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Partilhando com outros cinemas do Terceiro Mundo a sufocacgéo comum do subdesenvolvimento, o cinema brasileiro caracteriza-se pela auséncia de uma heranga cultural distinta da metropolitana. A incompeténcia criativa em copiar é 0 minimo denominador de originalidade a partir do qual nossos cineastas tem buscado seus caminhos, entre a concorréncia esmagadora das producées estrangeiras, as vicissitudes politicas internas e a necessidade mais ou menos consciente de abrir janelas para o universo da maioria marginalizada. Paulo Emilio _ Cinema: yetoria no cinema norteamericano, 0 japonés ¢, em geral, 0 euro- peu nunca foram subdesen- volvidos, a0 passo que o lu, © arabe ou o brasi- leiro nunca deixaram de ser. Em cinema o subdesenvol- vimento no é uma etapa, um estdgio, mas um estado: os filmes dos paises desenvol- vidos nunca passaram por essa. situaco, enquanto os outros tendem a se instalar nela, © cinema é incapaz de encontrar dentro de si préprio energias que Ihe permitam escapar 4 condenagio do sub- desenvolvimento, mesmo quando uma con- juntura particularmente favordvel suscita ume expansio na fabricagio de filmes. esenvolvimento " 55 0 caso da India, com uma produ- do das maiores do mundo. As 1acdes_ hindus ssuem cultura: Petedtansclasta tent eirgencgicey das que criam_um; i fa_industriz idente, tais; os filme ic menos como tais: os filmes americanos ¢_ europeus atraiam moderadamente o publi- ee eaceal tee oe construil i 2 ‘Abri assim_uma_ idade par: nsaios de figio_ocal_que i cessou_de-aumi rt al icocusst a tede comercial da exihicia. Teo- ricamente a situacio era ideal: uma nagio ou um grupo de nagdes com cinema pré- prio. Tudo isso ocorria, porém, num pais subdesenvolvido, colonizado e essa ativida- de cultural aparentemente tao estimulante, na realidade refletia e aprofundava um estado cruel de subdesenvolvimento, arei abstragio aqui do papel do capital metropolitano inglés na florescéncia do cinema hindu, para s6 me deter na significagio cultu- ral do fenémeno. Pelos assuntos abordados © filme hindu permanece fiel as tradicdes artisticas do pais e o ritmo majestoso com que sio tratadas — notadamente quando os temas sio mitolégicos — eventualmen- te confirma essa impressio. A raiz mais poderosa dessa producio ¢, entretanto, constituida por idéias, imagens € estilo jé fabricados pelos ocupantes para consumo dos ocupados. O manancial de onde de- rivam os filmes hindus em nosso século foi fabricado nas wltimas décadas do XIX pela industria grafica inglesa — e respec- tiva literatura — através da vulgarizacio de uma alta tradicfo plistica, de espeté- culo ¢ literaria. A massa de oleogravuras € textos, impregnada pelo culto da "Mother India’, raramente escapa do mais confor- mista € esterilizante comercialismo, herda- do tal qual pelos filmes produzidos no pais. Qs cineastas hindus que depois da inde- pendéncia procuram reagir contra a tra- digio coagulada pela manipulacio do ‘ocupante, se voltam necessariamente para temas ¢ ritmos inspirados pelo cinema es- trangeiro. O esforgo de progresso apenas cultural num quadro de subdesenvolvi- mento geral leva os cineastas a se debate- rem diante da adversidade, ao invés de realmente combaté-la. 0 Japao, que nao conheceu o tipo de relacionamento exterior que define 0 subdesenvolvimento, 0 fenémeno cinematografico foi to- talmente diverso, Os filmes estrangeiros conquistaram de imediato uma imensa audiéncia e foram de inicio o estimulo principal na estruturago do mercado con- sumidor do pais. Essa produgio de fora era no entanto, por assim dizer, japonizada pelos “benshis” — os artistas que comen- tavam oralmente © desenrolar dos filmes mudos — que logo se transformaram no principal atrativo do espetéculo cinemato- grifico. Na verdade, 0 publico japonés também nunca aceitou o produto cultural estrangeiro tal qual, isto é, 08 filmes mudos apenas com os letreiros traduzidos. A pro- dugéo nacional, ao se desenvolver, nao encontrou dificuldades em predominar, principalmente depois da chegada do cine- ma falado que dispensou a atuagao dos “benshis”. Diferente; do que ocorreu na India, i ‘capitais nacionais ¢ se inspirou na tradicio, wularizada_mas direta, do teatro € fteratura do. ‘0 mundo do cinema subdesenvol- vido o fendmeno arabe — que foi inicialmente sobretudo egipcio — nfo possui a nitidez do hindu. Nos paises norte-africanos e do Oriente Prdximo a carapaca de cultura propria também no foi propicia ao alastramento “do filme ocidental, mas o resultado aqui ~ foi um desenvolvimento da exibigio incom: paravelmente mais lento do que na India. pouco interesse pelo filme ocidental nao cinema equivalente ao hi provavelmente & tradigio anti-ichnica fturas derivadas do Cordo. A indis- qural do ocidente encontrou escassa original para servir de matéria- xdugio de ersats destinados 0s drabes. A fabricagio de ima- foi intensa, mas destinada ao dental: 0 modelo nunca se © exo do espeticulo cori- dangado — é 0 som ¢ 0 86 se desenvolveu realmente ‘outubro 1973, a partir do falado. O cinema islamico a primeira vista parece mais subdesenvolvido do que o da india. Esté muito longe de ser presenca dominante inclusive nas salas do Egito é do Libano, os principais pro- dutores, mas em compensagio ¢ provavel que sua economia seja mais independente. Como suas matrizes nao sio as oleogravu- ras exéticas de fabricagio européia, mas a técnica fotografica do ocidente — através da qual os drabes acabaram por aceitar a imagem como componente de sua auto- -visio — os filmes egipcios e dos outros s drabes tomaram diretamente como modelo a produgio ocidental. Parecem menos auténticos do que os hindus mas a natureza do vinculo com o espectador a mesma: dentro da maior ambigiiidade fe amesquinhados pela impregnacio impe- rial, uns € outros asseguram a fidelidade do publico por refletirem, mesmo palida- mente, a sua cultura original. ssa evocacio de alguns tragos das situacdes _cinematograficas subde- senvolvidas mais importantes do mundo pode servir de introducio itil & nossa. A diferenca e a parecenga nos definem. A_situagio _cinematografica brasileira nfo possul_um terreno de rt: ta diverso do ocidental onde possa deitar - raizes. “Somos um _prolongamento do _oci- dente, nao chtre ele “ends hatural_de_uma_personalidade_hindu_ou _drabe que precise ser_constantemente sufo- “cada, comtornada_e violada. Nunca fomos propriamente ocupados. Quando 0 ocu- pante chegou o ocupado existente nio Ihe pareceu adequado € foi necessirio criar outro, A importacdo maciga de reproduto- res seguida de cruzamento variado, assegu- rou 0 éxito na criacko do ocupado, apesar da incompeténcia do ocupante agravar as adversidades naturais. A peculiaridade do

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