PROJECTO DE ARQUITECTURA I
OBJECTIVOS
Importa assim acentuar que o arquitecto trabalha com formas tridimensionais que resultam da
manipulação do espaço. O seu trabalho está orientado para a produção de objectos materiais - artefactos
construídos - que não são cultural nem socialmente neutros; que quer tenham conteúdos significativos ou
ideológicos, quer tenham carácter meramente utilitário, resultam da aplicação de técnicas que, por sua
vez, evoluem por inserção complexa em contextos determinados de natureza social; que não podem
derivar de uma mera actividade abstracta, de simples expressão plástica, ou de um puro exercício crítico,
mas de uma intervenção responsável.
Através do raciocínio tridimensional, pode adquirir-se uma representação mais viva e precisa do trabalho,
obtendo uma visão de conjunto através do seu domínio abstracto; a visualização, permite antever as
formas projectadas, percepcionar os seus valores qualitativos e actuar de um modo eficiente sobre eles;
uma comunicação rigorosa e compreensível, facilita uma simulação mais convincente das formas
projectadas, capaz de promover com sucesso a transmissão das ideias que lhe estão subjacentes.
Estas competências estão na base do exercício da Arquitectura, e como tal insistir-se-á fortemente nestes
aspectos. Uma vez adquiridas, será possível confrontar o aluno com a complexidade do PROJECTO DE
ARQUITECTURA - o lugar, o programa, a estrutura, os materiais … - e começar a construir
pedagogicamente a atitude própria da abordagem dos problemas da Arquitectura.
O conceito de PROJECTO DE ARQUITECTURA é aqui entendido como um processo e não como um
produto final. Adoptando a definição proposta por Lawson (1980), é o conjunto de procedimentos que,
partindo da manipulação do espaço tridimensional, decorre entre uma determinada solicitação ou
aspiração (problema) e a sua concretização prática (solução). Destina-se a elaborar uma resposta que
satisfaça necessidades várias - de ordem físiológica, psicológica, sociológica e económica - e preencha
valores e expectativas permitindo, assim, uma intervenção positiva na melhoria da qualidade de vida.
Entendido como trabalho criativo, este processo requer do arquitecto a aplicação e o equilíbrio entre
raciocínio sintético, analítico e prático (Schön, 1983), ou seja a capacidade de gerar ideias novas,
interessantes e consistentes; de avaliar as suas implicações e de as testar; de transformar a teoria em
prática e as ideias abstractas em realizações efectivas (Schank, 1988).
Propõe-se atingir estes objectivos através de uma aprendizagem centrada na resolução de problemas, na
experimentação e na análise de situações do quotidiano: exercícios de manipulação tridimensional -
exploração, concepção, e representação de formas e estruturas espaciais simples de natureza abstracta - a
par da observação, do reconhecimento e do registo da realidade arquitectónica presente, complementada
pela análise crítica de textos e obras de referência.
Os exercícios de manipulação tridimensional estão concebidos de modo a serem desenvolvidos num
ambiente de oficina/laboratório. Ao fomentar a prática de trabalho em estúdio pretende-se criar um
ambiente de trabalho que estimule a discussão e a colaboração, aspectos fundamentais para a
aprendizagem da arquitectura (Stevens, 1995).
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Objectivos gerais
As intenções gerais destas duas disciplinas são representadas por um conjunto de objectivos de ordem
formativa, e prática destinados a permitir ao aluno iniciar o processo de aquisição de competências
relativas a:
aprender a fazer: adquirir capacidades técnicas e sensíveis que o tornem apto a tomar decisões e a agir
sobre o meio envolvente, i.e. a manipular o espaço tridimensional;
aprender a comunicar: adquirir aptidões que facilitem o processo de partilha de informação, de difusão de
conhecimento e de interacção num ambiente de trabalho colaborativo e multidisciplinar.
2. contribuir para o domínio da forma arquitetónica i.e. a capacidade de manipulação dos seus
elementos geradores;
Objectivos específicos
2
2. No que se refere à aquisição de conhecimentos que permitam o domínio da forma
arquitectónica pretende-se que o aluno seja capaz de:
conhecer e identificar os componentes básicos - geradores - da forma arquitectónica -
ponto, linha, superfície e volume;
compreender as características elementares dos componentes básicos da forma
arquitectónica, i.e. a sua contribuição para a conformação e figuração do espaço
arquitectónico;
compreender as propriedades visuais da forma arquitectónica;
manipular os componentes básicos da forma arquitectónica;
compreender e interpretar relações de natureza sintáctica estabelecidas a partir da
manipulação dos componentes básicos da forma arquitectónica;
compreender as relações de natureza semântica (significativa) estabelecidas pelos
componentes básicos da forma arquitectónica, os objectos que designa e as suas
alterações no tempo;
compreender as relações de natureza pragmática estabelecidas pelos componentes
básicos da forma arquitectónica e o meio social e cultural envolvente;
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SEMESTRE 1: PROGRAMA E CONTEÚDOS
2. Os significados na Arquitectura
2.1. A arquitectura como identificação do lugar
2.2. A arquitectura como resultado do complexo cultural e social de cada época
2.3. A arquitectura como indutora de emoções e portadora de intenções expressivas
2.4. A arquitectura como resultado das capacidades de realização técnica
3. A percepção da Arquitectura
3.1. Expressão morfológica. Elementos primários e elementos modeladores
3.2. Expressão funcional. O Programa. Os Utilizadores: exigências e necessidades
3.3. Expressão construtiva. A importância dos materiais na Arquitectura. Sua natureza,
expressão e adequação às formas
4. A Produção da Arquitectura
4.1. arquitectura expontânea
4.2. A Arquitectura como prática profissional
4.3. O trabalho interdisciplinar
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8. Outras relações estabelecidas pelos componentes da forma arquitectónica
8.1 de natureza semântica
8.2 de natureza pragmática
DIDÁCTICA
1
Piaget (1974) em 'Reussir et Comprendre' demonstrou que fazer é compreender em acção uma
dada situação de modo a atingir os fins propostos, enquanto que compreender é conseguir
dominar de forma abstracta as mesmas situações.
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possibilidade de executar o seu projecto nessa realidade. Só então ser-lhe-á pedido que realize de forma
puramente representativa o que inicialmente executou de forma efectiva. De acordo com estes
pressupostos, o trabalho a desenvolver considera 3 etapas sequenciais:
etapa 1 construção de um objecto tridimensional (a partir da manipulação dos componentes básicos
da forma arquitectónica)
etapa 2 exploração / compreensão dos processos utilizados
etapa 3 avaliação/justificação do trabalho realizado
O esquema da figura seguinte refere a sequência de tarefas proposta para cada uma das fases.
fase 1
3.
ANALISAR
o aluno propõe alterações /
correções
fase 3
4. REFORMULAR
Ao docente compete-lhe colocar o problema, suscitar a curiosidade para a solução, induzindo o aluno a
pesquisar de uma forma relativamente autónoma dentro dos limites impostos pelo problema, manter a
ordem do trabalho intelectual e fiscalizar a sua execução.
No esquema da figura seguinte referem-se as expectativas de desenvolvimento do trabalho
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1.
CONCEPÇÃO
o aluno utiliza mecanismo(s) operatório(s)
espontaneos princípio de espontaneidade
2. CONSTRUÇÃO / ACÇÃO
APRENDIZAGEM
4.
CORREÇÃO DA CONCEPÇÃO
5.
CORREÇÃO DA ACÇÃO
o aluno adquire (novos) mecanismos
operatórios sujeitos ao processo
PRODUÇÃO EXIGIDA
Fase 1 modelos físicos tri e bi dimensional
construção do objecto representações icónicas: maquete; desenhos de
observação à escala
modelos conceptuais: representações
4 semanas simbólicas verbais
Fase 2
modelos físicos tri e bi dimensional
análise do objecto
representações icónicas: maquete
MASSA VOLUME
representações analógicas
CHEIO / VAZIO
(diagramas; esquemas)
UNIDADE / CONJUNTO
ESCALA / PROPORÇÂO
modelos conceptuais
representações simbólicas verbais
8semanas
Fase 3
modelos físicos tri e bi dimensional
correção do objecto
representações analógicas
(diagramas; esquemas)
modelos conceptuais
2semanas representações simbólicas verbais
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TRABALHO PARALELO NÃO ASSISTIDO
Paralelamente ao desenvolvimento do trabalho de estúdio são propostas actividades complementares, a
realizar fora do horário lectivo, nomeadamente:
trabalho de pesquisa - observação, análise e recolha orientada de informação - registado sob a
forma de 'diário de bordo'
consulta bibliográfica - registado sob a forma de ficha de leitura
Funcionam como prolongamento das actividades de aprendizagem, contribuindo para:
fornecer uma visão organizada das actividades entretanto desenvolvida no estúdio, facilitando e
completando a aquisição de conhecimentos e permitindo o alargamento de conceitos e a sua
aplicação;
desenvolvimento de capacidades ligadas ao domínio afectivo: hábitos de trabalho, espírito de pesquisa,
e trabalho independente.
AVALIAÇÃO
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TRABALHO NÃO ASSISTIDO
No que se refere ao trabalho não assistido –DIÁRIO DE BORDO e FICHA DE LEITURA - a classificação
baseia-se em 4 momentos de avaliação intercalar correspondentes às entregas do Diário de Bordo (3
entregas coincidentes com as entregas do trabalho de estúdio) e à apresentação da ficha de leitura.
AVALIAÇÃO FINAL
A avaliação final do trabalho constitui uma apreciação global ponderada e não uma média aritmética das
avaliações intercalares. A classificação é feita com base em quatro instrumentos:
Assiduidade às aulas e actividades complementares (participação em discussões)
Interesse e participação nas actividades curriculares
Produção individual
REFERÊNCIAS
Aebli, H. (1960) Prática de Ensino. Formas Fundamentais de ensino Elementar, Médio e Superior, Coleção
Educação Prospectiva, Editora Vozes Ltda, Rio de Janeiro, 1976
Friedman, J.B. (2000) Creation in Space. Fundamentals of Architecture, Kendall/Hunt Publishing Company,
Iowa
Lawson, B. (1997) How Designers Think. The Design Process Demystified, Architectural Press, 3rd Ed, Oxford
Ministério da Educação (1999) - Oficina de Artes, Blocos I, II e III. Orientações e gestão de programas, M.E.-
Departamento do Ensino Secundário, Lisboa
Piaget,J. (1974) Reussir et Comprendre Presses Universitaires de France, Paris
Portas, N. (1964) A Arquitectura para Hoje. Finalidades. Métodos. Didácticas, Edição de Autor, Lisboa
Schank, R.C. (1988) The Creative attitude: Learning to Ask and Answer the Right Questions Macmillan, New
YorK
Schön, D.A. (1983) The Reflexive Practioner. How Professionals Think in Action Basic Books Inc, USA
Stevens, G. (1995) Struggle in the Studio: 'A Bourdivian Look at Architectural Pedagogy', Journal of
Architectural Education, 49/2, 1995 pp.105-122, ACSA, Inc.
Zevi, B, (1949 ) Saber Ver a Arquitectura, Livraria Martins Fontes Editora Lda, 5ª ed. S.Paulo, 1996
Zevi, B. (1972) Architecture in Nuce. Uma Definição de Arquitectura, Edições 70 Lda, Lisboa, 1996
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BIBLIOGRAFIA
A bibliografia adoptada na disciplina está organizada em dois grupos: bibliografia genérica e específica.
Bibliografia genérica
Obras seleccionadas que funcionam, sobretudo como textos de referência escolhidos pela sua qualidade,
pelas seus méritos metodológicos ou pela sua aplicação ao conteúdo das matérias leccionadas.
Arnheim, R. (1977) 'A Dinâmica da Forma Arquitectónica' Editorial Presença, Lisboa 1988
Hertzberger,H. (1991) Lições de Arquitectura, Martins Fontes, S.Paulo, 1993
Zevi, B, (1949 ) Saber Ver a Arquitectura, Livraria Martins Fontes Editora Lda, 5ª ed. S.Paulo,
1996
Bibliografia específica
Obras directamente relacionadas com o âmbito temático da disciplina e com directa aplicação aos
conteúdos dos exercícios.
Ching,F. (1982) Arquitectura: forma, espacio y orden, Gustavo Gili, Mexico, 1995
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SOBRE A ARQUITECTURA: conceitos elementares
O homem desde sempre construiu. Por necessidade e por utilidade. Começou por construir abrigos
precários para se proteger dos elementos da natureza, das variações sazonais do clima, dos animais
selvagens e dos seus semelhantes. Mais tarde, ao fixar-se num sítio preciso, fundou lugares, construindo
casas para viver em segurança e privacidade, para abrigar as colheitas e o gado, as ferramentas de
trabalho; construiu ruas para circular; ambientes de convívio abertos à troca de ideias; fortificações para
se defender de agressões; santuários e templos para prestar culto aos deuses; necrópoles para venerar os
seus mortos. Quando atingiu um grau elevado de civilização construiu cidades.
Quando a construção, seja ela qual for, tem significados – culturais, ideológicos, estéticos e técnicos - para
além da simples utilidade, está-se em presença de arquitectura: artefactos, construídos pelo homem e
para o homem, com o objectivo de ordenar e organizar o espaço: de lhe conferir uma forma de modo a
torná-lo habitável, praticável e reconhecível.
Para além das suas funções utilitárias, a arquitectura comporta conteúdos intencionais: Tem
significados vários: é a manifestação do ambiente cultural e social de cada época. Responde e dá
forma aos valores e ao desejo de afirmação dos indivíduos. Tem significados estéticos: induz
emoções e é portadora de intenções expressivas. Tem significados técnicos: é a expressão das
capacidades de realização, dos níveis de conhecimento, de inovação e de engenho em cada momento, do
estádio de desenvolvimento tecnológico atingido; das técnicas decorrentes dos materiais utilizados; e dos
recursos financeiros disponíveis para a sua realização. Desde Çatal Hüyük na Anatólia (7250-6250 A.C.),
até às últimas criações do sec.XXI, passando pelas pirâmides do Egipto (4 milénios A.C.), pelo Partenon,
em Atenas (sec. V A.C.), pelo Panteão de Roma (sec II), pelas catedrais Góticas (sec. XIII ao XV) pelos
arranha-céus do sec. XX, estas obras resultaram da aplicação de técnicas. Quer tenham conteúdos
significativos ou ideológicos, quer tenham carácter utilitário, os conhecimentos e os meios existentes para
as realizar evoluíram, por sua vez, em função dos contextos culturais e sociais da sociedade onde se
inseriram.
Como refere Alberto Campos Baeza (2001) a arquitectura resulta de um acto de vontade humana, é
uma ideia que se constrói. Sendo substancialmente exercida em função da construção, ocupa um
espaço e tem um tempo.
Referências:
Alberto Campos Baeza (2000) LA idea construída. Colleccíon Textos de Arquitectura e Diseño,
Universidad de Palermo, Argentina, 2000
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2. SOBRE O EXERCÍCIO DA ARQUITECTURA
Os usos efectivados após a concretização do projecto de arquitectura bem como a interacção que os
novos objectos construídos irão estabelecer com a envolvente e com os seus utilizadores, são aspectos
que o arquitecto não controla no tempo. No entanto, é sempre possível, e até frequente, que
determinados aspectos técnicos e funcionais de uma forma arquitectónica sobrevivam no tempo, porque
se trata de "conteúdos sedimentados", e como tal, nunca se deixam desvincular das possibilidades de uso
e de construção que têm ou já tiveram.
Embora a arquitectura não seja entendida e consumida do mesmo modo que as outras artes, o processo
de geração da forma arquitectónica pode ser comparado ao da geração de formas artísticas, visto ambos
responderem a situações abertas, e para as quais não existe uma solução delineada a priori ou a
possibilidade de uma resposta através do recurso a métodos pré-definidos, como ocorre em
procedimentos de natureza estritamente técnica, (mas que também não ocorre na investigação científica
!).
Mas, por outro lado, a lógica subentendida na solução arquitectónica i.e., as suas relações espaciais,
materiais e funcionais, também não podem ser entendidas como invenções imediatas, sem precedentes
i.e., geradas a partir do nada. Qualquer solução faz uso de regras que 'codificam' o conhecimento do seu
autor e que apoiam a sua concepção. A forma arquitectónica deriva de outras formas materiais e é o
resultado de um processo contínuo de aprendizagem.
Trata-se de um produto artificial sintetizado pelo homem, susceptível de ser analisado enquanto está a ser
concebido, tanto em termos prescritivos como descritivos. Por mais que uma solução pareça genial, a
invenção que nela se realiza é sempre ínfima em vista do material formal do qual parte e das múltiplas
invenções anteriores que contém. E as implicações desses precedentes, ou seja do conhecimento
acumulado tanto no que se refere às técnicas construtivas, como aos usos praticados ou a qualquer outra
das variáveis de um problema arquitectónico, incidem naturalmente no novo objecto.
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3. SOBRE A FORMA ARQUITECTÓNICA
O termo ‘forma arquitectónica’ encerra alguns equívocos decorrentes de uma interpretação simplificada,
e por ventura redutora, do próprio conceito e que importam esclarecer.
Com efeito o termo “forma” é frequentemente utilizado para referir os elementos visuais dos objectos
arquitectónicos, ou seja para destacar atributos de natureza plástica ou sensorial, associados à aparência
externa: formato, contorno, textura, jogo dos volumes, tratamento de superfícies, conjunção de cheios e
vazios.
O conceito “forma” é, portanto, entendido como o operador responsável pelas expectativas estéticas
colocadas na solução arquitectónica. Esta interpretação é redutora da complexidade da solução
arquitectónica porque cria a ilusão de que as soluções arquitectónicas podem ser subdivididas em partes
relativamente independentes entre si e produzidas de modo cumulativo, ainda que por procedimentos de
natureza muito distinta. Por outro lado, estando implicitamente ligado à ideia de arquitectura como arte
plástica, contribui para que se analisem as suas características no mesmo registo contemplativo que
caberia a uma obra tradicional de pintura ou de escultura, que o observador aprecia mediante a
abstracção de todas as circunstâncias externas.
Com efeito a “forma” arquitectónica corresponde a uma solução para um problema de transformação
espacial. Isto significa que quem procura uma solução arquitectónica, não procura apenas um certo tipo
de funcionamento, mas uma “forma” que o possibilite; não quer simplesmente uma certa relação com o
contexto urbano, mas uma “forma” que tenha essa relação; não quer uma técnica construtiva, mas uma
“forma” na qual ela faça sentido. Pode-se querer que essa “forma” seja adequada a certos usos, certas
técnicas construtivas e até a certos valores estéticos; pode-se também avaliar a “forma” em relação ao
seu desempenho funcional e técnico; mas não é possível gerar a “forma” analiticamente e por partes. Isto
também significa, entre outras coisas, que a independência total da “forma” arquitectónica, mesmo que
fosse desejada, não seria praticável, porque a “forma” não é parte da solução arquitectónica, mas sim a
solução como um todo.
A 'razão de ser' da arquitectura prende-se com o uso e com a fruição por parte dos seus potenciais
utilizadores, e portanto a forma arquitectónica constitui-se como um suporte para a sucessão de
eventos que constitui a vida das pessoas. O reconhecimento da forma decorrerá do conjunto de efeitos
que o objecto arquitectónico é capaz de produzir sobre os sentidos do observador ou do utilizador, em
função do "programa" que lhe está subjacente.
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“A forma tridimensional da arquitectura não é o exterior de um sólido mas sim o invólucro côncavo e
convexo do espaço. Por sua vez o espaço não é o vazio do lugar geométrico onde ocorrem actividades
diversas. No caso da arquitectura, a 'invenção' refere-se a um sistema espacial organizado que é
experimentado através da sua utilização e compreendido através da sua forma.”
"Quando me coloco diante de uma estátua ou circulo à sua volta para apreciá-la sob diferentes pontos de
vista [...] devo abstrair numerosas circunstâncias que, embora envolvam a obra, não pertencem aos
domínios da arte do escultor. É o caso, por exemplo, da temperatura reinante no lugar da exposição; e
dos sons e ruídos que o invadem; e dos odores que porventura flutuam no ar; e da eventual chuva que
cai. [...] não formaria sentido tentar assimilar essas circunstâncias externas e acidentais aos valores
escultóricos.
[...]
A conjugação dessas formas parciais na definição da forma arquitectónica é regulada pelo tempo de
utilização do espaço construído (…) Entendida nesses termos, a forma arquitectónica revela-se
rigorosamente comprometida com o programa de necessidades – e a tarefa do arquitecto pode ser
definida como a arte de formar (organizar e animar) espaços destinados a ambientar as actividades
humanas."
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4. SOBRE A FORMAÇÃO DO ARQUITECTO
O que deve o arquitecto saber e o que deve saber-fazer? Estas questões podem-se aplicar, genericamente,
a qualquer profissão mas no caso do Arquitecto, esta relação é muito particular sendo que existem
diferenças significativas entre o saber e o saber-fazer. Enquanto na maioria das engenharias a relação entre
o saber e o saber-fazer decorre de uma relação entre teoria e prática, entendida esta última como
aplicação da teoria, a relação entre teoria e prática em arquitectura decorre de uma posição
metodológica diversa, na medida em que a teoria arquitectónica surge da reflexão crítica sobre a prática.
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de paredes meãs, dos esgotos das coberturas, e das cloacas (…) a Astrologia servir-lhe-á também para a
realização dos quadrantes solares pelo conhecimento que lhe dá o Oriente, o Ocidente, o Sul e o
Setentrião; os Equinócios, os Solisticios e todos os percursos dos Astros.”
Posteriormente a formação do arquitecto perde a componente teórica para se centrar num saber
eminentemente prático, adquirido substancialmente em ambiente de estaleiro de obra e transmitido pelo
contacto entre mestre e aprendiz. Valorizado o saber-fazer, o conhecimento do arquitecto assentava em
procedimentos técnicos, traçados geométricos, suportados nas teorias Pitagóricas e Eucledianas. Quando
o imperador bizantino Justiniano ordenou a construção de Hagia Sophia, pretendia um templo que
suplantasse todos aqueles que tinham sido construídos até à data. Para o efeito contratou dois geómetras,
professores de matemática, Isidoro de Mileto e Anthemio de Tralles.
No inicio da idade Moderna, em 1485, Leon Baptista Alberti no tratado Da re aedificatoria, defendia que
arquitecto era “aquele que saiba imaginar as coisas com razão certa e dentro da regra, tanto com a mente
como com o espirito; (…) para poder fazer isto é necessário que possua conhecimento das coisas
melhores e excelentes“. Referia-se ele, entre outros, á civilização clássica e em particular à arquitectura
romana. Tal implicava o domínio de algumas matérias, como saber matemática, física, e anatomia. Partindo
da leitura e análise da arquitectura romana, Alberti recuperou o conceito de simetria, enquanto
“correspondência do todo com as partes, das partes entre si e destas com o todo: entendo que os
edifícios devem parecer um inteiro e bem definido corpo no qual um membro se relacione com os outros
e que todos sejam necessários”.
Alberti propunha a divisão o edifício em vários sistemas tal como Leonardo da Vinci e Vesalius fizeram
mais tarde nos seus desenhos anatómicos e dissecações do corpo humano. A sistematização proposta por
Alberti, baseava-se na divisão do edifício em elementos, de acordo com um esquema específico de
relações permitindo a formação de uma única entidade. Para Alberti, o arquitecto era mais um teórico do
que um prático, um artista e não um construtor. Esta posição, totalmente defensável no quadro da cultura
humanista da época, viria a influenciar a formação das várias gerações de arquitectos formados nos
séculos seguintes e, de acordo com muitos autores, a condicionar a inovação tecnológica. A educação do
arquitecto ao seguir uma orientação teórica, de vocação eminentemente artística, estimulou a invenção
em termos formais mas ao abdicar da componente prática levou à estagnação no campo da construção.
É Viollet-le-Duc quem, na segunda metade do sec.XIX propõem uma nova abordagem à formação do
arquitecto, que viria a fundamentar a educação arquitectónica moderna. Viollet le Duc considerava que
era através da análise das coisas, i.e. do raciocínio analítico, que se tornaria possível desenvolver um
raciocínio activo, orientado para a resolução de problemas. Em Histoire d’une maison, (1873), o autor
explica que o futuro arquitecto deve contactar com ambientes profissionais, tanto ao nível da concepção
como da construção em alternância às actividades académicas. Basicamente defendia que a componente
académica deveria deixar de ser estritamente suportada em conceitos artísticos para passar a integrar
outros saberes técnicos com destaque para aqueles que eram próprios das engenharias a par da aquisição
de conhecimentos que permitissem a aplicação de um método racional para o desenvolvimento dos
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projectos de arquitectura. O método proposto por Viollet-le-Duc, desenvolvido na sequencia dos estudos
de Jean-Nicholas-Louis Durand publicados em 1802, baseia-se num processo sequencial capaz de
organizar e activar os princípios teóricos por ele enunciados. A necessidade de impor uma simplicidade
racional e regularidade na arquitectura é consistente com as imposições do regime de Bonaparte que
entre outras medidas havia uniformizado os pesos e medidas e criado um sistema métrico. Tal reflectiu-se
na arquitectura ao nível da fusão entre conceitos de natureza artística e prática. No inicio do sec.XX esta
posição foi adoptada em várias universidades, em particular na América do Norte sendo que os seus
curricula começaram a evidenciar uma combinação entre as formulas propostas por Vitruvio e Viollet-le-
Duc.
Na década de 20, a Bauhaus sob a direcção de Walter Gropius valorizou de forma ainda mais evidente a
componente prática da formação do arquitecto sendo que aos estudantes era exigida a aquisição de
competências várias relacionadas com a construção, adquiridas tanto em ambiente académico como
oficinal. A prática oficinal levou à introdução da componente experimental, integradora do saber e do
saber-fazer, permitindo aprender pelo ‘confronto’ e 'abordagem' directa dos ‘problemas' da Arquitectura
e promover a investigação na medida em que a exploração crítica dos ‘problemas' da Arquitectura pode
gerar novo conhecimento.
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