelon estava esboçando”, ressalta Cambi.

As ciências chegam à escola


As escolas européias do século XVII não ficariam imunes à revolução cien-
tífica desencadeada. Não esqueçamos a questão candente do Seiscentos: explicar
o cosmos, o universo e o lugar nele ocupado pelos homens.
As grandes navegações e “descobrimentos” revolucionaram a ordem es-
tabelecida, colocando por terra muitas verdades afirmadas pelas autoridades
eclesiásticas. Já em 1543, o clérigo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543),
confirmaria o heliocentrismo proposto por Aristarco, apresentando a teoria he-
liocêntrica em contraposição à teoria geocêntrica elaborada por Ptolomeu, no
século II. Johannes Kepler (1571-1630) propôs o conceito de órbitas elípticas,
opondo-se às órbitas circulares das teorias de Platão e Aristóteles. Galileu Ga-
lilei (1564-1642), professor de Matemática na Universidade de Pádua, publicou
em 1610, no livro A mensagem das estrelas os achados de Copérnico e Kepler,
1 Na época de Luís XIV
não bastava nascer aris­ além de descobrir os satélites de Júpiter e afirmar a lei da queda dos corpos.
tocrata, era preciso tornar-se
um, o que era obtido através
Ademais, afirma em seus estudos que se pode descobrir e expressar em termos
dos hábitos “civilizados” e matemáticos as leis que governam o universo.
por competências técnicas
na guerra, desenvolvidas em
quatro etapas: 1) a infância Francis Bacon (1561-1626) por seu turno, ao propor que todo conhecimento
passada junto às mulheres na
maisonnée; 2) a cultura letra-
se origina da experiência sensível dá um novo ordenamento às ciências, distin-
da aprendida com o preceptor guindo fé e razão como essencial para a compreensão da realidade. Criador do
ou em colégios; 3) a formação
específica na academia (equi- método indutivo de investigação em oposição ao método dedutivo de Aristóteles,
tação e conhecimento de geo­
metria eram úteis na guerra); é considerado o fundador do moderno método científico. Põe por terra a escolásti-
4) apresentação à Corte, se-
guida nas famílias mais ricas
ca e a lógica aristotélica, afirmando que a nova instrução científica deve ir além da
por uma grande ­viagem ao
estrangeiro, ­especialmente
sabedoria, trilhando-se os caminhos da experiência. Os colégios deviam propiciar
à Itália, da qual extraíam-se o conhecimento das causas e dos movimentos da realidade em estudo, ampliando
diários e relatos. (HANSEN,
2001, p. 38). os limites do império humano. Logo, o processo educativo precisaria passar pela
42
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

experiência, pelos laboratórios, mesmo a matemática voltar-se-ia para objetivos


práticos. Atente-se para a revolução que tal pensamento causou; até então as mais
afamadas universidades continuavam valendo-se da tradição escolástica para ex-
plicar a realidade, presa aos livros e às compilações de textos aristotélicos e de
outros autores clássicos. (GILES, 1987).
Já René Descartes (1596-1650), em sua obra o Discurso do método (1637),
demonstra como estudar e pesquisar através do método dedutivo. Esta obra repre-
sentou um passo decisivo para a revolução científica, pois colocava a dúvida como
princípio fundamental: nada deve ser aceito quando não puder passar pelo critério
da clareza e da evidência.
A razão seria a base de averiguação da verdade. Penso logo existo, consti-
tuía a pedra de toque de todo o conhecimento. O mundo natural, material, criado
por Deus poderia ser perscrutado e compreendido pelos homens através da luz
natural da razão, havendo assim a possibilidade de domínio da natureza.
Descartes assentou em posição dualista a questão ontológica da filosofia: a relação entre
o pensamento e o ser. Convencido do potencial da razão humana, propôs-se a criar um
método novo, científico, de conhecimento do mundo e a substituir a fé pela razão e pela
ciência. ­Tornou-se assim o pai do racionalismo. Sua filosofia esforçou-se por conciliar a
religião e a ciência. (GADOTTI, 1996, p. 76).

Vinte anos depois da publicação do Discurso do método, João Amos Come-


nius (1592-1670), lança sua Didática magna – considerada como o tratado mais
importante do século – propondo um método pedagógico para ensinar o conheci-
mento das coisas a qualquer criança com rapidez e sem fadiga, de forma a inseri-
las na vida social (GADOTI, 1996). Considerado o maior pedagogo do Seiscentos,
baseava-se no pansofismo, a sabedoria universal. Através dessa educação preten-
dia alcançar a visão unificada da existência (corpórea e espiritual) permitindo ao
homem atingir seu fim natural, quando a ignorância e o mal seriam sobrepujados.
(GILES, 1987).
Previa a reforma da civilização via educação, baseada na ciência e funcio-
nando como salvadora da humanidade ao constituir o “homem virtuoso”, sem
distinção de sexo ou classe social. “É preciso garantir-lhe um ‘pequenino impulso
e um sábio guia’ para que se torne homem e possa assim gozar ‘os maravilhosos
tesouros da divina sapiência’”. Nesta concepção constrói seu projeto de educação,
daí ser considerado o primeiro sistematizador do discurso pedagógico, relacio-
nando técnicas de formação com a reflexão sobre o homem. (CAMBI, 1999).
Segundo ele, as escolas deveriam estar organizadas em: a) escolas mater-
nais para os infantes (nela reside “toda a esperança da reforma universal das coi-
sas”); b) escola nacional ou vernácula para a meninice (articulada em 6 classes
nas quais se aprende a leitura, escrita, matemática, preceitos da moral e da fé; c)
escola de latim – porque educa para expressar-se elegantemente – ou ginásio para
adolescentes (“colocar em forma a floresta de noções recolhidas pelos sentidos
para um uso mais claro do raciocínio”); d) academia para a juventude (congrega
sapiência, virtude e fé em lugar à parte, funcionando como um conselho de sábios).
(CAMBI, 1999, p. 290).

43
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

Propostas voltadas a organizar a escola moderna, do Seiscentos, não fal-


tavam. Fossem para nobres, burgueses, ou para as classes populares, as escolas
renovavam-se. O Estado tentava tomar a frente endossando ora uma ou outra
feição de instituição de ensino na perspectiva de formar o “homem-cidadão, o
homem-técnico, o intelectual, e não mais o perfeito cristão ou o bom católico [...].
O século XVII mudará profundamente os fins, os meios e os estatutos da escola,
atribuindo-lhe um papel social mais central e mais universal e uma identidade
mais orgânica e mais complexa: aquela que, dos anos Setecentos em diante, per-
maneceu no centro da vida dos Estados modernos e das sociedades industriais,
mesmo na sua fase mais avançada”. (CAMBI, 1999, p. 290).

A escola moderna e a formação


do homem civil
A “civilização das boas maneiras” tão bem posta e pesquisada por Norbert
Elias, na sociedade européia que transita da Idade Média à Modernidade, não
descuidou de lançar mão de processos educativos.
Os códigos sociais que distinguiam as classes foram apropriados e muitas
vezes simplificados e tornados mais próprios à burguesia do Seiscentos, sempre
ciosa de utilizá-los como distintivos já que os separavam do povo. Afinal, a bur-
guesia assumia papel cada vez mais relevante e principiava por constituir a socie-
dade civil.
No século XVII, a linguagem através da qual a sociedade da corte se ex-
pressava era diferente da utilizada pela burguesia. Elias (1990, p. 117) ilustra essas
diferenças, no exemplo a seguir. Thibault, filho de pais burgueses em visita a uma
sociedade aristocrática, ao ser perguntado pela saúde do pai responde, “Ele é seu
humilde servidor Madame e continua acamado, como a senhora bem sabe, já que
teve um bocado de vezes a gentileza de perguntar pelo seu estado de saúde”.
“Quase todas as palavras que o jovem Thibault diz são, pelos padrões da so-
ciedade da corte, desajeitadas e canhestras, com ‘hálito de burguesia’ como dizem
os cortesãos. Na sociedade da corte ninguém diz ‘como bem sabe’, ‘um bocado de
vezes’ ou ‘acamado’”. (ELIAS, 1990, p. 118).
Ao imitar regras de comportamento, hábitos, linguagem, relações sociais,
usos do corpo, a burguesia em ascensão ia criando seus rituais de reconhecimento
e distinção, fazendo deste processo educativo uma marca a constituir a sociedade
civil. Como frisa Cambi, escreviam-se livros sobre boas maneiras, estabeleciam-
se regras, máximas, provérbios, de forma a memorizar normas, difundindo-as.
Iniciavam com as crianças, envolvendo os filhos da burguesia em campanhas de
civilidade, que perpassavam a família e a escola, inserindo-as na civilização das
boas maneiras.

44
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

A educação das altas camadas burguesas e em especial do gentleman inglês


foi exemplarmente delineada por John Locke (1632-1704), considerado o fundador
do empirismo, movimento que valoriza a ciência tanto como meio, quanto fim
educativo. Afirma-se o que pode ser provado pela verificação experimental, diz
ele no Ensaio sobre o entendimento humano.
O gentleman de Locke é o homem virtuoso. Capaz de renunciar aos próprios
desejos, segue a razão, obedece a mente, nutre sentimentos de humanidade, tem
hábitos de boa educação e não subestima os outros. Os princípios fundamentais
que norteiam essa educação são:
a) mente sã em corpo são;
b) raciocinar com as crianças como meio de ensino;
c) priorizar a formação prático-moral em relação à intelectual tendo em
vista a utilidade das disciplinas a serem ensinadas;
d) centralidade das experiências – despertar a curiosidade da criança atra-
vés do jogo e do trabalho. Para promover tais princípios, o preceptor
deveria ter cultura, boa educação, seriedade e conhecimento do mundo,
dando o bom exemplo. (CAMBI, 1999).
Assim, em que pesem as diversas concepções de educação e processos edu-
cativos atinentes aos diferentes extratos sociais, a escola do século XVII,
se racionaliza e se laiciza, torna-se um instrumento cada vez mais central na vida do Estado
(e também da sociedade civil) e, portanto, cada vez mais submetida ao controle e à planifi-
cação por parte do poder público; processo que exalta sua função e difunde a sua ideologia,
ligada à disciplina e à produtividade da educação-instrução. (CAMBI, 1999, p. 308).

45
Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII

46
No Brasil, a revolução
pedagógica deitava arcas

Ainda entre clérigos

E
mbora a educação no Brasil colonial do século XVII se mantivesse ancorada no ensino dos
­jesuítas e a formação de clérigos permanecesse na ordem do dia, algumas transformações já se
faziam sentir.
A partir de 1549, quando foram fundados, até 1599, os colégios brasileiros tinham a catequese
e o ensino entre os seus objetivos, segundo as propostas do padre Manoel da Nóbrega para a Bahia.
Ensinava-se a ler, escrever e gramática (leia-se latim, pois este além de constituir a formação básica
dos letrados, era indispensável aos futuros clérigos). No colégio de São Vicente dava-se aulas de leitu-
ra, escrita, canto, flauta e latim; em São Paulo, José de Anchieta ministrava aula de latim no Colégio
Piratininga, em 1554. No ano de 1568 foi proposto o curso de dialética para o Colégio da Bahia, tendo
o curso de artes (filosofia e ciências) começado em 1572 (com 20 alunos em 1593, já contava com 40
em 1598). Havia ainda teologia moral – ou Casos de Consciência – em 1556 no Colégio de São Vicen-
te; teologia dogmática (ou especulativa) a partir de 1572. (HANSEN, 2001).
Depois de 1599, aplicou-se a Ratio Studiorum em todos os colégios brasileiros e os estudos dividiram-se em
­inferiores e superiores. Os inferiores eram gramática (latim), humanidades e retórica. Os estudos inferiores ti-
nham uma cadeira privada (retórica e gramática) para os irmãos da Companhia e quatro classes públicas (pri-
meira, segunda e terceira de gramática; além da escola elementar para os meninos). Os estudos superiores eram
teologia, filosofia e matemática. (HANSEN, 2001, p. 17).

Os cursos de artes (basicamente filosofia) ministrados em Portugal eram propedêuticos aos cur-
sos da Universidade de Coimbra, porém os aqui ministrados não preenchiam esse requisito, obrigando
os alunos a cursá-los mais uma vez, ou prestar exames de equivalência. A Ratio Studiorum e todos os
preceitos de ensino que a compunham estavam diretamente relacionados a combater as heresias, leia-
se lutar contra as verdades da Igreja reformada. Assim, a retórica adquiria importância fundamental:
era “um modo de pensar e de organizar todas as representações das matérias em todas as atividades
dos cursos”, pois a pregação oral funcionaria como modo privilegiado de propagar a fé, opondo-se às
teses de Lutero de que a leitura da Bíblia prescindia do clero, pois se constituía em exercício indivi­
dual. A retórica era ensinada através de preceitos, estilo e erudição, recuperando autoridades antigas:
Cícero, Quintiliano, Aristóteles e Santo Agostinho.
Assim no século XVII buscava-se implementar a Ratio. Após a publicação da Ratio atque
Institutio Studiorum Societatis Iesu, em 1599, contemplava-se o que “havia de melhor” em todas as
experiências desenvolvidas nos colégios jesuíticos.
E o que aparecia como novo?
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

O conhecimento deve ser produto da prática coletiva dos padres que repe-
tem saberes autorizados como aplicação imediatamente útil, assegurando unidade
de pensamento e ação. (HANSEN, 2001).
Ao fim e ao cabo estava (re)colocada a ortodoxia da Igreja de Roma contra
os luteranos, calvinistas e heréticos em geral. A Ratio era um código prático de
leis pedagógicas, como descreve Hansen. O conhecimento advinha de modelos
que devem ser exercitados, repetindo-se exemplos que guiarão as ações. Esses
processos intelectuais e práticos servem para todos os cursos, tanto inferiores
quanto superiores. O currículo tem doze classes, a aprendizagem das matérias é
graduada, atendendo idade e nível dos cursos.
Desde a classe inferior de gramática, os alunos aprendem as cerimônias e os ritos cristãos,
que são sistematizados doutrinária e teoricamente nos cursos de artes, ou filosofia, e teo-
logia. Todos os cursos são orientados pelo estudo de preceitos, estilos e erudição, ou seja,
prescrições e regras das línguas, da retórica, das letras, da filosofia, e teologia; exercícios
com os vários gêneros retórico-poéticos de representação das matérias das humanidades,
memorizadas como tópicas ou lugares-comuns já aplicadas e desenvolvidas pelas várias
autoridades estudadas; memorização de técnicas de falar e escrever, além dos esquemas
da própria arte da memória. (HANSEN, 2001, p. 18).

Porém, como ressalta Hansen, embora a educação jesuítica tivesse manti-


do aspectos da tradição utilizados pela Ratio, o ideal de homem a ser formado
encontrava-se em consonância com aquele demandado pelos Estados católicos do
Seiscentos: inseria-se no corpo místico-político, atendia a civilização dos costu-
mes, conformava o homem discreto, letrado e virtuoso.

E as mulheres coloniais?
Rezar, ler, trabalhar são ocupações úteis que podem preservar do ócio, mas não devem ter
um objetivo secular. São atividades que devem manter a jovem ocupada enquanto está em
casa; e não deve sair de casa a não ser para ir à igreja. As mulheres não podiam transpor
os limites da esfera privada para se introduzirem no espaço exterior onde, na vida econô-
mica, social, política e cultural, quem prevalecia era o homem. Esse regime de castidade,
decoro, obediência e silêncio era reservado às mulheres. (KING, 1991, p. 219).

No entanto, após o Renascimento se passou a acreditar que não havia defei-


to congênito na mente que impedisse as mulheres de ter acesso ao saber. Porém,
os principais objetivos ao educá-la residiam em desenvolver a honestidade e a
castidade, como afirmava Juan Luis Vives, em obra do século XVI, denominada
De institutione foeminae christiane. Se essa era a regra, havia exceções e várias
mulheres européias ricas dedicavam-se ao mecenato1, ou dirigiam os estabeleci-
1 A título de exemplo:
Isabella d’Este, filha do
duque de Ferrara, teve como mentos dos maridos quando eles se ausentavam, o que implicava em uma educação
pre­ceptor um importante ho­
mem de letras. Do­m i­nava o que extrapolasse o recato e a devoção. Na primavera e no verão da França de 1689,
grego e o latim, tocava alaú-
de, dançava e conversava de
a condessa de Rochefort inspecionou colheitas, mandou reparar o moinho, inventa-
modo ­erudito. Casada, pre- riou frangos e perus, dirigiu o corte e a cardação da lã, a produção da seda, além de
sidia festas e representações
da corte, protegia artistas, ter tratado da produção, armazenamento e venda de vinho. (KING, 1991).
mú­sicos e estudiosos. Quan-
do o marido foi preso durante
guerras na Itália, governou
Educação feminina bastante restrita às famílias de posses, sofreu algumas
brilhantemente, embora tenha mudanças com o advento da Reforma. A partir de fins do século XVI instituíram-
recebido o desprezo por ter
se saído muito bem. (KING, se escolas para as mulheres, especialmente na Alemanha. Inicialmente ensinava-
1991).

48
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

se o essencial de forma que conseguissem ler, quando então poderiam voltar para
as artes do fuso, instrução que foi paulatinamente sendo alterada no decorrer da
Idade Moderna. (KING, 1991).
Já no Brasil Seiscentista, as mulheres deveriam permanecer escondidas no
sacrossanto lar. Como admitia um relatório holandês de 1638, “os homens são muito
ciosos de suas mulheres e as trazem sempre fechadas [...]”. (ARAÚJO, 1997, p. 58).
Mulheres trancafiadas em casa a fiar e a coser, ou quando educadas so-
mente obteriam sê-lo para a submissão e a contenção, povoaram a historiografia
brasileira por um longo período. Como ressalta Vainfas (2000, p. 414-6), a mulher
no Brasil dos tempos coloniais ganhou vários estereótipos: as brancas passavam
por castas e enclausuradas; as negras, mestiças e indígenas por pervertidas, pois
extremamente excitadas sexualmente. Porém a partir dos anos de 1980, há outra
vertente de estudos que dá conta de outras “realidades desafiadoras.”
Desde o início da colonização mulheres colocaram-se à frente dos negócios mais varia-
dos, como donas de engenho, vendas, tabernas. Estudos quantitativos demonstraram por
outro lado, o elevado percentual de domicílios chefiados por mulheres, sobretudo nos
centros urbanos, onde quase 50% das unidades domésticas eram chefiadas por mulheres.
A insubmissão também pôde ser constatada pela quantidade expressiva de raptos, com a
concordância das mulheres, e de fugas. Em quase todos os divórcios ocorridos no Brasil
colonial, foram as mulheres que iniciaram o processo, o que tem sido interpretado como
reação de esposas maltratadas.[...] A historiadora Leila Algranti afirma que romper com
os estereótipos de reclusão e submissão das mulheres foi uma contribuição definitiva da
historiografia, mas alerta para o risco de se excluírem da história as mulheres menos ou-
sadas que viveram reclusas ou se submeteram à dominação masculina, possivelmente a
grande maioria, segundo a autora. (VAINFAS, 2000, s. p.).

Adverte, Vainfas sobre o mito da pobreza das não brancas.


Inúmeras mulheres pretas ou pardas, livres ou libertas acumularam pecúlio e escravos
suficientes para enriquecer, embora sem o prestígio das brancas. Tais mulheres talvez
tenham lutado mais que as brancas para manter seus lares e filhos. Reconstruíram identi-
dades num mundo tecido à margem dos modelos dominantes. (VAINFAS, 2000).

E como teriam sido educadas essas mulheres?

“Mulher que sabe muito é mulher


atrapalhada, para ser mãe de família
saiba pouco ou saiba nada”2
Os poetas bem exprimiam através de seus versos como deveriam ser educa-
das as mulheres, tanto em Portugal quanto no Brasil. Gonçalo Trancoso aprovei-
tando-se de seu público leitor, principalmente masculino, expressava a mentali-
dade da época: “Afirmo que é bom aquele refrão que diz: a mulher honrada deve
ser sempre calada”. E ele mesmo ao ser solicitado a ensinar a ler a uma senhora
portuguesa lhe teria indicado as contas de um rosário de orações, acompanhado
de um abecedário moral. A letra A, era seguida do conselho: a mulher deve ser 2 Verso declamado tanto
no Brasil quanto em Por­
amiga de sua casa; H significava ser humilde ao marido; M mansa; Q quieta; tugal. Ver “Mulheres edu­
cadas na Colônia”, de Arilda
R regrada e assim por diante. Finalizava com a máxima: cumprido à risca, o Inês Miranda Ribeiro.

49
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

abecedário revelava-se mais promissor do que aqueles livros de orações que a


senhora desejava ler. (RIBEIRO, 2000).
Como assinala Ribeiro, duas mulheres assinavam o nome em 1627 em São
Paulo, inserindo-se no espectro das abastadas. Eram elas: Leonor de Siquei-
ra, sogra do Capitão-Mor Pedro Taques de Almeida e Madalena Holsquor, de
origem flamenga.
A exemplo do que acontecia na Europa, aqui também as mulheres adminis-
travam negócios públicos e privados quando os importantes maridos se ausenta-
vam. Vide D. Ana Pimentel, responsável pela capitania de São Vicente, quando
Martin Afonso de Souza precisou retornar a Portugal, ou D. Beatriz de Albuquer-
que, esposa de Duarte Coelho que assumiu a capitania de Pernambuco. Tanto
uma como outra tomaram medidas administrativas, doaram terras, apaziguaram
conflitos dando conta do recado. (RIBEIRO, 2000).
Claro que muitas mulheres endinheiradas, como hoje dizemos, não faziam
nada. Deixavam-se carregar em liteiras, quase imóveis, engordavam, deforma-
vam-se, fosse pelo excesso de comida ou pelo número excessivo de filhos. (RI-
BEIRO, 2000).
Lembremos que entre 1650 e 1759 fundaram-se os principais colégios jesu-
ítas, porém lá não estudavam meninas3.
Se as mulheres dos altos signatários portugueses basicamente não se
­instruíam, as mulheres negras e escravas, tudo pareciam aprender no trabalho
e suas filhas lhe seguiam a trilha. Porém, o fato é que as pesquisas a respeito da
educação das mulheres no século XVII, no Brasil, ainda estão por fazer.

Os conventos educavam as mulheres


Reivindicado de longa data, enfim os moradores de Salvador teriam um con-
vento feminino. Em 1665, D. Afonso VI autorizou o funcionamento do Convento
de Santa Clara do Desterro, tendo licença papal somente em 1669. As autoridades
se furtavam a conceder licença para abertura de conventos, pois as mulheres co-
loniais, em especial as brancas, deveriam casar-se e constituir as famílias cristãs,
ao gosto da Metrópole que muito queria ver o território povoado, e não moças
recolhidas. (SILVA, 1994).
Diferentemente da Coroa, as famílias dos senhores coloniais, tinham lá suas
razões. Ter filhas no convento atendia vários quesitos: era medida de distinção
social; garantia que suas terras não seriam divididas caso tivessem muitas filhas;
poderiam aí trancafiar suas mulheres quando se revelassem adúlteras e também
tiravam de circulação filhas rebeldes. (RIBEIRO, 2000).
3 Os colégios dos ­jesuítas,
seu grau de ensino e lo-
calização estão descritos no Nos conventos, as mulheres tinham acesso à educação, aprendendo leitura,
verbete “colégios” no Dicio­
nário da história da coloniza-
escrita, música, cantochão, órgão e trabalhos domésticos tais como preparo de
ção portuguesa no Brasil, co-
ordenado por Maria Beatriz
doces ou flores artificiais e a rigor não pareciam sofrer grandes privações, pois as
Nizza da Silva. filhas de famílias ricas vestiam “por baixo de seus hábitos camisas bordadas[...]

50
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

calção e meia de seda ligando-as com fivelas de ouro cravadas de diamantes”.


(RIBEIRO, 2000).
Entrar e ser educada em um convento não era acessível a quem tivesse so-
mente “vocação”, pois dispendiosos eram os valores cobrados a título de dote. Para
o ingresso na categoria denominada “freiras de véu negro”, exigia-se 600$000
réis e para as de “véu branco” 300$000, pagos com financiamento muitas vezes
proporcio­nado pelas rendas do próprio convento, auferidas pelo acúmulo de dotes
e doações, que eram então emprestados a juro às famílias das futuras noviças.
(SILVA, 1994).
“A condição econômica estabelecia a posição social da população feminina
dentro do convento”; além das freiras de véus havia ainda educandas que paga-
vam para estudar e ainda as servas – mulheres brancas –, pois só depois de 1720,
negras e mulatas puderam ali trabalhar.

51
No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas

52
As luzes na Educação
e o homem novo

P
ara os iluministas, o homem poderia ser formado como ser moral e intelectual pela Educação e
pela política. “Ora isto significa dizer que, ao refletir sobre a natureza humana, os iluministas
encontravam a cultura, a sociedade e a educação” em estreita relação. Logo, o papel social do
homem estaria diretamente conectado a ele mesmo e à sociedade na qual se inserisse. (HILSDORF, 1998).
A autora relembra: se os homens haviam sido desnaturalizados e infelizes e assim descritos
por pensadores de períodos anteriores, fora decorrência do domínio teológico e feudal; maculados
pelo pecado original, vivendo em um estado natural e imperfeito, só lograriam vencer se a educação
alcançasse reprimir essas tendências naturais. Ademais, os racionalistas do Seiscentos acreditaram
no a priori inato que marcava os homens, cabendo pouco à Educação. Somente obter-se-ia corrigir ou
evidenciar o existente.
Se nas concepções de cunho religioso a graça divina salvava o homem, para os iluministas
somente sua razão poderia construí-lo. Este caráter racional-antropológico oferecia vastas possibili-
dades à educação, porém, sempre variáveis já que diferentes pesos lhe foram atribuídos pelos homens
das luzes. Um grande debate estabeleceu-se, tendo como foco o poder da Educação e seus limites,
destacando-se Diderot, Helvetius e Rousseau entre os principais polemistas. (BOTO, 1996).
Rousseau afirmava que a Educação não era tudo no processo de resgate da natureza humana,
não acreditando na sua onipotência, pois havia a capacidade de opção, de desvio da norma ­prescrita.
(BOTO, 1996).
Já Helvetius, ferrenho defensor dos poderes educativos ilimitados, opunha-se a Rousseau, pois
acreditava que a Educação tudo podia: não havia diferenças, fossem provenientes do nascimento, ou
de qualquer ordem, todos seriam contemplados com as mesmas possibilidades físicas e mentais, sen-
do a sociedade e a cultura as responsáveis pelas diferenças. O homem é moldável à Educação e aos
hábitos, segundo afirmava. (BOTO, 1996; HILSDORF, 1998).
Para Diderot, a Educação poderia muito e em sua Refutação de Helvetius, escrita entre 1773 e
1775, defendia que o homem não seria essa tábula rasa, donde tudo se inscreve, havendo limites para
a ação educativa (BOTO, 1996). As estruturas mentais diferenciadas e as desigualdades deveriam ser
respeitadas e compensadas no processo educacional, acessível a todos por meio da instrução pública.
(HILSDORF, 1998).
Grosso modo poder-se-ia dizer que, embora com variações e matizes, a Educação representaria
o desenvolvimento da natureza humana.
Com o espocar das Revoluções Americana e Francesa acompanhadas dos princípios democrá-
ticos que as marcaram, a questão da educação entrou na “ordem do dia”. Tratava-se de instruir os
cidadãos e o processo educativo foi, nos dois países, objeto de grandes e representativas assembléias.
Como assinala Manacorda (1989), “os políticos são os novos protagonistas da batalha pela instrução,
ainda que Locke e Rousseau sejam seus inspiradores”.
As luzes na Educação e o homem novo

Jefferson e Franklin referindo-se aos direitos naturais dos homens afirma-


vam que a liberdade exigia um certo grau de instrução do povo e assim lançaram
uma “cruzada contra a ignorância”. Franklin argumentava pela instrução pautada
nas boas maneiras lockianas, na moralidade, nas línguas vivas e mortas e em to-
dos os ramos da ciência e das artes liberais. Jefferson por seu turno, defendia a es-
cola elementar, gratuita para todas as crianças de 07 a 10 anos, após o que seriam
selecionadas para o secundário e universidade (MANACORDA, 1989).
Na França revolucionária, Condorcet defendia uma instrução única, gratuita
e neutra como direito de todos. Salientava que os conteúdos deveriam ser reno-
vados, havendo predominância das coisas (ciências) sobre as palavras (as letras)
relacionando-as com a vida social e produtiva. (MANACORDA, 1989).
O movimento pela escola laica garantida pelo Estado vinha sendo discutido
em vários países da Europa, na segunda metade do Setecentos, embalado pelas
Luzes e pela Enciclopédia das Ciências, das Artes e dos Ofícios, organizada por
Diderot e D’Alembert. Publicada em 1750, essa obra de letrados pretendia expor e
classificar os conhecimentos e princípios nos quais assentava-se a ciência.

A Educação dos cidadãos


A Educação pública estatal e civil aparecia assim como a chave mestra da
vida social, objetivando formar um sujeito humano civilizado, ativo, responsável,
capaz de viver como homem-cidadão (CAMBI, 1999).
Nem bíblias, nem figuras de pai, padre ou rei; nem mesmo a teologia ou a
metafísica deve intentar formar esse homem autônomo, concebido segundo a razão
iluminada. As novas instituições educativas devem ser independentes em relação
aos antigos regimes, assinala Cambi; e a família, até então núcleo de interesses de
linhagem, educadora segundo modelos autoritários e conformistas, transformar-
se-á em berço da educação, momento importante da experiência educativa.
A escola deve então passar por mudanças. Não aos colégios! – pois estes
haviam se revelado obtusos em relação às línguas modernas e as ciências expe-
rimentais, mantendo uma cultura fortemente humanística, retórica, classicista e
anti-moderna. (CAMBI, 1999).

Como deve ser a escola do homem novo?


Para desenvolver os homens e as potencialidades do seu intelecto, as insti-
tuições educativas precisavam ser renovadas, o que implicaria em:
nível de organização: o sistema escolar deveria ser orgânico, submeter-se
ao controle público e articular-se em várias ordens e graus;
nível dos programas de ensino: novas ciências deveriam constituí-lo,
bem como as línguas nacionais e os saberes úteis, afastando-se do mode-
lo humanístico (lingüístico-retórico e não-utilitário);
54
As luzes na Educação e o homem novo

nível da didática: os processos de ensino-aprendizagem deveriam ser


inovadores, mas científicos, empíricos e práticos.
Logo a escola estaria estruturada em um sistema, em permanente diálogo
com as ciências e os saberes em transformação, confiante na alfabetização e na di-
fusão da cultura como processo de desenvolvimento democrático. (CAMBI, 1999).
O desenvolvimento da Educação das luzes esteve diretamente articulado à
imprensa e à divulgação do livro, ao aumento do número de leitores e às articula-
ções dos trabalhos impressos, enfim à “democracia entre páginas”, como Cambi
denominou esse grande movimento. A divulgação da cultura efetuava-se através
da leitura propiciada pelas sociedades de leitores, pelos círculos de livros, nos
quais despontava o próprio gosto em ler. Havia bibliotecas circulantes e clubes
livreiros e surgiram as primeiras lojas vendendo livros exclusivamente.
Assim, finalmente, pregava-se a Educação para o povo como instrumento para
libertá-lo do atraso e da marginalidade psicológica e cognitiva. (CAMBI, 1999).

A criança entra para a história


Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e escritor, em seu mais famoso
livro Emílio, um romance pedagógico de importante repercussão até nossos dias
afirmava: “é bom tudo o que sai das mãos do criador da Natureza e tudo degenera
nas mãos do homem”. Assim tudo o que intentava era ensinar o seu personagem a
viver (“Viver é o ofício que lhe quero ensinar”).
O romance de Rousseau acabou tornando-se o manifesto do novo pensa-
mento pedagógico. Pregou ser “conveniente dar a criança a possibilidade de um
desenvolvimento livre e espontâneo.” [...] A Educação, segundo ele, não devia ter
por objetivo a preparação da criança com vistas ao futuro nem a modelação dela
para determinados fins: devia ser a própria vida da criança. Mostrava-se, por-
tanto, contrário à Educação precoce. Era preciso ter em conta a criança, não só
porque ela é o objeto da Educação. (GADOTTI, 1996).
Pensando a criança como criança e não como um adulto em miniatura, Rous-
seau acabou por descobrir a criança e tornou-a sujeito, com história e identidade.

55
As luzes na Educação e o homem novo

56
A quem cabia educar
no Brasil setecentista?

Jesuítas expulsos, professores régios são contratados:


inicia-se o lento processo de laicização educacional

O
ilustre Antônio Ribeiro Sanches, grande inspirador do Iluminismo português, conhecia
bem sua terra e mais do que isso, seus patrícios e a educação preconizada no amplo império
d’aquém e além mar. O que se ensinava em terras lusitanas, segundo ele, somente possibi-
litaria ser sacerdote ou jurisconsulto.
De fato, nas terras da América portuguesa a preocupação das ordens religiosas centrava-se
na formação de seus próprios quadros. E mesmo quando o ensino de primeiras letras e gramática
­estendia-se à população leiga, como ocorria em vários conventos, a maior preocupação das ordens re-
ligiosas estava dirigida em dar formação aos monges para que eles pudessem participar dos cursos de
filosofia e teologia e assim alcançar os estudos eclesiásticos. Os beneditinos, carmelitas e franciscanos
assim procediam nas terras dos brasis. (CARVALHO, 1985).
Após a expulsão dos jesuítas em 1759, extinguiram-se os seus colégios, iniciando reformas
no ensino de latim, grego e retórica. Além disso, o Comissariado Geral de Estudos, criado pelo
Estado português, instituiu novas disciplinas: aulas de ler e escrever, gramática latina, retórica e
filosofia. No ensino médio surgiram novas matérias: línguas vivas, matemática, física, ciências
naturais, sendo instituídas as Aulas Régias, em perfeita sintonia com o Iluminismo português, ou
seja, cristão e católico.
Valendo-se daquelas ordens religiosas que permaneciam na Metrópole, a Coroa também passou
a realizar concursos para contratar novos mestres e assim dar conta do ensino pós-reforma.
Os novos professores foram então remunerados com recursos provenientes de impostos cobrados
na venda da aguardente e de carne abatida nos açougues. Denominado Subsídio Literário, esse recolhi-
mento mostrou-se insuficiente e não raras vezes foi utilizado em práticas clientelistas de toda sorte.
Por seu turno, os professores régios não deixavam de escancarar as dificuldades encontradas no
­desenvolvimento de seu ofício. Como fervorosos batalhadores da laicização da educação no Brasil,
avessos ao ensino peripatético ainda em vigor, não poucas vezes se dirigiram às autoridades. Veja a
representação enviada à Rainha D. Maria I, em 15 de janeiro de 1787, por João Marques Pinto e Ma-
noel Ignácio da Silva Alvarenga, respectivamente professores de grego e retórica:
Senhora – Nós os Professores Régios de Humanidades desta cidade do Rio de Janeiro abaixo nomeados, vendo
com mágoa o abatimento em que se acham os estudos régios, não podemos deixar de pôr [...] as causas de tão
funesto efeito, e apontar alguns meios com que estas nos parecem que poderão ser atalhadas para que não diga o
público presentemente, nem a posteridade para o futuro, que nós advertidos pelos fatos passados, deixamos expi-
rar em nossas mãos sem lhes procurar algum remédio, uns estudos que vimos há pouco serem restaurados à custa
de tantos trabalhos pelo Augustíssimo Senhor rei Dom José da ruína em que estiveram sepultados por espaço
de dois séculos, a fim de fazer feliz a sua Monarquia. [...] Criando pela lei de 06 de novembro de 1772 escolas de
A quem cabia educar no Brasil setecentista?

Filosofia, Retórica, Língua Grega nas cabeças de Comarca, como terras mais populosas,
para tirar da infeliz ignorância seus Vassalos, e promovê-los à mesma prosperidade em
que se acham aqueles povos onde estas e as outras ciências mais florescem.

Porém tal lei permanecia inócua. Fôra tamanha a resistência das ordens reli-
giosas em aplicá-la, na cidade do Rio de Janeiro, que tais estudos haviam sido
não só abandonados pela mocidade que se destina ao Sacerdócio, por ser admitida fran-
camente às Ordens, mas também (o que é mais) que os Clérigos e Religiosos devendo ser
os primeiros em aconselhar [...] são pelo contrário os que mais se põem em campo contra
eles a favor da ignorância e superstição, e os que mais se esforçam em persuadir a dita mo-
cidade e mais vassalos de Vossa Majestade a que os desprezem, chegando os Religiosos,
arrogando-se o ensino da mocidade [...] ao excesso de arrancarem industriosamente de
nossas aulas para as suas, apesar dos nossos clamores, quantos desses poucos discípulos,
que nós tínhamos, lhes foi possível, sem que ainda soubessem, como devia ser, Gramática
Latina, nem as outras faculdades que lhes ensinávamos, atropelando as Ordenações de
Vossa Majestade [...] das instruções feitas para regular as escolas Reais, e isto para que
entretanto a mocidade por uns poucos de anos com a sua filosofia peripatética, já proibida
pelas Leis como inútil e prejudicial ao progresso das ciências, e desviando-a de se ilumi-
nar com os estudos de Vossa Majestade, a conservarem sem a mínima resistência na sua
obediência por meio de uma ignorância que põe em descrédito a mesma Nação, como há
pouco praticaram os Religiosos Beneditinos, e de Santo Antônio, e praticarão para o futu-
ro se a força superior de Vossa Majestade não coibir os seus despóticos excessos. (RHIGB
apud SANTOS, 1992).

Rebatendo também as críticas desfechadas pelas ordens religiosas de que não


cabia aos seminaristas saírem com suas becas para freqüentarem aulas de profes-
sores em casas particulares, os mestres de humanidades solicitavam que o prédio
no qual funcionava o ex-colégio dos jesuítas fosse transformado em colégio pú-
blico para que ali ministrassem aulas e realizassem as demais funções literárias
ordenadas. Convictos de que as forças dos conselhos são mais persuasivas do que
as armas, reivindicavam também: “nenhuma pessoa se assente praça de cadete
(onde certamente se sobe aos postos militares) sem ter seguido os mesmos estudos,
segundo exemplo das nações mais civilizadas”. (RHIGB apud SANTOS, 1992).
Enfim, propunham que nenhum vassalo da cidade do Rio de Janeiro se or-
denasse sem apresentar certidões autênticas de ter estudado com aproveitamento
língua latina e grega, retórica e filosofia nas escolas régias, “por serem estas as
únicas aonde se ensina à mocidade pelos métodos de sábios planos, [...] pois a Fi-
losofia já banida que os religiosos ensinam ao público (devendo somente ensiná-la
aos seus alunos Religiosos) consiste em umas apostilas peripatéticas, cheias de
questões escuras e inúteis” [...] que só lograriam fazer perder o gosto pelos estu-
dos, consumindo inutilmente anos. Afirmavam que o Rio de Janeiro deveria espe-
1 As aulas régias de gra-
mática latina foram mui­to
escassas no Setecentos. Em
lhar-se no Bispado de São Paulo, pois lá o iluminado prelado cobrava dos futuros
1772 só havia 15: 2 no RJ; 3 sacerdotes o conhecimento dessas matérias. (RHIGB apud SANTOS, 1992)1.
na BA; 4 em PE; 3 em MG; 1
no PA e ainda 1 em SP. Aulas
de grego e filosofia somente As ordens reais pareciam não ter o efeito esperado de sorte que a reforma
existiam no RJ e BA e aulas
de retórica também eram re-
pombalina dos estudos não foi efetivada de maneira uniforme pelas capitanias
duzidas. Consultar Dicioná- brasileiras. As aulas régias de primeiras letras previstas para existirem em todas
rio da história da colonização
portuguesa no Brasil, organi- as vilas nunca agregaram os mestres necessários, pois o recolhimento do subsídio
literário não alcançava pagar nem os magros salários ofertados. (SILVA, 1994).
zado por Maria Beatriz Nizza
da Silva (p. 82-3).

58
A quem cabia educar no Brasil setecentista?

Mesmo após a vinda da família real para o Brasil, não parece ter havido ime-
diata alteração na qualidade da educação escolar. Das aulas de primeiras letras às
aulas régias – as classes foram ministradas de forma avulsa, faltando professores,
manuais e recursos para custear a educação pública. (VILALTA, 1997).

Os colégios-seminários: a Educação
vetada aos judeus, negros, mulatos
e aos filhos de “uniões ilícitas”
Tamanha falta faziam os recursos que expedientes diversos foram utilizados
quando a carne escasseava e, então, o Subsídio Literário despencava. D. Azeredo
Coutinho, por exemplo, no desempenho da Direção-geral dos estudos em Per-
nambuco, ao defrontar-se com uma intensa seca que rareou os estoques de carne
fresca abatida, passou a exigir que fossem cobrados tributos sobre a carne-seca,
além daqueles aplicados sobre a carne importada. A fora ter criado na Diocese de
Olinda, um imposto pessoal sobre todos os habitantes com mais de 12 anos, ale-
gando ser essa a única possibilidade para que estudantes e seminaristas pobres in-
tentassem formar-se no Colégio-seminário daquela diocese. Diga-se de passagem,
instituição só freqüentada por jovens ricos, no qual aprendia-se gramática latina,
retórica, filosofia – com ênfase na natural – pois esta permitiria o levantamento
das riquezas naturais do Brasil, geometria e teologia (ALVES, 2000).
O Seminário de Olinda, em que pese suas particularidades em grande medi-
da alavancadas por Azeredo Coutinho, no que tange aos educandos freqüentado-
res em nada ficava a dever aos demais em sua época. Mantinha a tradição desses
educandários em todas as ordens: formar seus próprios quadros. E mais, neste
caso específico o seminário fora fundado pela ala regalista da Igreja Católica, de
cunho privado, porém financiado com recursos públicos.
Alves assim aponta as fontes de recursos do Seminário:
[...] o Subsídio Literário, alargado ao incidir também sobre a carne-seca, e o impos-
to pessoal de vinte réis. Logo, a partir dos doze anos, indiscriminadamente, todos os
habitantes da capitania contavam-se como seus contribuintes. Contudo, não podiam
usufruir dos serviços do colégio-seminário jovens nascidos de ligações matrimoniais
ilícitas, que abundavam nos albores do século XIX, nem judeus, negros e mulatos, so-
bre os quais pesava ‘infamia de jérasão das reprovadas em Direito’. Assim a totalidade
dos cidadãos era obrigada a custear os serviços escolares, mas a grande maioria, desde
o princípio, não apresentava os ­pré-requisitos impostos pelos rígidos critérios que se-
lecionavam os colegiais. Jovens pobres e órfãos jamais usufruíram de seus benefícios.
(ALVES, 2000, p. 73).

Frente a tantas vicissitudes não seria de se estranhar, a escassa valoriza-


ção atribuída à escola pela população pobre colonial. Parafraseando Vilalta, para
a grande parcela das gentes era impossível valorizar a escola: como fazê-lo se
a luta pela sobrevivência ou a ambição no caso dos colonizadores, levava-os a

59
A quem cabia educar no Brasil setecentista?

embrenhar-se pelos matos à procura de metais, “peças”, almas, animais [...]. Como
fazê-lo, ainda, sendo escravos, estando sujeitos a outrem? Como pensar em escola,
por fim, sendo homem livre expropriado, pobre, em uma palavra “desclassifica-
do”, encontrando-se sempre sob a expectativa de recrutamento pelas autoridades
para a execução de tarefas das mais diversas?
Haveria alguma possibilidade de a escola sensibilizar a esses homens e
aos seus filhos?

Corporações de ofício: homens brancos


e livres aprendiam atividades manuais
Filhos de pessoas de “menor qualidade” – referência de época às camadas
populares – no máximo poderiam trabalhar e aprender às custas de sustento e
cria­ção, e quem sabe assim, adestrar-se em algum ofício mecânico. E olhe lá,
pois os melhores mestres cobravam o aprendizado. Os aprendizes boticários, por
exemplo, além do trabalho desempenhado no dia-a-dia, quando ousavam apren-
der com os melhores do ofício, só conseguiam mediante pagamento. Embora mui-
tos deles fossem escravos, não encontrei fonte que ateste que um só deles tenha se
tornado um boticário (MARQUES, 1999).
No Brasil colonial esse ofício mecânico tinha certo status de tal sorte que os
escravos não logravam senão desempenhar os ofícios de sangrador ou barbeiro.
Como salienta Beatriz Nizza da Silva (1993, p. 326), negros desempenhavam seus
ofícios, inclusive em leprosários nos quais outros oficiantes da cura negavam-se
a trabalhar: “só há [no Hospital de Lázaros no Rio de Janeiro] ao presente dois
barbeiros, escravos, capazes, que se ocupam em ajudar a curar as feridas dos en-
fermos, sangrá-los, a cujo exercício indivíduo algum de condição livre se quererá
sujeitar, pelo asco e horror que causa a enfermidade”.
Como vês, caro aluno, o expediente de trabalhos indignos ou menores –
principalmente aquele realizado com as mãos – tem permanecido como atividade
a ser realizada não pelos escravos, porque livramo-nos dessa violência, mas por
pessoas das classes populares.

60
O século da Pedagogia
e os vínculos com a
sociedade:
a Educação oitocentista

Novos sujeitos passíveis de serem educados

O
século XIX é herdeiro das três revoluções do Setecentos: a Industrial, a Francesa e a Ame-
ricana. Entendido como o século do triunfo burguês, nele muitos desafios foram colocados
para a Educação.
Tratava-se de educar as massas populacionais que aportaram nas cidades em vista da expansão
das fábricas, privilegiando os ideais de liberdade e do direito, a todos ampliado. Lembremos uma das
máximas proposta pela Revolução Francesa: pretendia-se contemplar a Educação como direito de
todos e dever do Estado.
O “século da pedagogia” como afirma Cambi (1999, p. 413-4), deparou-se com o
advento da sociedade de massa e com a afirmação do industrialismo, viu-se diante do problema da conformação
a novos modelos de comportamento de novas classes sociais, de povos, de grupos, realizáveis apenas através da
educação, mas uma educação nova (organizada de forma nova) regulada por teorias novas, por uma pedagogia
consciente do desafio a que ela deve responder. Um século bastante rico em modelos formativos, em teorizações
pedagógicas, em compromisso educativo e reformismo escolar, em vista justamente de um crescimento social a
realizar-se de maneira menos conflituosa possível e de forma mais geral. É certo, porém, que este compromisso
político-social da pedagogia não será inteiramente realizado, pelos conflitos entre forças sociais diferentes e seus
modelos educativos que se ativarão no curso do século e que alimentarão, todavia, a riqueza e a criatividade da pe-
dagogia, a sua intensa participação no complexo e contraditório desenvolvimento da sociedade contemporânea.

Os sistemas nacionais de Educação estão em pauta e todos disputam o controle da escola. Go-
vernos, pedagogos, filantropos, burgueses iluminados, partidos, igrejas, procuram impor seus modelos
educacionais. A proposta de uma educação nacional como mola propulsora de uma nação civilizada
conta com a figura de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), entre os seus mais destacados inspiradores.
A escola pública aparece como o instrumento fundamental para o crescimento educativo das
sociedades industriais. Sob os auspícios de leis maiores, o ensino elementar expande-se ao longo de
todo o século, tanto na Europa como na América. Leiga e universal, gratuita e obrigatória a educação
é proposta como direito dos cidadãos. O que já não acontece na mesma medida com a escola secun-
dária, quase que exclusiva para aqueles que depois cursarão as universidades, centros de excelência
e desenvolvimento da pesquisa científica. Para as crianças de 0-6 anos também são criadas escolas, e
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista

contidamente avança o ensino para as mulheres. Há uma maior preocupação com


a formação daqueles que ensinam. Os professores também ganham suas escolas.1

As escolas para crianças pobres;


escolas para o povo
O suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) é considerado o idealizador
das escolas populares. Influenciado pelo pensamento de Rousseau e também mo-
vido pelo movimento romântico foi o primeiro criador de uma escola para órfãos
na qual ensinava-se leitura, escrita e cálculo, além de uma prática laborativa.
Entendia que a humanização 2 perpassava a ação educativa iniciada na
família, porém, completada na escola. E as crianças deveriam aprender fa-
zendo, trabalhando.
Em 1798 reuniu crianças abandonadas e tratou de cuidar delas. Ali de-
senvolveu o método de ensino intuitivo e mútuo e certamente seguiu os prin-
cípios delineados nas obras Leonardo e Gertrude, publicada em 1781 na qual
elenca propostas acerca de reformas política, moral e social e Como Gertrude
instrui seus filhos, de 1801, ambas de sua autoria. Como remarca Cambi (1999,
p. 419), Pestalozzi
desenvolve uma educação elementar que parte dos ‘elementos’ da reali­dade, tanto no en-
sino lingüístico como no matemático, analisando-os segundo o ‘número’, a ‘forma’ e a
‘linguagem’; essa didática da intuição que segue as ­próprias leis da psicologia, a infantil
em particular, que ‘procede gradativamente da intuição de simples objetos para a sua de-
nominação e desta para a determinação das suas propriedades, isto é, a capacidade de sua
descrição e desta para a capacidade de formar-se um conceito claro, isto é, defini-los’.

Ao fundar o famoso internato de Yverdon (1805), freqüentado durante seus


vinte anos de funcionamento por destacados intelectuais, vide Fröbel, Madame
de Staël e estudantes de todos os países da Europa, adotou um currículo que dava
ênfase à atividade dos alunos.
1 A formação dos pro-
fessores será tratada no Apresentava-se no início objetos simples para chegar aos mais complexos; partia-se do co-
Brasil em vista desta pro­ nhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Por
fissionalização estar em
­estreita consonância com a isso, as atividades mais estimuladas em Yverdon eram desenho, escrita, canto, Educação
formação dos Estados, embo- Física, modelagem, cartografia e excursões ao ar livre. (GADOTTI, 1996, p. 98).
ra sem perder as caracterís-
ticas gerais de sua constitui-
ção. (CATANI, 2000). Assim, três teorias norteiam o pensamento de Pestalozzi:
1. o processo educativo deve seguir a natureza, no qual espelha-se em
2 “A pedagogia do neo-
humanismo elaborada
na Alemanha por Friedrich Rousseau;
Schiller, Wolfgang e Wilhelm
von Humboldt, apre­senta-se 2. o homem deve ser formado espiritualmente como unidade de coração,
como uma referência explí-
cita ao huma­n ismo do século mente e mão (arte), o que contempla a educação moral, intelectual e pro-
XV e XVI e desenvolve-se
como uma reflexão orgânica fissional;
em torno do homem, bem da
cultura e da sociedade em que 3. a instrução parte da intuição e do contato direto com as experiências vi-
ele deveria idealmente viver”.
(CAMBI, 1999, p. 420). venciadas pelo aluno. (CAMBI, 1999).

62
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista

O legado de Pestalozzi mantém-se na contemporaniedade: apreende a peda-


gogia e a educação em toda a sua problemática, “e também na sua centralidade e
densidade históricas”, como assinala Cambi.
Outros pedagogos também focaram seus trabalhos na educação dos mais
pobres. Na Itália, principalmente no norte e no centro, proliferaram “escolas de
ensino mútuo” voltadas para o atendimento dessa faixa da população. Dentro do
objetivo de ensinar a ler, escrever e calcular procurava desenvolver nas crian-
ças um comportamento de solidariedade recíproca, utilizando como monitores
os alunos mais aplicados, capazes de auxiliar o professor na tarefa de instruir um
número maior de educandos.
Um crescimento lento da escola elementar e popular é diagnosticado por
Cambi, nos diversos sistemas nacionais de educação geridos pelo Estado. “Reali-
za-se uma escolarização das massas, por vezes através de vias muito empíricas e
de validade duvidosa (como o ensino mútuo) que estendem, porém, os rudimentos
da instrução” a classes excluídas até então. Até a primeira metade do século as
escolas privadas teriam assegurado uma certa instrução ao povo.
Só na segunda metade – após a regulamentação do trabalho infantil e a fixação da idade
mínima para o início do trabalho (aos nove anos, na Inglaterra de 1833) – é que se opera
uma escolarização mais difundida tendo em vista uma alfabetização de massa. Mas foi
só em 1870 que se delineou – na própria Inglaterra – um sistema completo de instrução
nacional, tornado obrigatório só em 1880, enquanto em 1891 foram abolidas as taxas para
a escola elementar. (CAMBI, 1999, p. 493).

A educação do povo também foi debatida por Karl Marx (1818-1883). Rela-
cionando educação e sociedade, acreditava que não havia possibilidade de pensar
as práticas educativas de uma determinada sociedade desvinculadas da situação
socioeconômica e da luta de classes. Ao despojar a pedagogia de qualquer aspecto
que diga respeito à neutralidade inseriu-a no mundo da política e do social. Assim
a proposta educativa de Marx e Engels3 desenvolve-se intrinsecamente ligada ao
“papel fundamental atribuído ao trabalho no âmbito escolar”, vinculado ao trabalho
produtivo da fábrica e, portanto, à sociedade na qual se insere. (CAMBI, 1999).
Assim consolida-se a relação entre indivíduo e ambiente histórico-natural,
fundamental para a humanização do homem. “Nas Instruções aos delegados,
Marx afirma ‘numa situação racional da sociedade, toda a criança sem distinção
a partir dos nove anos de idade deveria torna-se um operário produtivo’, e supõe
uma divisão das crianças em três classes de idade (dos 9 aos 13 anos; dos 13 aos
15; dos 16 aos 17), nas quais a atividade laborativa deve ser respectivamente de
duas, quatro e seis horas”, sempre acompanhada da instrução pensada como for-
mação espiritual, educação física (ginástica a exemplo dos exercícios militares) e
instrução politécnica ou tecnológica. (CAMBI, 1999).
O modelo de educação marxista,
introduziu na pedagogia contemporânea pelo menos duas propostas que podem ser consi-
deradas revolucionárias: a referência ao trabalho produtivo, que se punha em aberto con-
traste com toda a tradição educativa intelectualista e espiritualista, e a afirmação de uma
3 Friedrich Engels (1820-
1895) é um dos fundado-
res do materialismo histórico,
constante relação entre educação e sociedade, que se manifesta tanto como consciência de juntamente com Marx.

63
O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista

um valor ideológico da educação como projeção ‘científica’ de uma ‘sociedade liberada’,


também no campo educativo. (CAMBI, 1999, p. 485).

Na Comuna de Paris, por exemplo, o modelo de Marx e Engels se fez pre-


sente: a instrução popular não contemplava qualquer finalidade religiosa, proibida
inclusive; todas as crianças deveriam receber a mesma instrução, independente
da sua classe social, devendo a mesma ser gratuita; as mulheres teriam a mesma
instrução proporcionada aos homens. Iniciam-se novas instituições de ensino com
ampla preparação profissional aliadas à uma rigorosa instrução científica. “Por
fim, uma atenção especial foi dedicada aos ‘abrigos’, nos quais foi introduzida
uma educação completa da criança”. (CAMBI, 1999, p. 485).
Também na Itália abriram-se abrigos “de escola infantil para os pobres”.
Seu idealizador Ferrante Aporti (1791-?), afirmava que 12% da população estava
constituída de crianças pobres que não poderiam andar a mendigar. No enfrenta-
mento deste quadro propunha como solução o atendimento de crianças de 2 anos
e meio a 6 anos em abrigos que, inspirados no método de educação intuitiva de
Pestalozzi, instruiriam as crianças através de jogos, oração, canto e desenho.

A Educação dos pequenos


O alemão Friedrich Fröbel (1782-1852) fundou uma escola para crianças
denominada “Instituto para os pequeninos”. É apontado como o pedagogo do ro-
mantismo4 e o grande idealizador do “jardim-de-infância” (o kindergarden); até
então só havia abrigos-da-infância, espaços com características somente de reco-
lhimento.
Segundo a proposta de Fröbel, os jardins-de-infância deveriam desenvolver
atividades coordenadas por uma professora especializada e, diferentemente das
escolas, encarregada mais em orientar do que propriamente administrar ou ge-
renciar. Fröbel acredita que o espaço dedicado às crianças deve estar aparelhado
para jogo e o trabalho infantil, como também para as atividades de canto. “No
jardim é a ‘intuição das coisas’ que é colocada no centro da atividade, é o jogo
que predomina”. Devem existir áreas verdes e canteiros para estimular as variadas
atividades das crianças. (CAMBI, 1999).
Ele acrescentava ainda atividades de dados: material didático constituído de
objetos geométricos que iniciariam os pequenos na compreensão da essência da
natureza, dotados de valor simbólico e didático5.
4 “Para ele o mundo intei-
ro é a imagem sensível do
devenir do espírito humano”. A pedagogia fröbeliana fixou uma imagem da infância como idade criativa e fantástica,
(CAMBI, 1999, p. 425). que deve ser ‘educada’ segundo suas próprias modalidades e que é, talvez, o momento
crucial da educação, aquele que lança as sementes da personalidade futura do homem
5 Essa teoria dos “dados”
foi o aspecto mais criti-
cado das propostas de Fröbel
e que; portanto, deve ser enfrentado com forte consciência teórica e viva sensibilidade
formativa. Com Fröbel, estamos diante de um pedagogo que, pela primeira vez depois
por ter sido considerada arti-
ficiosa, matemati­zante e abs-
de Rousseau, redefiniu organicamente a imagem da infância e teorizou a da sua escola.
trata. (CAMBI, 1999). (CAMBI, 1999, p. 427).

64
Os anos oitocentos
no Brasil: cabe derramar
a instrução para todas
as classes

E
xaminando a Constituição política do Império do Brasil, jurada em 25 de março de 1824, obser-
vamos em sua letra um avanço significativo: a instrução elementar estava garantida. O artigo
179, parágrafo XXXII indicava: a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos. A criação
de escolas de primeiras letras deveria ser efetivada em todas as cidades, vilas e lugarejos, reservando-
se às comarcas o ensino secundário. Criar-se-iam ainda aulas para as meninas nas cidades e vilas mais
populosas, promovendo os estudos “o quanto é possível”, como dizia D. Pedro em alusão ao Colégio
das Educandas, fundado no Rio de Janeiro sob a direção do bispo local, “para instruir moças”, como
registra Chizzotti (2001).
Na província do Paraná, por exemplo, onde também foram criadas classes voltadas às crianças
do sexo feminino diversas foram as dificuldades para a consecução desse objetivo, a começar pela
indefinição do currículo. Em 3 de novembro de 1879, a professora Maria Rosa dos Santos, professora
primária da vila de Palmeira, dirigiu-se ao diretor geral da Instrução Pública para apontar as dificul-
dades que se apresentavam ao bom andamento de suas aulas:
Ensinar a ler é ‘acender o lume’, diz Victor Hugo. Porém nesta sábia asserção estão compreendidas muitas per-
cepções que devem subentender-se. Assim mesmo à meninas deve-se ensinar o mais perfeitamente possível. Ora,
a ciência que ensina a ler e escrever perfeitamente (e por conseguinte, a falar corretamente) é a gramática; mas
a gramática é o pomo vedado às meninas por certo número de pais, senhores absolutos de suas filhas! Nestas
conjeturas esmorece a dedicação, falece o ânimo, aniquila-se o prazer e impossibilita-se os exames finais nas
escolas. (BAP, 1988).

Prosseguia ainda, salientando a necessidade de maiores recursos para o aluguel da casa e uten-
sílios essenciais tais como mesas e cadeiras.
Meninas tendo acesso à escola, revelava-se um avanço, mesmo que ainda separadas dos meni-
nos. Ao que tudo indicava, teríamos educação para o povo.
Mas não aconteceu exatamente assim. Apesar dos intensos debates legislativos registrados nas
Assembléias Provinciais, preocupadas com a “necessidade de escolarização da população, sobretudo das
chamadas ‘camadas inferiores da sociedade’” (FARIA FILHO, 2000), a lei não se cumpria no seu todo.
A elite imperial educava seus filhos através de preceptores, preferentemente estrangeiros. Pre-
ceptoras francesas ou alemãs, como Ina von Binzer, desembarcaram no Brasil aptas a educar filhos
de fazendeiros ou pupilos provenientes de famílias abastadas. (RITZKAT, 2000).
Sem acesso a essas facilidades, a grande massa analfabeta permanecia apartada da escola,
caracterizando uma situação ainda precária, embora se desenvolvessem importantes iniciativas edu-
cacionais no âmbito de diversas províncias, na tentativa de implantar um sistema escolar de ensino
mútuo, por meio do método lancasteriano.
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

Vale citar, por sua importância, a experiência de implantação do método


lancasteriano no Brasil que, apesar da dimensão alcançada, não conseguiu se con-
solidar como alternativa eficaz. Na Inglaterra, o método imaginado por Lancaster
e Bell previa que os próprios educandos, na condição de alunos-mestres, seriam
incumbidos da tarefa de ensinar outros alunos. A proposta que inicialmente pa-
recia atender reivindicações há muito colocadas no sentido de proporcionar edu-
cação ativa, cooperativa e humana, permitiria a formação de um número maior
de alunos. Ensinando simultaneamente, leitura e escrita, revelou-se, no entanto,
limitada, pois não foram satisfeitas minimamente as condições necessárias para
seu adequado desenvolvimento. (BASTOS; FARIA FILHO, 1999).
Os professores primários em sua grande maioria mal remunerados, eram
considerados sem preparo adequado pelas autoridades e, comumente, casti-
gavam corporalmente seus pupilos. Em 1888, havia 250.000 alunos na escola
primária para uma população de mais de 4 milhões de habitantes, assinalava
Werebe (1985).
Porém, estudos mais recentes baseados em novas pesquisas, têm demons-
trado que nem tudo eram “trevas”. A título de ilustração: na cidade de Curitiba,
nos idos de 1874, um professor, José Cleto da Silva, fundou e manteve após a lei
que proibiu o tráfico, uma aula de ler, escrever e contar para escravos e operários
do sexo masculino. Nessa aula de instrução primária encontravam-se 13 mulatos,
5 fulos e 5 pretos, sendo 21 deles ainda “posse de seus senhores” e com autoriza-
ção para lá estarem. O professor, ainda em 1874, escreveu ao presidente da Provín-
cia solicitando apoio ao seu empreendimento, no qual enfatiza: “dedicando-me ao
ensino da classe menos protegida pela fortuna, só tenho em vista prestar um bem
ao meu país, sendo útil e melhorando a condição daqueles que mais precisam pelo
seu estado e posição ­social”. (PANDINI et al., 2000).
Já o ensino secundário estava reservado aos Liceus criados nas capitais de
cada província. No entanto, a conjugação dos parcos recursos existentes com uma
política inadequada de tributação e arrecadação limitava em muito a capacidade
de ação das províncias no campo educacional. (ROMANELLI, 1997). Mas, o que
parece ter sido a tônica foi a tentativa de reunir antigas aulas régias em Liceus
desprovidos de um ­mínimo de organização. Convém salientar que no Oitocentos,
o ensino secundário ­tinha como principal finalidade o preparo do aluno para os
cursos superiores, atribuindo-se muitas vezes às próprias escolas os exames de
admissão exigidos para ingresso nos referidos cursos.
Não é de surpreender, portanto, que as escolas secundárias particulares des-
tinadas àqueles que pudessem pagar se multiplicassem e prosperassem e que as
ordens religiosas permanecessem responsáveis por esse nível de ensino. Registra-
se ainda que já na segunda metade dos Oitocentos, houve uma disseminação de
escolas vinculadas a grupos protestantes. (ALBINO, 1996).
Em 1837 criou-se no Rio de Janeiro o famoso colégio D. Pedro II com o ob-
jetivo de servir de modelo aos demais liceus provinciais. Estes, porém, encontra-
vam dificuldades, a considerar a falta de professores preparados, prédios adequa-

66
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

dos e materiais necessários. Assim os liceus de Curitiba, Natal, São Luís, dentre
outros, foram fechados.
O relatório do ano de 1858 da Inspetoria Geral da Instrução Pública apre-
sentado ao presidente da província do Paraná revelava mais uma dificuldade a ser
posta: “todo arbitrário que era o plano, como a divisão do ensino, torna atualmen-
te difícil a colocação dos alunos nas classes estabelecidas, tanto mais que os pro-
fessores em geral propensos a fazer figurar nas escolas a classe superior, alunos
que não estão preparados. Tal estado de cousas tornam solitárias e silenciosas as
aulas secundárias, por falta de mocidade preparada para elas”. (BAP, 1984).
Na tentativa de suprir a crônica falta de professores, são criadas naquele
século, as primeiras escolas normais brasileiras.

Cabia formar professores


O magistério inserido na educação média teve em Niterói seu primeiro esta-
belecimento, fundado no ano de 1835, e que depois seria unido em 1847 ao Liceu
Provincial de Niterói. (VILLELA, 2000).
Naquele período a grande preocupação das escolas normais estava vol-
tada à necessidade de divulgar uma mentalidade moralizante, maior até do
que difundir conhecimentos. Havia que se controlar o próprio trabalho do
professor, possível com o fortalecimento do sistema de inspeção (VILLELA,
2000), assim revelado neste relatório da Inspetoria Geral da Instrução Pública
do Paraná, no ano de 1858:
Já podemos na atualidade nos preocupar com mais razão e esperança de melhor sucesso
do trabalho, do método e da disciplina do pedagogo, visto como, meios se têm empregado
para atrair o pessoal apto para o magistério público, melhorando, como se tem melhorado,
a sorte de tais funcionários. É verdade que a aptidão provada não basta; porque se não
existir uma vigilante inspeção, sobre a escola, o professor irá sempre diminuindo de es-
forço ou pelo menos ficará estacionário no seu trabalho.
Na inspeção está tudo; esta vela no progresso da pedagogia, estimula os brios do professor
e torna-se o complemento da escola. (BAP, 1984).

Os currículos das escolas normais em pouco diferiam daquele da instrução


primária, a não ser metodologicamente. Nele os professores precisavam dominar o
método lancasteriano, apesar da pouca eficiência demonstrada. Porém, o potencial
moralizador do método tudo parecia suplantar. Aplicá-lo significava desenvolver
hábitos de disciplina, ordem e hierarquia, sem a necessidade de apelar para as
punições (VILLELA, 2000). E só vinham garantir os esforços dispensados pelas
vigilantes inspeções a que estavam submetidos os professores. Na acepção das
autoridades educativas, a formação pela disciplina moralizada tornava-se mais
importante ao professor do que o domínio de conhecimentos. Cabia mais confor-
mar do que informar.
Em uma sociedade patriarcal, baseada no trabalho escravo, como desenvol-
ver um ensino público de segundo grau de boa qualidade?

67
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

O ensino que profissionaliza


O ensino profissionalizante, por sua vez, não oferecia atrativos às classes
sociais subalternas para as quais era pensado e as “classes emergentes” queriam
livrar-se da pecha das ocupações consideradas de segunda categoria, vide o exem-
plo das escolas de agricultura fundadas ainda sob D. João VI, cujas vagas ofere-
cidas não era preenchidas.
Os Liceus de Artes e Ofícios destinados à classe operária tinham o intuito
de instruir racionalmente, via técnicas modernas, as artes e ofícios industriais.
Tanto no Rio de Janeiro (1858) quanto em São Paulo (1873) ofereciam-se cursos
gratuitos, mantidos por Sociedades como a Propagadora de Belas Artes no caso
do Rio, ou a Sociedade Propagadora da Instrução Popular em São Paulo. Veta-
dos aos escravos, somente ofereciam cursos para os ofícios desempenhados por
homens livres, e ensinando àqueles considerados convenientes. (CUNHA, 2000).
O ensino superior aparecia como a escola de maior atenção no Brasil
imperial, situação cômoda se não fosse trágica, em face da massa de anal-
fabetos existente.
Predominavam os cursos de Direito, seguidos de Engenharia e Medicina,
principalmente em meados do Oitocentos. O país precisava de quadros políticos,
técnicos e administrativos genuinamente nacionais como forma de desfazer qual-
quer vínculo metropolitano. Assim, desde 1825, D. Pedro incentivava a implanta-
ção de cursos de Direito. Era de suas fileiras que saíam nossos letrados fosse para
a política ou cargos administrativos. Formação que guardava o teor retórico e a
eloqüência no qual contavam muito mais as palavras como ressalta Fernando de
Azevedo, na obra A cultura brasileira.
Os engenheiros, por sua vez, se faziam necessários nos empreendimentos
de várias áreas, tais como transportes, mineração e urbanização. A medicina e
suas áreas afins encontravam-se em alta, já que havia predominância de práticos
nas profissões da saúde, aos quais os médicos e suas instituições visavam afastar.
(COELHO, 1999).

Escolas para os pequeninos


Havia ainda a Educação das crianças pequenas, cuja faixa etária variava
de 0 a 6 anos. As primeiras escolas aparecem no Brasil em meados do século
XIX, denominando-se jardins-da-infância, escolas maternais ou ainda creches,
dependendo da inserção social da criança atendida. Até então somente crianças,
abandonadas, eram atendidas em locais especiais. Vide especialmente as Santas
Casas de Misericórdia que recolhiam crianças deixadas nas rodas dos expostos,
confiando-as a seguir às amas que as criariam até terem idade para ingressar em
outras instituições, fossem elas filantrópicas ou de formação para o trabalho1.
1 Recomendo o livro, His-
tória Social da Crian­ça
Abandonada de Maria Luíza As creches destinavam-se às crianças pobres, menores de 2 anos de idade,
Marcílio, São Paulo: Hucitec,
1998. cujas mães trabalhadoras não tinham com quem deixar seus filhos, sendo fun-

68
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

dadas somente após a proclamação da república brasileira. As escolas maternais


haviam substituído os ditos “asilos da segunda infância”, de acordo com o modelo
francês, e abrigavam crianças de 2-3 a 6 anos de idade, antecedendo-se assim à
escola primária. (KUHLMANN JR., 2000).
Já os jardins-de-infância poderiam abrigar também crianças de famílias
“bem de vida”, seguindo o modelo dos “jardins de infantes” em voga na Alema-
nha, de onde são oriundos.
O primeiro jardim-de-infância público é construído como um anexo da es-
cola Normal Caetano de Campos, em 1896, “materializando a proposta educacio-
nal do Partido Republicano Paulista. A escola primária e o jardim anexo seriam
um local de estágio para as professoras e difundiriam modelos para as escolas
oficiais em todo o estado, por meio da Revista do Jardim-de-Infância, que teve
dois números publicados”. (KUHLMANN JR., 2000, p. 477).
Somente na Constituição de 1988, o dever do Estado no que se refere à
educação das crianças, aparece na letra da lei, “mediante a garantia de [...] atendi-
mento em creche a pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estatuto
da Criança e do Adolescente, de 1990, destaca também, o direito da criança a esse
atendimento”. (KISHIMOTO, 2001).
Coube à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, com-
plementar ações constitucionais trazendo a educação infantil para o interior da
Educação Básica, como uma etapa do sistema educacional brasileiro, garantindo
a esse nível de ensino assento no sistema escolar. (KISHIMOTO, 2001, p. 227).

BRINCANDO nos campos do Senhor. Direção de Hector Babenco. EUA: Universal


Pictures, 1991.

69
Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes

70
A República sustenta
o direito à Educação?
Educação: questão nacional

D
esde o iluminismo a Educação tornara-se a grande responsável pela cons-
trução do cidadão. A república brasileira não fugia à regra. Os ideais re-
publicanos estavam a demandar modernização e civilização. Logo se fez
premente constituir instituições educativas que possibilitassem o ingresso da po-
pulação brasileira na República recém-instaurada.
Após a proclamação contávamos com nada menos do que 82,63% de anal-
fabetos, cifra considerada vergonhosa para a jovem nação, não podendo de forma
alguma compor o rol dos países cultos. (ROMANELLI, 1997).
Em 1890, criou-se a Secretaria de Negócios da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos, incorporada ao Ministério da Justiça, em 1891, com o firme propósito
de alterar essa realidade, porém sem nenhum recurso de maior monta previsto
para a instrução pública.
Com muitas propostas de reformas em discussão e sob a égide da Constitui-
ção da República de 1891, instituiu-se a descentralização do ensino, reservando-se
à União o poder de criar nos Estados instituições de ensino superior e secundário,
além de prover a instrução secundária no Distrito Federal. Coube assim aos esta-
dos cuidar da instrução primária e do ensino profissional.
Benjamin Constant, primeiro Ministro da Educação, propôs uma reforma
na qual o velho currículo humanista fosse substituído pelo currículo enciclopé-
dico, introduzindo as disciplinas científicas em um ensino seriado. Alterava-se o
ensino primário, o secundário e o superior, e criava-se o Pedagogium, semelhante
ao INEP dos nossos dias. (ROMANELLI, 1997).
O ensino primário, a quem se atribuiu a responsabilidade e competência para
reverter o alarmante quadro de analfabetismo no Brasil, adquiria nos estados as
mais diversas conformações. Variando muitíssimo de norte a sul, experimentava
novas saídas, principalmente em estados mais ricos, como ocorreu em São Paulo.

Templos da civilização: os grupos escolares


O livro Templos de Civilização – um estudo sobre a implantação dos gru-
pos escolares no estado de São Paulo (1890-1910) – mostra como essa novidade 1 A nova historiografia da
Educação brasileira vem
contrariando teses há muito
chegou e foi implantada no Brasil, expondo seus sucessos e fracassos, apontando difundidas de que o entu­
siasmo pela Educação seria
ainda para sua longevidade, já que os grupos escolares foram mantidos até os anos um fenômeno ocorrido após
1915, como afirmou Nagle e
da década de 19701. Exemplificando com experiências educacionais desenvolvi- outros autores.
A República sustenta o direito à Educação?

das, Rosa Fátima de Souza revela, inclusive, como as idéias escolanovistas já se


apresentavam na São Paulo daqueles anos.
Os grupos escolares, criados em São Paulo, traziam várias inovações. Apre-
sentando a escola primária como símbolo dos valores republicanos, encontravam-
se organizados nos princípios da racionalidade científica e na divisão do traba-
lho. A racionalidade pedagógica, por seu turno, transparecia na classificação dos
alunos, no estabelecimento de um plano de estudos, na determinação da jornada
escolar, visando atingir um ensino padronizado, uniforme e homogêneo. Estabe-
lecidos como escolas modelares, nelas ministrava-se o ensino primário completo,
com um programa de ensino enciclopédico, utilizando modernos métodos e novos
processos pedagógicos. (SOUZA, 1998).
Como alude a autora, em cerca de sete décadas, os grupos escolares consti-
tuíram o modelo preponderante de escola primária brasileira. Concebidos a partir
de um arcabouço liberal, quando o poder redentor da educação experimentava seu
auge, a escola e seus saberes pareciam tudo conseguir.
É claro que muitas eram as diferenças regionais. Os estudos atualmente pro-
duzidos têm revelado quão desiguais e criativas foram as tentativas engendradas
no intento de ampliar o acesso à educação nos mais diversos rincões do país. De
qualquer forma sabe-se que independentemente da fórmula adotada, ir-se-ia de-
parar com poucas escolas e que as existentes nem sempre funcionavam em salas
apropriadas e com material didático adequado; além do que, no geral, o quadro de
professores em sua maior parte não contava com a devida formação.
No entanto, reformas na letra da lei sucediam-se, embaladas por discus-
sões como as travadas no Congresso de Instrução de 1905, ou por trabalhos
teóricos, vide os de Carneiro Leão e os de José Veríssimo. Discutia-se a educa-
ção como dever do estado e a necessidade de ensinar as classes trabalhadoras.
(PAIVA, 1985).
Sem perder de vista os elevados indicadores do analfabetismo que conti-
nuavam a grassar no país em 1906, a lei 1.617 propunha o repasse de recursos
da União para os Estados que já aplicavam 10% de sua receita em educação.
(PAIVA, 1985).
As imbricadas relações entre sociedade e educação transpareciam nestas
propostas legislativas, denotando os movimentos e rearranjos que se promoviam.
Porém, a realidade não era nada alvissareira. Como afirmava Pascoal Leme:
as escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de
classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros ou, mandavam
aos poucos colégios particulares leigos ou religiosos (muitos deles de grande notoriedade).
Neste vasto país havia precárias escolinhas rurais em cuja maioria trabalhavam professo-
res sem qualquer formação, professores que atendiam populações dispersas em imensas
áreas; eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalina, após a
expulsão dos jesuítas. (LEME, 1988, s.p.).

72
A República sustenta o direito à Educação?

Juntando-se essa diversidade aos surtos de crescimento industrial e de urba-


nização, à formação da burguesia e aumento das classes médias urbanas, encon-
traremos ao lado do aumento exponencial na demanda por educação, um quadro
precário de ensino, agravado pelos recém-chegados imigrantes.

Imigrantes e Educação
Considerando que, ao aqui chegar não encontravam escola para seus filhos,
tomaram para si a tarefa de educá-los. Foi o caso dos colonos alemães no Paraná.
Vindos de um país no qual a instrução fora alvo de importantes conquistas, tudo
fizeram para propiciá-la a seus filhos aqui no Brasil.
Vejamos o que nos revela o professor Amorim, neste registro de 1884, loca-
lizado no Departamento de Arquivo Público do Paraná e utilizado como fonte de
pesquisa. (DEAP)
“Diz Luiz Gomes de Amorim que subindo já ao número de 34 meninos
inclusive 5 meninas que cotidianamente freqüentam a sua escola no lugar de-
nominado Colônia Muricy quarteirão do Cupim, vem requerer a Sua Senhoria
se designar atestar o suplicante acha-se em condições exigidas pela lei e se
possui os costumes morais para esse magistério” (25 de abril de 1884). Ao que
o Inspetor paroquial responde: “atesto tudo pela afirmativa”. (DEAP, Códice:
Instrução Pública).
Dessa forma, os colonos ao contratarem professores iam tentando dar conta
da educação dos filhos e da manutenção de suas tradições culturais, à revelia das
leis não-cumpridas no país em que viviam.
A partir de 1938, através da nacionalização compulsória, as diversas práticas
autóctones de educação foram banidas, silenciando-se suas histórias. Atualmente
a partir de fontes localizadas em sociedades e igrejas, começam a ser recuperadas,
e a história da educação dos imigrantes reescrita. (KREUTZ, 2000).
O Estado tratou então de incorporá-los às suas hostes e a escola pública tor-
nou-se veículo eficaz tanto de consolidação do regime, quanto da nacionalidade.

73
A República sustenta o direito à Educação?

74
A Educação higienizada

A ordem médica chega às escolas

U
m país amorfo, de habitantes analfabetos; como transformá-los em
povo e constituir a nação? Essa era a questão colocada pelos intelectu-
ais brasileiros, para a qual não vislumbravam fácil solução, nos inícios
do século XX.
Se o país fosse pensado por algum eugenista1, o problema ganhava tons ain-
da mais sombrios com o diagnóstico médico revelando-se ainda mais cruel: lugar
de doentes, viciados degradados, assolados pela degenerescência, por anarquistas
e baderneiros.
Na ótica desses intelectuais, tratava-se de regenerar as gentes do país tor-
nando-as saudáveis, disciplinadas e produtivas. Muitas foram as estratégias pen-
sadas e muitos os dispositivos acionados. Mas uma certeza perpassava a todos:
cabia educar o povo. Logo, a salvadora da pátria já estava eleita: a escola.
Os médicos higienistas assumiram prontamente a tarefa de regenerar a na-
ção via Educação. A higiene fazia parte dos currículos escolares desde a instau-
ração da República, quando de um ensino humanista passou-se para o enciclopé-
dico, com a entrada das ciências. Ademais a higiene estendia-se por várias searas,
e fora em seu nome, por exemplo, que cortiços foram derrubados e as populações
ali residentes afastadas, deslocadas para distantes vilas operárias. Era a higiene
intervindo de forma insidiosa sobre indivíduos e os espaços urbanos por eles ocu-
pados. Transvestida em uma espécie de gerenciadora da cidade e das populações
ela não tardou em chegar à escola.
Ademais, na década de 1920, a higiene especializou-se: através da eugenia
ela intentou controlar o homem enquanto espécie, entendendo que só por meio do
melhoramento da raça conseguiria regenerar o país.
Assim, os eugenistas viram na escola espaço adequado para constituir sujei-
tos higiênicos, eugenizados, moralizados, por fim civilizados.
Como essa operação foi efetuada?

1 Segundo Francis Galton,

A escola higiênica e
seu idealizador, a euge­
nia seria a ciência que se
preocuparia com a melhoria

as propostas eugenizadoras
da raça humana e, para tan-
to, procederia à identificação
dos seres mais bem dotados
física e mentalmente, favo-
Pretendiam como anunciado no II Congresso Brasileiro de Higiene, reali- recendo seus casamentos. Ao
facilitar a ação da evolução,
zado em Belo Horizonte, reservar à Educação higiênica função essencial na for- sua teoria converter-se-ia em
uma nova religião, científica
mação da raça. As escolas eram locais de excelência para a formação do corpo e moderna.
A Educação higienizada

e do espírito contemplando os educandos, simultaneamente, com a cultura das


faculdades físicas, intelectuais e morais. Como dizia o professor Almeida Júnior
“não basta legislar, convém educar”.
Educar no sentido de homogeneizar, normalizar. A forma encontrada: ação
eugenética construtiva, ou seja, Educação higiênica e propaganda dos princípios
da eugenia e da hereditariedade, e a edificação do corpo, para assim administrar
a procriação dos tipos não-desejáveis.
Como os eugenistas não conseguiram aprovar leis que garantissem uma
prole saudável, pois medidas como exame médico pré-nupcial não haviam passa-
do no legislativo, depositaram todos os seus cartuchos nos poderes educacionais
da escola. Pois, aí, os alunos poderiam ser persuadidos a realizar futuros casa-
mentos eugênicos2.
E o que seriam casamentos eugênicos?
Seriam aqueles realizados seguindo a prescrição devida, o que significava
realizar núpcias de casais eugenizados, “capazes de gerar elementos sadios, belos,
produtivos e úteis à sociedade”. Implicavam em “melhorar” o homem brasileiro,
ou seja “embranquecê-lo”, torná-lo dócil e apto ao trabalho produtivo. Era ne-
cessário aumentar a natalidade e reduzir a mortalidade infantil, multiplicando
os habitantes do país. Para isso, a depuração dos “sangues inferiores” tornava-se
necessária, diziam os eugenistas, quando se referiam aos negros e aos indígenas.

Saúde, moral e trabalho:


máximas para todos
Segundo Almeida Júnior (1922, s.p.),
a educação higiênica se aproxima da educação moral: tem que iniciar-se dogmática. O
aluno se fiará na ciência do mestre. Explique a este só o que puder ser compreendido,
mas não adie os hábitos e os conselhos cujos fundamentos estejam acima da inteligência
infantil. Quando for possível virá a razão de ser. E se não vier, ficarão, em todo o caso, os
hábitos. E os hábitos são quase tudo. Primeiramente os hábitos e depois a instrução.

O autor revelava-se fervoroso adepto da educação moral de Durkheim, na


qual estabelecia-se que: são as atitudes regulares e repetitivas as disciplinadoras
das ações dos homens e as formadoras da vontade.
Inculcar a vontade de obedecer tornava-se então tarefa da escola. O apren-
dizado do respeito às regras propiciaria o aprendizado da disciplina escolar, bem
como o próprio espírito da disciplina.
O médico e inspetor sanitário Carlos Sá salientava: “nos primeiros tem-
pos todos os esforços serão conduzidos no sentido de ‘criar novos instintos nas
crianças’, não para que aprendam preceitos sanitários, mas sim para que façam e
tornem a fazer gestos que um dia se lhes tornarão numa segunda natureza”.
As escolas primárias da época já eram modelares na própria concepção ar-
2 Os esboços dessas leis
podem ser consultados
em Marques (1993, p. 155-8). quitetônica: edifícios altos, amplos, iluminados, mobiliário adequado. Buscavam
76
A Educação higienizada

utilizar ademais métodos de ensino moderno em consonância com uma política de


“dar a ver”, amplamente utilizada pela ordem republicana. (CARVALHO, 1989).
Nestas primeiras décadas da República instruía-se detalhadamente acerca
da higiene nas escolas como bem demonstram as teses defendidas nas Faculdades
de Medicina, tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo.
Segundo os médicos seria de suma importância que os alunos soubessem
reconhecer uma escola higiênica, traçando paralelos com as demais e estabelecen-
do analogias com sua própria casa.
Pois assim, ao transitar dos hábitos de higiene desenvolvidos na escola aos
hábitos de higiene da própria casa, e daí ao universo da vida doméstica do aluno,
a escola estaria atingindo a família do educando.
Realizar-se-ia assim a simbiose perfeita entre higiene e educação moral.
Pois a higiene, com seus conhecimentos e práticas de bem viver, proporciona-
ria vida saudável e ao mesmo tempo, cultivaria a vontade, podendo elevar desse
modo o caráter da nação brasileira.
Vejamos um exemplo.
As práticas de higiene implicavam em normatizar o cotidiano, regulando
desde a escovação dos dentes até a formação do caráter, como bem expressam os
exemplos dos “pelotões de saúde” apresentados por Carlos Sá, no III Congresso
Brasileiro de Higiene, cujas regras eram:
1. Hoje escovei os dentes.
2. Hoje tomei banho.
3. Hoje fui à latrina e depois lavei as mãos com sabão.
4. Ontem me deitei cedo e dormi com as janelas abertas.
5. De ontem para hoje já bebi mais de quatro copos de água.
6. Ontem comi ervas ou frutas, e bebi leite.
7. Ontem mastiguei devagar tudo quanto comi.
8. Ontem e hoje andei sempre limpo.
9. Ontem e hoje não tive medo.
10. Ontem e hoje não menti.
O repetir diário dos deveres não só instituía “hábitos sadios nas crianças”
como intentava disciplinar tempo x ação dos educandos pela memorização e clas-
sificação do fazer a vida saudável, dentro de um universo de atividades perfei-
tamente administráveis: a roupa, a nutrição, o asseio e o modo de proceder- a
coragem e a verdade como hábitos mentais.
Os Pelotões de Saúde foram criados no Brasil por Carlos Sá, a exemplo dos
“jogos de saúde” que nos Estados Unidos originaram as cruzadas de saúde. Os
primeiros pelotões funcionaram no Rio de Janeiro, de onde se difundiram para
outros estados. Na caderneta (tipo a de reservista) eram anotados os deveres cum-
pridos, promoções e prêmios conseguidos nas atividades estipuladas.
77
A Educação higienizada

A prática das premiações tornava-se espetáculo saudável que a escola propi-


ciava às famílias e à população que as assistia, como exemplos de comportamen-
tos exemplares obtidos graças à disciplina do corpo e do espírito, afora o poder
normativo que se estendia de forma sutil e insidiosa, comparando, classificando e
hierarquizando os melhores.
Porém, o número de escolas ainda era pequeno e os eugenistas empenha-
ram-se juntamente com os educadores em ampliá-las, pois só assim seria possível
criar a consciência sanitária coletiva através da educação higienizadora.
A rede que se deu às mãos na tarefa de disciplinar a criança brasileira é
exemplar e estava representada por instituições médicas, filantrópicas, policiais,
educa­tivas e familiares.
O aluno plenamente higienizado e eugenizado seria o “perfeito trabalhador”,
tão necessário ao mercado de trabalho em formação nos começos do século XX.

GATACA. Direção de Andrew Niccol. EUA: Columbia Pictures Corporation, 1997.

78
Nos tempos da Escola Nova

O manifesto, novos métodos, novos programas


escolares: o aluno está no centro do processo educativo
Por escola nova se deve entender, hoje, um conjunto de doutrinas e princípios tendentes a rever, de um lado, os
fundamentos da finalidade da educação, de outro, as bases de aplicação da ciência à técnica educativa. Tais ten-
dências nasceram de novas necessidades, sentidas pelo homem, na mudança da civilização em que nos achamos,
e são mais evidentes, sob certos aspectos, nos países que mais sofreram, direta ou indiretamente, os efeitos da
conflagração européia. Mas a educação nova não deriva apenas da grande guerra. Ela se deve, em grande parte,
ao progresso das ciências biológicas, no último meio século, ao espírito objetivo, introduzido no estudo das ciên-
cias do homem. É possível resumir os pontos essenciais das novas doutrinas? Parece-nos que sim. Do ponto de
vista dos fins da educação, a Escola Nova entende que a escola deve ser órgão de reforçamento e coordenação de
toda a ação educativa da comunidade: a educação é a socialização da criança.

E emenda o educador:
Do ponto de vista político, pretende a escola única e a paz pela escola. Do ponto de vista filosófico, admite mais
geralmente as bases do neovitalismo, que as do mecanicismo empírico. Dentro desses pontos de vista, e para a
consecução de tais fins, propõe novos meios de aplicação científica. Aconselha, primeiramente, a transforma-
ção da organização estática dos estabelecimentos de ensino, pelo emprego do estudo objetivo da criança, para
classificação racional: e pela verificação objetiva do trabalho escolar (testes), para avaliação objetiva do que foi
aprendido. Depois, a transformação da dinâmica do ensino, a reforma dos processos. Ao invés do ensino passivo,
decorrente da filosofia sensualista e intelectualista de outros tempos, proclama a necessidade do ensino funcional
ou ativo, baseado na expansão dos interesses naturais da criança. Ao invés do “nada está na inteligência que não
tivesse passado pelos sentidos”, o “nada está na inteligência que não tenha sido ação interessada”. Ao invés do
trabalho individual, de fundo egoístico, o trabalho em comunidade, que dê o hábito da cooperação. Ao invés da
discriminação de materiais, o ensino em situação total ou globalizado. Ao invés da autoridade externa, a reunião
de condições que permitam desenvolver-se, em cada indivíduo, a autoridade interna: toda educação deve ser uma
auto-educação. (LOURENÇO FILHO apud GADOTTI, 1996).

O
destacado educador Lourenço Filho, no trecho acima, explicitava o cerne do escolanovismo.
O movimento pretendia alterar práticas e saberes escolares.
O fulcro da atividade educativa de fins do Oitocentos já passara a se situar na criança
e nas relações de aprendizagem, nas normas higiênicas e disciplinares que moldavam corpo e mente
do alunado, amparada por métodos científicos que construíam o conhecimento, via observação e in-
tuição. Mas outras mudanças precisavam vir, embora muitas já despontassem aqui e ali, como ocor-
rera no Ceará, quando o próprio Lourenço Filho, na qualidade de diretor da instrução realizara uma
reforma geral do ensino naquele estado.
Mudanças à parte, a escola permanecia como lócus privilegiado. Veja o registro de Zaia Brandão:
se no império [...] o ‘primado da razão’ exigia que se derramasse ‘a instrução sobre todas as classes’, nesse início
da década de 30, após o impacto da primeira guerra e a crise de 29, embora surgisse a consciência da ‘outra face’
do progresso e da civilização ainda persistia a crença na escolarização como o mais seguro caminho para dirigir
e, até mesmo reorientar, o sentido das transformações sociais. (1999, p. 66).

E nossos pioneiros da Educação não tinham dúvidas: amparados nos grandes idealizadores
internacionais do movimento da nova escola, em especial John Dewey, entendiam que havia chegado
o momento da grande virada na escolarização brasileira. O Manifesto constituía-se numa espécie de
Nos tempos da Escola Nova

carta de princípios a nortear uma nova escola, propondo um Programa Nacional


de Educação.
O movimento da Escola Nova iniciara-se no Brasil a partir da experiência
de várias reformas na educação, ocorridas em diferentes estados do país. Porém,
o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, assinado por 26 pessoas,
reunia pedagogos, médicos, advogados, jornalistas, além de Cecília Meirelles e
Júlio Mesquita Filho, empenhados em propor uma educação pública, laica e para
além dos ensinamentos cristãos, amparada em métodos ativos, caminhando ao
passo com as transformações trazidas pela Revolução Industrial1.
Nele, a educação adquiria função social, pública, cabendo aos estados or-
ganizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com a Cons-
tituição. O sistema escolar basear-se-ia na educação integral: comum a ambos os
sexos, sendo o nível primário gratuito e obrigatório. (GADOTTI, 1996).
A instrução secundária deveria atender finalidades sociais, sendo uma es-
cola democrática para o povo, alicerçada em uma cultura geral comum, desen-
volvendo especializações fossem intelectuais (humanidades e ciência) ou manual
e mecânica (caráter técnico), porém proporcionando iguais oportunidades para
todos. A educação técnica e profissional, secundária ou superior, em acordo com
a economia nacional teria escolas de agricultura, mineralogia, pescas industriais
e profissionais, transporte e comércio, seguindo diretrizes e métodos capazes de
formar técnicos e operários capazes. Instituições de psicotécnica e orientação
profissional dirigiriam o alunado para a instrução que melhor contemplasse suas
aptidões naturais. (GADOTTI, 1996).
As universidades, por seu turno, seriam criadas e aparelhadas no intuito
de elaborar ou criar a ciência, transmitindo seus saberes, realizando pesquisa e
formando profissionais para o ensino e para as carreiras; criar-se-iam fundos es-
colares para manter e desenvolver a Educação em todos os graus, com um per-
centual da arrecadação de municípios, estados e União, além de outras fontes;
desenvolver-se-iam instituições pré-escolares, tais como, creches, escolas mater-
nais e jardins-de-infância; serviços de saúde escolar e de educação física, dentre
outros. Nessa proposta haveria ainda, regida por leis ordinárias, a fiscalização de
todas as instituições particulares funcionando em caráter supletivo, em qualquer
grau de ensino. (GADOTTI, 1996, p.239-240).
E como operar a mudança na escola?
A criança deveria ver, experimentar, fazer. Precisava elaborar seu próprio
c­ onhecimento, o que pressupunha uma nova dinâmica, deslocada do ensino para
a a­ prendizagem.
A psicologia experimental dava suporte à cientificidade da pedagogia e produzia no dis-
curso da escolarização de massas populares o efeito da individuação da criança: o recurso
aos testes e à constituição das classes homogêneas pretendia assegurar a centralidade da
criança no processo educativo e garantir o respeito à sua individualidade em uma esco-
1 Muitos autores ocupa-
ram-se em analisar a
Escola Nova no Brasil a par-
la estruturada para um número crescente de alunos. A regulação das práticas escolares
tir de perspectivas teóricas realizava-se pela contabilidade de ritmos e produção de gestos eficientes. Os materiais
diferentes. Consultar Zaia da escola recebiam outra importância porque imprescindíveis à construção experimental
Brandão, em: A intelligent-
sia educacional: um percurso
do conhecimento pelo estudante. Os métodos buscavam na atividade sua validação. (VI-
com Paschoal Leme. DAL, 2000, p. 498).
80
Nos tempos da Escola Nova

Novos materiais chegavam à escola primária: museus pedagógicos, mapas,


cartazes, e coleções tornavam-se fundamentais para o desenvolvimento do ensino
intuitivo; novas carteiras adaptadas aos alunos; uso de ardósias e os cadernos de
caligrafia. Leitura e escrita deveriam andar pari passo. Os materiais revelavam à
vista e aos demais sentidos (tato, audição, paladar e olfato) o objeto a ser conhe-
cido, quando não fosse possível realizar excursões para tudo poder ver no próprio
local. “As lições sobre as matérias de qualquer dos anos do curso deverão ser mais
empíricas e concretas do que teóricas e abstratas e encaminhadas de modo que as
faculdades infantis sejam provocadas a um desenvolvimento gradual e harmonio-
so”, reafirmavam as autoridades paulistas em educação2. (VIDAL, 2000).
Ao pretender incorporar toda a população infantil, os escolanovistas en-
tendiam que a escola seria “a base de disseminação de valores e normas sociais
em sintonia com os apelos da nova sociedade moderna, constituída a partir dos
preceitos do trabalho produtivo e eficiente”, atendendo às transformações sociais.
Interiorizando normas e tempos, valia-se dos aportes trazidos pela psicologia ex-
perimental para bem entender e dirigir seus alunos (VIDAL, 2000), em consonân-
cia com os princípios de uma Educação liberal-democrática.

As classes populares
tiveram acesso à Educação?
O número das “nossas escolas primárias e secundárias é ainda mínimo, em
relação com o que há de crianças em idade escolar, em todo o Brasil”, ­reconheciam
médicos e educadores, presentes ao V Congresso Brasileiro de Higiene, reunido
em Recife, no ano de 1929. (ANAIS, p. 59).
Embora os indicadores apontassem um aumento na taxa de analfabetismo
entre 1900 e 1920 (de 65, 3% para 69,9%), as alterações não eram importantes;
porém, o percentual revelava-se muito elevado a considerar que desde o século
anterior havia a intenção de derramar “a instrução sobre todas as classes”. E mais,
cerca de 90% da população em idade escolar não freqüentava a escola nos anos
1920. (LOURENÇO FILHO apud ROMANELLI, 1997).
Se considerarmos dados referentes às décadas de 1920-1970, o quadro muda
bastante: enquanto os índices de crescimento demográfico dos escolarizáveis va-
riou de 100 em 1920, para 276 em 1979, a matrícula modificou-se substancialmen-
te, passando de 100 para 1653, durante o período. (ROMANELLI, 1997).
Houve, portanto, maiores possibilidades de efetivar o acesso à escola, o que
permite inferir que, ao alargar as disponibilidades de matrículas, se tenha promo-
vido também o ingresso das classes populares aos bancos escolares, propiciando
2 O ensino que se faz via
objetos de interesse da
criança foi proposto por Her-
bart, nos idos do ­século XIX;
a tão propalada democratização do ensino. porém, em uma perspectiva
passiva, pois não havia a ex-
E esta democratização teria se dado em duas perspectivas, segundo Beise- perimentação ativa. No es-
cola-novismo o aluno reunia
gel (1986): ação e experiência.

81
Nos tempos da Escola Nova

Aumentando o número de matrículas, as classes populares teriam chega-


do à escola. A assertiva que deve ser bastante relativizada, haja vista as
diferenças regionais brasileiras e as que dizem respeito à disparidade de
oportunidades oferecidas aos habitantes de uma mesma região, em fun-
ção de sua localização, estejam no campo ou na cidade. Houve sim um
aumento do número de matrículas, mas nem todos os brasileiros foram
atendidos igualmente, embora campanhas tenham sido realizadas. Caso
da “Educação de Adultos” que buscou atender também adolescentes que
não haviam adentrado na escola na idade própria.
Eliminação gradual das diferenças relativas ao ensino secundário – nível
médio – que organizado de forma diferenciada em função da clientela
atendida foi substituído por um único modelo de escola.
Mantinha-se até as décadas de 1940-1950, um “padrão dualista” de ensino,
na expressão cunhada por Anísio Teixeira. O que implicava em uma educação
para o povo, iniciando-se nas escolas primárias e continuando nas escassas es-
colas profissionais de nível médio, e uma educação para a elite, que também ini-
ciada no primário continuava na escola secundária “organizada com a intenção
de encaminhar sua clientela para as escolas superiores e para as posições mais
privilegiadas da sociedade”. (BEISEGEL, 1986, p. 393).
Os ginásios públicos vieram na perspectiva de universalizar esse nível
de ensino.
Como remarca Fávero: “a expansão do ensino primário e do secundário –
neste especialmente do ginasial – já estava ocorrendo desde os anos 1950, sobre-
tudo nos Estados que se industrializavam e nos quais crescia também o setor de
serviços”. (2001, p. 246).

(MELLO; NOVAIS, 1998, P. 582-584)


Mello e Novais dizem que no Brasil dos anos 1950, a desigualdade era extraordinária. “Basta
comparar os três tipos sociais que foram os protagonistas da industrialização rápida: o imigrante
estrangeiro, o migrante rural e o negro urbano e seus descendentes. Os imigrantes ou os filhos
de imigrantes, italianos, libaneses, sírios, eslavos, alemães, portugueses, judeus, japoneses, espa-
nhóis, já estavam em São Paulo, o centro da industrialização, há várias gerações. Constituíram
famílias semipatriarcais solidamente estabelecidas. Pouquíssimos. Em 1950, eram grandes empre-

82
Nos tempos da Escola Nova

sários. Mas alguns tinham conseguido passar a donos de pequenos negócios, muitos trabalhavam
por conta própria, ou já tinham uma tradição de trabalho na indústria. Além disso, muitas vezes
com enormes sacrifícios, puderam dar educação formal a seus filhos – alguns já tendo, naquela
época chegado à universidade, mesmo que em profissões consideradas então de segunda categoria
(por exemplo, contadores, economistas), valendo-se da expansão da rede pública de ensino. Já a
massa dos negros da cidade continuou, após a Abolição, abandonada à sua própria sorte, ocupada
nos trabalhos mais “pesados” e mais precários, muitos vivendo de expedientes, amontoada em
habitações imundas, favelas e cortiços, mergulhada também, no analfabetismo, na desnutrição
e na doença. Poucos os que, até 1930, tinham conseguido se elevar às funções públicas mais su-
balternas, ou ao trabalho especializado mais valorizado, de marceneiro, costureira, alfaiate, etc.
Pouquíssimos conseguiram ir muito além do abc na educação formal; contavam-se nos dedos os
que tinham chegado à universidade. É verdade que, no início dos anos 50, o panorama tinha se
alterado, como sublinhou Florestan Fernandes neste livro magnífico que é A integração do negro
na sociedade de classes. “O negro supera, graças ao seu esforço, a antiga situação de pauperismo
e anomia social, deixando de ser um marginal (em relação ao regime de trabalho) e um depen-
dente (em face do sistema de classificação social) [...] Eles podem, por fim, lançar-se no mercado
de trabalho e escolher entre algumas alternativas compensadoras de profissiona­lização”. Mas seu
ponto de partida não podia deixar de trazer as marcas ainda frescas da escravidão e do descaso
dos ricos e poderosos: era muitíssimo mais baixo que o do imigrante estrangeiro, o que impunha
limites estreitos à sua progressão na ordem social competitiva. Estava, isto sim, bem próximo do
migrante rural.
O imigrante, italiano, sírio, libanês, espanhol, japonês etc., não poderia deixar de ser o grande
vencedor desta luta selvagem pelas novas posições sociais que a industrialização e a urbanização
iam criando. O dono do pequeno negócio, até o mascate, torna-se médio ou grande empresário, na
indústria, no comércio, nos serviços em geral. Muitos dos que já eram trabalhadores especializa-
dos convertem-se em donos de pequenas empresas. Pais e mães ficam orgulhosos com seus filhos
“formados”, médicos, dentistas, engenheiros, jornalistas, advogados, economistas, administrado-
res de empresas, publicitários etc., e acompanham suas carreiras, muitas delas meteóricas, como
funcionário de empresa ou profissional liberal.
Mas o migrante rural também se sente um vencedor. Dos que se elevaram até o empresaria-
do, a maioria “saiu do nada”; pouquíssimos vieram de “profissões liberais”, poucos de postos de
trabalho qualificado. Mas são incontáveis as mulheres, antes mergulhadas na extrema pobreza do
campo, que se tornaram empregadas domésticas, caixas, manicures, cabeleireiras, balconistas,
atendentes, vendedoras, operárias passando a ocupar um sem-número de postos de trabalho de
baixa qualificação, alguns de qualificação média. Incontáveis, são também, os homens despre-
zados pela sorte que se converteram em ascensoristas, porteiros, vigias, garçons, manobristas de
estacionamento, mecânicos, motoristas de táxi, até operários de fábrica. Alguns chegam a traba-
lhadores especializados na construção civil, pedreiros, encanadores, pintores, eletricistas, ou na
empresa industrial, uma minoria às profissões liberais. Os negros, em sua esmagadora maioria,
ficaram confinados ao trabalho subalterno, rotineiro, mecânico, mas também eles, em geral, me-
lhoraram de vida.

83
Nos tempos da Escola Nova

84
Sob a Ditadura Militar
“A Revolução de 64”, ao banir, pela violência, as forças do igualitarismo e da democracia, produziu, ao longo de
seus 21 anos de vigência, uma sociedade deformada e plutocrática, isto é, regida pelos detentores da riqueza.
No final do período de crescimento econômico rápido, em 1980, as relações concretas entre as classes sociais
guardaram uma semelhança apenas formal com aquelas observadas nos países desenvolvidos. As desigualdades
relativas em termos de renda e riqueza eram muitíssimo maiores no Brasil. A dinâmica econômica e social se
apoiou continuamente, de um lado, na concorrência desregulada entre os trabalhadores, e, de outro, na monopo-
lização das oportunidades de vida pelos situados no cimo da sociedade.
Como resultado, em vez de a renda das grandes maiorias subir continuamente em compasso com o aumento da
produtividade social do trabalho, regulando os demais rendimentos (trabalho de direção e demais funções ligadas
ao controle do capital), ocorre o contrário. Ou seja, os rendimentos dos trabalhadores subalternos são comprimi-
dos para abrir espaço simultaneamente para lucros astronômicos e para a diferenciação das rendas e do consumo
dos funcionários do dinheiro e da nova classe média. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 620.)

A Educação na Constituição de 1967

O
anteprojeto da Comissão de juristas (encarregados de elaborar as propostas para a nova car-
ta), mantinha praticamente inalterados os dispositivos da Constituição de 1946 relacionados
com a educação. Apenas três modificações eram propostas: gratuidade do ensino oficial
estaria condicionada não apenas à falta ou insuficiência de recursos dos alunos, mas também ao seu
‘excepcional merecimento’e seria permitido ao Estado remunerar os professores de religião. (HORTA,
2001, p. 217).
Porém o projeto preparado por Medeiros Silva – indicado pelo Executivo – abdica quase que
totalmente do previsto na Constituição anterior. Escassamente, em dois artigos estavam reafirmados
o direito de todos à educação, à igualdade de oportunidade, à liberdade da iniciativa particular, à
obrigatoriedade do ensino primário e à liberdade de cátedra. “Quanto à gratuidade, esta é substituída,
no grau médio e superior, pela concessão de bolsas aos estudantes carentes de recursos, exigindo-se
efetivo aproveitamento e reembolso, no caso do ensino superior”. (HORTA, 2001, p. 217).
Foram muitas as reações e a ABE (Associação Brasileira de Educação), assim se pronunciou,
segundo Horta:
A ABE que desde a Constituição de 1934 se tem permitido acompanhar a elaboração da Magna Carta, em matéria
de educação, lamenta que as principais conquistas consagradas nas Constituições de 1934 e 1946 tenham sido
postergadas do projeto divulgado na imprensa e reivindica a inclusão, pelo menos, dos preceitos relativos a esses
pontos: a) direito à educação; b) obrigação do poder público em matéria de ensino, regulado por planos periódi-
cos, que tendam à obrigatoriedade escolar progressiva; c)percentuais mínimos de recursos destinados ao ensino;
d) desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica.

O ministro da Educação recorreu então à sua equipe técnica para que elaborasse um substituti-
vo ao capítulo da educação, que seria apresentado pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso e denomina-
do Emenda 862. Recebendo o apoio dos partidos (ARENA E MDB), foi aprovado com modificações
apresentadas pela Comissão Mista e pleno plenário do Congresso Constituinte. (HORTA, 2001).
Porém, a vinculação da receita anual da União estabelecia que deveria ser, nunca menor de 10%
para manutenção e desenvolvimento do ensino, acompanhada de no mínimo 20% daquela arrecadada
em estados e municípios, por meio de impostos, o que não foi aprovado, segundo Horta.
Sob a Ditadura Militar

O fim da vinculação constitucional de recursos para a educação teria como conseqüência


o desaparecimento legal de fundos de ensino criados pela LDB, que deixaram de constar
dos orçamentos da União a partir de 1968. [...] A vinculação de recursos para a educação
não consta também da Emenda Constitucional de 1969. Ela somente foi introduzida no
texto ­constitucional em dezembro de 1983, através da Emenda Calmon, a qual seria regu-
lamentada em 1985. (HORTA, 2001).

Já a garantia da gratuidade para todos, prevista para o ensino primário nas


constituições anteriores, foi mantida. Nos níveis subseqüentes, o ensino oficial
somente seria gratuito para aqueles que não tendo recursos, provassem essa ine-
xistência, a exemplo da Constituição de 1946, porém acompanhada da exigência
de efetivo aproveitamento dos alunos do ensino oficial. Na medida do possível
deveria se proceder à substituição desse regime de gratuidade (após o ensino pri-
mário), pela concessão de bolsas de ensino, beneficiando-se do previsto no artigo
168, que trata da liberdade de conceder “bolsas de estudo entre os mecanismos
de amparo financeiro dos Poderes Públicos à iniciativa particular no campo de
ensino”. (HORTA, 2001, p. 229).
Quanto ao
dever do Estado em matéria de educação, esse não se inscreverá na Constituição de 1967,
como não havia se inscrito nas Constituições anteriores. Paradoxalmente, será apenas na
Emenda Constitucional de 1969 que aparecerá, pela primeira vez numa Constituição bra-
sileira, a explicitação da educação como dever do Estado. (HORTA, 2001, p. 232).

Fávero assinala: o projeto educacional nos diferentes níveis e modalidades


de ensino e formação profissional foi adequado ao projeto nacional em pauta.
“Para tanto, princípios, diretrizes, experiências, mecanismos e instrumentos fo-
ram abandonados, extintos ou substituídos. [...] No que diz respeito à educação
bastava assegurar o mínimo”. (FÁVERO, 2001, p. 253).

E a escola da Ditadura?
Muitos filhos de trabalhadores comuns tiveram acesso às escolas públicas.
Em 1980 estavam matriculados no ensino fundamental proporcionado por estados e
­municípios nada menos do que 17,7 milhões de alunos (contra 6,5 milhões de 1960). Mas
a qualidade do ensino era, em geral, péssima. De cada cem alunos, apenas 37 chegavam
à quarta série, e só dezoito à oitava série: os mais pobres estavam muito sujeitos à repe-
tência e tinham de ­abandonar a escola quando chegava a hora de trabalhar. Por força do
crescimento do sistema escolar, multiplicou-se o número dos professores, merendeiras,
serventes etc. (MELLO; NOVAIS, 1998).

Houve ampliação da obrigatoriedade escolar para oito anos, abrangendo


crianças de 7 a 14 anos, o que implicou em um acréscimo nas obrigações do Esta-
do no que diz respeito à educação do povo. Os antigos níveis primário e ginasial
constituíam o ensino fundamental de primeiro grau, eliminando-se os exames
de admissão através do qual muitos alunos “ficavam” impedidos de ingressar no
nível médio. Se a seletividade ficava banida, a qualidade do ensino não foi melho-
rada. Uma vez vencido o dualismo, o primeiro grau proporcionava educação geral
e correspondia ao ensino obrigatório. (ROMANELLI, 1997).

86
Sob a Ditadura Militar

O segundo grau visava habilitar profissionalmente, em nível médio. Com


3 ou 4 anos de duração pretendia formar o adolescente. O ensino supletivo, por
sua vez, tentava recuperar o tempo daqueles que haviam adentrado à escola mais
tarde, ou suprir a escolarização incompleta desses jovens e adultos. Dotado de
estrutura, duração e características diferentes, era ministrado livremente através
de meios de comunicação de massa. (ROMANELLI, 1997).
Mello e Novais consideram os anos que vão de 1950 a 1980 –
anos de transformações assombrosas, que, pela rapidez e profundidade, dificilmente en-
contram paralelo neste século - não poderiam deixar de aparecer aos seus protagonis-
tas senão sob uma forma: a de uma sociedade em movimento. Movimento de homens
e mulheres que se deslocam de uma região a outra do território nacional, de trem, pelas
novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados em caminhões paus-de-arara. São
nordestinos e mineiros, fugindo da miséria e da seca, em busca de um destino melhor em
São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná da terra roxa; depois são expulsos do campo pelo
capitalismo, de toda a parte, inclusive de São Paulo, do Paraná, agora hostil ao homem;
são gaúchos, que avançam pelo Oeste de Santa Catarina, passam pelo Oeste do Paraná,
alguns entram no Paraguai, outros vão subindo para o Mato Grosso do Sul e Goiás, pas-
sam pela nova capital, Brasília, em direção à fronteira norte, ao Mato Grosso, Rondônia,
Amapá, Sul do Pará, Sul do Maranhão, onde se encontrarão com outra corrente migra-
tória de nordestinos. Movimento de uma configuração de vida para outra: da sociedade
rural abafada pelo tradicionalismo para o duro mundo da concorrência da grande cidade,
ou para o mundo sem lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha do interior para a
vida já um tanto agitada da cidade média ou verdadeiramente alucinada da metrópole.
Movimento, também de um emprego para outro, de uma classe para outra, de uma fração
de classe para outra. Movimento de ascensão ­social, maior ou menor, para quase todos.
(MELLO; NOVAIS, 1998).

Em 1980, as cidades já abrigavam 61 milhões de pessoas, contra os quase


60 milhões que moravam ainda no campo, em vilarejos e cidades pequenas. Nada
menos do que 42 milhões viviam em cidades com mais de 250 mil habitantes.
São Paulo tinha 12 milhões contra os 2,2 milhões de 1950; o Rio de Janeiro qua-
se 9 milhões contra os 2,4 milhões de 1950; Porto Alegre, 2,1 milhões contra os
quase 400 mil de 1950; Recife, também 2,1 milhões contra os pouco mais de 500
mil de 1959; Salvador, 1,7 milhões contra os 400 e poucos mil de 1950. Fortaleza
chegara a 1,5 milhão, Curitiba, a 1,3 milhão. Santos, Goiânia, Campinas, Manaus
e Vitória eram maiores em 1980, do que Porto Alegre, ou Recife, ou Salvador, ou
Belo Horizonte de 1950. Em 1980 Brasília atinge 1,1 milhão. (MELLO; NOVAIS,
1998, p. 584-6).

87
Sob a Ditadura Militar

88
As universidades brasileiras:
ainda a Educação de poucos

Faculdades e universidades

O
s começos do ensino universitário no Brasil remontam à vinda da família real. Fugindo de
uma premente invasão francesa D. João VI aqui chegou, acompanhado da rainha-mãe e
toda a sua corte. Junto vieram os livros da Biblioteca do Palácio da Ajuda que depois com-
poriam a nossa Biblioteca Nacional, bem como a alta burocracia civil, militar e do clero. “Instituições
econômico-financeiras, administrativas e culturais, até então proibidas, foram criadas, assim como
foram abertos os portos ao comércio das nações amigas e incentivadas as manufaturas”. (CUNHA,
2000, p. 153).
Diferentemente de outras colônias, em especial as dependentes do jugo espanhol, onde as uni-
versidades foram instaladas ainda no século XVI, funcionários da coroa, senhores-de-engenho, pro-
prietários de terras e seus filhos há muito reivindicavam cursos superiores no Brasil, pois assim evita-
riam os custosos deslocamentos para Coimbra. Os apelos jamais encontraram eco e tudo que por aqui
existia eram cursos de Artes (Ciências Naturais ou Filosofia) e Teologia, ministrados pela Companhia
de Jesus até 1759, e depois, pelos conventos franciscanos.
A Metrópole temia que esse grau de estudos só fizesse incentivar propostas de liberdade e au-
tonomia, tão em voga sob os ventos iluministas que sopravam da França e cá se faziam sentir. Havia
ainda o agravante de Portugal não dispor de muitos recursos docentes para poder transferi-los para
sua a rica colônia do Brasil. (CUNHA, 2000).
Os primeiros cursos superiores passaram a funcionar ainda em 1808, após a instalação da corte,
porém sob a forma de cátedras isoladas: Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro e, em 1810, Enge-
nharia também no Rio funcionando junto à Academia Militar da qual só se desvincularia em 1874,
passando a chamar-se Escola Politécnica.
As cátedras consistiam em unidades de ensino muito simples, nas quais os professores reuniam
seus alunos em locais diversos, utilizando seus próprios materiais para ensinar. Veja o exemplo do
médico e farmacêutico Manoel Joaquim Henriques de Paiva, lente de Farmácia do já então Colégio
Médico-Cirúrgico da Bahia, assim denominado quando as cátedras independentes de anatomia e
cirurgia foram reunidas a outras criadas depois. Esse professor ministrava suas lições na espaçosa
botica do Convento de Santa Teresa, para onde transferira “sua cátedra e os utensílios que possuía,
adquiridos a sua custa”. (PEREIRA, 1923, p. 20).
Foram as escolas, academias e as faculdades, surgidas mais tarde, a partir das cátedras isoladas, as unidades de
­ensino superior que possuíam uma direção especializada, programas sistematizados e organizados conforme
uma seriação preestabelecida, funcionários não-docentes, meios de ensino e local próprios. Em 1827, cinco anos
depois da ­independência, o imperador Pedro I acrescentou ao quadro existente os Cursos Jurídicos em Olinda
e em São Paulo, com o que se completava a tríade dos cursos profissionais superiores que por tanto tempo do-
minaram o ­panorama de ensino superior no país: Medicina, Engenharia e Direito, seguindo a tradição francesa.
(CUNHA, 2000, p. 154).
As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos

Dos inícios até a proclamação da República os cursos superiores foram to-


dos estatais, dependendo do ministro do Império a nomeação dos catedráticos, a
decretação dos cursos, a nomeação dos diretores e a manutenção dos estabeleci-
mentos. (CUNHA, 2000).
Adentramos a República com a expansão do ensino superior e igualmente
com maiores possibilidades de acesso a esse nível de ensino. Isto se deu através
de três vetores, segundo Cunha (1999, p. 40):
1. criação e manutenção de universidades federais, principalmente nas ca-
pitais dos estados da federação;
2. criação e manutenção de universidades estaduais em capitais e cidades
mais importantes, em função da necessidade, por um lado, de projetar
elites locais e regionais, e por outro, de formar quadros burocráticos;
3. criação de faculdades por agentes privados, confessionais e/ou empresa-
riais arregimentando os excedentes, aqueles que não conseguiam entrar
nas federais ou estaduais.
Delineado na primeira década deste século, esse quadro permanece em vigor, em linhas
gerais até a metade da década de 90. A modificá-lo, apenas dois elementos. Durante toda
a década de 50, faculdades estaduais e privadas foram federalizadas e reunidas formando
universidades, mantidas e controladas pela União, empreendimentos esses determinados
por leis, no que se empenharam diversos protagonistas, inclusive as elites locais e os
mantenedores privados, devidamente compensados na transferência do patrimônio e na
incorporação de seu pessoal nos quadros do funcionalismo federal. (CUNHA, 1982).
As instituições privadas foram beneficiadas por dispositivos da Constituição de 1934 e das
que se lhes seguiram, inclusive na de 1988, em vigor, isentando-as de todos os ­impostos
(federais, estaduais e municipais) sobre o patrimônio, a renda e os serviços prestados.
(CUNHA, 2000, p. 40).

Cabe a ressalva: durante a Colônia e o Império não houve universidade no


país, somente cursos profissionais.
A primeira universidade foi fundada em Manaus em 1909, oferecendo cursos
de Engenharia, Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia e formação de oficiais
da Guarda Nacional. Com recursos de grupos privados, a universidade acom-
panhou o período áureo da borracha entrando em bancarrota em 1926, restando
apenas a Faculdade de Direito incorporada à Universidade Federal do Amazonas,
quando de sua criação em 1962. (CUNHA, 2000).
Outras duas universidades foram criadas, em 1911 e 1912: em São Paulo e
no Paraná, respectivamente. São Paulo criou por iniciativa particular, cursos de
Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio e Belas Artes, fechando as portas em
1917, depois do governo do Estado ter aberto um curso de Medicina. O Paraná, por
seu turno, abriu cursos de Medicina, Direito, Engenharia, Farmácia, Odontologia
e Comércio, pela ação de profissionais locais, porém com recursos do governo do
Estado. Devido ao fato de Curitiba não contar à época com 100 mil habitantes a
universidade não pode ser equiparada às instituições federais, sendo então dissol-
vida, restando somente as faculdades livres de Medicina, Direito e Engenharia. A
Universidade Federal do Paraná seria criada em 1950. As primeiras universidades

90
As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos

“duradouras”, criadas, foram as do Rio de Janeiro (1920) e Minas Gerais (1927),


por aglutinação de faculdades já existentes. (CUNHA, 2000).
Em 1934, através de decreto estadual, é criada a Universidade de São Paulo
(USP), incorporando as escolas de ensino superior já existentes como: a ­Faculdade
de Direito, a Escola politécnica, a Escola Superior de Agronomia, a Faculdade de
Medicina e a Escola de Veterinária, ao mesmo tempo em que promoveu o Instituto
de Educação à categoria de Faculdade de Educação, também congregada, tornan-
do-se modelo de universidade a ser seguido. Ademais, outras faculdades foram
criadas: Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Instituto de Ciências Econômicas;
Escola de Belas Artes, e ainda, diversos institutos de pesquisa técnico-científica
que mantidos pelo governo paulista ligaram-se à universidade como entidades
complementares. (CUNHA, 2000).
O projeto de criação das Faculdades, tanto de Filosofia, quanto de Educação
realizava antiga concepção de Fernando de Azevedo, um dos componentes da
comissão que a criou (CUNHA, 2000), indo também ao encontro das aspirações
de intelectuais em “regenerar os costumes políticos da nacionalidade”, por meio
de um plano para o conjunto da sociedade. Amparados no “Inquérito sobre a Ins-
trução Pública realizado em São Paulo”, acreditavam que era necessário uma elite
orientadora capaz de educar o povo “para que dele surjam as elites ou formar as
elites para compreenderem a necessidade de educar o povo”. Nele a universida-
de adquiria predominância nas instituições de ensino, adquirindo duas funções
principais: a) formação do professorado de nível secundário e superior; b) pre-
paro e aperfeiçoamento das classes dirigentes, entendendo que formar as elites
­intelectuais precedia a instrução das massas. (CARDOSO, 1982, p. 28).
Não foram poucos os intelectuais estrangeiros contratados para compor os
quadros da universidade. Se no primeiro ano havia 13 professores europeus, de
1934 a 1942, 45 professores estrangeiros trabalharam na USP, destacando-a dentre
as universidades existentes. (CUNHA, 2000).

Incluídos e excluídos
das hostes universitárias
Os primeiros cursos superiores no Brasil buscavam ou conferir uma profis-
sionalização prática que atendesse necessidades burocráticas, em especial após
a Independência do país quando foi necessário preencher o quadro geral da ad-
ministração e da política, ou ainda, conferir graus de distinção tão ao gosto das
nossas elites, desde a Colônia.
Os cursos médico-cirúrgicos, por exemplo, visavam formar os acadêmicos
que viriam aplacar as mazelas do corpo doente; mas, no decorrer do Oitocentos,
substituir os práticos tornara-se a grande meta. Não esqueçamos que os curadores
dos séculos XVII e XVIII foram pessoas de “pouca qualidade”, como diziam os
mandantes coloniais.

91
As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos

Já os cursos de Medicina, Direito ou Engenharia eram freqüentados por fi-


lhos de fazendeiros, senhores-de-engenho, letrados e industriais. Como bem está
registrado na contra-capa do livro, As profissões imperiais: medicina, engenharia
e advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930,
nossos ancestrais advogados, engenheiros e médicos [tudo fizeram] em busca de reconhe-
cimento que os distinguisse, respectivamente, de rábulas, mestres-de-obras e curandeiros.
À falta de mérito visível e de sabedoria específica, empenhavam-se em obter regulamen-
tos e estatutos que lhes garantissem mercado exclusivo e deferência social. A genealogia
das ocupações nobres em solo brasileiro revela que a nobreza que reivindicavam era refle-
xo da nobreza propriamente dita postiça. (COELHO, 1999).

Assim como os jurisconsultos, também os engenheiros provinham das


classes mais abastadas da sociedade colonial ou imperial. Vale lembrar que o
ensino de nível médio foi de caráter humanístico e por muito tempo propedêuti-
co aos cursos universitários. As classes populares nele não chegavam, pois bem
antes, se lograssem permanecer na escola eram encaminhados para o ensino
profissionalizante.
Quando as classes médias chegaram à universidade só fizeram por reivindi-
car as mesmas “distinções” já de tanto conferidas aos senhores da vez.

Paradoxos do ensino superior brasileiro


(TRINDADE, 1999, p. 27-30)
Aqui transcrevo os “paradoxos do ensino superior”, analisados pelo Prof. Hélgio Trindade, no
livro A universidade em ruínas: na república dos professores.
Na história da educação latino-americana, o Brasil sempre ocupou uma posição singular. No
ensino básico, temos um déficit histórico frente aos nossos vizinhos do Cone Sul. Basta referir
a distância que se estabeleceu entre nosso limitado sistema escolar durante o Império e a Repú-
blica Velha e os avanços, desde a segunda metade do século XIX, dos nossos vizinhos platinos,
impulsio­nados pelas políticas de “educação popular” de Sarmiento na Argentina, influenciando
o Chile, e de Varela no Uruguai, que voltadas para criar as bases de uma cidadania republicana,
estabelecem um sólido sistema de ensino fundamental.
Os efeitos dessa situação se refletem até hoje na situação ainda crítica do ensino de primeiro
e segundo graus em muitas regiões do Brasil e nos baixos índices de matrícula no ensino supe-
rior brasileiro. Apesar da expansão da taxa bruta de escolarização superior no Brasil ter crescido
exponencialmente, entre 1950 a 1994, de 1 para 1,4%, os níveis de seus vizinhos do Cone Sul são
bem mais altos: Argentina 38,9%, Uruguai 29,9% e Chile 26,6%. Na América Latina e no Caribe,
o Brasil na relação escolarização superior/população total ocupa o penúltimo lugar, superando
apenas a Nicarágua (11,2%) [segundo dados da CEPAL].
No ensino superior, também somos singulares frente à tradição universitária hispano-ameri-
cana. A universidade pública brasileira regional e temporã [expressão utilizada por Luiz Antonio

92
As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos

Cunha], além de tardia, nunca teve a centralidade das universidades ibero-americanas trazidas
pelos colonizadores [...].
Preferimos cultivar em Coimbra o gosto pelo bacharelismo de nossas elites imperiais e ape-
nas na década de 30 institui-se a Universidade de São Paulo. Esta, ao estabelecer um compromisso
institucional entre a tradição das Escolas ou Faculdades profissionais e o embrião da universidade
nascente que foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornou-se a matriz da primeira gera-
ção de instituições públicas federais e confessionais católicas.
Embora as universidades se disseminem nacionalmente a partir do modelo da USP, houve
alguns esforços precursores como o da Universidade do Paraná, da Universidade Técnica de Porto
Alegre sob a inspiração dos positivistas e da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro que, em sua
origem, teve uma fundação simbólica para conceder um título acadêmico ao rei da Bélgica. Outro
paradoxo é a diferença que se refere à autonomia universitária. Ao contrário das universidades
hispano-americanas, as universidades públicas brasileiras não gozarão da autonomia que se tor-
nou um traço dominante de universidades que incorporaram esta conquista em seu próprio nome,
tal como a Universidade Autônoma do México. Ainda que a bandeira da autonomia tenha sido
um dos temas centrais do movimento da “reforma universitária” dos anos 60 e que se inspirava,
também tardiamente, na luta histórica pelo “co-governo” da Universidade de Córdoba na Argen-
tina, no Brasil, com exceção da autonomia concedida às universidades paulistas na última década
(USP, UNICAMP, UNESP), o sistema federal de educação superior jamais gozou de autonomia
administrativa e de gestão financeira.
O grande paradoxo brasileiro, porém, é que o princípio da autonomia universitária inscrita
na Constituição de 1988, tornou-se letra morta para as instituições públicas federais submetidas a
controles kafkianos, enquanto que as universidades privadas, uma vez reconhecidas pelo governo,
passam a gozá-la plenamente imunes a qualquer controle governamental.
Daí decorre um último paradoxo do ensino superior no Brasil: a dominância aplastante do
sistema privado de educação superior sobre o público federal e estadual. As instituições privadas
­expandiram-se em três décadas de 40% para 75% das matrículas, gerando um processo de privati-
zação estimulado pelos governos militares, cujo padrão na América Latina somente encontra pa-
ralelo no Chile de Pinochet, fazendo com que a democratização do acesso ao ensino superior não
se faça pela via da “massificação” do ensino público, como são exemplos o México e a Argentina,
mas através de um ensino privado, pago e de baixa qualidade média.
Cabe ressaltar, porém, que, em termos latino-americanos, o sistema universitário público
brasileiro, além de responsável por 90% da pesquisa científica e tecnológica do país, tem uma
qualidade média muito superior ao setor privado dominante, salvo algumas instituições privadas
tradicionais dentre as quais se destacam as universidades católicas. É preciso admitir que tal dife-
rença resultou, em grande medida, de políticas dos governos militares que, se por um lado viola-
ram a liberdade acadêmica com inaceitáveis cassações e aposentadorias, com a reforma de 1968
tornaram essa superioridade incontrastável pelos investimentos que fizeram no sistema público
universitário. Essas políticas, visando o sonho do “­Brasil-potência”, estimularam fortemente a ex-
pansão da ­pós-graduação nas universidades públicas e desenvolveram ações coerentes no campo
do desenvolvimento científico e tecnológico. Da mesma forma que, na última década, os recursos
investidos de forma estável pelo sistema de autonomia das universidades públicas paulistas permi-
tiram que elas atingissem um outro patamar, especialmente no caso da UNESP, face à estagnação
a que está submetido o sistema federal do ensino superior.

93
As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos

A reforma de 68 e os substanciosos recursos oferecidos pelas agências de financiamento da


pós-graduação­­­­­e pesquisa (CAPES, CNPQ e FINEP) dentro de sucessivos Planos de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico, profissionalizaram o sistema universitário, com a implan-
tação dos regimes de tempo integral e dedicação exclusiva e, sobretudo, implementaram uma
consistente política pós-graduação, com avaliação periódica pelos pares sob a coordenação da
CAPES. Com os recursos para a pesquisa oriundos do Fundo de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDCT, hoje reduzido a menos de 10% do seu valor em 1978) e um amplo sistema
de bolsas de pós-gradua­ção no país e no exterior e de iniciação científica para alunos de gradu-
ação, a comunidade científica expandiu-se, gerando um crescimento das sociedades científicas
em ciências e humanidades.
Todos esses esforços conjugados certamente burocratizaram as universidades transfor-
madas em pesadas organizações com complexo sistema de decisão corporativo, mas certa-
mente modernizaram e qualificaram o sistema público de ensino superior, colocando-o numa
situação de liderança na América Latina e de reconhecimento entre os grandes centros uni-
versitários internacionais.
O lado negativo, porém, é que ao especializar as universidades públicas em ensino e pesqui-
sa avançados, não estimulou a expansão das suas vagas públicas, colocando numa competição
perversa o ensino de graduação e pós-graduação. Por outro lado, estimulou, com a conivência do
Conselho Federal de Educação, que os níveis de exigência da primeira geração de universidades
privadas fossem aviltados pela disseminação descontrolada de “empresas educacionais” cuja bai-
xa qualidade média tem sido destacada por especialistas internacionais e está a desafiar os suces-
sivos governos da Nova República.

94
Referências
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Hino Nacional
Poema de Joaquim Osório Duque Estrada
Música de Francisco Manoel da Silva

Parte I Parte II

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas Deitado eternamente em berço esplêndido,


De um povo heróico o brado retumbante, Ao som do mar e à luz do céu profundo,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Brilhou no céu da pátria nesse instante. Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Se o penhor dessa igualdade Do que a terra, mais garrida,


Conseguimos conquistar com braço forte, Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
Em teu seio, ó liberdade, “Nossos bosques têm mais vida”,
Desafia o nosso peito a própria morte! “Nossa vida” no teu seio “mais amores.”

Ó Pátria amada, Ó Pátria amada,


Idolatrada, Idolatrada,
Salve! Salve! Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”

Gigante pela própria natureza, Mas, se ergues da justiça a clava forte,


És belo, és forte, impávido colosso, Verás que um filho teu não foge à luta,
E o teu futuro espelha essa grandeza. Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada, Terra adorada,


Entre outras mil, Entre outras mil,
És tu, Brasil, És tu, Brasil,
Ó Pátria amada! Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!

Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica celebrada
entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.

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