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REVISTA DE PERIÓDICOS EM TURISMO

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Vol.1, No 1 (2012)

UMA REFLEXÃO ACERCA DA CONTRIBUIÇÃO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL
NO DESENVOLVIMENTO DO TURISMO DE BASE LOCAL

Luana Maria Cavalcanti Ferraz 1

Resumo
Este artigo faz uma reflexão sobre a contribuição do patrimônio cultural no desenvolvimento
do Turismo de Base Local, a partir de análises sobre os conceitos de cultura, patrimônio e
turismo à luz de alguns autores que se dedicam ao tema. A proposta não é esgotar
possibilidades sobre as questões discutidas, mais instigar novas discussões, considerando-se o
substancial crescimento das atividades turísticas no mundo contemporâneo, processo envolto
em diferentes questões culturais que, em termos de turismo de base local, exige sensibilização
e apropriação, traremos a tona educação patrimonial, metodologia e instrumento de
manutenção para um processo de identidade consciente e de nada doutrinário.

Palavras-chave: Turismo; Cultura; Patrimônio.

1
Aluna da Pós Graduação em Turismo de Base Local – UFPB, João Pessoa-PB.
luanamcf@hotmail.com.

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1 Introdução seu território. Entretanto, todo este


processo necessita de uma apropriação que
Este trabalho reflete sobre a não apenas valorize, mas conscientize o
contribuição do patrimônio cultural no morador, fazendo com que o mesmo se
desenvolvimento do Turismo de base local sinta agente indispensável no
“lançando um olhar sobre o turismo desenvolvimento da atividade.
cultural para além de sua apresentação com Não pretendo esgotar nenhuma
mero diferencial mercadológico em possibilidade de análise, mas, a partir de
roteiros sofisticado” (GASTAL, 2002, algumas inquietações, refletir sobre a
p.70). contribuição do patrimônio cultural na
Como texto base, utilizo o artigo atividade turística de base local,
de Azevedo (1998) “Turismo, Cultura e ressaltando os impactos positivos e
Patrimônio”, além de outras contribuições, negativos que encontramos no seu
a exemplo de Funari (2008) e Fonseca, processo de adequação.
(2009), com estudos que tratam do Proponho, inicialmente, uma
patrimônio material e imaterial. explanação sobre o caráter epistemológico
O Turismo de Base Local, como do turismo que tem superado a perspectiva
nos define Coriolano (1998), depende de funcionalista, visando se adequar as novas
iniciativas e esforços dos moradores do categorias que contribuirão no processo de
lugar, estes são os principais articuladores segmentação do turismo, a exemplo do
e construtores da cadeia produtiva turística, Turismo Cultural que tem como público o
que trabalham para que a renda e o lucro indivíduo que procura o contato com a
do setor fiquem na comunidade, a fim de Cultura próxima da autêntica, tal como
um aproveitamento e crescimento interno, aquele que busca o espetáculo.
contribuindo com a melhora de vida, de Trarei à tona o conceito de
modo que a comunidade autóctone se sinta Cultura, Patrimônio e Turismo, além de
capaz de planejar, organizar e explorar as um breve histórico sobre a valorização e
atividades turísticas que se efetivam em expansão do patrimônio cultural no Brasil.

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Com base no texto da Azevedo modernidade, a comunicação e a


(1998) abordo as três tendências que se tecnologia, que, por sinal, tem sido uma
universalizaram e que contribuíram para das principais aliadas na contribuição da
um resgate da memória local. Por fim, trato expansão turística.
de algumas soluções de apropriação para O mais interessante entre essas
um Turismo de Base Local, suscitando a novas categorias é que são - de certa forma
contribuição da educação formal e não - indissociáveis. A relação que se cria entre
formal no processo de sensibilização. elas faz parte do fenômeno turístico, pois
proporciona um resultado mais preciso
com essa interação. São elementos que
2 Considerações Iniciais
compõe o desenvolvimento em pauta,
Nas últimas décadas o crescimento ocasionando um melhor rendimento.
da atividade turística tem crescido cerca de Segundo Luchiari (1998) “O
7% ao ano e tornando-se um dos turismo reinventa e cria novas funções,
fenômenos mais importantes no recupera antigas práticas e bens culturais
desenvolvimento social e econômico de por meio também do folclore, e monta
diversas regiões, cujas categorias, atrações turísticas à região”, algo que
entrelaçamentos e vertentes têm colocado acontece em consequência das novas
ao campo epistemológico a necessidade de tecnologias, da flexibilidade da pós-
uma análise mais complexa, tendo em vista modernidade, da autonomia de criação do
que não se pode apenas ater-se ao campo nosso imaginário, do acolhimento à nossas
do funcionalismo, pois este já não ideologias frente às informações, do sujeito
responde aos questionamentos decorrentes enquanto autor das suas decisões, da
dos fenômenos do turismo. viabilidade do nosso tempo e espaço e do
Dentre as novas categorias, que não desenvolvimento econômico, pois o
se fixam apenas nas questões tempo, turismo é um setor com chances de
espaço e volumes, encontramos a diversão, resolver a médio prazo os problemas de um
a imagem, a ideologia, o sujeito, a pós-

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determinado local, região, proporcionando- possa estabelecer um turismo de base local


lhe crescimento econômico e social. com êxito.
O turismo tem seus impactos que
Além de uma mescla de pessoas e
culturas diferentes, o turismo – tanto constrói quanto desconstrói. Esta
tanto o internacional quanto o afirmativa depende de cada ponto de vista,
interno – gera uma considerável
redistribuição espacial da do interesse de dois grupos distintos,
capacidade de auferir renda, com
um impacto significativo sobre a incluindo a capacidade de carga2 e de
economia da aera de destino critérios para avaliação do impacto.
(COOPER, 2001, p. 85).
No Brasil, a prática do turismo
A interação e a parceria das cultural é algo recente, principalmente,
diversas empresas com o processo de porque sua preocupação em relação à
globalização também têm permitido um cultura, ao patrimônio, ao processo de
maior espaço para o lazer e a diversão, preservação e conservação é fruto do
atividades que se conectam à ideologia do século XX, diferentemente do que já
sujeito que, por sua vez, convive com a ocorria na Europa desde o século XIX,
autonomia do seu imaginário, de seus tendo a França como pioneira nesse
valores migrados a partir da comunicação, processo de preservação do monumento
de onde ele quer chegar, absorver, do seu histórico, da sua cultura após a Revolução
objetivo relativo à pratica do turismo. Por Francesa.
isto, identifico várias faces nessa A atividade turística é capaz de
intencionalidade, a exemplo da utilização transformar, readaptar diversos territórios a
da cultura que, quando aliada ao turismo, fim de proporcionar um cenário que seja
num contexto socioeconômico, é capaz de favorável para o seu desenvolvimento, de
gerar renda e emprego, e quando bem acordo com as características especificas
apropriada, busca uma atividade com ética, do destino, a exemplo da revitalização,
que respeite as populações locais, a sua
2
Refere-se a um ponto além do quais níveis
cultura e o seu patrimônio, a fim de que se superiores de visitas ou de desenvolvimento
turístico que levam a uma deterioração inaceitável
do ambiente físico e da experiência do visitante
(COOPER, 2001, p.85).

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restauração e requalificação dos centros (inter)conexidade, que quando não bem


históricos e das áreas urbanas. Ela canaliza articuladas ocasionam descaracterização
para si os interesses necessários e tenta das propostas.
persuadir a comunidade a adequar-se aos Funari (2008) conceitua a cultura
seus moldes. Por isso, os moradores de como éuma produção histórica que faz
determinadas regiões são muitas vezes parte das relações entre os grupos sociais,
alijados dos processos econômicos do tendo a sua abrangência, após a formação
turismo, mediante o interesse privado e dos Estados Nacionais, contribuindo de
estatal que maquiam os problemas e maneira enfática, sem se limitar à distinção
despertam a esperança de uma mudança de de classes, preocupando-se em difundir
vida, de superação, que, muitas vezes, não valores como a língua nacional e as
vem. supostas origens comuns.
De fato, o turismo tem A cultura, sob essa ótica, consistia
numa forma de “intercâmbio de
proporcionado em certas regiões uma nova ideias e experiências”, inclusive,
elite, uma nova classe média formada por de “apreciação de outros valores e
tradições” diversos da civilização
pequenos comerciantes, empresários que ocidental. Na sua acepção mais
abrangente, a cultura era
souberam aproveitar da oportunidade para considerada um conjunto dos
melhorar de vida, entretanto, um traços distintivos espirituais,
materiais, intelectuais e afetivos
aproveitamento desapropriado, sem que distinguiam “uma sociedade e
um grupo social”, abarcando,
qualquer reconhecimento, voltado tão além das artes e das letras, os
somente pelo e para o turismo. modos de vida, os direitos
fundamentais do ser humano, os
sistemas de valores, as tradições e
as crenças (FUNARI, 2008, p.38).
3 Patrimônio Cultural e Turismo
Esta expansão do conceito de
cultura trouxe discussões quanto as suas
A tríplice aliança Cultura –
categorias, segmentações, e como processo
Patrimônio - Turismo, que segundo
de homogeneização que alguns teóricos
Azevedo (1998), tem na cultura a força
acreditam ter ocorrido com a globalização.
maior, nos traz reflexões quanto sua
Todavia, o contato com as diversas

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culturas, seja ela material ou imaterial, têm conservação, os projetos e parcerias


contribuído com o desenvolvimento da começaram a tomar lugar e a se
atividade turística, considerada como preocuparem com o caráter interdisciplinar
fenômeno que tanto destaca a diversidade das propostas que visavam e visam um
cultural. O fluxo das visitações turísticas se reaproveitamento dos lugares, entendidos
dá por diversos motivos, por exemplo, como cenários de extrema relevância para
através do interesse em conhecer a cultura fazê-lo pensar, agir, sentir, em que o
local que inclui o contato com o patrimônio material ou imaterial, a busca
patrimônio, elo entre passado e presente, pela diferença torna viável a prática do
proporcionando uma experiência cultural turismo através das relações entre os
de sensações variadas. sujeitos e tais categorias. Por patrimônio se
O antropólogo Barth (2005) nos entende bens moveis e imóveis, naturais ou
afirma que a disseminação da cultura é construídos, que uma pessoa possui ou
feita por pessoas e entre pessoas, através consegue acumular.
da partilha de experiências, da troca de Para Azevedo (1998), “O Turismo
conhecimentos, num fluxo contínuo onde tem na cultura e no patrimônio dois esteios
ocorrem reflexões, identificações, insubstituíveis que lhe permitem usufruir o
instruções, e o que fica compartilhado é encontro de singularidades”, as quais dão
um modelo cultural. Por isto, é necessário sentido às atividades turísticas que
focar na experiência como ponto de partida começam a tomar forma a partir das
para sua disseminação. curiosidades, das riquezas tangíveis ou
Com a ampliação do que poderia intangíveis de um determinado local ou
ser considerado como cultura, e a região, tornando-se centro de diversos
superação da visão positivista interesses sejam eles políticos,
extremamente imperativa nas definições econômicos, sociais, culturais.
dos teóricos e em suas seleções quanto ao Ao tratar de singularidades, ainda
que deveria ser ou não patrimônio, as segundo a autora, toca-se nas identidades.
políticas públicas de preservação e Mesmo com todo avanço, com distâncias

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encurtadas e com a massificação dos meios já edificado e muitos deles destruídos pelo
de comunicação influenciados pelo modismo de transformar os aglomerados
progresso que criou possibilidades de urbanos em cenários europeus.
deslocamento virtual, fazendo com que o A preocupação com as obras de
real e o virtual se misturassem, as artes que estavam sendo levadas para fora
particularidades culturais não foram do Brasil, tal como a destruição das
sucumbidas como um todo, são elas que construções coloniais que estavam sendo
determinam as diferenças, as origens, as deterioradas, levaram a formação de um
raízes, a etnia de um povo. grupo de engenheiros e arquitetos que se
Um exemplo de diversificação sentiam preocupados com a memória do
dessa cultura é o patrimônio cultural, capaz país, as suas marcas, os seus traços,
de mostrar as diferenças, as peculiaridades fazendo-os elaborar vários projetos de
de cada local, as distâncias temporais, as proteção ao patrimônio ao longo da década
descobertas e as marcas dissonantes, nos de 1920, embora, muitos tenham
fazendo ter contato com sua pluralidade, a fracassado.
exemplo da que encontramos no Nordeste Na década de 1930 é que as
brasileiro, região de extrema variação iniciativas preservacionistas começam a
cultural. alcançar resultados mais consistentes,
dando visibilidade ao patrimônio cultural
com a criação, em 1936, do primeiro órgão
4 Um breve histórico sobre o Patrimônio nacional o “Serviço de Patrimônio
no Brasil Artístico Nacional (SPHAN)”, que
começou a instaurar a cultura do
O patrimônio cultural no Brasil patrimônio, a principio, a partir de
ganhou margem a partir do século XX com conteúdos ideológicos que eram
o movimento neocolonial que tinha como determinados pelo Estado Novo da
precursor o arquiteto Ricardo Severo que ditadura Vargas.
lutava pela não destruição de um passado

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Era o Estado que controlava a diversos inventários e tombamentos, tanto


memória com o estimulo de um sentimento no âmbito estadual como no nacional.
nacionalista mascarado. Como patrimônio, Em determinadas regiões
os bens culturais selecionados estavam brasileiras, a política de preservação é de
ligados ao que poderia ser considerado larga escala, a exemplo das cidades de
como obra de arte, o imaterial Ouro Preto e Mariana em Minas Gerais,
condicionava-se em momentos específicos tendo em vista a quantidade de antigas
da história brasileira. Além de selecionar, o construções bem preservadas, com traços
Estado manipulava o que deveria ser ou marcantes deixados pela história e que
não lembrado, permitindo que um caráter permaneceram no tempo, contribuindo
eurocêntrico viesse à tona ao querer com a memória não apenas coletiva, mas
preservar figuras políticas postas em individual.
monumentos (estátuas), se distanciando de O fluxo de pessoas nesses lugares
um patrimônio mais perto do homem, do é contínuo, o que gera não apenas lucro,
cotidiano e centrando-se em ícones em que mas uma troca de saberes, de
ressaltavam e criavam a memória feita dos conhecimentos em que pessoas de diversas
grandes “heróis”. partes do mundo passam a ter contato com
Somente com a a cultura, a história, a identidade de outros
Institucionalização do SPHAN que se povos, disseminando experiências,
tornou IPHAN (Instituto de Patrimônio proporcionando o contato com a cultura,
Histórico Nacional), em 1970, é que as com um novo modelo cultural, conforme
políticas tornaram-se mais expansivas - comenta Barth (2005). Tal processo,
não por falta de iniciativas do SPHAN direcionado de modo a dar vida ao
liderado por Rodrigo de Melo Franco, mas patrimônio para torná-lo ainda mais viável
pelo cenário centralizador, planificado, à atividade turística é uma lógica adotada
elitista da política da época -, e a definição pelas empresas privadas e governos em
de patrimônio e sua seleção se estendeu suas várias instâncias no aproveitamento
para o campo imaterial, dando margem a da geografia dos lugares, elementos

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históricos, naturais e cultura, para universalizando de modo a atender não


colocarem em prática seus interesses, apenas as exigências do mercado, mas a
visando o crescimento econômico próprio um turismo de base local com ética e com
e da região. valorização do patrimônio humano, afinal,
Há uma busca de novas paisagens o patrimônio é um elemento da cultura de
que vão se tornando objetos de consumo. extrema importância que, além de
Vale salientar que este consumo se dá de caracterizar perfis, externa diferentes
maneira diferente para a população local e temporalidades, espaços, marcas, contribui
para o turista. A paisagem passa a ser vista com o fluxo da economia quando bem
como uma novidade estética, fruto da explorados e serve como instrumento para
necessidade turística, da sua produção. o exercício da cidadania.
De maneira negativa, o que não Na primeira tendência, Azevedo
ocorre é uma preocupação com a (1998) destaca o fenômeno de fluxo
apropriação interna, distanciando o contrário, em que as pessoas estão se
morador local das atividades, da deslocando do centro para periferia, do
conscientização do mesmo enquanto litoral para o interior, à procura de uma
agente indispensável, tornando-o apenas vida mais tranquila, longe do caos urbano.
mão-de-obra para sua estrutura de Na Paraíba, é notória a expansão e o
funcionamento. O turismo, assim, como investimento em resorts, assim como dos
atividade que altera as relações sociais de condomínios em áreas rurais que
produção, modifica o cotidiano das proporcionam uma relação próxima com a
populações nativas e resulta em natureza, com a vida campestre, quando
implicações de ordem sociocultural, também há “segmentos populacionais
ambiental e econômica (MACÊDO, 2011). afastados dos grandes centros, com estilos
Azevedo (1998) chama atenção de vida, usos, tradições pouco conhecidas
para o fato de a interação entre cultura, ou estudadas” (AZEVEDO, 1998, p.153).
patrimônio e turismo provocarem A valorização do patrimônio
tendências emergentes, que vão se humano, das comunidades tradicionais,

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considerada como a segunda tendência, tempo e com as discussões nas


tem sido outro fator de extrema relevância conferências de patrimônio, segundo
frente aos estudos, as pesquisas, aos Funari e Pelegrini (2008), estão ligadas às
projetos que culminam no investimento, no transformações das formas de convívio
campo de visibilidade da cultura, com o social e aos padrões culturais que regem a
intuito de não apenas valorizar, mas existência humana. O patrimônio
reconhecer e identificar suas materializa a cultura, trazendo-a para o
particularidades, um exemplo são as convívio social frente a sua diversidade
comunidades quilombolas ainda existentes que dá forma ao caráter plural das
em diversas partes do país. identidades. O que antes era tido como
Por último e não menos excepcional, hoje faz parte de um espaço
importante, Azevedo (1998) reserva para a que nos permite refletir naquilo sobre a
terceira tendência, as trocas nossa identidade, sobre o exercício da
comunicacionais relativas ao ouvir do nossa cidadania.
receptor e o dizer do emissor, ou seja, o ir A relação entre cultura, patrimônio
e vir da história oral que tem superado e e turismo não é de nada pacífica. Suas
preenchido as lacunas, resolvido as divergências estão centradas nos diversos
divergências da história, servindo como interesses que não comungam pelas
técnica e método de investigação. mesmas vias, e, muitas vezes, excluem a
Todavia, o que estas três atividade turística por percebê-la apenas
tendências têm em comum é o acesso à como interesse de mercado, distanciando-a
memória que permite que identidades dos reais valores culturais, pois ela não foi
sejam reconhecidas, recuperadas e a criada exclusivamente para o uso do
cidadania seja despertada como uma forma turismo, tornando o patrimônio objeto de
de fazer com que o outro se reconheça consumo sem nenhum trabalho de
enquanto protagonista do lugar onde mora. sensibilização e conscientização local. Esse
As modificações no conceito de não entrelaçamento das categorias atua de
cultura e patrimônio ampliados com o maneira negativa, pois desperdiça o teor de

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cooperação, da sinergia que poderia do turismo local, sem serem despertados


contribuir com uma atividade mais com o sentimento de pertencimento.
dinâmica e cheia de vida. Os bens patrimoniais são
A paisagem turística tornou-se um “construtores de identidade e detentores de
cenário de coisas que correspondem não um forte componente simbólico que
apenas à sociedade em si, mas ao que o contribui para a incorporação de
turismo está em busca, o extraordinário, o localidades históricas ao processo de
incomum. Segundo o mundo do turismo, o desenvolvimento do turismo”
patrimônio histórico - que não é um (CARVALHO, 2009, p. 5), mas que, por si
depósito de história, mas um conjunto de só, não dão conta desse processo de
relações - tem perdido um pouco do seu sensibilização, do despertar de uma
valor cultural para o valor turístico topofilia3 que gere uma conscientização
(LEANDRO, 2006). mais precisa e participativa da comunidade
À analise de Carvalho (2009) local, a qual ocorre com maior facilidade
sobre o Turismo e preservação do se no lugar existir um certo fluxo de
patrimônio cultural na visão dos moradores visitantes.
do bairro da Praia Grande em São A turistificação dos espaços
urbanos e naturais ocasiona
Luís/MA nos mostra o processo mudanças na dinâmica das
inadequado que ocorreu no Centro populações tradicionais; substitui-
se o caráter de afetividade e de
Histórico, o processo de turistificação da significação inerentes ao
patrimônio pela sua vinculação a
paisagem sem que existisse apropriação um bem de consumo, a presença
adequada para os moradores, que ao serem de turistas interfere na rede de
relacionamentos dos atores sociais
indagados sobre a importância do e, sobretudo, incide-se nas
práticas de preservação do
patrimônio histórico cultural de sua patrimônio cultural
localidade para sua identidade, (CARVALHO, 2009 p. 3).

demonstram uma alienação com relação ao


reconhecimento dos lugares enquanto
protagonistas. Tornaram-se mão-de-obra 3
Processo de identificação, vinculação, e
apreço ao lugar.

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Na verdade, um desenvolvimento do acervo cultural, de forma a


habilitá-los a despertar, nos
local precisa do homem consciente, que educandos e na sociedade, o senso
significa muito mais do que um homem de preservação da memória
histórica e consequentemente o
conscientizado. Sua atuação neste processo interesse pelo tema.
culmina com uma compreensão de que os
mesmos podem e devem contribuir com a O campo da educação patrimonial

ordem social diversa da vigente tem crescido nos últimos dez anos e

(CORIOLANO, 1998), fenômeno que proporcionado um crescimento na

evidencia a relevância da cultura como produção acadêmica em seus diversos

segmento considerável para o turismo de espaços. A maioria dos projetos, das

base local que pode ser apropriado a partir propostas elaboradas para um processo

da educação patrimonial atuando como consciente, afetivo de apropriação, de

mecanismo de valorização e de reconhecimento do cidadão enquanto

pertencimento das comunidades locais ao agente histórico de extrema relevância para

patrimônio (RIBEIRO; SANTOS, 2008). o nosso patrimônio cultural, seja ele

Mas, o que seria a então chamada tangível ou intangível, surge de maneira

educação patrimonial? Segundo Moraes local colaborando com a memória coletiva,

(2010, p. 7): memória em comum a um povo, que ganha


força e se apresenta como instrumento
A educação patrimonial nada mais
indispensável no processo de resgate da
é do que uma proposta
interdisciplinar de ensino voltada identidade local.
para questões pertinentes ao
patrimônio cultural. Compreende
desde a inclusão nos currículos
escolares de todos os níveis de
ensino, de temáticas ou de 5 Considerações Finais
conteúdos programáticos que
versem sobre o conhecimento e a O turismo pode ser mediado pela
conservação do patrimônio
histórico, até a realização de curso dinâmica da educação patrimonial,
de aperfeiçoamento e extensão
para os educadores e a contribuindo com o movimento da
comunidade em geral, a fim de preservação, tornando os turistas como
lhes propiciar informações acerca

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atores interativos e ao mesmo tempo Corroboro com Ribeiro e Soares


complementares no processo de (2008) quando nos afirmam que estas
valorização e de incentivo a manutenção ações podem atuar de maneira a incentivar,
do patrimônio. estimular, envolver através de oficinas,
O patrimônio histórico cultural palestras, cursos, intervenções artísticas
configura o interesse a certos destinos, o fazendo com que os participantes possam
que supera a superficialidade do turismo de compreender a importância da memória
massa que tem perdido seu espaço devido coletiva, comum a um povo, a partir da
às novas formas e possibilidades e meios, disseminação das lembranças, da
pois o mesmo visa a quantidade, a manutenção dos símbolos e signos do
homogeneização, preocupando-se na patrimônio histórico cultural de sua
(re)produção maciça de volumes e formas localidade.
que atenda a um grande número de Não é a curto prazo que o
pessoas, enquanto o turismo cultural preza desenvolvimento das práticas provenientes
pela peculiaridade de suas expressões, com da educação patrimonial trarão resultados.
apreço a qualidade. A construção passo a passo transformará
Para a comunidade local, esse os indivíduos, que tornar-se-ão mais
processo de apropriação e sensibilização conscientes, envolvidos no processo de
partindo de uma educação formal e valorização de sua cultura, o que
informal de conscientização, do contribuirá para um Turismo de Base
reconhecimento da identidade, do exercício Local mais adequado. Este processo
da cidadania permitem utilizarmos uma educativo fará com que os mesmos se
atuação mais próxima e viável, interagindo reconheçam e valorizem o patrimônio de
com o seu cotidiano, com a memória sua cidade, de seu país, preservem a
individual, que quando despertada permite memória sem que políticas prontas sejam
que seja montando um elo entre passado e estabelecidas.
presente, atentando o morador à Como cidadãos reconhecidos e
importância da comunidade aonde ele vive. identificados a partir dos seus bens

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culturais, da sua história, de um Disponível em: <


http://www.publicacoesdeturismo.com.br/ref.php?i
conhecimento mais próximo de sua d=1013> Acessado em 10 de Dezembro de
2011.
realidade, a apropriação afetiva e
consciente acontecerá e possibilitará uma _______. Turismo e Preservação do
Patrimônio Cultural na visão dos
atividade turística mais legitima, com uma moradores do bairro da Praia Grande em
comunidade efetivamente mais São Luis (MA). Revista Brasileira de Pesquisa
em Turismo, v. 3, n.1, p. 25-45, 2009.
participativa, a visar não apenas um Disponível em:
<http://revistas.univerciencia.org/turismo/inde
crescimento econômico, mas uma atuação x.php/rbtur/article/viewFile/128/169 >
como indivíduo que cuida, preserva, Acessado em: 10 de Agosto de 2012.

valoriza, dissemina a cultura que lhe faz COOPER, C; ARCHER, B. Os impactos


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