Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
É que mexer com arte, cultura, linguagem é adentrar um espaço onde o poder
se faz presente e este está sempre nas mãos de uma classe dominante. Ao
iniciarmos os estudos sobre a prosa da ficção brasileira atual somos advertidos a
refletir sobre este “jogo de forças” em que está situado a literatura, observando que
há uma fertilidade e qualidade que emana do universo literário brasileiro
contemporâneo, mas que nem sempre são reconhecidos ou aparecem nas
universidades, se fazendo desta maneira necessário “deslocar a nossa atenção de
modelos, conceitos e espaços que nos eram familiares até pouco tempo atrás”
(RESENDE, 2008) e nos lançarmos em pesquisas que se façam conhecer essas
vozes “não autorizadas” presentes na contemporaneidade.
Maria Valéria Rezende rompe com este perfil e ao fazer isso está sob o
julgamento e comentários deselegantes dessa classe dominante que se sente
ameaçada, prova disso foi as manchetes dos jornais quando a escritora ganhou o
prêmio Jabuti na categoria melhor romance com sua obra Quarenta dias em 2015, “
Maria Valéria Rezende desbanca medalhões e vence Jabuti de romance”, “veterana
desbanca Chico Buarque e Cristovão Tezza” esta última soa ainda mais deselegante
para a escritora, uma vez que nem seu nome é citado.
Assim como fertilidade e qualidade, constatações apresentadas por Beatriz
Resende, no que se refere à temática em questão, a professora pesquisadora
apresenta ainda uma terceira que é a multiplicidade como consequência da primeira,
para a mesma, na literatura brasileira contemporânea não há espaços para regras
ou fórmulas fechadas, pois a multiplicidade está presente em todas as dimensões
literárias contemporâneas, seja na linguagem, formato, temáticas, espaço de
produção e até publicação, já que existe uma gama de escritores apostando na
publicação em redes sociais.
Não sei dizer, não lembro bem, o que foi que aconteceu nos três dias
que esperamos prá professora Rosália acomodar-se na casa, ajeitar o
quarto dela, terminarmos de fazer tamboretes e bancadas, prá escola
funcionar, só sei que passei o tempo todinho caçando de ver essa
professora , sem poder pensar mais nada. (REZENDE, 2014, p.52)
Irene ficou deitada, não porque estivesse fraca, até se sentia bem!,
mas queria estar sozinha para pensar com mais sossego nas coisas
que ele dissera, lembrar como, por palavras ditas com a boca ou com
as mãos, cortara pela raiz a planta de desespero que havia crescido
nela e em seu lugar semeara satisfação e desejo de ainda viver de
amor, por pouco tempo que fosse, pouca vida que tivesse, antes tarde
do que nunca. Era tão bom esperar!(p.67)
“As palavras jamais darão conta do vivido , como diz Gorz, então só
resta ao escritor a tarefa de tentar aproximações e de insistir. Insistir
ainda que o resultado seja inferior ao prometido, ao imaginado, insistir
mesmo que se sinta traído em suas emoções,em seus pensamentos.
A frustração diante do que não se pode dizer, talvez, só não seja mais
forte que a necessidade de continuar tentando ” (DALCASTAGNÈ,
2012, p.69)
Por outro lado, tem-se o narrador, outro elemento importante na tentativa de fisgar o
leitor e captar o presente. O narrador contemporâneo segundo Dalcastagnè(2012), é
um sujeito incerto que na maioria das vezes “tropeça no discurso, esbarra em outros
personagens, perde o fio da meada” e está sempre envolvido com a matéria
narrada.
Irene ri, amargo e torto, com uma banda só da boca para não deixar
ver a falha dos dentes da outra banda, ainda que ninguém a veja
agora, ainda que ninguém lhe olhe a cara de frente, nunca. Engraçada
aquela assistente social, “deixe essa vida", está certo, eu deixo essa
vida, não me importo de tudo se acabar agorinha, que esta minha vida
só tem uma porta, que dá para o cemitério, mas a senhora vai tomar
conta do menino e da velha? Era bom, que Irene já quase nem
consegue levar dinheiro toda semana... (REZENDE, 2014, p.11)
Como resultado, observou-se que o corpus incluiu 165 autores (p.158), entre
estes 72,7% são homens, 93,9% dos autores e autoras estudadas são brancas,
78,8% possui escolaridade superior, mais de 90% vivem nas capitais sendo que
70% estão concentrados em Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas
Gerais.
Referências: