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Direito Tributário,

Societário e a Reforma
da Lei das S/A – Vol. III
Interpretação da Lei nº 11.638/07

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“A Quartier Latin teve o mérito de dar início a uma nova
fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a
frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.
Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras
Editoras seguiram seu modelo.”
Ives Gandra da Silva Martins

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Coordenação:
Sergio André Rocha
Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho.
Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
Advogado

Direito Tributário,
Societário e a Reforma
da Lei das S/A – Vol. III
Interpretação da Lei nº 11.638/07

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, outono de 2012
quartierlatin@quartierlatin.art.br
www.quartierlatin.art.br

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Coordenação editorial: Vinicius Vieira

Diagramação: Victor Guimarães Sylvio

Revisão gramatical:

Capa:

Rocha, Sergio André (coord.). Direito Tributário, Societário


e a Reforma da Lei das S/A – Vol. III – Interpretação da Lei nº
11.638/07 – São Paulo: Quartier Latin, 2012.

ISBN 85-7674-

1. Direito Tributário e Societário. I. Título

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito Tributário e Societário

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Sumário
Capítulo I – Combinação de negócios: o ganho
por compra vantajosa, 17
Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi
1. A convergência das normas contábeis ao IFRS................................... 19
2. A Combinação de Negócios e o CPC n. 15........................................ 20
3. Caracterização da Combinação de Negócios ..................................... 22
a. Identificação da Adquirente........................................................... 23
b. Aquisições reversas........................................................................ 24
c. Operações societárias..................................................................... 25
d. Determinação da ata da realização da combinação de
negócios e seu valor...................................................................... 26
e. O sentido da expressão “negócio”................................................... 27
f. Identificação e mensuração dos ativos ........................................... 28
4. Reconhecimento e mensuração do ágio ou ganho em uma
compra vantajosa............................................................................ 29
a. Compra Vantajosa e reconhecimento do ganho............................. 29
b. Período de mensuração.................................................................. 32
5. Divulgações........................................................................................ 33
6. Deságio ou ganho na compra vantajosa.............................................. 33
a. Compra vantajosa.......................................................................... 35
b. Compra vantajosa e resultado de deságio....................................... 36
7. Conclusão .......................................................................................... 37

Capítulo II – O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as


Alterações à Legislação Societária, 39
Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva
Gracelacio da Paixao
Introdução.............................................................................................. 41
Regras Tributárias – A Amortização Fiscal do Ágio: da
Mensuração e Fundamentos Econômicos do Ágio:........................... 54
O Tratamento Fiscal do Agio Antes da Lei Nº 9.532/97:...................... 58
As Alterações Introduzidas pela Lei Nº 9.532/97:................................. 61
Critérios Fiscais X Critérios Contábeis:................................................. 67
Da Prevalência das Normas de Natureza Tributária Vigentes:.............. 68
O Regime Tributário de Transição:........................................................ 76
Conclusões:............................................................................................. 80

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Capítulo III – Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da
Depreciação de Bens do Ativo Imobilizado à Luz do Regime
Tributário de Transição, 83
Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima
1. Introdução.......................................................................................... 85
2. As regras tributárias e societárias/contábeis sobre a
depreciação de bens do ativo imobilizado.......................................... 86
(i) Regras Tributárias......................................................................... 86
(ii) Regras societárias/contábeis......................................................... 94
(ii.a) Aspectos Societários/Contábeis anteriores à Lei
nº 11.638/07................................................................................. 94
(ii.b) Aspectos Societários/Contábeis posteriores à Lei
nº 11.638/07, ao CPC 01 e CPC 27............................................ 94
3. A neutralidade tributária na mudança do padrão
societário/contábil brasileiro e o RTT............................................... 97
4. Alteração da taxa de depreciação entendida como alteração
de critério contábil............................................................................. 102
5. Conclusão .......................................................................................... 106
6. Bibliografia......................................................................................... 107

Capítulo IV – Os possíveis efeitos tributários relacionados com os


critérios contábeis para reconhecimento do ativo imobilizado e
suas peças de reposição, 109
Daniel Dix Carneiro & Marcio Oliveira
1. Introdução.......................................................................................... 111
2. A definição do IFRS como padrão contábil internacional
a ser seguido2 .................................................................................... 112
3. O conceito de ativo imobilizado e o seu reconhecimento
pela contabilidade ............................................................................. 115
4. A conceituação das partes e peças de reposição (sobressalentes)
para fins do seu reconhecimento contábil.......................................... 117
5. O tratamento conferido pela legislação do IRPJ e da CSLL
às partes e peças sobressalentes.......................................................... 120
6. Breves considerações sobre os encargos de depreciação dos
itens que compõem o ativo imobilizado e a eventual aplicação
do Regime Tributário de Transição – RTT ...................................... 123

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7. Apropriação e desconto dos créditos das contribuições
PIS/COFINS.................................................................................... 129
8. A apropriação dos créditos de ICMS sobre o ativo
imobilizado e suas peças sobressalentes............................................. 134
9. O IPI e os bens destinados ao ativo imobilizado e
suas peças de reposição...................................................................... 143
10. Considerações finais......................................................................... 145

Capítulo V – Regime Tributário De Transição – RTT:


Que Neutralidade?, 147
Edison Carlos Fernandes
Introdução.............................................................................................. 149
Repercussões tributárias das normas contábeis....................................... 150
Disciplina do Regime Tributário de Transição – RTT........................... 151
Repercussões tributárias não abrangidas pelo RTT................................ 152

Capítulo VI – Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/07,


suas alterações e variações sobre a interpretação da norma contábil,
155
Elidie Palma Bifano
1. Apresentação do tema......................................................................... 157
2. As diferentes dimensões do IFRS, no Brasil....................................... 158
3. Breve análise do conteúdo e autonomia do Direito Contábil.............. 160
3.1 O que é o Direito Contábil?........................................................ 160
3.2 Reflexos da aplicação da L. 11.638/07......................................... 161
4. Decorrências da aplicação da L. 11.638/07: verificações de
fato para obter conclusões de direito................................................. 162
4.1 Aplicação dos novos padrões contábeis: obrigatoriedade legal..... 162
4.2 Dificuldades práticas na adoção dos novos padrões e
reflexos jurídicos........................................................................... 165
4.2.1. Não conformidade dos critérios adotados, no Brasil,
com os critérios internacionais adotados para fins de
convergência contábil ............................................................. 165
4.2.2 Falta de alinhamento entre os órgãos reguladores............... 166
4.2.3 Falta de regras para reflexos advindos do uso
dos novos padrões ................................................................... 166

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4.2.4 Falta de critérios compatíveis com atividades
sem fins lucrativos................................................................... 167
4.2.5 Reflexos do afastamento de conceitos jurídicos:
neutralidade tributária............................................................. 167
4.2.6 Conclusão sobre as dificuldades práticas na adoção
dos novos padrões e seus reflexos jurídicos.............................. 170
5. Ampliação do debate entre Direito e Contabilidade: a
interpretação do Direito Contábil .................................................... 171
5.1 Quais são as regras de interpretação aplicáveis ao
Direito Contábil?......................................................................... 171
5.2 O Pronunciamento do CPC é norma integrante do
Direito Contábil? ........................................................................ 172
5.3 A adoção dos Pronunciamentos do CPC pelo CFC:
conflito com agentes reguladores?................................................ 173
5.4 Cabe interpretar o Pronunciamento do CPC? A quem cabe?..... 174
5.5 O Pronunciamento CPC incorporado ao Direito
Contábil: a quem cabe sua interpretação? .................................... 175
5.6 A interpretação dos Pronunciamentos: a grande
distinção entre a interpretação contábil e a jurídica...................... 176
5.7 Conclusão.................................................................................... 177

Capítulo VII – O Regime Tributário do Consórcio de Empresas, 179


Fábio Martins de Andrade
1. Introdução.......................................................................................... 181
2. Arcabouço legislativo.......................................................................... 183
2.1. LSA............................................................................................ 183
2.2. Atos regulamentares................................................................... 184
3. Jurisprudência e orientações................................................................ 190
3.1. Administrativa............................................................................ 190
3.2. Judicial........................................................................................ 200
4. A MP 510, o trâmite legislativo e a sua conversão na
Lei nº 12.402/11............................................................................... 206
4.1. A MP 510................................................................................... 206
4.2. O trâmite legislativo do PLV nº 6/11......................................... 208
4.3. A Lei nº 12.402/11..................................................................... 210
5. Considerações finais........................................................................... 214

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Capítulo VIII – Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do
Regime Tributário de Transição – RTT, 217
Gilberto De Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques
1. Introdução.......................................................................................... 219
2. Regime Tributário de Transição – RTT............................................. 221
2.1. Considerações Iniciais................................................................ 221
2.2. Instituição................................................................................... 224
2.3. Neutralidade Fiscal..................................................................... 230
3. Depreciação........................................................................................ 234
3.1 Considerações Iniciais................................................................. 234
3.2. Regras de Depreciação – Aspectos Contábeis............................ 235
3.3. Regras de Depreciação – Aspectos Fiscais.................................. 238
3.4. Alterações Trazidas pelas Leis nº 11.638/07 e 11.941/09........... 241
3.5. Neutralidade Fiscal dos Impactos por meio do RTT................. 249
Bibliografia............................................................................................. 254

Capítulo IX – Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins


Tributários, da Primazia da Essência sobre a Forma, 255
Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein
1. Introdução.......................................................................................... 257
2. A Primazia da Essência sobre a Forma: conceituação e origem.......... 258
3. Aplicação, para fins tributários, da Primazia da Essência
Sobre a Forma................................................................................... 267
3.1. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma seria inviável...................................................................... 268
3.2. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma é desnecessária................................................................... 276
3.3. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma é indesejável....................................................................... 279
4. Conclusão........................................................................................... 283

Capítulo X – O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402, 287


Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro
Comentários Introdutórios..................................................................... 289
Dificuldades Jurídicas do Consórcio....................................................... 290
Do Objeto do Consórcio........................................................................ 291
Da Lei nº 12.402/11.............................................................................. 295

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Capítulo XI – Considerações Gerais sobre a Adaptação
da Legislação do Imposto sobre a Renda às
Novas Normas Contábeis, 305
Jimir Doniak Jr.
I – Considerações introdutórias.............................................................. 307
II – Considerações gerais sobre o conceito de renda e de lucro
real e suas limitações.......................................................................... 309
III – Considerações gerais sobre a chamada nova contabilidade............. 316
IV – Diferenças iniciais entre a apuração fiscal e a apuração contábil..... 320
V – A primazia da substância sobre a forma........................................... 324
VI – Teste de “impairment” – Valor recuperável de ativos...................... 328
VII – Depreciação.................................................................................. 332
IX – Ágio e deságio................................................................................ 335
X – Conclusão geral............................................................................... 340

Capítulo XII – Determinação e Fundamentação Econômica do


Ágio Apurado na Aquisição de Investimentos: Regimes
Fiscal e Contábil, 343
João Francisco Bianco & Bruno Fajersztajn
1. Introdução........................................................................................... 345
2. Fundamentos econômicos do ágio na perspectiva do
Decreto-lei n. 1598/77...................................................................... 346
2.1. Valor de mercado dos bens do ativo da empresa adquirida......... 349
2.2. Expectativa de rentabilidade futura............................................. 350
2.3. Fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas....... 351
3. Apuração do ágio na contabilidade: perspectiva do CPC................... 356
4. Conclusões.......................................................................................... 359

Capítulo XIII – Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos


Regulatórios E Tributários, 367
José Andrés Lopes da Costa & Daniela Pereira Philbois
1. Nota Introdutória............................................................................... 369
2. Aspectos Regulatórios........................................................................ 371
2.1 A relevância do ágio em matéria de regulação do
mercado financeiro e de capitais................................................... 371
3. Aspectos tributários............................................................................ 384

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3.1 Ágio – Um conceito em crise...................................................... 384
3.2 A questão do aproveitamento na incorporação: ponderações
sobre a relação “legalidade vs. norma antielisiva”.......................... 389
4. Conclusão........................................................................................... 395

Capítulo XIV – O futuro do FCONT, 399


Kieran Mcmanus
Introdução.............................................................................................. 403
Histórico................................................................................................ 403
Os livros estatutários.............................................................................. 406
O desafio do FCONT............................................................................ 407
Alternativas futuras................................................................................ 409
Questões a serem analisadas na avaliação de alternativas
ao sistema de imposto de renda brasileiro incluem:........................... 410
Utilização das demonstrações financeiras baseadas em CPCs
para fins de tributação....................................................................... 411
IFRS nos livros individuais na União Européia (UE)............................. 413
Implementação da IFRS em contas estatutárias na UE.......................... 414
Diferenças nos regimes tributários da UE.............................................. 416

Capítulo XV – As Alterações da Legislação Societária e Implicações


no Cálculo dos Juros sobre o Capital Próprio, 419
Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz
1 – Objetivo deste Artigo....................................................................... 421
2 – As alterações das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 e a
suposta neutralidade fiscal ................................................................ 421
3 – Da Finalidade e da Natureza dos JCP.............................................. 427
4 – Do Cálculo do JCP .......................................................................... 433

Capítulo XVI – Regime jurídico das contingências legais, 439


Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves
I – Introdução. Relevância do Tratamento Fiscal das
Contingências Legais........................................................................ 441
II – Contingências Legais. Seu Escopo.................................................. 442
III – Avaliação de Contingências. Regime Jurídico................................ 444
IV – O Tratamento Fiscal das Contingências......................................... 474

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V – Conclusão........................................................................................ 476
Bibliografia............................................................................................. 477
Sites consultados.................................................................................... 477

Capítulo XVII – O Regime Tributário de Transição e


a Escrituração para Fins Fiscais, 479
Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano
Introdução.............................................................................................. 481
1 – O Processo de Alinhamento às Práticas Contábeis
Internacionais no Brasil..................................................................... 482
1.1. A Convergência Contábil........................................................... 482
1.2. Contexto Legislativo Anterior À Lei 11.638, De 2007.............. 483
1.3. A Lei 11.638, De 2007, Marco Legal Das Mudanças
Na Seara Contábil........................................................................ 486
2 – Do Regime Tributário de Transição (RTT)..................................... 492
2.1. Definição Legal do Regime........................................................ 492
2.2. Importância da Existência de um Balanço para
Fins Tributários............................................................................ 495
2.2.1. Equivalência Patrimonial.................................................... 495
2.2.2. Ágio.................................................................................... 496
2.2.3. Eventos Especiais............................................................... 496
2.2.4. Diferenças Nas Taxas De Depreciação............................... 497
2.2.5. Contabilidade de Custos.................................................... 497
2.2.6. Lucros Auferidos No Exterior............................................ 499
2.2.7. Regras De Subcapitalização................................................ 500
2.2.8. Preços de Transferência...................................................... 500
2.2.9. Distribuição de Lucros....................................................... 500
2.2.10. Juros sobre o Capital Próprio............................................ 501
2.2.11. Subvenção Para Investimentos E Doações
Recebidas Do Poder Público................................................... 502
3. Conclusão........................................................................................... 503

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Capítulo XVIII – Contabilização de Investimento em Sociedades
Objeto de Acordo entre Acionista Controlador e Minoritário
Relevante, 505
Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques
I – Introdução......................................................................................... 507
II – A Caracterização Legal do Acionista Controlador em Sociedades
com Acordos de Acionistas............................................................... 508
III – Das Regras sobre a Contabilização de Investimentos em
Participações Societárias.................................................................... 511
IV – Os Conceitos Jurídico e Contábil de Controle............................... 515
V – Conclusão........................................................................................ 516

Capítulo XIX – Alterações nas taxas de depreciação de ativos


em face dos novos parâmetros contábeis brasileiros
(Lei nº 11.638/07) e seus efeitos tributários, 519
Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira
I. Introdução e escopo de análise............................................................ 521
II. Análise jurídica das questões suscitadas............................................. 522
II.1. Critério geral de depreciação de ativos na legislação fiscal......... 522
II.2. Mudanças nos parâmetros contábeis brasileiros e o RTT.......... 524
II.3. Impactos dos novos parâmetros contábeis para o
cálculo da depreciação de ativos.................................................... 528
II.3.1. Primeira interpretação possível: ausência de
critério contábil novo .............................................................. 529
II.3.2. Segunda interpretação possível: artigo 17 da Lei
nº 11.941................................................................................. 530
III. Conclusões....................................................................................... 536

Capítulo XX – As novas regras contábeis trazidas pela Lei


nº 11.638/2007 e o arrendamento mercantil, 539
Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho
1. Introdução. A Lei nº 11.638/2007 e o IFRS. .................................... 541
2. Breves apontamentos sobre a origem e a natureza
jurídica do leasing. ............................................................................ 543
3. Da Lei nº 6.099/74 e o tratamento tributário por ela conferido
ao arrendamento mercantil................................................................ 547

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4. As modalidades de Leasing................................................................. 553
4.1. Arrendamento mercantil financeiro............................................ 558
4.2. Lease back ................................................................................. 560
4.3. Arrendamento mercantil operacional.......................................... 562
4.4. Self leasing.................................................................................. 564
5. A tributação do arrendamento mercantil no âmbito do
PIS/COFINS não cumulativo........................................................... 568
6. Alterações contábeis promovidas pela Lei nº 11.638/2007 e o
CPC 06. A prevalência da essência econômica sobre a forma
jurídica é critério de contabilização, e não de tributação, do
arrendamento mercantil..................................................................... 569
7. A neutralidade tributária em face das Leis 11.638/2007 e
11.941/2009. .................................................................................... 579
8. Conclusão........................................................................................... 581

Capítulo XXI – Tributação do Reembolso de Despesas e do


Compartilhamento de Custos e o CPC 30, 583
Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto
1. Introdução.......................................................................................... 585
2. Tratamento fiscal dos reembolsos de despesas entre
empresas residentes............................................................................ 585
2.1. Caracterização dos reembolsos como receita.............................. 585
2.2. A dedutibilidade da despesa reembolsada ou sua
consideração como custo.............................................................. 591
3. Reembolso de despesas em operações com não residentes.................. 591
3.1. Despesas pagas, no Brasil, em favor de empresa brasileira,
por não residente.......................................................................... 591
3.2. Reembolso a não residente por pagamento feito a terceiro
no exterior em benefício de residente........................................... 593
4. Contratos de rateio de custos e despesas entre empresas.................... 596
4.1. Contratos para o rateio de despesas no âmbito de um
grupo de empresas nacional.......................................................... 597
4.1.1. Tributação dos reembolsos recebidos.................................. 597
4.1.2. Apropriação dos custos e dedutibilidade das despesas........ 600
4.2. Contratos para o rateio de despesas entre empresas
nacionais independentes............................................................... 601

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4.3. Reembolso a não residente em razão de atividades
desenvolvidas pelo mesmo em benefício de residente, componente
de um mesmo grupo econômico................................................... 602
a) Reembolsos referentes a serviços contratados junto a
terceiros no exterior................................................................. 603
b) Prestação de serviços que constituem a atividade-fim
da empresa controladora.......................................................... 604
c) Reembolsos referentes aos custos de atividades desenvolvidas
pela própria controladora não residente................................... 604
5. O CPC 30 e o tratamento contábil dos reembolsos de despesas ........ 606
6. Conclusão........................................................................................... 609

Capítulo XXII – Os Impactos das Novas Regras Contábeis sobre o Regime


Jurídico do Ágio Gerado nas Operações de Fusão e Aquisição, 611
Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca
1. Delimitação do Tema.......................................................................... 613
2. A aparente tensão entre o Direito e a Contabilidade.
Independência entre as ciências e os efeitos da Lei 11.638/07.......... 615
3. Os conceitos em matéria tributária e o artigo 109 do CTN. ............. 618
4. A necessidade de uma interpretação sistemática da questão.
Os efeitos decorrentes das mudanças dos conceitos em sua
origem e os possíveis reflexos tributários........................................... 621
5. O impacto das novas regras contábeis sobre o ágio gerado
nas operações de fusão e aquisição.34 ............................................... 624
5.1. Os conceitos contábil e jurídico de ágio........................................... 624
5.2. As recentes alterações decorrentes da Lei 11.638/07. ..................... 626
5.3. A amortização fiscal do ágio............................................................ 628
5.4. Os efeitos (ou ausência deles) das novas normas contábeis
sobre o regime jurídico do ágio.......................................................... 630
7. Conclusões.......................................................................................... 635

Capítulo XXIII – Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento


de Receita proposto pelo IASB, 637
Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov
1. Introdução.......................................................................................... 639
2. Atual Método de Reconhecimento de Receitas.................................. 640

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2.1. Estrutura e Principais Elementos............................................... 642
2.1.1. Conceito de Receita............................................................ 642
2.1.2. Venda de bens..................................................................... 644
2.1.3. Prestação de serviços........................................................... 647
2.2. Contratos de Longo e Curto Prazos........................................... 655
2.2.1. Contrato de longo prazo..................................................... 656
2.2.2. Contrato de curto prazo..................................................... 657
2.3. Contratos firmados com Entidades Públicas.............................. 658
2.4. Determinação do Preço da Transação ........................................ 659
2.4.1. Preço pré-determinado....................................................... 660
3. Modelo Único de Reconhecimento de Receita Proposto pelo IASB .661
3.1. Identificação do contrato com o cliente...................................... 662
3.2. Identificação das obrigações de performance.............................. 662
3.3. Determinação do preço da transação.......................................... 663
3.4. Alocação do preço da transação às performance obligations....... 664
3.5. Reconhecimento da receita quando a performance
obligation é satisfeita.................................................................... 664
3.6. Status do novo modelo............................................................... 664
4. Exemplos Ilustrativos......................................................................... 665
4.1. – Exemplo 1: Descontos com base em cumprimento de Metas.... 665
4.2. Exemplo 2: Programa de Vantagens............................................. 668

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Capítulo I

Combinação de
negócios: o ganho por
compra vantajosa

Alexandre Couto Silva


Mestre e Doutor em Direito Comercial pela UFMG. Advogado.

Otávio Vieira Barbi


Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela UFMG. Advogado.

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1. A convergência das normas contábeis ao IFRS

Com a promulgação da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que


acrescentou o §5º ao art. 1771, da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), os padrões
internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores
mobiliários passaram a ser de observância obrigatória pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), a quem cabe expedir normas sobre as demonstrações
financeiras das companhias abertas2.
Referido comando do art. 177, da Lei das S.A., pode ser considerado
o marco legislativo do processo de convergência das práticas contábeis
brasileiras às normas internacionais de contabilidade, que constituem o
sistema do IFRS – International Financial Reporting Standard – Normas
Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS, na sigla em inglês). O sistema
do IFRS é um conjunto de normas e pronunciamentos contábeis internacionais,
publicados e revisados pelo International Accounting Standards Board –
Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB, na sigla em
inglês). Muitas das normas do IFRS são conhecidas por IAS – International
Accounting Standards –, e foram publicadas pela antiga organização denominada
International Accounting Standards Committee entre 1973 e 2001 (ano em que
fora substituída pelo IASB).
No Brasil, por seu turno, em 1 de setembro de 2010, pela Deliberação nº
485, a CVM acrescentou à Instrução nº 457/2007, dentre outras disposições, a
determinação de que as demonstrações financeiras consolidadas das companhias
abertas deveriam ser elaboradas com base em pronunciamentos plenamente
convergentes com as normas internacionais, emitidos pelo CPC e referendados
pela CVM (art. 1º, §1º).
Assim, coube ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)
estudar, pesquisar, discutir, elaborar e deliberar sobre o conteúdo e a redação

1 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §5º – As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que
se refere o §3º deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais
de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.
2 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §3º – As demonstrações financeiras das companhias abertas observarão,
ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente
submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados.

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20 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

de Pronunciamentos Técnicos contábeis, a serem normatizados pela CVM3.


O CPC foi criado pela Resolução nº 1.055, de 7 de outubro de 2005, do
Conselho Federal de Contabilidade (CFC), a partir da união de esforços e
objetivos da ABRASCA, APIMEC, BOVESPA, FIPECAFI, IBRACON e
do Conselho Federal de Contabilidade. O objetivo do CPC, segundo dispõe
o art. 3º da referida Resolução nº 1.055/2005, é “o estudo, preparo e emissão
de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a
divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas
pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização
do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da
contabilidade brasileira aos padrões internacionais”.
Desse modo, os Pronunciamentos Técnicos do CPC, que correspondem às
normas internacionais do IFRS, irão permitir à CVM que emita as normas cuja
finalidade é possibilitar a convergência dos padrões contábeis brasileiros ao IFRS.
E cuidou a CVM – em sua Instrução nº 457, de 13 de julho de 2007, art. 1º – de
determinar que as companhias abertas, a partir do exercício findo em 2010, deveriam
apresentar suas demonstrações financeiras consolidadas adotando o padrão contábil
internacional, de acordo com os pronunciamentos emitidos pelos IASB e FASB.

2. A Combinação de Negócios e o CPC nº 15


Seguindo, portanto, a determinação dos §§ 3º e 5º do art. 177 da Lei das S.A.,
bem como do §1º do art. 1º da Instrução CVM nº 457/2007, em 31 de julho de
2009 a CVM expediu a Deliberação nº 580, que aprovou e tornou obrigatório, para
as companhias abertas, o Pronunciamento Técnico nº 15, emitido pelo CPC (CPC
15), que cuida da Combinação de Negócios, sendo aplicável aos exercícios encerrados
a partir de dezembro de 2010 e às demonstrações financeiras de 2009, a serem
divulgadas em conjunto com as demonstrações de 2010 para fins de comparação.
Sua observância pelas companhias abertas, como dito, tornou-se obrigatória. Para
as companhias fechadas, os Pronunciamentos do CPC são facultativos4.

3 O caput do art. 10-A da Lei nº 6.385/1976, acrescido pela Lei nº 11.638/2007, permite à CVM
celebrar convênio com o CPC: Art. 10-A. A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central
do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio com entidade que
tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e
de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em
parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas.
4 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §6º – As companhias fechadas poderão optar por observar as
normas sobre demonstrações financeiras expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários para
as companhias abertas.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 21

O CPC 15 corresponde à norma internacional do IFRS 3 (Business


Combination). A primeira Revisão ao CPC 155 encontrava-se, na data da
redação do presente trabalho, em Audiência Pública (Edital de Audiência
Pública SNC nº 01/2011), até o dia 3 de junho de 2011. Em razão disso,
cuidou-se do tema de acordo com o Pronunciamento Técnico em vigor à
época da redação dessas notas, sem que nos desincumbíssemos de observar e
fazer referência à minuta sujeita à Audiência Pública, ressaltando os pontos
que se pretendia revisar.
A Norma Internacional de Relatório Financeiro IFRS 3 – Combinações
de Negócios (IRFS 3) é resultado do esforço conjunto do IASB e da US
Financial Accouting Standards Board – Conselho de Normas de Contabilidade
Financeira dos EUA (FASB). Tanto o IASB quanto o FASB decidiram
tratar da combinação de negócios em duas fases. A primeira fase foi tratada
separadamente por cada um desses conselhos: o FASB emitiu, em junho
de 2001, o Pronunciamento FASB 141 – Combinações de Negócios; e o
IASB, em março de 2004, emitiu o IFRS 3 – Combinação de Negócios
(versão anterior). Ambos os Conselhos concluíram que praticamente todas
as combinações de negócios são aquisições, decidindo exigir o uso de um
método de contabilização de combinações de negócios – o método de
aquisição. A aplicação do método de aquisição exige (i) a identificação; (ii) a
determinação da data de aquisição; (iii) o reconhecimento e mensuração dos
ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações
societárias de não controladores na adquirida; e (iv) o reconhecimento e a
mensuração do ágio por rentabilidade futura ou do ganho proveniente da
compra vantajosa. A orientação da aplicação do método de aquisição foi
tratada na segunda fase do projeto, em que ambos os Conselhos, em esforço
conjunto, em prol da melhoria no relatório financeiro, concluíram, com a
emissão do atual IFRS 3 e do FASB 141, revisada em 2007, alterando-se
o IAS 27 – Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas e FASB
160 – Participações não-controladoras em Demonstrações Financeiras

5 Segundo consta do Edital de Audiência Pública SNC nº 01/2011, “o Comitê de Pronunciamentos


Contábeis assumiu o compromisso de revisar e atualizar todos os documentos por ele emitidos,
a fim de que estejam totalmente convergentes com as normas internacionais de contabilidade
emitidas pelo IASB – International Accounting Standards Board”.

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22 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

Consolidadas. Tais pronunciamentos teriam aplicação nos relatórios anuais


iniciados após o período de 1º de julho de 2009, entretanto, a aplicação poderia
ser antecipada desde que a IAS 27 fosse aplicada ao mesmo tempo.
A Combinação de Negócios foi definida no CPC 15 como “uma operação
ou outro evento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou
mais negócios, independentemente da forma jurídica da operação”. A minuta
de revisão em Audiência Pública não modifica essa definição.

3. Caracterização da Combinação de Negócios


No IFRS 3, a combinação de negócios é a junção de entidades ou
atividades empresariais separadas numa única entidade. A entidade deverá
determinar se os ativos adquiridos e passivos assumidos constituem um
negócio. O resultado das concentrações de negócios é que uma entidade,
a adquirente, obtém o controle de uma ou mais atividades empresariais
diferentes, as adquiridas. Se uma entidade obtiver o controle de uma ou
mais entidades que não sejam negócios, a junção dessas entidades não é uma
combinação de negócios. Quando uma entidade adquire um grupo de ativos ou
de ativos líquidos que não constitua um negócio, ela deve imputar o custo
do grupo entre os ativos e passivos identificáveis individuais do grupo com
base nos valores justos na data da aquisição.
O pronunciamento referente à combinação de negócios teve a finalidade
de buscar um aumento da relevância, confiabilidade e comparabilidade das
informações fornecidas nas demonstrações financeiras de uma determinada
entidade referente à combinação de negócios e seus efeitos. Desta forma,
busca-se padronizar a forma de (i) reconhecimento e mensuração, nas
demonstrações financeiras, de ativos adquiridos, passivos assumidos e
qualquer participação não-controladora na adquirida, (ii) reconhecimento
e mensuração do ágio ou do ganho na compra vantajosa; (iii) determinação
de quais informações divulgar nas demonstrações financeiras para avaliação
financeira da natureza e efeitos da combinação de negócios.
Assim sendo, as denominadas reestruturações societárias, que
compreendem as operações de fusão, cisão, incorporação de sociedades e de
ações (art. 226 a 229, e 252 da Lei das S.A.), poderão resultar na Combinação de

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 23

Negócios conceituada pelo CPC 15, sempre que houver aquisição de controle6 
de um negócio7 .

a. Identificação da Adquirente
A intenção do CPC 15 é a de que as transações que resultem em
Combinação de Negócios sejam contabilizadas considerando-se a sua essência
econômica, independentemente da forma jurídica da operação (incorporação,
fusão, aquisição, etc.). Além disso, deverá ser sempre identificada a entidade
adquirente e o negócio adquirido.
Será utilizada a orientação da IAS 27 – Demonstrações Financeiras
Consolidadas e Separadas (IAS 27) para se identificar o adquirente que obteve
o controle da adquirida. A IAS 27 define controle como o poder de gerir as
políticas financeiras e operacionais de uma entidade de forma a obter benefícios
das suas atividades.
Se a identificação do adquirente não for possível pela IAS 27, dever-se-á
verificar o exercício do controle de outras formas: (i) se a combinação de
negócios foi efetuada pela transferência de caixa ou outros ativos ou assunção
de passivos, a adquirente será a entidade que transferiu caixa, outros ativos ou
assumiu passivos, e (ii) se a combinação de negócios foi efetuada pela troca
de participações patrimoniais, o adquirente será a entidade que emitiu suas
participações patrimoniais, entretanto, (a) a adquirente poderá ser a entidade
combinante cujos proprietários, como um grupo, detêm a maioria do direito de
voto na entidade combinada, ou (b) a adquirente, no caso de controle difuso,
será a entidade combinante cujo único proprietário ou grupo organizado detiver
a maior participação minoritária com direito a voto na entidade combinada, ou
(c) a adquirente será a entidade combinante cujos proprietários têm a capacidade
de eleger, nomear ou destituir a maioria dos membros da administração da
combinada, ou (d) se a adquirente por meio de sua administração exercer o
domínio da administração da combinada, ou (e) a adquirente será a entidade

6 Controle é definido no CPC 15 como sendo “o poder para governar a política financeira e
operacional da entidade de forma a obter benefício de suas atividades”. Não há modificação
dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública.
7 Negócio é definido no CPC 15 como sendo “um conjunto integrado de atividades e ativos capaz
de ser conduzido e gerenciado para gerar retorno, na forma de dividendos, redução de custos ou
outros benefícios econômicos, diretamente a seus investidores ou outros proprietários, membros ou
participantes”. Não há modificação dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública.

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24 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

que paga prêmio sobre o valor justo antes da combinação das participações
patrimoniais da outra entidade ou entidades combinantes. Outra forma de se
definir a adquirente é pelo porte relativo (de ativos, receitas ou lucros) que será
significativamente superior ao da outra entidade ou das entidades combinantes; ou
em caso que envolva mais de uma entidade combinante, a adquirente poderá ser
aquela que começou a combinação, levando-se em consideração o porte relativo
das combinantes. Por outro lado, a entidade criada com o propósito de realizar
a combinação de negócios não é necessariamente a adquirente do controle, que,
nesse caso, será aquela que se enquadre em um dos pontos acima mencionados.

b. Aquisições reversas
Exemplo claro de aquisição reversa ocorre quando uma companhia fechada
que quer abrir o capital tem suas ações incorporadas (ou adquiridas na linguagem
genérica adotada na combinação de negócios) por uma companhia aberta. Nesse
caso, a companhia aberta legalmente adquire a companhia fechada. Entretanto,
para fins contábeis, a adquirente será aquela que se enquadra nas formas de
controle mencionadas no parágrafo acima. A adquirente contábil, do exemplo
acima, será a companhia fechada, e a adquirida contábil a companhia aberta.
Deve-se acrescentar ainda que a adquirida contábil deverá atender à definição
de negócio para que a transação seja contabilizada como uma aquisição reversa.
Na aquisição reversa, a adquirente contábil não emite contrapartida pela
adquirida. A adquirida contábil emite ações aos proprietários da adquirente
contábil. A determinação do valor justo na data de aquisição da contrapartida
transferida pela adquirente contábil, por sua participação na adquirida contábil,
será baseada no número de participações patrimoniais que a controlada legal
teria que ter emitido para dar aos proprietários da controladora legal o mesmo
percentual de participação patrimonial na entidade combinante que resulta da
aquisição reversa. Assim, o valor justo do número de participações patrimoniais
calculado dessa forma pode ser usado como o valor justo da contrapartida
transferida em troca da adquirida.
Em diversos casos, alguns dos proprietários da adquirida legal (adquirente
contábil) podem não trocar participações patrimoniais por participações
patrimoniais da controladora legal (adquirente contábil). Nesse caso, esses
proprietários são tratados como participação não-controladora.
As demonstrações financeiras elaboradas após uma aquisição reversa são
emitidas em nome da controladora legal (adquirida contábil), constando nas

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 25

notas explicativas a continuação das demonstrações financeiras da controlada


legal (adquirente contábil), com um ajuste retroativo no capital legal da
adquirente contábil para refletir o capital legal da adquirida contábil. As
demonstrações financeiras consolidadas deverão representar a continuação
das demonstrações financeiras da controlada, exceto na estrutura de capital.

c. Operações societárias
A obtenção do controle de um negócio pode ser alcançada de diversas
formas, quais sejam: (i) pela aquisição de participação (originária ou derivada)
societária que garante o controle do capital social de outra entidade; (ii) pela
compra de todos ou parte dos seus ativos com assunção ou não de parte ou do
todo de seus passivos; (iii) pela incorporação das ações de uma entidade; (iv)
pela incorporação de uma entidade; (v) pela fusão; (vi) pela cisão para atingir
as hipóteses anteriores ou, ainda, (vii) pela aquisição, por qualquer outra forma,
de alguns dos ativos líquidos que, em conjunto, formem um ou mais negócios.
A Combinação de Negócios pode tornar-se também efetiva por meio
(i) de emissão de títulos representativos do capital próprio (emissão de ações
como forma de pagamento) para entrega aos acionistas ou cotistas da entidade
adquirida; (ii) de transferência de ativos (caixa, equivalentes de caixa ou outros
ativos líquidos); (iii) de operações de cisão, fusão, incorporação ou incorporação
de ações; (iv) de simples aquisição de participação societária mediante o
pagamento em caixa ou assunção de obrigações e, ainda, (v) de uma combinação
dessas ou outras alternativas.
Assim, dito de outra forma, a Combinação de Negócios pode ser
estruturada de diversas formas por razões legais, podendo envolver (i) a compra
por parte de uma entidade do capital próprio de outra entidade; (ii) a compra
de todos os ativos líquidos de outra entidade; (iii) a assunção de passivos de
outra entidade, ou (iv) a compra de alguns dos ativos líquidos de outra entidade
que em conjunto formem um ou mais negócios. Pode tornar-se efetiva (i)
pela emissão de ações; (ii) pela transferência de caixa; (iii) pela transferência
de equivalentes de caixa ou outros ativos, ou (iv) por uma combinação destes.
A transação pode ser (i) entre os acionistas das entidades sob controle
comum ou (ii) entre uma entidade e os acionistas de outra entidade. Pode
envolver o estabelecimento de uma nova entidade para (i) controlar as entidades
sob controle comum; (ii) deter os ativos líquidos transferidos, ou (iii) realizar

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26 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

a reestruturação de uma ou mais das entidades concentradas.


A Combinação de Negócios pode resultar em relação entre controladora e
contraladas, na qual a adquirente é a controladora e a adquirida a controlada. Nessas
circunstâncias, a adquirente aplicará o IFRS 3 nas suas demonstrações financeiras
consolidadas. Deverá ser incluído o interesse na adquirida como um investimento
numa controlada em qualquer demonstração financeira separada que emita8.

d. Determinação da data da realização da combinação


de negócios e seu valor

A data efetiva de aquisição de uma combinação de negócios é aquela em que


a adquirente obtém o controle da adquirida ou dos negócios. Em regra, é a data
em que a adquirente transfere ao antigo proprietário da adquirida, como forma
de pagamento, os valores negociados para a aquisição, mediante pagamento em
caixa, assunção de obrigações, emissão de instrumentos patrimoniais (podendo
ser em forma de emissão de ações) ou de dívida, ou outros, adquire os ativos
e assume os passivos da adquirida, denominada normalmente como a data do
fechamento. Por outro lado, a adquirente poderá obter controle em uma data
anterior ou posterior à data de fechamento. Nesse caso, a data de aquisição será
anterior ou posterior, devendo refletir exatamente o momento da aquisição do
controle. A adquirente é a entidade que obtém o controle da adquirida, enquanto
a adquirida é o negócio ou são os negócios sobre o(s) qual(is) a adquirente
obtém controle em uma combinação de negócios.
O valor justo de determinado ativo é o valor pelo qual esse ativo pode ser
negociado entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes
entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação da transação ou
que caracterizem uma transação compulsória.
Assim, o adquirente de um negócio deve reconhecer os ativos adquiridos
pelos seus valores justos na data de aquisição e divulgar informações que
permitam avaliação financeira pelo mercado da natureza e efeitos da aquisição.
Em caso de combinação de negócios, dever-se-á aplicar o método de
aquisição, exceto em se tratando de combinação de negócios que envolvam
entidades ou negócios sobre controle comum.

8 Ver IAS 27 Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 27

e. O sentido da expressão negócio.


Negócio, em sentido amplo, seria o conjunto integrado de atividades e
passíveis de serem conduzidos e administrados com a finalidade de fornecer
diretamente, para investidores e/ou outros proprietários, acionistas ou
participantes, retorno sob a forma de dividendos, redução de custos ou
outros benefícios econômicos. Assim, formações de um empreendimento em
conjunto ou aquisição de um ativo ou grupo de ativos que não constituem
um negócio não caracterizam combinação de negócios.
Negócio consiste em insumos ou processos aplicados a esses insumos,
que possuem capacidade de gerar produção que não necessariamente
através de um conjunto integrado. Assim, insumo seria o recurso
econômico que gere ou que tenha a capacidade de gerar produção quando
um ou mais processos são aplicados a ele.
O processo seria o sistema, padrão, protocolo, convenção ou regra que,
quando aplicados a um insumo ou insumos, ferem ou tenham a capacidade
de gerar produção.
O conjunto de atividades ou ativos para serem conduzidos e gerenciado
spara um fim deverá conter dois elementos, quais sejam, insumos e processos
que, aplicados, serão utilizados para gerar produção. Um negócio não precisa
incluir todos os insumos e processos utilizados pela adquirida na sua produção,
mas a parcela que for capaz de gerar produção. Os negócios estabelecidos
em geral possuem poucos insumos e processos, e uma única produção ou
produto. A existência de passivo não é essencial para a definição de negócio.
Em sua obra Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia, JOSÉ
LUIZ BULHÕES PEDREIRA ensina, em diversas passagens, que “os
recursos naturais e de capital são usados como fontes de serviços produtivos
e de consumo.”9  [...] “A atividade produtiva consiste em combinar serviços
de fatores de produção para criar bens econômicos e seu exercício pressupõe
a organização de unidades de produção, ou conjuntos de recursos humanos,
de capital e naturais, empregados, de modo permanente ou duradouro, com

9 BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e demonstrações financeiras da companhia: conceitos


fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 63.

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28 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

esse fim.”10 [...] “A palavra produção significa tanto a atividade produtiva


quanto seu efeito – que são bens econômicos. A atividade produtiva é a ação
que cria fluxos de serviços desde os recursos originais (naturais e humanos)
até os bens de que o indivíduo ou grupo social pode extrair mediante ato
de consumo – serviços utilizados como meios.” [...] “Em hipótese-limite, a
atividade produtiva pode consistir apenas na ação do agente que, sem utilizar
recursos naturais ou de capital, cria serviços pessoais consumidos por ouro
indivíduo ou por grupo social.”11
De forma brilhante, BULHÕES PEDEREIRA resume a função
instrumental dos sistemas abertos: “Quando procuramos identificar a
característica comum aos diversos tipos ou modelos de sistema em relação aos
quais empregamos a palavra ‘economia’, verificamos que todos são abertos,
isto é, mantêm relações de troca com o ambiente, do qual recebem ‘inputs’ que
utilizam para produzir ‘outputs’”.12 
Destarte, na definição de negócios para fins da combinação deve-se verificar
se os inputs (insumos) aplicados pelo processo na atividade produtiva são capazes
de produzir os outputs. Em caso positivo, estaremos diante de um negócio.

f. Identificação e mensuração dos ativos

Na combinação de negócios identifica-se um adquirente, que é a


entidade que obtém o controle do outro negócio, neste caso, a adquirida. Os
ativos e passivos deverão ser identificados e mensurados, bem como qualquer
participação não-controladora na adquirida, e deverão ser reconhecidos
conforme os princípios do Pronunciamento. A classificação ou designação
desses itens deve ser feita de acordo com os termos contratuais, com as
condições econômicas, políticas, operacionais ou contábeis da adquirente
e demais fatores existentes na data da aquisição. Cada ativo ou passivo
deve ser identificsdo e mensurado pelo seu valor justo na data da aquisição.
Qualquer participação não-controladora em uma adquirida é mensurada
conforme valor justo ou como a parcela proporcional da participação não-
controladora sobre ativos líquidos identificáveis.

10 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 63.


11 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., pp. 261–262.
12 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 17.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 29

No IFRS 3, existem exceções limitativas ao princípio de reconhecimento


e mensuração, tais como: (a) arrendamentos e contratos de seguros que devem
ser classificados com base nos termos contratuais e em outros fatores existentes
no momento da celebração do contrato (ou quando os termos forem alterados),
e não com base em fatores existentes na data da aquisição; (b) passivos
contingentes, assumidos em uma combinação de negócios, que constituam
uma obrigação presente e que possam ser mensurados de forma confiável, são
reconhecidos; (c) ativos e passivos que devem ser reconhecidos ou mensurados
de outra forma em outro pronunciamento13 e não pelo valor justo; (d) quando
há requisitos especiais para a mensuração de um direito readquirido, e (e)
ativos de indenização são reconhecidos e mensurados de uma forma que seja
consistente com o item sujeito à indenização, ainda que essa mensuração não
represente o valor justo.

4. Reconhecimento e mensuração do ágio ou ganho em


uma compra vantajosa

A adquirente, tendo reconhecido os ativos identificáveis, os passivos e


quaisquer participações não-controladoras, deverá identificar: (a) o total da
contrapartida transferida, qualquer participação não-controladora na adquirida
e, em uma combinação de negócios realizadas em etapas, o valor justo na data
da aquisição da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente
na adquirida, e (b) os ativos líquidos identificáveis adquiridos. O excedente
entre “a” e “b”, ou seja, se “a” for maior que “b”, será geralmente reconhecida
como ágio. Por seu turno, se a adquirente tiver obtido um ganho em razão de
compra vantajosa, ou seja, se houver um excedente entre diferença de “b” menos
“a”, esse ganho será reconhecido no lucro ou prejuízo na data de aquisição. O
ganho deverá ser atribuído à adquirente.

a. Compra Vantajosa e reconhecimento do ganho


Pode ocorrer que a adquirente realize uma compra vantajosa, que consiste
na combinação de negócios em que o valor dos ativos líquidos identificáveis

13 Os ativos e passivos afetados são aqueles enquadrados na IAS 12 – Imposto sobre Renda, na IAS
19 – Benefícios aos Empregados, na IFRS 2 – Pagamento baseado em ações e na IFRS 5 – Ativos
não correntes mantidos para venda e operações descontinuadas.

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30 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

adquiridos exceda o valor total da contrapartida transferida, qualquer participação


não-controladora na adquirida e, em uma combinação de negócios realizadas
em etapas, o valor justo na data da aquisição da participação patrimonial detida
anteriormente pela adquirente na adquirida.
Antes de reconhecer o ganho na compra vantajosa, a adquirente deverá
reavaliar os ativos adquiridos e passivos assumidos, reconhecendo quaisquer por
ventura ativos ou passivos adicionais identificados. Se esse excedente subsistir
após a reavaliação pela adquirente, o ganho será atribuído à adquirente.
O objetivo da revisão é garantir a mensuração adequada de todas as
informações disponíveis na data da aquisição. Assim, a adquirente deverá
revisar os procedimentos utilizados para mensuração dos valores na data da
aquisição referente (i) aos ativos identificáveis adquiridos e passivos assumidos;
(ii) à participação não-controladora na adquirida, se houver; (iii) à participação
patrimonial detida anteriormente no caso de combinação realizada em etapas,
bem como (iv) à contrapartida transferida.
A contrapartida ou contraprestação transferida em uma combinação de
negócios será mensurada pelo valor justo, calculado pela soma dos valores justos
na data de aquisição (i) dos ativos transferidos; (ii) dos passivos incorridos
pela adquirente devidos aos antigos proprietários das adquirida, ou (iii) das
participações patrimoniais emitidas pela adquirente. A contraprestação transferida
poderá incluir ativos ou passivos da adquirente, cujos valores contábeis sejam
diferentes dos valores justos na data de aquisição, como, por exemplo, transferência
de um negócio da adquirente ou ativos não-monetários – intangíveis. A adquirente
deverá, nesse caso, mensurar os ativos e passivos transferidos a seus valores justos na
data da aquisição e, assim, reconhecer os ganhos ou perdas adicionais resultantes,
se houver lucro ou prejuízo. Quando os ativos ou passivos permanecerem dentro
da entidade combinada (e.g.: os ativos permanecem na adquirida e não vão para
os antigos proprietários), a adquirente mensurá-los-á por seus valores contábeis
imediatamente antes da data de aquisição, e não reconhecerá no lucro ou prejuízo
um ganho ou perda adicionais sobre os ativos ou passivos que controlar, tanto
antes quanto após a combinação de negócios. Não se deve reconhecer ganho ou
perda sobre ativos ou passivos que a adquirente já controlava antes e continua a
controlar após a combinação de negócios.
A contrapartida para a adquirente pode incluir qualquer ativo ou passivo
que tenha uma contrapartida contingente. Nesse caso, a adquirente reconhecerá

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 31

o valor justo na data da aquisição da contrapartida contingente como parte da


contrapartida transferida em troca da adquirida. A obrigação de pagamento será
classificada como um passivo ou como patrimônio. A adquirente classificará
o direito à devolução de uma contrapartida anteriormente transferida como
ativo se as condições preestabelecidas forem atendidas.
O valor justo poderia ser definido como o valor pelo qual um ativo poderia
ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e interessadas
em uma transação em condições de mercado.
Pode ocorrer casos em que a adquirente obtém o controle de uma adquirida
sem transferir contrapartida. Nesse caso, o método de aquisição é aplicado.
Nessas circunstâncias incluem: (a) a recompra das próprias ações para que um
investidor existente (adquirente) obtenha o controle; (b) a perda de direitos de
veto minoritários que impediam o controle pela adquirente, apesar de deter a
maioria das ações, e (c) a combinação de negócios concertada por contrato entre
adquirente e adquirida – a adquirente não transfere nenhuma contrapartida em
troca do controle da adquirida e não detém nenhuma participação patrimonial
na adquirida, seja na data de aquisição ou anteriormente a essa data, tal como
no caso de acordo de associação.
Na combinação de negócio sem transferência de contrapartida inicial, a
adquirente deve substituir o valor justo na data da aquisição de sua participação
na adquirida pelo valor justo na data de aquisição da contrapartida transferida
para mensurar o ágio ou ganho em um compra vantajosa.
Na combinação de negócios na qual o adquirente e a adquirida (ou seus
antigos proprietários) trocarem apenas participações patrimoniais, o valor
justo, na data de aquisição das participações patrimoniais da adquirida pode
ser mensurado de forma mais confiável que o valor justo na data de aquisição
das participações patrimoniais da adquirente.
A combinação de negócios realizada em etapas ou estágios é aquela em que
a adquirente já tinha uma participação patrimonial (que foi adquirida em uma
ou mais transações), que não lhe garantia o controle e, em determinada data, a
adquirente acresce, à sua participação inicial, uma participação adicional que lhe
garanta o controle da adquirida. Nesse caso, ocorre combinação realizada em
etapas ou estágios. A adquirente deverá mensurar a sua participação patrimonial
inicial na adquirida pelo seu valor justo na data da aquisição e deverá reconhecer
o ganho ou a perda, se houver, no lucro ou prejuízo.

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32 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

A mudança da posição de investimento não-controlador para investimento


controlador é significativa na natureza desse investimento e nas circunstâncias
econômicas que o envolvem. É necessário que a adquirente remensure o
investimento na adquirida por seu valor justo na data da aquisição, para
reconhecimento de qualquer ganho ou perda nos ganhos, desde que claramente
divulgado nas demonstrações financeiras ou nas notas explicativas.
O reconhecimento do ganho ou perda em uma compra é consequência
natural, conforme auferido ou incorrido. A não-exigência de aplicação do valor
justo tem por consequência o reconhecimento econômico tardio do ganho ou
da perda. Se esse ativo fosse mensurado pelo valor justo ao final de cada período
de relatório, o ganho ou a perda teriam sido reconhecidos conforme auferido ou
incorrido. Sua mensuração por valor justo na data da aquisição não resultaria
em nenhum ganho ou perda adicionais.

b. Período de mensuração
O período de mensuração ocorrerá após a aquisição. É um período razoável
para a adquirente levantar informações necessárias para identificar e mensurar
os ativos identificáveis adquiridos, a contrapartida transferida e o ágio resultante
ou o ganho em uma compra vantajosa. Se essas informações não estiverem
disponíveis na data da aquisição, a adquirente deverá determinar e reconhecer
valores provisórios até que as informações necessárias se tornem disponíveis.
Esse período se encerra a partir do momento em que a adquirente recebe
as informações necessárias sobre fatos e circunstâncias existentes na data de
aquisição ou toma conhecimento de que as informações não podem ser obtidas.
Entretanto, esse período não deve exceder um ano da data de aquisição.
Os ajustes ajudam a resolver as preocupações referentes à qualidade e à
disponibilidade de informações na data da aquisição quanto aos valores justos.
A preocupação é ainda maior quanto a passivos contingentes e à contrapartida
contingente, que podem afetar o valor do ágio ou do ganho reconhecido em
uma compra vantajosa.
O objetivo do período de mensuração é proporcionar um período para
obtenção de informações necessárias para mensurar o valor justo do ativo na
data de aquisição. A determinação de liquidação final de contingência ou de
outro item não são essenciais, pois incertezas sobre a época e o valor de fluxos
de caixa fazem parte da mensuração do valor justo de ativos e passivos.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 33

5. Divulgações
A adquirente deverá divulgar as informações referentes à combinação de
negócios, de forma que o mercado em geral possa avaliar sua natureza e o efeito
financeiro ocorrido durante o período de relatório financeiro ou após a data do
relatório. Mas, tudo isso, antes da emissão das demonstrações financeiras. Os
ajustes decorrentes de combinação de negócio ocorridas no período corrente
ou em períodos anteriores deverão ser divulgados ao mercado.
Quando a data da aquisição de combinação de negócios for posterior ao
final do período de reporte, mas antes de as demonstrações contábeis estarem
autorizadas para publicação, o adquirente deve divulgar as informações requeridas
conforme exporemos em seguida, a menos que a contabilização inicial da
combinação estiver incompleta no momento em que as demonstrações contábeis
forem autorizadas para publicação. Nessa situação, o adquirente deve descrever
quais divulgações não puderam ser feitas e as respectivas razões para tal.

6. Deságio ou ganho na compra vantajosa


O ágio reconhecido em uma combinação de negócios é a diferença entre o
valor pago ou compromissos por pagar (ou valores a pagar, podendo ser também
a aquisição por meio de emissão de ações da adquirente) e o montante líquido
do valor justo dos ativos e passivos da entidade e/ou negócios adquiridos. O ágio
representa um pagamento realizado entre partes independentes vinculado à efetiva
alteração de controle e corresponde a uma antecipação dos benefícios econômicos
futuros a serem gerados por ativos, por fatores que não podem ser identificados
individualmente e reconhecidos separadamente. Assim, os benefícios econômicos
podem advir da sinergia entre os ativos identificáveis adquiridos ou de ativos
que, individualmente, não se qualificam para reconhecimento em separado nas
demonstrações contábeis, mas pelos quais a adquirente efetuou um pagamento
(em caixa ou por meio de emissão de instrumentos patrimoniais ou de dívida)
por ocasião da combinação de negócios.
Por seu turno, o deságio reconhecido em uma combinação de negócios é
representado pela diferença negativa entre o valor pago (ou valores a pagar) e
o montante líquido do valor justo dos ativos e passivos adquiridos. A compra
vantajosa é uma aquisição de oportunidade onde o valor global de aquisição
suplanta a soma algébrica dos valores justos dos ativos líquidos adquiridos,

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34 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

por ser uma transação em condições de venda forçada ou outra razão, mesmo
que a transação se dê entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e
independentes entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação
da transação ou que caracterizem uma transação compulsória.
Determinou o art. 20 do Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977,
que o custo de aquisição de participação em uma sociedade por outra deve ser
desdobrado, apontando-se o valor de Patrimônio Líquido Contábil (PLC) do
investimento, e a diferença entre esse número e o custo de aquisição14. Referida
diferença constituía o ágio (quando custo de aquisição for maior que o PLC)
ou deságio (quando o custo de aquisição for menor que o PLC).
Quando o custo de aquisição era maior que o PLC, gerando, portanto,
ágio, este se justificava pela expectativa de rentabilidade futura.15 O ágio (valor
pago – PLC) transformava-se, então, “em um ativo diferido da incorporadora,
o qual continuava a ser amortizado mensalmente no mesmo ritmo previsto
para a amortização do ágio que lhe deu origem.”16
Quando o custo de aquisição era menor que o PLC, gerava-se um deságio,
presumindo-se que a companhia adquirente fez um bom negócio, denominado,
portanto, compra vantajosa.
O deságio, por sua vez, ocorre quando o valor líquido dos ativos
identificáveis e passivos assumidos exceder (i) a contraprestação transferida em
troca do controle da adquirida, para a qual se exige o “valor justo na aquisição”,
somada ao (ii) montante de qualquer participações de não controladores na
adquirida, se houver, e ao (iii) valor justo, na data da aquisição, da participação
do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação, em caso de
combinação de negócios realizada em estágios.
Por outro lado, com a convergência com o IFRS, o ágio passou a ser a
diferença entre o valor efetivamente pago e o “valor justo” do bem adquirido.

14 A norma foi reproduzida no art. 385 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 (Regulamento
do Imposto de Renda – RIR/99).
15 Nos termos exatos do CPC 04: “O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill)
reconhecido em uma combinação de negócios é um ativo que representa benefícios econômicos
futuros gerados por outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, que não são
identificados individualmente e reconhecidos separadamente”.
16 BRIGAGÃO, Gustavo, e SCHARFSTEIN, Carlos. Aproveitamento fiscal de ágio fundamentado em
perspectiva de rentabilidade futura, in ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a
Reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 257.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 35

a. Compra vantajosa
As compras vantajosas são consideradas operações anômalas. Normalmente,
não há transações em que proprietários vendem consciente e voluntariamente
ativos ou negócios a preços abaixo de seus valores justos. Por seu turno, podem
existir hipóteses em que isso ocorra, tais como liquidação forçada ou venda por
necessidade na qual os proprietários precisam vender um negócio com mais
rapidez, o que pode resultar em um preço inferior ao valor justo.
O ganho econômico é inerente em uma compra vantajosa. Isso ocorrerá
quando, na data da aquisição, a adquirente tem um ganho no valor pelo
qual o valor justo do que é adquirido excede o valor justo da contrapartida
transferida. Entretanto, a aparência de uma compra vantajosa sem evidência
das razões subjacentes é preocupante, pois poderia ser decorrente da
existência de erros de mensuração do ativo ou negócio. Em razão disso,
sugere-se que seja verificado se houve erros na mensuração dos valores
justos da contrapartida paga pelo negócio e dos ativos adquiridos ou dos
passivos assumidos.
Nesse sentido, deve-se distinguir entre o que seja compra vantajosa ou
erros de mensuração. Os erros de mensuração, intencionais ou não, podem ser
minimizados por controle interno e uso de peritos ou empresas avaliadoras
e auditores externos. O IFRS optou por normatizar, pois normas para evitar
abusos inevitavelmente cancelariam a neutralidade. Exige-se que a adquirente
reavalie se tinha identificado corretamente todos os ativos adquiridos e
passivos assumidos antes de reconhecer o ganho de uma compra vantajosa. Tal
reavaliação compreenderia os ativos adquiridos e passivos assumidos, bem como
a participação não-controladora na adquirida (se houver), além da contrapartida
transferida; e na combinação realizada em etapas, a reavaliação da participação
patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida.
O objetivo é garantir que as informações disponíveis tenham sido
adequadamente consideradas na identificação dos itens a serem mensurados e
reconhecidos e na determinação dos valores justos.
O ganho da compra vantajosa e o ágio não podem ser reconhecidos
em uma mesma combinação de negócios. Assim, uma compra vantajosa é
mensurada com o excedente do valor líquido dos valores na data de aquisição
dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos sobre o valor justo
na aquisição da contrapartida transferida, somados ao valor reconhecido de

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36 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

qualquer participação não-controladora na adquirida. Isso tudo se a transação


for uma aquisição realizada em etapas, com valor justo na aquisição da
participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida.
Assim, nenhum ágio poderá ser baixado se houver ganho.

b. Compra vantajosa e resultado de deságio


A questão relevante que se apresenta é saber se após a convergência
com o IFRS poderia-se configurar a possibilidade de ocorrência de deságio
vis-à-vis a compra vantajosa. Nesse sentido, pode-se afirmar que o deságio
permanece como uma possibilidade (ainda que remota), tendo-se em vista que
continua-se a exigir que determinados ativos adquiridos e passivos assumidos
sejam mensurados por outros valores que não os seus valores justos na data da
aquisição. Entretanto, por deficiência das exigências, no passado contabilizações
de combinações de negócios levaram a resultados de deságio, ou seja, à aparência,
mas não à essência econômica, de uma compra vantajosa. Nenhum passivo
era reconhecido em pagamentos contingentes na data de aquisição, o que
poderia resultar na aparência de uma compra vantajosa pela subavaliação da
contrapartida paga. Os passivos, agora, devem ser mensurados e reconhecidos
por seus valores justos na data da aquisição.
O deságio também pode ocorrer quanto às expectativas de uma compradora
em relação a perdas futuras e sua necessidade de incorrer custos futuros para
tornar um negócio viável. Nessa hipótese, a compradora estaria disposta a pagar
um valor inferior ao valor justo da adquirida (ou ativos líquidos identificáveis)
para obtenção de retorno justo sobre o negócio; a compradora precisaria efetuar
investimentos adicionais no negócio para levá-lo à condição de valor justo.
Os valores justos são mensurados por referência a compradores e vendedores
não relacionados que sejam conhecedores e tenham um entendimento comum
sobre os fatores referentes para o negócio e para a transação e que também
desejem e estejam preparados para a realização do negócio com capacidade legal
e financeira. A coação para a realização, apesar da preocupação da possibilidade
de sua ocorrência, seria mitigada em razão da aplicação cautelosa das exigências
de mensuração do valor justo, o que levaria à interpretação adequada do deságio;
ao invés de levar a uma transação de compra vantajosa.

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7. Conclusão
O ganho referente à compra vantajosa foi introduzido nas práticas
contábeis brasileiras em razão do processo de convergência dessas práticas
contábeis com normas internacionais de contabilidade do IFRS. Foi um
passo importante, pois, no passado, mesmo em se tratando de processos de
combinação de negócios envolvendo partes conhecedoras, independentes
entre si e interessadas em uma transação em condições de mercado (merge of
equals), havia um entendimento da CVM e das práticas contábeis de que essa
diferença resultante da combinação de negócios por compra vantajosa deveria
ser registrada como deságio na adquirente. Com o processo de convergência com
as normas internacionais de contabilidade, o adquirente passou, diferentemente
do tratamento anterior, a ter a obrigação de reconhecer o ganho resultante no
resultado na data da aquisição, devendo esse ganho ser atribuído ao adquirente.
A entidade adquirente, ao contabilizar combinação de negócios anteriores à
vigência do CPC 15, poderá ter reconhecido um deságio por expectativa de
prejuízos futuros (diferença negativa entre o custo da participação adquirida
e a parte da adquirente no valor justo dos ativos líquidos da adquirida) ou por
compra vantajosa. Se isso ocorrer, a entidade adquirente deverá baixar o valor
contábil desse deságio no início do primeiro período de reporte anual em que
o CPC 15 foi aplicado e fazer o ajuste correspondente em lucros acumulados
no balanço patrimonial de abertura naquela data.

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Capítulo II

O Aproveitamento
Fiscal do Ágio e
as Alterações da

Antonio Reinaldo Rabelo Filho


Especialista em Direito Tributario pelo IBET
Especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC-RJ
Mestre em Direito Tributario pela PUC/SP
Membro da ABDF
Advogado

Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão


Membro da ABDF
Advogado

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 41

Introdução
Como é cediço, a Lei nº 11.638/07, resultante do Projeto de Lei
nº 3.741/001, introduziu importantes alterações no texto da Lei nº 6.404/76,
tendo por objetivo principal adequar as práticas contábeis brasileiras àquelas
ditadas pelo International Accounting Standards Board (IASB) e observadas
internacionalmente.
A conclusão de tal processo de harmonização das práticas contábeis, dentre
os seus principais efeitos, será o aumento da transparência das informações
divulgadas pelas companhias em geral, o que possibilitará a comparabilidade
das demonstrações financeiras das empresas nacionais com aquelas divulgadas
por empresas estrangeiras. Isso, sem dúvida, será um importante facilitador da
análise das informações por seus usuários.
Por outro lado, por conta do lapso de tempo necessário à tramitação do
projeto no Congresso Nacional, as alterações promovidas ao texto da Lei nº
6.404/76, a par dos inegáveis avanços, não eliminaram todas as barreiras que
se impunham ao processo de convergência.
De fato, as normas internacionais avançaram, enquanto o projeto manteve-
se fiel às regras vigentes alhures à época de sua proposição, como bem advertem
Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke2: “um problema
surgiu do largo tempo que no então Projeto de Lei nº 3.741/00 levou no congresso
para se transformar na Lei nº 11.638/07: as normas internacionais evoluíram, e
sofreram grandes modificações em função inclusive da adesão da União Europeia,
mas o projeto de Lei não capturou essas inovações. Assim, a Lei nº 11.638/07 trouxe
grande evolução nas práticas contábeis no sentido da convergência internacional,
mas com algumas defasagens e alguns conceitos ultrapassados.”

1 Sobre os objetivos buscados pelo referido projeto de lei, Hugo Rocha Braga e Marcelo Cavalcanti
Almeida, atestam o seguinte:
“A finalidade maior do Projeto de Lei nº 3.741/2000 era possibilitar a eliminação de algumas
barreiras regulatórias que impediam a inserção total das companhias abertas no processo de
convergência contábil internacional, além de aumentar o grau de transparência das demonstrações
financeiras em geral, inclusive em relação às chamadas sociedades de grande porte não constituídas
sob a forma de sociedades por ações.” (BRAGA, Hugo Rocha e ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti In:
Mudanças Contábeis na Lei Societária – Lei nº 11.638, de 28-12-2007. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 2.)
2 IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu e GELBCKE, Ernesto Rubens In: Manual de Contabilidade
das Sociedades por Ações (Aplicável às Demais Sociedades) – Suplemento Rumo às Normas
Internacionais. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 5.

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42 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Nesse contexto de reforma, pontuado por um histórico em que a legislação


contábil era pensada para refletir conceitos tributários, um dos pontos que
mais chamaram a atenção dos seus críticos foram justamente os efeitos fiscais
que poderiam advir dela. Não se pode negar que a Lei nº 11.941/09 avançou
nesse sentido, além de haver, em seu corpo, instituído o Regime Tributário de
Transição (RTT), permitindo a eliminação do maior dos obstáculos ao processo
de convergência a partir da inserção de dispositivo expresso que garante a
neutralidade da reforma em relação aos seus efeitos fiscais.
Em que pese a clareza das regras que compõem o Regime Tributário de
Transição – muito mais assertivas que aquela inserta no § 7º3, do artigo 177,
da Lei nº 6.404/76, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.638/07
e revogado pela Lei nº 11.941/09 –, muitas discussões têm sido empreendidas
quanto aos efeitos fiscais decorrentes do novo padrão contábil adotado no País.
É justamente ao objetivo de analisar, de forma mais profunda e sem se
descuidar dos motivos históricos e dos conceitos contábeis aplicáveis, que se
dedica este estudo.
Com efeito, grande parte das sociedades anônimas valeu-se da autorização
constante da Deliberação nº 603/094, da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), para apresentar os seus Formulários de Informações Trimestrais –
ITR, no curso do exercício de 2010, conforme as normas contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2009. Não é por outro motivo que tendem, agora, a
intensificar-se as discussões em torno dos pretensos efeitos fiscais das alterações
contábeis aqui comentadas.

3 “Art. 177. (...)


§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas
contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas
não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros
efeitos tributários.”
4 “Art. 1º Facultar às companhias abertas apresentar os seus Formulários de Informações
Trimestrais – ITR durante o exercício de 2010 conforme as normas contábeis vigentes até 31
de dezembro de 2009.
Art. 2º As companhias abertas que fizerem uso da faculdade prevista no art. 1º devem:
I – divulgar esse fato em nota explicativa aos ITR de 2010, com uma descrição das principais
alterações que poderão ter impacto sobre as suas demonstrações financeiras do encerramento
do exercício, bem como uma estimativa dos seus possíveis efeitos no patrimônio líquido e no
resultado ou os esclarecimentos das razões que impedem a apresentação dessa estimativa; e
II - reapresentar os ITR de 2010, comparativamente com os de 2009 também ajustados às
normas de 2010, pelo menos quando da apresentação do primeiro ITR de 2011.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 43

Nesse contexto, seja pela relevância das importâncias geralmente


envolvidas, seja pelo histórico de autuações fiscais que vêm sendo formalizadas
pelas autoridades fazendárias nos últimos anos ou simplesmente por conta
da complexidade do tema, tem-se observado intensos debates quanto às
novas regras5 incidentes sobre as operações que se enquadrem no conceito
de “combinação de negócios”, principalmente no que tange à apuração do
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura (goodwill).
Sem esgotar o tema, que certamente ainda carecerá de muitos debates,
intende, também, este trabalho, contribuir para a formação e a consolidação
de um entendimento que parece ser aquele que melhor conforma as normas
em vigor.
Inovações quanto à Apuração do Ágio para Fins Societários
Como dito, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) editou o
Pronunciamento Técnico nº 15, aprovado pela CVM por meio da Deliberação
nº 580, em 31 de julho de 2009, com o objetivo de harmonizar o BRGAAP às
normas editadas pelo IASB (notadamente a IFRS 03 – Business Combinations),
no que se refere às operações que importem em combinação de negócios.
Muitas foram as alterações empreendidas por esse pronunciamento,
com impactos relevantes na apuração do ágio fundado em expectativa de
rentabilidade futura (goodwill), para fins societários e comerciais.
As alterações são de tal sorte profundas que, em certos casos, alargam
o rol de operações aptas a fundamentar o registro de ágio por expectativa
de rentabilidade futura, enquanto que, em outros, o restringem. A própria
quantificação (mensuração inicial) e a amortização do goodwill (contábil)
sofreram relevantes impactos.
Comenta-se, a seguir, algumas dessas alterações que, em nosso
entendimento, têm despertado insegurança no meio jurídico, inseguranças
que, como se disse, este estudo ousa contribuir para dissipar:

5 Especificamente sobre o Pronunciamento Técnico de nº 15, do Comitê de Pronunciamentos


Contábeis, aprovado pela Resolução CVM nº 580/09.

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44 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Inovações Atinentes ao Alcance:


O CPC 15 (especificamente em seu item B5 e seguintes) “define uma
combinação de negócios como uma operação ou outro evento em que o
adquirente obtém o controle de um ou mais negócios”, sendo certo que, para
tal fim, “um negócio consiste de inputs e processos (os processos são aplicados
aos inputs) os quais têm a capacidade de gerar outputs.”.
Especificamente quanto ao seu âmbito de aplicação, a nova norma contábil
distancia-se de forma relevante das normas aplicáveis a sociedades anônimas
que lhe antecederam, notadamente da Instrução CVM nº 247/96. Agora, não
é só da aquisição de participações societárias que pode decorrer o registro de
ágio por rentabilidade futura, mas também do controle de um negócio em
sentido amplo.
Por outro lado, o CPC 15 só é aplicável às operações que importem
em aquisição do controle de um negócio. Assim é que a aquisição de
participações societárias que não representem a aquisição do controle de um
negócio, mesmo que permitam o registro e a mensuração do investimento
pelo método da equivalência patrimonial, não está no âmbito de aplicação
do referido pronunciamento técnico.
As aquisições que não importem na aquisição do controle de uma sociedade (e
que sucedam a aquisição do controle) constituem, sob a égide das regras contábeis
internacionais e a teor do disposto nos itens 30 e 31 do CPC 36 (Demonstrações
Consolidadas)6, 65 e 66 do ICPC 09 (Demonstrações Contábeis Individuais,
Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas e Aplicação do

6 “30. As mudanças na participação relativa da controladora sobre a controlada que não resultem em
perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital (ou seja, transações com
sócios, na qualidade de proprietários), e não no resultado ou no resultado abrangente.
31. Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da
participação dos não controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas suas participações
relativas na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação dos não
controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser reconhecida
diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora.”
7 “65. (...) as negociações subsequentes em que a controladora adquire, dos sócios não controladores
desse mesmo patrimônio, novos instrumentos patrimoniais (ações ou cotas, por exemplo) de uma
controlada, passam a se caracterizar como sendo transações entre a entidade e seus sócios, a
não ser que seja uma alienação de uma investidora que caracterize a perda de controle de sua
controlada. Ou seja, trata-se de operações que se assemelham àquela em que a entidade adquire
ações ou cotas de seus próprios sócios.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 45

Método de Equivalência Patrimonial)7, transações de capital. Da mesma forma,


o CPC 15, em analise, de acordo com seu item 2, também não é aplicável à
formação de empreendimentos controlados em conjunto (joint ventures) e à
combinação de entidades ou negócios sob controle comum.
Diante de tais alterações, é possível, por exemplo, a apuração de ágio por
expectativa de rentabilidade futura (contábil) em operações que envolvam a
aquisição de um estabelecimento comercial, desde que atendidas as demais
condições impostas pelo CPC 15.
Aqui já se percebe a nítida diferença dos objetivos das regras postas.
Como se disse acima, visa-se facilitar a analise das demonstrações financeiras
e harmonizá-las em nível internacional. Para tanto, não se pode olvidar dos
impactos que precisam ser refletidos nessas informações, por ocasião da
ocorrência de operações societárias que alterem o controle de um negócio e,
consequentemente, tragam ou tenham a aptidão de trazer reflexos relevantes
na adquirente. Em outras palavras, as novas normas contábeis, conquanto
subjetivizem mais a análise dos efeitos das operações societárias, a elas
conferem uma maior transparência quanto aos seus reais efeitos.
Alterações Quanto à Mensuração Inicial:
A Instrução CVM de nº 247/96, em seu item 138, determinava o
desdobramento do custo de aquisição de um investimento avaliado pelo
método da equivalência patrimonial em sub-contas distintas destinadas ao
registro dos seguintes componentes:


66. Por isso o Pronunciamento Técnico CPC 36 – Demonstrações Consolidadas requer, em seus
itens 30 e 31, que as mudanças na participação relativa da controladora sobre uma controlada
que não resultem em perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital
(ou seja, transações com sócios, na qualidade de proprietários) nas demonstrações consolidadas.
Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da
participação dos não-controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas participações
relativas das partes na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação
dos não-controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser
reconhecida diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora, e
não como resultado.”
8 “Art. 13 - Para efeito de contabilização, o custo de aquisição de investimento em coligada e
controlada deverá ser desdobrado e os valores resultantes desse desdobramento contabilizados
em sub-contas separadas:
(i) Equivalência patrimonial baseada em demonstrações contábeis elaboradas nos termos do art.
10; e
(ii) Ágio ou deságio na aquisição ou na subscrição, representado pela diferença para mais ou para
menos, respectivamente, entre o custo de aquisição do investimento e a equivalência patrimonial.”

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46 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

(a) parcela do Patrimônio Líquido Contábil (PLC) da investida


equivalente ao percentual das ações/cotas representativas de seu capital social
detido pelo investidor (equivalência patrimonial), e
(b) ágio ou deságio, conforme o caso, correspondente à diferença entre o
custo de aquisição e a importância contabilizada em conformidade com o item
“a”, acima (equivalência patrimonial).
Vale ressaltar que o ágio deveria (e ainda deve) ser ajustado em virtude
das alterações no patrimônio líquido da investida decorrentes da harmonização
das práticas contábeis adotadas por esta e pela adquirente.
O ágio, tema central do presente estudo, nos termos do item 149, da
referida Instrução CVM, deveria ser contabilizado com a indicação do
fundamento econômico que lhe deu causa (dentre aquelas previstas nos §§ 1
º e 2º, do referido item), ou baixado, de imediato, como perda no resultado, se
carente de uma das razões econômicas previstas no referido dispositivo.
Em linhas gerais, o ágio poderia encontrar fundamento, para fins
societários, nas seguintes razões de ordem econômica: (a) mais-valia dos
ativos, realizável na proporção da amortização/depreciação/baixa do item

9 “Art. 14. O ágio ou deságio computado na ocasião da aquisição ou subscrição do investimento


deverá ser contabilizado com indicação do fundamento econômico que o determinou.
Parágrafo 1º O ágio ou deságio decorrente da diferença entre o valor de mercado de parte ou de
todos os bens do ativo da coligada e controlada e o respectivo valor contábil, deverá ser amortizado
na proporção em que o ativo for sendo realizado na coligada e controlada, por depreciação,
amortização, exaustão ou baixa em decorrência de alienação ou perecimento desses bens ou do
investimento.
§ 2º O ágio ou o deságio decorrente da diferença entre o valor pago na aquisição do investimento e
o valor de mercado dos ativos e passivos da coligada ou controlada, referido no parágrafo anterior,
deverá ser amortizado da seguinte forma:
a) o ágio ou o deságio decorrente de expectativa de resultado futuro – no prazo, extensão e proporção
dos resultados projetados, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento, devendo
os resultados projetados serem objeto de verificação anual, a fim de que sejam revisados os critérios
utilizados para amortização ou registrada a baixa integral do ágio; e
b) o ágio decorrente da aquisição do direito de exploração, concessão ou permissão delegadas
pelo Poder Público – no prazo estimado ou contratado de utilização, de vigência ou de perda de
substância econômica, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento.
§ 3º O prazo máximo para amortização do ágio previsto na letra “a” do parágrafo anterior não
poderá exceder a dez anos.
Parágrafo 4º Quando houver deságio não justificado pelos fundamentos econômicos previstos
nos parágrafos 1º e 2º, a sua amortização somente poderá ser contabilizada em caso de baixa
por alienação ou perecimento do investimento.
Parágrafo 5º O ágio não justificado pelos fundamentos econômicos, previstos nos parágrafos 1º e
2º, deve ser reconhecido imediatamente como perda, no resultado do exercício, esclarecendo-se
em nota explicativa as razões da sua existência.”

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correspondente registrado na investida; (b) expectativa de rentabilidade futura,


amortizável na proporção dos resultados projetados, em até 10 (dez) anos;
ou (c) direitos de exploração, concessão ou permissão outorgados pelo Poder
Público, amortizáveis no prazo estabelecido no instrumento que o formaliza.
Assim é que, dito de forma sintética, antes da edição do CPC 15 o
ágio registrado contabilmente, desde que fundamentado em uma das razões
econômicas referidas nos §§ do item 14 da Instrução CVM de nº 247/96,
deveria corresponder à diferença positiva entre os recursos empregados pelo
adquirente na transação (custo de aquisição) e o percentual do patrimônio
líquido contábil da sociedade investida atribuível à participação adquirida
(uma vez harmonizadas as práticas contábeis aplicadas pela investidora e
pela investida).
Com a edição do CPC 15, a apuração, para fins societários, do ágio (em
geral) e, mais especificamente, do goodwill, não mais decorre do cotejo entre
o custo de aquisição e o Patrimônio Líquido Contábil (PLC) da investida.
Com efeito, o CPC 15 impõe às operações que se enquadrem no conceito de
“combinação de negócios” uma avaliação com base no método da aquisição
(purchase method)10, que compreende, nos termos dos itens 4 e 5 do referido
pronunciamento, os seguintes procedimentos:
“Método de aquisição
4. A entidade deve contabilizar cada combinação de negócios pela
aplicação do método de aquisição.

10
Em que pese o método da aquisição importar na mensuração dos ativos e passivos que compõe
o negócio adquirido pelo seu valor justo, para fins de apuração do montante a ser registrado em
linha de investimento no ativo da adquirente e eventual goodwill (ou, conforme o caso, ganho
por compra vantajosa), a combinação de negócios não afeta o valor do patrimônio líquido da
sociedade adquirida. Ao contrário, as regras contábeis internacionais (editadas pelo IASB) não
contemplam o chamado “push down accounting”, isto é, a transferência, para a contabilidade da
sociedade investida, dos resultados obtidos na mensuração do valor justo de seus ativos e passivos
em conexão a uma combinação de negócios. Esta constatação pode ser extraída do item 45, da
Interpretação Técnica ICPC 09:
“45. (...) internacionalmente, os princípios contábeis geralmente aceitos em alguns países
admitem o tratamento do push down accounting, sempre em situações muito restritas, mas as
regras internacionais de contabilidade do IASB não prevêem essa forma de contabilização. (...)
Do ponto de vista contábil, e no nível de apresentação das demonstrações contábeis individuais
da entidade adquirida, a troca de acionistas controladores não deve implicar no estabelecimento
de uma nova base contábil dos ativos e passivos da adquirida ou na contabilização de ativos
intangíveis antes inexistentes, ficando essa nova base de mensuração aplicável apenas no nível
das demonstrações contábeis (individuais e consolidadas) da adquirente.”

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48 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

5. A aplicação do método de aquisição exige:


(a) identificação do adquirente;
(b) determinação da data de aquisição;
(c) reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis
adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias
de não--controladores na adquirida; e
(d) reconhecimento e mensuração do ágio por rentabilidade futura
(goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa.” [grifos nossos]
Com relação à identificação do adquirente e da data de aquisição do
controle (letras “a” e “b”), via de regra, as operações não despertam maiores
dificuldades ou discussões sob o prisma tributário. Adquirente é a entidade
que obtém o controle11 do negócio adquirido (item 7 do CPC 15).
Dúvidas podem surgir quanto à definição do adquirente, na hipótese em
que se verifica a troca de participações societárias. No mais das vezes, em tais
situações o emissor de instrumentos de participação societária deve ser apontado
como adquirente (salvo nas aquisições reversas12).
Data de aquisição, em linhas gerais, é “a data em que o adquirente obtém
o controle da adquirida. Geralmente é a data em que o adquirente legalmente
transfere a contraprestação pelo controle da adquirida, adquire os ativos e assume
os passivos da adquirida – a data de fechamento do negócio” (CPC 15, item 9).

11 Consoante o disposto no item 4, do CPC 36 (Demonstrações Consolidadas): “Controle é o poder


de governar as políticas financeiras e operacionais da entidade de forma a obter benefício das
suas atividades.”.
De forma mais detalhada, o item 13, do mesmo pronunciamento técnico, dispõe sobre as hipóteses
em que se presume a existência do controle:
“13. Presume-se que exista controle quando a controladora possui, direta ou indiretamente por
meio de suas controladas, mais da metade do poder de voto da entidade, a menos que, em
circunstâncias excepcionais, possa ficar claramente demonstrado que tal relação de propriedade
não constitui controle. O controle também pode existir no caso de a controladora possuir metade
ou menos da metade do poder de voto da entidade, quando houver:
(a) poder sobre mais da metade dos direitos de voto por meio de acordo com outros investidores;
(b) poder para governar as políticas financeiras e operacionais da entidade conforme especificado
em estatuto ou acordo;
(c) poder para nomear ou destituir a maioria dos membros da diretoria ou conselho de
administração, quando o controle da entidade é exercido por esses órgãos;
(d) poder para mobilizar a maioria dos votos nas reuniões da diretoria ou conselho de administração,
quando o controle da entidade é exercido por essa diretoria ou conselho.”
12 Os itens B14 a B27 do CPC 15 fornecem os parâmetros para a definição do adquirente, inclusive
nas aquisições reversas – operações em que a emissora dos instrumentos de participação societária
figura como adquirida.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 49

No que tange à mensuração do goodwill, as alterações mais drásticas e


relevantes para os fins pretendidos no presente estudo, são aquelas que decorrem
dos procedimentos indicados nas letras “c” e “d” do item 4 do CPC.
Com relação ao item “c”, devem ser reconhecidos pelo seu valor justo
na data da aquisição, separadamente do ágio fundado em expectativa de
rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos
assumidos e as participações detidas por não-controladores13.
Mister se faz tratar cada um desses elementos de forma separada, a fim
de facilitar sua compreensão:
a) Reconhecimento de Ativos Identificáveis:
Como visto, o CPC 15 determina o reconhecimento, pelo adquirente, no
âmbito de uma combinação de negócios, dos ativos identificáveis do negócio
adquirido pelo seu valor justo. Quando a norma alude ao termo “identificáveis”,
está referindo-se não só aos ativos registrados na contabilidade da adquirida,
como também aos ativos não contabilizados. Eis o conceito atribuído ao termo
“identificável”, pelo Apêndice A, do CPC 15:
“Identificável: um ativo é identificável quando ele: (a) for separável,
ou seja, capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido,
transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou
em conjunto com outros ativos e passivos ou contrato relacionado,
independentemente da intenção da entidade em fazê-lo; ou (b)
surge de contrato ou da lei, independentemente de esse direito ser
transferível ou separável da entidade e de outros direitos e obrigações.”
Nesse sentido, a parcela correspondente à diferença entre o valor contábil
dos itens registrados no ativo da sociedade investida e o seu valor justo na data
da aquisição, antes alocada na sub-conta de ágio fundado na “mais-valia de

13 Esta é a orientação que se extrai da conjugação dos itens 10, 18 e 19, do CPC 15:
“10. A partir da data de aquisição, o adquirente deve reconhecer, separadamente do ágio por
expectativa de rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos
assumidos e quaisquer participações de não-controladores na adquirida. O reconhecimento de
ativos identificáveis adquiridos e de passivos assumidos está sujeito às condições especificadas
nos itens 11 e 12.
18. O adquirente deve mensurar os ativos identificáveis adquiridos e os passivos assumidos pelos
respectivos valores justos da data da aquisição.
19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar qualquer participação de
não-controladores na adquirida pelo valor justo dessa participação ou pela parte que lhes cabe
no valor justo dos ativos identificáveis líquidos da adquirida.”

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50 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ativos”, passa agora a compor o valor do próprio investimento registrado pela


investidora.
O valor de ativos não registrados na contabilidade da sociedade adquirida,
eminentemente os intangíveis desenvolvidos internamente, de igual sorte,
passam a compor o valor do investimento registrado pela adquirente pelo seu
valor justo, desde que atendam ao requisito legal-contratual ou de separação.
Os requisitos não são cumulativos, o que significa dizer que intangíveis
protegidos por lei (marcas, patentes, etc.) ou fundados em contratos (arrendamentos
contratados em condições favoráveis, dentre outros)14, devem ser mensurados
e reconhecidos no âmbito de uma combinação de negócios. De igual sorte, os
intangíveis que possam ser separados ou divididos da sociedade e negociados no
mercado devem ser mensurados pelo adquirente pelo seu valor justo.
Vê-se, pois, que, para fins societários, não há mais registro, em conta de
ágio, da mais-valia dos ativos adquiridos no âmbito de uma combinação de
negócios, que passam a compor, na data da aquisição, o valor do investimento
adquirido nas demonstrações individuais da adquirente. De fato, nesse
particular, a adoção do CPC 15 potencialmente reduz o valor total do ágio
(em sentido amplo) em comparação àquele apurado em conformidade com a
Instrução CVM nº 247/96.
Melhor dizendo, pode-se afirmar que, em razão da subjetividade que as
novas normas contábeis trouxeram à avaliação de negócios, optou-se por ampliar
o espectro das possibilidades que pudessem impactar o valor de um negócio,
atribuindo no seu valor, neste intuito, efeitos mais aderentes à realidade do mercado.
De fato, termos como “valor justo” ou “ativos intangíveis”, ou mesmo
“ativos identificáveis fora da contabilidade da empresa”, todos, são termos de
uma polissemia ímpar. Como tais, abrem ao intérprete e ao aplicador da norma,
uma função mais marcante em relação à interpretação e integração que se faz
necessária para melhor aplicação da regra ao fato subjacente.

14 O item 33, do Apêndice B do CPC 15, traz os contornos do critério de separação:


“B33. O critério de separação implica que o ativo intangível adquirido seja capaz de ser separado
ou dividido da adquirida e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado individualmente
ou junto com contrato, ativo ou passivo relacionado. O ativo intangível em que o adquirente é
capaz de vender, licenciar ou trocar por outro recurso de valor, atende ao critério da separação,
mesmo que o adquirente não pretenda vender, licenciar ou trocar esse ativo. O ativo intangível
adquirido atende ao critério de separação quando existir evidências de operações de troca para esse
tipo de ativo ou similar, mesmo que essas operações não sejam frequentes e independentemente
de o adquirente estar, ou não, envolvido nessas operações.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 51

A menor densidade normativa de referidos signos, realmente, abre nova


dimensão para a sua interpretação e aplicação, o que, por certo, demandará,
ao menos neste início, um maior acompanhamento e controle dos órgãos
competentes. Por outro lado, não há como se negar que, no intuito de
harmonizar as normas societárias internacionalmente e com a crescente
globalização, o Brasil não poderia pretender isolar-se, mantendo-se o império
dos registros contábeis e seus consectários como verdade absoluta e objetivo
na avaliação de negócios.
b) Reconhecimento dos Passivos Assumidos:
Os passivos, a teor do já citado item 18 do CPC 15, devem ser reconhecidos
pelo seu valor justo na data da aquisição. Note-se, nesse sentido, que, em
conformidade com o disposto no item 22 da referida norma, o adquirente
deve reconhecer passivos contingentes que constituam obrigações presentes
decorrentes de eventos passados, cujos respectivos valores justos possam ser
mensurados com confiabilidade, ainda que o risco correspondente não seja
classificado como provável15.
A aplicação do item 22 do CPC 15, portanto, potencialmente reduz o
valor do patrimônio líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo, o que
tem por efeito um proporcional aumento do goodwill (ou redução do ganho por
uma compra vantajosa16) registrado numa combinação de negócio.
c) Reconhecimento de Participações de Não-controladores:
Como já referido, a mensuração das participações detidas por não-
controladores pode ser empreendida pelo adquirente com base no valor
justo destas na data da aquisição. Isto é, tais participações atribuíveis a não-
controladores (antes referidos como minoritários) podem ser mensuradas com
base em sua cotação em mercado ativo – bolsa de valores, por exemplo – (item
19, item 44 e seguintes do Apêndice B, do CPC 15).
Sendo opção do adquirente, as participações detidas por não-controladores
podem ser mensuradas com base no percentual correspondente no patrimônio
líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo. Sobre esses dois critérios

15 Vê-se que, nesse caso particular, os critérios de reconhecimento de passivos contingentes no


âmbito de uma combinação de negócios sujeita aos ditames do CPC 15 são menos restritivos
que aqueles veiculados pelo CPC 25.
16 Sobre o ganho decorrente de uma compra vantajosa (barganha), vide item 34 e seguintes do CPC 15.

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52 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

de mensuração, confira as conclusões extraídas do Manual de Normas


Internacionais de Contabilidade, resultado de estudo levado a efeito por Ernst
& Young e FIPECAFI17:
“A participação dos não controladores (minoritários) deve ser
mensurada, ou pelo seu valor justo na data da aquisição ou pela
aplicação do seu percentual de participação sobre o valor justo dos ativos
líquidos identificáveis da adquirida. A diferença entre os métodos de
mensuração ocorre quando a adquirente optar por mensurar o valor
justo das ações dos não controladores, como por exemplo com base
nos preços de cotação de um mercado ativo. Esse valor pode diferir do
valor da participação dos não controladores sobre os ativos líquidos da
adquirida, cujos valores justos foram avaliados pela adquirente.” [sic]
Assim é que, uma vez mensurada a participação atribuível a não-
controladores pelo sua cotação em mercado ativo, o valor justo por ação
integrante do bloco de controle será maior18.
Nas hipóteses em que o valor unitário por ação integrante do bloco de controle
for maior que aquele atribuível às ações detidas por minoritários, em decorrência de
sua mensuração com base em sua cotação em mercado ativo, o valor do goodwill
tende a ser reduzido (ou, conforme o caso, o ganho pela compra vantajosa tende
a aumentar). A Instrução CVM nº 247/96 não abria essa possibilidade, na
medida em que, em qualquer caso, a participação atribuível ao controlador era
mensurada pelo valor patrimonial das ações integrantes do bloco de controle.
d) Reconhecimento do Goodwill:
Para fins contábeis, em conformidade com Apêndice A do CPC 15, o ágio
fundado em rentabilidade futura (goodwill) é definido como “um ativo que representa
benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos em combinação
de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente
reconhecidos.”

17 MACHADO, Paulo José; MORAES, Wilson José Osório e RELVAS, Tânia Regina Sordi. In: Manual
de Normas Internacionais de Contabilidade, Capítulo 15: “IFRS 3 – Combinações de Negócios”,
Editora Atlas, São Paulo: 2009, p.193.
18 Essa conclusão pode ser extraída do item 45 do Apêndice B, do CPC 15:
“B45. O valor justo por ação da participação do controlador pode ser diferente do valor justo
por ação da participação de não-controladores. A principal diferença, provavelmente, decorre
do prêmio pelo controle incluído no valor justo por ação da participação do adquirente na
adquirida ou, de forma contrária, do desconto por ausência de controle no valor justo por ação
da participação de não-controladores.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 53

O goodwill é, pois, representado por intangíveis que não atendam


ao requisito legal-contratual ou de separação, sinergias entre os negócios
combinados e outros elementos tendentes a resultar em benefícios econômicos
futuros. O goodwill, nos termos do item 32 do CPC 15, é mensurado pelo
adquirente da seguinte forma:
“32. O adquirente deve reconhecer o ágio por rentabilidade futura
(goodwill), na data da aquisição, mensurado como o valor em que
(a) exceder (b) abaixo:
(a) a soma:
(i) da contraprestação transferida em troca do controle da
adquirida, mensurada de acordo com este Pronunciamento,
para a qual geralmente se exige o valor justo na data da aquisição
(veja item 37);
(ii) do valor das participações de não controladores na
adquirida, mensuradas de acordo com este Pronunciamento; e
(iii) no caso de combinação de negócios realizada em estágios
(veja itens 41 e 42), o valor justo, na data da aquisição, da
participação do adquirente na adquirida imediatamente
antes da combinação;
(b) o valor líquido, na data da aquisição, dos ativos identificáveis
adquiridos e dos passivos assumidos, mensurados de acordo com
este Pronunciamento.” [sic]
Por fim, o goodwill, registrado em conta integrante do ativo intangível, não
deve ser amortizado, sujeitando-se, contudo, à realização periódica de testes de
imparidade regulados pelo CPC 01 (Redução ao Valor Recuperável de Ativos).
Essa é a orientação que se subsume do item 50 do Pronunciamento CPC 13
(Adoção Inicial da Lei nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/09)19.
Diante das regras acima referidas (mensuração dos ativos identificáveis
adquiridos, passivos assumidos, participação de não-controladores e do goodwill
ou ganho decorrente de uma compra vantajosa, é possível constatar que a

19 “50. À luz da necessidade de equalização mencionada no item anterior, determina este


Pronunciamento que o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) passe a deixar de
ser sistematicamente amortizado a partir do exercício social que se inicia em 1º de janeiro de
2009 ou após. Ressalta-se, todavia, que esse ágio está submetido ao teste de recuperabilidade a
que se refere o Pronunciamento Técnico CPC 01 Redução ao Valor Recuperável de Ativos.”

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54 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

aplicação das regras constantes do CPC 15, em comparação àquelas insertas na


Instrução CVM nº 247/96, pode ter como consequência, para fins societários,
as seguintes hipóteses:
(i) registro de goodwill em operações antes não-qualificáveis, como, por
exemplo, a aquisição de uma unidade de negócios;
(ii) ausência do registro de goodwill em operações antes qualificáveis, a
saber, as operações que se qualifiquem como transações de capital;
(iii) redução do valor do ágio (em sentido amplo, inclusive o goodwill)
em decorrência, por exemplo, do reconhecimento de ativos identificáveis
adquiridos pelo seu valor justo e/ou mensuração das participações atribuídas a
não-controladores com base em sua cotação em mercado ativo; ou
(iv) aumento do valor do goodwill em virtude, dentre outros, do
reconhecimento de passivos assumidos pelo seu valor justo, sobretudo os
passivos contingentes.
Como se disse alhures, as alterações introduzidas nas normas contábeis têm
como objetivo a harmonização de regras nacionais a padrões internacionais e a maior
transparência e aderência à realidade na avaliação de negócios. Nesse diapasão,
parece evidente que o seu intuito não foi o de promover a mesma alteração
quanto à determinação dos fatos geradores de tributos e seus efeitos. Primeiro,
por um motivo óbvio: cabe apenas à lei esse condão. Segundo, porque há regra
expressa na nova Lei nº 11.941/09, neutralizando os efeitos decorrentes das
alterações contábeis no arcabouço tributário. É o que se passará a demonstrar:

Regras Tributárias – A Amortização Fiscal do


Ágio:
da Mensuração e Fundamentos Econômicos do Ágio:
A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a despeito de tratar da avaliação
de investimentos relevantes com base no método da equivalência patrimonial20,
não trouxe em seu texto original qualquer disposição que orientasse o
reconhecimento de ágio ou de deságio na aquisição de tais investimentos.

20 “Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos relevantes (artigo 247,


parágrafo único) em sociedades coligadas sobre cuja administração tenha influência, ou de

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 55

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, além de


regular o tratamento fiscal a ser conferido aos ajustes decorrentes da avaliação
de investimentos com base no referido método, dispôs sobre o reconhecimento
de ágio ou deságio na aquisição de participações societárias.
Com efeito, o artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/7721 determinou o
desdobramento do custo do investimento em valor do patrimônio liquido e
ágio ou deságio, conforme o caso. O referido dispositivo legal determinou,
ainda, o registro do ágio ou deságio com fundamento em: (i) mais-valia de

que participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital social, e em sociedades controladas,
serão avaliados pelo valor de patrimônio líquido, de acordo com as seguintes normas:
I - o valor do patrimônio líquido da coligada ou da controlada será determinado com base em
balanço patrimonial ou balancete de verificação levantado, com observância das normas desta
Lei, na mesma data, ou até 60 (sessenta) dias, no máximo, antes da data do balanço da companhia;
no valor de patrimônio líquido não serão computados os resultados não realizados decorrentes
de negócios com a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia, ou por ela
controladas;
II - o valor do investimento será determinado mediante a aplicação, sobre o valor de patrimônio
líquido referido no número anterior, da porcentagem de participação no capital da coligada ou
controlada;
III - a diferença entre o valor do investimento, de acordo com o número II, e o custo de aquisição
corrigido monetariamente; somente será registrada como resultado do exercício:
a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada;
b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos;
c) no caso de companhia aberta, com observância das normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários.
§ 1º Para efeito de determinar a relevância do investimento, nos casos deste artigo, serão
computados como parte do custo de aquisição os saldos de créditos da companhia contra as
coligadas e controladas.
§ 2º A sociedade coligada, sempre que solicitada pela companhia, deverá elaborar e fornecer o
balanço ou balancete de verificação previsto no número I.” (grifos nossos)
21 “Art 20 - O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor
de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de
aquisição em:
I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no
artigo 21; e
II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento
e o valor de que trata o número I.
§ 1º - O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas
do custo de aquisição do investimento.
§ 2º - O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento
econômico:
a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo
registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos
exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
§ 3º - O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado
em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.”

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56 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ativos; (ii) rentabilidade futura; e (iii) fundo de comércio, intangíveis ou outras


razões econômicas.
De início, é importante afirmar que o dispositivo acima referido não impõe
qualquer ordem de prevalência entre as razões econômicas que podem servir de
fundamento para o registro do ágio. De fato, o contribuinte deve fundamentar
o ágio na razão econômica que efetivamente o levou a pagar determinado
sobrevalor por determinada participação societária.
Não raro poderiam (e ainda podem) surgir hipóteses em que, em tese,
o ágio possa restar fundamentado, de uma só vez, em mais de uma razão
econômica, até mesmo porque, como é cediço, o fluxo de caixa futuro que se
espera obter a partir da exploração econômica de determinado bem (tangível
ou não) constitui método amplamente utilizado de mensuração.
Tal situação ocorre, no mais das vezes, diante da existência de intangíveis
em relação aos quais não se tenha notícia de um mercado ativo em que itens
análogos sejam comumente negociados. Em casos tais, a rentabilidade futura
do intangível exsurge como possível método de mensuração.
Em casos tais, parece-nos evidente que o ágio pode ser qualificado em mais
de um dos itens a que alude o § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
sendo certo que, diante da inexistência de uma ordem legal que imponha a
prevalência de quaisquer dos fundamentos possíveis, cabe ao contribuinte
apontar, com base em documentos hábeis e idôneos22, aquele que efetivamente
deu causa ao pagamento do ágio ou ao deságio.
Essa é posição defendida por grande parte da doutrina especializada23.
José Otavio Haddad Faloppa, Fábio Alves Maranesi 24 asseveram que: “a

22 O § 3º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 determina a elaboração e o arquivo de laudo


demonstrando a rentabilidade que se espera auferir em relação ao investimento adquirido.
23 Em sentido contrário, Marco Aurélio Greco defende o seguinte:
“No caso de ‘compra’ de participação societária pode existir como item autônomo, mas, neste caso,
seu montante será o residual do valor do ágio depois de alocadas as parcelas que corresponderem
ao valor de mercado de bens corpóreos, ao valor dos intangíveis identificados e do fundo de
comércio (na medida em que for identificável).” In: Ágio por Expectativa de Rentabilidade Futura:
Algumas Observações, Fusão, Cisão, Incorporação e Temas Correlatos, Editora Quartier Latin, São
Paulo: 2009, pp. 287/288. Não concordamos, com a devida vênia, com esse entendimento, na
medida em que, como visto, o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, não determina a prevalência
de qualquer dos fundamentos sobre os demais.
24 FALOPPA, José Otavio Haddad e MARANESI, Fábio Alves. In: Ágio na Aquisição de Investimentos
– Divergência entre Normas Contábeis e Fiscais, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei
das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, pp. 348/349.

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legislação fiscal não estabelece que a justificativa econômica do ágio precisa


ser exclusivamente uma daquelas três hipóteses. Pelo contrário. Pode ser que,
em uma aquisição, o ágio pago tenha diversos fundamentos (...). Muitas vezes,
dentre as várias razões para se realizar o pagamento do ágio, uma pode ter mais
relevância que outra, sendo, até mesmo, determinante para a operação.”
Em igual sentido, Jimir Doniak Jr.25 esclarece que: “Com efeito, a diferença
entre os valores de mercado e contábil dos bens do ativo pode ser um dos elementos que
propiciam a rentabilidade futura esperada. O mesmo se diga de um ativo intangível:
uma marca ou uma patente pode suscitar uma perspectiva de futura lucratividade
especial. Se assim é, a menos que existisse previsão de uma espécie de hierarquia entre
os fundamentos, nada impede que o ágio seja registrado como fundamentado em
rentabilidade futura, desde que isto seja demonstrado, como requer o § 3º do artigo
20 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (...)”.
Note-se, por oportuno, que a função residual, se cabível a quaisquer das
alíneas do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, pode ser atribuída
não à alínea “b” (expectativa de rentabilidade futura), mas à alínea “c”, que
comporta em seu bojo a expressão “outras razões econômicas”, que visa
justamente alcançar as parcelas do ágio que não possam restar fundadas nas
hipóteses descritas nas alíneas “a” e “b”.
A própria sequência enumerada pelo § 2º do dispositivo legal em questão
poderia levar a essa conclusão, sob uma perspectiva lógica, na medida em que não
faria sentido ter como fundamento residual hipótese geograficamente disposta
“no meio” das demais e não ao final delas. Interpretação em sentido diverso
colidiria frontalmente com o disposto no artigo 1126, da Lei Complementar
nº 95/98, que impõe como técnica de redação de atos normativos a utilização
de uma ordem lógica.
Enfim, a regra tributária é de clareza meridiana. E, como será mais bem
demonstrado a seguir, permanece vigente. Havendo aquisição de investimento
por valor superior ao patrimônio líquido contábil ajustado (PLC) da sociedade

25 DONIAK JR., Jimir. In: Análise da Amortização de Ágio frente às Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09,
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo:
2010, p. 312.
26 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica,
observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...)” [Grifos nossos]

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58 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

adquirida, haverá ágio, cuja amortização será passível de dedução fiscal, uma
vez observados os requisitos impostos pela legislação tributária.
Qualquer construção que se pretenda fazer acerca da existência de
sobreprincipios que orientam ou graduam a aplicação de quaisquer regras legais,
prescinde da verificação de espaço normativo para tanto. Ali, onde houver regra
de densidade normativa absoluta, não há que se falar em espaço para integração,
ao menos na dimensão que parte minoritária da doutrina pretenda27.
O que se pode e deve avaliar, em cada caso, é a correção e a legitimidade
dos instrumentos utilizados para a avaliação do negócio e, consequentemente,
do ágio, bem como os critérios para a sua aferição. Aliás, não há como se
negar que, se a lei contábil traz conceito novo, de valor justo, como forma de
avaliação de ativos e passivos, nada impede, ao contrario, impõe-se que estes
sejam utilizadas nos estudos e laudos que suportem o sobrevalor pago por
determinada participação societária28.

O Tratamento Fiscal do Ágio Antes da Lei Nº


9.532/97:
Em sua redação original, o artigo 25 do Decreto-Lei nº 1.598/7729, já
determinava, como regra geral, a neutralidade fiscal da amortização do ágio

27 Vide, nesse diapasão, a nota nº 21.


28 João Dacio Rolim e Cristiano Viotti já escreveram que “A relativa autonomia da norma tributaria,
nesse caso, assim como a aplicação pura e simples da norma geral de neutralidade não permitem
que se mantenha a apuração do ágio como se a nova sistemática societária-contábil não estivesse
em vigor. Isto porque a norma fiscal anterior era aberta no sentido do ágio ter fundamento
econômico de rentabilidade futura, sem especificar os critérios econômicos para a sua apuração.
Se estes critérios econômicos vieram à tona com mais clareza, e desde que razoáveis, então eles
podem prevalecer.” In: A Autonomia Relativa das Normas Tributárias em Face das Alterações dos
Métodos e Critérios Contábeis pela Lei 11.638/07 – Teste de Compatibilidade Sobre as Normas
de Amortização e Dedução Fiscal do Ágio Fundamentado em Rentabilidade Futura (Goodwill),
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo:
2010, p. 328.
29 “Art 25 - O ágio ou deságio na aquisição da participação, cujo fundamento tenha sido a diferença
entre o valor de mercado e o valor contábil dos bens do ativo da coligada ou controlada (art. 20,
§ 2º, letra a), deverá ser amortizado no exercício social em que os bens que o justificaram forem
baixados por alienação ou perecimento, ou nos exercícios sociais em que seu valor for realizado
por depreciação, amortização ou exaustão.
§ 1º - A contrapartida da amortização do ágio ou deságio nos termos deste artigo somente será
computada na determinação do lucro real pela diferença entre o montante da amortização e o
da participação do contribuinte:
a) no resultado realizado pela coligada ou controlada na alienação ou baixa dos bens do ativo
cujo valor tenha constituído o fundamento econômico do ágio ou deságio; ou

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 59

ou do deságio. Excepcionava-se, apenas: (i) a diferença entre o produto da


amortização do ágio ou deságio fundamentado em mais-valia de ativos e a
participação do investidor no resultado da alienação do ativo correspondente
ou na sua realização por depreciação, amortização ou exaustão; e (ii) o computo
do valor do ágio ou deságio no valor contábil do bem, para fins de apuração
de ganho ou perda de capital na alienação do investimento (artigo 3330, do
mesmo diploma legal).
O Decreto-Lei nº 1.730/79 conferiu nova redação31 ao artigo 25, do
Decreto-Lei nº 1.598/77, para manter como exceção a neutralidade fiscal da
amortização contábil do ágio ou deságio apenas a composição do valor contábil
do investimento como parâmetro para apuração de ganho ou perda de capital
na alienação de participações societárias.
Todavia, na hipótese de incorporação de sociedade adquirida com ágio,
com avaliação do acervo absorvido pelo investidor com base em seu valor de

b) no valor realizado pela coligada ou controlada na depreciação, amortização ou exaustão desses


bens.
§ 2º - As contrapartidas da amortização de ágio ou deságio com os fundamentos das letras b e c
de § 2º de artigo 20 não serão computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto
no artigo 33.”
30 “Art 33 - O valor contábil, para efeito de determinar o ganho ou perda de capital na alienação ou
liquidação do investimento em coligada ou controlada avaliado pelo valor de patrimônio líquido
(art. 20), será a soma algébrica dos seguintes valores:
I - valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade do
contribuinte;
II - ágio ou deságio na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na escrituração
comercial do contribuinte, excluídos os computados, nos exercícios financeiros de 1979 e 1980,
na determinação do lucro real. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979);
III - ágio ou deságio na aquisição do investimento com fundamento nas letras b e c do § 2º do
artigo 20, ainda que tenha sido amortizado na escrituração comercial do contribuinte; (Revogado
pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)
IV - provisão para perdas (art. 32) que tiver sido computada na determinação do lucro real.
§ 1º - Os valores de que tratam os itens II a IV serão corrigidos monetariamente.
§ 2º - Serão computados na determinação do lucro real:
a) como ganho de capital, o acréscimo do valor de patrimônio líquido decorrente de aumento na
porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, resultante
de modificação do capital social desta com diluição da participação dos demais sócios;
b) como perda de capital, a diminuição do valor de patrimônio líquido decorrente de redução na
porcentagem da participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, em virtude
de modificação no capital social desta com diluição da participação do contribuinte.
§ 2º - Não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor
de patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda de capital por variação
na porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada.
(Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.648, de 1978).”
31 “Art. 25 - As contrapartidas da amortização do ágio ou deságio de que trata o artigo 20 não serão
computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto no artigo 33.”

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60 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

mercado, o artigo 34, do Decreto-Lei nº 1598/7732, garantia a dedutibilidade


da diferença negativa entre o resultado da avaliação e o valor contábil do
investimento apurado em conformidade com o artigo 33, do mesmo diploma
legal, como perda de capital.
Como se vê, aquela altura, a despeito do tratamento uniforme dispensado pelo
artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77, com a redação que lhe foi conferida pelo
Decreto-Lei nº 1.730/79, apenas a escrituração de ágio ou deságio fundamentados
em valor de mercado de ativos ou rentabilidade futura demandava a elaboração de
laudos que lhe desse suporte (art. 20, § 3º, do DL nº 1.598/77).
Vê-se, pois, que, como bem observaram Ricardo Mariz de Oliveira e João
Francisco Bianco33, até este momento a fundamentação do ágio em expectativa
de rentabilidade futura ou fundo de comércio, intangíveis e outras razões
econômicas não gerava maiores controvérsias entre o Fisco e os Contribuintes,
eis que uniformes os efeitos fiscais daí decorrentes:
“Até o advento da Lei nº 9.532 a exigência legal de identificar a causa
econômica dos ágios e deságios não trazia controvérsias entre o fisco e
os contribuintes, uma vez que, qualquer que fosse a causa, não variava
o tratamento perante o lucro tributável pelo imposto de renda e pela
contribuição social sobre o lucro.”

32 “Art 34 - Na fusão, incorporação ou cisão de sociedades com extinção de ações ou quotas de


capital de uma possuída por outra, a diferença entre o valor contábil das ações ou quotas extintas
e o valor de acervo líquido que as substituir será computado na determinação do lucro real de
acordo com as seguintes normas:
I - somente será dedutível como perda de capital a diferença entre o valor contábil e o valor de
acervo líquido avaliado a preços de mercado, e o contribuinte poderá, para efeito de determinar o
lucro real, optar pelo tratamento da diferença como ativo diferido, amortizável no prazo máximo
de 10 anos;
II - será computado como ganho de capital o valor pelo qual tiver sido recebido o acervo líquido
que exceder o valor contábil das ações ou quotas extintas, mas o contribuinte poderá, observado
o disposto nos §§ 1º e 2º, diferir a tributação sobre a parte do ganho de capital em bens do ativo
permanente, até que esse seja realizado.
§ 1º O contribuinte somente poderá diferir a tributação da parte do ganho de capital correspondente
a bens do ativo permanente se:
a) discriminar os bens do acervo líquido recebido a que corresponder o ganho de capital diferido,
de modo a permitir a determinação do valor realizado em cada período-base; e
b) mantiver, no livro de que trata o item I do artigo 8º, conta de controle do ganho de capital ainda
não tributado, cujo saldo ficará sujeito a correção monetária anual, por ocasião do balanço, aos
mesmos coeficientes aplicados na correção do ativo permanente.
§ 2º O contribuinte deve computar no lucro real de cada período-base a parte do ganho de capital
realizada mediante alienação ou liquidação, ou através de quotas de depreciação, amortização
ou exaustão deduzidas como custo ou despesa operacional.”
33 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de e BIANCO João Francisco. In: Imposto de Renda Alterações
Fundamentais – 2º volume, São Paulo: Editora Dialética, 1998, p. 192.

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As Alterações Introduzidas pela Lei Nº 9.532/97:


Em 10 de dezembro de 1997, foi editada a Lei nº 9.532, que, em seus
artigos 7º e 8º, trouxe relevantes alterações do regime tributário aplicável ao
ágio decorrente da aquisição de participações societárias, nas hipóteses que
especifica. Veja-se:
“Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em
virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação
societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto
no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento
seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei
nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou
direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que
trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de
1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita
a amortização;
III34  – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja
o de que trata a alínea “b ” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei
nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de
lucro real, levantados em até dez anos-calendários subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos),
no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja
o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº
1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos),
no mínimo, para cada mês do período de apuração.

34 A redação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 foi alterada pela Lei nº 9.718/98:
“Art. 7º (...)
III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2,
do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no
máximo, para cada mês do período de apuração; (...)”

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62 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

§ 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem


ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de
depreciação, amortização ou exaustão.
§ 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido,
na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar:
a) o ágio, em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista
no inciso III;
b) o deságio, em conta de receita diferida, para amortização na forma
prevista no inciso IV.
§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput:
a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho
ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua
transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital;
b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades
da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de
comércio ou do intangível que lhe deu causa.
§ 4º Na hipótese da alínea “b” do parágrafo anterior, a posterior
utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará
a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos e
contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de
mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente.
§ 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições
a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta
do ativo, como custo do direito.”
“Art. 8º O disposto no artigo anterior aplica-se, inclusive, quando:
a) o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor de
patrimônio líquido;
b) a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha
a propriedade da participação societária.”
Como se vê, o artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, excepcionou da regra
geral veiculada pelo supratranscrito artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
as hipóteses em que o contribuinte promover a absorção do patrimônio de
sociedade na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou
deságio, em decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão.

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Nos casos em que o ágio ou o deságio apurados tenham sido determinados


com base em fundamento econômico consistente em expectativa de
“rentabilidade futura” do investimento (alínea “b ” do § 2º do art. 20 do
Decreto-Lei nº 1.598, de 1977), aquele que absorver o patrimônio de sociedade
na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, em
decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão, poderá amortizar os
referidos montantes à razão de 1/60 (um sessenta avos) por mês, a partir do
mês subsequente à data do evento. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que
se verifica a chamada incorporação reversa, por expressa determinação nesse
sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97).
Além de alterar de forma significativa a disciplina de aproveitamento do
ágio no âmbito de operações de reestruturação societária, a Lei nº 9.532/97
reforça a conclusão no sentido de que o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
não impõe uma ordem legal para a alocação do ágio decorrente de aquisição
de participações societárias. Explica-se:
Como é de conhecimento geral, a década de noventa foi marcada pelo
intenso processo de privatização de empresas estatais regulado pelo Programa
Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei nº 8.031/90 e alterado
pela Lei n º 9.491/97. Não por acaso, que, a Lei nº 9.532/97, ao alterar as
regras atinentes ao aproveitamento fiscal do ágio, teve por objetivo primordial
incentivar o referido processo, alavancando, por via de consequência, o ágio
obtido nos leilões de empresas estatais, sobretudo das concessionárias de serviços
públicos – carro-chefe do programa.
Corroborando tal assertiva, é de se transcrever trecho da justificativa do Projeto
de Lei nº 2.922/00, de autoria do Deputado Federal Valdemar Costa Neto, que
tinha por objetivo a revogação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97:
“Visa o presente projeto de lei revogar o inciso III do art. 7º da Lei
nº 9.532/97 por ser completamente absurdo o benefício fiscal que ela
concedeu às empresas vencedoras dos leilões de privatização de empresas
estatais. Ele autoriza a amortização do ágio pago com o fundamento
na rentabilidade futura da empresa adquirida a razão de 1/60 por mês,
prevendo um prazo máximo de 10 anos após a incorporação. (...)
Trata-se aqui, em suma, de combatermos a dedutibilidade no imposto
de renda dos valores pagos pela compra de empresas privatizadas, e,
para tanto, necessitamos desta revogação. (...)”

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64 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O Deputado Luiz Antonio Fleury, ao propor emenda ao referido projeto


de lei em questão, também é claro ao fazer referência à intenção da norma
veiculada no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97:
“Como se sabe, os processos de privatização de empresas estatais e
concessão dos serviços públicos têm justamente o objetivo de fortalecer
a economia, transferindo aos particulares o controle e a administração
de companhias estatais.
Desta forma, andou bem o Estado ao promover a privatização de
suas empresas, visando justamente incrementar a situação financeira-
econômica do país. Inclusive, a forma de contabilização atualmente
prevista no inciso III do art. 7o da Lei n.º 9.532, de 10 de dezembro
de 1997, representou um incentivo para que as empresas privadas
participassem dos programas de desestatização.
Neste sentido, podemos até dizer que um dos principais incentivos
apresentados pelos processos de privatização está inserido na seara
fiscal, eis a razão pela qual o benefício fiscal do inciso III do Art. 7o
da Lei nº 9.532, de 1997, se faz necessário.”
Ricardo Mariz de Oliveira35 também já se manifestou no sentido de que as
regras insertas nos artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, foram editadas com o
claro objetivo de favorecer as privatizações levadas a efeito no âmbito do PND:
“Portanto, essa norma de concessão do direito à dedução fiscal da amortização
é uma norma excepcional, baseada em motivações extra-tributárias de (1)
conveniência da política fiscal no sentido de favorecer as privatizações, à época
promulgação da Lei nº. 9532, e também de (2) justiça econômica contida na
amortização do ágio pago na aquisição do negócio, paulatinamente à geração
dos lucros que tenham dado lastro a ele, eis que estes são sujeitos à tributação
quando surgidos. Este último dado é que justifica a extensão da norma a
quaisquer aquisições, mesmo às feitas fora do programa de privatizações que
estava em andamento na data da Lei n. 9532.”
Em recentíssimo precedente, a seguir comentado com mais detalhes, o
Conselho Administrativo de Recursos Fiscal (CARF) ratificou esse entendimento,
conforme se pode aduzir de trecho extraído da ementa do Acórdão nº 1402-00.342:

35 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. In: Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Editora Quartier
Latin, 2008, p. 770.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 65

“A legislação fiscal editada no contexto de incentivo às privatizações


e que permaneceu em vigor nos períodos objeto de autuação não
condicionou a dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva
apuração de lucro (...)” [Grifos nossos]
Assentada a premissa, a conclusão é quase que intuitiva: ágio pago na
aquisição de uma participação societária, por vezes, pode ser qualificável em
mais de um dos fundamentos indicados no § 2º, do artigo 20, do Decreto-
Lei nº 1.598/77, cabendo ao adquirente indicar aquele que efetivamente o
motivou, com suporte em demonstrativos elaborados em cumprimento ao §
3º, do mesmo dispositivo legal.
Ora, se o ágio pago nos leilões de privatização das concessionárias de
serviços públicos – carro-chefe do PND – não atribuível à mais-valia de
ativos registrados contabilmente tivesse que, necessariamente, ser alocado no
fundamento da alínea “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77
(intangíveis), em razão dos contratos de concessão respectivos, a Lei nº 9.532/97
jamais teria alcançado o seu objetivo extrafiscal.
Essa, contudo, não é a realidade dos fatos. Como bem destacou o então
Presidente da Telebras36, o Sr. Ronaldo Rangel de Albuquerque, o leilão de
privatização das concessionárias de telecomunicações, por exemplo, foi um
negócio significativo para União Federal, eis que atingido ágio de mais de 63%
em relação ao preço mínimo fixado pelo Governo. Veja-se:
“A privatização das 12 controladoras regionais, por intermédio
de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro realizado em 29
de julho de 1998, foi considerado um negócio significativo para
a União Federal, na medida que o preço de venda alcançou R$
22,057 bilhões, representando um ágio de 63,74% em relação ao
preço mínimo fixado pelo Governo, que era de R$ 13,470 bilhões.
O objeto da alienação, via leilão em bolsa, foi constituído de
ações ordinárias, representativas dos 19,26% correspondentes à
participação acionária da União Federal no capital social de cada
uma das 12 Companhias criadas como conseqüência da cisão parcial
da TELEBRAS.” (Mensagem do Presidente da Telebras) [sic].

36 Parte integrante do Relatório da Administração da Telebrás para o ano de 1998, disponível em


www.telebras.com.br.

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66 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

É certo que o leilão das concessionárias atingiu considerável ágio em


relação ao preço mínimo fixado por conta da regra fiscal em comento, que
permitiu a amortização deste ágio, nas hipóteses referidas nos artigos 7º e 8º,
da Lei nº 9.532/97. Assim é que, como já referido, havendo hierarquia entre
os fundamentos elencados pelo artigo 20, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
que obrigasse o reconhecimento desse ágio como decorrente da aquisição de
um intangível (contrato de concessão), a par da expectativa de rentabilidade
projetada para a concessionária arrematada, certamente o resultado do
PND, ao menos no caso das operadoras de serviços de telecomunicações,
não teria sido tão expressivo.
Tampouco haveria a necessidade de se pretender a revogação do inciso
III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, para, com isso, obstar os efeitos fiscais
nele preconizados – como, de fato, pretendeu-se por meio do Projeto de Lei
nº 2.922/00 –, na medida em que, não raro, o ágio pago na aquisição de um
investimento pode ter fundamento em perspectiva de rentabilidade futura
de elementos patrimoniais não registrados na contabilidade da sociedade
adquirida (por exemplo, carteiras de clientes, marcas, patentes e outros itens
teoricamente identificáveis como intangíveis). Bastaria ao Fisco invocar a
pretensa hierarquia para alterar a fundamentação do ágio.
Essa, contudo, não é a realidade!
Pois bem. As regras fiscais que regulam a apuração e o aproveitamento
do ágio encontram-se consolidadas no artigo 385 e seguintes do Regulamento
do Imposto e Renda para 1999 e refletem as disposições constantes dos
artigos 20, 25, 33 e 34, do Decreto-Lei nº 1.598/77, e 7º e 8º, da Lei nº
9.532/95, já comentados no corpo do presente estudo.
Em suma, das regras e considerações acima expostos, podemos concluir,
com relação à mensuração inicial e tratamento fiscal do ágio pago na aquisição
de participações societárias, o seguinte:
(i) Apuração do Ágio:
(i.1) o ágio corresponde à diferença positiva entre o valor pago e o valor do
patrimônio líquido contábil atribuível à participação adquirida, nos
termos dos incisos I e II, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77;
(i.2) o ágio apurado em conformidade com o item (i.1), acima, deve estar
fundamentado com base nas razões econômicas indicadas nas alíneas
“a”, “b” e/ou “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, a

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 67

saber: (a) mais-valia de ativos; (b) rentabilidade futura; e (c) fundo


de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas;
(i.3) não há hierarquia entre os fundamentos econômicos indicados
no § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, de modo que
o ágio pago na aquisição de uma participação societária pode
ser qualificável em mais de um desses fundamentos, cabendo
ao adquirente indicar aquele que efetivamente o motivou, desde
que suportado documentalmente.
(ii) Aproveitamento Fiscal do Ágio:
(ii.1) via de regra, a amortização do ágio não deve ser computada
para fins de apuração do lucro real, nos termos do artigo 25,
do Decreto-Lei nº 1.598/77.
(ii.2) no caso de alienação do investimento, o ágio, ainda que
amortizado, deve compor o valor contábil do investimento para
efeito de cômputo de ganho ou perda de capital, nos termos
do artigo 33 do mesmo Decreto-Lei;
(ii.3) nos termos do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, o
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura poderá ser
amortizado à razão de, no máximo, 1/60 (um sessenta avos)
por mês, a partir do mês subsequente à data em que houver
incorporação, fusão ou cisão, de sociedade adquirida com
ágio. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que se verifica
a chamada incorporação reversa, por expressa determinação
nesse sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97).

Critérios Fiscais X Critérios Contábeis:


Como demonstrado, as novas regras contábeis atinentes à apuração do
ágio, notadamente aquelas veiculadas pelo CPC 15, distanciam-se de forma
vante das regras fiscais aplicáveis. De fato, o ágio qualificado nas hipóteses das
alíneas “a” e “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (mais-valia de ativos e
fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas), passam a compor,
para a contabilidade societária, o valor do investimento, subsistindo, para esse
mesmo fim, o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura37(p.seg.).

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68 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O próprio montante registrado como goodwill no intangível do adquirente,


em atenção às disposições do CPC 15, pode sofrer relevantes alterações (para
mais ou para menos) em comparação à regra de mensuração a que alude a
legislação tributária (artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77). Nada disso,
contudo, como já se disse, com consequências fiscais. Explica-se:

Da Prevalência das Normas de Natureza


Tributária Vigentes:
A apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as empresas
tributadas com base no lucro real, tem como ponto de partida o resultado
contábil. Todavia, é fato que os conceitos de lucro real e de lucro contábil não são
coincidentes. O artigo 6º, do Decreto-Lei nº 1.598/77, é claro ao impor ajustes ao
resultado contábil (adições, exclusões e compensações prescritas pela legislação
tributária), para, com isso, permitir a valoração do lucro tributável. Veja-se:
“Art 6º – Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas
adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela
legislação tributária.”
Como se vê, a legislação tributária vale-se de institutos veiculados pela legislação
comercial (receita bruta, despesas operacionais, lucro líquido, etc.) para, no interesse da
arrecadação, atribuir-lhes efeitos fiscais próprios. Assim é que, por vezes, a legislação
tributária determina que seja conferido a determinado fato um tratamento diverso
daquele imposto pela legislação comercial. Muitos são os exemplos de regras
tributárias que afastam os conceitos de lucro contábil e de lucro real.
A observância da lei comercial em relação a determinado fato não impede
que a ele sejam atribuídos os efeitos fiscais próprios, conforme se extrai da
exposição de motivos do Decreto-Lei nº 1.598/77:
“A lei das sociedades por ações seguiu a orientação de manter
separação nítida entre a escrituração comercial e a fiscal, porque
as informações sobre a posição e os resultados financeiros das

37 De se notar que, ainda sob a égide da Instrução CVM nº 247/96, o ágio qualificável, para fins fiscais,
na alínea “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (fundo de comércio, intangíveis ou outras razões
econômicas), não mais subsistia para fins societários (art. 14, § 5º, da ICVM nº 247/96). Apenas
o ágio fundado em mais-valia de ativos ou rentabilidade futura, inclusive atrelada a contratos
de concessão, permissão ou direitos de exploração, poderia ser registrado e, consequentemente,
amortizado.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 69

sociedades são regulados na lei comercial com objetivos diversos dos


que orientam a legislação tributária, e a apuração dos resultados e
as demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial não devem
ser distorcidas em razão de conveniências da legislação tributária.”
Vale citar, nesse sentido, o disposto na alínea “a”, do § 3º, do artigo 6º, do
Decreto-Lei nº 1.598/7738, que permite seja conferido efeito próprio de uma
despesa a importâncias não computadas na determinação do lucro líquido, apurado
em observância à legislação comercial. A própria previsão da existência do Livro de
Apuração do Lucro Real (LALUR) corrobora a conclusão que se pretende chegar
(artigo 8º39, do Decreto-Lei nº 1.598/77).
Uma despesa tida por desnecessária nos termos da legislação tributária, por
exemplo, afetará o resultado contábil da empresa, reduzindo, com isso, o montante
passível de distribuição aos acionistas na forma de dividendos e de destinação a
reservas de lucros. Tal dispêndio, contudo, deverá ser neutro para efeito de apuração
do lucro real40 (artigo 299, do RIR/9941).
O mesmo se pode dizer dos bens sujeitos à depreciação acelerada
incentivada, cujo efeito para fins de apuração dos tributos incidentes sobre o

38 “Art. 6º (...)
§ 3º - Na determinação do lucro real poderão ser excluídos do lucro líquido do exercício:
a) os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não tenham sido
computados na apuração do lucro líquido do exercício;
b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro
líquido que, de acordo com a legislação tributária, não sejam computados no lucro real;
c) os prejuízos de exercícios anteriores, observado o disposto no artigo 64.”
39 “Art 8º - O contribuinte deverá escriturar, além dos demais registros requeridos pelas leis comerciais
e pela legislação tributária, os seguintes livros:
I - de apuração de lucro real, no qual:
a) serão lançados os ajustes do lucro líquido do exercício, de que tratam os §§ 2º e 3º do artigo 6º;
b) será transcrita a demonstração do lucro real (§ 1º);
c) serão mantidos os registros de controle de prejuízos a compensar em exercícios subseqüentes
(art. 64), de depreciação acelerada, de exaustão mineral com base na receita bruta, de exclusão
por investimento das pessoas jurídicas que explorem atividades agrícolas ou pastoris e de outros
valores que devam influenciar a determinação do lucro real de exercício futuro e não constem
de escrituração comercial (§ 2º).”
40 Não há regra análoga que regule a dedutibilidade de despesas tidas por desnecessárias para fins
de apuração da base cálculo da CSLL.
41 “Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da
empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47).
§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações
exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º).
§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações
ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º).
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual
for a designação que tiverem.”

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70 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

lucro concentra-se no período atribuído pela norma tributária, a par de sua


regular realização contábil com base em sua vida útil econômica.
Talvez o mais emblemático dos exemplos seja o da amortização do ágio
fundado em perspectiva de rentabilidade futura, apurado em uma operação que
envolva a aquisição de uma concessionária ou permissionária de serviço público:
Como visto, de um lado, a norma societária vigente antes da edição do
CPC 15 (ICVM nº 247/96), determinava que o ágio atribuído a concessões,
permissões ou direitos de exploração deveria ser amortizado no prazo outorgado
pelo poder concedente. De outro, a norma tributária (Lei nº 9.532/07)
determinava (e ainda determina) o aproveitamento fiscal desse ágio em período
não inferior a 60 (sessenta) meses.
Como não poderia deixar de ser, o Conselho Administrativo de Recursos
Fiscal já teve a oportunidade de ratificar o entendimento aqui exposto, no
sentido de que as normas comerciais não se prestam a produzir efeitos fiscais.
O Acórdão nº 140.200.342, prolatado em processo de interesse de Diagnóstico
da América S/A, tem como pano de fundo justamente o pretenso conflito entre
a ICVM nº 247/96 e a Lei nº 9.532/97:
“LUCRO REAL. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE
ÁGIO. EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA.
Reconhece-se que o ilícito fiscal limita-se à desconsideração
da natureza jurídica do fundamento econômico do ágio e que
a demonstração arquivada como comprovante do fundamento
econômico do ágio, traduz a avaliação dos ativos, pela expectativa
de rentabilidade futura.
LUCRO REAL. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO.
CONDIÇÃO DE EFETIVIDADE DO LUCRO. A legislação fiscal
editada no contexto de incentivo às privatizações e que permaneceu
em vigor nos períodos objeto da autuação não condicionou a
dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva apuração de lucro, e
nem estabeleceu prazo para a geração de lucros. A Instrução CVM
247/96 alterada pela 285/98 não pode ser aplicada para efeitos fiscais.”
(Acórdão nº 140.200.342, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária do CARF,
julgado em 15.12,2010) [Grifo nosso]
Ainda mais contundente é o voto condutor do Acórdão de nº 1101-00.354,
da lavra do Conselheiro José Ricardo da Silva, que deu provimento ao recurso
voluntário interposto pela Vivo S/A. Veja-se:

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 71

“(...) a citada instrução CVM foi editada tão somente para a normatização
dos procedimentos contábeis das sociedades de capital aberto, sem
qualquer efeito para as empresas de capital fechado e muito menos, sem
competência para alterar as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que
somente é factível com a edição de lei.
É importante destacar que as instruções emanadas pela CVM são atos
administrativos, portanto, infralegais, que não geram quaisquer efeitos
fiscais, visto que têm por objeto a regulação das normas contábeis e são
endereçadas as companhias de capital aberto. (...)
Não vejo nenhum empecilho para as empresas sujeitas as
determinações da CVM em atenderem aos dois dispositivos (a
instrução CVM e a norma legal), visto que no caso da instrução,
para fins de apuração do lucro contábil, não existe um prazo pré-
estabelecido para a amortização do ágio, visto que o mesmo fica
vinculado ao prazo da concessão, enquanto que a lei fiscal prevê
a amortização em 60 meses, independentemente do prazo de
concessão.
Com isso, fica bem claro que as determinações emanadas pela CVM não
possuem qualquer cunho tributário, visto que objetivam regular o mercado
de ações e, em especial a relação dos investidores com as empresas.” [sic]
E, também, em diversas outras oportunidades, o extinto Conselho de
Contribuintes do Ministério da Fazenda julgou no sentido de afastar alegados
efeitos fiscais de normas contábeis. Tal é o caso das normas editadas pelo Banco
Central para regular a contabilidade de instituições financeiras:
“IRPJ – CUSTOS/DESPESAS OPERACIONAIS E ENCARGOS
– PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQUIDAÇÃO
DUVIDOSA – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Nos anos-
calendário de 1995 e 1996 vigorava o artigo 43 e seus §§ da Medida
Provisória n° 812/94, convertida em Lei n° 8.981/95. A Resolução n°
1.748/90 do Banco Central do Brasil dizia respeito apenas aos aspectos
contábeis e estatísticos das instituições financeiras, sem qualquer efeito
na determinação do lucro real.” (Acórdão nº 101-93.519, 1ª Câmara
do 1º Conselho de Contribuintes, Conselheira Relatora Sandra Maria
Faroni, julgado em 11.10.2001)
Em que pese, como visto, não estarmos diante de uma discussão nova, a
mesma aparente antinomia normativa tem sido discutida por conta da edição

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72 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

do CPC 15. A pretensa antinomia já existia mesmo antes da edição do referido


ato normativo, mas agora possui um espectro mais amplo por atingir, não apenas o
prazo de amortização do ágio (agora sujeito, apenas, a testes de imparidade), mas a
sua própria apuração. Não há, contudo, qualquer antinomia, na medida em que as
normas – fiscal e comercial, possuem objetivos marcadamente distintos, devendo
o intérprete integrá-las de modo a conformar seus âmbitos de aplicação.
Não se pode, pois, cogitar a derrogação por parte da Lei nº 11.638/07 de
quaisquer disposições veiculadas na legislação tributária. Essa é a conclusão
que se chega a partir da análise do disposto no artigo 2º, da Lei de Introdução
ao Código Civil (LICC):
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência.”
Atendo-se à regra constante do § 1º do dispositivo legal supratranscrito,
vê-se que a lei posterior só revoga a lei anterior em três hipóteses, a saber: (i)
quando expressamente o declare; (ii) quando com ela seja incompatível; ou (iii)
quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.
Pois bem. No caso sob análise, a lei nova (Lei nº 11.638/07) não revogou
expressamente as disposições constantes da legislação tributária. Não há que se
falar, também, em incompatibilidade, na medida em que, como demonstrado, a
lei comercial e a lei fiscal prestam-se a objetivos distintos, devendo sua aplicação
ater-se ao campo que lhes é dado regular.
Tampouco a Lei nº 11.638/07 regulou integralmente a matéria, na
medida em que em seu âmbito de aplicação não estão inseridos os efeitos fiscais
decorrentes das alterações orientadas a permitir a harmonização das práticas
contábeis brasileiras (BRGAAP) aquelas observadas internacionalmente
(IFRS). Tanto é que, como se verá, a Lei nº 11.941/09 é expressa ao afirmar
que o Regime Tributário de Transição “vigerá até a entrada em vigor de lei que

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 73

discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando


a neutralidade tributária” (artigo 15, § 1º, da Lei nº 11.941/09).
Se isso já não fosse suficiente, a regra veiculada no § 2, do artigo 2º, da
LICC, é ainda mais contundente na hipótese sob estudo. Isso porque, como
visto, a Lei nº 11.638/07, alterou a Lei nº 6.404/76 no que concerne às regras
contábeis de observância obrigatória por sociedades anônimas e as consideradas
de grande porte42. A legislação tributária, noutro giro, tem por objetivo regular
os fatos que fazem nascer a obrigação de pagar determinado tributo, fornecendo
ao destinatário as normas que lhe permitirão quantificá-lo.
Ora, não se pode negar que estamos diante de leis especiais que se
destinam a regular matérias eminentemente distintas. Não é crível conceber a
revogação de uma lei especial por outra de igual natureza que venha a dispor
sobre questão diversa.
Ainda que os obstáculos acima relatados – de todo intransponíveis –
pudessem ser superados, no caso das disposições atinentes à mensuração inicial
e a amortização do ágio, um último argumento ainda subsiste: o da afronta ao
princípio da legalidade.
Como se sabe, o CPC 15, a par de sua inegável força normativa atribuída
pelos agentes reguladores que o aprovaram, não possui força de lei. Tais normas
revelam-se meros atos administrativos, não constituindo meio idôneo a impor a
majoração de tributos, sob pena de afronta ao disposto no artigo 150, inciso I43,
da Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente a reserva absoluta
de lei formal para a definição dos elementos indicadores da obrigação tributária
(fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo e alíquota).
Assim, pode-se concluir que, diante da inexistência de lei que imponha ao
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura tratamento fiscal diverso
daquele que se extrai da conjugação das disposições dos artigos 20, do Decreto-
Lei nº 1.598/77 e 7º, da Lei nº 9.532/07, qualquer exigência fiscal nesse sentido

42 Nos termos do § único, do artigo 3º, da Lei nº 11.638/07. “considera-se de grande porte, (...) a
sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior,
ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta
anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).”
43 “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)”

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74 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

está coberta pelo manto da inconstitucionalidade, por violação ao princípio da


legalidade, como inclusive já for reconhecido pelos tribunais administrativos44
e pela própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional45
Diante desses argumentos, a outra conclusão não se chega senão à de
que as regras de mensuração do ágio fundado em perspectiva de rentabilidade
futura (goodwill) veiculadas pelo CPC 15, aprovadas pela Resolução CVM nº
580/09, têm seu escopo de incidência limitado à apuração do lucro contábil e
à elaboração das demonstrações financeiras elaboradas após uma combinação
de negócios. Os efeitos fiscais da aquisição de uma participação societária com
ágio permanecem regulados pelo Decreto-Lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/97,
face à sua inegável vigência.
Em conclusão, as normas tributárias vigentes adotam dois conceitos chave
para a identificação do ágio ou deságio, quais sejam, os conceitos de “patrimônio
liquido” e “custo de aquisição de investimento”. Ali onde houver diferença entre
os mesmo, haverá ágio ou deságio.
O ponto a ser realçado é justamente este. A regra inserta no enunciado
do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 não foi editada, como entende parte da
doutrina, para estabelecer mero limite temporal para a dedutibilidade de uma
despesa registrada na contabilidade comercial46. Ela foi editada para estimular o
pagamento de preço maior que o patrimônio líquido contábil do investimento
adquirido, no âmbito do PND.

44 “IRPJ - PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - LIMITE PARA O INCENTIVO -


Atos administrativos regulamentares limitando o custo individual máximo de refeição. Ofensa ao
princípio da legalidade. Recurso provido.” (Acórdão nº 103-22.459, 3ª Câmara do 1º Conselho
de Contribuintes, Conselheiro Relator Marcio Machado Caldeira, julgado em 25.05.2006)
45 A própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, após inúmeras derrotas em âmbito judicial,
editou ato declaratório, com força vinculante (o Ato Declaratório 13/08, c/c artigo 19, §§ 4º e
5º, da Lei nº 10.522/02), dispensando a interposição de recursos em casos em que se discutia
justamente a inconstitucionalidade e a ilegalidade de atos infralegais que extrapolaram o conteúdo
da Lei nº 6.321/76.
46 Vide, nesse sentido, Gustavo Brigagão e Carlos Scharfstein: ”4.8. A nosso ver, os dispositivos em
análise apenas autorizam (obedecidas certas condições, como a observância de limites máximos)
a dedutibilidade de uma despesa registrada na contabilidade, ou seja, a legislação fiscal tão
somente disciplina as consequências fiscais atribuíveis a um evento registrado na escrituração
comercial das pessoas jurídicas. Assim, sem o prévio registro contábil da despesa, não há que se
admitir seu efeito para fins fiscais como se tivesse ocorrido.” In: Aproveitamento Fiscal de Ágio
Fundamentado em Perspectivas de Rentabilidade Futura Após o Advento das Leis nºs 11.638/07
e 11.941/09, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora
Quartier Latin, 2010, pp. 258/259.

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E, nesse sentido, é digno de registro que o conceito de patrimônio


líquido contábil, conceito contábil de que se valeu o legislador tributário,
ainda exista47, a par da necessidade de se avaliar o negócio adquirido pelo
seu valor justo. Os ajustes que a norma contábil impuseram na representação
da contabilidade comercial visaram, como se disse, melhor demonstração,
para o mercado, do valor do negócio adquirido e dos efeitos societários
daí decorrentes (apuração de um ganho por uma compra vantajosa, por
exemplo).
As regras de mensuração e realização (agora por meio de testes de imparidade)
do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura editadas pelo Comitê de
Pronunciamentos Contábeis, são, assim, atinentes à apuração e demonstração do
resultado contábil e divulgação e publicação de demonstrações financeiras.
Obviamente, como se apontou anteriormente, a demonstração com a
qual o contribuinte comprovará o fundamento do seu ágio, nos termos do §
3o, do artigo 20o, do Decreto-Lei nº 1598/77, pode, e é de todo recomendável,
ser aderente aos novos critérios contábeis de identificação e avaliação de
resultados futuros de um negócio.
Isto, contudo, não significa dizer que a contabilização de determinado
item que, sob a égide da legislação tributária, possa sustentar a apuração de

47
O conceito de patrimônio líquido não sofreu alterações relevantes, conforme se constata da
comparação entre as definições veiculadas pela Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00” - regra
nova) e pela NBC T 3.2 (regra antiga):
Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00”)
“Posição Patrimonial e Financeira
49. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração da posição patrimonial financeira
são ativos, passivos e patrimônio líquido. Estes são definidos como segue:
(a) Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual
se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade;
(b) Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação
se espera que resulte em saída de recursos capazes de gerar benefícios econômicos;
(c) Patrimônio Líquido é o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos os
seus passivos.” [Grifos nossos]
O NBC T 3.2
“3.2.2 – Conteúdo e Estrutura
3.2.2.1 – O balanço patrimonial é constituído pelo ativo, pelo passivo e pelo Patrimônio Líquido.
a) O ativo compreende as aplicações de recursos representadas por bens e direitos;
b) O passivo compreende as origens de recursos representadas por obrigações;
c) O Patrimônio Líquido compreende os recursos próprios da Entidade, ou seja, a diferença a
maior do ativo sobre o passivo. Na hipótese do passivo superar o ativo, a diferença denomina--se
“Passivo a Descoberto” [Grifos nossos]

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76 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ágio fundado em rentabilidade futura, em linha de investimento da adquirente


por força dos ditames do CPC 15 (contratos de concessão, por exemplo), tem
por efeito impedir o seu aproveitamento fiscal.
De fato, o ágio fundado em rentabilidade futura a ser aproveitado fiscalmente,
para produzir seus efeitos quanto à apuração do lucro tributável, não precisa
necessariamente coincidir com o goodwill registrado no intangível do adquirente.
Como bem apontado por Jimir Doniak Jr.48, “não é impeditivo no registro de
um montante de ágio fundamentado na rentabilidade futura superior ao registrado
na contabilidade”, sendo certo que “ocorrendo uma incorporação, a integralidade
do ágio por expectativa de lucros futuros registrado para efeitos fiscais poderá ser
amortizada na apuração do lucro real, nos termos da legislação tributária”.
E arremata, em nota de rodapé:
“É possível concluir que a própria CVM tem a mesma opinião (assim
como o CPC), com base no item B64 do Pronunciamento CPC 15.
Determina-se que o adquirente deve divulgar várias informações da
operação de combinação de negócios. Entre elas consta ‘(k) o valor
total do ágio por rentabilidade futura (goodwill) que se espera que seja
dedutível para fins fiscais; (...)’. Ora, se é necessário divulgar tal valor, é
porque ele não é o mesmo daquele do ágio por rentabilidade (goodwill)
divulgado na contabilidade. Sendo assim, a CVM e o CPC parecem
reconhecer a possibilidade de montantes distintos para a apuração
contábil e para a apuração fiscal. O Pronunciamento Técnico CPC nº
32 (...) leva à mesma conclusão, pois faz referência à possibilidade de
valores distintos, cogitando especificamente da possibilidade de o ágio
por rentabilidade futura ser inferior ao fiscal: ‘32A Se o valor contábil
do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) que
surgir de uma combinação de negócios for menor do que a sua base
fiscal, a diferença dá margem a um ativo fiscal diferido.’ (...)”

O Regime Tributário de Transição:


Por fim, entendemos relevante ressaltar que a Lei nº 11.638/07 teve
como objetivo não alterar normas de tributação, mas eliminar entraves legais ao
processo de harmonização das normas contábeis brasileiras àquelas observadas

48 Op. Cit. pp. 310/311.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 77

internacionalmente. Nesse sentido, o legislador optou por fazer referência expressa


à neutralidade fiscal dos ajustes de harmonização, conforme se extrai da leitura
do § 7º, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, inserido pela Lei nº 11.638/07:
“Art. 177 (...)
§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização
de normas contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações
e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de
impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.”
A despeito da clareza do dispositivo legal em questão, o qual, a nosso ver,
apenas positivava conclusão que, como visto no tópico anterior, pode ser extraída
do próprio sistema legal-tributário em vigor, as alterações promovidas pela Lei
nº 11.638/07 despertaram insegurança em muitos contribuintes.
Tal insegurança jurídica motivou a instituição de um Regime Tributário
de Transição, inicialmente previsto na Medida Provisória nº 449/08, convertida
na Lei nº 11.941/09. É o que se extrai da leitura de sua exposição de motivos:
“8. A Lei nº 11.638, de 2007, foi publicada no Diário Oficial da União
de 28 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro
de 2008, sem a adequação concomitante da legislação tributária.
Esta breve vacatio legis e a alta complexidade dos novos métodos e
critérios contábeis instituídos pelo referido diploma legal – muitos
deles ainda não regulamentados – têm causado insegurança jurídica
aos contribuintes. Assim, faz-se mister a adoção do RTT, conforme
definido nos arts. 15 a 22 desta Medida Provisória, para neutralizar
os efeitos tributários e remover a insegurança jurídica.
9. O processo de harmonização das normas contábeis nacionais com os
padrões internacionais de contabilidade – objetivo maior da Lei nº 11.638,
de 2007 – deve prolongar-se pelos próximos anos, razão pela qual, há
necessidade de que o RTT não seja aplicável apenas no ano de 2008, mas
também no ano de 2009, e, se necessário, nos anos subseqüentes, quando,
então, ao se descortinar o novo padrão da contabilidade empresarial a ser
adotado no País, possa-se regular definitivamente o modo e a intensidade
de integração da legislação tributária com os novos métodos e critérios
internacionais de contabilidade. Nesse contexto, o § 1º do art. 15 da
proposição em tela prevê a aplicação do RTT até que seja editada lei
regulando definitivamente os efeitos tributários das mudanças nos
critérios contábeis, a qual pretende-se que seja neutra, ou seja, que não
afete a carga tributária.” [Grifo nosso]

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78 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O artigo 16, da Lei nº 11.941/09 é claro no sentido de que o contribuinte


deve apurar o lucro real e as bases de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS
em conformidade com as regras vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07
(1o de janeiro de 2008), precedendo os ajustes fiscais necessários por meio
das obrigações acessórias competentes, nos termos do artigo 17, do mesmo
diploma legal49.
“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas
na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei
no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de

49 “Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que conduzam ou incentivem a utilização
de métodos ou critérios contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e dos arts.
37 e 38 desta Lei, e pelas normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base na
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e demais
órgãos reguladores, a pessoa jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento:
I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para
apurar o resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput
do art. 187 dessa Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do mesmo
artigo, com a adoção: 
a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos
arts. 37 e 38 desta Lei; e
b) das determinações constantes das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela sua observância; 
II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado nos termos do inciso I do
caput deste artigo, no Livro de Apuração do Lucro Real, inclusive com observância do disposto
no § 2º deste artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes
daqueles da legislação tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro
de 2007, nos termos do art. 16 desta Lei; e
III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real, de adição, exclusão e
compensação, prescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base de
cálculo do imposto. 
§ 1º Na hipótese de ajustes temporários do imposto, realizados na vigência do RTT e decorrentes
de fatos ocorridos nesse período, que impliquem ajustes em períodos subsequentes, permanece: 
I – a obrigação de adições relativas a exclusões temporárias; e 
II – a possibilidade de exclusões relativas a adições temporárias. 
§ 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas constantes deste Capítulo,
fica dispensada de realizar, em sua escrituração comercial, qualquer procedimento contábil
determinado pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais ou de resultado
quando em desacordo com:
I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, alterada
pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou
II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no uso da competência conferida
pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos
reguladores.”

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apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser


considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem
a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de
contabilidade.”
Como resultado, ainda que as alterações promovidas na legislação societária
pudessem produzir efeitos tributários, o que só se admite para fins de argumentação,
o Regime Tributário de Transição garantiria a aplicação do mesmo tratamento
fiscal vigente em 31.12.2007, seja no que se refere à mensuração do ágio (artigo
20, do Decreto-Lei nº 1.598/77), seja no que se refere à sua dedutibilidade após
os eventos indicados no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97.
Em igual sentido, Natanael Martins e Daniele Souto Rodrigues 50 
consignaram o seguinte: “ainda que em razão das novas regras contábeis em
curso o ágio venha a ter tratamento diverso do que até então vigente em 31 de
dezembro de 2007, seja pela impossibilidade futura de sua amortização, seja pela
eventual necessidade de sua segmentação em ativos intangíveis identificáveis,
de maneira que apenas o valor residual seja atribuível a ágio de rentabilidade
futura (goodwill), não há que se falar em alteração do tratamento fiscal da
amortização do ágio formado segundo as antigas práticas contábeis.”
E não poderia ser diferente. O Regime de Transição, em verdade, reflete a
preocupação que se tinha, na produção da norma que viesse a alterar conceitos
contábeis e societários. Porém, a verdade é que a regra tributária, como já
dito à saciedade, é expressa ao prever as condições para caracterização de um
valor como ágio. São elas apenas duas: (i) aquisição de investimento por valor
superior ao seu patrimônio líquido ajustado; e (ii) correta fundamentação deste
sobrevalor pago, dentre as possibilidades insertas na legislação tributaria de
regência, devidamente suportada por laudos idôneos.

50 MARTINS, Natanael e RODRIGUES, Daniele Souto. In: O Direito à Amortização Fiscal do Ágio,
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora Quartier
Latin, 2010, pp. 478/479.

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80 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Em outras palaras. Não há, no que se refere ao ágio para fins fiscais,
subsunção direta à legislação societária ou contábil. As regras tributarias têm
sentido completo e não foram revogadas. Como já se mencionou, o objetivo
das alterações na norma societária tem justificativa na harmonização e
transparência para a melhor avaliação de negócios. A regra tributaria, noutro
giro, tem fundamento na necessidade de incentivar operações societárias que
fortalecessem o mercado de capitais e a economia nacional51.
Seja como for, sem a necessária revogação das normas insertas nos artigos
7º e 8º da Lei nº 9.532/97 e artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77, não se pode
alegar alteração nessa sistemática por ofensa reflexa de uma legislação contábil
produzida e implementada com objetivos totalmente diversos daqueles que
justificaram a regra fiscal.

Conclusões:
Em conclusão, pode-se afirmar que as alterações promovidas na legislação
societária e nas regras para demonstrações financeiras foram fundadas na necessidade
de harmonização dessas normas, com aquilo que vige internacionalmente.
Essa harmonização, também influenciada pela recente crise financeira
de 2009, teve como principal característica a melhor divulgação e reflexo
da realidade de negócios na contabilidade das empresas, de maneira a que o
mercado possa melhor avaliar o valor de uma sociedade ou os efeitos que a
combinação de empresas pode gerar para o negócio e o mercado, como um todo.
No Brasil, até o advento da Lei 11.638/07, a contabilidade societária e
tributária ligavam-se umbilicalmente, a ponto de diversas regras contábeis e
societárias terem sido editadas com nítidas motivações fiscais. Como se disse, o
cenário foi alterado. A contabilidade tem o seu objetivo e as regras tributárias idem.
Nesse diapasão, a nova lei societária e a sua regulamentação, tanto em
nível contábil quanto em nível societário, precisam ser corretamente estudadas
e conhecidas, pois, como se disse, é a partir do seu correto conhecimento que

51 Argumento que pode ser levantado, ainda, funda-se no fato de que o valor pago na aquisição do
negócio, que sobejar o PL ajustado da adquirida (ágio), necessariamente, gera ganho de capital para
os acionistas vendedores. Ganho de capital, esse, sujeito a regular tributação. Em outras palavras,
poder-se-ia, ainda, afirmar, que a regra introduzida pela Lei nº 9.532/97, em verdade, apenas
reconheceu que, aquele que paga antecipadamente por resultados que espera auferir, deve e
precisa, se reembolsar do imposto que vier a apurar, a partir da realização desta sua expectativa.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 81

se conseguirá melhor traçar as regras de convivência entre elas e as normas


de direito tributário, reconhecendo, necessariamente, a autonomia de ambas.
Quanto ao ágio, especificamente, este estudo demonstrou a sua
regulamentação para fins societários e tributários. Para estes últimos, parte-
se de um conceito de valor da diferença paga em relação ao patrimônio
líquido contábil ajustado do investimento realizado, fundamentado em
estudo técnico que o reflita de maneira legitima. Percebeu-se, ainda, que o
objetivo da regra vigente que permite a dedução, como despesa, para fins
de apuração do IRPJ e da CSLL, da amortização do ágio, é a de estimular
a combinação de negócios e o fortalecimento de grupos empresariais.
Até que as normas insertas nos artigos 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 7º
e 8º, da Lei nº 9.532/97 venham a ser alteradas (isso acontecerá, obviamente,
quando os motivos ensejadores das mesmas não mais prevalecerem na sociedade
brasileira), estas vigem e precisam ser observadas.
Como não poderia deixar de ser, e de forma a pacificar as discussões e
inseguranças que poderiam surgir a partir da publicação da referida norma
societária nova, fez ainda questão de se inserir ali regra expressa, que afastasse
qualquer pretensão tendente a entender alteradas ou derrogadas as normas
tributarias a partir da norma societária. A essa regra de neutralidade deu-se o
nome de Regime Tributário de Transição – RTT.
Enfim, por todo o exposto, percebe-se que qualquer tendência da doutrina
minoritária ou da Fazenda, em interpretar a realidade por outro prisma, só reforça
o sentimento da sociedade de que na relação Fazenda X Contribuinte sempre
se preza, por linhas tortas, no sentido de amesquinhar os direitos dos últimos,
aproveitando-se, a sorrelfa, de qualquer alteração normativa que possa, indireta
ou remotamente, servir de base para tanto.
Não se pode esquecer que desde a edição do Decreto-Lei nº 1598/77
a legislação tributária sobre o ágio sofreu poucas alterações em seu
conceito. A jurisprudência administrativa sobre o tema, por quase trinta
anos, também não demonstrou maiores controvérsias a respeito. Mas o
que pode ter alterado tanto o entendimento pátrio sobre esse assunto de
quatro anos para cá? Nada. Apenas a tendência de a Fazenda buscar impedir
que os contribuintes se utilizem dos recursos que o ordenamento jurídico
põe à sua disposição para melhor organizar os seus recursos, na busca do
fortalecimento dos seus resultados.

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82 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Não se pode, mais uma vez, nesse assunto, penalizar aqueles que agem
ao encontro dos interesses da norma, valendo-se de estruturas legítimas, em
função de negócios praticados de forma simulada ou viciada por parte de alguns
contribuintes, esses sim passíveis de dura repressão por parte das Autoridades
Fiscais. O ordenamento jurídico, de há muito, municia a Fazenda com as
ferramentas necessária para coibir esse tipo de prática condenável. Essas práticas,
porém, não podem levar a Fazenda a pretender restringir ou amesquinhar os
conceitos e os objetivos da norma tributária que expressamente estimula a
relação de negócios, através da permissão de dedução da amortização do ágio.
Melhor seria, em se querendo atacar esse direito vigente, seguir o processo
legislativo próprio e alterar as regras do jogo. A revogação dos artigos 20, do
Decreto-Lei nº 1.598/77, 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, ou ao menos a alteração
dessas regras, de forma a que as mesmas albergassem diretamente os novos
conceitos da legislação comercial, teriam o condão de impedir a utilização da
amortização do ágio como despesa dedutível, desde que respeitado o direito
adquirido pelos Contribuintes diante do preenchimento dos requisitos impostos
pela legislação tributária, preservando-se, com o isso, a segurança jurídica que
deve nortear as relações entre estes e o Estado. Isso bastaria aos propósitos do
Fisco e preservaria, ao menos, o sistema jurídico vigente.

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Capítulo III

Aspectos Tributários e
Societários/Contábeis
da Depreciação de Bens
do Ativo Imobilizado
à Luz do Regime
Tributário de Transição

Carlos Henrique Tranjan Bechara


Professor de Direito Financeiro e Tributário da PUC-RJ. Mestre em Direito
Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Advogado. Sócio do Escritório
Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária.

Letícia Borges Rocha Lima


Advogada Associada do Escritório Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 85

1. Introdução
O avanço do processo de globalização e o aumento dos investimentos no
país levaram à necessidade de se conferir maior segurança para os investidores
estrangeiros, bem como maior transparência na contabilidade das empresas
brasileiras. Diante desse cenário, o Brasil iniciou o processo de convergência
de suas normas contábeis para o padrão internacional, conhecido como
International Financial Reporting Standards – IFRS.
As modificações nas regras contábeis brasileiras foram basicamente
introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28.12.2007 (Lei nº 11.638/07), que alterou
e revogou dispositivos da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (Lei das S/A) e da Lei
nº 6.385, de 7.12.1976 (Lei nº 6.385/76). Todavia, em 3.12.2008, o Governo
Federal editou a Medida Provisória nº 449 (MP nº 449/08), com o objetivo
de neutralizar os impactos fiscais decorrentes dos novos métodos e critérios
contábeis, na apuração das bases de cálculo de tributos federais, de modo a
reduzir a insegurança jurídica gerada nos contribuintes.
Cumpre ainda mencionar que a MP nº 449/08, posteriormente convertida
na Lei nº 11.941, de 27.5.2009 (Lei nº 11.941/09), criou o Regime Tributário
de Transição (RTT), cuja aplicação era opcional para os anos de 2008 e 2009.
No entanto, a partir de 2010, a adoção do RTT passou a ser obrigatória, até a
entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos
e critérios contábeis.
O RTT foi criado com a finalidade de se preservar o princípio da neutralidade
fiscal das mudanças inseridas no padrão contábil brasileiro, devendo ser aplicável às
pessoas jurídicas sujeitas ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de acordo
com a sistemática de apuração pelo lucro real ou lucro presumido.
Não obstante, ao adotar o RTT para o IRPJ, a pessoa jurídica também
ficará obrigada a aplicar o regime para: (i) a Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL); (ii) a Contribuição para o Programa de Integração
Social (PIS); e (iii) a Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS).
O presente estudo foca-se na análise da nova sistemática de depreciação
dos bens do ativo imobilizado, bem como nos efeitos fiscais e contábeis da
aplicação dos novos critérios definidos pela Lei nº 11.638/07, que provocaram
alterações na vida útil dos ativos e, por consequência, modificações nas taxas
de depreciação.

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86 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Assim sendo, é imperioso examinar se, para fins tributários, a apuração


das despesas de depreciação deve observar as novas regras societárias/contábeis
brasileiras ou se tais despesas devem ser apuradas de acordo com os critérios
anteriores à edição da Lei nº 11.638/07, por força da aplicação do Regime
Tributário de Transição (RTT).

2. As regras tributárias e societárias/contábeis


sobre a depreciação de bens do ativo imobilizado

(i) Regras Tributárias


Inicialmente, vale lembrar J. L. Bulhões Pedreira,1 no sentido de que
a depreciação dos bens do ativo imobilizado pode ser compreendida como a
diminuição de valor oriunda do “desgaste ou perda de utilidade por uso, ação
da natureza ou obsolência normal”.
Dessa forma, estão submetidos a depreciações periódicas, portanto, os
bens integrantes do ativo imobilizado sujeitos a desgastes e obsolescência que
impliquem a redução de seu valor patrimonial. Em outras palavras, o valor
depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da
sua vida útil estimada.
Os efeitos tributários da depreciação de bens do ativo imobilizado são regidos
pelos artigos 305 a 323 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99). Confira-
se abaixo o teor do citado artigo 305:
“Art. 305. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada
período de apuração, a importância correspondente à diminuição
do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da
natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57).
§ 1º A depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar o
encargo econômico do desgaste ou obsolescência, de acordo com as
condições de propriedade, posse ou uso do bem (Lei nº 4.506, de
1964, art. 57, § 7þ).” [Grifos nossos]
O artigo 307 do RIR/99, por sua vez, define os bens que são passíveis de
depreciação fiscal pelas empresas, a saber:

1 PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a Renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969, pp. 6-56.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 87

“Art. 307. Podem ser objeto de depreciação todos os bens sujeitos


a desgaste pelo uso ou por causas naturais ou obsolescência normal,
inclusive:
I – edifícios e construções, observando-se que (Lei nº 4.506, de 1964,
art. 57, § 9þ):
a) a quota de depreciação é dedutível a partir da época da conclusão
e início da utilização;
b) o valor das edificações deve estar destacado do valor do custo de
aquisição do terreno, admitindo-se o destaque baseado em laudo pericial;
II – projetos florestais destinados à exploração dos respectivos
frutos (Decreto-Lei nº 1.483, de 6 de outubro de 1976, art. 6º,
parágrafo único).
Parágrafo único. Não será admitida quota de depreciação referente
a (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, §§ 10 e 13):
I – terrenos, salvo em relação aos melhoramentos ou construções;
II – prédios ou construções não alugados nem utilizados pelo
proprietário na produção dos seus rendimentos ou destinados a
revenda;
III – bens que normalmente aumentam de valor com o tempo,
como obras de arte ou antiguidades;
IV – bens para os quais seja registrada quota de exaustão.” [Grifos nossos]
Importa citar ainda o artigo 310 do RIR/99, que regula as taxas segundo
as quais o contribuinte poderá tomar despesas de depreciação:
“Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do
prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem
pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506,
de 1964, art. 57, § 2º).
§ 1º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o
prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para
cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de
computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação
de seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar
taxa diferente (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 3º).

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88 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

§ 2º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do


imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia,
ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica,
prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas
instituições, enquanto os mesmos não forem alterados por decisão
administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente,
em laudo técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).”
[Grifos nossos]
Como se vê, o artigo 310 do RIR/99 dispõe, em seu caput que, a taxa
anual de depreciação deverá ser tomada pelo contribuinte “em função do prazo
durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem”.
Nesse sentido, o § 3º do artigo 57 da Lei nº 4.506, de 30.11.1964
(Lei nº 4.506/64) assegura ao contribuinte o direito de computar a quota
adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a
prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente da estabelecida pela
administração do imposto de renda.
Cabe ressaltar que o parágrafo primeiro do artigo 310 do RIR/99 atribui
à Secretaria da Receita Federal, atualmente denominada Receita Federal do
Brasil, a competência para divulgar a vida útil admissível para cada espécie
de bem.
Assim, na esfera tributária, ainda que o contribuinte tenha o direito de
fazer prova de uma condição distinta de depreciação para seus bens, como regra
geral, as taxas anuais de depreciação serão definidas segundo os prazos de vida
útil periodicamente divulgados pela Receita Federal do Brasil.
A esse respeito, a Instrução Normativa SRF nº 162, de 31.12.1998 (IN
nº 162/98), alterada pela Instrução Normativa SRF nº 130, de 10.11.1999 (IN
nº 130/99), estabeleceu taxas anuais de depreciação para cada tipo de bem,
variando desde 4% a 50%.
A título exemplificativo, máquinas utilizadas na indústria são geralmente
depreciáveis à taxa tributária de 10% ao ano, ou seja, as autoridades fiscais
entendem que a vida útil média desse tipo de bem pode ser estimada em 10
anos, para fins de dedutibilidade tributária dos encargos de depreciação.
Dessa maneira, ainda que um determinado tipo de máquina possa ter
vida útil consideravelmente inferior ou superior a 10 anos, esse será o prazo
admitido para fins de sua depreciação tributária.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 89

Todavia, caso o contribuinte pretenda adotar taxa de depreciação superior


àquela admitida pela regulamentação tributária, nos termos do Parecer
Normativo CST nº 192, de 29.6.1972 (PN nº 192/72)2, deverá demonstrar
devidamente a adequação de suas taxas especificamente adotadas, por meio
de laudos periciais do Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade
oficial de pesquisa científica ou tecnológica.

2 PN nº 192/72: O desgaste provocado pelo uso intensivo ou anormal dos bens pertencentes
ao ativo imobilizado das pessoas jurídicas de direito privado poderá determinar a adoção de
taxas especiais de depreciação, devendo as interessadas comprovar a adequação das taxas que
utilizarem, ou, em caso de dúvida, justificá-las com base em laudo técnico expedido por órgão
oficial competente. As empresas que empreguem os coeficientes de depreciação acelerada em
decorrência de expressa previsão legal poderão também utilizar taxas especiais de depreciação,
quando estas se fizerem necessárias, observadas as regras pertinentes, desde que o seu montante
não ultrapasse em qualquer tempo o custo de aquisição dos bens, atualizado monetariamente. As
taxas anuais de depreciação a serem calculadas pelas empresas com base no custo de aquisição dos
bens atualizado monetariamente são as resultantes da jurisprudência administrativa nos termos do
item 63 da Instrução Normativa nº 2 de 12.9.69. 2. Sendo estas taxas determinadas em função dos
prazos considerados ideais para a utilização econômica dos bens, em condições normais, aplicam-
se indistintamente a todas as empresas. 3. Entretanto, quando os bens são submetidos a condições
anormais de utilização, o desgaste decorrente poderá justificar a majoração das taxas. Para tanto,
o emprego de taxas especiais de depreciação deve proceder da necessidade comprovada de
submeter os bens a condições anormais de uso, sendo de fundamental interesse a existência de
prova cabal da ocorrência do desgaste ou inutilização prematura destes mesmos bens. Tal é o
sentido dos §§ 3º e 4º do artigo 186 do RIR (Decreto 58.400, de 10.05.66). 4. Considerando-se
que a majoração das taxas de depreciação decorre de situação especialíssima, o próprio legislador
admitiu que, nas casos de dúvida, as empresas e a própria autoridade lançadora poderão solicitar
perícias ao Instituto Nacional de Tecnologia ou a outras entidades oficiais de pesquisa científica
ou tecnológica, acatando-se as opiniões destes órgãos, as quais prevalecerão enquanto não forem
modificadas por decisões das autoridades competentes, conforme o disposto no § 5º do artigo
186 do RIR. 5. De se notar que esta providência também se aconselha às empresas que exerçam
atividades técnicas e que em virtude desta condição estejam aptas a realizar estudos com a
finalidade de adotar, nos termos do § 5º do artigo 186 do RIR., taxas especiais de depreciação já
que as suas conclusões em causa própria não preenchem os objetivos do citado dispositivo. 6.
Outro tipo de depreciação prevista em lei é a acelerada - (art. 57., § 5º da Lei 4.506, de 30.11.64),
destinada a aplicação somente quanto a atividades ou indústrias expressamente previstas em atos
do Poder Executivo (vide Decretos 54.298, de 29.09.64; 60.943, de 5.7.67; 61.083, de 27.7.67 e
61.979, de 28.12.67). 7. A depreciação acelerada é restrita aos casos especialmente previstos e
tem por finalidade exclusiva estimular a renovação e modernização dos equipamentos utilizados
por determinados tipos de indústrias ou atividades, independendo, para a sua aplicação, do
desgaste anormal dos bens, por força do que dispõe o artigo 186 § 6º do RIR. 8. Desta afirmativa
se infere que as empresas alcançadas pela faculdade da depreciação acelerada, e enquanto
esta durar, podem utilizá-la tomando por base as taxas especiais de depreciação. 9. Por todo o
exposto conclui-se que as empresas podem adotar taxas adequadas de depreciação dos bens
independentemente de prévia audiência da Repartição, cabendo se valer, quando não tiverem
absoluta certeza do acerto do seu procedimento, de perícia do Instituto Nacional de Tecnologia
ou de outras entidades oficiais de pesquisa científica ou tecnológica. 10. Em qualquer situação,
entretanto, as empresas não poderão contabilizar como custo ou despesa operacional, em face
das taxas adotadas, cotas de depreciação superiores ao custo de aquisição dos bens atualizados
monetariamente e as que se utilizarem dos coeficientes de depreciação acelerada, nas condições
estabelecidas pela legislação específica, poderão, quando for o caso, aplicá-los, tomando por
base as taxas especiais de depreciação.

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90 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Por outro lado, o Parecer Normativo CST nº 79, de 1.11.1976 (PN nº


79/76)3, esclarece que é facultado ao contribuinte aplicar taxas menores de
depreciação, sem que isso represente renúncia ou perda futura do direito à
utilização das taxas de depreciação. Contudo, embora de maneira controversa,
o PN nº 79/76 dispõe que as importâncias não apropriadas não poderão
ser recuperadas, posteriormente, através da utilização de taxas superiores às
máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial.
Adicionalmente, a própria legislação tributária, nos artigos 312 e 313 do
RIR/994, prevê hipóteses de depreciação acelerada, em que o contribuinte
poderá diminuir os prazos médios de depreciação, com base nos números de horas

3 PN nº 79/76: Indaga-se se o direito à depreciação acelerada dos bens do Ativo Imobilizado


pode deixar de ser exercitado, em um ou mais exercícios, inclusive para possibilitar o uso,
alternadamente, da depreciação à taxa normal ou a taxas inferiores a esta, assegurado à empresa
a possibilidade de postergar tais encargos para exercícios posteriores à vida útil prevista para o
bem. 2. A depreciação dos bens do Ativo é uma faculdade, não uma obrigação, conforme se
depreende da análise literal dos dispositivos do Regulamento do Imposto de Renda que tratam
da matéria: artigo 193, § 2º (normal), § 3º (por turnos de trabalho), §§ 4º e 5º (uso em condições
anormais), e 194 e §§ (por incentivo fiscal). Essa afirmativa é fundada nos vocábulos “poderá” e
“poderão”, insertos no início dos artigos citados. Assim, não há obrigatoriedade de se efetuar a
depreciação em todos os exercícios financeiros de atividade da empresa. A legislação tributária
fixa percentuais máximos e períodos mínimos de depreciação, não proibindo a empresa de
apropriar quotas inferiores às permitidas, ou mesmo deixar de depreciar. 3. Além disso, como a
incidência do Imposto de Renda é baseada em espaços de tempo perfeitamente delimitados (artigo
127 caput, § 1º do artigo 135 e 221 caput do RIR/75), é de se admitir que a opção por qualquer
das formas de depreciação seja efetuada em cada um dos exercícios. Logo, a empresa poderá
utilizar-se ora da depreciação normal, ora da depreciação acelerada, se a esta tiver direito. 4.
Porém, se a empresa adotar qualquer taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias
não apropriadas não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas
superiores às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial. Deverá,
outrossim, ser observado que a taxa de depreciação a ser aplicada ao montante da variação do
valor original dos bens (conta “correção monetária” ou semelhante) deve ser exatamente igual
à aplicada ao custo original do bem que lhe deu causa. Tal afirmação decorre do § 1º do artigo
193 do RIR/75, que determina que a taxa anual de depreciação será aplicada “... sobre o custo
de aquisição dos bens depreciáveis, atualizado monetariamente...”. O fato de o custo original e
sua correção serem contabilizados em contas distintas, no Ativo Imobilizado (alínea “b” do art.
243. do RIR/75), não autoriza a interpretação de que a correção monetária e custo original tenham
natureza diferente; ao contrário, são um todo indissociável que representa o custo atualizado do
bem objeto da depreciação. Além disso, deverá, também, ser sempre observado o limite previsto
no § 17 do artigo 193 do RIR/75, bem como o disposto no § 10 do mesmo artigo. 5. Ressalte-se,
por fim, que, embora a depreciação seja facultativa, a correção monetária dos bens do Ativo
Imobilizado é obrigatória (art. 239.). Assim, ressalvadas as exceções e observados os demais
dispositivos legais pertinentes, a empresa deverá efetuar a correção monetária dos bens do Ativo
em todos os exercícios de sua atividade, mesmo quando não efetue a depreciação ou a efetue a
taxas inferiores às permitidas.
4 Art. 312. Em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em função do número de horas
diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação acelerada (Lei nº 3.470, de 1958,
art. 69): I - um turno de oito horas...1,0; II - dois turnos de oito horas...1,5; III - três turnos de oito
horas...2,0. Parágrafo único. O encargo de que trata este artigo será registrado na escrituração
comercial.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 91

diárias de operação dos bens móveis considerados, como forma de incentivar a


implantação, inovação ou modernização de instalações e equipamentos.
Neste sentido, o Parecer Normativo CST nº 95, de 1.9.1975, esclarece que
as cotas anuais de depreciação dos bens móveis do ativo imobilizado podem ser
computadas aplicando-se, cumulativamente, os coeficientes de aceleração em razão
dos turnos de trabalho e aqueles concedidos a título de incentivo fiscal.
Verifica-se, portanto, que, além da depreciação normal dos bens do ativo
imobilizado, prevista no artigo 305 do RIR/99, e da depreciação acelerada
contábil, descrita no artigo 312 do mesmo dispositivo, a Lei nº 8.191,
de 11.6.1991 (Lei nº 8.191/91), concede a setores específicos a chamada
depreciação acelerada incentivada, que consiste na depreciação integral dos
bens adquiridos ou na utilização de taxas maiores que as usuais, cujo efeito é
a antecipação de custos/despesas.
Saliente-se que a referida antecipação de custos e despesas é feita pela via
da exclusão do lucro líquido para fins de determinação do lucro real. Portanto,
a diferença entre os valores dos encargos contabilizados e os admitidos pela
legislação que concede o incentivo será controlada no Livro de Apuração do
Lucro Real (LALUR). Importante notar que o total da depreciação acumulada,
incluindo a contábil e a fiscal, não poderá ultrapassar o custo do bem depreciado.
Por essa razão, a partir do momento em que for atingido o custo do bem
depreciado, as quotas da depreciação registradas na escrituração comercial
serão adicionadas ao lucro líquido, para efeito da determinação do lucro real e
da base de cálculo da CSLL, com a concomitante baixa na conta de controle
do livro fiscal de apuração do lucro real.


Art. 313. Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e
equipamentos, poderão ser adotados coeficientes de depreciação acelerada, a vigorar durante
prazo certo para determinadas indústrias ou atividades (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 5º). § 1º
A quota de depreciação acelerada, correspondente ao benefício, constituirá exclusão do lucro
líquido, devendo ser escriturada no LALUR (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 8º, inciso I, alínea
“c”, e § 2º). § 2º O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá
ultrapassar o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º). § 3º A partir do período
de apuração em que for atingido o limite de que trata o parágrafo anterior, o valor da depreciação
normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de
determinar o lucro real. § 4º As empresas que exerçam, simultaneamente, atividades comerciais e
industriais poderão utilizar o benefício em relação aos bens destinados exclusivamente à atividade
industrial. § 5º Salvo autorização expressa em lei, o benefício fiscal de que trata este artigo não
poderá ser usufruído cumulativamente com outros idênticos, exceto a depreciação acelerada em
função dos turnos de trabalho.

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92 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Resta a análise dos setores específicos que poderão usufruir da depreciação


acelerada incentivada. A Lei nº 11.196, de 21.11.2005, em seu artigo 37, prevê
que as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de geração de
energia elétrica poderão desfrutar da referida depreciação em relação aos bens
novos do ativo imobilizado, exceto terrenos adquiridos ou construídos a partir
de 22.11.2005 e até 31.12.2013.
A Lei nº 11.727, de 23.6.2008, por sua vez, concede à pessoa jurídica
que explore a atividade de hotelaria o direito de utilizar a depreciação acelerada
incentivada para os seus bens móveis integrantes do ativo imobilizado,
adquiridos a partir de 3.1.2008 até 31.12.2010.
As empresas industriais fabricantes de veículos e de autopeças e as pessoas
jurídicas fabricantes de bens de capital também terão direito à depreciação
acelerada, calculada pela aplicação da taxa de depreciação usualmente admitida,
multiplicada por 4 (quatro), sem prejuízo da depreciação normal, conforme
previsto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 11.774, de 17.9.2008.5 
Ademais, de acordo com os artigos 31 e 32 da Lei nº 11.196/05, as pessoas
jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação, modernização
ou diversificação enquadrado em setores da economia considerados prioritários
para o desenvolvimento regional, localizadas nas áreas das extintas SUDENE
e SUDAM e que gozem da redução de 75% (setenta e cinco por cento) do
imposto sobre a renda e adicionais, usufruirão do direito à depreciação acelerada
incentivada.
Cumpre mencionar ainda que o referido incentivo também foi estendido às
pessoas jurídicas que explorem a atividade rural. Nesse caso, conforme previsão
do artigo 314 do RIR/99, os bens do ativo permanente imobilizado, exceto
a terra nua, adquiridos para uso na atividade rural, poderão ser depreciados
integralmente no próprio ano de aquisição.
Por fim, as empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços
de informática e automação que investirem em atividades de pesquisa e
desenvolvimento em tecnologia da informação farão jus aos benefícios da

5 A depreciação acelerada se aplica às máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, novos,


relacionados nos Anexos I e II do Decreto nº 6.701 de 18.12.2008, adquiridos entre 1.5.2008 e
31.12.2010, destinados ao ativo imobilizado e empregados em processo industrial do adquirente.

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depreciação acelerada incentivada6. No entanto, tais empresas deverão investir,


anualmente, em atividades de pesquisa a serem realizadas no país, no mínimo
5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente
da comercialização de bens e serviços de informática.7
Com relação a todos os casos de depreciação descritos, conclui-se que, na
esfera tributária – ou seja, para fins de dedutibilidade das despesas de depreciação
da base de cálculo do IRPJ e CSLL –, a regra geral é a de que o contribuinte
deverá adotar as taxas de depreciação especificamente estabelecidas pela
regulamentação tributária em vigor, que não necessariamente corresponderão
ao efetivo prazo de vida útil de cada classe de bens do ativo imobilizado.
Por outro lado, as normas societárias/contábeis sobre depreciação de bens
do ativo imobilizado, especialmente após a edição da Lei nº 11.638/07, adotaram
critérios distintos, que poderão gerar diferenças significativas em relação aos
resultados das despesas de depreciação dos mesmos bens tomadas para fins
tributários.
Cumpre destacar que o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC),
criado pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.055, de
7.10.2005 (Resolução CFC nº 1.055/05) passou a emitir Pronunciamentos
Técnicos para orientar os novos procedimentos contábeis brasileiros tendo em
vista o processo de convergência aos padrões globais8.
A esse respeito, cabe mencionar que os Pronunciamentos Técnicos
do CPC de nº 01 (CPC 01)9 e o de nº 27 (CPC 27)10, estabeleceram,
respectivamente, os procedimentos relativos ao chamado teste de
recuperabilidade (ou impairment test) de ativos e as regras a serem observadas
na escrituração contábil da depreciação de bens do ativo imobilizado de
uma sociedade.

6 Artigo 4º da Lei nº 8.248 de 23.10.1991 (Lei nº 8.248/91).


7 Artigo 11 da Lei nº 8.248/91 dada pelo artigo 1º da Lei nº 11.077, de 30.12.2004.
8 De acordo com o artigo 3º da Resolução CFC nº 1.055/05, o CPC tem por objetivo: “O estudo, o
preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a
divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade
reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção,
levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”.
9 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.292, de 20.8.2010 (Resolução CFC 1.292/10) e pela
Deliberação da CVM nº 639, de 7.10.2010 (Deliberação 639/10).
10 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.177, de 24.1.2009 (Resolução CFC 1.177/09) e pela
Deliberação da CVM nº 583, de 31.7.2009 (Deliberação 583/09).

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94 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

(ii) Regras societárias/contábeis


(ii.a) Aspectos Societários/Contábeis anteriores à Lei nº
11.638/07
De forma geral, embora as regras societárias/contábeis brasileiras não tivessem
qualquer obrigação de seguir as regras previstas na legislação tributária a respeito
da sistemática de depreciação, na prática, era isso que acabava ocorrendo.
Isso porque, em linhas gerais, a legislação societária determinava, de
forma relativamente ampla, que as empresas deveriam registrar periodicamente
a diminuição do valor dos elementos do ativo imobilizado nas contas de
depreciação, amortização ou exaustão, conforme o caso.
Assim, para facilitar seus controles, gerenciais, societários/contábeis e
tributários, via de regra, as empresas acabavam optando por unificar as taxas de
depreciação e tomá-las de forma conjunta, tanto para fins societários/contábeis,
como para fins tributários.
(ii.b) Aspectos Societários/Contábeis posteriores à Lei
nº 11.638/07, ao CPC 01 e CPC 27

Com a edição da Lei nº 11.638/07, que alterou a Lei das S/A e, com ela,
o padrão contábil brasileiro, as sociedades por ações e as sociedades de grande
porte passaram a aplicar critérios mais específicos e rigorosos no tratamento
dos efeitos contábeis da depreciação dos bens do ativo imobilizado.
Ressalte-se que as sociedades limitadas também estão sujeitas às novas
regras contábeis brasileiras, mesmo quando não estiverem enquadradas como
sociedades de grande porte. Nesse sentido, cumpre expor os ensinamentos de
LYGIA CAROLINE SIMÕES CARVALHO:
“Mesmo que as sociedades limitadas não tenham seu estatuto jurídico
regrado pela Lei 6.404/76, os dispositivos do Código Civil não dispõem
sobre padrões contábeis mais detalhados. Devido à tal ausência, devem ser
observados os dispositivos da Lei das Sociedades por Ações (lei 6.404/76).
Ademais, os sócios quotistas poderão prever no contrato social a regência
supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima,
obrigando a aplicação das regras contábeis previstas na lei 6.404/76 (...)
Portanto, as sociedades limitadas, mesmo que não enquadradas como
sociedades de grande porte, não estão excluídas das regras dos novos
padrões contábeis brasileiros. As normas contábeis instituídas pela lei

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11.638/07 devem ser aplicadas e observadas por todas as sociedades


sediadas no país independente da espécie societária.”11 [Grifos nossos]
Especificamente, o artigo 183, § 2º, da Lei das S/A, em sua redação atual,
dispõe ainda que as sociedades devem registrar periodicamente a diminuição do
valor dos elementos do ativo imobilizado, estendendo também esse tratamento
aos bens do ativo intangível. Confira-se:
“Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo
os seguintes critérios: (...)
§ 2º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado
e intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação
dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que
têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade
por uso, ação da natureza ou obsolescência;
b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado
na aquisição de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer
outros com existência ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto
sejam bens de utilização por prazo legal ou contratualmente limitado;
c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da
sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos minerais ou
florestais, ou bens aplicados nessa exploração.” [Grifos nossos]
Por sua vez, o parágrafo terceiro, inciso II, do mesmo artigo 183 passou a
determinar que essas sociedades procedam ao chamado teste de recuperabilidade
(ou impairment test) para esses mesmos bens, confira-se:
“§ 3º A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a fim
de que sejam:
I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver
decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que

11 CARVALHO, Lygia Caroline Simões. Os novos critérios contábeis do ativo imobilizado e


os reflexos tributários. Fiscosoft. 2011/2012, p. 1. Disponível em: <http://www.fiscosoft.
com.br//main_online_frame.php?home=federal&secao=1&page=/bf/bf.php?s=1&params=F::
expressao=os%20novos%20crit%E9rios%20cont%E1beis%20do%20ªtivo %20imobilizado%20
lygia>. Acessado em 20.5.2011.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 95 29/5/2012 18:02:30


96 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir


resultados suficientes para recuperação desse valor; ou
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da
vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão
e amortização.” [Grifos nossos]
Com base nessas disposições, o CPC 01 definiu as regras para as empresas
procederem ao teste de recuperabilidade, avaliando ao menos uma vez por ano,
quando da elaboração de suas demonstrações contábeis anuais, se há alguma
indicação de que seus ativos ou o conjunto deles, porventura, teriam perdido
representatividade econômica relevante.
Nesse sentido, o próprio CPC 01 enumera algumas possibilidades de
indícios de perda no valor dos ativos, tais como: (i) o valor de mercado do
ativo diminuiu sensivelmente, mais do que se esperaria com a passagem do
tempo ou do uso normal; (ii) mudanças significativas no cenário tecnológico,
econômico ou legal no qual a entidade opera; (iii) obsolescência ou dano físico
dos ativos; dentre outros.
Caso o valor recuperável exceda o valor contábil do ativo, não haverá
desvalorização nem necessidade de estimar outro valor para o bem. Entretanto,
no caso do valor recuperável do ativo ser menor do que o valor contábil do bem,
a diferença existente entre tais valores deverá ser ajustada pela constituição de
provisão para perdas, conta redutora do valor dos ativos, em contrapartida ao
resultado do período.
Ademais, a empresa deverá seguir as disposições do CPC 27 relativamente
ao tratamento contábil das despesas de depreciação dos bens do seu ativo
imobilizado.
Em linhas gerais, o CPC 27 prevê diferentes métodos para o tratamento
contábil de despesas de depreciação, sendo que o método de depreciação
utilizado deve refletir o padrão de consumo, pela entidade, dos benefícios
econômicos futuros do ativo a que se refere. Essencialmente, a sociedade deve
adotar taxas de depreciação que reflitam de forma efetiva a vida útil de cada
um dos bens do seu ativo imobilizado.
Assim, após o reconhecimento da provisão para perdas resultantes do
teste de recuperabilidade, as despesas de depreciação dos ativos desvalorizados
devem ser calculadas em períodos futuros pelo novo valor contábil apurado,
ajustado ao período de sua vida útil remanescente.

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Como se vê, à luz das novas regras societárias/contábeis em vigor, o


tratamento da depreciação de bens do ativo imobilizado ficou sujeito a critérios
mais específicos e distintos daqueles estabelecidos pela legislação tributária.
No entanto, a introdução das novas regras societárias/contábeis no
país se deu sob o chamado princípio da neutralidade tributária, conforme
expressamente veiculado na MP nº 449/08, posteriormente convertida na Lei
nº 11.941/09. Infere-se, portanto, que as novas regras contábeis estabelecidas
no CPC 01 e no CPC 27 para a depreciação dos bens do ativo imobilizado
não devem ter efeitos tributários para os contribuintes que as adotam.

3. A neutralidade tributária na mudança do


padrão societário/contábil brasileiro e o RTT
Inicialmente, as mudanças nas regras contábeis trazidas pela Lei nº
11.638/07 geraram dúvidas a respeito dos eventuais efeitos tributários delas
resultantes. Em outras palavras, caso ocorressem divergências entre o disposto
na legislação tributária e nas novas regras societárias/contábeis, discutir-se-ia
quais regras deveriam prevalecer, para fins tributários.
Todavia, a análise do processo legislativo que levou à aprovação da Lei nº
11.638/07 nos permite afirmar que as mudanças trazidas por essa lei tiveram
por objetivo exclusivo harmonizar a legislação contábil brasileira aos padrões
contábeis internacionais, sem qualquer reflexo tributário. A esse respeito,
confira-se o ensinamento de ELIDIE PALMA BIFANO:
“Durante a discussão do projeto de lei que se transformou na
L. 11.638/07, tomou-se como premissa, consignada na própria
Exposição de Motivos da lei, que a adoção dos padrões contábeis
internacionais não teria qualquer reflexo tributário, seja de acréscimo
de encargo, para o contribuinte, seja de redução da receita para o
Estado brasileiro. Esse pressuposto orientador permitiu que, pela
primeira vez, no Brasil, a contabilidade pudesse ser praticada em
toda a pureza de suas regras e as disposições tributárias pudessem ser
cumpridas em sua inteireza gerando, para o contribuinte, os efeitos
que delas são esperados.”12 

12 BIFANO, Elidie Palma. O Direito Contábil da Lei Nº 11.638/07 à Lei Nº 11.941/09. In: ROCHA,
Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo:
Quartier Latin, 2010, Capítulo VII, p. 172.

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98 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

O Governo Federal confirmou expressamente esse entendimento ao


sancionar, em 27.5.2009, a Lei nº 11.941/09, fruto da conversão em lei da
MP nº 449/08. Nos termos de sua Exposição de Motivos, um dos objetivos
da referida lei é justamente o de “neutralizar os impactos dos novos métodos e
critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, na
apuração das bases de cálculos de tributos federais”, removendo assim a insegurança
jurídica causada nos contribuintes com a edição da Lei nº 11.638/07.
Nesse contexto, a Lei nº 11.941/09 criou o chamado RTT, por meio do
qual se neutralizam os efeitos tributários decorrentes da adoção das novas regras
de harmonização do padrão contábil brasileiro com o internacional.
Para os anos-calendário de 2008 e 2009, a adoção do RTT era opcional,
sendo que, a partir de 2010, a adoção desse regime passou a ser obrigatória
e automática, sendo aplicável até a entrada em vigor de lei que discipline
especificamente os efeitos tributários de cada um dos novos métodos e critérios
contábeis aplicáveis a partir da edição da legislação em referência.
O artigo 16 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as alterações introduzidas
pela Lei nº 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da própria Lei nº 11.941/09,
que “modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido do exercício” não terão efeitos para
fins de apuração do lucro real (IRPJ) das empresas sujeitas ao RTT, devendo
ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes
em 31.12.2007.
Nos termos dos artigos 15, § 3º e 20 da Lei nº 11.941/09, o RTT
será também aplicável à apuração da base de cálculo da CSLL, bem como
do PIS e da COFINS.
Isso quer dizer que, na vigência do RTT, para fins de apuração da base
de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, deverão ser aplicados os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007, sem se considerar as alterações
nas práticas contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07 e pelos artigos 37 e
38 da Lei nº 11.941/09.
Para esse fim, o artigo 17 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as pessoas
jurídicas deverão apurar, primeiramente, o resultado do exercício de acordo
com as disposições da Lei das S/A., com as modificações introduzidas pela
Lei nº 11.638/07 e pela própria Lei nº 11.941/09. As companhias abertas e
outras que optem pela observância das regras a elas aplicáveis deverão ainda

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 99

observar as normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).


Ato contínuo, as pessoas jurídicas sujeitas ao RTT deverão proceder a
ajustes específicos no lucro líquido do período apurado no LALUR, de modo a
reverter o efeito da utilização de critérios contábeis diferentes daqueles vigentes
em 31.12.2007. Por fim, serão realizados os demais ajustes no LALUR para
a adição, exclusão e compensação dos valores prescritos ou autorizados pela
legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto.
A esse respeito, convém citar os esclarecimentos sobre os ajustes no
LALUR lançados no Manual de Contabilidade Societária, elaborado pela
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/
USP – FIPECAFI, in verbis:
“Para fins contábeis, porém, não se deve simplesmente aceitar e adotar
as taxas de depreciação fixadas como máximas pela legislação fiscal,
ou seja, deve-se fazer uma análise criteriosa dos bens da empresa
que formam seu Imobilizado e estimar sua vida útil econômica e seu
valor residual, considerando suas características técnicas, condições
gerais de uso e outros fatores que podem influenciar em sua vida útil.
Como conseqüência, quando determinado bem ou classe de bens
tiver vida útil provável diferente da permitida fiscalmente, deve-se
adotar a vida útil estimada como base para registro da depreciação na
contabilidade, e a diferença entre tal depreciação e a aceita fiscalmente
deve ser lançada como ajuste no Livro de Apuração do Lucro Real.
O ajuste alcança tanto a hipótese de depreciação registrada na
contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará
em uma adição à base tributável referente à parcela considerada
não dedutível) quanto a da depreciação registrada na contabilidade
ser menor que a admitida para fins de apuração do imposto. Nessa
última possibilidade, a entidade poderá excluir da base tributável a
parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida
pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares.
Pode acontecer, tendo como base essa última situação, de um ativo
imobilizado estar completamente depreciado para fins fiscais e ainda
estar sendo depreciado na contabilidade societária.” [Grifos nossos]
Em suma, pode-se dizer que a vida útil de um ativo imobilizado, estimada
por meio de um laudo técnico, deve ser registrada para fins societários/contábeis,
independentemente da legislação tributária. No entanto, caso a taxa de depreciação

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100 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

registrada contabilmente seja maior que a taxa recomendada pelo Fisco, gerando
um aumento nas despesas e diminuição do lucro líquido, a base tributável do
imposto deve ser aumentada a fim de corrigir as distorções tributárias decorrentes
de uma alteração na contabilidade. Por outro lado, há a possibilidade de a taxa de
depreciação contábil ser menor do que a taxa admitida para fins tributários e, nesse
caso, deve-se diminuir a base tributável do imposto.
Esse procedimento foi ainda detalhado e regulamentado pela Instrução
Normativa RFB nº 949, de 16.6.2009 (IN nº 949/09), que criou também o
chamado Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT). O FCONT faz o
papel da escrituração fiscal em um sistema de partidas dobradas, feita de modo
auxiliar e separado da escrituração contábil das empresas na aplicação do RTT.
No que tange à finalidade do FCONT, convém mencionar as lições de
IAN MUNIZ:
“O objetivo do FCONT é registrar as diferenças existentes entre
o resultado apurado, em conformidade com os métodos e critérios
contábeis aplicáveis à legislação tributária, ou seja, aqueles vigentes em
31 de dezembro de 2007. Assim, deverão ser registradas, em partidas
dobradas, os valores que afetem as contas patrimoniais e de resultado,
de forma a reconciliar o resultado apurado entre os métodos e critérios
contábeis e aqueles aplicáveis à legislação tributária.”13 
Com efeito, nos termos do artigo 16, parágrafo único da Lei nº
11.941/09, todos os comentários acima referentes à neutralização promovida
pelo RTT aplicam-se igualmente às normas expedidas pela CVM, bem
como aos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação
específica com os padrões internacionais de contabilidade, tais como o CPC,
o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), dentre outros.
Em resumo, para as empresas sujeitas ao RTT, a determinação das bases
de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS será efetuada com base
na legislação tributária atual, conforme aplicada sobre os critérios contábeis
vigentes em 31.12.2007, ou seja, sem se levar em conta os efeitos das alterações
societárias/contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07, pelos artigos 37 e 38

13 MUNIZ, Ian e MONTEIRO, Marco Antonio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA, Sérgio
André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, Capítulo XIII, p. 273.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 101

da Lei nº 11.941/09, ou ainda pelos normativos da CVM ou pronunciamentos


do CPC.
Nesses termos, convêm destacar a Solução de Consulta da Receita Federal
nº 15, de 18.2.2011, pela qual se reconhece, sob a égide do RTT, o direito de
uma sociedade manter os mesmos índices de depreciação que eram usados antes
das alterações da norma contábil, implementadas pela Lei nº 11.638/07.
“MINISTÉRIO DA FAZENDA SECRETARIA DA RECEITA
FEDERAL
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011
ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
E M E N TA : B A S E D E C Á L C U L O . E N C A R G O S
DE DEPRECIAÇÃO. AJUSTES DECORRENTES DA
LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA. EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins
de apuração da base de cálculo da Contribuição Social para o Lucro
Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de
Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”
Por tais razões, a nosso ver, na vigência do RTT, permanece válida a atual
sistemática de depreciação dos bens do ativo imobilizado prevista na legislação
tributária.
Além do acima exposto, deve ainda ser considerado que a Lei nº 11.638/07,
assim como as normas posteriores que a alteraram, não revogaram expressa ou
tacitamente as disposições contidas no RIR/99 ou na legislação tributária que
disciplinam a depreciação dos bens componentes do ativo.
Em outras palavras, por mais que tenha sido editada uma nova legislação
disciplinando aspectos societários/contábeis, as normas tributárias que regulam
a sistemática e o tratamento aplicáveis às depreciações não foram revogadas.
Dessa forma, ainda que não houvesse sido editado o RTT conforme
acima exposto, as disposições dos artigos 305 a 323 do RIR/99 e a legislação
tributária aqui mencionada permaneceriam válidas e eficazes, possibilitando a
depreciação tributária nos termos anteriormente detalhados.

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102 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

4. Alteração da taxa de depreciação entendida


como alteração de critério contábil
Conforme anteriormente mencionado, as alterações introduzidas pela Lei
n 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da Lei nº 11.941/09, que modifiquem
o

o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computados na


apuração do lucro líquido do exercício, não terão efeitos para fins de apuração
do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados,
para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
Urge então identificar o que se entende por alteração de critério contábil
de reconhecimento de receitas, custos e despesas. A esse respeito, convém
destacar o posicionamento do CPC 13, o qual trata da adoção inicial da Lei
nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/08:
“3. As exigências de ajustes trazidos pela Lei nº 11.638/07 e Medida
Provisória nº
449/08 não se enquadram como mudança de circunstâncias, estimativas
ou evento econômico subseqüente, pois decorrem de processo
normativo em direção às Normas Internacionais de Contabilidade.
Assim, este Pronunciamento considera que os ajustes devem ser
contabilizados de acordo com as disposições contábeis aplicáveis à
mudança de critério (ou prática) contábil. (...)” [Grifos nossos]
Infere-se, pois, que os novos ajustes contábeis trazidos pela Lei no
11.638/07, os quais refletem o processo de convergência às Normas Contábeis
Internacionais, são tratados pelo CPC 13 como mudança de critério contábil.
Portanto, parece claro que, quando a Lei no 11.638/07 prevê a análise
periódica da vida útil do imobilizado e o ajuste da sua taxa de depreciação,
temos uma mudança no critério contábil de apuração do lucro líquido que se
encontra sujeita à neutralidade assegurada pelo RTT.
Vale ressaltar que, enquanto durar o RTT, a mudança dos critérios
societários/contábeis não gera qualquer efeito na apuração do lucro real, pois,
para fins tributários, são aplicados os critérios contábeis anteriores à edição da
Lei no 11.638/07.
Todavia, parte da doutrina adota um entendimento diferente do ora exposto,
considerando que a alteração da taxa de depreciação do ativo imobilizado não
representa uma mudança no critério contábil de reconhecimento de receitas,

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 103

custos e despesas. A esse respeito, vale mencionar os ensinamentos de EDMAR


OLIVEIRA ANDRADE FILHO:
“O dever de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida
útil econômica estimada dos bens não decorre, propriamente, uma
norma introdutória de um novo critério ou método contábil. A
rigor, a norma (o mandamento que proíbe, permite ou obriga) já
estava pressuposta no ordenamento jurídico contábil da Lei nº
6.404/76, porquanto esse critério contábil constitui verdadeiro
‘princípio contábil geralmente aceito’ aos quais faz expressa
referência o caput do artigo 177 da citada Lei. Se assim é – e estou
convicto disto – a Lei nº 11.638/07 tem, neste particular, caráter
meramente interpretativo na medida em que dá nova roupagem
formal (texto normativo) a uma norma (mandamento, proibição,
obrigação) já existente na ordem jurídica ao tempo da edição da
lei citada. Se o dever criado pelo texto da nova Lei já existia antes
do seu advento, parece claro que não há a novidade requerida pela
Lei nº 11.941/09 para submeter os efeitos contábeis respectivos
ao regime do RTT.
A prova cabal da tese que estou a sustentar pode ser encontrada
na norma do artigo 310 do Regulamento do Imposto de Renda
(RIR/99) que estabelece – com todas as letras – que: ‘a taxa anual
de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se
possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte,
na produção de seus rendimentos’. Essa regra foi introduzida no
ordenamento jurídico vigente por uma Lei de 1964. Portanto, a
regra contábil já fora expressamente adotada pela lei tributária
e isto serve de prova cabal de que novidade não há nesta
matéria.”14 [Grifos nossos]
Conforme leciona EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO, o dever
de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida útil econômica dos
bens já se encontrava previsto no caput do artigo 177 da Lei das S/A, e no
caput do artigo 310 do RIR/99, in verbis:

14 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de
depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933,
p. 2. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br//main_online_frame.php?home=
federal&secao=1&page=bfbf.php?s=1&params=F::expressao=ajuste%20da%20taxa%20 de%20
deprecia%E7%E3º>. Acessado em 20.5.2011.

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104 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

“Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros


permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial
e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos,
devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no
tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de
competência.”
“Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do
prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem
pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506,
de 1964, art. 57, § 2º).”
Assim, de acordo com tal entendimento, o preceito da Lei nº 11.638/07,
que dá nova redação ao § 3º do artigo 183 da Lei das S.A, possuiria
caráter meramente interpretativo, ao determinar que a companhia efetue
“periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado
e no intangível, a fim de que sejam: (...) II – revisados e ajustados os critérios
utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da
depreciação, exaustão e amortização.”
Pelo exposto, concluir-se-ia que a regra instituída pela nova lei societária/
contábil, sobre o ajuste da vida útil e da taxa de depreciação do imobilizado,
não representaria novo critério contábil, logo, o eventual efeito produzido no
lucro líquido não estaria sujeito à neutralidade temporal do RTT.
Não obstante, a nosso ver, o objetivo principal da Lei nº 11.638/07 foi o
de promover profundas alterações nas normas brasileiras de contabilidade, a
fim de adequá-las aos padrões internacionais. Assim, se foi a Lei nº 11.638/07
que incluiu o inciso II no §3º do artigo 183 da Lei das S/A, o qual prevê
expressamente a revisão e o ajuste da taxa de depreciação, tal inciso não deve
ser encarado como uma mera norma interpretativa.
Ademais, se o referido dispositivo não alterasse um critério contábil e
fosse somente uma norma interpretativa, não haveria razão para a redação
do § 3º ter sido alterada pela Lei nº 11.941/09, editada com o objetivo de
conferir neutralidade às alterações promovidas pela adoção dos novos métodos
e critérios contábeis.
Ressalte-se ainda que tanto o artigo 177 da Lei das S/A como o artigo
310 do RIR/99 preveem a forma de definição da taxa de depreciação dos
bens do ativo imobilizado, todavia, não dispõem de maneira expressa sobre

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 105

a necessidade de revisão dos critérios utilizados para determinação da vida


útil desses bens.
Pelo exposto, é possível depreender que os ajustes nos “critérios
utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo
da depreciação” são alterações nos critérios contábeis de avaliação do ativo
imobilizado, instituídas pela Lei nº 11.638/07 e submetidas à neutralidade
do RTT. Corroborando esse entendimento, LYGIA CAROLINE SIMÕES
CARVALHO assim se posiciona:
“Uma das alterações dos critérios contábeis é o tratamento para o
ativo imobilizado e o critério para sua depreciação, abordado pelo
CPC 27 que será objeto de nossos comentários. (...) Sabemos que
a mudança de critério contábil para a depreciação do imobilizado
influencia diretamente o lucro da pessoa jurídica. No entanto, não
deverá influenciar o lucro real e a base de cálculo da CSLL, já que
o RTT – Regime de Transição Tributária assegura tal neutralidade
tributária. (...) Caberá ao contribuinte analisar os métodos de
depreciação adotados antes do advento da lei 11.638/07 e adequá-los
às regras contábeis e à legislação tributária.”15 [Grifos nossos]
Por fim, convém destacar que as Autoridades Fiscais Federais acolheram
o entendimento de que os novos critérios de depreciação de ativos introduzidos
pela Lei nº 11.638/07 não produzirão efeitos para fins de apuração da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL das pessoas submetidas ao RTT. É nesse sentido
que dispõe o Parecer Normativo da Receita Federal do Brasil nº 1, publicado
em 29.7.2011, do qual se transcreve a ementa:
“PARECER NORMATIVO RECEITA FEDERAL DO BRASIL
– RFB Nº 1 DE 29.7.2011
As diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
decorrentes do disposto no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela
Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins de apuração do
lucro real e da base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica sujeita ao
RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”

15 CARVALHO, op. cit., p.1

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106 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

5. Conclusão
Com base no acima exposto, conclui-se que, apesar de o tratamento da
depreciação de bens integrantes do ativo imobilizado ter passado a se sujeitar
a critérios societários/contábeis mais específicos e distintos dos que vinham
sendo praticados, anteriormente à edição da Lei nº 11.638/07, a nosso ver, tal
fato não acarretará conseqüências tributárias para os contribuintes.
Com efeito, à luz do RTT instituído pela Lei nº 11.941/09, a determinação
das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS permanece sendo
feita com observância da legislação tributária atual. Assim, o contribuinte pode
utilizar os prazos de depreciação previstos na IN nº 162/98, para fins tributários,
independentemente da nova sistemática de depreciação utilizada para fins
societários/contábeis.
Isso significa que, na prática, o contribuinte deverá manter, para fins
tributários, a sistemática de depreciação prevista nos artigos 305 a 323 do
RIR/99, e para fins societários/contábeis, será obrigada a tratar a depreciação
do seu ativo imobilizado segundo as disposições do CPC 01 e do CPC 27.
No entanto, a empresa deverá se utilizar do FCONT para reverter, no
LALUR, o efeito da utilização de critérios societários/contábeis diferentes,
daqueles vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07.
Todo esse processo de conversão das normas contábeis brasileiras aos
padrões internacionais tem como finalidade o aumento da transparência nas
demonstrações contábeis, principal fonte de informação da saúde financeira
e econômica das empresas. O objetivo maior de todas essas transformações é
contribuir para a real expansão dos negócios das empresas brasileiras, facilitando
o ingresso de capitais estrangeiros e o desenvolvimento do país como um todo,
o que é de se louvar.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 107

6. Bibliografia
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de
depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933.
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Acessado em 20.5.2011.
MUNIZ, Ian e MONTEIRO, Marco Antonio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA,
Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, Capítulo XIII.
PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969.

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Capítulo IV

Os possíveis efeitos
tributários relacionados
aos critérios contábeis
para o reconhecimento
do ativo imobilizado e
suas peças de reposição
Daniel Dix Carneiro
Mestrando em Direito Internacional na UERJ. Pós-Graduado em Direito
Tributário pela FGV e em Direito pela Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro – EMERJ. Bacharel em Direito pela UFF. Advogado e
consultor tributário no Rio de Janeiro.

Marcio Oliveira
Economista formado pela UFRJ. Professor nos cursos de Pós-Graduação em
Direito Tributário da UFF e da Universidade Cândido Mendes. Professor
na Universidade Petrobras, através de convênio firmado com a PUC-RJ.
Consultor tributário no Rio de Janeiro.

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1. Introdução
O presente ensaio pretende identificar as principais consequências
tributárias, no que tange aos novos critérios contábeis para o reconhecimento
do ativo imobilizado e suas eventuais peças sobressalentes, que devem ser
observados a partir do advento da Lei n.º 11.638/2007, diploma que inseriu
alterações pontuais, porém, extremamente significativas no regramento
contábil nacional.
No intuito de atingirmos os anseios perquiridos por este estudo,
analisaremos mesmo que de forma breve, as razões que deram origem
à aprovação da Lei n.º 11.638/2007, além de identificarmos qual será o
novo padrão contábil que deverá ser observado pelas sociedades nacionais
(companhias abertas e sociedades denominadas como de grande porte)1.
Passada essa abordagem inicial, analisaremos as principais alterações,
no que se refere aos critérios contábeis para reconhecimento do ativo
imobilizado e suas peças de reposição, fato que nos possibilitará apontar
as eventuais consequências tributárias resultantes dessas mudanças.
Devemos frisar, entretanto, que não temos, com este trabalho,
a pretensão de esgotar toda a matéria relativa aos efeitos contábeis
e tributários relacionados aos critérios de reconhecimento do ativo
imobilizado e suas peças sobressalentes, isso porque o referido tema, ainda
se encontra bastante incipiente, especialmente, no mundo jurídico, tendo
sido objeto, até o momento, apenas de abordagens doutrinárias jurídicas
e contábeis esparsas.

1 A Lei nº°11.638/2007 estabeleceu, em seu art. 3.°, que as disposições da Lei nº°6.404/1976 (que
dispõe sobre as sociedades por ações), já com as alterações promovidas por aquele diploma, no
que se refere à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e à obrigatoriedade de
auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, deverão
também ser aplicadas às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de
sociedades por ações. Dessa forma, mesmo as sociedades consideradas de grande porte que não
sejam abertas e constituídas sob a forma de ações deverão se nortear pelos preceitos contábeis
previstos pela Lei das S/A, fato que não era obrigatório anteriormente. É importante esclarecer que
o parágrafo único do art. 3.° da Lei nº 11.638/2007 considera como de grande porte a sociedade
ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo
total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual
superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).

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112 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

2. A definição do IFRS como padrão contábil


internacional a ser seguido2 
No intuito de aumentar o grau de transparência das demonstrações
financeiras das sociedades brasileiras em geral e de permitir a maior inserção
das companhias nacionais abertas num cenário internacional cada vez mais
globalizado, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, autarquia federal
instituída pela Lei n.º 6.385/1976 e cujas funções básicas são de regulamentar,
fiscalizar e inspecionar o mercado de valores mobiliários e as companhias
abertas, encaminhou ao Congresso Nacional, por intermédio do Poder
Executivo, o projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) sugerindo alterações relevantes
no texto da Lei n.º 6.404/1976 que dispõe sobre as sociedades por ações e
positiva os padrões contábeis a elas aplicáveis3.
Após amplos debates nas Casas Legislativas, os quais se deram ao longo
de quase 7 (sete) anos, o referido projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) foi
devidamente aprovado e convertido na Lei n.º 11.638 de 28 de dezembro de
2007, fato que resultou no surgimento de uma nova sistemática contábil nacional
e compatível com os denominados padrões internacionais de contabilidade.
Temos, portanto, que a Lei n.º 11.638/2007, ao promover alterações
pontuais no texto da Lei n.º 6.404/1976, introduzindo conceitos novos
a serem observados na elaboração das demonstrações financeiras das
sociedades nacionais (abertas e de grande porte), tornando obrigatória a
adoção de novas práticas contábeis, possibilitou que, doravante, a CVM,
no exercício de sua atividade regulamentar, elabore e expeça normas
e orientações contábeis que estejam em consonância com os padrões
internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de
valores mobiliários (§ 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, incluído pela
Lei n.º 11.638/2007).

2 Nesse item, pedimos vênia para mantermos e reproduzirmos as considerações feitas por
CARNEIRO, Daniel Dix em seu artigo intitulado: Os novos critérios de avaliação do ativo e
do passivo de longo prazo e suas possíveis conseqüências tributárias. In: FERNANDES, Edison
Carlos e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (orgs.). Aspectos tributários da nova lei contábil – lei
11.638/07. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 71-110.
3 Conforme se depreende do comunicado público feito pela Comissão de Valores Mobiliários ao
Mercado, constante do sítio <http://www.cvm.gov.br/port/infos/Esclarecimento.pdf> (acesso em
12 de junho de 2011).

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Seguindo os ensinamentos de Elidie Palma Bifano4, o conjunto de


regras contábeis que norteiam a elaboração das demonstrações financeiras
nos mercados de valores mobiliários globais e que deverá orientar a CVM no
exercício do seu poder regulamentar, nos termos do § 5.º, do art. 177, da Lei
n.º 6.404/1976, é o denominado International Financial Reporting Standards –
IFRS, que se traduz em normas de contabilidade que visam a convergência dos
princípios contábeis, emitidas pelo Comitê de Padrões Contábeis Internacionais
(International Accounting Standards Board – IASB).
Em que pese o § 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, introduzido pela
Lei n.º 11.638/2007, ser genérico ao fazer menção aos denominados padrões
internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de capitais,
Elidie Palma Bifano5, esclarece que o IFRS passou a assumir essa condição, se
considerados os termos do Memorandum of Understanding, também “conhecido
como Norwalk Agreement, firmado entre entidades de contadores dos Estados
Unidos e da Europa, com o compromisso de remover divergências entre normas
contábeis por eles emitidas”.
Dessa forma, podemos concluir que as alterações sugeridas pela Lei n.º
11.638/2007 tiveram intuito de convergir as práticas contábeis nacionais com
os denominados padrões de contabilidade internacionais, que por sua vez
possuem sua unidade no chamado IFRS.
A adoção e observância do padrão contábil internacional IFRS pelas
sociedades nacionais trarão benefícios substanciais ao país, uma vez que a
unidade das práticas contábeis terá o condão de conferir maior compreensão e
transparência à divulgação das suas demonstrações financeiras, permitindo que
iniciem atividades no exterior e tenham, mais facilmente, suas ações negociadas
em bolsas valores internacionais.
Do mesmo modo, a convergência das práticas contábeis brasileiras ao
padrão internacional certamente implicará na atração de maiores investimentos
estrangeiros ao país, pois dará termo às disparidades havidas entre os critérios
contábeis brasileiros e aqueles praticados por outros países, os quais eram motivo

4 BIFANO, Elidie Palma. Aspectos contábeis da lei 11.638/07. In: ROCHA, Sergio André (org.).
Direito tributário, societário e a reforma da lei das S/A. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008,
p. 49.
5 BIFANO, Elidie Palma. Op. Cit. p. 49.

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114 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

de desconfiança na geração de informações e causavam receio às empresas


estrangeiras de investirem em território brasileiro6.
Apenas para ilustrar essa linha de raciocínio, são válidos os dizeres de Jan
Engström7, membro da IASB, que, ao prefaciar obra de autoria de Kieran John
McManus, sócio da PwC (PricewaterhouseCoopers) no Brasil, responsável
pelas conversões para o IFRS na América Latina, afirmou:
Os mercados de capitais tornam-se cada vez mais globalizados,
aumentando constantemente os investimentos internacionais. Dessa
forma a confiabilidade das informações é um imperativo para atrair o
interesse de investidores, sobretudo em tempos de crise. As normas
de IFRS estão se tornando uma realidade em toda América Latina,
inclusive no Brasil. Existe um grande desafio à espera dos atuais
e futuros preparadores e usuários de demonstrações financeiras de
acordo com o IFRS. [grifo nosso]
Tendo em vista estas considerações, bem como as mudanças trazidas pela
Lei n.º 11.638/2007, o Comitê de Pronunciamento Contábeis – CPC, órgão
criado pelo Conselho Federal de Contabilidade através da Resolução CFC
n.º 1.055/2005 e formado por representantes de várias entidades da classe
profissional e técnica contábil8 para promover o estudo, o preparo e a emissão de
pronunciamentos técnicos de contabilidade que levem em conta a convergência
da contabilidade brasileira aos padrões internacionais – , com a intenção de
adequar as práticas contábeis ao IFRS, vem editando continuamente normas
técnicas contábeis9, que deverão ser observadas pelas sociedades abertas ou de

6 No que se refere à tendência cada vez maior de internacionalização das sociedades, denominadas
como transnacionais, e aos obstáculos por elas encontrados nesse processo, recomendamos a
leitura de RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. As empresas transnacionais e os novos paradigmas
do comércio internacional, In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes; TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado e PEREIRA, Antônio Celso Alves (org.). Novas Perspectivas do Direito Internacional
Contemporâneo, Estudos em homenagem ao Prof. Celso de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro,
São Paulo e Recife: Editora Renovar, 2008, p. 455-492.
7 ENGSTRÖM, Jan. Prefácio. In: MACMANUS, Kieran John. IFRS – Implementação das normas
internacionais de contabilidade e da Lei n.° 11.638 no Brasil. São Paulo: Editora Quartier Latin,
2009, p. 9-10.
8 São membros do CPC: a Associação Brasileira das Companhias Abertas – ABRASCA, a Associação
dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais – APIMEC NACIONAL,
a Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA, o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, o
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON e a Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuarias e Financeiras – FIPECAFI.
9 A visualização de cada um dos Pronunciamentos Técnicos editados pelo CPC pode ser verificada
no sítio <http://www.cpc.org.br/pronunciamentosIndex.php> (acesso em 12 de junho de 2011).

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grande porte brasileiras, a partir da elaboração e divulgação das demonstrações


financeiras referentemente ao encerramento do exercício social do ano de 200810.
Concluímos, portanto, numa breve síntese, que as alterações
introduzidas no mundo jurídico nacional pela Lei n.º 11.638/2007, visaram
confluir a contabilidade brasileira aos padrões adotados pelos mercados
internacionais, fato que ensejou, por parte das entidades técnicas e
normativas brasileiras, a revisão e a mudança de vários critérios contábeis que
eram usualmente praticados, os quais, doravante, deverão por determinação
legal seguir o denominado IFRS, padrão contábil emitido pela IASB.
Sob esse prisma, e levando-se em conta que a contabilidade deve ser
tida como um instrumento auxiliar à apuração de diversos tributos, pode-
se aferir, por óbvio, num primeiro momento, que qualquer mudança que
venha a afetar os critérios contábeis usualmente praticados, poderá trazer
consequências tributárias relevantes, seja para os contribuintes ou para os
Fiscos em suas várias esferas (federal, estadual, distrital e municipal).
Nesse aspecto, nas linhas que seguem, promoveremos a análise de como
as recentes alterações na legislação contábil terão o condão de repercutir, no
reconhecimento daqueles bens destinados a compor o ativo imobilizado das
sociedades e de suas peças de reposição, bem como as referidas alterações
trarão, de alguma forma, efeitos tributários aos contribuintes, especialmente
no que tange ao IRPJ, à CSLL, às contribuições PIS/COFINS, ao ICMS
e ao IPI.

3. O conceito de ativo imobilizado e o seu


reconhecimento pela contabilidade
A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976), com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 11.638/2007, ao tratar dos grupos de contas do balanço
patrimonial, dispôs o seguinte acerca dos gastos incorporados ao ativo imobilizado:

10 O art. 9.° da Lei nº°11.638/07 estabelece sua entrada em vigor no primeiro dia do ano de 2008,
sendo, portanto, seus preceitos aplicáveis aos fatos ocorridos a partir daquela data. Por sua vez,
o art. 1.° da Instrução CVM n.° 469/08 preceitua que as disposições da referida lei deverão ser
observadas somente para as demonstrações financeiras de encerramento do ano 2008, sendo
opcionais a sua aplicação para as informações trimestrais (ITR) referentes ao mesmo ano.

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116 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:


(...)
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens
corpóreos destinados à manutenção das atividades da Companhia ou
da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes
de operações que transfiram à Companhia os benefícios, riscos e
controle desses bens. [grifo nosso]
Por seu turno, o Comitê de Pronunciamento Contábeis – CPC, mediante
a edição do CPC n.º 27 de 2001, estabeleceu os seguintes requisitos para
classificação e reconhecimento dos gastos de capital:
6. (...)
Ativo imobilizado é o item tangível que:
(a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias
ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e
(b) se espera utilizar por mais de um período.
(...)
7. O custo de um item de ativo imobilizado deve ser reconhecido
como ativo se, e apenas se:
(a) for provável que futuros benefícios econômicos associados ao item
fluirão para a entidade; e
(b) o custo do item puder ser mensurado confiavelmente. (grifo nosso)
A partir das definições previstas na legislação comercial e nas normas
contábeis brasileiras, são registrados como ativo imobilizado todos aqueles bens,
avaliados e reconhecidos pelo custo de aquisição, que serão utilizados por mais de
um exercício-social, destinados à realização e desenvolvimento da atividade da
pessoa jurídica ou aplicados para fins administrativos, e que tenham capacidade
de gerar benefícios econômicos futuros em função do seu uso.
Com base nessa definição, temos condições de avançar nas análises
propostas, em especial na verificação de como as peças sobressalentes
adquiridas para a manutenção daqueles bens destinados ao ativo imobilizado
devem ser reconhecidas contabilmente, considerando-se para tanto o novo
padrão contábil adotado pelo Brasil (IFRS).

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4. A conceituação das partes e peças de


reposição (sobressalentes) para fins do seu
reconhecimento contábil
Numa breve síntese, as partes e peças de reposição podem ser conceituadas
como sendo aqueles bens que são destinados à manutenção e que visam garantir
o bom funcionamento do ativo imobilizado de uma sociedade, de modo que
a definição da forma como eles devem ser registrados na contabilidade é de
extrema importância para consecução do estudo ora proposto.
Dentro desse contexto, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, através
do já mencionado CPC n.º 27, define nos termos seguintes a ocasião e a forma
em que as partes e peças de reposição (sobressalentes) devem ser contabilizadas
como ativo imobilizado:
8. Sobressalentes, peças de reposição, ferramentas e equipamentos
de uso interno são classificados como ativo imobilizado, quando a
entidade espera utilizá-los por mais de um período. Da mesma forma,
se puderem ser utilizados somente em conexão com itens do ativo
imobilizado, também são contabilizados como ativo imobilizado.
9. Este pronunciamento não prescreve a unidade de medida para o
reconhecimento, ou seja, aquilo que constitui um item do ativo imobilizado.
Assim, é necessário exercer julgamento ao aplicar os critérios de
reconhecimento às circunstâncias específicas da entidade. Pode ser
apropriado agregar itens individualmente insignificantes, tais como
moldes, ferramentas e bases, e aplicar os critérios ao valor do conjunto.
10. A entidade avalia segundo esse princípio de reconhecimento
todos os seus custos de ativo imobilizados no momento em que são
incorridos. Esses custos incluem custos incorridos para adquirir
ou construir um item do ativo imobilizado e os custos incorridos
posteriormente para renová-lo, substituir suas partes, ou dar
manutenção ao mesmo. [grifo nosso]
Portanto, numa primeira análise, devem ser considerados como partes
e peças sobressalentes aqueles bens destinados à substituição, reparo ou
manutenção de máquinas e equipamentos a fim de mantê-los em condições
de operar, os quais, em princípio, deverão ser agregados à conta de resultado
do período, quando, além de somente beneficiar um exercício social, não
aumentarem o valor do imobilizado a que estão relacionados.

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118 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Com base nessa previsão, podemos concluir que, na prática, o que


diferenciará a classificação das peças sobressalentes como gastos do período do
conceito de ativo imobilizado (gastos de capital), será o tratamento contábil a
ser aplicado para registro do valor de aquisição desses ativos, de modo que a
definição do nível de detalhe para a segregação desses bens deve estar pautada,
não cumulativamente, conforme veremos detalhadamente a seguir: a) na
materialidade, b) na funcionalidade, c) na vida útil e d) na destinação contábil.
Assim, levando-se em conta essas considerações e dependendo de
determinadas circunstâncias, as peças de reposição poderão ser contabilizadas
como imobilizado em operação, seja em conjunto com o ativo ao qual está
vinculado, de forma individualizada, ou ainda em conta de estoque no ativo
circulante, sendo reconhecidas como custo ou despesa na medida em que forem
aplicadas, especialmente se levarmos em consideração os ditames previstos nos
itens 12, 13, 43 e 44 do CPC n.º 27:
12. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a entidade
não reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado
os custos da manutenção periódica do item. Pelo contrário, esses
custos são reconhecidos no resultado quando incorridos. Os custos
da manutenção periódica são principalmente os custos de mão-de-
obra e de produtos consumíveis, e podem incluir o custo de pequenas
peças. A finalidade desses gastos é muitas vezes descrita como sendo
para “reparo e manutenção” de item de imobilizado.
13. Parte de alguns itens do ativo imobilizado podem requerer
substituição em intervalos regulares. Por exemplo, podem requerer
substituição em intervalos regulares. Por exemplo, um forno pode
requerer novo revestimento após um número específico de horas de
uso; ou o interior dos aviões, como bancos e equipamentos internos,
pode exigir substituição diversas vezes durante a vida da estrutura.
Itens do ativo imobilizado também podem ser adquiridos para efetuar
substituição recorrente menos freqüente, tal como a substituição das
paredes interiores de um edifício, ou para efetuar substituição não
recorrente. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a
entidade reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado
o custo da peça reposta desse item quando o custo é incorrido se os
critérios de reconhecimento forem atendidos. O valor contábil das
peças que são substituídas é baixado de acordo com as disposições
de baixa deste Pronunciamento (ver itens 67 a 72).

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(...)
43. Cada componente de um item do ativo imobilizado com
custo significativo em relação ao custo total deve ser depreciado
separadamente.
44. A entidade aloca o valor inicialmente reconhecido de um item
do ativo imobilizado aos componentes significativos desse item
e os deprecia separadamente. Por exemplo, pode ser adequado
depreciar separadamente a estrutura e os motores de aeronave, seja
ela de propriedade da entidade ou obtida por meio de operação de
arrendamento mercantil financeiro. De forma similar, se o arrendador
adquire um ativo imobilizado que esteja sujeito a arrendamento
mercantil operacional, pode ser adequado depreciar separadamente
os montantes relativos ao custo daquele item que sejam atribuíveis
a condições do contrato de arrendamento mercantil favoráveis ou
desfavoráveis em relação a condições de mercado. [grifo nosso]
Diante dessas previsões, parece-nos que o momento em que as peças
sobressalentes são adquiridas, se simultaneamente ou não ao ativo imobilizado,
é um dado de extrema relevância a partir do qual o operador da informação
contábil, mediante a sua conjugação com outras circunstâncias de igual relevo
(tais como materialidade, funcionalidade e vida útil), deverá definir a correta
classificação desse item na contabilidade como ativo imobilizado ou não.
Dessa forma, para tornarmos nosso estudo mais didático, abordaremos
em separado as situações em que as peças sobressalentes foram adquiridas ou
não de forma simultânea ao ativo imobilizado ao qual serão vinculadas.
· Peças sobressalentes adquiridas simultaneamente ao ativo fixo:
Nos termos das normas e procedimentos contábeis brasileiros acima
abordados, quando ao mesmo momento da compra de um determinado
equipamento é adquirida uma série de peças ou conjuntos importantes e
essenciais ao funcionamento de tal maquinário, principalmente no caso de
eventual necessidade de substituição, tais peças sobressalentes poderão ser
contabilizadas como ativo imobilizado e serem depreciadas em base similar à
do equipamento correspondente, mesmo se não estiverem em uso.
Porém, o procedimento mais recomendado – quando os ativos
componentes de um determinado equipamento tiverem vidas úteis distintas
da do equipamento principal – deve ser o seu registro feito em separado no

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120 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

ativo imobilizado, sendo controlado individualmente para fins de aplicação dos


métodos e taxas de depreciação (como é o caso da turbina de avião mencionada
no item 44 do CPC n.º 27). Assim, tais itens constituirão ativo imobilizado
da pessoa jurídica e serão depreciados pelo período que não exceder a vida útil
do ativo ao qual estiverem vinculados.
· Peças sobressalentes adquiridas em momento posterior ao ativo fixo:
Por outro lado, aqueles dispêndios subsequentes relacionados a um ativo
imobilizado, a princípio, ao nosso ver, apenas devem ser adicionados ao valor
contábil do ativo quando for estimado que a partir deles sejam gerados benefícios
econômicos futuros (como e.g. o aumento da sua vida útil); caso contrário,
deverão ser reconhecidos como despesa à medida em que são incorridos.
Na hipótese de os dispêndios subsequentes incorridos em benefício de
determinado bem cujo valor contábil já leva em consideração uma perda nos
benefícios econômicos ou reflete a obrigatoriedade ou compromisso de a empresa
incorrer em despesa no futuro necessária para colocar o ativo em condições
operacionais – deverão tais gastos ser capitalizados, na medida em que seu valor
contábil for recuperável por meio das operações normais da empresa.
Diante das normas e procedimentos contábeis apresentados, verificamos
que a individualização e consequente capitalização de partes e peças de reposição
dependem de alguns critérios não cumulativos (tais como: materialidade,
funcionalidade, variação da vida útil dos bens e utilização intermitente) desde
que utilizadas por período superior a 12 (doze) meses e tenham a capacidade
de aumentar a vida útil do bem, gerando benefícios econômicos futuros para
os ativos da empresa.
Entretanto, para suportar o julgamento do operador das normas contábeis,
ressaltamos a necessidade de a Sociedade possuir laudo dos bens adquiridos,
com vistas a analisar e demonstrar os critérios adotados para tomada de decisão
quanto à capitalização e eventual segregação contábil desses ativos.

5. O tratamento conferido pela legislação do IRPJ


e da CSLL às partes e peças sobressalentes
A legislação tributária federal, por seu turno, determina que não poderá
ser deduzido como despesa operacional o custo de aquisição de bens do ativo
permanente que tiverem valor unitário superior a R$ 326,61 (trezentos e vinte

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e seis reais e sessenta e um centavos), ou prazo de vida útil que ultrapasse um


ano, conforme compilação da legislação efetuada pelo art. 301 do Decreto n.º
3.000/1999 – Regulamento do Imposto de Renda:
Art. 301. O custo de aquisição de bens do ativo permanente não
poderá ser deduzido como despesa operacional, salvo se o bem
adquirido tiver valor unitário não superior a trezentos e vinte e
seis reais e sessenta e um centavos, ou prazo de vida útil que não
ultrapasse um ano.
§ 1.º Nas aquisições de bens, cujo valor unitário esteja dentro do
limite a que se refere este artigo, a exceção contida no mesmo não
contempla a hipótese onde a atividade exercida exija utilização de
um conjunto desses bens.
§ 2.º Salvo disposições especiais, o custo dos bens adquiridos ou das
melhorias realizadas, cuja vida útil ultrapasse o período de um ano,
deverá ser ativado para ser depreciado ou amortizado. [grifo nosso]
Relativamente aos recursos aplicados na aquisição de partes, peças,
máquinas e equipamentos de reposição de bens do ativo imobilizado, o
Regulamento do Imposto de Renda, no seu art. 346 dispõe o seguinte:
Art. 346. Serão admitidas, como custo ou despesa operacional, as
despesas com reparos e conservação de bens e instalações destinadas
a mantê-los em condições eficientes de operação.
§ 1.º Se dos reparos, da conservação ou da substituição de partes e
peças resultar aumento da vida útil prevista no ato de aquisição do
respectivo bem, as despesas correspondentes, quando aquele aumento
for superior a um ano, deverão ser capitalizadas, a fim de servirem
de base a depreciações futuras.
§ 2.º Os gastos incorridos com reparos, conservação ou substituição de
partes e peças de bens do ativo imobilizado, de que resulte aumento da vida
útil superior a um ano, deverão ser incorporados ao valor do bem, para fins
de depreciação do novo valor contábil, no novo prazo de vida útil previsto
para o bem recuperado, ou, alternativamente, a pessoa jurídica poderá:
I – aplicar o percentual de depreciação correspondente à parte não
depreciada do bem sobre os custos de substituição das partes ou peças;
II – apurar a diferença entre o total dos custos de substituição e o
valor determinado no inciso anterior;

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122 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

III – escriturar o valor apurado no inciso I a débito das contas de resultado;


IV – escriturar o valor apurado no inciso II a débito da conta do ativo
imobilizado que registra o bem, o qual terá seu novo valor contábil
depreciado no novo prazo de vida útil previsto.
§ 3.º Somente serão permitidas despesas com reparos e conservação
de bens móveis e imóveis se intrinsecamente relacionados com a
produção ou comercialização dos bens e serviços. [grifo nosso]
Com efeito, verificamos que o critério fiscal para distinguir os
gastos de capital dos gastos do período é a vida útil do bem, cabendo a
capitalização daqueles dispêndios dos quais resulta no aumento da vida
útil do ativo acima de um ano.
Ademais, nesse mesmo sentido manifestou-se a Coordenação do Sistema
de Tributação, através da edição do Parecer Normativo CST n.º 2, de 15 de
fevereiro de 1984, cujo trecho abaixo reproduzimos in verbis:
As contas que registrem recursos aplicados na aquisição de partes,
peças, máquinas e equipamentos de reposição de bens do imobilizado,
quando referidas partes e peças tiverem vida útil superior a um ano,
devem ser classificadas no ativo imobilizado.
(...)
Todavia, certas partes e peças, quando incorporadas às respectivas
máquinas ou equipamentos, têm vida útil não superior a um ano,
intervalo de tempo no qual devem ser substituídas. Assim, os recursos
aplicados na sua aquisição não chegam a revestir características de
permanência, razão por que as contas que registrem esses recursos
devem ser classificadas fora do ativo permanente.
(...)
Observe-se, por fim, que se da substituição de partes e peças resultar
aumento da vida útil prevista no ato da aquisição do bem no qual
tiverem sido aplicadas, o valor das mesmas deverá ser acrescido ao
do referido bem; caso contrário, poderá ser computado como custo
ou despesa operacional. [grifo nosso]
Dentro dessa linha de raciocínio, cabe ressaltarmos que compete à
autoridade fiscal o ônus da prova do aumento da vida útil dos bens, por
prazo superior a um ano, relativamente aos gastos incorridos para o reparo,

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 123

conservação ou substituição das partes, não podendo de forma arbitrária e sem


qualquer critério razoável entender que o contribuinte deduziu indevidamente
da base tributável do IRPJ e da CSLL dispêndios com peças de reposição11.

6. Breves considerações sobre os encargos de


depreciação dos itens que compõem o ativo
imobilizado e a eventual aplicação do Regime
Tributário de Transição – RTT
A Lei das Sociedades por Ações, com redação atual conferida pela
Lei n.º 11.638/2007, define a depreciação a ser contabilizada como o valor
correspondente ao efetivo desgaste pelo uso ou perda da utilidade do bem:
Art. 183. (...)
(...)
§ 2.º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado,
intangível e diferido será registrada periodicamente nas contas de:
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que
têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade
por uso, ação da natureza ou obsolescência. [grifo nosso]
O Comitê de Procedimentos Contábeis estabelece no item 56 do CPC
n.º 27 os seguintes fatores para que seja estimada a vida útil, período de uso e
volume de produção de um ativo:
a) uso esperado do ativo, que deve ser avaliado com base na capacidade
ou na produção física esperadas do ativo;
b) desgaste esperado, que depende de fatores operacionais, tais como
número de turnos durante os quais o ativo será usado, o programa de
reparos e manutenção e o cuidado e a manutenção do ativo inclusive
enquanto estiver ocioso;
c) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças ou
melhorias na produção, ou de mudanças na demanda do mercado
para o produto ou serviço derivado do ativo; e

11 Esclarecemos que o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos


Fiscais – CARF) já se manifestou nesse sentido em diversas decisões, tais como: Ac. 1.° CC 101-
88.015/95 (DO 22/08/05), Ac. 1.° CC 103-12.383/92 (DO 09/11/03), Ac. 1.° CC 105-3.079/89
(DO 20/11/89).

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124 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

d) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, tais como as datas de


término dos contratos de arrendamento mercantil relativos ao ativo.
Por sua vez, o item 57 do CPC n.º 27 dispõe o seguinte acerca da
depreciação e da definição a vida útil dos bens que compõem o ativo imobilizado:
57. A vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada
do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade
pode considerar a alienação de ativos após um período determinado
ou após o consumo de uma proporção específica de benefícios
econômicos futuros incorporados no ativo. Por isso, a vida útil do ativo
é uma questão de julgamento baseado na experiência da entidade
com ativos semelhantes. [grifo nosso]
Dessa forma, para fins contábeis, podemos bem concluir que a taxa de
depreciação de um bem deve ser determinada em função do prazo de vida útil
do bem, correspondente ao período durante o qual se espera para utilização
econômica do bem pela pessoa jurídica.
Devemos salientar que a determinação da taxa de depreciação com base
na vida útil também é reconhecida para fins fiscais, desde que o contribuinte
possua, para tanto, um laudo técnico que afira a validade das taxas utilizadas
para depreciar os seus bens. Veja-se o disposto no art. 310 do RIR/1999:
Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo
durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo
contribuinte, na produção de seus rendimentos.
§ 1.º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de
vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada espécie
de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a
quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens,
desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
§ 2.º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do
imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de
outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo
os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou
por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo.
(grifo nosso)
Todavia, antes do advento da Lei n.º 11.638/2007 e por uma questão de
comodidade e facilidade de controles e falta de rigor técnico, a maior parte dos

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 125

contribuintes optava, mesmo para fins contábeis pela simples utilização das
taxas de depreciação previstas na IN SRF n.º 162/1998, as quais são publicadas
periodicamente pela Receita Federal do Brasil nos termos do § 1.º, do art. 310
do RIR/1999, as quais deveriam ser aplicadas com base no método linear.
Independentemente do método utilizado (vida útil ou taxas definidas
pela RFB), a depreciação somente será dedutível a partir do momento em
que o bem é instalado, posto em serviço ou em condições de produzir e terá
sempre como referência para aplicação da taxa o custo de aquisição do bem
passível de depreciação.
Vale destacar que ao garantir o direito do contribuinte de utilizar como
referência a vida útil do bem para fins de determinação da taxa de depreciação,
a legislação tributária reforça que a depreciação dedutível para fins de apuração
do IRPJ e da CSLL é aquela que melhor representa a perda do valor dos bens
em função do seu uso ou desgaste, observando-se a legislação comercial e os
princípios contábeis. Para tanto, deve-se levar em conta todas as especificações
técnicas do bem e suas condições de utilização econômica no tipo de atividade
em que o mesmo será empregado.
Assim, como já mencionamos, a Sociedade deverá estar apta a comprovar,
mediante laudos técnicos, que tal método ou taxa aplicada é o mais adequado por
refletir com mais exatidão os custos gerados pela depreciação e amortização dos
ativos, confrontando com os rendimentos gerados pela utilização desses bens.
Ressalte-se que a adoção de critérios ou taxas de depreciação diferentes
daqueles que foram estabelecidos pelas Instruções Normativas da Receita
Federal implica a assunção pelo contribuinte do ônus da prova da adequação do
método. Todavia, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 310 do RIR/1999, em
caso de dúvida, o contribuinte ou as autoridades fiscais poderão solicitar perícia
ao Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade oficial de pesquisa
científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados
por essas instituições, enquanto os mesmo não forem alterados por decisão
administrativa superior ou decisão judicial fundadas em laudos idôneos.
Ademais, para os bens que trabalham em dois ou três turnos, poderá
ainda ser adotada a depreciação acelerada contábil, reconhecendo e registrando
contabilmente a diminuição acelerada do valor do bem, em função do desgaste
pelo uso em regime de operação superior ao normal.

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126 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Levando-se em conta que o lucro líquido – ponto de partida para apuração


do IRPJ e da CSLL – deve ser apurado, nos termos, do inciso XI do art. 67 do
Decreto-Lei n.º 1.598/197712, seguindo-se os ditames da Lei n.º 6.404/1976,
temos que as alterações impostas pela Lei n.º 11.638/2007, poderão em alguns
caso ocasionar um descasamento estrutural entre as regras tributárias e as
normas contábeis, na medida em que os novos critérios contábeis passaram a
prever situações não abarcadas pela legislação tributária em vigor.
Assim, com o intuito de mitigar os efeitos desse descompasso, foi publicada
em 27 de maio de 2009 a Lei n.º 11.941/2009, cujo art. 15 instituía o denominado
Regime Tributário de Transição (RTT), cuja adesão era inicialmente facultativa
aos contribuintes para os exercícios fiscais de 2008 e 2009, e obrigatória a partir do
exercício de 2010, enquanto legislação tributária nova não passasse a disciplinar os
efeitos fiscais atinentes aos novos métodos contábeis13.
Em linhas gerais, a introdução do RTT teve o condão de neutralizar os efeitos
decorrentes do novo paradigma contábil sobre as apurações do IRPJ, CSLL, PIS e
COFINS14. Nessa direção, ficou estabelecido no art. 16 da Lei n.º 11.941/2009 que:

12 Art 67. Este Decreto-Lei entrará em vigor na data da sua publicação e a legislação do imposto
sobre a renda das pessoas jurídicas será aplicada, a partir de 1.º de janeiro de 1978, de acordo
com as seguintes normas:
(...)
XI - o lucro líquido do exercício deverá ser apurado, a partir do primeiro exercício social iniciado
após 31 de dezembro de 1977, com observância das disposições da Lei n.º 6.404, de 15 de
dezembro de 1976.
13 Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que
trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela
Lei n.° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei. 
§ 1.° O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária. 
§ 2.° Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo, observado o seguinte: 
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do regime em um único ano-
calendário; 
II – a opção a que se refere o inciso I deste parágrafo deverá ser manifestada, de forma irretratável,
na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2009; 
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já transcorridos do ano-calendário
de 2008, a eventual diferença entre o valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o
valor antes apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do primeiro mês
subsequente ao de publicação desta Lei, conforme o caso; 
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009, a opção deverá ser
manifestada, de forma irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da
Pessoa Jurídica 2010. 
§ 3.° Observado o prazo estabelecido no § 1o deste artigo, o RTT será obrigatório a partir do ano-
calendário de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro
presumido ou arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição
para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 127

Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei n.º 11.638, de 28 de


dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas
na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei
no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser
considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007. [grifo nosso]
Na prática, inserção do RTT obrigou os contribuintes que optaram pela
sua adoção a manterem dois controles contábeis paralelos. O primeiro, destinado
à apuração do fiscal, permaneceria fundamentado nas disposições societárias
vigentes até 31/12/2007; enquanto o segundo incorporaria as alterações
societárias previstas na Lei n.º 11.638/200715.
Sob a perspectiva do presente ensaio, a introdução do RTT nos é importante
para que possamos definir a sua aplicação, ou não, aos critérios de depreciação
de bens utilizados nas atividades produtivas das empresas, considerando, para
tanto, o conceito de depreciação disposto no já mencionado art. 183, § 2.º,
alínea a, da Lei n.º 6.404/197616, pois como foi visto, o referido dispositivo
define claramente que a depreciação está relacionada com a vida útil do bem,
na medida em que vincula a perda de valor do bem ao seu desgaste ou perda
de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência.
Com as alterações impostas pelas Leis n.ºs 11.638/2007 e 11.941/2009 foi
ainda acrescentado à Lei das S/A o conceito de vida útil econômica estimada,
conforme redação a seguir:
Art. 183 (…)
§ 3º A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam:

14 O Art. 21 da Lei 11.941/2009 também estende o RTT aos elementos que afetam a apuração das
Contribuições para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e para o Programa de Integração
Social (PIS).
15 Em que pese a criação do Controle Fiscal de Transição (FCont), na prática, todas as empresas
após 2009 – quando o RTT deixou de ser uma opção e tornou-se uma obrigação – tiveram que
manter uma contabilidade paralela, sobretudo aquelas em que o sistema de custeio foi afetado
pelas alterações na Legislação Societária.
16 Redação conferida pela Lei nº 11.941/2009, mas que apenas introduziu os intangíveis ao
texto original.

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128 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver


decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que
se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir
resultados suficientes para recuperação desse valor; ou 
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da
vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão
e amortização. [grifo nosso]
Embora a Receita Federal do Brasil, através de entendimento
manifestado no Parecer Normativo n.º 1 de 2011, entenda que o inciso II
do § 3.º do art. 183 vincule a depreciação ao tempo pelo qual o bem gerará
benefícios econômicos à empresa17, somos da opinião de que a definição
trazida pelo inciso II reforça o disposto no item a do § 2.º do mesmo artigo,
na linha do mencionado no Manual de Contabilidade Societária18, qual
seja: de que a depreciação a ser contabilizada deve ser a que corresponder
ao desgaste efetivo pelo uso ou perda de utilidade, mesmo que por ação da
natureza ou obsolescência.
Em outras palavras, entendemos que a alteração do art. 183 da Lei
nº 6.404/1976, não gerou mudanças significativas no reconhecimento
da depreciação, sendo mantida, na prática, a metodologia então vigente.
Nesse aspecto, basta apenas que comparemos os ditames do CPC n.º 27
com aqueles previstos na antiga NPC n.º 7, para que possamos concluir
que não houve alterações substanciais nas regras contábeis anteriores
relacionadas à depreciação do ativo imobilizado.
Porém, como já dito, por uma questão de conveniência e falta de rigor
técnico dos aplicadores das normas contábeis, até a entrada em vigor da Lei
n.º 11.638/2007, era comum o reconhecimento contábil da depreciação apenas
com base nas taxas relacionadas na IN SRF nº 162/1998, sendo necessários, por
exemplos, ajustes de GAAP no momento da consolidação dos balanços de filiais
brasileiras com os de suas matrizes no exterior. Uma vez extinta essa cultura

17 Parecer Normativo nº. 1 de 2011, item 19.


18 IUDÍCIUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto R.; SANTOS, Ariovaldo dos. Manual de
Contabilidade Societária Aplicável a Todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais
e do CPC. São Paulo: Atlas, 2010, p. 249.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 129

contábil permissiva e costumeira, a quase totalidade das empresas brasileiras


viram-se obrigadas a revisitar a questão dada à existência de verdadeiros
disparates contábeis19.
Considerando que a IN SRF n.º 162/1998 permanece em vigor, a aplicação
das taxas de depreciação continua válida exclusivamente para fins fiscais e
frise-se por opção do contribuinte. Feita essa opção, o contribuinte deverá
fazer os ajustes pertinentes através do Livro de apuração do Lucro Real e do
FCont. O ajuste em questão alcança tanto a hipótese da depreciação registrada
na contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará em uma
adição à base tributável referente à parcela considerada não dedutível), quanto
a da depreciação registrada na contabilidade ser menor que a admitida para
fins de apuração de imposto. Nesse caso, a entidade poderá excluir da base
tributável a parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida
pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares.
A opção pela aplicação das disposições da IN SRF n.º 162/1998 certamente
acontecerá nas hipóteses que o contribuinte puder acelerar o reconhecimento
da depreciação para fins fiscais, reduzindo, por conseguinte, o lucro tributável
no presente. Essa escolha também poderá gerar um benefício adicional, caso o
contribuinte se valha da depreciação para fins de reconhecimento dos créditos
de PIS e de COFINS20. Nesse caso, também acelerará o reconhecimento dos
créditos das contribuições calculados sobre a depreciação.

7. Apropriação e desconto dos créditos das


contribuições PIS/COFINS
Com a instituição do regime não cumulativo de apuração das contribuições
PIS/COFINS pelas Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, passou a ser admitida a
possibilidade de serem descontados créditos dessas contribuições equivalentes à
aplicação das respectivas alíquotas sobre os gastos referentes a determinados bens
e serviços diretamente relacionados com a atividade operacional da pessoa jurídica.

19 Um bom exemplo está na depreciação de fornos destinados à produção de vidro. De acordo com
as disposições previstas na IN SRF n.º 162/1998, esse item de ativo pode ser depreciado em apenas
3 (três) anos, ao passo que a sua vida útil é usualmente superior a 20 (vinte) anos.
20 Ver art. 3.º, § 1.º, inciso III das Leis nº s. 10.637/2002 e 10.833/2003.

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130 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

No que se refere aos bens incorporados ao ativo imobilizado, as Leis


n.ºs 10.637/02 e 10.833/03 estabeleceram, em seu art. 3.º, a seguinte regra de
reconhecimento dos créditos das contribuições PIS/COFINS:
Art. 3.º. Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá
descontar créditos calculados em relação a:
(...)
VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo
imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para
utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação
de serviços. [grifo nosso]
Diante da leitura do dispositivo acima (cuja redação é idêntica tanto para
Leis n.ºs 10.637/02, quanto para a Lei n.º 10.833/03), temos que aqueles bens
incorporados ao ativo imobilizado e “utilizados na produção de bens e produtos
destinados à venda ou na prestação de serviços” são passíveis de aproveitamento
de créditos das contribuições PIS/COFINS, os quais podem ser calculados às
alíquotas genéricas de 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS) sobre as despesas de
depreciação desse ativo imobilizado21.
Deve ser salientado que existe, ainda, a possibilidade de desconto de
créditos das contribuições PIS/COFINS, de forma linear calculados na razão
de 1/48 (um quarenta e oito avos) sobre o valor de aquisição (§ 14, do art.
3.º, da Lei n.º 10.833/03) e 1/24 (um vinte e quatro avos) sobre o custo de
aquisição – a depender da NCM do equipamento adquirido (artigo 2.º da Lei
nº 11.051/04, e Decretos n.ºs 4.955/04 e 5.173/04), considerando-se para tanto
também as alíquotas genéricas das Contribuições PIS/COFINS.
Ainda nessa linha, destacamos que a Lei n.º 11.774/2008 (art. 1.º) também
trouxe a possibilidade de desconto dos créditos de PIS e de COFINS, no
prazo de 12 (doze) meses, calculados sobre o custo de aquisição de máquinas e
equipamentos destinados à produção de bens e serviços, desde que adquiridos
a partir de maio de 200822(p.seg.).

21 Acerca da taxa de depreciação a ser utilizada para fins de apropriação de créditos e de eventual
ajuste ao RTT vide os comentários feitos por ocasião do item 6 do presente.
22 Ressaltamos que, recentemente, no intuito de estimular os investimentos por parte dos
empreendedores, o Governo Federal fez editar a Medida Provisória nº°540/2011, no âmbito do
Programa Brasil Maior, cujo art. 4.º alterou a redação do art. 1.º da Lei nº°11.774/2008, para

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No que se refere às peças sobressalentes contabilizadas em estoque no ativo


circulante e apropriadas no resultado do período em que forem empregadas23,
poderá ocorrer o desconto dos créditos das contribuições PIS/COFINS
no momento da aquisição, pois, embora relacionadas a um item do ativo
imobilizado utilizado na produção, trata-se, em nosso sentir, de um insumo
necessário ao processo, atendendo, portanto, os requisitos do art. 3.º das Leis
n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003:
Art. 3.º Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá
descontar créditos calculados em relação a:
I – (…)
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços
e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda,
inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento
de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido
pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação
ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da
TIPI.” [grifo nosso]
Nesse particular, vale lembrarmos que o pressuposto de fato para incidência
do PIS e da COFINS é a receita auferida, de forma que a não-cumulatividade,
na hipótese, deve ser considerada sobre a receita e não sobre o produto – como
o é no caso do IPI – ou sobre a mercadoria – como o é no caso do ICMS – e
que, por fim, desaconselha a adoção de uma interpretação do termo “insumo”,
para fins de aplicação das leis pertinentes ao PIS e à COFINS, idêntica àquela
consagrada para fins de aplicação das leis pertinentes ao IPI e ao ICMS.
Esse posicionamento, ademais, é corroborado pela doutrina especializada, como
bem podemos depreender das lições de Marco Aurélio Greco, abaixo transcritas:

autorizar a opção pela apropriação de créditos referentes à aquisição de máquinas e equipamentos


destinados à produção de bens e prestação de serviços, por quotas lineares, em periodicidades
menores, a partir do mês de agosto/2011, de acordo com o mês em que ocorra a aquisição dos
bens. Nesse sentido, os bens adquiridos em agosto de 2011, a partir do dia 03.08.2011, poderão
ter créditos apropriados na razão de 1/11 (um onze avos) ao mês, em setembro na razão de 1/10
(um dez avos) ao mês, em outubro na razão de 1/9 (um nove avos) ao mês e assim sucessivamente.
Até que, para os bens adquiridos a partir de julho de 2012 o crédito poderá ser apropriado
imediatamente em sua integralidade.
23 Na hipótese de não possuírem vida útil superior a um ano e de não terem expectativa de gerar
benefícios econômicos futuros para a Sociedade.

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132 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Realmente, enquanto o processo formativo de um produto aponta no


sentido de eventos de caráter físico a ele relativos, o processo formativo
de uma receita aponta na direção de todos os elementos (físicos ou
funcionais) relevantes para sua obtenção. Vale dizer, o universo de
elementos captáveis pela não-cumulatividade de PIS/COFINS é
mais amplo do que aquele, por exemplo, do IPI24.
Com efeito, ao analisarmos o termo “insumo” sob a ótica da incidência não
cumulativa do PIS e da COFINS, devemos levar em conta as características
intrínsecas a essas contribuições – o pressuposto de fato da incidência, a saber,
a receita – e que as distinguem do IPI e do ICMS e, em última análise, fazem
com que a incidência não-cumulativa daqueles tributos não possa ser confundida
com a destes.
Nessa ótica, destacamos que o conceito clássico de insumo, consagrado nas
leis do ICMS e do IPI, como sendo matérias-primas, produtos intermediários
e materiais de embalagem aplicados diretamente no processo de produção,
embora aplicável, é insuficiente quando se analisa a questão sob a ótica do PIS
e da COFINS. Teremos, então, que recorrer a um conceito específico para
essas contribuições, que deve abranger não somente aqueles materiais que se
agreguem fisicamente ao produto, mas, de uma forma ampla, todos os fatores
de produção indispensáveis à obtenção de receitas.
Ademais, deve ser salientado que essa é a posição mais recente acolhida
pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, através da Terceira Turma
da Câmara Superior de Recursos Fiscais quando do julgamento do Recurso
n.º 248.457, e cuja ementa do acórdão abaixo reproduzimos in literis:
CRÉDITO RESSARCIMENTO.
A inclusão no conceito de insumo das despesas com serviços
contratados pela pessoa jurídica e com as aquisições de combustíveis
e lubrificantes, denota que o legislador não quis restringir o
creditamento do PIS/PASEP às aquisições de matérias-primas,
produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance de
insumos na legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção
industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos

24 GRECO, Marco Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS, In: PAULSEN, Leandro (Coord.).
Não-cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS. Porto Alegre: edição do Instituto de Estudos
Tributários e da IOB Thompson, 2004, p. 101-122.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 133

como sendo os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer


na produção de bens ou serviços por ela realizada.
Negado provimento ao recurso da Procuradoria da Fazenda
Nacional. (Processo n.º 11065.101271/2006-47, acórdão n.º 9303-
01.035, 3.ª Turma da CSRF, relator: Conselheiro Henrique Pinheiro
Torres) – [grifo nosso]
Dessa forma, ao adotarmos um conceito próprio de insumo para fins de
interpretação e aplicação das normas atinentes ao PIS e à COFINS – conceito
esse que não abrange tão somente aqueles materiais que se agreguem fisicamente
ao produto, mas, de uma forma ampla, todos aqueles fatores de produção
indispensáveis à obtenção de receitas – entendemos que as peças sobressalentes
de reposição ou manutenção aplicadas ao processo produtivo da pessoa jurídica
são passíveis de desconto de crédito de PIS e COFINS.
De forma reiterada, desde a edição da Lei n.º 10.637/02, as autoridades
fazendárias federais têm se manifestado no sentido de que são considerados
insumos tanto os gastos com partes e peças de reposição aplicadas na
manutenção de bens do ativo imobilizado utilizados na produção, bem como
os serviços de manutenção contratados de pessoas jurídicas, conforme exposto
na seguinte solução de consulta:
Solução de Consulta n.º 402/2004 (9.ª Região Fiscal)
Contribuição para o PIS/Pasep – CRÉDITOS. ENCARGOS DE
DEPRECIAÇÃO. PEÇAS DE REPOSIÇÃO. MANUTENÇÃO.
Os créditos calculados sobre os encargos de depreciação de máquinas,
equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, sejam ou
não utilizados na produção de bens destinados à venda ou na prestação
de serviços, podem ser descontados do valor da contribuição para o PIS/
PASEP com relação a fatos geradores ocorridos de 1º de dezembro
de 2002 até 31 de janeiro de 2004. Podem também ser descontados
créditos à contribuição para o PIS/PASEP, relativos às peças de
reposição e ao serviço de manutenção prestado por pessoa jurídica,
utilizados na fabricação do produto ou prestação do serviço em bens
do ativo imobilizado, a partir de 1º de dezembro de 2002. [grifo nosso]
Assim, entendemos que os gastos com reposição e manutenção de peças
sobressalentes não classificadas no ativo imobilizado poderão ensejar o desconto de
créditos de PIS e de COFINS, desde que tais peças relacionem-se intrinsecamente

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134 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

à atividade operacional da Sociedade, enquadrando-se, portanto, no conceito


de insumo para fins das referidas Contribuições Sociais.
Por sua vez, ressaltamos que relativamente às partes de reposição, que
em razão da conveniência e oportunidade tenham sido capitalizadas, ou seja,
classificadas como ativo imobilizado, a pessoa jurídica também poderá apropriar
créditos das contribuições PIS/COFINS, considerando conforme o caso a
despesa de depreciação vinculada àquele item do imobilizado, ou, se preferir,
conforme já mencionamos na proporção de 1/48 ou 1/24 sobre o valor de
aquisição, ou ainda na proporção de 1/12 sobre o custo de aquisição.

8. A apropriação dos créditos de ICMS sobre o


ativo imobilizado e suas peças sobressalentes
Segundo a sistemática da não cumulatividade do ICMS, o contribuinte
tem direito a compensar o imposto cobrado nas operações anteriores com o que
for devido nas operações subsequentes relativamente à circulação de mercadorias
ou prestação de serviços pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Senão, vejamos o que dispõe o art. 155, inciso II, e § 2.º da Constituição da
República Federativa do Brasil:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
(...)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços
com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado
ou pelo Distrito Federal.
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário
da legislação:

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 135

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido


nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Dessa análise preliminar depreende-se que a sistemática do ICMS cinge-
se, em linhas gerais, nos seguintes pressupostos lógicos: a) entradas tributadas
garantem ao adquirente direito ao crédito de ICMS; e b) saídas tributadas
dão direito ao remetente de manter os créditos decorrentes de suas entradas
tributadas.
Com efeito, a apropriação dos créditos de ICMS, nos termos da legislação
tributária, guarda direta ligação com a conceituação fiscal dos materiais
adquiridos, que, por sua vez, podem ser classificados em quatro categorias, a
saber: ativo permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário
e insumo.
Nos termos do que dispõe o artigo 20 da Lei Complementar n.º 87/1996
(Lei Kandir), com vistas à manutenção do princípio da não-cumulatividade, é
assegurado ao contribuinte apropriar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica,
no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo (somente
a partir de 1.º de janeiro de 2020 – art. 33, inciso I da LC n.º 87/1996)25 ou ao
ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de serviço de comunicação por estabelecimento industrial,
desde que tais operações não resultem em operações isentas ou não tributadas
(note que em determinadas ocasiões a manutenção dos créditos está prevista
na legislação específica), ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à
atividade do estabelecimento.
No que se refere à apropriação de créditos de ICMS relacionados à
entrada no estabelecimento do contribuinte de bens para serem utilizados
como produtos intermediários ou insumos, o entendimento jurisprudencial
acerca do tema é no sentido de que é possível a apropriação de tais créditos,
caso as mercadorias venham integrar o processo produtivo, nele se consumindo

25 Recomendamos, ainda, a leitura do art. 33 da LC n.° 87/96, no sentido de se identificar também


as limitações quanto ao crédito de ICMS sobre a aquisição de energia elétrica e de serviços de
telecomunicações.

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136 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

ou integrando o produto final. Nesse sentido, vejamos a ementa do acórdão


proferido pelo STJ quando do julgamento do REsp. n.º 617.504 – RS:
P R OC E S S U A L C I V I L . R E C U R S O E S P E C I A L .
A D M I S S I B I L I DA D E . S Ú M U L A 0 7 / S T J . ( I C M S .
CREDI TAMENTO. POSSIBILIDADE. PRODU TOS
INTERMEDIÁRIOS QUE SÃO CONSUMIDOS OU
INUTILIZADOS NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO)
1. Concluindo o v. voto condutor do aresto recorrido que: “À toda
evidência, lixa, rebolo diamantado, pó acrílico, broca, luvas, tintas,
esmalte, etc., não sendo peças de máquinas, destinam-se ao corte, furo
e acabamento do vidro que, pelo próprio índice de incidência na sua
reposição, perdem a utilidade com rapidez, equiparando-se a produtos
intermediários que devem ser computados no produto final.” e que “desta
forma, como os produtos da apelante são consumidos e utilizados no
processo industrial, geram crédito fiscal, nos termos do art. 28, I, ‘e’, da
Lei 8.820/89, na esteira do art. 31, III, do Convênio 66/88” inequívoca
a análise fática para a aferição da existência ou não do fato gerador.
2. Sob esse ângulo, o Recurso Especial não é servil ao exame de
questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório
dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ.
3. Recurso Especial não conhecido. (REsp. n.º 617.504, Primeira
Turma, STJ, relator: Ministro Luiz Fux) – [grifo nosso]
Relativamente à decisão mencionada, é de se notar que no que se refere
ao ICMS não são precisamente definidos os conceitos de insumo e produto
intermediário, sendo o posicionamento do STJ no sentido de que cabe apropriação
de crédito daquele imposto no caso de entrada no estabelecimento do contribuinte
de materiais destinados à produção, desde que se incorporem ao produto final,
ou que ao menos sejam consumidos no processo de industrialização de forma
imediata e integral, independentemente de sua denominação26.

26 Deve, contudo, ser salientado que, apesar desse entendimento por parte do STJ, essa questão
no âmbito das Administrações Tributárias Estaduais ainda permanece controversa, isso porque
alguns Estados entendem que aqueles produtos consumidos no processo industrial, mas que
não são incorporados ao produto final devem ser entendidos como sendo material de uso em
consumo, cujo crédito do ICMS encontra-se atualmente vedado (art. 33, inicio I da LC n.° 87/1996.
Nesse aspecto podemos citar como exemplo desse posicionamento contrário à pretensão dos
contribuintes os termos do acórdãos n.° 5.172/2007 e n.° 5.237, proferidos pelo órgão pleno do
Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 137

Feitos os esclarecimentos acerca de quais bens dão direito à apropriação


de crédito de ICMS quando da entrada no estabelecimento do contribuinte,
parece-nos pertinente distinguir com mais detalhes os conceitos de ativo
permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário e insumo,
para fins de apropriação do referido imposto.
Inicialmente devemos atentar para o principal fator de diferenciação
entre esses conceitos, qual seja: a destinação do bem quando da sua entrada
no estabelecimento do contribuinte.
Nesse contexto, sendo a mercadoria destinada à utilização no processo industrial
e vindo a compor efetivamente o produto final, tratar-se-á, pois, de insumo.
Produto intermediário, por sua vez, pode ser considerado aquele bem que
ingressa no estabelecimento do contribuinte para ser destinado ao consumo no
processo industrial, sendo usado e consumido durante a produção, sem para
tanto venha integrar em definitivo o produto final.
Tendo em vista que o conceito de produto intermediário tem provocado
controvérsias na doutrina e jurisprudência, entendemos válido, no intuito de
suportar nosso entendimento, recorrermos aos ditames da Instrução Normativa
SLT n.º 01/1986 editada pela Secretaria de Fazenda do Estado de Minas Gerais
SEF/MG, a qual esclarece o seguinte:
Considerando que nos termos da legislação em vigor, para efeito de
apuração do valor do ICMS a pagar, será abatido o imposto incidente
nas operações realizadas no período, sob a forma de crédito, dentre
outros valores, o valor do imposto correspondente à entrada do
produto intermediário; considerando que o produto intermediário é
aquele que, empregado diretamente no processo de industrialização,
integrar-se ao novo produto; considerando que, por extensão,
produto intermediário é também o que, embora não se integrando
ao novo produto, é consumido, imediata e integralmente, no curso
da industrialização; considerando as controvérsias que têm envolvido
a conceituação extensiva de produto intermediário, e que o ponto
essencial de divergência se prende às dificuldades verificadas na
precisa identificação da efetiva participação do produto no processo
de industrialização; considerando, com efeito, que o centro das
controvérsias reside no dúplice circunstanciamento, qual seja o produto
ser consumido imediata e integralmente dentro da linha de produção;
considerando que, após estudos, debates, disputas administrativas

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138 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

e judiciais, revisão e reajustes de conceitos, com recolhimento de


pareceres e laudos técnicos, tem-se como aflorado, fruto de todo esse
trabalho e em especial da jurisprudência administrativa que já se pode
ter como firmada, um entendimento bem fortalecido a respeito da
espécie, capaz de reduzir dúvidas a prevenir dissensões, RESOLVE:
I – Por consumo imediato entende-se o consumo direto, de produto
individualizado, no processo de industrialização; assim, considera-se
consumido diretamente no processo de industrialização o produto
individualizado, quando sua participação se der num ponto qualquer
da linha de produção, mas nunca marginalmente ou em linhas
independentes, e na qual o produto tiver o caráter de indiscutível
essencialidade na obtenção do novo produto.
II – Por consumo integral entende-se o exaurimento de um
produto individualizado na finalidade que lhe é própria, sem
implicar, necessariamente, o seu desaparecimento físico total;
neste passo, considera-se consumido integralmente no processo de
industrialização o produto individualizado que, desde o início de
sua utilização na linha de industrialização, vai-se consumindo ou
desgastando, contínua, gradativa e progressivamente, até resultar
acabado, esgotado, inutilizado, por força do cumprimento de
sua finalidade específica no processo industrial, sem comportar
recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos.
III – Não se consideram consumidas imediata e integralmente os
produtos, como ferramentas, instrumentos ou utensílios, que embora
se desgastem ou deteriorem no processo de industrialização – como
aliás ocorre em qualquer bem ao longo do tempo – não se esgotam de
maneira contínua, gradativa e progressiva, até o completo exaurimento,
na linha de produção.
IV – Igualmente não são considerados produtos consumidos imediata
e integralmente no processo de industrialização as partes e peças de
máquina, aparelho ou equipamento, pelo fato de não se constituírem
em produto individualizado, com identidade própria, mas apenas
componentes de uma estrutura estável e duradoura, cuja manutenção
naturalmente pode importar na substituição das mesmas.
V – Excepcionam-se da conceituação do inciso anterior as partes
e peças que, mais que meros componentes de máquina, aparelho

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 139

ou equipamento, desenvolvem atuação particularizada, essencial


e específica, dentro da linha de produção, em contacto físico com
o produto que se industrializa, o qual importa na perda de suas
dimensões ou características originais, exigindo, por conseguinte,
a sua substituição periódica em razão de sua inutilização ou
exaurimento, embora preservada a estrutura que as implementa ou
as contém. [grifo nosso]
Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se no seguinte
sentido acerca de produto intermediário para fins de apropriação do IPI, cujo
entendimento pode, em nosso sentir, ser estendido analogamente ao ICMS:
Tributário. IPI. Materiais refratários. Direito ao creditamento. Os
materiais refratários empregados na indústria, sendo inteiramente
consumidos, embora de maneira lenta, não integrando, por isso,
o novo produto e nem o equipamento que compõe o ativo fixo da
empresa, devem ser classificados como produtos intermediários,
conferindo direito ao crédito fiscal27. [grifo nosso]
Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal definiu produto
intermediário como:
(...) aqueles materiais que, embora não compondo o produto final
(como as matérias-primas e os materiais secundários, integrantes
do produto final), são, não obstante, empregados, utilizados ou
consumidos, necessária e obrigatoriamente, na fabricação ou na
produção industrial de determinado produto (ainda que este vá servir
de matéria-prima para novo produto industrial)28.
Finalmente, caso a mercadoria que ao ingressar no estabelecimento do
contribuinte seja destinada a consumo que se dê fora do processo industrial,
trata-se, pois, de material de uso ou consumo do estabelecimento, e cuja
apropriação do crédito encontra-se defesa até o dia 1.º de janeiro de 2020.
Devem-se entender como materiais de uso ou consumo aqueles que,
desvinculados do processo produtivo, são utilizados na manutenção e
conservação dos estabelecimentos do contribuinte, como bem sintetizam
José Cassiano Borges e Maria Lúcia dos Reis:

27 STJ, RESP n.º 183610-SP, Relator Ministro Hélio Mosimann, D.J.U. de 07.08.1995.
28 STF, AI nº 127762, Relator Ministro Aldir Passarinho, D.J.U. de 29.06.1990.

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140 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

São bens de uso ou consumo as mercadorias utilizadas pelo


contribuinte em seu estabelecimento, na manutenção, conservação
ou substituição de outras, sem nenhuma participação no processo de
industrialização ou comercialização do adquirente 29 . [grifos nossos]
Uma vez abordados os conceitos de insumo, material intermediário e
materiais destinados ao uso e consumo, cumpre-nos tratar dos aspectos peculiares
relativos ao crédito de ICMS oriundo da aquisição de bens destinados a integrar
o ativo imobilizado, cujo conceito contábil é semelhante ao fiscal. O seu primeiro
traço distintivo é a apropriação parcelada do valor desse tributo destacado na
nota fiscal em quarenta e oito meses. Além disso, exige-se, nos termos do §
1.º do art. 20 da Lei Complementar n.º 87/96, que o bem destinado ao ativo
imobilizado seja vinculado à atividade operacional da sociedade.
Em sendo o ativo operacional, o mesmo ensejará o direito à apropriação do
crédito de ICMS, o qual deverá ser dividido em quarenta e oito parcelas, como já
mencionado, devendo ainda tais parcelas serem apropriadas proporcionalmente
às saídas e prestações tributadas, acrescidas das operações de exportação, nos
termos dos incisos II e III do § 5.º do art. 20 da Lei Complementar n.º 87/9630.
Outro aspecto de relevo se traduz no momento a partir do qual o
crédito de ICMS relacionado aos bens destinados ao ativo imobilizado pode
ser efetivamente aproveitado na escrita fiscal. Nesse particular, de acordo
com o, a apropriação do ICMS deve ser iniciada no mês em que ocorrer a
entrada física do bem no estabelecimento do contribuinte31 , devendo ainda

29 REIS, Maria Lúcia Américo do; e BORGES, José Cassiano. O IPI ao Alcance de Todos. Rio de
Janeiro: Forense, 1999, p. 9.
30 Art. 20 (...)
(...)
§ 5.° Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes
de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser
observado:
(...)
III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser
apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48
(um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas
e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para
fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado
à impressão de livros, jornais e periódicos;
IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído,
pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; 
31 Questão que pode se afigurar controversa refere-se ao momento para apropriação do ICMS
incidente sobre a aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado de contribuinte que se

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 141

ser observada a obrigação de estorno de eventual saldo remanescente ao final


do quadragésimo oitavo mês.
Relativamente aos materiais aplicados em reparos, consertos ou reformas
de itens já classificados no imobilizado, quando representarem um aumento
de eficiência ou produtividade ou um prolongamento da vida útil dos ativos
em que foram empregados, entendemos que poderão ser classificados como
ativo, com o tratamento tributário equivalente. No entanto, caso essas peças
sejam consumidas no processo de reparo, nosso entendimento é de que não
existe previsão para a tomada de créditos de ICMS. Nessa linha de raciocínio,
parece-nos que a Sociedade deverá se nortear pelo tratamento contábil que
irá conferir a tais bens.
Nesse ponto, é válida a menção à Decisão Normativa CAT n.º 1/2000,
que, não obstante vincular apenas a Fazenda do Estado de São Paulo, merece
atenção em razão da lucidez de algumas de suas disposições, as quais servirão
de norte para nossas conclusões interpretativas:
16 – Seguindo a doutrina exposta, a qual fundamenta-se nos artigos
da Lei n.º 6.404/76, temos que as partes e peças que acompanham
a máquina ou o equipamento quando de suas aquisições, são
contabilizadas como Ativo Imobilizado, e como tal geram direito
ao crédito do valor do ICMS correspondente.
17 – Já no que pertine às partes e peças adquiridas separadamente
para o fim de manutenção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas
no Ativo Imobilizado), de máquinas ou equipamentos não geram,

encontra em fase pré-operacional. Há que se ressaltar que não afastamos a possibilidade de os


Estados entenderem que a apropriação do crédito do ICMS, neste caso, somente seria possível
com o efetivo emprego do referido bem no processo produtivo (e.g. art. 23, § 3.°, alínea i do
Regulamento do ICMS do Paraná e Parecer Normativo nº 661/2005 do Estado de Goiás). Por
sua vez, lembramos que o Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital ao tratar do registro G125
estabelece a possibilidade de escrituração dos bens destinados a compor o ativo imobilizado
de contribuinte em fase pré-operacional sob as seguintes denominações: “Imobilização em
andamento – componente” e “Conclusão de Imobilização em Andamento – Bem Resultante”.
Assim, os referidos bens poderiam ser escriturados como “Imobilizado em andamento” durante
a fase pré-operacional e, uma vez finalizado este período, seriam registrados sob a denominação
“Saldo Inicial de bens imobilizados”, e somente a partir de então se iniciaria a apropriação das
48 parcelas relativas ao crédito. Entretanto, tal fato não se afigura razoável, face à disposição
expressa do art. 20, § 7.°, alínea 1, que garante a apropriação do ICMS a partir da entrada física do
bem. Ademais, na mesma linha de raciocínio, deve-se ponderar que inexiste qualquer obrigação
acessória relativa ao ICMS que exija a entrada do bem em operação para iniciar a apropriação
do crédito do ICMS incidente sobre sua aquisição.

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142 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

por suas aquisições, o direito de lançar na escrita fiscal o valor do


imposto correspondente, por se tratar de valores de mercadorias que
serão lançados na contabilidade da empresa como Ativo Circulante
ou diretamente como despesas operacionais, gastos gerais de
fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo direito
ao crédito somente se dará a partir de 01/01/2003, por força da Lei
Complementar nº 99/99.
18 – Diante de todo o exposto, em conclusão, temos as seguintes
condições para o aproveitamento, como crédito, do imposto pago nas
aquisições de partes e peças destinadas às situações retratadas no item
1 retro:
a) os bens de Ativo Imobilizado a que serão incorporadas devem eles,
também, ter feito jus ao crédito do imposto, na forma e condições da Lei
Complementar n.º 87/96, alterada pela Lei Complementar n.º 102/2000;
b) sejam as partes e peças classificadas no Ativo Imobilizado;
c) sejam observadas todas as demais regras de lançamento e estorno
constante nos artigos 20 e 21 da Lei Complementar n.º 87/96, alterada
pelas Leis Complementares nº 99/99 (de 20/12/99) e 102/2000 (de
12/07/2000), e artigos 56 e seguintes do Regulamento do ICMS –
RICMS. [grifo nosso]
Assim, nos termos da referida decisão, as partes e peças que acompanham
a máquina ou o equipamento quando de sua aquisição ou não, e que tenham a
função de aumentar a vida útil do bem, podem ser contabilizadas e registradas
fiscalmente no ativo imobilizado, permitindo-lhes, por conseguinte, o desconto
de crédito à proporção de 1/48 (um quarenta e oito avos) mensais a partir da
sua entrada no estabelecimento32. Isso porque, tais peças sobressalentes possuem
função específica de uso para tal equipamento, bem como em função de sua
necessidade para que o mesmo se mantenha em operação.
Por outro lado, as peças e partes de disponibilidade ampla no mercado, as
quais têm vida útil física própria inferior a um ano e valor econômico individual,
não vinculadas a um equipamento específico da Sociedade, devem ser registradas

32 Devemos salientar, entretanto, que esta questão não se encontra totalmente pacificada perante as
Administrações Tributárias Estaduais, de forma que outros entes federados poderão ter entendimento
diverso daquele exarado pelo Estado de São Paulo, com o qual, aliás, exaramos nossa concordância.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 143

como materiais de uso e consumo e, consequentemente, não serão passíveis de


desconto de créditos de ICMS.

9. O IPI e os bens destinados ao ativo imobilizado


e suas peças de reposição
Em linhas gerais, as regras aplicáveis ao desconto de créditos de Imposto
sobre Produtos Industrializados – IPI, em muito se assemelham à sistemática
da não cumulatividade pertinente ao ICMS, razão pela qual partiremos dos
mesmos conceitos delineados pela doutrina e jurisprudência para aquele imposto
explorado no item anterior, no que se refere a ativo permanente, material de
uso ou consumo, produto intermediário e insumo. Nesse sentido, assim dispõe
a Constituição Federal:
Art. 153. (...)
(...)
§ 3.º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores;
III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital
pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. [grifo nosso]
A não-cumulatividade do IPI também é exercida pelo sistema de crédito
do imposto relativo a produtos que entram no estabelecimento do contribuinte,
para ser compensado com o que for devido quando da saída dos produtos do
estabelecimento, num mesmo período.
Dentre os créditos previstos na legislação, destacamos os relativos a
matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, adquiridos
para emprego na industrialização de produtos tributados, isentos e tributados
à alíquota zero, exceto os não-tributados (fora do campo de incidência)33 .

33 Vide os termos da Lei n.° 9.779/1999.

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144 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Entre as matérias-primas e produtos intermediários, incluem-se aqueles


gastos que, mesmo não se integrando ao novo produto, são consumidos no
processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo
imobilizado. Dessa forma, peças sobressalentes contabilizadas diretamente
como custo serão passíveis de créditos de IPI caso integrem o conceito de
produto intermediário, conforme se verifica na manifestação da Receita Federal:
EM EN TA : I P I . PA R T E S E P E Ç A S. P R O D U T O S
INTERMEDIÁRIOS. Partes e peças de reposição podem ser
classificadas como produtos intermediários e gerar créditos de IPI,
nos termos da legislação de regência desse imposto, desde que não
integrem os bens do ativo permanente do sujeito passivo e sejam
consumidas em virtude de contato físico direto com os produtos em
fabricação. (Disit 6. Solução de Consulta nº 8, de 21 de janeiro de 2008).
.............................................................................................................
Solução de Consulta n.º 149/2005 (10.ª Região Fiscal)
EMENTA: IPI – SUSPENSÃO. PRODUTO INTERMEDIÁRIO.
São produtos intermediários, para efeito de aplicação da hipótese de
suspensão do IPI de que trata o art. 29 da Lei no 10.637, de 2002, os
bens que se integram ao produto fabricado e também aqueles que,
mesmo não se integrando ao produto fabricado, sejam consumidos
no processo de industrialização, em decorrência de um contato
físico, ou seja, de uma ação diretamente exercida sobre o produto
em fabricação, desde que não se classifiquem no ativo permanente
da empresa. [grifo nosso]
Ressalte-se, entretanto, a existência de entendimento mais restritivo no
âmbito da própria Receita Federal do Brasil, verbis:
EMENTA: Os estabelecimentos industriais e os que lhes são
equiparados poderão creditar-se do imposto relativo a MP, PI e ME,
adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados,
incluindo-se entre as matérias-primas e produtos intermediários
aqueles que, embora não integrando ao novo produto, forem
consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos
entre os bens do ativo permanente. Estão compreendidos entre
as matérias-primas e produtos intermediários aqueles que sejam
consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento
indispensável à sua composição. Produtos utilizados indireta e

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 145

marginalmente no processo industrial, por não se integrarem


diretamente ao novo produto, não ensejam direito à apropriação de
créditos, ainda que considerados no custo da produção. O IPI pago
na aquisição de partes e peças, utilizadas na manutenção de máquinas
e equipamentos, não poderá ser creditado pelo estabelecimento
industrial quando da apuração do imposto. (Disit 9. Solução de
Consulta n.º 290/2007).
Relativamente aos materiais de uso e consumo, não será permitido o
desconto de créditos de IPI, em sentido coincidente com o tratamento aplicável
para o ICMS.
De igual modo, em relação aos bens incorporados ao ativo imobilizado
existe vedação legal à apropriação de crédito, como se verifica do acima transcrito
art. 226, I, do RIPI (Decreto n.º 7.212/2010), que ressalta a impossibilidade
de creditamento nestas aquisições quando assevera “salvo se compreendidos
entre os bens do ativo permanente”.

10. Considerações finais


Tivemos com o presente estudo a oportunidade de analisar se as recentes
alterações promovidas na legislação contábil brasileira, no que se refere ao
reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças de reposição trouxeram
algum impacto fiscal relevante especificamente ao IRPJ, CSLL, PIS, COFINS,
ICMS e IPI.
Pudemos verificar que as normas contábeis, anteriores ao advento da Lei
n.º 11.638/2007 conferiam tratamento muito semelhante ao atual relativamente
ao registro e à depreciação dos bens destinados a compor o seu ativo imobilizado
e suas peças e reposição, de modo, que a princípio, não haveríamos que falar
em impactos relevantes em termos tributários.
Contudo, o tema proposto se revelou, por demais, complexo e resultou
na abordagem de algumas questões controvertidas, as quais merecem um
maior debate por parte dos contribuintes e do Fisco, sobressaindo nesse
caso, os critérios contábeis e fiscais a serem adotados para depreciação do
ativo imobilizado.
Identificamos, ainda, que o tratamento fiscal para fins de apropriação de
crédito das Contribuições PIS/COFINS, do ICMS e do IPI, sobre a aquisição
de bens do ativo imobilizado e suas peças de reposição do ativo imobilizado, ou

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146 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

mesmo de sua capitalização contábil, pode variar conforme o caso e segundo


a destinação do bem, de modo que o gestor das informações contábeis deverá
analisar de forma criteriosa o seu emprego.
Por fim, esperamos, que o presente estudo venha contribuir, de alguma
maneira, para os debates acerca das consequências fiscais relacionadas às alterações
promovidas pela Lei n.º 11.638/07 na sistemática contábil nacional, isso porque,
face às suas recentes e complexas características, ainda pouco estudadas, tais
mudanças têm em alguns casos acometido os contribuintes de um modo geral
com um sentimento de insegurança, que, por sua vez, clamam por definições
mais precisas e lógicas por parte das diversas Administrações Tributárias.

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Capítulo V

Regime Tributário de
Transição – RTT:
Que Neutralidade?

Edison Carlos Fernandes


Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP; Mestre
em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; ex-membro do Conselho de Contribuintes
do Ministério da Fazenda – atual Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais; ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo;
Professor de Direito Tributário e de Mercado de Capitais da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor convidado dos
cursos de pós-graduação do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS
(Centro de Extensão Universitária), da Fundação Getúlio Vargas (GVLaw e
GVPEC) e da FIPECAFI; Titular da Cadeira n° 29 da Academia Paulista de
Letras Jurídicas – APLJ.

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Edison Carlos Fernandes - 149

Introdução

Uma breve revisão histórica demonstra que já a partir da edição da Lei


n° 6.404, em 15 de dezembro de 1976, houve uma tentativa de desvincular
a escrituração societária da escrituração utilizada na apuração dos tributos
sobre o lucro. Pouco mais de um ano após a publicação da primeira lei a tratar
de maneira sistemática das demonstrações financeiras, para fins societários,
foi editado, em 26 de dezembro de 1977, o Decreto-lei n° 1.598, que tratou
da apuração do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, considerando
as (então) recentes mudanças das normas contábeis. O que era para ser a
declaração de divórcio entre a contabilidade societária e a tributária foi, na
verdade, o início da forte influência da legislação referente ao imposto sobre
a renda sobre as demonstrações financeiras.
A comparação de dois dispositivos do Decreto-lei n° 1.598, de 1977,
registra, muito bem, essa relação conflituosa entre a contabilidade societária e a
contabilidade tributária. De um lado, o artigo 8°, I ,instituiu o Livro de Apuração
do Lucro Real – LALUR, no qual seriam inscritas as operações financeiras
sujeitas ao imposto sobre a renda (de rigor, os ajustes à contabilidade societária
determinados pela legislação tributária); de outro, o artigo 20 determinava como
deveria ser registrado contabilmente o investimento em participação societária
e o respectivo ágio ou deságio. Embora os dispositivos da legislação tributária
não impusessem de maneira expressa a adoção de critérios para o registro
contábil, o poder de coação da Administração Tributária e o correspondente
receio das empresas em ter suas contas questionadas resultaram na adoção das
normas tributárias para fins de escrituração societária1.
As alterações trazidas pela Lei n° 11.638, de 2007, complementadas
pelas alterações promovidas pela Lei n° 11.941, de 2010, ao capítulo das
demonstrações financeiras da Lei n° 6.404, de 1976, finalmente estabeleceram
a segregação entre contabilidade societária e contabilidade tributária. Por meio
do estabelecimento do Regime Tributário de Transição – RTT e da neutralidade
tributária, a apuração dos tributos sobre o lucro tomará por base a escrituração

1 Nesse sentido, além do registro contábil do investimento em participação societária, a lei tributária
determinava o registro da provisão para devedores duvidosos, da depreciação e a ausência de
reconhecimento de provisões para contingências, dentre outros.

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150 - Regime Tributário de Transição – RTT: Que Neutralidade?

contábil tal como disciplinada pela legislação societária (Lei n° 6.404, de 1976)
em 31 de dezembro de 2007. Acontece que, mesmo segregadas, a influência
recíproca das normas societária e tributária continua existindo (até porque é
inevitável), restando, então, ser definido qual o alcance da neutralidade inserta
no Regime Tributário de Transição – RTT.

Repercussões tributárias das normas contábeis


Como mencionado anteriormente, com a neutralidade instituída pelo
RTT, as alterações ocorridas nas normas contábeis para fins societários
não têm qualquer aplicação à apuração dos tributos sobre o lucro. Se esse
entendimento, teoricamente, parece de fácil compreensão (e aplicação), as
complexas repercussões tributárias das normas contábeis suscitam diversas
questões que demonstram a falsidade dessa conclusão. E exatamente nessas
questões estão os pontos que exigem análise mais criteriosa e cautelosa da
aplicação da neutralidade tributária.
Em primeiro lugar, as normas contábeis determinam a classificação e
a avaliação (reconhecimento e mensuração) de ativos e passivos. O registro
de ativos e passivos na contabilidade implica, invariavelmente, o lançamento
contraparte em rubricas de resultado, isto é, custos, despesas e receitas.
Considerando que alguns tributos tomam por base a composição do lucro
(receitas subtraídas de custos e despesas), tem-se que a primeira repercussão
tributária das normas contábeis é a apuração dos tributos sobre o lucro (Imposto
sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido – CSLL) e dos tributos sobre as receitas (Contribuição para o
Programa de Integração Social – PIS e Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social – COFINS).
Depois, esse resultado final registrado na contabilidade servirá para
remunerar os sócios e os investidores (podendo, também, aumentar a remuneração
dos empregados, por meio da participação nos lucros e resultados), o que ocorre,
essencialmente, por meio da distribuição de dividendos. Também nesse caso
verifica-se uma relevante repercussão tributária, que influencia diretamente
o montante do retorno aos sócios: trata-se da tributação sobre a distribuição
de lucros. Considerando que, de acordo com a legislação tributária brasileira,
os dividendos são isentos dos tributos sobre o lucro, na apuração feita pelos
beneficiários, a definição desse lucro, que é feita por meio das normas contábeis,

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Edison Carlos Fernandes - 151

implica o recebimento de valores tributariamente desonerados.


Finalmente, eventual parcela dos lucros não distribuída aos sócios (ou aos
investidores ou aos empregados), bem como determinadas contrapartidas do
registro de ativos e passivos, serão alocadas em rubricas do patrimônio líquido. O
patrimônio líquido caracteriza-se, fundamentalmente, por reconhecer “dívidas”
que a empresa tem perante os sócios em razão da separação de patrimônios,
além de, em sendo medida de garantia a credores, representar a limitação das
responsabilidades dos mesmos sócios. Embora de natureza eminentemente
societária, o patrimônio líquido é utilizado como referência para questões
tributárias, como é o caso da remuneração de juros sobre o capital próprio e
do controle de empréstimos de sócio estrangeiro (thin capitalization).

Disciplina do Regime Tributário de Transição –


RTT
O Regime Tributário de Transição – RTT está disciplinado pelos artigos
15 a 24 da Lei n° 11.941, de 2010. Esse regime vigerá até que seja editada lei
tributária específica disciplinando a incidência dos tributos sobre o lucro (IRPJ
e CSLL) e sobre a receita (Contribuição para o PIS e COFINS) no contexto da
adoção das normas internacionais de contabilidade – IFRS (artigo 15, § 1°). Por
enquanto, a adoção das novas regras contábeis (de acordo com as manifestações
do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC) que modifiquem o critério
de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do
lucro comercial, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa
jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (artigo 16).
Com relação à conduta a ser adotada pelas empresas, elas devem seguir,
em linhas gerais, o seguinte procedimento (artigo 17):
(i) utilizar os métodos e critérios definidos pela legislação contábil,
para apurar o resultado do exercício antes das despesas de IRPJ/
CSLL, deduzido das as participações de debêntures, empregados,
administradores e partes beneficiárias, mesmo na forma de
instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa,
com a adoção dos métodos e critérios determinados pelas novas
normas contábeis (IFRS/CPC);

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152 - Regime Tributário de Transição – RTT: Que Neutralidade?

(ii) realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado


nos termos acima, no Livro de Apuração do Lucro Real –
LALUR, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios
contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007; devendo ser
utilizado o formulário específico do LALUR Eletrônico (sucessor
do Controle Fiscal Contábil de Transição – FCONT, instituído
pela Instrução Normativa RFB nº 949, de 2009); e
(iii) realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro
Real – LALUR, de adição, exclusão e compensação, prescritos
ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base
de cálculo do imposto.
Em outras palavras, tem-se que os lançamentos contábeis promovidos
em decorrência da adoção dos IFRS (CPC), deverão ser estornados para fim
de apuração dos tributos sobre o lucro e sobre a receita. Embora, deve-se
advertir que existem registros contábeis disciplinados pelos IFRS (CPC) que,
com outra nomenclatura, estão também disciplinados na legislação tributária
(como, por exemplo: amortização do ágio de investimento, realização da
reserva de reavaliação e impairment ou recuperabilidade em alguns casos). De
qualquer forma, importante destacar que o RTT, e a consequente reversão dos
lançamentos contábeis adotados de acordo com os IFRS (CPC), é aplicado,
exclusivamente, na determinação de receitas, custos ou despesas.

Repercussões tributárias não abrangidas pelo RTT


Consoante foi apresentado anteriormente, os novos padrões contábeis
repercutem de duas formas em matéria tributária: na apuração dos tributos sobre
o lucro e sobre a receita e nas questões relacionadas aos aspectos societários, como
a composição do patrimônio líquido e a distribuição isenta de dividendos. Por
outro lado, de acordo com a disciplina legal do RTT, tem-se que ele, ao tratar
do registro de receita, custos e despesas, tem sua abrangência limitada à primeira
repercussão, ou seja, à apuração dos tributos. Portanto, o RTT, e o estorno de
lançamentos contábeis para fins tributários que ele representa, não abrangem
as repercussões tributárias ligadas às questões societárias.
Nesse sentido, destacam-se duas situações, a saber: controle fiscal dos
empréstimos de sócios estrangeiro (thin capitalization) e remuneração dos juros

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Edison Carlos Fernandes - 153

sobre o capital próprio. Em ambos os casos, toma-se, como referência para os


referidos cálculos, a composição do patrimônio líquido. Isso implica dizer que
nenhuma das duas citadas situações de apuração de despesa dedutível (juros
pagos aos sócios estrangeiros, em função de empréstimo tomado, e juros pagos
aos sócios em geral, em decorrência do capital social) está abrangida pelo RTT.
Sendo assim, não há que se proceder a qualquer ajuste ao patrimônio líquido,
determinado de acordo com o padrão internacional de contabilidade (IFRS/CPC),
para fins tributários desses dois controles (exceto pela exclusão da conta “ajuste
de avaliação patrimonial” no cálculo dos juros sobre o capital próprio, já que
expressamente determinada pelo artigo 59 da Lei nº 11.941, de 2009).

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Capítulo VI

Novos aspectos do
Direito Contábil: Lei
nº 11.638/2007, suas
alterações e variações
sobre a interpretação da
norma contábil.

Elidie Palma Bifano


Bacharel pela Faculdade de Direito da USP, Mestra e Doutora em Direito
Tributário pela PUC/SP, Diretora de Consultoria de PricewaterhouseCoopers
- PWC, Professora nos Cursos de Pós Graduação da Escola de Direito de São
Paulo - FGV, da Faculdade de Direito - USP, da Faculdade de Direito - PUC,
do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET e do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário – IBDT.

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Elidie Palma Bifano - 157

1. Apresentação do tema

Ao encerrar-se o ano de 2007, em fins de dezembro, foi editada a L.


11.638 que, além de alterar a lei societária (L. 6.404/76), introduziu no Brasil
novos padrões contábeis, em consonância com fenômeno de harmonização
e convergência contábil que vem ocorrendo no mundo. “Harmonização e
convergência” contábil é expressão que fala de per si, pois supre necessidade
fundamental de agentes de mercado, sediados em países submetidos a regras
de escrituração e de preparação de demonstrações financeiras diferentes,
que é entender o conteúdo informacional dos dados financeiros e com eles
trabalhar. O IFRS, International Financial Report Standard é um conjunto de
pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board –
IASB, adotado a partir de 2002 pelos países da União Européia, que hoje se
constitui em padrão contábil internacional, incorporado que foi por grande
número de países. A L. 11.638/2007 alterou o §5º do art. 177 da lei societária,
para dispor que a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, ao elaborar regras
referentes às demonstrações financeiras das companhias abertas, deve observar
os padrões internacionais de contabilidade, adotados nos principais mercados
de valores mobiliários, ou seja, o IFRS também passou a orientar as práticas
contábeis brasileiras.
Diversos aspectos positivos podem ser indicados como advindos das
mudanças nas práticas contábeis, especialmente no caso brasileiro: (i) a
facilitação do ingresso de empresas brasileiras em mercados internacionais; (ii)
a contrapartida para entrada de empresas estrangeiras no Brasil, especialmente
pela uniformização de procedimentos contábeis entre matriz e subsidiária aqui
localizada; (iii) a possibilidade de crescimento da pesquisa em matéria de Ciência
Contábil, no Brasil; (iv) a ampliação do debate entre Direito e Contabilidade,
no que tange aos reflexos legais das novas normas. De outra parte, entretanto,
diversas dificuldades vêm sendo observadas no que se refere à aplicação dos novos
padrões contábeis, com possíveis reflexos jurídicos importantes. Em decorrência
desse fato, parece-nos relevante iniciar um debate sobre o alcance desses novos
padrões, especialmente sua aplicação, bem como dos reflexos legais, dela advindos,
e a interpretação que deles, necessariamente, se fará.

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158 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

2. As diferentes dimensões do IFRS, no Brasil


As novas práticas contábeis introduzidas no País têm reflexos importantes
sob uma grande diversidade de áreas, uma vez que elas se valem da escrituração
contábil e das demonstrações financeiras para desenvolver estudos, análises e,
também, muitas de suas operações. Toda análise do desempenho da atividade
empresarial toma, certamente, as demonstrações financeiras como marco inicial
de informação; em termos científicos de construção de uma teoria voltada à
atividade das empresas, as demonstrações financeiras produzem uma imensa
riqueza de informações.
Do ponto de vista do Direito, muitas são as áreas que se valem de
dados contábeis. Assim o Direito de Empresa, incorporado ao Código Civil,
utiliza a contabilidade para apurar e partilhar os resultados da entidade bem
como para fazer prova de suas atividades, sempre que necessário. O Direito
do Trabalho e Previdência vale-se da escrituração e das demonstrações
contábeis para identificar dados referentes a empregados e contribuições, bem
como gratificações e participações nos lucros; o Direito Societário vale-se
da contabilidade para apurar os resultados das entidades, demonstrando ao
mercado as condições essenciais para atrair investidores. O Direito Tributário
parte dos registros contábeis, inclusive lucro do período, apurado consoante
a contabilidade, para exigir todo tipo de tributo vinculado ou decorrente da
atividade empresarial. Muitas circunstâncias da vida empresarial resultam
afetadas pelos dados contidos na contabilidade: habilitação ou pedido de
falência, habilitação ou solicitação de recuperação judicial, concorrência e
licitação, habilitação em financiamentos e créditos, dentre outras.
Em todas as hipóteses aqui comentadas, sendo a contabilidade instrumento
essencial para obter certos efeitos desejados, a ela estarão associadas as práticas
contábeis, hoje o IFRS, razão pela qual se pode afirmar que essas práticas
podem ser examinadas e utilizadas sob diferentes dimensões, que não a contábil,
propriamente.
A primeira dimensão do IFRS é, sem dúvida, a sua dimensão científica,
o processo de elaboração produzido pelos estudiosos e especialistas, fruto de
meditação e construção científica responsável. Esclarecem, nesse sentido,
Eliseu Martins e Sergio de Iudicibus1(p.seg.) que em matéria contábil é bastante
difícil traçar uma fronteira entre teoria e prática, sendo que o conjunto de
postulados, princípios e normas que explicam a Ciência Contábil ficaram,

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Elidie Palma Bifano - 159

ao longo do tempo, ora com os usuários da contabilidade, os mercadores, ora


com órgãos e entidades reguladoras que definiram estruturas e criaram, por
fim, regras. No caso do IFRS, afirmam os autores, agentes reguladores fazem
ciência e ditam as normas correspondentes. No caso brasileiro, concluímos
nós, hoje o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC desenvolve essa
tarefa, consoante dispõe a L. 6.385/76, art 10-A, cabendo-lhe o estudo e a
divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria,
podendo os órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, adotá-los
ou não. Observe-se que vários órgãos reguladores integram o CPC e, nem
por isso, são compelidos a adotar suas regras, total ou parcialmente2, o que
confirma que seus pronunciamentos, originariamente, não são lei de obrigatória
observância, exceto se incorporados ao sistema por determinação legal ou de
agentes e entidades para tanto autorizadas.
A segunda dimensão do IFRS, no Brasil, é seu uso como prática contábil
obrigatória dos contadores e, como decorrência, nas demonstrações financeiras
das entidades onde esses profissionais atuam. A prática contábil gera, de per
si, uma infinidade de situações e casos que devem ser discutidos, alimentando,
certamente, o fluxo da elaboração científica e da criação de novas normas toda
vez que novos negócios ou aspectos forem observados e, após, se for o caso, a
sua inserção no conjunto de regras dos agentes reguladores. A inobservância
pelo profissional e, por decorrência, pela entidade onde ele atua, gera reflexos
jurídicos importantes, uma vez que esses profissionais devem adotar essas
regras, necessariamente3.
A terceira dimensão do IFRS, no Brasil, é a sua adoção, ou não, pelos
agentes reguladores de atividades específicas (Banco Central do Brasil –
BACEN, CVM, Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e outros).
Esse nível de incorporação da norma geral lhe dá especificidade de aplicação a
cada tipo de negócio, admitindo, se for o caso, flexibilidades necessárias diante

1 Intangível – Sua Relação Contabilidade/Direito – Teoria. Estruturas Conceituais e Normas –


Problemas Fiscais de Hoje, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos),
coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, pp.
69-85, 2011.
2 Essa é a situação das entidades submetidas à fiscalização do BACEN, atualmente, que adotou
apenas parte das regras e, apenas, para os balanços ditos consolidados.
3 O CPC foi criado pela Resolução 1.055/05, do Conselho Federal de Contabilidade,CFC, o que
deixa consignada em lei a obrigação de observância dos Pronunciamentos pelos contadores.

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160 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

de regras maiores do ordenamento jurídico. Incorporado e adotado pelos agentes


reguladores, entretanto, os Pronunciamentos se normatizam, ingressam no
mundo jurídico e passam a gerar reflexos variados colhidos pelo Direito.
A quarta dimensão do IFRS corresponde ao conjunto de consequências,
advindas de seu uso, em outras áreas: neste caso os reflexos no Direito são
relevantes. Questões voltadas ao uso do IFRS podem surgir na medida em que
a nova visão contábil adotada gere ou possa gerar efeitos nas relações jurídicas
que se estabelecem em decorrência das demonstrações financeiras: valor de
patrimônio líquido para efeito de determinação de preço de compra e venda de
participações societárias, ganhos ou perdas de capital geradas para os acionistas
por conta das novas práticas, valor de asseguração de itens atualizados por
critérios diferentes de seu custo de aquisição, demandas judiciais envolvendo
itens valorizados por critérios diversos daqueles registrados em contratos e
por ai afora.
A análise que se procede, daqui para diante, considera as dimensões
apontadas e busca demonstrar a importância e grandiosidade das mudanças
introduzidas pela L. 11.638/2007 e alterações.

3. Breve análise do conteúdo e autonomia do


Direito Contábil
3.1 O que é o Direito Contábil?
Em trabalhos anteriores já tivemos a oportunidade de examinar a amplitude
do que designamos por Direito Contábil, seu conteúdo como ramo do direito que
envolve a positivação de institutos contábeis, hoje inseridos na lei civil e societária,
bem como nas manifestações normativas dos órgãos reguladores de atividades
e de exercício profissional4. O conteúdo do Direito Contábil, na atualidade,

4 Aspectos Contábeis da Lei 11.638/2007: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a reforma
da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha.São Paulo: Quartier Latin,
2008, pp.43-74; O Direito Contábil: Da Lei 11.638/2007 à Lei 11.941/2009, in Direito Tributário,
Societário e a reforma da lei das S/A – Alterações das Leis nº 11.638/07 e n°11.941/09, coord.
Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp.17-204; Contabilidade e Direito:a Nova
Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto
Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp 116-137, 2010; As
Novas Normas de Convergência Contábil e seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias
Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e
Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, p.p. 51-68, 2011.

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Elidie Palma Bifano - 161

pode ser assim circunscrito: “... além das disposições da L. 6.404/76, há


normas contábeis emanadas do Código Civil, da CVM, do BACEN, da
SUSEP, dos órgãos formados pelos contadores, das agências reguladoras,
dentre outros,...”5.
Enquadramos o Direito Contábil como ramo específico e autônomo do
Direito Privado, no contexto do sistema jurídico vigente, a partir do momento
em que o Estado positivou valor relevante para a sociedade representado pelos
princípios, estruturas, normas, padrões, metodologia e critério contábeis.
Esse valor é relevante uma vez que a partir dele regulam-se relações de
Direito Privado (contratos societários, p.ex.) e de Direito Público (tributação,
licitação etc.). No Brasil, esse fenômeno de positivação é inegável, posto que
as disposições sobre demonstrações financeiras e escrituração foram inseridas
nas leis societária e civil. A autonomia do Direito Contábil se confirma quando
examinamos os institutos jurídicos que lhe são próprios, rigorosamente as
demonstrações financeiras e a escrituração, desfrutando ele de metodologias
próprias de aplicação e de interpretação, enlaçado que está com a Ciência
Contábil e com a Ciência Econômica. Inserido no grande ramo do Direito
Privado, aplicável às relações entre os cidadãos, o Direito Contábil orienta-se
pelos princípios do Direito Civil.

3.2 Reflexos da aplicação da L. 11.638/2007


Neste momento, diversas questões jurídicas afloram sobre os novos
padrões contábeis em decorrência do tempo decorrido desde sua introdução
(L. 11.638/2007 e alterações), especialmente frente a importantes aspectos
práticos que se colocam, uma vez que por ocasião da veiculação de uma
norma, no sistema jurídico, é impossível ao legislador determinar quais as
dúvidas e questões que ela poderá gerar. Acresça-se a esse fato que, de acordo
com a lei societária, os entendimentos emitidos pelo CPC, quando aprovados
pelos agentes reguladores, também vêm se incorporando a esse o conjunto
normativo, o Direito Contábil, gerando outras tantas perplexidades jurídicas
a serem resolvidas.

5 Cf. Elidie Palma Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário,
Societário e a reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 46.

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162 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

Vale para a L. 11.638/2007 e alterações, a consideração de que a regra


jurídica posta deve ser clara, contudo, na falta de clareza, sempre caberá a
interpretação e essa é a tarefa do operador do direito que assim o fará com
o uso dos instrumentos que o próprio sistema jurídico lhe dá. Há diferentes
níveis de operadores do direito, desde aquele que está compelido à observância
de determinada regra jurídica, no caso presente a entidade obrigada a manter
escrituração e preparar demonstrações financeiras, passando pelos estudiosos
do Direito, até o juiz eventualmente chamado a decidir situação concreta
que lhe é trazida. Nossa tarefa, doravante, será buscar os meios para melhor
interpretar os reflexos da L. 11.638/2007 e alterações, portanto interpretar o
Direito Contábil, no qual ela está inserida.

4. Decorrências da aplicação da L. 11.638/2007:


verificações de fato para obter conclusões de
direito
O nascimento de divergências entre o Direito e a Contabilidade é fenômeno
recente no Brasil, pois até a edição dos novos padrões contábeis a escrituração
contábil e a elaboração das demonstrações financeiras estavam suportadas na
natureza jurídica dos negócios desenvolvidos pelas entidades a tanto obrigadas,
conquanto orientadas por métodos e critérios próprios da ciência contábil. A L.
11.638/2007 e alterações determinaram uma mudança importante no rumo
da contabilidade das entidades, pois os padrões internacionais “...prescindem
de quaisquer razões ou fundamentos jurídicos, afastam-se do negócio jurídico
e caminham pelo mundo da essência econômica...”6. Essa nova realidade deve
ser examinada, com muita cautela e, hoje, passado o período de introdução e
regulação da L. 11.638/2007, é possível inventariar algumas consequências de
sua introdução, que analisaremos divididas por tópicos.

4.1 Aplicação dos novos padrões contábeis:


obrigatoriedade legal

As alterações introduzidas pela L. 11.638/2007 implicaram na introdução, se


não plena, substancial dos padrões contábeis internacionalmente adotados. Além

6 Elidie Palma Bifano, Contabilidade e Direito: a Nova Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis


(Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel
Lopes. São Paulo: Dialética, p. 124, 2010.

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Elidie Palma Bifano - 163

disso, à CVM determinou-se que ao fixar regras contábeis para as companhias


abertas, o fizesse em consonância com esses mesmos padrões internacionais. Dessas
disposições colhem-se algumas consequências: (i) as determinações referentes à
elaboração das demonstrações financeiras, no Brasil, estão contidas nos arts. 176 a
205 da lei societária e observam, essencialmente, os moldes propostos pelos padrões
internacionalmente adotados (balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou
prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício, demonstração
dos fluxos de caixa e demonstração do valor adicionado, esta última se for o caso)
sendo de obrigatória observância por todas as entidades7 que devem elaborar
demonstrações financeiras; (ii) os princípios que norteiam a escrituração
contábil, no Brasil, hoje alinhados aos padrões contábeis internacionais, estão
contidos no art. 177 da lei societária e são, também, de obrigatória observância
por todas as entidades que devem manter escrituração contábil; (iii) a apuração
de lucros e dividendos, a serem distribuídos pelas entidades, somente pode ser
feita na estrita observância dos padrões contábeis dispostos na lei societária,
portanto os padrões internacionalmente aceitos.
Os novos padrões contábeis foram instaurados tendo como premissa a
neutralidade fiscal (art. 177, § 2º da lei societária, na redação da L. 11.941/2009)
garantida pela manutenção dos padrões contábeis vigentes em 31 de dezembro
de 2007, ou seja, os “antigos”, digamos assim, padrões contábeis afastados pela
L. 11.638/2007. Por essa razão, não é incomum que se alegue ser possível deixar
de observar as novas regras contábeis, para manter os padrões “antigos”, sob
o fundamento de que há uma duplicidade de trabalho na estrita observância
da lei societária e da lei tributária, respectivamente, e que nenhum prejuízo
adviria dessa prática se a entidade é, por exemplo, uma sociedade limitada ou
uma companhia fechada. O equívoco é muito grande, entretanto, pois a não
adoção dos padrões contábeis, ditados pela lei societária, traz consequências
importantes para a entidade que se recuse a fazê-lo ou que entenda estar
desobrigada de tanto, por características societárias ou de negócio específicas.
A primeira delas, certamente, é que suas demonstrações financeiras estarão

7 Neste estudo será utilizada a palavra “entidade” para designar o sujeito da obrigação de fazer
a escrituração contábil e elaborar demonstrações financeiras, sendo irrelevante sua natureza
societária e seu objeto social. Para fins contábeis, entidade “que reporta é aquela para a qual
existem usuários que se apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de
informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade.” (Pronunciamento Conceitual Básico
CPC, item 8).

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164 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

incorretas e, por consequência, sócios e agentes de mercado, inclusive


credores, poderão questionar os números apresentados, exigindo a aplicação
da lei, em sua inteireza. A entidade terá dificuldades para habilitar-se em
concorrências, públicas ou não, uma vez que suas demonstrações financeiras
estão inadequadas, não sendo comparáveis com outras e, por consequência,
sua capacidade operacional sempre será discutível. A habilitação e/ou o pleito
em falências e recuperações judiciais poderão ficar prejudicados por conta de
suas demonstrações financeiras e sua escrituração se mostrarem inadequadas.
O profissional que prepare a escrituração e as demonstrações financeiras
da entidade está compelido a observar as disposições dos órgãos de classe sobre a
matéria. O CFC sempre determinou que, no exercício da profissão, seria obrigatória
a observância dos princípios fundamentais de contabilidade, que se constituíam em
condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade/NBC (Resolução
CFC 750/93). Mais recentemente, a Resolução 1.055/2005 do CFC criou o
CPC, razão pela qual, entendemos, todos os profissionais da contabilidade
estão adstritos ao cumprimento de suas determinações. Nessas circunstâncias,
o profissional que atue em Contabilidade, em nenhuma hipótese poderá
furtar-se à observância das novas regras introduzidas na lei societária e em seus
desdobramentos específicos através dos pronunciamentos do CPC.
Como se observa, os Pronunciamentos do CPC, isolada e rigorosamente,
não têm qualquer força normativa que os torne de obrigatória observância,
contudo, quando incorporados ao conjunto normativo de agentes que, por lei,
desfrutam do poder de compelir em seus âmbitos de atuação, eles se tornam
lei, com todas as sanções decorrentes de seu eventual não cumprimento. Em
consequência, os Pronunciamentos devem ser observados pelos profissionais
submetidos à regulação do CFC, contudo, se tais instrumentos não forem,
total ou parcialmente, aprovados e incorporados ao conjunto normativo de cada
agente regulador, CVM, BACEN, SUSEP e outros, não passarão de meras
recomendações sobre as melhores práticas contábeis. Observe-se que, até este
momento, os diversos agentes reguladores, no País, por meio de atos infra legais
(instruções, resoluções e similares) vêm aprovando, total ou parcialmente, de
forma expressa, os Pronunciamentos que passam, a partir de então, a integrar seu
corpo normativo. Como decorrência, os Pronunciamentos que se integraram ao
sistema jurídico têm força de lei, a partir de então, sendo sua adoção obrigatória
para aquelas entidades que a esses agentes se submetem.

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Elidie Palma Bifano - 165

A adoção obrigatória, para fins societários, dos novos padrões contábeis


vem acarretando algumas dificuldades práticas importantes e que são de três
naturezas: (i) não conformidade com critérios adotados, internacionalmente,
para fins de convergência contábil; (ii) ausência de normatização, em alguns
casos, acerca dos reflexos das novas práticas e (iii) aplicação da dita neutralidade
tributária que exige trabalhos adicionais que não se referem, apenas, à apuração
do tributo, mas a uma requalificação de procedimentos contábeis.

4.2 Dificuldades práticas na adoção dos novos


padrões e reflexos jurídicos

A lei societária regulou a matéria voltada às novas práticas de forma diversa


daquela adotada pela comunidade internacional, o que vem trazendo algumas
dificuldades em sua implementação e, por outro lado, deixou de prever alguns
importantes aspectos relativos a situações específicas que decorrem da aplicação
dos novos padrões. Nas dificuldades contábeis aqui referidas insere-se, de forma
ampla, a importante questão da neutralidade tributária. Os três temas serão, a
seguir, comentados em seus diversos aspectos.
4.2.1. Não conformidade dos critérios adotados, no
Brasil, com os critérios internacionais adotados para
fins de convergência contábil

Os Pronunciamentos emitidos pelo CPC estão calcados, substancialmente,


no IFRS, contudo o Brasil diverge em sua aplicação no que tange: (i) ao uso
do IFRS que, no exterior, somente é adotado para demonstrações financeiras
ditas consolidadas, de grupos de entidades, que divulgam informações sobre
sua posição patrimonial e financeira, como um todo, para os investidores. As
demonstrações consolidadas não são utilizadas para pagar tributos, dividendos ou
lucros, apenas para informar o mercado sobre dados econômico-financeiros.8 No
Brasil, as demonstrações previstas em IFRS são as individuais, que também
servem de base para o cálculo e pagamento de dividendos e, sempre, ao longo
da história serviram como elemento para o cálculo dos tributos; (ii) ao uso do
método de avaliação de investimentos em controladas e coligadas, pelo critério
da equivalência patrimonial, observadas as condições de lei, enquanto outros

8 Manual de Contabilidade IFRS/CPC: demonstrações financeiras consolidadas / (tradução).


PricewaterhouseCoopers. São Paulo: Saint Paul Ed., 2011, p. 26.

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166 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

países adotam o valor justo e o método da consolidação, cabendo a metodologia


da equivalência ou da consolidação parcial no que se refere a investimentos
com influência significativa.
Esses comentários nos parecem importantes para concluir que a
contabilidade brasileira ainda está distante da real convergência e harmonização
contábeis pretendidas.
4.2.2 Falta de alinhamento entre os órgãos reguladores
Os órgãos reguladores divergem no que tange à adoção irrestrita, ou não,
do IFRS, resultando em dificuldades societárias na apuração de lucros por
entidades que detêm investimentos em controladas submetidas a diferentes
agentes reguladores. Assim ocorre com as determinações do BACEN e da CVM
e, por conseqüência, nas sociedades que têm investidas reguladas por esses dois
agentes. Observe-se que parte dessas divergências decorre da aplicação dos
novos padrões aos balanços individuais, de cada entidade, e não aos balanços
consolidados, como já se comentou.
4.2.3 Falta de regras para reflexos advindos do uso dos
novos padrões

Os novos padrões contábeis, de acordo com Nelson Carvalho 9,


abandonaram o uso de regras para basear-se em princípios. Dessa forma, o
custo histórico como base de avaliação vem perdendo força para o uso do
valor de mercado de ativos e passivos e, mais ainda, o uso do valor justo.
Como decorrência dessas práticas, consideram-se fluxos de caixa futuros o
que enseja, em contrapartida, a geração de lucros decorrentes de ganhos não
economicamente realizados, por exemplo, e que se distribuídos, em certas
circunstâncias, implicam risco de descapitalização indireta.
Essa “riqueza” ainda não realizada pode ser observada como fruto da
aplicação do Pronunciamento CPC 29, que trata dos ativos biológicos e de
sua avaliação a valor justo, assim entendido como o montante pelo qual um
ativo pode ser negociado, ou um passivo liquidado, entre partes interessadas,
conhecedoras do negócio e independentes entre si, abstraídos fatores que

9 Instrumentos Financeiros Híbridos, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e


Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São
Paulo: Dialética, pp. 202-211, 2011.

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Elidie Palma Bifano - 167

pressionem para a liquidação da transação ou que a caracterizem como


compulsória. O fruto dessa avaliação tem como contrapartida um registro
em resultado, receita ou despesa, independentemente de haver qualquer
negociação, pela entidade, desse bem. Isso significa que, no futuro, o valor do
item pode vir a modificar-se. Nessas circunstâncias o registro de uma receita
e por conseqüência de um lucro, suscetível de distribuição, pode gerar efeitos
econômicos e jurídicos relevantes para os investidores, bem como para os
administradores da entidade, uma vez que a lei não determinou sejam tais
receitas objeto de qualquer segregação.10
4.2.4 Falta de critérios compatíveis com atividades sem
fins lucrativos

As atividades sem fins lucrativos, no Brasil, são obrigadas a seguir práticas


não exatamente adequadas a suas finalidades. O Pronunciamento Conceitual
Básico, em seu item 8, esclarece que a Estrutura Conceitual que apresenta se
aplica às demonstrações contábeis de “todas as entidades comerciais, industriais
e outras de negócios que reportam, sejam no setor público ou no setor privado” o
que parece, em princípio, não abarcar, exatamente, a atividade sem fins lucrativos
posto que o conceito de negócio, eminentemente econômico, associa-se ao lucro.
Nessas circunstâncias, muitas dessas entidades que aplicam vultosas somas de
recursos no mercado de capitais para com o fruto desses investimentos aplicar
em seus projetos sociais, não têm o fruto de suas atividades adequadamente
demonstrado.
4.2.5 Reflexos do afastamento de conceitos jurídicos:
neutralidade tributária

O uso da essência econômica, em detrimento da essência jurídica, no caso


brasileiro, torna ainda mais complexa a adoção dos novos padrões contábeis, por
duas especiais razões: (i) o direito brasileiro forma-se pela positivação de valores,
tem seus institutos descritos em lei, valoriza a natureza e a causa jurídicas e,
subsidiariamente, sustenta-se na jurisprudência, no costume e na equidade;
(ii) o direito dos países onde o IFRS nasceu é o direito comum, que trabalha

10 Sobre o tema veja-se Elidie Palma Bifano, As Novas Normas de Convergência Contábil e
seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e
Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São
Paulo: Dialética, pp. 51-68, 2011.

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168 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

com a jurisprudência antes que a lei, valoriza a essência econômica, antes que a
jurídica, suporta-se no costume e na equidade e aplica-se a comunidades com
regras diversas que precisam, por razões políticas, convergir, como é o caso da
Europa, berço de tais normas.
Os reflexos da aplicação dos novos padrões contábeis foram muito bem
examinados por Ricardo Mariz de Oliveira11 que afirma, por força do disposto
no art. 176 da lei societária, deverem as demonstrações financeiras exprimir,
com clareza, a situação do patrimônio da sociedade e as mutações nele ocorridas
durante o exercício social. Prossegue, afirmando que, sendo o patrimônio, por
definição legal, uma universalidade jurídica, e não uma universalidade de fato,
integrada por um conjunto de relações jurídicas, como disposto no Código
Civil, não é possível dissociar o patrimônio da entidade (balanço) das normas
jurídicas aplicáveis às relações nele contidas; por consequência, olvidado esse
aspecto, a contabilidade não mais se prestará a servir como meio de prova, como
determina a lei. Conclui, com muito acerto, que os novos padrões contábeis
nasceram e prosperaram à sombra de sistemas jurídicos diversos dos nossos,
razão pela qual tantas dificuldades se apresentam sobre a matéria.
As Ls. 11.638/2007 e 11.941/2009 lograram realizar a segregação das
práticas contábeis de quaisquer outras, especialmente aquelas voltadas a
finalidades tributárias, preceito de longa data contido na lei societária, mas até
então não concretizado em sua plenitude.12 Assim, o art. 177, § 2º determina
que a entidade observe em registros auxiliares, sem modificação da escrituração
mercantil, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que
prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos ou ajustes ou a
elaboração de outras demonstrações financeiras. A absoluta segregação das
práticas contábeis e tributárias se deu com a introdução do chamado Regime
Tributário de Transição/RTT, o qual determinou que os padrões contábeis
aplicáveis, para fins tributários, seriam aqueles vigentes em 31 de dezembro
de 2007 (arts. 16 e segs. da L. 11.941/2009).

11 A Tributação da Renda e sua Relação com os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, in


Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga
Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp. 415-417, 2010.
12 Originariamente, a lei societária previa em seu art. 177, § 2º°que a entidade observasse em
registros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil e das demonstrações exigidas em
lei, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que prescrevessem métodos
ou critérios contábeis que dela divergissem.

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Elidie Palma Bifano - 169

O RTT, absolutamente justificável nos primeiros tempos da introdução


dos novos padrões contábeis, perdeu sua razão de ser e mostra-se, sem dúvida,
instrumento de ineficiência tributária, além de afastar-se, cada dia mais, da real
situação econômica e financeira das entidades. A designação RTT, sinônimo de
transitoriedade, perdeu-se, também, a partir do momento em que o regime se
tornou obrigatório (2010), para todos os contribuintes. Com o RTT exige-se
das entidades: (i) preparação de demonstrações financeiras de acordo com os
padrões internacionais; (ii) expurgo das novas práticas e conversão do balanço
às práticas contábeis de dezembro de 2007; (iii) conciliação do balanço ajustado
pelas práticas contábeis de 2007 com as disposições da lei tributária sobre a
matéria; (iv) determinação do lucro a ser tributado.
As metodologias de apuração de resultados, considerando o modelo
contábil atualmente vigente e aquele de 2007, são muito diferentes e as bases de
apuração muito diversas. Todas essas determinações resultam em um retrabalho,
por parte das empresas, com custos adicionais relevantes, e que deve ser avaliado
pelas autoridades para fins de manter ou não o mesmo critério pra fins contábeis
e para fins de apuração de tributos. Além disso, o uso do IFRS no balanço da
entidade (individual) tem gerado polêmicas e dificuldades variadas, sugerindo
alguns que se adote para fins tributários, o balanço societário, em sua inteireza,
pois só esse pode retratar a real situação econômica da entidade. Há uma clara
evidenciação de que a dualidade de balanços leva o Fisco a buscar, cada vez
mais, tributos calculados sobre receita, afastando-se renda e lucros de seu real
suporte fático, considerando-se que esses elementos são essenciais, consoante
a Constituição Federal, para que possa ocorrer a incidência tributária.
Doravante, possivelmente o Poder Judiciário será instado a manifestar-
se sobre a adequada aplicação dessas regras, especialmente em decorrência
do confronto que possa surgir entre a aplicação da essência econômica e da
essência jurídica. A partir de então, certamente, conheceremos de forma clara
o entendimento dos juízes sobre matéria cuja complexidade é indiscutível.
4.2.6 Conclusão sobre as dificuldades práticas na adoção
dos novos padrões e seus reflexos jurídicos

As verificações, de fato, da aplicação da L. 11.638/2007, para se obter


conclusões de direito, tema proposto neste item, podem ser assim resumidas: (i)
as novas práticas vêm ensejando e ensejarão o aparecimento de um sem número
de novas situações e discussões que, à época de sua edição, eram de impossível

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170 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

conhecimento ou percepção por parte do legislador ordinário; (ii) somente a


aplicação e o uso dos novos padrões contábeis possibilitarão a consolidação
de entendimentos relativamente a aspectos não resolvidos pela normatização
vigente; (iii) a norma societária carece, certamente, de uma revisão para
prever outras situações e, nessas condições, uma questão importante deve ser
revisitada: se é adequado veicular padrões contábeis, regras sobre escrituração
mercantil e preparação de demonstrações financeiras, por lei ordinária, sujeita
à elaboração e aprovação do Congresso Nacional, considerando-se a agilidade
da economia e a correspondente resposta da ciência contábil. Esse tema deve
ser reexaminado, com a maior celeridade possível, sob pena de a lei societária,
no que tange às demonstrações financeiras, rapidamente desatualizar-se13; (iv)
os novos padrões contábeis, adotados nos balanços individuais, desconhecem
os negócios jurídicos, afastam a aplicação da lei civil e representam risco de mal
entendidos com reflexos danosos para os negócios; (v) o sistema de neutralidade
tributária é ineficiente e não consegue resolver problemas relevantes, de interesse
do Fisco e do contribuinte.
As questões aqui propostas nos levam ao tema fundamental deste estudo;
a intepretação do Direito Contábil.

5. Ampliação do debate entre Direito e


Contabilidade: a interpretação do Direito
Contábil
O estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade
e de auditoria, no Brasil, por força de lei, é feito pelo CPC; considerando-se
que a ciência contábil, mundialmente, converge e se harmoniza por meio do
IFRS, cabe, também, ao CPC divulgá-lo no Brasil. O IFRS resulta incorporado
ao sistema jurídico brasileiro, por conta da lei societária e da normatização
exercida pelos órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, que ao
adotá-los, determinam sejam eles observados pelas entidades que lhes estão
submetidas. Por essa razão anotamos que o IFRS desdobra -se em diferentes

13 Sobre as dificuldades que resultam da positivação dos padrões contábeis, veja-se Elidie Palma
Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a
reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, pp. 45-47.

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Elidie Palma Bifano - 171

dimensões, inserido que está em nosso sistema jurídico: essas várias dimensões
determinarão quem são os usuários e destinatários dessas regras, formadoras
do Direito Contábil, a quem caberá sua interpretação, sem que, entretanto,
estejam eles assumindo a função que aos contadores cabe.

5.1 Quais são as regras de interpretação aplicáveis ao


Direito Contábil?
Como ramo do Direito é essencial abordar os métodos de interpretação
aplicáveis ao Direito Contábil. Enfatiza Carlos Maximiliano14 que preceito
preliminar e fundamental de interpretação é definir de modo preciso o caráter
especial da norma e a matéria de que é objeto, indicando o ramo de Direito a
que pertence. A lei societária regula matéria de direito privado, relações entre
cidadãos, hoje colhida pelo Direito Civil, razão pela qual as regras voltadas ao
Direito Contábil devem ser interpretadas consoante os princípios aplicáveis
ao Direito Civil. A norma de Direito Civil é objeto de interpretação quando
o operador do Direito, em caso concreto, é chamado a aplicá-la, oportunidade
em que devem ser consideradas as disposições da Lei de Introdução ao Código
Civil/LICC, DL 4.657/42. Alguns aspectos relevantes devem ser comentados,
considerando-se que a Ciência Contábil evolui à medida que novas necessidades
surgem e, nem sempre, a norma jurídica que registra a prática contábil é
suficientemente ágil para acompanhar essas novidades.
(i) vigência (art. 2º, LICC): em resumo, a norma vigora até que
outra a revogue, expressamente, por incompatibilidade ou porque
regula por inteiro a matéria, considerando-se que lei nova que
estabeleça disposições gerais ou especiais não revoga nem modifica
a lei anterior e lei revogada não restaura lei anterior revogadora.
Esse dispositivo impede que normas infralegais alterem padrões
dispostos na lei societária, ainda que a prática contábil assim o exija
ou venha a ser assim determinado. Observe-se que essa restrição
é indicativa de que outro deve ser o veículo legal para introduzir
os padrões contábeis no sistema jurídico, como já comentado;
(ii) observância da lei (art. 3º, LICC): o dispositivo em apreço
determina que ninguém pode deixa de cumprir a lei sob alegação

14 Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª ed., 3ª tir. Rio: Forense, 1984, p. 303.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 171 29/5/2012 18:02:50


172 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

de que não a conhece. A regra é princípio inserido no sistema


constitucional e, no caso do Direito Contábil, também aplicável,
implica que Pronunciamentos normatizadas são lei e o que aqueles
que estão autorizados a emitir tais normatizações observem os
padrões dispostos na lei societária;
(iii) aplicação da lei pelo juiz ( arts. 4º e 5 º, LICC): ao juiz, aplicador
da norma, o legislador determina que na omissão da lei se aplique
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, além
de que sejam atendidos aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum. Em matéria de Direito Privado é
usual que o julgador se valha da analogia, pois casos similares
devem ser tratados sob os mesmos conceitos, inclusive como
forma de preservar a equidade (justa aplicação do Direito), a
que nossa LICC não faz referência expressa embora inserida no
sistema por conta dos princípios gerais, não expressos, porém seus
sustentáculos. Sendo a norma de Direito Contábil omissa, o juiz
deverá agir em conformidade com o sistema e buscar a solução
mais adequada ao caso concreto. Os fins sociais pretendidos pela
norma, inclusive de Direito Contábil, devem harmonizar-se com
os ditames da Lei Maior;
(iv) respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa
julgada (art. 6º, LICC) : a norma de Direito Contábil não pode
ferir qualquer uma destas situações previstas na LICC, ou seja,
ter efeito retroativo, retirar direitos ou ofender a coisa julgada pela
introdução de práticas que gerem tais efeitos, seja por lei ordinária
seja por norma infralegal.
Além das disposições contidas na LICC, há outras não escritas que os
juízes utilizam na interpretação das normas jurídicas; também a esse arcabouço
de regras, não escritas, mas aplicáveis por força da jurisprudência e dos usos e
costumes dos tribunais, submetem-se as regras de Direito Contábil, podendo o
operador do Direito delas se valer no momento de tomar suas decisões.

5.2 O Pronunciamento do CPC é norma integrante


do Direito Contábil?

O Pronunciamento emanado do CPC é fruto de trabalho, efetuado por


estudiosos da Ciência Contábil, cujo objetivo é a divulgação de princípios, normas

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Elidie Palma Bifano - 173

e padrões de contabilidade e de auditoria. As funções do CPC, bem como sua


composição, é dada pelos já referidos arts. 10 e 10-A da L. 6.385/76, na redação da
L. 11.638/2007, e do art. 177, §§3ºe 5º da lei societária e, na hipótese de o CPC
extrapolar do exercício da tarefa de estudar e editar Ciência Contábil, através dos
Pronunciamentos,, haveria um descumprimento das normas que o criaram e lhe
atribuíram suas funções. A adoção do Pronunciamento é facultativa, inclusive
para os órgãos que integram o próprio CPC; nessas circunstâncias, duas situações
de fato se apresentam: (i) se o Pronunciamento não for adotado pelo agente
regulador, ele não se revestirá da característica de norma jurídica, remanescendo,
isso sim, com importante instrumento de interpretação, enquadrando-se como
princípio orientador de boas práticas contábeis, porém não integrante do Direito
Contábil; (ii) se o Pronunciamento for adotado pelo agente regulador, ele será de
obrigatória observância, inserido no sistema jurídico e seu descumprimento poderá
ter consequências, também jurídicas, relevantes, integrando o Direito Contábil.
Qual é a decorrência legal de o Pronunciamento ser uma norma integrada
no sistema jurídico brasileiro, de obrigatória observância pelas entidades às quais
se dirige? A principal decorrência é a sua inserção nas regras de interpretação do
Direito Civil; assim, determinação contida em Pronunciamento que extrapole às
disposições societárias, referendada e adotada por agente regulador será tida por
ilegal. A ilicitude, porém, somente nascerá coma adoção do Pronunciamento,
porque enquanto não adotado, ele é exercício de atividade científica, sem
qualquer repercussão prática.

5.3 A adoção dos Pronunciamentos do CPC pelo


CFC: conflito com agentes reguladores?
A Resolução 1.055/2005 do CFC criou o CPC, o que já nos levou à
conclusão de que os profissionais da Contabilidade estão obrigados a observar
as recomendações contidas nos Pronunciamentos, sob pena de sofrerem sanções
por parte de seus pares. A questão não é nova, mas se torna relevante quando
o profissional responde pela contabilidade de uma entidade submetida a órgão
regulador que não adota os Pronunciamentos, total ou parcialmente, como é o
caso do BACEN. Nessa situação, parece claro que o contador deve observar as
práticas contábeis impostas pelo regulador da atividade econômica específica,
não cabendo nenhum tipo de especial sanção por parte do CFC. Ressalte-se que
as disposições emanadas dos conselhos profissionais, reconhecidos legalmente,
inserem-se no sistema jurídico brasileiro.

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174 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

5.4 Cabe interpretar o Pronunciamento do CPC? A quem


cabe?

O Pronunciamento do CPC, antes de tudo, objetiva comunicar e


compartilhar com um grupo de pessoas, informação sobre matéria contábil.
O Pronunciamento, portanto, é um veículo de comunicação cujo objetivo é,
consoante a lei, divulgar princípios, normas e padrões de contabilidade e de
auditoria. Como todo veículo de comunicação, o Pronunciamento está sujeito
a formulações que podem ensejar dúvidas ou questionamentos na sua aplicação,
sob dois diferentes aspectos: (i) que a aplicação se faça a situações concretas
que podem variar e (ii) que o ser humano ao comunicar-se peca, muitas vezes,
pela falta de clareza.
A exemplo do que ocorre com o IFRS, no exterior, os Pronunciamentos do
CPC submetem-se a interpretações (ICPC), sempre que necessário. No exterior,
o Comitê de Interpretações do IFRS, denominado IFRIC (International
Financial Reporting Interpretations Committee) tem por função auxiliar o órgão
encarregado de editar os pronunciamentos (IASB – International Accounting
Standards Board) no estabelecimento e melhoria das normas de contabilidade e
dos relatórios financeiros, em benefício dos usuários. O papel da interpretação,
nos estritos termos do Texto Consolidado das Normas Internacionais de
Relatório Financeiro divulgadas pelo IASB15, é fornecer orientação tempestiva
sobre questões recém-identificadas e ainda não tratadas, especificamente, nos
pronunciamentos onde a matéria foi desenvolvida. Pode, também, ocorrer, que
a matéria tenha sido tratada de forma inadequada, insatisfatória ou conflitante,
dai a necessidade de editar a interpretação para que se permita uma aplicação
rigorosa e uniforme do pronunciamento.
O sistema de interpretação adotado, no exterior e refletido no Brasil,
pode ser designado, nos termos adotados pelo Direito, como autêntico, pois
a manifestação é, como se observa, oriunda da própria entidade que veiculou
o Pronunciamento. Esse dado é relevante para que se conclua que nenhum
Pronunciamento é completo, perfeito ou definitivo. Neste momento o
CPC já emitiu diversas interpretações sobre Pronunciamentos, devendo as

15 Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS), incluindo Normas Internacionais de


Contabilidade (IAS) e Interpretações, aprovadas em 1° de janeiro de 2008, trad., 1° vol. São Paulo:
IBRACON, Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, 2009.

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Elidie Palma Bifano - 175

interpretações ser consideradas para fins de aplicação dos Pronunciamentos, por


parte dos seus usuários. Se o CPC interpreta seus Pronunciamentos, é razoável
admitir-se que os usuários dos Pronunciamentos assim o façam, no momento
da aplicação dessas recomendações. Conclui-se, portanto, que a interpretação
do conteúdo dos Pronunciamentos do CPC cabe, em primeira mão aos seus
destinatários e, em qualquer hipótese, ao CPC.

5.5 O Pronunciamento CPC incorporado ao Direito


Contábil: a quem cabe sua interpretação?
O Pronunciamento incorporado no sistema jurídico brasileiro, de
obrigatória observância, transforma-se em lei, integra o Direito Contábil e,
portanto, será objeto de interpretação do operador do Direito. Nesse sentido,
será verificado se ele cumpre sua função no sistema jurídico, se o seu conteúdo
não extrapola a abrangência que por lei lhe foi atribuída e seu conteúdo
normativo; é essencial que a aplicação dos princípios, normas e padrões de
contabilidade e de auditoria que estão por ele sendo divulgados, estejam
enquadrados nas determinações da lei societária.
Obser ve-se, com clareza, como as diferentes dimensões dos
Pronunciamentos estão aqui sendo colhidas: (i) a interpretação do operador
da Contabilidade, estudioso, contador ou administrador de entidade obrigado
a aplicar as recomendações contidas no Pronunciamento, por determinação
do CFC, envolvendo puramente a matéria contábil; (ii) a interpretação do
operador de Direito, estudioso, advogado ou juiz examinando a pertinência
do Pronunciamento frente aos princípios que regem a edição ou aplicação
do Direito nacional. É essencial que se trace a diferença dos conteúdos
interpretativos do operador da Contabilidade e do operador do Direito, assim
como os níveis em que tudo isso se processa, sob pena de se atribuir ou avocar
o jurista na tarefa de interpretar princípios, normas e métodos contábeis, o que
não se concilia com a formação e capacitação desses profissionais. Ressalte-se
que a tarefa de interpretar o Pronunciamento, sob o ponto de vista contábil, é,
exclusivamente, do profissional da Contabilidade ainda que esse Pronunciamento,
ao ser convertido em lei, apresente aspectos de ilegalidade quando confrontado
com a lei societária.
A disposição legal, em matéria contábil, pode submeter-se ao crivo de
diversas interpretações, considerando as diferentes visões e repercussões que

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176 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

norma contábil pode ensejar. Em um processo judicial em que se examina a


aplicação de uma regra contábil de obrigatória observância, o juiz pode pedir
a presença de um representante de órgão regulador, considerando a aplicação
da regra contábil e o interesse de investidores e do mercado, em geral, e de
um contador, especialista que possa indicar a melhor prática contábil a ser
adotada para aquele modelo de negócio ou de atividade. Certamente que
o juiz, no momento de pronunciar-se, louvar-se-á na manifestação desses
especialistas para eliminar dúvidas. Sua conclusão será sobre a aplicação da
lei, pois seus limites, como operador do Direito, não lhe permitem tratar de
matéria puramente contábil. Essas são algumas das muitas visões que os novos
padrões contábeis podem ter.

5.6 A interpretação dos Pronunciamentos: a grande


distinção entre a interpretação contábil e a jurídica

Os Pronunciamentos do CPC representam a manifestação dos contadores


a respeito do tratamento contábil de fenômenos da vida empresarial. A
contabilidade trabalha com essências econômicas e busca entender e interpretar
a intenção que as partes tiveram em um negócio, mas a intenção que se colhe
através da leitura do fenômeno econômico. À Contabilidade são irrelevantes os
modelos contratuais tipificados em lei, ainda que aceitos pelas partes, se de um
contrato tipificado, dadas as condições em que é firmado e dos efeitos gerados
infere-se coisa diversa daquela que o contrato consignou. O Direito positiva
valores sociais e determina a causa jurídica manifestada no negócio escolhido e
assim desenhada em lei. Para fins jurídicos é essencial que a intenção das partes,
identificada contratualmente, se exteriorize e se firme consoante o modelo legal;
o Direito não convive com a declaração diversa da vontade manifestada ou
colhida por outros elementos que não, exclusivamente, a declaração de vontade.
A Contabilidade e o Direito, como se observa, tomam a atividade empresarial
e a examinam e qualificam segundo seus enfoques, econômico ou jurídico.
Para fins contábeis a propriedade legal, ou os direitos que dela decorrem,
por exemplo, não são suficientes para qualificar um item, devendo ser
examinados outros elementos como, por exemplo, benefícios econômicos futuros
por ele gerados. Para fins jurídicos, a propriedade legal ou os direitos que dela
decorrem são essenciais para se definir situações jurídicas, responsabilidades
e similares. Por essa razão, o Pronunciamento contábil, emitido pelo CPC,
resultará lastreado e deve ser interpretado segundo as essências econômicas

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nele contidas; uma vez incorporado ao sistema jurídico, por agente regulador
ou por norma específica, caberá seu exame a partir da natureza jurídica que
lhe foi atribuída pela lei, aplicando-se seu conteúdo econômico, nos estritos
termos e situações em lei definidos.

5.7 Conclusão
A matéria aqui tratada demonstra que estamos apenas no início de
um novo período envolvendo o Direito e a Contabilidade não cabendo, em
nenhuma hipótese, a afirmativa de que a interpretação da matéria contábil é de
exclusiva competência do contador ou de que o estudioso do Direito deva dela
afastar-se. O que é certo é que as diversas dimensões do IFRS permitem concluir
que um Pronunciamento contábil envolve a participação de muitos especialistas,
uma vez que a Contabilidade volta-se a fatos econômicos que nascem no
seio da atividade empresarial, cuja riqueza imensa exige o conhecimento e a
participação de muitas áreas do saber.

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Capítulo VII

O Regime Tributário do
Consórcio de Empresas

Fábio Martins de Andrade


Advogado em São Paulo, cotitular de Andrade Advogados Associados, e Doutor
em Direito Público pela UERJ.

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Fábio Martins de Andrade - 181

1. Introdução

Em linhas gerais, o consórcio de empresas é constituído, mediante a


celebração de um contrato, por duas ou mais entidades, por prazo determinado,
com as seguintes características: a) objetivo comum para execução de determinado
projeto, empreendimento ou prestação de serviço; b) administrado pela empresa
designada líder; e c) não se confunde com os grupos de sociedades.
Na prática, os principais tipos de consórcios são constituídos para: a)
execução de grandes obras de engenharia; b) atuação no mercado de capitais;
c) acordos exploratórios de serviços de transporte; d) exploração de atividades
minerais e correlatas; e) atividades de pesquisa ou uso comum de tecnologia;
e f ) licitações públicas.1 
O consórcio é a reunião de diferentes empresas que buscam conjugar
esforços para o objetivo comum na execução de certo projeto, empreendimento
ou prestação de serviço.2
Dada a manutenção da distinção da personalidade jurídica das empresas
envolvidas é forma bastante usada na realização de grandes projetos. Com os
empreendimentos de grande porte que se avizinham no horizonte, recentemente
verificou-se modificação legislativa referente ao regime tributário do consórcio
de empresas.
Nesse sentido, confira trecho da análise elaborada pelo Senador Gim
Argello quando do trâmite da referida alteração legislativa:

1 Essas características principais foram mencionadas na parte específica de conceituação e


disposições gerais previstas na NBC T 10.20 aprovada pela Resolução CFC nº 1.053/2005.
Posteriormente, ela foi revogada pela Resolução CFC nº 1.242/09, publicada em 04.12.2009,
que aprova a NBC T 19.38 sobre o Investimento em Empreendimento Controlado em Conjunto
(Joint Venture), a qual não faz referência expressa ao consórcio. Posteriormente, a Resolução CFC
nº 1.329/2011 alterou a sigla e a numeração de normas, interpretações e comunicados técnicos,
passando de NBC T 19.38 para NBC TG 19. Desse modo, embora as partes relacionadas ao registro
contábil e às demonstrações contábeis tenham sido expressamente revogadas, entendemos que
aquela noção anteriormente posta sobre consórcio e seus principais tipos podem ser usados a
título ilustrativo.
2 Registramos desde logo que o consórcio de empresas objeto do presente estudo não se confunde
com os sistemas de consórcios e sorteios previsto no inciso XX do art. 22 da Constituição da
República e tampouco com o Sistema de Consórcio tratado pela Lei nº 11.795/2008, que se
destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços, constituído por administradoras de
consórcio e grupos de consórcio.

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182 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

“Se o consórcio é a forma mais usual de se juntar esforços de


pessoas jurídicas distintas na realização em comum de grandes
empreendimentos, é com premência que teremos de estabelecer
definitivamente a legislação tributária que lhe seja aplicável. Afinal,
são vários os projetos de grande porte previstos para o futuro imediato:
exploração do pré-sal, realização da Copa das Confederações, da Copa
do Mundo e das Olimpíadas, construção do ‘trem-bala’, só para ficar
naqueles com maior visibilidade”.3 
Antes de examinar a alteração legislativa, trazida inicialmente pela Medida
Provisória nº 510, posteriormente convertida na Lei nº 12.402/2011, impõe-
se lembrar alguns passos que contribuirão para a adequada compreensão do
cenário existente na prática empresarial de uso do consórcio nos últimos anos.
De fato, cabe rever o panorama legislativo e dos atos regulamentares
pertinentes ao tema no direito brasileiro posto. Nesse contexto, assume
especial relevo os arts. 278 e 279 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) e
a IN RFB nº 834/2008. Além disso, cabe mencionar a jurisprudência e as
orientações emanadas tanto no âmbito administrativo como também na seara
judicial acerca do regime tributário do consórcio de empresas.
Delineado o cenário no qual se insere o advento da Lei nº 12.402/2011,
percorreremos o seu trâmite desde a edição da Medida Provisória nº 510, o
Projeto de Lei de Conversão (PLV ) nº 6/11 e o texto final aprovado da lei,
inclusive comparando a redação inicialmente proposta pela Presidência da
República e a redação, ao final, aprovada no Congresso Nacional.
Desse modo, objetivamos delinear de maneira clara quais foram as
principais modificações sofridas no regime tributário do consórcio de
empresas, com vistas a elucidar a tomada de decisão dos gestores de grandes
empresas no uso, que se espera seja cada vez maior, do consórcio para a
consecução dos projetos e empreendimentos que são tão necessários ao
País atualmente.

3 Cf. trecho da análise relativa à relevância e urgência da Medida Provisória nº 510, promovida
pelo Senador Gim Argello, quando da elaboração do parecer aprovando o PLV nº 6, de 2011.
Disponível no sítio eletrônico do Senado Federal: http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/
detalhes.asp?p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011.

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Fábio Martins de Andrade - 183

2. Arcabouço legislativo
2.1. LSA
A Lei nº 6.404/76 dispõe sobre as Sociedades por Ações (Lei das
Sociedades por Ações – LSA). Em capítulo específico, a lei disciplina os aspectos
societários do consórcio nos arts. 278 e 279.
O caput do art. 278 preceitua que as companhias e quaisquer outras
sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para
executar determinado empreendimento, observado o disposto neste capítulo da lei.
A execução de determinado empreendimento capaz de motivar a
constituição do consórcio geralmente dá-se por prazo determinado. Todavia,
é possível que o sucesso da constituição do consórcio leve a uma (ou mais)
prorrogação(ões) e, no limite, permaneça até por tempo indeterminado.
A despeito de não ter personalidade jurídica, o consórcio é administrado
pela empresa consorciada líder. A relação entre as pessoas jurídicas envolvidas
na constituição do consórcio é contratual, e é nessa medida (proporção) que
cada uma responde por suas obrigações, além das demais condições ali previstas.
Não há presunção de solidariedade.4 
Esse é o teor do § 1º do art. 278, que dispõe: “O consórcio não tem
personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições
previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações,
sem presunção de solidariedade”.
O art. 279 dispõe sobre os requisitos necessários à elaboração do contrato
referente à constituição do consórcio:
“Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado
pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de
bens do ativo não-circulante, do qual constarão:

4 A respeito da solidariedade dos sujeitos passivos, o Código Tributário Nacional preceitua que: “Art.
124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que
constitua fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem. Art.
125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I – o
pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II – a isenção ou remissão de
crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo,
nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III – a interrupção da prescrição, em
favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica os demais”.

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184 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

I – a designação do consórcio, se houver;


II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
IV – a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade
consorciada, e das prestações específicas;
V – normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização,
representação das sociedades consorciadas e taxa de administração,
se houver;
VII – forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com
o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns,
se houver.
Parágrafo único – O contrato de consórcio e suas alterações serão
arquivados no registro de comércio do lugar da sua sede, devendo a
certidão do arquivamento ser publicada”.
O elenco acima é cumulativo e traz as condições mínimas para o contrato
de constituição do consórcio, sem prejuízo de outras disposições necessárias
ao seu funcionamento. Exemplo disso é que na hipótese de falência de uma
das consorciadas, os créditos que porventura tiver serão apurados na forma
prevista no contrato de consórcio, consoante prevê o § 2º do art. 278 da LSA.
Além disso, o dispositivo estabelece que a falência de uma consorciada não se
estende às demais. Nesse caso, o consórcio subsiste com as outras contratantes.

2.2. Atos regulamentares


No plano regulamentar, a Instrução Normativa RFB nº 834, publicada
no Diário Oficial da União em 28.03.2008, dispõe sobre procedimentos fiscais
dispensados aos consórcios constituídos nos termos dos arts. 278 e 279 da LSA.
O consórcio e as pessoas jurídicas consorciadas deverão observar o disposto
na referida Instrução Normativa, para efeitos do Imposto sobre a Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),
da Contribuição para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
consoante estabelece o art. 1º da IN RFB nº 834/2008.

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Fábio Martins de Andrade - 185

O art. 2º esclarece que: “Às receitas, custos, despesas, direitos e obrigações


decorrentes das operações relativas às atividades dos consórcios aplica-se o
regime tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas consorciadas”.
Para esse efeito, cada pessoa jurídica participante do consórcio (empresa
consorciada) deverá apropriar suas receitas, custos e despesas incorridos,
proporcionalmente à sua participação no empreendimento, conforme
documento arquivado no órgão de registro, consoante determina o caput do
art. 3º. O § 1º prevê que essa regra se aplica para efeito da determinação do
lucro real, presumido ou arbitrado, e da base de cálculo da CSLL.
Cuidando-se dos aspectos especificamente contábeis, cabe registrar as
seguintes regras previstas na IN RFB nº 834/2008, com a redação dada pela
IN RFB nº 917/2009:
“Art. 3º (...).
§ 2º. A empresa líder do consórcio deverá manter registro contábil
das operações do consórcio por meio de escrituração segregada na
sua contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a
escrituração de livros contábeis próprios, devidamente registrados
para este fim.
§ 3º. Os registros contábeis das operações no consórcio, efetuados
pela empresa líder, deverão corresponder ao somatório dos valores das
receitas, custos e despesas das pessoas jurídicas consorciadas, podendo
tais valores serem individualizados proporcionalmente à participação
de cada consorciada no empreendimento.
§ 4º. Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º, cada pessoa jurídica
consorciada deverá efetuar a escrituração segregada das operações
relativas à sua participação no consórcio em seus próprios livros
contábeis, fiscais e auxiliares.
§ 5º. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal utilizados
para registro das operações do consórcio e os comprovantes dos
lançamentos neles efetuados deverão ser conservados pelas empresas
consorciadas até que ocorra a prescrição dos créditos tributários
decorrentes de tais operações”. 5

5 Confira a redação original dos dispositivos em foco: “§ 2º. O consórcio deverá manter registro
contábil das operações em Livro Diário próprio, devidamente registrado; § 3º. O registro

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186 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

O faturamento correspondente às operações do consórcio, reza o caput do


art. 4º, será efetuado pelas pessoas jurídicas consorciadas, mediante a emissão
de Nota Fiscal ou Fatura próprios, proporcionalmente à participação de cada
uma no empreendimento.
Nas hipóteses autorizadas pela legislação do ICMS e do ISS, a referida
Nota Fiscal ou Fatura poderá ser emitida pelo consórcio no valor total.6 Nesse
caso, o consórcio remeterá cópia da Nota Fiscal ou Fatura às pessoas jurídicas
consorciadas, indicando na mesma as parcelas de receitas correspondentes
a cada uma para efeito de operacionalização do disposto no caput do art. 3º
anteriormente mencionado. Além disso, no histórico de tais documentos
deverá ser incluída informação esclarecendo tratar-se de operações vinculadas
ao consórcio, consoante preceitua o § 3º do art. 4º da IN RFB nº 834/2008.
A contribuição ao PIS e à COFINS relativas às operações correspondentes
às atividades dos consórcios será apurada pelas pessoas jurídicas consorciadas
proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento, observada
a legislação específica. De igual modo, os créditos referentes a tais contribuições
não-cumulativas, relativos aos custos, despesas e encargos vinculados às receitas
das operações do consórcio, serão computados nas pessoas jurídicas consorciadas
proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento, observada
a legislação específica (art. 5º).
O art. 6º dispõe que nos pagamentos decorrentes das operações do
consórcio sujeitos à retenção na fonte do imposto de renda, da CSLL, da
contribuição ao PIS e da COFINS, na forma da legislação em vigor, a retenção
e o recolhimento devem ser efetuados em nome de cada pessoa jurídica
consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento.

contábil das operações no consórcio deverá corresponder ao somatório dos valores das parcelas
das pessoas jurídicas consorciadas, individualizado proporcionalmente à participação de cada
consorciado no empreendimento; § 4º. Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º, a escrituração
das operações objeto do consórcio, relativas à participação das pessoas jurídicas consorciadas,
deverá ser efetuada em suas respectivas contabilidades, em livros contábeis, fiscais e auxiliares
próprios; § 5º. Os livros utilizados para registro das operações do consórcio e os documentos que
permitam sua perfeita verificação deverão ser mantidos pelo consórcio e pelas pessoas jurídicas
consorciadas pelo prazo de decadência e prescrição estabelecidos pela legislação tributária”.
6 Essa redação do § 1º do art. 4º da IN RFB nº 834/2008 foi dada pela IN RFB nº 917/2009. Eis
a redação original: “Nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal (ICMS), a Nota Fiscal ou Fatura de que trata o caput poderá ser emitida pelo
consórcio, observada a apropriação de que trata o caput do art. 3º”.

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Fábio Martins de Andrade - 187

De igual modo, nos recebimentos de receitas decorrentes das operações do


consórcio sujeitas à retenção do imposto de renda, da CSLL, da contribuição
ao PIS e da COFINS, na forma da legislação em vigor, a retenção deve ser
efetuada em nome de cada pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à
sua participação no empreendimento, consoante preceitua o art. 7º.
O art. 8º estabelece que:
“Art. 8º. Se das operações do consórcio decorrer industrialização de produtos,
os créditos referentes às aquisições de matérias-primas, de produtos
intermediários e de material de embalagem e os débitos referentes ao IPI
serão computados e escriturados, por estabelecimento da pessoa jurídica
consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento
industrial, conforme documento arquivado no órgão de registro.
§ 1º. Na hipótese do caput, o consórcio deverá figurar no documento
fiscal de aquisição.
§ 2º. O disposto neste artigo aplica-se inclusive no caso de as pessoas
jurídicas operarem sob a forma de condomínio em um mesmo
estabelecimento industrial”.7 
O art. 9º prevê que, para efeito do disposto na IN RFB nº 834/2008, não
será admitida a comunicação de créditos e débitos: I – da contribuição ao PIS
e à COFINS entre pessoas jurídicas consorciadas; e II – do IPI entre pessoas
jurídicas consorciadas ou entre estabelecimentos destas.8 

7 Esta dicção do dispositivo contempla a redação dada pela IN RFB nº 1.057/2010. Eis a redação anterior:
“Às operações de consórcio autorizado por órgão competente de defesa da ordem econômica
aplica-se o disposto nesta Instrução Normativa. § 1º. O disposto no caput aplica-se inclusive na
hipótese de venda de bens ou de serviços de forma continuada, ainda que por intermédio das
pessoas jurídicas consorciadas. § 2º. Na hipótese do § 1º, se das operações do consórcio decorrer
industrialização de produtos: I – os créditos referentes às aquisições de matérias-primas, de produtos
intermediários e de material de embalagem e os débitos referentes ao IPI serão computados e
escriturados, por estabelecimento da pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à sua
participação no empreendimento industrial, conforme documento arquivado no órgão de registro;
II – o consórcio deverá figurar no documento fiscal de aquisição. § 3º. O disposto neste artigo
aplica-se inclusive no caso de as pessoas jurídicas operarem sob a forma de condomínio em um
mesmo estabelecimento industrial”. O art. 10 da IN RFB nº 834/2008 foi revogado pela IN RFB nº
1.057/2010 e tinha a seguinte redação: “Art. 10. O regime fiscal de que trata o art. 8º depende de
autorização da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) que disporá sobre o regime especial
de escrituração fiscal e de apuração do IPI e das contribuições, bem assim os termos, limites e
condições para sua implementação. Parágrafo único. O descumprimento das normas estabelecidas
no regime especial de que trata o caput acarretará o cancelamento da autorização”.
8 Essa redação foi dada pela IN RFB nº 917/2009. Confira a redação anterior: “Art. 9º. Para efeito
do disposto nesta Instrução Normativa, não será admitida a comunicação de créditos e débitos
da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins ou do IPI entre pessoas jurídicas consorciadas ou
entre os estabelecimentos destas”.

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188 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Uma vez verificado o teor dos principais dispositivos que regulamentam


os procedimentos fiscais dispensados aos consórcios constituídos nos termos
dos arts. 278 e 279 da LSA, contidos na IN RFB nº 834/2008, cabe mencionar
outros diplomas regulamentares pertinentes ao tema em foco.
Nesse sentido, cabe registrar que, em 11.02.1998, foi publicada a IN SRF
nº 14, que dispôs sobre a obrigação do consórcio se inscrever no Cadastro Geral
de Contribuintes – CGC. Esse ato regulamentar foi revogado expressamente
pelo art. 38 da IN SRF nº 82, de 30.06.1999, que instituiu o Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ e, em seu art. 14, § 2º, estabeleceu que os
consórcios também estão obrigados a se inscrever nele, a despeito de reconhecer
expressamente que permanecem não possuindo personalidade jurídica.9 
A IN SRF nº 475, publicada em 15.12.2004, que dispõe sobre a retenção da
CSLL, da COFINS e da contribuição ao PIS/Pasep nos pagamentos efetuados
pelos órgãos da administração direta, autarquias e fundações da administração
pública do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios às pessoas jurídicas
de direito privado pelo fornecimento de bens e serviços, estabeleceu, na cabeça
do seu art. 17, que: “No caso de pagamento a consórcio constituído para o
fornecimento de bens e serviços, inclusive a execução de obras e serviços
de engenharia, a retenção deverá ser efetuada em nome de cada empresa
participante do consórcio, tendo por base o valor constante da correspondente
nota fiscal de emissão de cada uma das pessoas jurídicas consorciadas”.10 O §
2º prevê que: “No caso de pagamentos a consórcio formados entre empresas
nacionais e estrangeiras, aplica-se a retenção do art. 1º às empresas nacionais
e a do art. [2]9 desta Instrução (imposto de renda na fonte), às consorciadas
estrangeiras, observadas as alíquotas aplicáveis de acordo com a natureza dos
bens ou serviços, conforme legislação própria”.11

9 Seguiu-se então uma sucessão de atos regulamentares que revogaram e substituíram os anteriores:
em 20.01.2000, foi publicada a IN SRF nº 01; em 08.01.2001, foi publicada a IN SRF nº 2; em
01.10.2002, foi publicada a IN SRF nº 200; em 12.09.2005, foi publicada a IN RFB nº 568; em
02.07.2007, foi publicada a IN RFB nº 748; e, por último, em 09.02.2010, foi publicada a IN
RFB nº 1.005, que revogou a anterior.
10 Nesta hipótese, a empresa administradora deverá apresentar à unidade pagadora os documentos de
cobrança, acompanhados das respectivas notas fiscais, correspondentes aos valores dos fornecimentos
de bens ou serviços de cada empresa participante do consórcio, consoante dispõe o § 1º.
11 Em seguida, a IN SRF nº 480, de 15.12.2004, publicada em 29.12.2004 e republicada em
31.12.2004, reproduziu as mesmas regras acima, agora previstas no art. 16 e corrigiu o erro
material contido na referência ao art. 19 que, na realidade, se cuidava do art. 29.

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Fábio Martins de Andrade - 189

No âmbito estadual, o Decreto do Estado do Rio de Janeiro nº 26.064, de


15.03.2000, dispõe sobre o tratamento tributário dispensado ao consórcio de
empresas relacionadas com a atividade petrolífera. Em linhas gerais, estabelece
que o consórcio formado por um grupo de empresas, relacionados com a
exploração e produção de petróleo ou gás natural no território do Estado do
Rio de Janeiro, deve requerer, por meio da empresa líder, inscrição especial no
Cadastro de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro (CADERJ). Isso não
importa conferir personalidade jurídica ao consórcio.12
Por fim, a IN RFB nº 1.110, publicada em 27.12.2010, com as alterações
promovidas pela IN RFB nº 1.121, de 14.01.2011, e IN RFB nº 1.130, de
18.02.2011, que dispõe sobre a Declaração de Débitos e Créditos Tributários
Federais (DCTF), estabelece que os consórcios que realizem negócios jurídicos
em nome próprio, inclusive na contratação de pessoas jurídicas e físicas, com
ou sem vínculo empregatício, deverão apresentar a DCTF Mensal, desde
que tenham débitos a declarar. Em relação ao mês de dezembro de cada
ano-calendário, deverão apresentar a DCTF Mensal, ainda que não tenham
débitos a declarar, na qual indicarão os meses em que não tiveram débitos a
declarar. Por expressa previsão regulamentar, são dispensados da apresentação
da DCTF, ainda que se encontrem inscritas no CNPJ ou que tenham seus atos
constitutivos registrados em Cartório ou Juntas Comerciais, os consórcios, desde
que não realizem negócios jurídicos em nome próprio, inclusive na contratação
de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício.
O ato regulamentar disciplina a apresentação da DCTF pelo consórcio,
quando realizar negócio jurídico próprio. Tal ato estava de acordo com o teor
da MP 510, que previa em caráter obrigatório o cumprimento das obrigações
tributárias pelo próprio consórcio. Contudo, levando em consideração a dicção
da Lei nº 12.402/2011, a IN RFB nº 1.110 parece dela distanciar-se, na
medida em que estabelece dever (“deverão”) quando, em realidade, a lei traz

12 Além disso, o decreto estadual prevê que a empresa líder agirá como mandatária das demais
consorciadas e deve registrar todas as operações da atividade consórtil em livros fiscais do
próprio consórcio, ficando responsável pela apuração e recolhimento do ICMS, aplicando-se-
lhes a legislação pertinente às empresas em geral no que se refere às obrigações principal e
acessórias. Se ocorrer saldo credor, ele pode ser transferido para as consorciadas na proporção
de sua participação no consórcio. As empresas consorciadas respondem solidariamente pelas
obrigações tributárias relacionadas com a atividade consórtil, nos termos do art. 124 do CTN e
do art. 38, inciso II, da Lei nº 9.478/97.

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190 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

um permissivo facultativo, de caráter opcional, como veremos em seguida.


Aqui, interpretação do ato regulamentar consentânea com a sua matriz legal
seria o reconhecimento do dever apenas e tão somente se o consórcio realizar
negócio jurídico próprio e a opção legal tenha sido exercida para simplificar e
centralizar o cumprimento das obrigações tributárias referentes ao consórcio.

3. Jurisprudência e orientações
Nesse tópico, cabe verificar como a jurisprudência nacional cuida dos
assuntos tributários relacionados ao consórcio e às empresas consorciadas. Além
de trazer alguns julgados oriundos de diferentes tribunais do Poder Judiciário,
enriqueceremos o estudo com ementas e trechos de acórdãos oriundos de órgãos
administrativos, como o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) e algumas orientações emanadas pelas
autoridades administrativas fiscais através de soluções de consultas.
Com isso, completaremos o quadro evolutivo normativo e jurisprudencial
existente no momento de edição da Lei nº 12.402/2011. Dentre os julgados
provenientes do antigo Conselho de Contribuintes (CC), destacaremos alguns
que podem ilustrar os diferentes tipos de litígios em matéria tributária e com
o envolvimento direto da figura do consórcio.

3.1. Administrativa
Em julgamento ocorrido em 06.12.2005, o então Conselho de Contribuinte
decidiu negar provimento ao recurso voluntário, por unanimidade de votos,
quanto ao faturamento proveniente da venda de produtos obtidos na atividade
do consórcio. De fato, constou na ementa que: “O consórcio de empresa não
possui personalidade jurídica própria, sendo contribuinte da COFINS cada
empresa consorciada, que recolhe a Contribuição na proporção do rateio de
receitas estabelecido em contrato”.13

13 No trecho do voto do Conselheiro Relator pertinente ao presente estudo, ele cotejou o exame da
LSA com o contrato específico de consórcio celebrado pelas empresas consorciadas, destacando
que: “as duas consorciadas ‘sempre serão consideradas individualmente (e não solidariamente)
responsáveis perante terceiros por suas respectivas obrigações’ (cláusula 3.01); “a Petrobrás obriga-
se a dar destinação comercial ao petróleo produzido a partir do Campo de Marlim (cláusula 8.01,
h)”; a Receita Real do Consórcio, dada pelo número de barris de petróleo extraídos multiplicado
pelo valor em Reais do preço do produto, é repartida entre a Petrobrás e a Marlim, cabendo a
esta um percentual que varia de 2% a 30%, exceto nos anos

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Fábio Martins de Andrade - 191

No mesmo sentido, em julgamento ocorrido em 20.09.2007, o então


Conselho de Contribuinte decidiu que: “As empresas consorciadas, na forma
da Lei nº 6.404, de 1976, são contribuintes da Cofins, proporcionalmente à sua
participação no consórcio, devendo recolher a contribuição em seus respectivos
nomes e CNPJ”.14 
Com efeito, em outro julgamento o tribunal administrativo expressou que:
“O consórcio, embora regulado pelo ordenamento jurídico, justamente
por ser derivado da comunhão de interesses de diversas pessoas
jurídicas, não é dotado de personalidade jurídica, isto é, isoladamente
considerado não pode ser sujeito de direitos e obrigações; daí este
não ser, na órbita do direito tributário, sujeito passivo de impostos e
contribuições”.15 
De igual modo, as autoridades administrativas também compreendem
e vem respondendo às consultas nesse sentido. É que, no consórcio, inclui-
se no faturamento mensal de cada empresa consorciada, base de cálculo da
Contribuição ao PIS/Pasep e da COFINS, o montante do faturamento mensal
obtido na atividade consorcial, de forma proporcional a sua participação,
independentemente da emissão de notas fiscais por parte de cada uma das
empresas consorciadas. Além disso, as obrigações acessórias (aí incluída a
emissão de documentos fiscais) devem ser cumpridas individualmente, por cada
empresa consorciada. Também a retenção de tributos e contribuições deve ser

de 1999 e 2002, quando o percentual máximo da Marlim poderá alcançar 70%” (cláusulas 9 e
10); “os custos e despesas do consórcio serão rateados na mesma proporção da Receita Real do
Consórcio (cláusula 15)”. Registrou, ademais, que: “Embora somente a Petrobrás seja responsável
pela comercialização do petróleo extraído, a receita é repartida conforme a fórmula estabelecida
no contrato (cláusulas 9 e 10), de modo que a cada transferência da Petrobrás para a Marlim há
incidência da COFINS e do PIS, sobre o montante da receita transferida”. Em seguida, consignou
que: “No caso da Petrobrás ter faturado pelo total do óleo vendido (é o que informa a recorrente),
deve haver a repartição do valor global, na forma do estabelecido pelo contrato do consórcio”.
O Relator concluiu que: “(...) a Petrobrás não é responsável pelo recolhimento total, incluindo
a parte transferida à Marlim. Se agiu assim e recolheu PIS e COFINS sobre receita alheia, faz jus
à repetição do indébito respectivo” (2º CC – 3ª Câmara – Ac. 203-10.571, Rel. Cons. Emanuel
Carlos Dantas de Assis, j. 06.12.2005, DOU 12.03.2007).
14 Nesse caso, o Conselheiro Relator entendeu que: “(...) no tocante aos eventuais valores recolhidos
a maior, como são recolhimentos efetuados em nome do consórcio, caracterizam-se como
recolhimentos indevidos, não podendo ser compensados na apuração do valor do auto de infração.
Cabe ao consórcio providenciar eventual pedido de restituição” (2º CC – 1ª Câmara – Ac. 201-
80.596, Rel. Cons. José Antonio Francisco, j. 20.09.2007, DOU 13.11.2007).
15 Cf. 1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU
07.05.2007.

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192 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

efetuada em nome de cada empresa participante do consórcio, tendo por base


o valor constante da correspondente nota fiscal de emissão de cada uma das
pessoas jurídicas consorciadas.16 
No mesmo sentido, com maior explicação sobre as obrigações tributárias
principais e acessórias do consórcio:
“CONSÓRCIO ENTRE EMPRESAS NACIONAIS. O consórcio,
constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 1976,
não possui personalidade jurídica própria, mantendo-se a autonomia
jurídico-tributária de cada uma das consorciadas. CONTRIBUINTE.
Contribuinte do IRPJ e das contribuições sociais decorrentes da
atividade consorcial não é o consórcio, mas sim a consorciada, que,
no regime do lucro real, deverá manter contabilidade que reflita
proporcionalmente a do consórcio, segundo sua participação. Cabe
a cada uma das empresas participantes do consórcio apropriar
individualmente suas receitas e despesas, proporcionalmente à sua
participação percentual no rateio do empreendimento, e computá-
las na determinação do lucro real, presumido ou arbitrado, nas
respectivas DIPJ, observado o regime tributário a que estão sujeitas
no ano-calendário correspondente, bem como calcular e recolher a
contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins. RECEITA AUFERIDA
POR CONSORCIADA COM ALUGUEL DE BENS AO
CONSÓRCIO. A receita de aluguel auferida pela consorciada,
decorrente da locação de bens ao consórcio, deverá compor a base de
cálculo dos tributos e contribuições da consorciada beneficiária. BENS
ADQUIRIDOS PELO CONSÓRCIO. Os bens adquiridos pelo
consórcio compõem o ativo permanente das consorciadas, na proporção
de sua participação. EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL. Cabe
a cada empresa consorciada, inclusive à administradora, a emissão
de Nota-Fiscal ou documento equivalente, levando-se em conta a
participação que detém no empreendimento. É irrelevante, para este
fim, o fato de o consórcio estar obrigado a ter inscrição própria no

16 Cf. Solução de Divergência nº 23, de 30.05.2008. No mesmo sentido: Solução de Consulta nº


103, de 18.06.2009. Em razão da autonomia jurídico-tributária de cada uma das consorciadas,
apenas a parcela das receitas correspondente à participação da consorciada compõe a base de
cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e à Cofins, sendo irrelevante o regime de tributação adotado
por cada consorciada para fins de apuração da CSLL e do IRPJ (cf. Solução de Consulta nº 251,
de 19.10.2006).

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Fábio Martins de Andrade - 193

Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ. RETENÇÃO DE


TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES. A retenção de que trata o art.
1º da Instrução Normativa SRF nº 480, de 2004, deverá ser efetuada
em nome de cada empresa participante do consórcio, tendo por base
o valor constante da correspondente nota fiscal de emissão de cada
uma das pessoas jurídicas consorciadas. Os valores retidos poderão
ser deduzidos, pelo contribuinte (consorciada), do valor do imposto e
contribuições da mesma espécie devidos, relativamente a fatos geradores
ocorridos a partir do mês de retenção” (Solução de Consulta nº 523,
de 13.11.2007).
A regra de ouro a ser observada é a proporção da participação da empresa
consorciada no contrato de constituição do consórcio para consecução do
projeto. É que, ao longo do empreendimento que motivou a formação do
consórcio, cada pessoa jurídica consorciada mantém a sua independência
jurídico-tributária. Isso se aplica às obrigações tributárias principais e acessórias
a que se submetem as empresas consorciadas.17 
Desse modo, a entrega de DCTF e de DIRF, por exemplo, deve ser
feita preferencialmente por cada empresa consorciada ou, ainda, pelo próprio
consórcio em nome da empresa consorciada (respeitada a sua proporção de
participação no consórcio).18 É que, em princípio, os consórcios não estão
sujeitos à apresentação de tais declarações, bem como da DIPJ e do DACON,

17 Cuidando-se do IPI, a sua natureza plurifásica mantém a independência jurídico-tributária de cada


empresa consorciada: “NATUREZA PLURIFÁSICA DO IMPOSTO. INDUSTRIALIZAÇÃO FORA
DO ESTABELECIMENTO. CONSÓRCIO. INDEPENDÊNCIA DAS CONSORCIADAS. O IPI possui
natureza plurifásica, incidindo em cada fase do ciclo de produção dos bens. Em cada incidência, a
alíquota aplicável deve corresponder à natureza do produto ora fabricado, e não à daquele que será
industrializado na fase seguinte. Na saída de partes e componentes industrializados por empresa
contratada para a construção de alto-forno nas dependências da contratante, incide o imposto
sobre tais componentes segundo a natureza que então ostentam. Na fase de industrialização
seguinte, em que o alto-forno resta acabado, incide novamente o imposto. Se a industrialização
do alto-forno é operação levada a efeito por consórcio, fica mantida a independência jurídico-
tributária de cada consorciada, sendo devido por cada uma o imposto calculado sobre o valor
correspondente à respectiva participação no empreendimento” (Solução de Consulta nº 325, de
19.07.2004).
18 Com efeito, apesar de não possuir personalidade jurídica, a DCTF e a DIRF devem ser apresentadas
em nome das consorciadas. Nesse sentido: “O Consórcio de Sociedades constituído na forma dos
arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, embora sujeito à inscrição do CNPJ
não dispõe de personalidade jurídica. Embora em tese dispensada de apresentação de DCTF e de
DIRF, não deve, na verdade, apresentar tais declarações, eis que ainda que o faça, ainda subsistirá
a responsabilidade das consorciadas pela apresentação dessas declarações, proporcionalmente
à participação das mesmas no Consórcio, no tocante às receitas do empreendimento” (Solução
de Consulta nº 270, de 12.09.2006).

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194 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

cabendo a cada empresa consorciada inserir nas suas respectivas declarações


as informações relativas aos tributos referentes aos resultados auferidos no
empreendimento objeto do consórcio, na proporção de sua participação.19 
A respeito dos recolhimentos efetuados pelo CNPJ do consórcio, em
julgamento ocorrido em 20.09.2007, o então Conselho de Contribuintes decidiu
que: “Devem ser considerados os recolhimentos da contribuição efetuados por
consórcios, na proporção da participação das consorciadas, no cálculo dos valores
devidos e não recolhidos”. Reconheceu ainda que: “Os recolhimentos efetuados
pelos consórcios, integrados pela contribuinte, devem ser reconhecidos como
pagamentos efetuados, mas não como exclusão da base de cálculo”.20
De fato, os valores retidos a título de contribuição para o PIS/Pasep,
Cofins, CSLL e IRPJ, podem ser considerados como antecipação do que for
devido pela pessoa jurídica consorciada, em relação à própria contribuição,
proporcionalmente à participação contratada.21

19 Nesse sentido: “DISPENSA DE ENTREGA DE DECLARAÇÕES. Os consórcios não estão sujeitos à


apresentação da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), como
também da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), da Declaração do
Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) e do Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais
(Dacon). Cabe a cada empresa consorciada, por ocasião da apresentação de suas respectivas
DIPJ, DCTF e Dacon, nelas incluir as informações relativas aos tributos e contribuições pertinentes
aos resultados auferidos, na proporção da participação de cada uma no empreendimento objeto
do consórcio, bem como incluir nas suas respectivas DIRF as retenções efetuadas e recolhidas,
vinculadas ao empreendimento, sem prejuízo da entrega, aos respectivos beneficiários, dos
Comprovantes de Rendimentos Pagos e de Retenção do Imposto de Renda na Fonte” (Solução
de Consulta nº 70, de 23.03.2005).
20 A Conselheira Relatora consignou que: “No que tange ao reconhecimento dos valores recolhidos
pelos consórcios formados, pela recorrente no cálculo da contribuição devida, verifica-se, como bem
afirmou a decisão recorrida, que os consórcios são destituídos de personalidade jurídica própria,
não podendo, por conseqüência, ser sujeitos de obrigações tributárias. As receitas auferidas por
consórcios em realidade são das consorciadas, cabendo a elas o recolhimento dos tributos incidentes
sobre as operações, já que são elas as contribuintes dos tributos”. Em seguida registrou que: “No
caso em questão foram efetuados recolhimentos com base no CNPJ dos consórcios. Entretanto,
não sendo estes sujeitos passivos das obrigações tributárias, mas sim as consorciadas, tais valores
devem ser reconhecidos, no cálculo dos tributos devidos, proporcionalmente à participação de cada
consorciada no consórcio em questão”. Por fim, reconheceu que: “Desta forma, entendo como
correta a decisão recorrida que considerou no cálculo da Cofins devida os valores recolhidos pelos
consórcios a título desta contribuição, proporcionalmente à participação da autuada nos citados
consórcios, excluindo estes valores recolhidos do lançamento, na forma como foi feito na diligência
efetuada” (2º CC – 4ª Câmara – Ac. 204-02.775, Rel. Cons. Nayra Bastos Manatta, j. 19.02.2008,
DOU 06.09.2008).
21 A consorciada deve manter documentação comprobatória das retenções deduzidas. As notas
fiscais/faturas relativas a serviços prestados pelos consórcios devem ser emitidas por cada uma
das pessoas jurídicas consorciadas, proporcionalmente à participação contratada (cf. Solução de
Consulta nº 181, de 23.10.2006).

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Fábio Martins de Andrade - 195

Em julgamento ocorrido em 28.02.2007, o então Conselho de Contribuintes


decidiu que: “As convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo
pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar
a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Apurada a falta de recolhimento ou insuficiência de recolhimento do tributo, é
devida sua cobrança, com os encargos legais correspondentes”.22 
Em julgamento ocorrido em 09.10.2008, o então Conselho de
Contribuintes orientou-se no mesmo sentido, quando decidiu negar provimento
ao recurso voluntário, ao argumento de que seria improcedente a alegação de que
a recorrente não teria legitimidade para figurar no pólo passivo do lançamento
em questão, pois no consórcio firmado para a consecução de obras específicas,
era a ela que incumbia a responsabilidade pela retenção do tributo já que por
contrato se encontrava na condição de empresa líder do consórcio. A despeito
de cláusula específica constante no contrato de constituição do consórcio de que
cada consorciada seria responsável pelos seus custos e de que a empresa líder
teria efetuado as retenções na qualidade de substituta tributária, repassando à
recorrente apenas a parte líquida contratada, o Conselheiro Relator invocou o
teor do art. 128, pelo qual a responsabilidade pelo crédito tributário só pode
ser transferida a terceiro por expressa disposição legal (então inexistente para
os consorciados) e do art. 123, ambos do CTN.23 
Em sessão de 29.03.2007, o então Conselho de Contribuintes decidiu
que: “Nega-se provimento a recurso de ofício que, na decisão tomada pelo
colegiado da DRJ, corretamente, não viu irregularidade na prorrogação do prazo
do contrato consorcial visando a execução do empreendimento, sem falar que,
quanto ao mérito, o arbitramento realizado não teria obedecido aos ditames
da lei, muito menos levado em consideração os tributos pagos pelas empresas

22 No trecho do voto da Conselheira Relatora pertinente, a respeito da suposta duplicidade de


valores de base de cálculo relativo a lançamento contábil de receitas auferidas por consorciada
ostensiva, decidiu que: “O julgador de primeira instância citou expressamente o consórcio
firmado entre a contribuinte e a empresa Sarti Mendonça Engenharia Ltda., discriminando e
demonstrando em planilhas todas as exclusões que deveriam ser feitas das bases de cálculo
encontradas pela fiscalização resultantes dos consórcios, concluindo no sentido de que ‘apenas a
parcela do resultado correspondente à participação da consorciada irá compor a base de cálculo
da contribuição” (2º CC – 2ª Câmara – Ac. 202-17.775, Rel. Cons. Maria Tereza Martínez López,
j. 28.02.2007, DOU 12.06.2007).
23 2º CC – 4ª Câmara – Ac. 204-03.509, Cons. Rel. Rodrigo Bernardes de Carvalho, j. 09.10.2008,
DOU 29.12.2008.

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196 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

integrantes do consórcio, sem embargo, ainda, de que a corrente mais moderna


da doutrina, dentre os quais avulta a lição de Pontes de Miranda, não vê na
questão do prazo razão bastante para sua descaracterização”.24 
De fato, em seu voto explicita a posição de Modesto Carvalhosa, para quem
“o prazo de duração do consórcio deve ser, sempre, determinado”, sendo de sua
natureza a “não-permanência, já que voltado à realização de empreendimento
específico e único, que, em determinado momento, será concluído. Está, assim,
o consórcio vocacionado à sua extinção”. Perfilha ainda no mesmo sentido lições
de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro. Ademais,
acrescenta a orientação do Conselho de Contribuintes, no sentido de que
o consórcio por prazo indeterminado seria irregular, caracterizando-se, em
realidade, como sociedade de fato.25 
O Relator registra que o ponto específico permanece controverso tanto na
doutrina como também na jurisprudência administrativa. Inicia o contraponto,
o qual entende ser possível a constituição de consórcio por prazo indeterminado,
ou mesmo que o prazo inicialmente previsto seja prorrogado, mencionando
parecer da lavra de Luiz Gastão Paes de Barros.26 

24 Em explicação ao seu voto, o Conselheiro Relator, referindo-se ao julgamento pelo colegiado


de primeira instância, afirmou que: “Nesse contexto, andou bem o I. Relator ao entender
que a prorrogação do prazo original do contrato por mais nove anos, visando a execução do
empreendimento, não teria descaracterizado a natureza do consórcio. Além disso, tem igualmente
razão o Relator ao dizer que também quanto ao mérito a forma de tributação, pela via do
arbitramento, fora açodada na medida em que a simples falta de DIPJ não seria razão bastante para
a sua caracterização. Na verdade, deveria a fiscalização ter intimado a DMB a apresentar livros e
documentos do consórcio ou, caso não os tivesse, que concedesse prazo para que esta fizesse ou
refizesse a sua escrituração. A partir daí, caracterizada a inexistência de livros e documentos, ou
a recusa em sua apresentação, aí sim seria cabível o arbitramento, não sem antes a fiscalização
verificar, entretanto, qual teria sido, efetivamente, o prejuízo do erário público” (1º CC – 7ª Câmara
– Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
25 Segue o trecho pertinente do Ac. 101-86.540 citado: “Por consórcio se denomina a sociedade não
personificada, cujo objeto é a execução de determinado empreendimento. Inocorrendo a unicidade
do empreendimento, como também constatado que o contrato é por prazo indeterminado, o
acordo firmado entre as sociedades não pode ser reconhecido como de natureza consorcial.
Trata-se, na essência, de sociedade de fato” (1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons.
Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
26 Em seguida, explicita que: “De forma bastante aprofundada, o nobre doutrinador ainda discorre
sobre os conceitos dos termos ‘determinado’ e ‘duração’ constantes nos mencionados artigos 278
e 279. Segundo Leães, o termo ‘determinado’ está empregado no sentido de designação precisa
e completa do objeto do consórcio, e não para limitá-la à execução de uma única operação,
bem como o termo ‘duração’ não está sendo empregado no sentido de negar ao consórcio o
caráter de permanência. E ainda acrescenta que, impondo a lei uma duração ao consórcio,
pode ser esta a prazo determinado ou indeterminado” (1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961,
Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).

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Fábio Martins de Andrade - 197

Em seguida, o Conselheiro acrescenta doutrina do jurista Fábio Konder


Comparato, de Fran Martins, de Rubens Requião e de João Eunápio Borges. Por
fim, fecha com a lição de Pontes de Miranda, para quem: “No direito brasileiro, não
há regra jurídica limitativa, ou dispositiva, sobre a duração do contrato de consórcio,
de jeito que pode ser determinado o prazo, ou ser indeterminada a sua duração. Se
for determinada, pode haver, segundo os conceitos, a prorrogação ou a renovação do
contrato”.27 De fato, explicita ainda que: “Os contratos com a administração pública,
por definição são por prazo certo, não sendo proibido, entretanto, quando presente
o relevante interesse público, que este possa ser prorrogado para que o seu objeto
seja efetivamente alcançado”.28 
Desse modo, à luz do arcabouço legislativo e normativo acerca do termo
“determinado”, o Conselheiro foca o objeto do consórcio, e não propriamente o seu
prazo, que pode ser determinado ou indeterminado. Agrega a isso a interpretação
lógica decorrente do termo “empreendimento”, o qual não se submete a qualquer
limite temporal:
“Necessário destacar, sobretudo, que ao empregar o termo ‘determinado’,
o art. 278, da Lei das S.A. não está vedando ao contrato de consórcio o
caráter de permanência, senão impondo que seja preciso o seu objeto, e, ao
lhe obrigar uma duração, tanto ela pode ser por prazo determinado como
indeterminado. E, observe-se, quando a Lei se refere a ‘empreendimento’,
do termo não decorre a interpretação lógica de que o objeto consorcial
deva necessariamente ser de caráter temporário. Inexiste restrição para
que se aja em consórcio numa operação permanente”.29 

27 O Conselheiro Relator entende que: “A Lei de fato não é expressa no sentido de que deva
necessariamente dar ao contrato uma duração determinada. O empreendimento objetivado pela
união das sociedades por ter uma amplitude muito grande, inclusive no seu aspecto temporal” (1º
CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
28 Cf. 1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU
07.05.2007.
29 Em seguida, o Relator Conselheiro destacou que: “E, de fato, seria injustificável atribuir interpretação que
transformaria o instituto do consórcio numa espécie de sociedade para um negócio singular e ocasional,
tornando-o incompatível com o seu escopo principal, que é a colaboração entre empresas para
realizar um objetivo comum, a qual, longe de ser eventual ou temporária, reveste-se, cada vez mais,
do caráter permanente”. Concluindo, afirmou que: “Parece-nos plenamente admissível, portanto,
constituir-se consórcio tanto para realizações temporárias quanto para atividades permanentes,
existindo a imposição legal apenas a que se faça precisa descrição da operação que pretendem
realizar as partes consorciadas, por meio da colaboração interempresarial. Nesta linha de raciocínio,
injustificado, ainda, cogitar-se que desfiguraria a natureza de consórcio com base na permanência
do objeto, quando presentes todos os elementos essenciais no contrato de constituição, nos termos
da lei, sobretudo a especificação da duração e a possibilidade de sua prorrogação” (1º CC – 7ª
Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).

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198 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Além dos aspectos gerais relacionados ao regime tributário dos consórcios


de empresas, cabe mencionar alguns aspectos específicos.
Nesse contexto, cabe registrar que, em 2001, solução de consulta
estabeleceu que a determinação das proporções de receita atribuídas às duas
empresas consorciadas, nacional e estrangeira, que integrassem o mesmo grupo
econômico, submeter-se-ia às regras gerais relativas à distribuição disfarçada
de lucros, e não às regras dos preços de transferência.30 
A participação de pessoa jurídica em consórcio não veda sua opção
pelo Simples Nacional, “em razão de que esta participação não implica o
enquadramento na vedação prevista no inciso VII do § 4º do art. 3º da Lei
Complementar nº 123, de 2006”.31 
Recentemente, ficaram autorizadas as pessoas jurídicas participantes de
consórcio, em caráter opcional, a efetuar o pagamento unificado de tributos
equivalentes a um por cento da receita mensal auferida pelo contrato de construção
de unidades habitacionais de valor comercial de até setenta e cinco mil reais no
âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). O consórcio, no
entanto, não pode optar pelo Regime Especial de Tributação (RET).32 

30 A esse respeito, confira: “Consórcio de empresas. Nacional e estrangeira. Autonomia das consorciadas.
Emissão de notas fiscais, Escrituração. Determinação da divisão das receitas. Regime aplicável. O
consórcio, constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei das SA, não possui personalidade jurídica
própria, mantendo-se a autonomia jurídico-tributária de cada uma das consorciadas. A emissão das
notas fiscais da comercialização daquilo que há de ser produzido em consórcio pode ser tanto feita
pela administradora do consórcio, fazendo-se referência à existência deste e à parcela que cabe à
outra consorciada, como também pode ser feita por ambas as consorciadas, proporcionalmente à
parcela de receita que cabe a cada uma, devendo a forma escolhida constar no contrato de consórcio
e ser utilizada uniformemente durante o empreendimento. Os registros das operações relativas ao
consórcio podem ser feitos pela consorciada-administradora em livros específicos para efeitos de
controle, mas a respectiva receita bruta que lhe couber deverá ser levada ao seu próprio resultado.
Devido à autonomia que cada empresa mantém, apenas a parcela correspondente à participação
da consorciada irá compor a base de cálculo do IRPJ por ela devido, bem como, por óbvio, as
despesas ou custos incorridos pela outra consorciada não podem ser aproveitados. A determinação
das proporções de receita atribuídas às duas consorciadas, nacional e estrangeira, que integram um
mesmo grupo econômico, não está submetida às regras dos preços de transferência, eis que entre
elas não haverá operação de importação, exportação ou aquisição, aplicando-se, apenas, as regras
gerais relativas à distribuição disfarçada de lucros” (Solução de Consulta nº 207, de 26.07.2001).
31 Solução de Consulta nº 217, de 28.11.2007.
32 Nesse sentido: “REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO – RET. Não há previsão legal para que o
consórcio, constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 1976, possa optar pelo
Regime Especial de Tributação – RET. Entretanto, consórcio pode ser contratado para construir
unidades habitacionais de valor comercial de até R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) no âmbito
do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, de que trata a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009,
ficando autorizadas as pessoas jurídicas participantes do consórcio, em caráter opcional,

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Fábio Martins de Andrade - 199

A retenção e o recolhimento do IRRF referente a remuneração de serviços


técnicos prestados por empresa domiciliada no exterior deve ser efetuada em
nome da pessoa jurídica consorciada, “na proporção de sua participação na
execução do contrato”.33 
De igual modo, a retenção do imposto de renda na fonte incidente sobre a
remuneração do trabalho prestado por pessoa física (assalariado ou autônomo),
ainda que contratado para exercer atividades de interesse comum ao consórcio e,
portanto, todas as pessoas jurídicas consorciadas, deve ser realizada diretamente
pela empresa consorciada contratante.34 
Com efeito, a contratação de pessoal, possíveis subcontratações decorrentes
do projeto que originou a formação do consórcio e a prestação de declarações
ao fisco, enfim, a celebração de negócios jurídicos em geral, sempre foi levada a
cabo pelas pessoas jurídicas participantes do consórcio, nos termos e condições
fixadas no seu contrato de constituição.35 

a efetuar o pagamento unificado de tributos equivalentes a um por cento da receita mensal auferida
pelo contrato de construção, proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento”
(Solução de Consulta nº 385, de 28.10.2010).
33 Nesse sentido: “CONSÓRCIO. EMPRESA ESTRANGEIRA. RETENÇÃO DE IRRF. Na remuneração de
serviços técnicos prestados por empresa domiciliada na França integrante de consórcio constituído
nos termos dos artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76, a retenção e o recolhimento do IRRF devem
ser efetuados em nome da pessoa jurídica consorciada, na proporção da sua participação na
execução do contrato” (Solução de Consulta nº 74, de 29.05.2008).
34 Nesse sentido: “CONSÓRCIO DE EMPRESAS. RENDIMENTO DO TRABALHO. Consórcio de
empresas, constituído por tempo determinado para execução de obras contratadas por órgão
público, não possui personalidade jurídica, cabendo a cada uma das empresas consorciadas
assumir obrigações e responsabilidades a elas atribuídas bem como prestações específicas. Sendo
assim, a empresa consorciada que contratar pessoa física como assalariada ou autônoma, mesmo
que para exercer atividades de interesse comum a todas as consorciadas, dever reter o imposto
de renda na fonte incidente sobre a remuneração do trabalho” (Solução de Consulta nº 102, de
18.08.2009).
35 A respeito, confira:eu não posso olhar pra cara de ninguém que ele esteja conversando “O consórcio
constituído em conformidade com os artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76 não é dotado de
personalidade jurídica, motivo pelo qual a contratação de pessoal, a contratação de subempreiteiras,
a prestação de declarações ao fisco bem como a celebração de negócios jurídicos em geral devem
ser levadas a cabo pelas pessoas jurídicas participantes, nos termos e condições fixadas no contrato
de constituição, desde que este não desnature o instituto nem contrarie seus elementos essenciais.
Cabe às contratantes, e não ao consórcio, a retenção de contribuições previdenciárias referentes
aos serviços prestados pelas subempreiteiras e o respectivo recolhimento no CNPJ destas, mediante
o código de pagamento 2631. Entende-se por competência, para fins de retenção de contribuições
previdenciárias, o mês em que a nota fiscal de serviços/fatura foi emitida. Para que o consórcio possa
gozar do benefício de que trata o art. 170 da IN MPS/SRP nº 3/05 é estritamente necessário que a
descrição dos serviços bem como os respectivos valores estejam detalhadamente discriminados na
nota fiscal de serviços/fatura. Caso contrário, aplicar-se-á a retenção sobre o valor bruto constante
da NFS” (Solução de Consulta nº 57, de 06.07.2009).

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200 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Com o advento da Lei nº 12.402/2011, criou-se a faculdade (opção) de


que o consórcio, ele próprio (com o seu CNPJ), realize a contratação de pessoas
físicas e jurídicas, podendo efetuar a retenção dos tributos administrados pela
RFB e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias. Nesse caso, as
pessoas jurídicas consorciadas ficam solidariamente responsáveis.36 

3.2. Judicial
Na seara judicial, encontramos poucos julgados versando sobre temas
relacionados ao regime tributário do consórcio de empresas. Quando encontramos
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, se limitaram a decidir a questão de
fundo sem maiores considerações acerca da condição peculiar do consórcio ou,
ainda, a cuidar de aspectos formais e processuais envolvendo a representação
processual, pouco importando o direito material subjacente que certamente
seria mais interessante ao desenvolvimento desse trabalho de pesquisa. Na esfera
dos tribunais federais, contudo, logramos pinçar algumas ementas e trechos de
acórdãos que tratam efetivamente de aspectos referentes às obrigações tributárias,
principais e acessórias, dos consórcios e das empresas consorciadas.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, restou decidido que, quando
há eleição da empresa líder com exclusividade para a representação processual do
consórcio, não pode as demais pessoas jurídicas consorciadas exercer a ação, ainda
que em defesa dos interesses do consórcio. Nesse sentido, o STJ decidiu que:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO
ESPECIAL. CONSÓRCIO DE EMPRESAS. ELEIÇÃO
DE EMPRESA LÍDER. IRREGULARIDADE NA
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO
PROCESSO POR ILEGITIMIDADE. DESPROVIMENTO DO
RECURSO ESPECIAL.
1. ‘O consórcio não é uma pessoa jurídica, mas uma associação de
empresas que conjugam recursos humanos, técnicos e materiais para a

36 Nesse sentido: “As obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes das operações
praticadas pelo consórcio, são de responsabilidade das próprias consorciadas, que devem
responder proporcionalmente à sua participação no empreendimento. Opcionalmente, a partir
de 29.10.2010, o consórcio que realize a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e
físicas, pode efetuar a retenção de tributos administrados pela RFB e o cumprimento das respectivas
obrigações acessórias, utilizando seu próprio CNPJ, ficando nessa situação as consorciadas como
solidariamente responsáveis” (Solução de Consulta nº 47, de 14.06.2011).

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Fábio Martins de Andrade - 201

execução do objeto a ser licitado. Tem lugar quando o vulto, complexidade


ou custo do empreendimento supera ou seria dificultoso para as pessoas
isoladamente consideradas’ (Celso Antônio de Mello em ‘Curso de
Direito Administrativo’, Ed. Malheiros, 19ª ed., 2005, pp. 541-542).
2. ‘Se no consórcio de empreiteiras, elege-se líder, com exclusividade
de representação, as outras integrantes do empreendimento conjunto
não podem exercer ação, em defesa da coletividade’ (RMS 8.340/DF,
1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15.12.1997,
p. 66.215).
3. Recurso especial desprovido”.37 
Cabe registrar decisão monocrática do STJ que tratou da questão de fundo
sem qualquer consideração acerca das peculiaridades do consórcio, isto é, para o
deslinde do caso julgado pouco importa a existência da atividade consorcial. No
caso, o Ministro Luiz Fux decidiu no sentido do provimento do recurso especial
interposto por consórcio de empresas de construção civil, ao fundamento de que:
“as empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações
que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercancia diferentes da sua real
atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem
mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras”.38 
Em julgamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região acerca da
constitucionalidade e da legalidade da Contribuição ao SAT, a Corte reconheceu

37 No caso concreto submetido ao STJ, verificou-se que o instrumento particular de constituição de


consórcio elegia como empresa líder outra diferente da recorrente, “que para todos os devidos
efeitos legais será seu representante”. A recorrente naquele caso “impetrou mandado de segurança,
em nome do consórcio, sem a autorização das demais consorciadas, o que impôs a extinção
do processo sem julgamento do mérito (art. 267, IV, do CPC) por ‘ilegitimidade ad processum
da impetrante” (STJ – 1ª Turma – REsp. 437.869, Rel. Min. Denise Arruda, j. 28.03.2006, DJU
24.04.2006). Com efeito, no acórdão mencionado consta: “Ora, na hipótese, essa empresa líder
não tomou qualquer iniciativa. Seria necessário que o representante dessa empresa que iria falar
em nome do consórcio tivesse autorização das outras, até porque o que se tem na hipótese é que
duas das empresas consorciadas se conformaram com a desclassificação, enquanto uma outra não
aceita isso” (STJ – 1ª Turma – RMS 8.340, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.11.1997,
DJU 15.12.1997).
38 No caso, o consórcio ajuizou ação ordinária declaratória com pedido de repetição de indébito
cumulado com pedido de depósito em face do Estado do Rio de Janeiro, objetivando o
reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança de ICMS das mercadorias adquiridas em
outro Estado para prover as suas atividades de construção civil, calculado sobre o diferencial
de alíquotas incidentes sobre operações interestaduais, por não constituírem contribuintes do
aludido tributo, nem consumidores finais dos materiais de construção que adquirem (STJ – Dec.
Monocrática – REsp. 862.118, Rel. Min. Luiz Fux, j. 22.11.2007, DJU 06.12.2007).

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202 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

a equiparação do consórcio a “empresa” para fins de recolhimento de contribuições


previdenciárias, nos termos do art. 15, parágrafo único, da Lei nº 8.212/91.39 
No mesmo Tribunal Federal tramitou caso no qual restou consignada
a desnecessidade de formação de litisconsórcio necessário no pólo ativo
quando envolvido consórcio internacional. O caso envolveu a discussão sobre
a natureza da empresa binacional, cuja decisão expressou que: “A formação de
consórcio internacional para prestação de serviços acarreta em solidariedade
entre os consorciados, contudo, não acarreta na obrigatoriedade de formação de
litisconsórcio necessário no pólo ativo, previsto no art. 47 (1ª parte) do CPC,
conforme entendeu a Turma Julgadora, por maioria, vencido o Relator”.40 
Em acórdão recente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu
que: “O Consórcio não está dispensado das obrigações acessórias. À falta de
escrituração, não há como se invocar, como se fez na sentença, o devido processo
legal, pois, este também há de ser observado pelo contribuinte. O arbitramento
resultou de descumprimento pelo consórcio das obrigações acessórias”.41 
No tocante ao tema específico da exclusão de pessoa física do pólo passivo
de execução fiscal, cabe registrar o seguinte acórdão pinçado do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, no qual restou consignado que:
“III – A execução fiscal foi proposta contra o Consórcio AJM
Bemara IV para cobrança de dívida originada pelo não recolhimento
de contribuições previdenciárias no período de outubro/1995 a
outubro/1998. Documentos indicam que o Consórcio AJM Bemara
IV é formado pelas empresas AJM Sociedade Construtora Ltda. e
Sociedade Bemara Ltda., ambas legalmente constituídas.

39 A respeito, confira o seguinte trecho do voto: “Por conseguinte, é fato que, conforme discorre a
impetrante, existem nítidas diferenças entre os consórcios e as empresas, tais como a existência
de personalidade jurídica e de patrimônio próprio e a habitualidade do desenvolvimento de suas
atividade, que só estão presentes nas empresas. Não obstante, isso não faz com que, pelo simples
fato de consistir em um consórcio, a impetrante seja excluída do rol de sujeitos passivos das
contribuições previdenciárias; para os fins da Lei nº 8.212/91, é necessário apenas o vínculo de
prestação de serviços, com pagamento de remuneração, entre a entidade e segurados obrigatórios,
o que ocorre no caso” (TRF/2ª Região – 4ª Turma – AMS 2004.51.10.007081-7, Rel. Des. Fed.
Luiz Antonio Soares, j. 02.09.2008, DJE 06.11.2008).
40 TRF/2ª Região – 7ª Turma – AC 1997.51.01.071705-2, Rel. Des. Fed. Reis Friede, j. 07.12.2005,
DJU 22.02.2006.
41 TRF/2ª Região – 4ª Turma – AMS 2002.51.01.002602-8, Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira, j.
09.03.2010, DJE 13.04.2010.

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Fábio Martins de Andrade - 203

IV – Por conta disso, deve o credor promover a execução fiscal contra


o Consórcio AJM Bemara IV e, na qualidade de co-devedores,
incluir as empresas que o compõem, e não as pessoas físicas que as
dirigem, vez que não há nos autos nenhuma notícia de que elas não
estejam operando regularmente”.42 
É interessante verificar a dupla distorção manejada pela exeqüente que,
ao invés de promover a execução fiscal diretamente contra as empresas que
compõem o consórcio, na qualidade de co-devedoras, optou pelo caminho
mais fácil e propôs a ação executiva contra o consórcio e as pessoas físicas que
dirigem as pessoas jurídicas consorciadas.
Se, excepcionalmente, o consórcio for constituído por apenas duas
empresas que a compõem e que atendam ao ditame licitatório para o qual foi
formado, admite-se que não haja indicação de uma empresa líder, ficando
ambas encarregadas das tratativas com a Administração Pública. Nesse caso, a
legitimidade ativa para ajuizar ação cabe às empresas consorciadas, não havendo
empresa líder. Com isso, dá-se maior utilidade à formação do consórcio, na
medida em que une esforços comuns em acordo transitório de vontades das partes,
sem retirar-lhes a autonomia de pleitear em juízo, quando cabível. Nesse sentido:
“Consolidado o entendimento na doutrina de que o consórcio de
empresas, normalmente formado para a participação de licitações
que envolvem valores vultosos e técnicos, não detém personalidade
jurídica. No consórcio de empresas, há um acordo transitório de
vontades das partes para consecução de fins comuns que cada qual,
individualmente, não conseguiria atingir. Ilegitimidade ativa das
autoras participantes do consórcio que se afasta”.43 

42 Nesse caso, com a rejeição da exceção de pré-executividade pelo magistrado singular, o


contribuinte (pessoa física) interpôs agravo de instrumento objetivando a exclusão de seu nome
do pólo passivo da execução fiscal. O Relator entendeu que o excipiente deveria ser excluído
do pólo passivo da execução fiscal (cf. TRF/3ª Região – 2ª Turma – AI 343.188, Rel. Des. Fed.
Cecília Mello, j. 28.04.2009, DJE 14.05.2009).
43 Com efeito, o Desembargador Federal Relator explicou, no seu voto, que: “No caso dos autos, a
constituição do consórcio, com um fim único e específico, foi a fórmula encontrada pela própria
Administração para se possibilitar a apresentação de uma só proposta em nome de diversas
pessoas físicas ou jurídicas. Como o número de associadas não era grande (apenas duas), ambas
as empresas, por seus representantes, assumiram o encargo das tratativas com a Administração,
sem a necessidade de indicação de uma firma-líder. Assim, embora reunidas em consórcio
transitório, foram as empresas, por seus representantes legais, que realizaram toda a participação
no procedimento licitatório (...)”. “Por outro lado, ainda que se admitisse, por força do disposito
no art. 12, inc. VII, do CPC, a legitimidade ativa do consórcio, que sequer

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204 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Comprovada a sucessão de empresas, atrai-se a aplicação dos arts.


132 e 133 do Código Tributário Nacional,44 especialmente à luz de fortes
indícios de dissolução irregular. Nessas situações, de nada adianta interpor
fraudulentamente um consórcio para burlar eventuais limites que a empresa
tenha sofrido anteriormente. Pela clareza da situação exposta, permitimo-nos
transcrever a íntegra da seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO
FISCAL. COMPROVADA A SUCESSÃO DE EMPRESAS.
DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EXECUTADA APÓS
IMPEDIMENTO DE EXECUTAR TRANSPORTE COLETIVO.
MESMOS SÓCIOS CRIARAM NOVA PESSOA JURÍDICA.
FORMAÇÃO DE CONSÓRCIO COM TERCEIRA PARA
EXPLORAR IDÊNTICA ATIVIDADE ECONÔMICA.
ESVAZIAMENTO PATRIMONIAL DA EXECUTADA. ART.
132 E 133 DO CTN.
– Os documentos comprovam que a executada ‘Empresa Auto viação
Taboão Ltda.’ foi dissolvida irregularmente, pois está impedida de
cumprir seu objeto social desde 21.01.2002, segundo informações
da autarquia SPTRANS. Um mês antes do término da concessão
do serviço de transporte público, em 20.12.2001, nove dentre seus
dez sócios fundaram outra pessoa jurídica ‘Via Sul Transportes
Urbanos Ltda.’ com o mesmo objeto social. Tal empresa, logo
após sua constituição formou consórcio com outra para operar
área da cidade antes servida pela executada, o que deu a ensejo ao

possui personalidade jurídica, nem patrimônio próprio, certo é que não se poderá negar a
legitimatio ad causam das autoras, ora apelantes, em cujos patrimônios incidirão diretamente todos
os encargos ou vantagens decorrentes do procedimento licitatório” (TRF/3ª Região – 4ª Turma –
AC 0751451-28.1986.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira, j. 27.09.2010, DJE 15.10.2010).
44 Eis a dicção dos dispositivos: “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão,
transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a
data do ato pelas pessoas jurídicas de direito público fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas
de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer
sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer
título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar
a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual,
responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do
ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II
– subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis)
meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio,
indústria ou profissão. (...)”.

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Fábio Martins de Andrade - 205

progressivo esvaziamento patrimonial da devedora em seu benefício.


Há, portanto, elementos suficientes para a verificação da sucessão de
empresas, porquanto, consoante precedentes do STJ, há presunção
de sua ocorrência.
– Há fortes indícios de conluio entre os sócios da executada para fraudar
o Fisco, pois embora a nova empresa tenha diversos endereço e razão
social, os comerciantes de fato são os mesmos e exploram idêntica
atividade econômica. Dessa forma, houve sucessão temporal e fática
das empresas, o que autoriza a responsabilização solidária, ex vi dos
arts. 132 e 133 do CTN. Precedentes desta corte e de outros TRF’s.
– Agravo de instrumento desprovido”.45 
O § 4º do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 enumera as pessoas
jurídicas que não poderão se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado
(Simples). Em questão suscitada junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, consignou-se expressamente que a participação em consórcio não
implica em qualquer proibição prevista no referido dispositivo. É que no
consórcio há uma comunhão temporária de interesses, com a manutenção da
individualidade de cada empresa envolvida, e não há qualquer participação no
capital uma da outra. Nesse sentido:
“TRIBUTÁRIO. SIMPLES NACIONAL. ART. 3º, § 4º, DA LC
Nº 123/2006. CONSÓRCIO. PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL
DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. NÃO-CONFIGURAÇÃO.
1. No consórcio de empresas, há um acordo transitório de vontades das
partes para consecução de fins comuns que cada qual, individualmente,
não conseguiria atingir.
2. No consórcio, há uma comunhão temporária de interesses,
mantendo-se a individualidade de cada empresa. Sendo assim, o
consórcio celebrado entre empresas não implica em participação no
capital, não incidindo, no caso, a proibição do artigo 3º, § 4º, da Lei
Complementar nº 123/2006”.46 

45 TRF/3ª Região – 5ª Turma – AG 168.997, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 27.06.2005, DJU
31.08.2005.
46 TRF/4ª Região – 2ª Turma – AC 2007.71.00.030008-0, Rel. Des. Fed. Luciane Amaral Corrêa
Münch, j. 28.04.2009, DJE 18.06.2009. No mesmo sentido: TRF/4ª Região – 1ª Turma – Reex.
2007.71.08.009564-0, Rel. Des. Fed. Joel Ilan Paciornik, j. 18.02.2009, DJE 25.03.2009. O
dispositivo referido preceitua que: “§ 4º. Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico

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206 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

4. A MP 510, o trâmite legislativo e a sua


conversão na Lei nº 12.402/2011

4.1. A MP 510
Em 29.10.2010, foi publicada a Medida Provisória nº 510, que regulou
o cumprimento de obrigações tributárias por consórcios que realizem negócio
jurídico em nome próprio e deu outras providências.
O art. 1º dispôs que: “Os consórcios cumprirão as respectivas obrigações
tributárias sempre que realizarem negócios jurídicos em nome próprio, inclusive
na contratação de pessoas jurídicas ou físicas, com ou sem vínculo empregatício”.
O § 1º do art. 1º previu que: “As empresas consorciadas serão solidariamente
responsáveis pelas obrigações tributárias decorrentes dos negócios jurídicos de
que trata o caput, não se aplicando, para efeitos tributários, o disposto no § 1º do
art. 278 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976” (grifamos).
O § 2º do art. 1º estabeleceu que: “O disposto neste artigo aplica-se
somente aos tributos federais”.
A Exposição de Motivos com que a Subchefia para Assuntos Jurídicos
recebeu do Ministério da Fazenda o então projeto de Medida Provisória e
submeteu ao Presidente da República, trouxe a seguinte justificativa, no que
interessa ao presente estudo:

diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta
Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: I – de cujo capital participe
outra pessoa jurídica; II – que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa
jurídica com sede no exterior; III – de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como
empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado nos
termos desta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que
trata o inciso II do caput deste artigo; IV – cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez
por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que
a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo; V – cujo
sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos,
desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;
VI – constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo; VII – que participe do capital
de outra pessoa jurídica; VIII – que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de
desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento
ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e
câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de
previdência complementar; IX – resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma
de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5 (cinco) anos-calendário
anteriores; X – constituída sob a forma de sociedade por ações”.

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Fábio Martins de Andrade - 207

“2. O projeto, inicialmente, ao regular o cumprimento de obrigações


tributárias por consórcios que realizem negócios jurídicos em nome
próprio, também estabelece a solidariedade tributária das empresas
consorciadas, na hipótese de consórcio constituído na forma dos arts.
278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, abrangendo as
obrigações principais e acessórias.
3. À parte a agilidade conferida aos consórcios no permissivo
para cumprir diretamente obrigações tributárias, saliente-se que a
solidariedade estabelecida, respaldada no inciso II do art. 124 da Lei
nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, se
justifica, tendo em vista que consórcio não tem personalidade jurídica,
não integra a relação jurídico-tributária e não possui patrimônio
próprio, o que poderia inviabilizar a execução de créditos tributários
decorrentes das operações do consórcio. Anote-se que a solidariedade
das empresas consorciadas encontra precedentes relativamente às
obrigações perante consumidores (Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990 – CDC, art. 28, § 3º), às trabalhistas (Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943 – CLT, art. 2º, § 2º) e nas licitações (Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993, art. 33, inciso V)
9. Quanto aos requisitos constitucionais do art. 62, (...). Já a medida de se
atribuir responsabilidade solidária às empresas consorciadas com relação
às obrigações tributárias relativas às atividades do consórcio tem urgência
e relevância pautadas no cenário de investimentos vultosos que o País
atravessa, notadamente as de infraestrutura (PAC, refinarias de petróleo,
indústria aeronáutica, etc.); obras relacionadas com a realização da Copa
das Confederações FIFA de 2013 e da Copa do Mundo FIFA de 2014;
e da exploração do petróleo do Pré-sal, que dependem de consórcios de
empresas para sua viabilização. Trata-se de estabelecimento de regras
tributárias mais claras a fim de permitir a tomada de decisão com relação
à formação destes consórcios”.47 
A Medida Provisória nº 510 estabeleceu a solidariedade tributária das
empresas consorciadas, com expresso afastamento, para fins tributários, do
disposto no § 1º do art. 278 da LSA. A preocupação central foi o fato de o
consórcio não integrar a relação jurídico-tributária e não possuir patrimônio

47 Cf. Exposição de Motivos nº 166/2010/MF. Brasília, 22.10.2010.

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208 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

próprio, o que poderia inviabilizar a execução de créditos tributários decorrentes


das operações do consórcio.
Além disso, procurou-se conferir agilidade aos consórcios na faculdade para
cumprir diretamente obrigações tributárias, tanto as principais como também
as acessórias, relativas às atividades do consórcio, sobretudo considerando-se
o cenário de investimentos vultosos que o País atravessa.
Com tal definição, o legislador pretendeu estabelecer regras tributárias mais
claras para permitir a tomada de decisão com relação à formação de tais consórcios.
Em 02.02.2011, foi publicado o Ato do Presidente da Mesa do
Congresso Nacional nº 1, de 2011, pelo qual prorrogou a vigência da Medida
Provisória nº 510 pelo período de sessenta dias, na forma do § 7º do art.
62 da Constituição da República.

4.2. O trâmite legislativo do PLV nº 6/2011


Durante o trâmite do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 6/2011 foram
propostas onze emendas à redação original constante na Medida Provisória
nº 510, algumas das quais foram acolhidas, razão pela qual a dicção do texto
legal que restou aprovado ficou diferente em alguns aspectos, como veremos
em seguida.
Para adequada compreensão das modificações promovidas no processo
legislativo ocorrido durante o trâmite do Projeto de Lei de Conversão (PLV)
nº 6/2011, cabe tecer breves considerações sobre as principais motivações que
conduziram a tais alterações.
Na Câmara dos Deputados a questão referente à relevância e urgência da
Medida Provisória nº 510 foi convenientemente apreciada, razão pela qual o
Senador Gim Argello concordou inteiramente e reproduziu os trechos pertinentes
sobre a importância do consórcio de empresas na prática empresarial brasileira.
Quando o relatório foi disponibilizado, no que interessa ao presente
estudo, trouxe:
“O dispositivo altera o tratamento tributário federal dispensado aos
consórcios de empresas que, nos termos do art. 278 da Lei nº 6.404,
de 1976, são formados em caráter temporário e sem personalidade
jurídica, para a execução de um determinado empreendimento.
Até a publicação da MPV, a legislação federal não tinha disposição
expressa sobre a matéria. Seguindo a regra geral, a Secretaria da

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Receita Federal do Brasil, mediante atos administrativos, remetia as


obrigações tributárias para cada uma das empresas componentes do
consórcio, na proporção de sua participação. A Instrução Normativa
nº 834, de 26 de março de 2008, é bem clara quanto ao fato de
que o faturamento do consórcio é feito em cada uma das empresas
consorciadas, que devem contabilizar receitas, custos e despesas
incorridos, proporcionalmente à sua participação no empreendimento. Em
conseqüência, os tributos e contribuições são de responsabilidade de
cada uma das empresas.
Com o art. 1º da MPV em comento, o consórcio passa a figurar
como o contribuinte principal em relação às suas operações, ficando
as empresas consorciadas apenas no papel de responsáveis solidárias.
Para tanto, o § 1º determina que, apenas para efeitos tributários,
deixa de valer a regra segundo a qual os consórcios não adquirem
personalidade jurídica (art. 278, § 1º da Lei nº 6.404, de 1976)”.48 
O Senador relatou ainda que a Câmara dos Deputados não chancelou
integralmente a proposta do Governo, mantendo cada empresa consorciada
diretamente responsável pelos tributos devidos em relação às operações
praticadas pelo consórcio e restringindo o papel tributário do consórcio apenas
à retenção de tributos e ao cumprimento das respectivas obrigações acessórias,
ao argumento de que seria arriscado que cada empresa consorciada se tornasse
contribuinte solidária de todas as obrigações tributárias do consórcio, sem limite
da proporcionalidade de sua participação.
Esclareceu, ademais, que:
“De fato, a redação originada do Poder Executivo introduzia fator de
insegurança jurídica, não apenas quanto ao efetivo regime tributário
que se desejava para o consórcio de empresas, como também no
instituto da solidariedade que estabelecia um enorme risco para cada
uma das empresas integrantes do consórcio, na medida em que elas
passariam a, individualmente, responder pelas obrigações tributárias
relacionadas a todo o empreendimento.

48 Cf. parecer disponível na tramitação do PLV nº 6, de 2011, no sítio eletrônico do Senado


Federal. Disponível na internet: http://www.senado.gov.br/atividade/Materia detalhes.asp?
p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011.

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210 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Não é exagero dizer que persistindo o texto original, haveria um


grande desestímulo ao consorciamento de empresas, instituto tão
necessário à realização de grandes obras e empreendimentos.
Com a alteração produzida, restou absolutamente claro que cada
empresa responde tributariamente por sua parte no empreendimento,
ficando solidária apenas no respeitante às obrigações tributárias
originadas da contratação de pessoas físicas e jurídicas pelo consórcio
ou pela empresa líder (no interesse do consórcio)”.49 
Com o voto pela admissibilidade da Medida Provisória nº 510, considerando
seus aspectos de relevância e urgência, e com a aprovação, no mérito, do Projeto de
Lei de Conversão nº 6, de 2011, o Senador submeteu o seu relatório ao Plenário,
que o aprovou pela Comissão Diretora no Parecer nº 63, em 05.04.2011.50 

4.3. A Lei nº 12.402/2011


Em 03.05.2011, foi publicada a Lei nº 12.402, que regula o cumprimento
de obrigações tributárias por consórcios que realizarem contratações de pessoas
jurídicas e físicas, e dá outras providências.
O art. 1º do novel diploma legal dispõe que: “As empresas integrantes de
consórcio constituído nos termos do disposto nos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, respondem pelos tributos devidos, em relação
às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no
empreendimento, observado o disposto nos §§ 1º a 4º”.
O § 1º do art.1º estabelece que: “O consórcio que realizar a contratação,
em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo
empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento
das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas
solidariamente responsáveis”.
O § 2º prevê que: “Se a retenção de tributos ou o cumprimento das
obrigações acessórias relativos ao consórcio forem realizados por sua empresa
líder, aplica-se, também, a solidariedade de que trata o § 1º”.

49 Cf. tramitação do PLV nº 6, de 2011, disponível no sítio eletrônico do Senado Federal: http://www.
senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011
50 O resultado final da votação foi o seguinte: Sim 43, Não 14, Total 57.

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Fábio Martins de Andrade - 211

O § 3º do art. 1º dispõe que: “O disposto nos §§ 1º e 2º abrange o


recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, inclusive a incidente
sobre a remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas
a outras entidades e fundos, além da multa por atraso no cumprimento das
obrigações acessórias”.
Por último, o § 4º do art. 1º reza que: “O disposto neste artigo aplica-se
somente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
Para adequada visualização das distinções entre as regras previstas,
inicialmente, na MP 510 e, posteriormente, na Lei nº 12.402/2011, elaboramos
o quadro comparativo abaixo:

2011

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212 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

As mudanças promovidas pela Lei nº 12.402/2011 foram positivas, se


comparadas ao texto inicialmente previsto na Medida Provisória nº 510. É que
veio a positivar algumas idéias já presentes no ato regulamentar, sem, contudo,
alterar a sua disciplina substancialmente ou de modo radical.
Verifica-se, portanto, que a rigidez inicialmente prevista no estabelecimento
da solidariedade das empresas consorciadas, sempre que os consórcios
realizassem negócios jurídicos em nome próprio, consoante previsto na MP
510, foi substituída pela faculdade (opção) permitida pela Lei nº 12.402/2011,
pela qual as empresas consorciadas permanecem respondendo pelos tributos
devidos na proporção de sua participação no empreendimento, em relação às
operações praticadas pelo consórcio. Quando realizar contratação em nome
próprio, o consórcio ou a empresa líder poderá efetuar a retenção de tributos
e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias. Nesse caso, ficarão as
empresas consorciadas solidariamente responsáveis.
Desse modo, antes a MP 510 trazia insegurança ao ambiente de negócios,
quando expressamente afastava a aplicação do § 1º do art. 278 da LSA, estabelecia
mandatoriamente a necessidade de cumprimento pelo consórcio das obrigações
tributárias quando realizassem negócios jurídicos em nome próprio e, nessa situação,
reconhecia peremptoriamente a solidariedade entre as empresas consorciadas.
Agora, com a Lei nº 12.402/2011, trata-se de mera faculdade (opção) a
ser usada pelo consórcio e pela empresa líder, se assim melhor lhe aprouver.
Uma vez escolhida essa opção, no sentido de cumprir as obrigações tributárias
diretamente através do consórcio, incumbirá à empresa líder manter o registro
contábil adequado de tais operações, na forma dos atos regulamentares
pertinentes.
Contudo, há quem entenda que a modificação legislativa perpetrada pela
Lei nº 12.402/2011 seria inconstitucional, vez que violaria o art. 146, inciso III,
da Constituição da República, que dispõe caber à lei complementar estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária.51  Não entendemos assim, já
que traz mera faculdade (opção).

51 Nesse sentido, verificaram-se algumas manifestações de colegas presentes na Mesa de Debates


promovida pela Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011,
em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011 e o tratamento das obrigações tributárias.

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Fábio Martins de Andrade - 213

A grande novidade trazida pela lei foi a criação da solidariedade, especificamente


nas situações em que o consórcio figure como contratante quando, então, terá
obrigação de reter e cumprir as obrigações tributárias principais e acessórias.52 
Verificado o teor do principal ato regulamentar em vigor (IN RFB nº
834/2008) quando da publicação da Lei nº 11.402/2011, cabe registrar que pode
remanescer dúvida a respeito de alguns pontos de aplicação e compatibilidade
daquela em relação a novel redação da matriz legal.
Exemplo de possível zona cinzenta refere-se à responsabilidade e à
solidariedade. Antes da IN RFB nº 834/2008, havia Soluções de Consultas
no sentido de que a responsabilidade era de cada uma das consorciadas. A IN
permitiu que qualquer uma das consorciadas faça a retenção. A lei, por seu turno,
amplia a possibilidade do cumprimento das obrigações até alcançar o próprio
consórcio (no que diz respeito às contratações em nome próprio).
Parece que o ato regulamentar extrapolou a sua matriz legal, ou seja, o art. 6º da
IN RFB nº 834/2008 seria incompatível com a dicção da Lei nº 12.402/2011. Para os
que pensam assim, aguarda-se algum ajuste no âmbito regulamentar.53 Entendemos,
no entanto, que a interpretação coerente com a lei seria o reconhecimento do
dever apenas e tão somente se o consórcio realizar negócio jurídico próprio e
a opção legal tenha sido exercida para simplificar e centralizar o cumprimento
das obrigações tributárias referentes ao consórcio.
Por fim, cabe registrar que a Lei nº 12.402/2011 entrou em vigor na data
de sua publicação, produzindo efeitos em relação ao art. 1º, que é objeto do
presente estudo, a partir de 29.10.2010, consoante dispõe o art. 9º.54 

52 Nesse sentido, cf. o áudio ref. a Mesa de Debates promovida pela Associação Brasileira de Direito
Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011, em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011
e o tratamento das obrigações tributárias.
53 Nesse sentido, cf. o áudio ref. a Mesa de Debates promovida pela Associação Brasileira de Direito
Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011, em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011
e o tratamento das obrigações tributárias.
54 Em sítio eletrônico especializado em informações fiscais e legais, foi divulgado informativo no
qual constou: “Por esse motivo, os consórcios que tenham realizado algum recolhimento em
nome próprio a título de IRPJ, CSLL, PIS/PASEP ou COFINS no período compreendido entre 29
de outubro de 2010 e 2 de maio de 2011 deverão adequá-lo à regra contida na Lei nº 12.402
de 2011 [art. 1º]”. O referido informativo concluiu que: “As obrigações tributárias instituídas por
meio da Medida Provisória nº 510 de 2010 tornaram-se sem efeitos desde 29 de outubro de 2010,
considerando-se a retroatividade dos efeitos da nova redação dada ao artigo 1º, quando de sua
conversão na Lei nº 12.402 de 2011”. Além disso, cabe registrar que: “Os tributos devidos no
período compreendido entre 29 de outubro de 2010 e 2 de maio de 2011, salvo normatização
em contrário, deverão ser recolhidos em nome das empresas consorciadas,

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214 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

5. Considerações finais
Nos últimos anos o Brasil ensaia dar os seus mais importantes passos em
direção ao tão esperado ciclo virtuoso rumo ao pleno desenvolvimento, com o
fortalecimento da economia, a geração de mais empregos, com mão-de-obra
qualificada e uma distribuição mais justa da riqueza que circula no País.
Os mega projetos e empreendimentos que atualmente estão em foco no
campo da infra-estrutura são múltiplos e variados, o que indica auspicioso
futuro nos próximos anos, como o PAC, a construção de refinarias de petróleo,
a construção do “trem-bala”, a exploração do Pré-Sal, o recrudescimento da
indústria naval, o crescimento da indústria aeronáutica, a realização da Copa
das Confederações da FIFA em 2013, da Copa do Mundo da FIFA em 2014
e das Olimpíadas em 2016, dentre tantos outros.
Dada a complexidade e o vulto de tais mega projetos e empreendimentos,
surge a crescente necessidade de conjugar esforços em prol do objetivo comum
de duas ou mais grandes empresas que, sozinhas, possivelmente não teriam
condições para alcançar a sinergia ou o resultado pretendido.
Se a operacionalização da exploração do negócio que se busca não contar
com uma reestruturação societária ou participação acionária entre duas ou
mais pessoas jurídicas interessadas na sua consecução, com vistas a otimizar
as possíveis sinergias que envolvem as suas atividades, então a constituição do
consórcio passa a ser uma alternativa interessante a ser considerada. Nela, a
autonomia jurídico-tributária de cada uma das empresas envolvidas é mantida
intacta e o consórcio não é dotado de personalidade jurídica.
Como decorrência disso, as obrigações tributárias (principais e acessórias)
referentes à realização do negócio próprio do consórcio devem ser suportadas
pelas pessoas jurídicas que o compõem. Assim, a regra de ouro na relação
contratual referente ao consórcio é a proporção da participação de cada empresa
consorciada no empreendimento (constante no contrato de constituição do

na proporção de sua participação no empreendimento, tal como prevê a Instrução Normativa nº


834 de 2008”. “Com efeito, os recolhimentos que o consórcio tenha efetuado em nome próprio
deverão ser objeto de REDARF ou de PER/DCOMP, conforme o caso”. “Por fim, destaca-se que,
a RFB poderá regulamentar as operações realizadas no período de vigência da Medida Provisória
nº 510 de 2010” (Cf. Boletim Informativo Fiscosoft Impresso publicado no sítio eletrônico da
Fiscosoft Online em 19.05.2011 e disponibilizado por e-mail aos associados no dia seguinte).

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Fábio Martins de Andrade - 215

consórcio). É precisamente de acordo com a proporção de sua participação no


empreendimento e na execução do contrato que cada pessoa jurídica integrante
do consórcio contabilizará suas receitas, custos e despesas, para cumprir suas
obrigações tributárias.
A MP 510 precipitou-se em estabelecer a solidariedade tributária das
empresas consorciadas e afastou expressamente o § 1º do art. 278 da LSA.
Essa evidente distorção foi corrigida ao longo do seu trâmite de conversão no
Congresso Nacional. A Lei nº 12.402/2011 refere-se a mera opção (faculdade)
a ser usada pelo consórcio e pela empresa líder, se assim melhor lhe aprouver.
Essa correção de rumo é clara na manifestação do Senador Gim Argello, que
transcrevemos anteriormente.
Uma vez escolhida essa opção, quando da realização de negócios em nome
próprio, no sentido de cumprir as obrigações tributárias diretamente através do
consórcio, incumbirá à empresa líder do consórcio manter o registro contábil
adequado de tais operações, na forma dos atos regulamentares pertinentes.
Em outras palavras, se o consórcio não realizar negócios em nome próprio ou
a decisão gerencial das empresas consorciadas for no sentido de não “centralizar”
as obrigações tributárias no consórcio, então cada uma delas continuará a cumpri-
las, como sempre foi feito, na forma da IN RFB nº 834/2008. Contudo, se o
consórcio realizar negócios em nome próprio e a decisão gerencial das empresas
consorciadas for no sentido de “centralizar” as obrigações tributárias, então
caberá à empresa líder manter o registro contábil de tais operações, na forma da
Lei nº 12.402/2011 e da IN RFB nº 834/2008 (no que for com ela compatível).
Desse modo, atualmente, verifica-se que o incremento no regime
tributário do consórcio de empresas estabelece regras mais simples e claras para
a tomada de decisão empresarial, de cunho gerencial, com relação à formação
dos consórcios para a execução de certo negócio (empreendimento, projeto ou
prestação de serviço).
Resta aos profissionais interessados na figura do consórcio acompanhar o
seu desenvolvimento: a) legislativo, com o eventual advento de outros diplomas
que venham a complementar ou aprofundar as mudanças iniciadas pela Lei
nº 12.402/2011; b) regulamentar, com a edição de atos que expressamente
compatibilizem a atual dicção da IN RFB nº 834/2008 quando a contabilidade
for feita pelas pessoas jurídicas consorciadas e a situação prevista pela Lei nº
12.402/2011, pela qual se simplifica e se centraliza a contabilidade diretamente

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216 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

pelo consórcio; c) jurisprudencial, com os novos julgados que certamente


surgirão em razão do florescimento de novos consórcios para o desempenho dos
mega projetos e empreendimentos já referidos anteriormente, especialmente no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça; e d) administrativo, com a compreensão
de como as autoridades administrativas fiscais entenderão a mudança promovida
pela Lei nº 11.402/2011 para os consórcios e para as empresas consorciadas.
Com efeito, somente com o desenvolvimento dos aspectos acima apontados
será possível verificar se e em que medida o advento da Lei nº 11.402/2011
realmente facilita a tomada de decisão (empresarial) quanto à constituição do
consórcio e como fica a relação (já tão) atribulada entre os contribuintes e o
Fisco. Isso só o tempo dirá!

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Capítulo VIII

Depreciação de Bens e
a Neutralidade Fiscal
do Regime Tributário de
Transição – RTT

Gilberto De Castro Moreira Junior


Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor de Direito Tributário. Membro do Conselho Administrativo de
Recursos Federais (CARF). Membro do Tribunal de Ética da OAB. Membro
do Comitê Científico da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET).
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Rogério Cesar Marques


Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade
de São Paulo (USP). Professor Assistente de Direito Comercial. Pós-Graduando
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law).

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1. Introdução
Com o advento da Lei nº 11.638/2007, promulgada em 28 de dezembro de
2007, ocorreram significativas alterações na legislação societária, em particular
na parte da Lei nº 6.404/76 (que disciplina a sociedade por ações) que trata,
dentre outros assuntos, das demonstrações financeiras das empresas, do lucro
e sua apuração, dos dividendos e sua distribuição, contabilização de operações
societárias como fusão e incorporação, dos investimentos em outras sociedades
e sua contabilização, e critérios de valorização dos ativos das pessoas jurídicas.
O principal objetivo das alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007 foi
o alinhamento das regras contábeis adotadas no Brasil as normas contábeis
internacionais, editadas pelo International Accounting Standard Board (“IASB”),
entidade técnica responsável pela emissão do conjunto de normas contábeis
de aplicação global denominado International Financial Reporting Stantards
(“IFRS”).
O IRFS, por sua vez, tem como objetivo a convergência de normas e
princípios contábeis, de sorte que sua adoção por empresas ao redor do globo
facilite a divulgação de informações econômicas e financeiras para os usuários
de demonstrações contábeis.
A partir do advento da referida lei, embora no âmbito contábil tenha
ocorrido uma positivação de novos padrões e princípios contábeis, ocasionando
uma alteração da forma por meio da qual determinadas operações deveriam
ser contabilizadas, no âmbito tributário, a Lei nº 11.638/2007 determinou que
os lançamentos efetuados em decorrência da adoção dos novos parâmetros
contábeis não poderiam ter impactos nas apurações dos tributos incidentes
sobre a renda e a receita das empresas.
Com a entrada em vigor da Lei nº 11.941/2009, resultante da conversão
da Medida Provisória nº 449/20081, houve a instituição do denominado Regime
Tributário de Transição (“RTT”), cujo objetivo era neutralizar os efeitos das
novas regras contábeis para fins fiscais. Assim, para a apuração do lucro real da
pessoa jurídica, não deveriam ser considerados os novos parâmetros contábeis
introduzidos por meio da Lei nº 11.638/2007, devendo ser utilizados os critérios
anteriores à entrada em vigor desta Lei.

1 O Ato do Congresso Nacional nº 3/2009 prorrogou a vigência da Medida Provisória nº 449.

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Dentre as alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007, merecem destaque


as novas regras concernentes aos critérios contábeis de valorização dos ativos
das sociedades que criaram a necessidade de revisão anual da vida útil dos bens
do imobilizado e a análise de sua recuperabilidade o que, conseqüentemente,
terminou impactando nas taxas de depreciação utilizadas pelas empresas.
Segundo estas novas regras, a diminuição do valor do bem registrado
no ativo imobilizado deverá ser tomada levando-se em conta a sua vida útil
economicamente considerada, ou seja, de acordo com o período de tempo
definido ou estimado tecnicamente, durante o qual se espera obter fluxos de
benefícios futuros de um determinado ativo da empresa.
É perceptível que os critérios de depreciação que sofreram alterações
concernentes aos procedimentos de mensuração e reconhecimento, bem como
em seus padrões de apuração, nos termos da sistemática da Lei nº 11.638/2007,
ocasionaram, invariavelmente, um reflexo na apuração da base de cálculo do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social Sobre
o Lucro Líquido (“CSLL”), bem como impactaram na neutralidade fiscal.
Os reflexos fiscais gerados pelas novas regras de depreciação fazem surgir
o questionamento a respeito da aplicação do RTT nestes casos, com o objetivo
de se neutralizar tais impactos nas demonstrações fiscais das empresas, conforme
determinava a Lei nº 11.638/2007, hoje regulamentado pela Lei nº 11.941/2009.
O presente estudo se propõe a enfrentar a questão de aplicabilidade ou não
do RTT aos reflexos decorrentes das alterações introduzidas na metodologia
de cálculo e reconhecimento da despesa de depreciação, os quais decorrem de
novos critérios e métodos contábeis que modificaram o reconhecimento das
receitas, custos e despesas computados na apuração do lucro das empresas.
Para tal, pretende-se iniciar o presente estudo por meio de breves
considerações acerca do RTT, analisando-se seu conceito, sua instituição, quais
as pessoas jurídicas que estão sujeitas a sua observância e quais os princípios que
o norteiam, dando-se especial atenção à neutralidade fiscal dos lançamentos
realizados em observância aos novos padrões contábeis.
Na seqüência, serão feitas considerações acerca do instituto da depreciação,
comparando seu tratamento nas esferas societária, contábil e fiscal, bem como
serão analisadas quais as alterações advindas das novas regras trazidas pelas Leis
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, cotejando as novas regras com as anteriores para
se chegar aos seus efeitos fiscais. Ainda, na análise das taxas de depreciação,

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serão verificados quais os impactos fiscais das novas normas de harmonização


das regras contábeis e se tais reflexos devem ou não, em observância ao princípio
da neutralidade fiscal, sujeitar-se ao RTT.
Por fim, a conclusão a ser apresentada será pautada nos elementos
apresentados no presente estudo, levando-se em consideração as posições
doutrinárias existentes, bem como as manifestações da Secretaria da Receita
Federal do Brasil (“SRFB”) a respeito do tema ora analisado.

2. Regime Tributário de Transição – RTT


2.1. Considerações Iniciais
Conforme anteriormente mencionado, a Lei nº 11.638/2007, objetivando
o alinhamento das normas contábeis brasileiras com as normas IFRS emitidas
pelo IASB, alterou significativamente algumas disposições da Lei nº 6.404/76,
relativamente às demonstrações a serem elaboradas pelas companhias.
Cumpre destacar que o referido dispositivo legal, além de efetuar
o alinhamento das regras contábeis brasileiras aos padrões contábeis
internacionais, também estabeleceu que as disposições da lei tributária ou de
legislação especial sobre atividades das companhias que conduzam à utilização
de métodos ou critérios contábeis diversos dos previstos na Lei nº 6.404/76,
não elidiriam a obrigação de elaboração das demonstrações financeiras na forma
prevista na nova sistemática contábil.
Ademais, a Lei nº 11.638/2007 estabeleceu que se aplicam às sociedades
de grande porte as disposições da Lei nº 6.404/76 sobre escrituração e
elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria
independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários
(“CVM”), ainda que tais empresas não sejam constituídas sob a forma de
sociedades por ações.
Dentre as alterações nas normas contábeis trazidas pela Lei nº 11.638/2007,
podemos destacar as seguintes:
(i) a classificação do ativo permanente e do patrimônio líquido;
(ii) os critérios para avaliação do ativo, relativamente às aplicações em
instrumentos financeiros, aos direitos classificados no intangível e
aos elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo;

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(iii) os critérios para avaliação do passivo, relativamente às obrigações,


encargos e riscos classificados no passivo exigível a longo prazo;
(iv) a Demonstração do Resultado do Exercício, para prever a
discriminação das participações de debêntures de empregados
e administradores e de instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados;
(v) a Reserva de Lucros a Realizar, relativamente ao seu conteúdo;
(vi) o Limite do Saldo das Reservas de Lucro, relativamente ao seu
limite;
(vii) as operações de transformação, incorporação, fusão e cisão,
realizadas entre partes independentes e vinculadas à efetiva
transferência de controle;
(viii) a avaliação de investimento em coligadas e controladas; e,
(ix) a criação de Reserva de Incentivos Fiscais, destinada ao registro
da parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções
governamentais para investimentos.
Alguns dos ajustes mencionados, por se tratarem de alterações nos
parâmetros contábeis e de apuração do resultado das empresas, terminam
por gerar reflexos nas receitas e nos lucros das empresas, o que, por via de
conseqüência, impactam na determinação da base de cálculo de tributos como
o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS.
Com o objetivo de evitar reflexos tributários, a Lei nº 11.638/2007 trouxe,
em seu texto, disposições para neutralizar fiscalmente os lançamentos de ajuste
efetuados para harmonização das normas contábeis. Nesse sentido, merece
destaque o parágrafo 7º, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, posteriormente
revogado pela Medida Provisória nº 449/2008, a seguir transcrito:
“§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para
harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2o deste
artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não
poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem
ter quaisquer outros efeitos tributários.”
Neste sentido, Edmar Oliveira Andrade Filho menciona que “a referida Lei
contém importante mandamento com repercussão da será tributária na medida em que
pretendeu instituir um princípio de neutralidade tributária, de modo a impedir que a

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observância das novas disposições viesse a acarretar aumento da carga tributária” 2.


Destaca ainda o mesmo autor que a tributação decorrente dos impactos
das alterações da Lei nº 11.638/2007 pode ser evitada “se for feito o registro do
valor como receita, no resultado do período, e uma concomitante exclusão do valor
para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de modo a dar
uma interpretação funcional às leis. Esta solução atende à legislação societária e não
despreza a finalidade da lei tributária que foi editada para impedir a tributação dos
referidos valores e assim permanecerá enquanto não for revogada.” 3 .
A preocupação do legislador com a busca da neutralidade fiscal dos
lançamentos sujeitos à nova sistemática contábil se evidenciou quando
da edição da Medida Provisória nº 449/2008. Sua Exposição de Motivos
determinou, expressamente, que o objetivo do RTT era o de neutralizar
eventuais efeitos fiscais advindos das novas normas contábeis introduzidas pela
Lei nº 11.638/2007, senão vejamos:
“... 7. No que concerne ao Regime Tributário de Transição – RTT,
objetiva-se neutralizar os impactos dos novos métodos e critérios
contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 2007, na apuração das
bases de cálculo de tributos federais nos anos de 2008 e 2009, bem
como alterar a Lei nº 6.404, de 1976, no esforço de harmonização
das normas contábeis adotadas no Brasil às normas contábeis
internacionais.
8. A Lei nº 11.638, de 2007, foi publicada no Diário Oficial da União
de 28 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro
de 2008, sem a adequação concomitante da legislação tributária.
Esta breve vacatio legis e a alta complexidade dos novos métodos e
critérios contábeis instituídos pelo referido diploma legal – muitos
deles ainda não regulamentados – têm causado insegurança jurídica
aos contribuintes. Assim, faz-se mister a adoção do RTT, conforme
definido nos arts. 15 a 22 desta Medida Provisória, para neutralizar
os efeitos tributários e remover a insegurança jurídica.
9. O processo de harmonização das normas contábeis nacionais com
os padrões internacionais de contabilidade – objetivo maior da Lei nº

2 Efeitos tributários da lei nº 11.637/07. São Paulo: Ed. do Autor, 2008, p. 38.
3 Op. cit., pp. 103-104.

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11.638, de 2007 – deve prolongar-se pelos próximos anos, razão pela qual,
há necessidade de que o RTT não seja aplicável apenas no ano de 2008,
mas também no ano de 2009, e, se necessário, nos anos subseqüentes,
quando, então, ao se descortinar o novo padrão da contabilidade
empresarial a ser adotado no País, possa-se regular definitivamente o
modo e a intensidade de integração da legislação tributária com os novos
métodos e critérios internacionais de contabilidade. Nesse contexto, o §
1º do art. 15 da proposição em tela prevê a aplicação do RTT até que seja
editada lei regulando definitivamente os efeitos tributários das mudanças
nos critérios contábeis, a qual pretende-se que seja neutra, ou seja, que
não afete a carga tributária.
10. O RTT será facultativo para os anos-calendário de 2008 e 2009,
para que não ofenda o princípio da irretroatividade tributária, previsto
na alínea “a” do inciso III do art. 150, e a regra do § 2º do art. 62, da
Constituição Federal de 1988, pois, a adoção do referido regime importa não
apenas em desonerações, mas em sujeição completa aos critérios e métodos
contábeis da legislação fiscal em 31 de dezembro de 2007. A partir de 2010,
caso ainda não esteja em vigor o ajuste da legislação tributária aos novos
critérios contábeis, o RTT será obrigatório.” (não destacado no original)
Verifica-se que o RTT nasceu por meio da Medida Provisória nº 449/2008
que, em seus artigos 15 a 22, disciplinou os meios pelos quais os contribuintes
sujeitos à adoção do regime em questão deveriam ajustar o seu resultado.
Com a conversão da Medida Provisória nº 449/2008 na Lei
nº 11.941/2009, a instituição do RTT se deu de forma definitiva, devendo ser
observado por pessoas jurídicas sujeitas à apuração do IRPJ e da CSLL pelo
lucro real, facultativamente nos anos-calendários de 2008 e 2009, e obrigatória
a partir do ano de 2010.

2.2. Instituição
Por meio das alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007, houve uma
positivação de determinados parâmetros contábeis, o que, por conseqüência,
terminou por gerar uma reafirmação da separação entre as normas contábeis
e tributárias e a alteração da forma pela qual a empresa apurava o seu
resultado em um determinado período.
Visando não impactar o lucro real, a referida lei trouxe um dispositivo
estabelecendo que os lançamentos efetuados em observância às novas regras contábeis

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não deveriam surtir reflexos tributários. Todavia, deve-se atentar para o fato de que
a Lei nº 11.638/2007, embora tenha expressado em seu conteúdo a preocupação do
legislador no que tange à neutralidade fiscal, não previu um mecanismo para que, na
prática, esta neutralidade pudesse ser alcançada pelos contribuintes.
Esta situação se alterou com o advento da Lei nº 11.941/2009, resultante
da conversão da Medida Provisória nº 449/20084, que revogou o parágrafo 7º,
do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, instituindo, em seu lugar, por meio de seu
artigo 15, o RTT, cujo objetivo foi o de conceber um meio de neutralizar os
efeitos das novas regras contábeis para fins fiscais. Assim, para a apuração do
lucro real da pessoa jurídica, não devem ser considerados os novos parâmetros
contábeis introduzidos por meio da Lei nº 11.638/07, devendo ser utilizados
os critérios anteriores à entrada em vigor desta lei.
A instituição do RTT veio através dos artigos 15 a 17 da Lei
nº 11.941/2009, ao determinarem que tal regime teria por objetivo possibilitar a
neutralidade fiscal dos lançamentos realizados sob a égide dos novos parâmetros
contábeis, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 20075§. Esse mesmo tratamento deve
ser dado às normas expedidas pela CVM e pelos demais órgãos reguladores que
visem alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.
O RTT, segundo o artigo 15 da Lei nº 11.941/2009, in verbis, terá vigência
até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, sendo que os ajustes necessários à neutralidade
fiscal serão controlados no Livro de Apuração do Lucro Real (“LALUR”).
“Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de
apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes
dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº
11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.
§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os
efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando
a neutralidade tributária.

4 O Ato do Congresso Nacional nº 3/2009 prorrogou a vigência da Medida Provisória nº 449.


5 A opção pelo RTT referente ao IRPJ implica na adoção do regime na apuração da CSLL, do PIS e
da COFINS.

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§ 2º Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo,


observado o seguinte:
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do
regime em um único ano-calendário;
II – a opção a que se refere o inciso I deverá ser manifestada, de forma
irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da
Pessoa Jurídica 2009;
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já
transcorridos do ano-calendário de 2008, a eventual diferença entre o
valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o valor antes
apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do
primeiro subseqüente ao da publicação desta Lei, conforme o caso;
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009,
a opção deverá ser manifestada, de forma irretratável, na Declaração
de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2010.
§ 3º Observado o prazo estabelecido no § 1º deste artigo, o RTT
será obrigatório a partir do ano-calendário de 2010, inclusive para a
apuração do imposto sobre a renda com base no lucro presumido ou
arbitrado, da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL,
da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
§ 4º Quando paga até o prazo previsto no inciso III do § 2º deste artigo,
a diferença apurada será recolhida sem acréscimos.” (não destacado no
original)
Os artigos 16 e 17 da Lei nº 11.941/2009, a seguir transcritos,
complementam as disposições contidas no artigo 15 do mesmo diploma legal:
“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro
líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base

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na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de


15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que
visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais
de contabilidade.
Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que
conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638,
de 28 de dezembro de 2007, e dos arts. 37 e 38 desta Lei, e pelas
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base
na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, e demais órgãos reguladores, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento:
I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976, para apurar o resultado do exercício antes do
Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput do art. 187 dessa
Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do
mesmo artigo, com a adoção:
a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; e
b) das determinações constantes das normas expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência
conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela
sua observância;
II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado
nos termos do inciso I do caput deste artigo, no Livro de Apuração
do Lucro Real, inclusive com observância do disposto no § 2º deste
artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios
contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos
do art. 16 desta Lei; e
III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real,
de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados pela
legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto.

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228 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

§ 1º Na hipótese de ajustes temporários do imposto, realizados na


vigência do RTT e decorrentes de fatos ocorridos nesse período, que
impliquem ajustes em períodos subsequentes, permanece:
I – a obrigação de adições relativas a exclusões temporárias; e
II – a possibilidade de exclusões relativas a adições temporárias.
§ 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas
constantes deste Capítulo, fica dispensada de realizar, em sua
escrituração comercial, qualquer procedimento contábil determinado
pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais
ou de resultado quando em desacordo com:
I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, alterada pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou
II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no uso da
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, e pelos demais órgãos reguladores.” (não destacado no original)
Verifica-se, dessa forma, que, nos termos do artigo 15 da Lei
nº 11.941/2009, o RTT foi instituído para promover ajustes na apuração do
lucro em razão dos novos métodos e critérios contábeis, neutralizando os efeitos
da harmonização das regras contábeis brasileiras com o padrão IFRS.
O artigo 16 do mesmo diploma legal, por sua vez, determinou que as
alterações contábeis advindas da Lei nº 11.638/2007, bem como dos artigos
37 e 39 da Lei nº 11.941/2009, que modifiquem o critério de reconhecimento
de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do
exercício, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Por fim, a Lei nº 11.941/2009 estabeleceu em seu artigo 17 que, se por
conta das disposições da lei tributária forem utilizados métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404/76, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá realizar procedimentos de ajuste ao lucro líquido
do período no LALUR.
A exegese dos dispositivos legais em questão permite a conclusão que
o RTT busca a neutralidade fiscal, devendo ser considerados os métodos e

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critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 para apuração do


lucro real, mediante a realização de ajustes no LALUR (obrigações acessórias)6.
A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil (“IN
RFB”) nº 949/2009 regulamentou o RTT, dispondo sobre a aplicação do RTT
ao Lucro Presumido, trazendo os procedimentos a serem observados para garantir
a neutralidade fiscal dos novos padrões contábeis e dispondo também sobre a
aplicação do RTT para o PIS e para a COFINS, sendo especificados os ajustes
que deverão ser adotados para garantir a neutralidade fiscal.
Ademais, o referido dispositivo legal instituiu o denominado Controle
Fiscal Contábil de Transição (“FCONT”), para fins de registros auxiliares
previstos no inciso II, do § 2º, do art. 8º, do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
que se configura como uma escrituração das contas patrimoniais e de resultado,
em partidas dobradas, que considera os métodos e critérios contábeis aplicados
pela legislação tributária. A utilização do FCONT é necessária para a realização
dos ajustes fiscais, não podendo ser substituído por qualquer outro controle ou
memória de cálculo, sendo de uso obrigatório e exclusivo das pessoas jurídicas
sujeitas cumulativamente ao lucro real e ao RTT.
Embora o conceito do RTT seja relativamente simples, sua adoção
pressupõe a criação e manutenção de controles extracontábeis das contas
patrimoniais e de resultado pelas pessoas jurídicas, de forma analítica, dado
que as adições e exclusões na Parte A do LALUR, segundo a própria IN
RFB nº 949/2009, devem considerar os valores consignados no FCONT.
Em razão da neutralidade fiscal prevista no parágrafo 1º, do artigo 15, da
Lei nº 11.941/2009, com as complementações previstas nos artigos 16 e 17

6 Frise-se que o artigo 2º da Instrução Normativa RFB nº 949/09, que regulamentou o RTT, ratificou
expressamente a questão da neutralidade fiscal para os contribuintes que aderirem ao Regime,
verbis:
“Art. 2º As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37
e 38 da Lei nº 11.941, de 2009, que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos
e despesas computadas na escrituração contábil, para apuração do lucro líquido do exercício
definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput às normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), com base na competência regulamentar conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei
nº 6.404, de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem alinhar a legislação específica
com os padrões internacionais de contabilidade.” (não destacado no original)

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230 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

da mesma Lei, na IN RFB nº 949/2009 e na Exposição de Motivos da Medida


Provisória nº 449/2008, posteriormente referendada pelos Processos de Consultas
nº 5/2009 (10ª Região Fiscal) e 378/2009 (8ª Região Fiscal), qualquer mudança
no critério contábil que influencie o cálculo do IRPJ e da CSLL terá seus efeitos
neutralizados pelo RTT, sendo tais ajustes controlados no LALUR.
Nos termos da Lei nº 11.941/2009, para os anos de 2008 e 2009, ou
seja, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.638/2007, o RTT será facultativo,
devendo a pessoa jurídica manifestar sua opção pelo regime, de forma
irretratável, em sua Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa
Jurídica (“DIPJ”). A partir de 2010, o RTT passou a ser obrigatório para todas
as pessoas jurídicas sujeitas ao IRPJ e à CSSL apurados com base no lucro real
ou presumido, assim como para o PIS e a COFINS, em qualquer sistemática.
O RTT, portanto, foi concebido para ter uma vigência efêmera,
permanecendo em vigor, nos termos do parágrafo 1º, artigo 15, da Lei nº
11.941/2009, até a entrada em vigor “de lei que discipline os efeitos tributários
dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.”, o que
ainda não tem previsão para acontecer.

2.3. Neutralidade Fiscal


O RTT, nos termos de sua legislação instituidora, possui dois preceitos
básicos que o norteiam: o primeiro deles encontra-se disposto no artigo 16 da Lei
nº 11.491/2009, resultado da conversão da Medida Provisória nº 449/2008, que
determina que as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/2007 e pelos artigos
36 e 37 da Lei nº 11.941, que modificarem critérios contábeis de contabilização e
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do resultado
de determinada pessoa jurídica sujeita ao RTT, não terão reflexos para fins de
apuração do lucro real.
Assim, nos termos desse primeiro preceito, para empresas sujeiras ao RTT,
quando da apuração do IRPJ e da CSLL, devem ser considerados, para fins
tributários, os métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007, não sendo
consideradas as alterações de critérios das Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009.
Nesse sentido, Edmar Oliveira Andrade Filho menciona que “esse preceito
impõe uma espécie de congelamento do ordenamento jurídico tributário vigente em 31
de dezembro de 2007, de modo que as receitas, custos e despesas criados pelo conjunto

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 231

de normas acima mencionado (alterações das Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009),


não tem efeito tributário enquanto em vigor o RTT”.7 
O segundo preceito, que também se encontra em consonância com o princípio
da neutralidade fiscal, é aquele disposto no artigo 17 da Lei nº 11.941/2009, que
trata dos ajustes que devem ser feitos pelas empresas optantes pelo RTT, quando
observada eventual diversidade de critério contábil estabelecido entre as normas
contábeis e as regras de Direito Tributário.
Os preceitos contidos nos artigos 16 e 17 demonstram o alinhamento do
RTT com o princípio da neutralidade fiscal, norteando o regime ora analisado.
Enquanto o primeiro dispositivo legal explicita seu conceito, o segundo determina
os meios através dos quais a neutralidade fiscal será posta em prática.
As autoridades fiscais já se manifestaram acerca do princípio da neutralidade
fiscal, conforme pode ser verificado, inclusive, por meio do Processo de Consulta
nº 5/2009 abaixo transcrito, que tratou da contabilização dos contratos de
arrendamento mercantil, dizendo expressamente que as mudanças no critério de
escrituração contábil não afetariam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL:
“Processo de Consulta nº 5/2009. Órgão: Superintendência Regional da
Receita Federal – SRRF / 10ª Região Fiscal
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO.
MUDANÇAS NO CRITÉRIO DE CONTABILIZAÇÃO.
EFEITOS FISCAIS.
Os lançamentos na contabilidade da arrendatária referentes aos
contratos de arrendamento mercantil devem estar em conformidade
com a nova regra do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007. Contudo, tais mudanças no
critério de escrituração contábil não afetarão a base de cálculo do
IRPJ apurada pela pessoa jurídica optante pelo Regime Tributário de
Transição (RTT). Ou seja, os ajustes decorrentes do critério anterior
e do atual devem ser implementados extracontabilmente na empresa
optante pelo referido regime, objetivando buscar a neutralidade fiscal.

7 Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 641.

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232 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Na hipótese de a consulente não optar pelo RTT, a contabilização dos


contratos de arrendamento mercantil na arrendatária também segue
a determinação do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007, sendo vedada a realização de
ajustes extracontábeis.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 6.404, de 1976, art. 179, inciso IV,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007; MP nº 449, de 2008, arts. 15 a 18.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO.
MUDANÇAS NO CRITÉRIO DE CONTABILIZAÇÃO.
EFEITOS FISCAIS.
Os lançamentos na contabilidade da arrendatária referentes aos
contratos de arrendamento mercantil devem estar em conformidade
com a nova regra do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007. Contudo, tais mudanças no
critério de escrituração contábil não afetarão a base de cálculo da
CSLL apurada pela pessoa jurídica optante pelo Regime Tributário
de Transição (RTT). Ou seja, os ajustes decorrentes do critério
anterior e do atual devem ser implementados extracontabilmente
na empresa optante pelo referido regime, objetivando buscar a
neutralidade fiscal.
Na hipótese de a consulente não optar pelo RTT, a contabilização dos
contratos de arrendamento mercantil na arrendatária também segue
a determinação do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007, sendo vedada a realização de
ajustes extracontábeis.
dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 179, inciso IV, alterado
pela Lei nº 11.638, de 2007; MP nº 449, de 2008, arts. 15 a 18.”8 (não
destacado no original)
No mesmo sentido foi o entendimento esposado no Processo de Consulta
nº 378/2009, a seguir reproduzido, que tratou das obrigações acessórias a
serem cumpridas pelas pessoas jurídicas optantes pelo RTT para assegurar a
neutralidade fiscal:

8 Data da Decisão 20.02.2009, DOU 16.03.2009.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 233

Processo de Consulta nº 378/2009. Órgão: Superintendência Regional


da Receita Federal – SRRF / 8ª Região Fiscal
Assunto: Obrigações Acessórias.
Ementa: A pessoa jurídica sujeita ao lucro real que optar pelo Regime
Tributário de Transição – RTT nos anos-calendário de 2008 e 2009,
deverá manter o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT),
que conterá os registros auxiliares previstos no inciso II do § 2.º do art.
8.º do Decreto-Lei n.º 1.598, de 1977. A adaptação da contabilidade
do sujeito passivo às normas comerciais vigentes em 31/12/2007 será
promovida por meio do FCONT, assegurando a neutralidade tributária.
A pessoa jurídica sujeita ao lucro real que não optar pelo RTT, para a
apuração do IRPJ nos anos calendário de 2008 e 2009, partirá do lucro
líquido do período calculado segundo as novas regras contábeis, e sobre
ele aplicará as adições, exclusões e compensações previstas na legislação
tributária, não sendo a ela assegurada a neutralidade tributária.
Dispositivos Legais: Lei n.º 6.404, de 1976, artigo 177; Lei n.º
11.638, de 2007; Lei n.º 11.941, de 2009, artigos 15 a 17; Instrução
Normativa RFB n.º 949, de 2009, artigos 3.º e 7.º a 9.º.
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: Não estão revogados os artigos 247, 251 e 274 do RIR/99.
Para aquelas pessoas jurídicas que não optarem pelo RTT nos
anos calendário de 2008 e 2009, o lucro líquido do período será o
apurado na sua contabilidade segundo as regras contábeis atualmente
vigentes, introduzidas pelas Leis n.º 11.638, de 2007, e 11.941, de
2009. Para as pessoas jurídicas que optarem pelo RTT, o lucro líquido
do período de apuração determinado por meio dos critérios contábeis
previstos na Lei n.º 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas
pelas Leis n.º 11.638, de 2007, e 11.941, de 2009, será ajustado pelas
regras do Regime Tributário de Transição, por meio do Controle
Fiscal Contábil de Transição (FCONT), e espelhará o lucro líquido
apurado segundo as normas vigentes até 31.12.2007.
Dispositivos Legais: Lei n.º 6.404, de 1976, artigo 177; Lei n.º 11.638, de
2007; Lei n.º 11.941, de 2009, artigos 15 a 17; Instrução Normativa RFB
n.º 949, de 2009, artigos 3.º e 7.º a 9.º.”9  (não destacado no original)

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234 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Questão a ser verificada, portanto, para que se conclua pela aplicação ou não
do RTT é se houve, nos termos das alterações previstas nas Leis nº 11.638/2007
e 11.941/2009, mudança de critério contábil em determinados lançamentos
realizados sob a égide dos dispositivos legais em tela, em especial no que tange
aos critérios e regras para as taxas de depreciação e reconhecimento das despesas
geradas pela diminuição do valor do ativo imobilizado.

3. Depreciação
3.1 Considerações Iniciais
No cotidiano das empresas, em decorrência do uso, ou mesmo por ação
da natureza ou obsolescência, os bens de seu ativo imobilizado têm um prazo
limitado de vida útil econômica, na medida em que estes se desgastam no
decorrer da atividade operacional, acarretando a diminuição do seu valor, que
deverá ser reconhecido nas demonstrações financeiras das pessoas jurídicas em
contas denominadas pela contabilidade como “depreciação”.
A regulação da forma por meio da qual a depreciação deve ser contabilizada
se dá por meio da alínea a, dos parágrafos 2º e 3º, do artigo 183, da Lei nº
6.404/76, com redação dada pela Lei nº 11.941/2009, in verbis:
Art. 183: (...) 
§ 2o A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e
intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação
dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos
que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de
utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência;
 § 3o A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver
decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que

9 Data da Decisão 27.10.2009, DOU 09.11.2009.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 235

se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir


resultados suficientes para recuperação desse valor; ou (Incluído
pela Lei nº 11.638,de 2007)
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação
da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação,
exaustão e amortização.
Depreende-se da análise do dispositivo legal supra transcrito que a
depreciação, nos termos da legislação societária, deve ser contabilizada de
forma a refletir o desgaste dos bens do ativo imobilizado em decorrência
de seu uso ou obsolescência.
A importância correspondente aos encargos de depreciação, ou seja, o
montante correspondente a diminuição do valor dos bens registrados no ativo
imobilizado é considerado, nos termos do artigo 305 do RIR, como despesa
operacional quando da apuração do lucro líquido da sociedade.
A questão ora analisada é se, com as alterações nas regras de depreciação
trazidas pelas Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009, houve modificação nos
critérios contábeis sujeitos aos ajustes do RTT.

3.2. Regras de Depreciação – Aspectos Contábeis


Diante das disposições legais que regulamentaram as regras de depreciação, as
pessoas jurídicas tenderam a adotar as taxas de desvalorização do ativo imobilizado
emitidos pelo Fisco. Todavia, com as alterações advindas pelas Leis nºs 11.638/2007
e 11.941/2009, esta prática não poderá ser mais adotada contabilmente (mas tão
somente para apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL).
A alteração na sistemática de depreciação sofreu alterações por meio das Leis
nºs 11.638/2007 e 11.941/2009, que estabeleceram que a partir do ano calendário de
2009, as depreciações concernentes a bens do ativo imobilizado devem ser efetuadas
levando-se por base a vida útil dos bens economicamente considerada.
Dessa forma, podiam ser utilizadas para o exercício de 2008 as taxas de
depreciações e amortizações dos bens do ativo imobilizado que a entidade vinha
anteriormente adotando (em geral eram as taxas fiscais definidas e permitidas
pela legislação fiscal).
Com o advento deste novo parâmetro contábil, surgiu a necessidade de
revisão e ajuste periódico dos critérios utilizados para determinação da vida

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236 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, no mínimo por ocasião


da elaboração das demonstrações financeiras anuais.
De acordo com Fábio Piovesan Bozza, a necessidade de revisão e ajuste
periódico dos critérios utilizados para a mensuração da vida útil do bem tem o
intuito de assegurar que os ativos não estejam registrados contabilmente por um
valor superior àquele passível de ser recuperado no tempo por uso nas operações
da empresa ou em sua eventual venda, tratando-se do denominado teste de
recuperabilidade dos ativos também conhecido como teste de impairment, que
será melhor detalhado adiante.10 
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”), por sua vez, emitiu
o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado, ora aprovado pela
Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (“CFC”) nº 1.177/2009,
tratando dos procedimentos a serem observados, inclusive quanto aos critérios
de depreciação, já de acordo com as alterações dos parâmetros contábeis.
Nos termos do CPC 27, merecem destaque as seguintes determinações:
(i) o valor depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma
sistemática ao longo de sua vida útil estimada, devendo, as
despesas com a depreciação do período, serem reconhecidas
no resultado;
(ii) a depreciação do ativo se inicia quando este está disponível
para uso, ou seja, quando está no local e em condição de
funcionamento na forma pretendida pela administração,
devendo, por sua vez, cessar na data em que o ativo é classificado
como mantido para venda, ou ainda, na data em que o ativo é
baixado, o que ocorrer primeiro;
(iii) a vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada
do ativo para a pessoa jurídica, sendo que tal estimativa da vida
útil do ativo é uma questão de julgamento baseado na experiência
da entidade com ativos semelhantes;
(iv) no que tange aos métodos de depreciação a serem utilizados,
estes devem refletir o padrão de consumo pela entidade dos

10 Novo Padrão Contábil Brasileiro e os Impactos Fiscais no Registro das Despesas de Depreciação,
in Revista Dialética de Direito Tributário nº 166, p. 12.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 236 29/5/2012 18:03:11


Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 237

benefícios econômicos futuros. O método de depreciação


aplicado a um ativo deve ser revisado pelo menos ao final de
cada exercício e, se houver alteração significativa no padrão de
consumo previsto, o método de depreciação deve ser alterado
para refletir essa mudança.
Todavia, existia ainda a dificuldade associada à forma pela qual deveria
ser realizado o cálculo da vida útil econômica dos bens constantes no ativo
imobilizado. Contabilmente, a vida útil econômica de um determinado bem é
definida nos termos da utilidade esperada do ativo para a entidade.
Visando sanar tal problemática, o CPC 27 determinou que devem ser
considerados na determinação da vida útil de um bem do ativo imobilizado:
(i) uso esperado do ativo avaliado com base na capacidade física específica
do referido bem; (ii) desgaste físico normal esperado, que depende de fatores
operacionais, tais como o número de turnos nos quais haverá a utilização do
bem; (iii) cronograma de reparos e manutenção do bem enquanto esse estiver
ocioso; (iv) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças na
demanda do mercado para o produto ou serviço derivado do bem em questão;
e (v) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, assim como, por exemplo,
duração de eventual contrato de arrendamento mercantil do bem considerado.
De acordo com a sistemática contábil da depreciação, depois de estimada
a vida útil econômica do bem do ativo imobilizado, a empresa deverá optar
por um dos métodos existentes para se calcular a depreciação, método este que
deve refletir o padrão de consumo pela entidade dos benefícios econômicos futuros
proporcionados pelo ativo imobilizado. Da mesma forma que o valor residual e a vida
útil do ativo, o método de depreciação também deve ser revisado no mínimo uma vez
por ano. No caso de haver mudança considerável nos padrões de uso do imobilizado,
o método deve ser alterado para refletir essa mudança nos padrões de uso. 11 
O registro da depreciação na contabilidade da empresa, segundo Sergio de
Iudícibus deve ser feito por meio de um registro de um débito na conta de despesa
de depreciação do período e um crédito na conta de Depreciação Acumulada. 12 

11 Sergio de Iudícibus (Et. Alli). Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Editora Atlas, 2010,
p. 249.
12 Op. cit, pp. 249-250.

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238 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

3.3. Regras de Depreciação – Aspectos Fiscais


Por sua vez, sob a óptica fiscal, o artigo 305, caput, do Regulamento do
Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99 – “RIR/99”) 13 prevê que seu encargo
poderá ser computado como custo no período de apuração, podendo, tais
valores, serem deduzidos das bases de cálculo tanto do IRPJ quanto da CSLL
Porém, para dedutibilidade dos encargos de depreciação devem ser observados,
todavia, os critérios previstos nos artigos 305 a 323 do RIR/99.
Neste sentido, a análise dos parágrafos 1º a 5º do artigo 305 do RIR/9914 
permite concluir que a depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar
o encargo econômico do desgaste ou obsolescência, de acordo com as condições
de propriedade, posse ou uso do bem, sendo as quotas de depreciação são
dedutíveis a partir da época em que os bens são instalados, postos em serviço
ou em condições de produzir.
Nos termos do parágrafo 3º do artigo 305 do RIR/99, o montante
acumulado das quotas de depreciação não poderá ultrapassar o custo de
aquisição do bem.
O parágrafo 4º do mesmo dispositivo legal, por sua vez, determina
que o valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação, que se tornarem
imprestáveis ou caírem em desuso, deverão ser baixados do ativo imobilizado, o
que invariavelmente implicará na redução no conjunto de direitos da empresa.
Por fim, o parágrafo 5º do artigo 305 do RIR/99 traz um delimitação
de quais os bens que poderão ser depreciados para fins fiscais, determinando

13 Art.  305. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada período de apuração, a
importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo
uso, ação da natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57).
14 Art. 305. (...)
§  1º A depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar o encargo econômico do
desgaste ou obsolescência, de acordo com as condições de propriedade, posse ou uso do bem
(Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 7º).
§ 2º A quota de depreciação é dedutível a partir da época em que o bem é instalado, posto em
serviço ou em condições de produzir (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 8º).
§  3º Em qualquer hipótese, o montante acumulado das quotas de depreciação não poderá
ultrapassar o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º).
§ 4º O valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação, que se tornarem imprestáveis ou
caírem em desuso, importará redução do ativo imobilizado (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 11).
§  5º Somente será permitida depreciação de bens móveis e imóveis intrinsecamente
relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços (Lei nº 9.249, de 1995,
art. 13, inciso III).

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 239

que somente será permitida a depreciação de bens móveis ou imóveis cujo uso
esteja intrinsecamente relacionado com a produção ou comercialização dos
bens e serviços.
Merece destaque também o disposto nos artigos 309 e 310 do RIR/99.
No que tange ao disposto no artigo 309 do Regulamento15 em tela, o seu caput
determina que a quota de depreciação registrável na escrituração como custo
ou despesa operacional será determinada mediante a aplicação da taxa anual
de depreciação sobre o custo de aquisição dos bens depreciáveis:
Ademais, a análise dos parágrafos 1º e 2º do referido dispositivo
legal permite verificar que a quota anual de depreciação será ajustada
proporcionalmente, no curso do ano exercício, no caso de período de apuração
com prazo de duração inferior a 12 meses, e/ou nas hipóteses de acréscimo ou
baixa de bem no ativo da empresa.
Há ainda, nos termos dos dispositivos legais tratados em questão, a
possibilidade de a depreciação ser apropriada em quotas mensais, sendo
dispensado o ajuste da taxa para os bens postos em funcionamento ou baixados
no curso do mês.
O parágrafo 3º do artigo 309 do RIR/99 determina que a taxa anual de
depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização
econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos.
O artigo 310 do RIR/9916, por sua vez, determina em seu parágrafo 1º
que caberá a RFB, periodicamente, publicar o prazo de vida útil admissível

15 Art. 309. A quota de depreciação registrável na escrituração como custo ou despesa operacional


será determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição
dos bens depreciáveis (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 1º).
§ 1º A quota anual de depreciação será ajustada proporcionalmente no caso de período de apuração
com prazo de duração inferior a doze meses, e de bem acrescido ao ativo, ou dele baixado, no
curso do período de apuração.
§ 2º A depreciação poderá ser apropriada em quotas mensais, dispensado o ajuste da taxa para
os bens postos em funcionamento ou baixados no curso do mês.
§  3º A quota de depreciação, registrável em cada período de apuração, dos bens aplicados
exclusivamente na exploração de minas, jazidas e florestas, cujo período de exploração total seja
inferior ao tempo de vida útil desses bens, poderá ser determinada, opcionalmente, em função
do prazo da concessão ou do contrato de exploração ou, ainda, do volume da produção de cada
período de apuração e sua relação com a possança conhecida da mina ou dimensão da floresta
explorada (Lei nº 4.506, de 1964, arts. 57, § 14, e 59, § 2º).
16 Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei
nº 4.506, de 1964, art. 57, § 2º).

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240 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

para fins fiscais, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem,
ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente
adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que, em se tratando
de taxa diferente, fazendo a prova dos motivos pelos quais adotou uma taxa
diferente da publicada pelo Fisco.
Vê-se, portanto, que existe a possibilidade do contribuinte adotar os
valores fixados pela RFB ou, alternativamente, utilizar a quota efetivamente
depreciada, devendo, neste caso, fazer prova dessa adequação, através de um
laudo emitido pelo Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade
oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida
útil recomendados por essas instituições.
O Parecer Normativo CST nº 79/76 estabeleceu que se a pessoa jurídica
adotar taxa de depreciação inferior à permitida como dedutíveis, na apuração do
lucro real, não poderá utilizar taxas mais elevadas a fim de ajustar a depreciação
acumulada à taxa normal.
Pelo Parecer Normativo CST nº 192/72 (“PN CST 192/92”), o desgaste
provocado pelo uso intensivo ou anormal dos bens pertencentes ao ativo
imobilizado das pessoas jurídicas de direito privado poderá determinar a adoção
de taxas especiais de depreciação, devendo haver a comprovação da adequação
das taxas que utilizarem, ou, em caso de dúvida, justificá-las com base em laudo
técnico expedido por órgão oficial competente.
Ainda nos termos do PN CST 192/72, as empresas que empreguem os
coeficientes de depreciação acelerada em decorrência de expressa previsão
legal poderão também utilizar taxas especiais de depreciação, quando estas se

§ 1 A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em
condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o
direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens,
desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente (Lei nº 4.506, de 1964,
art. 57, § 3º).
§  2 No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir
perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou
tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial,
baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).
§ 3 Quando o registro do imobilizado for feito por conjunto de instalação ou equipamentos, sem
especificação suficiente para permitir aplicar as diferentes taxas de depreciação de acordo com a
natureza do bem, e o contribuinte não tiver elementos para justificar as taxas médias adotadas para
o conjunto, será obrigado a utilizar as taxas aplicáveis aos bens de maior vida útil que integrem
o conjunto (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 12).

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fizerem necessárias, observadas as regras pertinentes, desde que o seu montante


não ultrapasse em qualquer tempo o custo de aquisição dos bens, atualizado
monetariamente.
Por fim, no que tange a possibilidade de depreciação acelerada, cumpre
destacar que esta encontra-se respaldada pelos artigos 311 a 313 do RIR/200917,
que traz as situações nas quais o bem pode ser depreciado, para fins fiscais, em
um menor período de tempo.

3.4. Alterações Trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e


11.941/2009
Com o advento das Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009, houve uma
introdução no sistema jurídico brasileiro de novos conceitos nos procedimentos
de mensuração e reconhecimento da depreciação contábil, vale dizer, a
diminuição do valor do bem registrado no ativo imobilizado passa ser registrada
conforme a sua vida útil econômica.

17 Art. 311. A taxa anual de depreciação de bens adquiridos usados será fixada tendo em vista o
maior dos seguintes prazos:
I – metade da vida útil admissível para o bem adquirido novo;
II – restante da vida útil, considerada esta em relação à primeira instalação para utilização do bem.
Depreciação Acelerada Contábil
Art. 312. Em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em função do número de horas
diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação acelerada (Lei nº 3.470, de 1958,
art. 69):
I – um turno de oito horas............................1,0;
II – dois turnos de oito horas.......................1,5;
III – três turnos de oito horas.......................2,0.
Parágrafo único. O encargo de que trata este artigo será registrado na escrituração comercial.
Art. 313. Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e
equipamentos, poderão ser adotados coeficientes de depreciação acelerada, a vigorar durante
prazo certo para determinadas indústrias ou atividades (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 5º).
§ 1º A quota de depreciação acelerada, correspondente ao benefício, constituirá exclusão do
lucro líquido, devendo ser escriturada no LALUR (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 8º, inciso
I, alínea “c”, e § 2º).
§ 2º O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá ultrapassar
o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º).
§ 3º A partir do período de apuração em que for atingido o limite de que trata o parágrafo anterior,
o valor da depreciação normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao
lucro líquido para efeito de determinar o lucro real.
§ 4º As empresas que exerçam, simultaneamente, atividades comerciais e industriais poderão
utilizar o benefício em relação aos bens destinados exclusivamente à atividade industrial.
§ 5º Salvo autorização expressa em lei, o benefício fiscal de que trata este artigo não poderá ser
usufruído cumulativamente com outros idênticos, exceto a depreciação acelerada em função dos
turnos de trabalho.

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242 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Assim, a partir da harmonização da sistemática contábil brasileira com o


padrão IFRS, no que tange as taxas de depreciação para fins contábeis, o correto
passou a ser a adoção das regras na Lei nº 6.404/76, na redação dada pelas Leis
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, posteriormente regulamentadas pelo CPC 27,
aprovado pela Resolução CFC 1.177/2009.
O quadro a seguir traz um resumo das alterações trazidas pela harmonização
dos parâmetros contábeis brasileiros com as normas internacionais de
contabilidade, por meio de um comparativo entre o CPC 27, e as normas técnicas
vigentes até 2007, regulamentadas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade
Técnica (“NBCT 19.5”), aprovadas pela Resolução CFC nº 1.027/2005.

2005 2009

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2005 2009

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244 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Em que pese, do ponto de vista de metodologia contábil, não ter havido,


aparentemente, grandes mudanças, é possível se deparar na prática com
alterações significativas nas taxas de depreciação adotadas pelas empresas, ainda
que seja considerado o fato de que, no que tange a mudança de estimativa da
vida útil, a regra anterior obrigava as empresas à revisão tanto do valor residual
quanto da vida útil, período de uso ou volume de produção de um ativo, “pelo
menos, no final de cada exercício, e, quando as expectativas diferirem das estimativas
anteriores, as alterações devem ser efetuadas”, nos termos da NBCT 19.5.
Ao serem adotadas consistentemente as taxas fiscais, em detrimento
do estudo com base na estimativa da vida útil, exceção à regra na sistemática
antiga, e se assumindo que este conduziria a taxas diversas das fiscais, como
de fato se revelou na aplicação do CPC 27, cujo escopo era exatamente o novo
tratamento contábil do ativo imobilizado, é possível afirmar que havia a adoção
de um determinado método fiscal.
Porém, com as modificações trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, houve uma alteração com relação ao método a ser adotado
quando do registro dos encargos de depreciação, uma vez que passou a ser
obrigatória, para fins contábeis, a adoção da estimativa da vida útil. Desta
forma, para fins fiscais, os métodos passaram a não mais serem coincidentes
com aqueles adotados para fins contábeis.
A sistemática fiscal da depreciação é regulamentada conforme IN
RFB 162/98, que fixou o prazo de vida útil e taxa de depreciação dos bens
que relaciona, estabelecendo que a quota de depreciação a ser registrada na
escrituração da pessoa jurídica será determinada com base nos prazos de vida
útil e nas taxas de depreciação constantes dos seus anexos. Cumpre destacar
que, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, a metodologia da IN RFB
162/98 ainda pode ser utilizada, devendo o contribuinte efetuar o controle
destes valores em registros auxiliares.
Deve-se destacar o fato de que o Fisco, conforme exegese do artigo 310, §
2º, do RIR/99, admite que o contribuinte adote taxas diferentes de depreciação,
desde que haja o devido suporte por laudo técnico de entidade reconhecida
pela RFB para tais fins.
Não obstante os novos parâmetros de depreciação introduzidos pelas
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, os contribuintes devem observar, para fins
fiscais, as taxas de depreciação aprovadas pela RFB. Os valores depreciáveis

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que ultrapassarem a taxa fixada pela RFB, que não estiverem de acordo com os
preceitos estabelecidos no artigo 310,§ 2º do RIR/99, serão indedutíveis para
efeito de apuração do IPRJ e da CSLL, devendo, nestes casos, haver a adição
do valor dos encargos de depreciação para efeito de determinação da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL.
Assim, sob a argumentação de que a RFB conduzia e incentivava a adoção
das taxas por ela publicadas, a maioria das empresas adotava estas taxas também
para fins societários antes do advento das novas regras contábeis, sendo, de tal
sorte, legítimo enquadrar suas diferenças em relação às novas taxas, no comando
do art. 17 da nº Lei 11.941/2009.
Ademais, as disposições da legislação societária, especialmente, e de forma
mais enfática, a partir da edição da Lei nº 11.638/2007, determinam que a
depreciação deve levar em consideração a efetiva vida útil do bem para cada entidade,
em função de sua realidade técnica e econômica, transformaram a então exceção a
regra anteriormente vigente em regra a ser seguida na seara societária.
Na sistemática vigente antes das alterações das Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, regulamentada pela NBCT 19.5, aprovadas pela Resolução CFC
nº 1.027/2005, as empresas adotavam, mesmo para fins contábeis, os valores
fixados pela RFB, não obstante as regras societárias de depreciação contábil
existente na Lei nº 6.404/76.
Todavia, com as alterações promovidas pelas referidas leis, houve a
necessidade da análise e do ajuste periódico do valor de recuperação dos valores
registrados no ativo imobilizado, bem como a revisão e alteração dos critérios
utilizados, tanto para a determinação da vida útil econômica do bem, quanto
para cálculo da depreciação. Dessa forma, não poderá mais ser adotada a prática
anterior das empresas em simplesmente utilizar, também para fins contábeis,
os valores das taxas de depreciação fixados pela RFB.
É importante destacar que as alterações dos métodos de registro das taxas
de depreciação é um exemplo da consolidação da dicotomia depreciação fiscal
versus depreciação contábil, oriunda da harmonização das regras contábeis
adotadas no Brasil com o padrão IFRS terminou por consolidar.
Assim, no que tange a depreciação contábil, o CPC 27 determinou que os
critérios utilizados para a verificação da vida útil econômica estimada do bem e
para o cálculo da depreciação deverão ser periodicamente ajustados e revisados,
pelo menos ao final do exercício, quando da elaboração das demonstrações

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246 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

financeiras anuais.
A revisão e os ajustes dos critérios utilizados para a verificação da vida
útil econômica estimada do bem e para o cálculo de sua depreciação, conforme
estabelecido pelo CPC 27, se deve à necessidade de evitar que os ativos não
estejam registrados contabilmente por um valor superior àquele passível de ser
recuperado no tempo.
Nos termos do CPC 27, para se determinar o valor recuperável do ativo e
sua expectativa de vida útil econômica, deve se utilizar o denominado método do
impaiment, aplicando-se, para tal, o disposto em outro pronunciamento técnico
contábil, o CPC 01, que determina, independentemente de existir ou não
indício de desvalorização, que a entidade deverá testar, no mínimo anualmente,
a redução ao valor recuperável de um determinado ativo, comparando-se o seu
valor contábil com seu valor recuperável.
Para se realizar ao teste em questão, deve-se comparar o valor contábil com
o valor a ser recuperado, sendo este último o valor mais alto entre: (i) o valor
justo menos o custo de venda do bem, que corresponde ao valor de mercado
do referido bem, o qual pode vir a ser auferido por meio do levantamento do
valor de venda deste, ajustando-se por meio da adição de eventuais custos
incrementais decorrentes da alienação do ativo; ou, (ii) o valor em uso do
respectivo bem que corresponde ao valor presente nos fluxos de caixas futuros
que a entidade espera obter na utilização do referido bem.
Na hipótese do valor recuperável do ativo ser inferior ao seu valor
contábil, este valor deve ser reduzido para o seu valor recuperável, configurando
esta redução como uma perda por impairment, a qual deve ser tratada como
decréscimo de reavaliação e reconhecida no resultado da empresa.
O novo valor contábil resultante do teste por impairment será a base de
cálculo para a depreciação futura, voltando-se, a partir deste ponto, a aplicar a
sistemática de depreciação regulada pelo CPC 27.
No que concerne ao valor depreciável de determinado bem, importante
destacar que, segundo Fábio Piovesan Bozza, “o valor depreciável na contabilidade
corresponde ao custo de aquisição deduzido do valor residual, que é o montante líquido
que a empresa espera obter, com razoável segurança, por um ativo no fim da sua vida
útil econômica, deduzidos dos gastos esperados para a sua alienação (...). Significa
que o cálculo da depreciação contábil nunca terá por base todo o custo de aquisição do
bem. (...) a depreciação fiscal exibe características substancialmente diferentes daquelas

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apresentadas pela depreciação contábil, colocando-a num regime autônomo.”18


Verifica-se, de tal sorte, que as alterações das Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009 aprofundaram as diferenças entre a depreciação contábil e a
depreciação fiscal. Dessa forma, se contabilmente o correto seria a adoção das
regras de depreciação previstas na Lei nº 6.404/76 ocorrerá, conforme já visto,
uma divergência no montante depreciado quando comparado aos parâmetros
estabelecidos na depreciação fiscal pela RFB.
Analisando-se os critérios da depreciação fiscal, podem ser verificadas
algumas particularidades se comparados com os critérios da depreciação
contábil. Nesse sentido, Fábio Piovesan Bozza afirma que: “merecem destaque
as seguintes (diferenças entre depreciação contábil e depreciação fiscal): (i)
contabilmente, a depreciação sobre bens usados deve ser calculada de acordo
com o restante da sua vida útil econômica, conforme as condições específicas de
utilização desse bem, enquanto que, fiscalmente, a depreciação será calculada
tendo em vista o maior de dois prazos (ou a metade da vida útil admissível para
o bem adquirido novo ou o restante da vida útil, considerada esta em relação à
primeira instalação); e (ii) contabilmente, os encargos de depreciação poderão
ser calculados por um dentre vários métodos, ao passo que, fiscalmente, o critério
usualmente aceito é o método linear, que resulta numa despesa constante durante
a vida útil do bem, que é estimada pelo fisco”.19
Vê-se que a depreciação fiscal deve ter uma relação de autonomia em
relação à depreciação contábil, devendo-se observar as normas emitidas pela
RFB acerca dos critérios de depreciação, conforme se verifica na decisão
proferida pela 8ª Câmara do antigo 1º Conselho de Contribuintes, atual
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), in verbis:
DESPESAS DE DEPRECIAÇÃO – A pessoa jurídica que voltar
ao regime de tributação com base no lucro real em substituição ao
do lucro presumido, deve considerar como utilizadas as quotas de
depreciação que seriam cabíveis nos anos-calendário em que optou
pelo lucro presumido, como se nesses anos calendário estivesse
sujeita à tributação com base no lucro real.

18 Op. cit, p. 12.


19 Op. cit, p. 15.

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248 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

(Recurso 136.967, Processo 11070.001881/2001-68, Relator


Conselheiro Margil Mourão Gil Nunes, formalizado 17 de novembro
de 2004)
Conforme se verifica no julgado acima, o Conselho de Contribuintes
entendeu que a pessoa jurídica optante pelo lucro presumido, ao voltar para o
regime do lucro real, deve considerar como utilizadas as quotas de depreciação
que seriam cabíveis nos anos-calendários em que optou pelo lucro presumido,
como se houvesse sido tributada pelo lucro real.
Ao analisar o caso em questão, Fábio Piovesan Bozza destaca que: “por
outro lado, o entendimento externado pelas autoridades fiscais – e pela própria
jurisprudência administrativa – ao longo das últimas décadas, sempre foi no sentido de
que a apropriação da despesa de depreciação deve ser feita nas próprias demonstrações
financeiras, não se admitindo ajustes extracontábeis em livros auxiliares, e que as
disposições existentes na legislação fiscal apenas fixam limites de dedutibilidade, com
quotas máximas e períodos mínimos de depreciação(...)”. 20 
É neste mister que se faz possível verificar modificações significativas
advindas pelas Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009, na medida em que, a
partir de sua entrada em vigor, os regimes contábil e fiscal de reconhecimento
e de apropriação das despesas de depreciação de bens contabilizados no ativo
imobilizado passaram a ser independentes um do outro.
Malgrado os critérios previstos nas legislações societárias e fiscais serem
praticamente os mesmos, pois em ambas as situações os bens do imobilizado
devem ser avaliados pelo custo de aquisição diminuído do saldo da respectiva
conta de depreciação, amortização ou exaustão, em relação ao método, ou seja, o
procedimento utilizado para aferição de despesa de depreciação, as disposições
da legislação fiscal vigentes em 31 de dezembro de 2007, que versam sobre
o registro das despesas de depreciação com base nas taxas admitidas pela
fiscalização, não coincidem necessariamente com aquelas previstas na Lei
6.404/76, com redação dada pelas Leis 11.638/2007 e 11.941/2009.
Portanto, pelas razões expostas, deve-se concluir que as diferenças nas taxas
de depreciação decorrentes das alterações trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, alteraram, em termos práticos, as disposições acerca das regras de

20 Op. cit, p. 15.

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depreciação até então vigente, incluindo-se, assim, no rol das mudanças de método
ou critério contábil e, como tal, poderiam ser enquadradas no RTT, conforme será
a seguir demonstrado.

3.5. Neutralidade Fiscal dos Impactos por meio do


RTT
É mister destacar que, anteriormente à edição da Lei nº 11.638/2007 e
a consequente instituição do RTT, os efeitos fiscais decorrentes de mudança
nas taxas de depreciação dos ativos já foi objeto de diversas manifestações por
parte das autoridades fiscais.
Naquela época, era facultado à empresa adotar taxa de depreciação
diferente daquela preconizada pelo fisco em duas situações distintas. Na
primeira, mais frequente, a nova taxa seria menor que a admitida pelo Fisco,
de forma que a vida útil remanescente do bem restaria ampliada.
O Fisco sempre aceitou tal procedimento, ressalvando:”porém, se a empresa
adotar taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias não apropriadas
não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas superiores
às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial”
(Parecer Normativo CST 79/76). Todavia, adotar uma taxa menor que a máxima
admissível, embora não levasse a companhia a confrontar regras fiscais, fazia
com que apurasse maior lucro tributável. Neste sentido, é importante citar
também a Solução de Consulta nº 13821 , de 03 de Setembro de 2008, da 6ª
Região Fiscal.
Na segunda situação, por sua vez, a nova taxa apontaria para um aumento
no valor do encargo de depreciação. Neste caso, a parcela de encargo excedente ao
máximo admissível pela legislação fiscal seria uma despesa não dedutível. Nos
termos do RIR/99, pode a empresa adotar taxas superiores àquelas admitidas

21 “ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ


EMENTA: ATIVO IMOBILIZADO. DEPRECIAÇÃO. ALTERAÇÃO DE TAXA. POSSIBILIDADE.
ALTERAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. É assegurado ao contribuinte o direito de escolher,
respeitados os percentuais máximos e os períodos mínimos estabelecidos pela legislação, a taxa
de depreciação dos bens do ativo imobilizado. A utilização de taxa inferior à prevista em ato
normativo da RFB não obsta a posterior alteração do percentual escolhido durante o prazo de
vida útil do bem. A elevação da taxa de depreciação, dentro dos limites previstos na legislação,
não pode ser realizada retroativamente. Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário Não produz
efeitos a consulta formulada quando o fato estiver disciplinado em ato normativo publicado na
Imprensa Oficial antes de sua apresentação.”

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250 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

pelo Fisco, desde que obtenha laudo de entidade oficial de pesquisa científica
ou tecnológica recomendando tais taxas22.
Através do Parecer Normativo CST 96/78, as autoridades fiscais já
se pronunciaram no sentido de que “o LALUR não pode ser utilizado para
nele serem consignadas as exclusões que possam resultar da falta de registro,
na escrituração comercial, de custos ou despesas operacionais, ou, ainda, as que
tenham por objetivo complementar valor da mesma natureza insuficientemente
registrado (como é o caso da depreciação), uma vez que os valores que podem ser
excluídos do lucro líquido, na determinação do lucro real, são aqueles que, em
virtude da natureza exclusivamente fiscal, não reúnem requisitos para poderem
ser registrados na escrituração comercial, tais como os decorrentes de depreciação
acelerada e de exaustão mineral com base na receita bruta.”.
Com o advento do RTT, no entanto, a utilização do LALUR foi
ampliada23, tendo em vista que se permite neutralizar os efeitos, como já
mencionamos, das diferenças de métodos e critérios previstos na legislação
societária em relação àqueles adotados para fins fiscais.
Desta forma, a adoção do RTT permitiria às empresas continuar
considerando, para fins fiscais, as taxas de depreciação que adotavam até 31 de

22 “Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos.
§1º A RFB publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em condições normais ou
médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a
quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que faça a prova
dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
§2º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir
perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou
tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa ou por sentença judicial, baseadas,
igualmente, em laudo técnico idôneo.”
23 Lei 11.941/2009:
“Art. 39. Os arts. 8o e 19 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, passam a vigorar
com a seguinte redação: 
“Art. 8o (...) § 2o Para fins da escrituração contábil, inclusive da aplicação do disposto no § 2o do
art. 177 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, os registros contábeis que forem necessários
para a observância das disposições tributárias relativos à determinação da base de cálculo do
imposto de renda e, também, dos demais tributos, quando não devam, por sua natureza fiscal,
constar da escrituração contábil, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão
efetuados exclusivamente em: 
I – livros ou registros contábeis auxiliares; ou 
II – livros fiscais, inclusive no livro de que trata o inciso I do caput deste artigo. 
§ 3o O disposto no § 2o deste artigo será disciplinado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.”

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dezembro de 2007, sem prejuízo de vir a adotar outras para fins societários,
face aos ajustes na estimativa de vida útil a que ficam submetidas a partir de
2008, na vigência da Lei nº 11.638/2007. Para tanto, devem controlar tais
diferenças através de escriturações distintas, cujo elo de conciliação deve ser
informado através do FCONT.
Destaca-se o fato de que o parágrafo 3º, do artigo 183, da Lei das
Sociedades Anônimas, com redação dada pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, determina que a empresa deve efetuar análise sobre a recuperação
dos valores registrados no imobilizado e no intangível, de forma periódica,
de maneira que possa haver a revisão e ajuste dos critérios utilizados para
determinação da vida útil econômica estimada e, conseqüentemente, para
cálculo da depreciação.
Portanto, verifica-se que ocorreu uma mudança nos métodos e critérios
contábeis da depreciação, alteração de parâmetro esta que se não vier a ser
ajustada por meio do RTT surtirá efeitos significativos na apuração tanto do
IRPJ quanto da CSLL.
Neste sentido, podem ser destacados os processos de Solução de Consulta
nº 15/2011, proferido pela RFB da 10ª Região Fiscal, e 11/2011, proferido
pela RFB da 5ª Região Fiscal, a seguir transcritos:
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
EMENTA: LUCRO REAL. ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO.
AJUSTES DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA.
EFEITOS TRIBUTÁRIOS. Os ajustes no cálculo da depreciação
de bens do ativo imobilizado determinados pelo art. 183, § 3º, inciso
II, da Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas pelo art.
1º da Lei nº 11.638, de 2007, e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de
2009, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição (RTT), devendo
ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II; Lei nº
11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº 11.941, de 2009, arts. 15, 17 e 37;
Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 305, 307, 309, 310 e
312; IN RFB nº 949, de 2009.

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252 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL


E M E N TA : B A S E D E C Á L C U L O . E N C A R G O S
DE DEPRECIAÇÃO. AJUSTES DECORRENTES DA
LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA. EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins
de apuração da base de cálculo da Contribuição Social para o Lucro
Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de
Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II; Lei nº
7.689, de 1988, art. 6º; Lei nº 8.981, de 1995, art. 57; Lei nº 9.430,
de 1996, art. 28; Lei nº 11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº 11.941, de
2009, arts. 15, 17 e 37; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts.
305, 307, 309, 310 e 312; IN RFB nº 390, de 2002, arts. 3º e 44;
RFB nº 949, de 2009.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 11 de 02 de Maio de 2011


ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
EMENTA: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.
PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária. Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976,
art. 183, § 3º, II; Lei nº 11.941, de 2009, art. 17; Decreto nº 3.000,
de 1999 (RIR/1999), art. 305 e seguintes.
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 11 de 02 de Maio de 2011
ASSUNTO: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ
EMENTA: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 253

PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa


jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária. Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976,
art. 183, § 3º, II; Lei nº 11.941, de 2009, art. 17; Decreto nº 3.000,
de 1999 (RIR/1999), art. 305 e seguintes.
Na prática, no caso concreto em questão, a RFB da 10ª Região Fiscal
aceitou a argumentação de que as empresas vinham adotando o critério fiscal
até 2008, com mudança para os novos métodos e critérios contábeis a partir
da Lei nº 11.638/2007, o que ensejaria a aplicação do RTT para neutralizar
eventuais impactos fiscais. Este mesmo entendimento veio a ser adotado pela
RFB da 5ª Região Fiscal, que, em decisão posterior, também considerou que
as novas regras de depreciação estão sujeitas ao RTT.
O entendimento até aqui esposado, bem como aquele previsto nos
processos de consulta supraoa RFB foi corroborado pelo Parecer Normativo
da RFB nº 01, de 29 de julho de 2011, in verbis:
As diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
decorrentes do disposto no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela Lei nº 11.941, de 2009,
não terão efeitos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL
da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários,
os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Portanto, vê-se que a depreciação sofreu alterações de parâmetros
contábeis por meio das alterações da Lei nº 11.638/2007, ensejando, dessa
forma, a aplicação do RTT visando neutralizar eventuais impactos das novas
regras contábeis para a depreciação de bens do ativo imobilizado, conforme
entendimento hoje adotado pela RFB.

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254 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Bibliografia
BOZZA, Fábio Piovesan. Novo Padrão Contábil Brasileiro e os Impactos Fiscais no Registro das
Despesas de Depreciação, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 166, São Paulo: 2009.
HIGUCHI, Hiromi (et. Alli.). Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: IR Publicações
Ltda., 2010.
IUDICIBUS, Sergio de (et. Alli.). Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Ed. Atlas,
2010.
MCMANUS, Kieran John. IFRS – Implementação das Normas Internacionais de Contabilidade
e da Lei nº 11.638/07 no Brasil. São Paulo. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2009.
OLIVEIRA, Edmar Andrade de. Efeitos tributários da lei nº 11.637/07. São Paulo: Ed. do
Autor, 2008.
OLIVEIRA, Edmar Andrade de. Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Ed. do Atlas,
2010.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 254 29/5/2012 18:03:17


Capítulo IX

Discussão sobre a
Aplicabilidade, para
Fins Tributários, da
Primazia da Essência
Gustavo Brigagão
Sócio Conselheiro do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados; Professor
de Direito Tributário no “Curso de Educação Continuada – Direito
Tributário” e no “Curso Aplicado de Indiretos” promovidos pela Fundação
Getúlio Vargas – FGV; Conferencista na Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro – EMERJ; General Council Member da International
Fiscal Association – IFA; Diretor Secretário-Geral da Associação Brasileira
de Direito Financeiro – ABDF; Diretor Executivo do Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados – CESA; Presidente da Câmara Britânica – RJ –
BRITCHAM-RJ; e Presidente do Comitê Legal da BRITCHAM-RJ.

Carlos Cornet Scharfstein


Cursando LL.M. (Master of Laws) em International Taxation na New
York University – NYU; pós-graduado em Contabilidade Financeira pela
Faculdade de Ciências Contábeis da UFRJ – FACC; membro da ABDF;
advogado do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 257

1. Introdução

Como se sabe, as normas contábeis brasileiras sofreram profundas


alterações nos últimos três anos, quando se iniciou formalmente o processo de
convergência das mesmas aos padrões internacionais (International Financial
Reporting Standards – IFRS). As Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009
praticamente reescreveram certas seções da Lei das Sociedades por Ações (LSA),
sobretudo do Capítulo XV, que trata do exercício social e das demonstrações
financeiras. Além disso, desde janeiro de 2009, o Comitê de Pronunciamentos
Contábeis, órgão responsável pela harmonização da contabilidade brasileira
ao IRFS, editou mais de quarenta e cinco atos, incluindo pronunciamentos
(conhecidos como CPCs), interpretações (ICPCs) e orientações (OCPCs).
É evidente que esse processo trouxe implicações significativas na
quantificação dos resultados e dos patrimônios das empresas. Apenas para ilustrar,
cite-se recente pesquisa realizada pela Ernst & Young Terco, e divulgada pelo
Jornal Valor Econômico em 16.12.2010, na qual se constatou que, em certos
casos, os efeitos adoção das novas regras contábeis chegaram a transformar
prejuízo em lucro: no último trimestre de 2009, quando a convergência ao IFRS
ainda estava em franca evolução, a aplicação dos novos padrões contábeis fez com
que os resultados de determinada empresa saltassem de um prejuízo de R$ 5,8
milhões para um lucro de R$ 1,26 bilhão, no mesmo período. Já no caso de
outra empresa, o efeito foi inverso: os prejuízos apurados nos nove primeiros
meses de 2009 aumentaram de R$ 33 milhões para R$ 119 milhões.
Por força do Regime Tributário de Transição (RTT), até que seja editada
nova legislação fiscal, essas profundas modificações na situação financeira e
patrimonial das empresas não podem ter qualquer reflexo na apuração do
Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social Sobre
o Lucro (CSL), da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da
Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Todavia, o RTT é, por essência, temporário. É chegado o momento,
portanto, de começar a enfrentar a seguinte discussão: o que ocorrerá quando
o RTT acabar? Deverão as bases de calculo do IRPJ, da CSL, do PIS e da
COFINS ter como ponto de partida o resultado apurado de acordo com as
novas normas contábeis, editadas a pretexto da convergência ao IFRS?

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258 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Este é o desafio proposto por este livro. Ao enfrentá-lo, escolhemos abordar


uma inovação que, por vezes, tem sido citada como um novo instrumento à
disposição do fisco no combate aos planejamentos fiscais, e que, por isso, está
sendo alvo de grande polêmica: a Primazia da Essência sobre a Forma.
Começaremos expondo os fundamentos e o alcance da referida inovação,
para, em seguida, discutir a viabilidade da sua adoção para fins tributários, na
eventualidade do término do RTT.

2. A Primazia da Essência sobre a Forma:


conceituação e origem
Os conceitos e fundamentos que devem orientar a elaboração das
Demonstrações Financeiras (DF) em conformidade com as novas normas
contábeis brasileiras se encontram descritos no Pronunciamento Conceitual
Básico (PCB), editado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis em
11.01.2008 e aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por meio
da Deliberação nº 539/2008.
O PCB esclarece que os objetivos das DFs são “fornecer informações
que sejam úteis na tomada de decisões e avaliações por parte dos usuários em
geral”; ao fornecer exemplos de que decisões seriam essas, o PCB enumera,
exemplificadamente, a compra ou venda de investimentos em ações, a avaliação
do desempenho da administração, a capacidade de solvência da entidade, a
determinação de políticas tributárias, a distribuição de lucros e dividendos,
a elaboração de estatísticas sobre a renda nacional e a regulamentação das
atividades das entidades.
Para que os objetivos acima sejam atingidos, o PCB traz princípios básicos
que devem ser observados na elaboração das DFs, quais sejam: (i) o regime de
competência e (ii) a continuidade. Além disso, as DFs devem ser dotadas de
certos atributos que as tornem úteis aos usuários, que possibilitem, efetivamente,
que elas sirvam de base à tomada de suas decisões. Tais atributos são chamados
pelo PCB de “características qualitativas”. São elas: (i) a compreensibilidade;
(ii) a relevância; (iii) a confiabilidade; e (iv) a comparabilidade.
Algumas dessas características qualitativas são subdivididas em diversas
outras. Por exemplo, a relevância é subdividida na materialidade (afinal, só é
relevante para o usuário a informação que seja material no âmbito das operações

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 259

da entidade); a confiabilidade é subdividida na representação adequada, na


neutralidade, na prudência e na integridade, e assim continua. De acordo com
o PCB, podemos representar graficamente as características qualitativas e suas
subdivisões da seguinte forma:

Não nos aprofundaremos em cada uma dessas características qualitativas,


até porque algumas delas são auto-explicativas. No entanto, dispensaremos
atenção especial à Confiabilidade, para em seguida chegarmos à Primazia da
Essência Sobre a Forma.
De acordo com o item 31 do PCB, a Confiabilidade diz respeito à inexistência
de erros e vieses e à representação adequada daquilo que se propõe informar. Nesse
sentido, para que se possa representar adequadamente a informação (subdivisão da
Confiabilidade), é necessário que se tenha um elevado grau de certeza e precisão
na identificação e avaliação das transações e dos itens patrimoniais.
É justamente para manter a confiabilidade que certos itens
patrimoniais, cuja avaliação é permeada de elevado grau de subjetividade,
sequer devem ser reconhecidos. Nesse sentido, o PCB cita o caso do goodwill
gerado internamente: o reconhecimento espontâneo das perspectivas de
rentabilidade de uma entidade por ela própria seria dotado de elevadíssimo
grau de subjetividade; por isso, tal reconhecimento é restrito aos casos em
que há uma combinação de negócios, pois, nesses casos, há uma transação
externa que enseja uma avaliação confiável do valor de tais perspectivas.

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260 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Ao discorrer sobre a Representação Adequada (que, como vimos, é


subdivisão da Confiabilidade), o item 35 do PCB esclarece que, para representarem
adequadamente as transações e os itens patrimoniais, as DFs deveriam sempre
se pautar pela substância e pela realidade econômica dos mesmos, e não pela
forma legal (quando esta inconsistente com aquelas). Surge, assim, a Primazia
da Essência Sobre a Forma, sintetizada pelo PCB da seguinte maneira:
“Primazia da Essência sobre a Forma
35. Para que a informação represente adequadamente as transações e
outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas
transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo
com a sua substância e realidade econômica, e não meramente sua
forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem sempre
é consistente com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou
artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode vender
um ativo a um terceiro de tal maneira que a documentação indique a
transferência legal da propriedade a esse terceiro; entretanto, poderão
existir acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir
os futuros benefícios econômicos gerados pelo ativo e o recomprará
depois de um certo tempo por um montante que se aproxima do
valor original de venda acrescido de juros de mercado durante esse
período. Em tais circunstâncias, reportar a venda não representaria
adequadamente a transação formalizada.”
O PCB volta a tratar da Primazia da Essência Sobre a Forma no item 51,
no qual reitera que, na identificação de ativos, passivos e patrimônio líquido,
a entidade deve pautar-se pela essência e realidade econômica, e não apenas
pela forma legal, in verbis:
“51. Ao avaliar se um item se enquadra na definição de ativo,
passivo ou patrimônio líquido, deve-se atentar para a sua essência
e realidade econômica e não apenas sua forma legal. Assim, por
exemplo, no caso do arrendamento financeiro, a essência e a
realidade econômica são que o arrendatário adquire os benefícios
econômicos do uso do ativo arrendado pela maior parte da sua vida
útil, como contraprestação de aceitar a obrigação de pagar por esse
direito um valor próximo do valor justo do ativo e o respectivo
encargo financeiro. Dessa forma, o arrendamento financeiro dá
origem a itens que satisfazem a definição de um ativo e um passivo

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 261

e, portanto, são reconhecidos como tais no balanço patrimonial


do arrendatário.”
Ao discorrerem sobre a Primazia da Essência Sobre a Forma, alguns
autores criticam a terminologia utilizada pelas normas contábeis, afirmando
que as mesmas não deveriam fazer referência à “forma legal”, que é apenas a
maneira pela qual um negócio se exterioriza, mas sim à natureza jurídica do
mesmo. Nesse sentido, João Francisco Bianco1 diz que a orientação em questão
não deveria ser chamada de Primazia da Essência Sobre a Forma, mas sim
de “Primazia da Substância Econômica Sobre a Natureza Jurídica”; de forma
semelhante, Ricardo Mariz de Oliveira esclarece que, ao invés de forma, dever-
se-ia dizer “estrutura ou categoria jurídica”.2 
Seja como for, o fato é que, de acordo com essa orientação, a contabilidade
deveria se pautar pelos efeitos econômicos das transações, independentemente
da qualificação jurídica aplicável, sempre com o objetivo de fornecer uma
representação mais adequada da realidade, assim entendida aquela representação
que seja mais confiável e consequentemente mais útil na tomada de decisões
por parte dos usuários.
Ao se pronunciarem sobre o assunto, Alexsandro Broedel Lopes e Roberto
Quiroga Mosquera3  analisam o processo evolutivo que culminou com a Primazia
da Essência Sobre a Forma e explicam que, até 1960, a ciência contábil era
muito centrada na definição de conceitos pré-determinados de lucro e de valor
econômico; nesse contexto, considerava-se que a qualidade da informação
contábil seria maior conforme ela se aproximasse mais de tais conceitos. Estava
em vigor a chamada “perspectiva da mensuração econômica do lucro”.
Todavia, a partir de então, começou a ganhar corpo uma nova abordagem,
chamada de “perspectiva da informação”, pela qual a qualidade da informação
contábil deixou de se pautar apenas pela proximidade de conceitos prévios e passou
a ser aferida principalmente com base na utilidade, isto é, com base na capacidade

1 Aparência Econômica e Natureza Jurídica. Controvérsias Jurídico-Contábeis. São Paulo: Ed.


Dialética, 2010. p. 176.
2 Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal – Norma Antielisão e Norma Antievasão. Curso de
Direito Tributário. Ives Gandra da Silva Martins (coord). 9ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006,
p. 409.
3 O Direito Contábil – Fundamentos Conceituais, Aspectos da Experiência Brasileira e Implicações.
Controvérsias Jurídico-Contábeis. São Paulo: Ed. Dialética, 2010, pp. 69-71.

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262 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

de impactar o comportamento dos usuários. Nessa linha, a divulgação da realidade


econômica – em detrimento da forma jurídica – se tornou essencial. Nesse sentido,
Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera4:
“Segundo essa nova visão, a informação contábil deveria ser vista
dentro do papel de informar os usuários externos das demonstrações.
Menos preocupados com as particularidades idiossincráticas dos
números contábeis esses autores começaram a investigar o impacto,
de fato, das informações no comportamento dos usuários. Essa nova
perspectiva foi chamada de information approach – perspectiva da
informação.”
“Ou seja, podemos ver que a contabilidade dentro dessa nova visão – a
perspectiva da informação – deve ser capaz de gerar informações que
possam auxiliar o usuário (credores, investidores e outros) a estimar
fluxos futuros de caixa. Nesse sentido, essa ‘nova’ contabilidade deve
estar mais próxima da realidade econômica das transações do que de
sua forma.”
Com esse movimento, a contabilidade foi deixando de ser disciplinada
por regras estanques e passou a ser norteada por princípios, cujos objetivos
são tornar a informação contábil mais útil, mas cuja aplicação envolve maior
grau de subjetivismo. Nesse sentido, manifestam-se Sérgio de Iudícibus, Eliseu
Martins e Ernesto Rubens Gelbcke5:
“Talvez a mudança mais relevante que estejamos sofrendo no Brasil
seja relativa aos seguintes pontos: Primazia da Essência Sobre a Forma,
normas contábeis orientadas por princípios, e não por enorme conjunto de
regras detalhadas e, como consequência deste último item, a necessidade
cada vez maior do julgamento por parte do profissional de contabilidade,
quer como elaborador das demonstrações financeiras, quer como auditor.”
Alexsandro Broedel Lopes e Eliseu Martins6 anotam que existe uma forte
relação entre a tradição jurídica de um país e a abordagem contábil. Assim,
essa nova perspectiva da informação, que preza pela aplicação de princípios e

4 Op. cit., p. 77.


5 Suplemento nº 1, de 31 de janeiro de 2008, do Manual de Contabilidade das Sociedades por
Ações. 6ª edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2008. p. 31.
6 Teoria da Contabilidade: uma Nova Abordagem. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 263

pelo reconhecimento da essência econômica em detrimento da forma, é mais


frequentemente encontrada em países de common law, como Estados Unidos e
Inglaterra, ao passo que nos países de civil law, é mais comum haver sistemas
contábeis intensamente regulados, como é o caso do Brasil e da França.
Diante disso, percebe-se que, com a convergência ao IFRS, um movimento
interessante está em andamento no Brasil: enquanto nosso ordenamento
jurídico continua inquestionavelmente sendo de civil law, nossa contabilidade
está incorporando características típicas de sistemas de common law. Em nossa
opinião, essa dicotomia ainda deve trazer longas discussões, sobre as mais
variadas questões; e a aplicabilidade para fins tributários da Primazia da Essência
Sobre a Forma, a qual logo abordaremos, é apenas uma delas.
Não obstante, o fato é que a Primazia da Essência sobre a Forma não
é exatamente uma novidade decorrente do atual processo de convergência ao
IFRS: ela já constava de nosso arcabouço contábil desde 22.11.1985, quando foi
emitida a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade (ECBC) do Instituto
Brasileiro de Contadores (IBRACON, que a partir de 2001 passou a se chamar
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil), aprovada pela CVM por
meio da Deliberação nº 29/86.
Com efeito, o ECBC trazia redação muito semelhante a do PCB, inclusive
no que se refere ao exemplo citado:
“A Contabilidade possui um grande relacionamento com os aspectos
jurídicos que cercam o patrimônio, mas, não raro, a forma jurídica
pode deixar de retratar a essência econômica. Nessas situações, deve a
Contabilidade guiar-se pelos seus objetivos de bem informar, seguindo,
se for necessário para tanto, a essência ao invés da forma.
Por exemplo, a empresa efetua a cessão de créditos a terceiros, mas
fica contratado que a cedente poderá vir a ressarcir a cessionária
pelas perdas decorrentes de eventuais não-pagamentos por parte dos
devedores. Ora, juridicamente não há ainda dívida alguma na cedente,
mas ela deverá atentar para a essência do fato e registrar a provisão
para atentar a tais possíveis desembolsos.
Ou, ainda, uma empresa vende um ativo, mas assume o compromisso
de recomprá-lo por um valor já determinado em certa data. Essa
formalidade deve ensejar a contabilização de uma operação de
financiamento (essência) e não de compra e venda (forma).

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264 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Noutro exemplo, um contrato pode, juridicamente, estar dando a


forma de arrendamento a uma transação, mas a análise da realidade
evidencia tratar-se, na prática, de uma operação de compra e
venda financiada. Assim, consciente do conflito essência/forma, a
Contabilidade fica com a primeira.”
Alguns anos depois, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) editou duas
resoluções nas quais afirmou que, na contabilização das transações, a substância
(econômica) deve se sobrepor à forma jurídica. Citem-se, respectivamente, trechos
das Resoluções nº 750/93, que discorria sobre os Princípios Fundamentais da
Contabilidade, e nº 774/94, apêndice da primeira, que detalhava em maior grau
os referidos princípios (a primeira foi substancialmente alterada pela Resolução
CFC nº 1.282/2010 e a segunda foi inteiramente revogada):
“Art. 1º (...)
§ 2º Na aplicação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade há
situações concretas e a essência das transações deve prevalecer sobre
seus aspectos formais.
“1.4. Dos objetivos da Contabilidade
Cumpre também ressaltar que, na realização do objetivo central da
Contabilidade, defrontamo-nos, muitas vezes, com situações nas quais
os aspectos jurídico-formais das transações ainda não estão completa
ou suficientemente elucidados. Nesses casos, deve-se considerar o
efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio, quantitativa
e qualitativamente, concedendo-se prevalência à substância das
transações.”
Como se vê, a redação dos novos dispositivos constantes do PCB é muito
similar à que já constava da ECBC e das resoluções do CFC. Na realidade, os
dois exemplos citados pelo PCB como situações em que a contabilização deve
se guiar pela substância econômica (i.e., compra com cláusula de retrovenda
e arrendamento mercantil financeiro) já existiam na ECBC, e já eram
acompanhados pelos mesmos comentários, que diziam, no primeiro caso, que
não se deveria registrar uma venda, mas sim um arrendamento, e, no segundo,
que não se deveria registrar um arrendamento, e sim uma venda. Diante
dessa identidade, surge a pergunta: no tocante à primazia da essência sobre a
forma na contabilidade, o que de realmente novo surgiu agora, no contexto da
convergência ao IFRS? Há, realmente, alguma novidade?

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 265

A prévia existência dessas menções à Primazia da Essência Sobre a Forma


na ECBC e nas resoluções do CFC não passou despercebida pela doutrina.
Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke7  afirmam que,
embora já existisse antes, essa orientação ganhou força legal com a modificação
introduzida ao art. 177, § 4º da LSA pela Lei nº 11.638/2007, que passou a
fazer referência expressa à convergência às normas internacionais. Com isso, a
própria LSA teria abraçado essa nova filosofia. João Franciso Bianco8  também
anota que houve, tão-somente, uma revitalização da Primazia da Essência Sobre
a Forma, que já existia mas não era obedecida.
Não obstante, a prévia existência da Primazia da Essência Sobre a Forma
merece alguns comentários adicionais, e parece-nos que o fato de ela não ter
sido muito observada – e sequer discutida – até a edição do PCB tem uma
possível explicação.
Com efeito, entendemos que a orientação de que a essência econômica
deve prevalecer sobre a formalização jurídica, contida no PCB, pode ser
compreendida em duas acepções: (i) como um comando dirigido ao regulador
contábil, isto é, ao próprio Comitê de Pronunciamentos Contábeis; e (ii)
como um comando dirigido ao responsável pela elaboração das demonstrações
financeiras, isto é, ao contador. Nesse sentido, o item 1 do PCB esclarece que
se incluem em suas finalidades:
“(a) dar suporte ao desenvolvimento de novos pronunciamentos
técnicos e à revisão de Pronunciamentos existentes, quando necessário;
(b) dar suporte aos responsáveis pela elaboração das demonstrações
contábeis na aplicação dos Pronunciamentos Técnicos e no tratamento
de assuntos que ainda não tenham sido objeto de Pronunciamentos
Técnicos; (...).”
É evidente que os destinatários dos objetivos listados acima são totalmente
diversos: no caso da alínea “a”, o destinatário é o órgão responsável pela
elaboração de pronunciamentos (o próprio Comitê de Pronunciamentos
Contábeis); já no caso da alínea “b”, o destinatário é o responsável pela
elaboração das DFs (o contador).

7 Op. cit., p. 31.


8 Op. cit., p. 177.

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Combinando-se os itens 1 e 35 do PCB, tem-se, portanto, que o próprio


CPC deve elaborar as normas contábeis considerando a Primazia da Essência
Sobre a Forma (primeira acepção), além de as transações deverem ser registradas
pelos contadores, nas DFs, de acordo com a substância econômica das mesmas
(segunda acepção).
Considerando que, ao mencionarem a Primazia da Essência Sobre
a Forma, a ECBC e as Resoluções do CFC traziam orientações dirigidas
exclusivamente ao responsável pela elaboração das DFs, e não ao órgão
encarregado de disciplinar a contabilidade, surge uma tentativa de resposta à
indagação que fizemos acima, quando perguntamos se, com a convergência ao
IFRS, realmente houve alguma inovação no tocante à Primazia da Essência
Sobre a Forma: sim, houve, pois agora a prevalência da substância econômica
deve ser observada não apenas pelo contador, na elaboração das DFs, mas
também pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, na elaboração das normas
contábeis. Ou seja, embora a segunda acepção da Primazia da Essência Sobre
a Forma já existisse, a primeira, efetivamente, constitui uma novidade.
E o Comitê de Pronunciamentos Contábeis tem observado fielmente essa
orientação: em diversos dos pronunciamentos baixados pelo referido órgão até
o momento, é possível encontrar disposições elaboradas à luz da Primazia da
Essência Sobre a Forma. Nesse sentido, nós nos valemos de apenas dois dos
inúmeros exemplos existentes nos CPCs em vigor:
(i) De acordo com o CPC/39, ações preferenciais resgatáveis devem
ser contabilizadas pela entidade emissora como um passivo, embora
a natureza jurídica das mesmas seja a de título de capital.
(ii) De acordo com o CPC/2012, a alienação de um bem a prazo enseja
o reconhecimento de receitas financeiras ainda que, juridicamente, as
partes não tenham convencionado que haveria a incidência de juros.
Com a edição de tantas normas incorporando expressamente a Primazia da
Essência Sobre a Forma ao nosso arcabouço contábil, a sua aplicação subjetiva
diretamente pelos contadores, no momento da elaboração das DFs, acabou se
tornando residual.
Com efeito, apenas nas situações não-abordadas pelos CPCs, OCPCs
e ICPCs é que a Primazia da Essência Sobre a Forma deve ser aplicada em
sua segunda acepção (aquela mencionada pela alínea “b” do item 1 do PCB,
dirigida aos contadores). Nesse sentido, cite-se o seguinte trecho da doutrina de

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Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera9, no qual eles afirmam


que quando uma transação não possuir regulamentação específica, ela deve ser
registrada de acordo com os princípios subjacentes às normas internacionais –
entre os quais a Primazia da Essência Sobre a Forma:
“A adoção das normas contábeis internacionais traz para a
contabilidade brasileira institutos como a prevalência absoluta da
essência sobre a forma, evidenciando true and fair view, mensuração
pelo fair value. Para ilustrar a aplicação desses conceitos a questão da
essência sobre a forma é oportuna. No caso de uma transação que não possui
regulamentação especifica, ou seja, o caso concreto não pode ser interpretado
com a aplicação literal e lógica da norma, devemos analisar os princípios
subjacentes às normas contábeis internacionais – o Framework for the
Preparation and Presentation of Financial Statements.” (Destacamos.)
Diante do exposto, passamos, enfim, ao cerne da questão em análise: na
eventualidade do término do RTT, poderia a Primazia da Essência Sobre a
Forma, em quaisquer das suas acepções, surtir efeitos na base de cálculo de
tributos? Afinal, os arts. 247 e 248 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR),
reproduzindo o Decreto-lei nº 1.598/77, dispõem que o ponto de partida do
lucro real é o lucro líquido do exercício, calculado de acordo com a legislação
comercial. Da mesma forma, a legislação do PIS e da COFINS dispõe que a
base de cálculo das mesmas é a receita, que, como se sabe, é conceito contábil/
societário. Portanto, voltamos a indagar: poderiam as alterações na quantificação
de tais grandezas, realizadas à luz da Primazia da Essência Sobre a Forma,
alterar o montante destes tributos?
Como se verá a seguir, a despeito da questão ser polêmica, entendemos
que há numerosos argumentos no sentido de uma resposta negativa.

3. Aplicação, para fins tributários, da Primazia da


Essência Sobre a Forma.
Como visto acima, a segunda acepção da Primazia da Essência Sobre a
Forma (aquela dirigida aos contadores) já existe desde 1985; todavia, depois de
todo esse tempo, a conclusão a que chegou a doutrina e a jurisprudência é a de

9 Op. cit., p. 75.

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que tal orientação não pode ser aplicada para fins tributários (seja em interesse
do fisco, para que os tributos fossem quantificados a maior, seja em interesse dos
contribuintes, para que, eventualmente, os tributos fossem quantificados a menor).
E por que será que se concluiu que a aplicação, para fins tributários, da
segunda acepção da Primazia da Essência Sobre a Forma é inviável? Arriscamo-
nos a responder: porque logo se percebeu que fazê-lo equivaleria a defender
a Interpretação Econômica da Legislação Tributária, o que nos pareceria,
cumulativamente: (i) inviável; (ii) desnecessário e (iii) indesejável.
Passamos, a seguir, a nos aprofundarmos sobre cada uma dessas afirmações,
acrescentando ainda que, em nossa opinião (e observadas certas peculiaridades),
as mesmas também se aplicam à primeira acepção da Primazia da Essência
Sobre a Forma (aquela dirigida ao órgão regulador).

3.1. A aplicação tributária da Primazia da Essência


Sobre a Forma seria inviável
Alfredo Augusto Becker10, um dos autores que mais se debruçaram sobre
a teoria da Interpretação Econômica da Legislação Tributária, a conceituou
da seguinte forma:
“2 – Segundo aquela corrente doutrinária, na interpretação das leis
tributárias, dever-se-ia ter como princípio geral dominante (e não
como regra jurídica excepcional e expressa) o princípio de que o
Direito Tributário, ao fazer referência a institutos e conceitos dos
outros ramos do Direito, desejaria que o intérprete da lei tomasse
não o fato (ato, fato ou estado de fato) jurídico com sua específica
natureza jurídica, mas sim o fato econômico que está subjacente ao
fato jurídico ou os efeitos econômicos decorrentes do fato jurídico.
3 – Na interpretação econômica da lei tributária, dever-se-ia ter em
conta o fato econômico ou os efeitos econômicos do fato jurídico
referido na lei tributária, de tal modo que, embora o fato jurídico
acontecido fôsse de natureza jurídica diversa daquela expressa na
lei, o mesmo tributo seria devido, bastando a equivalência dos fatos

10 “A Interpretação das Leis Tributárias e a Teoria do Abuso das Formas Jurídicas e da Prevalência
do Conteúdo Econômico. Publicado pelo próprio autor. Porto Alegre: 1965, p. 7.

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econômicos subjacentes ou dos efeitos econômicos resultantes de


fatos jurídicos de distinta natureza.”
Como se vê, a Interpretação Econômica da Legislação Tributária preconiza
que a ocorrência dos fatos geradores tributários deve ser aferida não mediante a
análise do significado jurídico dos fatos jurídicos, mas, sim, mediante a análise do
significado econômico dos mesmos. Ou seja, trata-se de uma interpretação que
valoriza a substância econômica dos fatos jurídicos, em detrimento da natureza
jurídica deles. Nesse mesmo sentido, afirma Aurélio Pitanga Seixas Filho11:
“Em direito tributário, foi denominada de interpretação econômica
uma forma de a autoridade fiscal, no exercício de sua potestade
administrativa, efetivar lançamento tributário e exigir o pagamento
de tributo, ao avaliar a matéria fática com base na real ou verdadeira
atividade econômica do contribuinte, que teria sido encoberta
(disfarçada ou fingida) por uma forma jurídica extravagante ou
diferente da normal, da qual não resulte um pagamento do tributo
ou inferior ao realmente devido.”
Diante dessas considerações, torna-se evidente que a teoria da Interpretação
Econômica da Legislação Tributária se apóia nas mesmas premissas, e proporciona
exatamente os mesmos efeitos, que decorreriam da aplicação para fins tributários
da Primazia da Essência Sobre a Forma. Essa identidade foi apontada por Johnson
Barbosa Nogueira12, que, ao estudar a referida teoria, encontrou nada menos
que oito variantes conceituais, tendo se revelado como mais comum a “busca
da substância econômica, desprezando a forma jurídica”:
“1ª. Busca da substância econômica, desprezando a forma jurídica.
Esta é a variante conceitual mais comum e a que está ligada à
formulação original da teoria da interpretação econômica. Partem
os defensores desta variante do caráter econômico do fato gerador
e, por conseguinte, do conteúdo nimiamente econômico das leis
tributárias. Assim, ao descrever os fatos geradores (hipóteses de
incidência), a lei tributária utiliza-se de conceitos e formas jurídicas
que devem ser considerados ‘brevitatis causa’, pois se trata de mera

11 A Elisão Tributária e a Interpretação Econômica. Direito Tributário Atual, nº 24. São Paulo: Ed.
Dialética, 2010. p. 212.
12 A Interpretação Econômica no Direito Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1982. p.
19.

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menção ao conteúdo econômico subjacente, o qual deve ser buscado


em sua substância. Em outra maneira de dizer, afirmam os seguidores
desta corrente que deve ser buscada a ‘intentio facti’em contraposição
à ‘intentio juris.’”
Do mesmo modo, Hugo de Brito Machado13 afirmou que “a denominada
interpretação econômica, na verdade, não é mais do que uma forma de
manifestação de preferência pelo substancial, em detrimento do formal.”
Diante dessa identidade conceitual entre a Interpretação Econômica da
Legislação Tributária e a Primazia da Essência Sobre a Forma, tem-se que a
sorte de uma deveria acompanhar a de outra, e somente seria possível aplicar
a segunda para fins tributários se, à luz do nosso ordenamento constitucional
e infra-constitucional, igualmente fosse possível se implementar a primeira.
Alfredo Augusto Becker14 e Heleno Torres15 explicam que a teoria da
Interpretação Econômica da Legislação Tributária teve origem na Alemanha,
em 1919, sob influência do presidente da 4ª Seção da Corte Suprema
Financeira do Reich, Juiz Enno Becker, que, a pretexto da suposta falta de
instrumentos para combater planejamentos fiscais abusivos, fez inserir, no
Código Tributário Alemão (Reichsabgsbenordnung, RAO), dispositivo que
dispunha que “na interpretação das leis tributárias, deve-se considerar seu
escopo, o significado econômico e a evolução das situações de fato.”16 A partir
de então, a interpretação econômica passou por um período de fortalecimento
na Alemanha, sobretudo na época de ascensão do nazismo, para começar a
entrar em declínio em 1945, até ser praticamente eliminada em 1977, com a
entrada em vigor do novo código tributário.
Ou seja, desde a sua criação, a teoria da interpretação econômica surgiu
como um instrumento para combater planejamentos fiscais abusivos, nos quais
a exteriorização jurídica de determinada transação não fosse condizente com
o substrato econômico, e dessa divergência resultasse economia fiscal para
o contribuinte. Nesse sentido, Heleno Torres17 afirma que a interpretação

13 Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008. p. 113.
14 Op. cit., p. 11.
15 Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp. 205-210.
16 Tradução de Alfredo Augusto Becker.
17 Op. cit., p. 210.

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econômica foi utilizada “como um recurso de ultima ratio contra a elusão


tributária, como método para resolver os casos de ‘fraude à lei em matéria
tributária, acompanhada, ou não, de uma norma geral anti-fraude. Dentre
os nobres propósitos que lhe atribuíam, estava a realização de uma pretensa
justiça fiscal (...). E foi justamente sob a alegação de se concretizar uma justiça
fiscal entre contribuintes que se cumpriam, com a aplicação da interpretação
econômica, os maiores desmandos de que se tem notícia em matéria tributária,
pelas incisivas afetações aos direitos de propriedade e de liberdade dos
contribuintes.”
Exatamente por ser um instrumento antievasivo, a aplicação irrestrita
da interpretação econômica sempre foi criticada até mesmo pelos autores que
a entendiam viável. Nesse sentido, note-se a posição de Amilcar de Araújo
Falcão18, que, a despeito de ser um dos mais notórios defensores da teoria da
interpretação econômica, sempre reconheceu o caráter excepcional e restritivo
da aplicação da mesma:
“É evidente que a interpretação econômica só se admitirá, em cada
caso concreto, para corrigir situações anormais artificiosamente criadas
pelo contribuinte. Por outras palavras, através dela não se pode chegar
ao resultado de, na generalidade dos casos, alterar ou modificar, por
considerações subjetivas que o intérprete ou o aplicador desenvolvam
no que respeita à justiça fiscal, um conceito adotado pelo legislador.
(...)
Resulta daí que a interpretação econômica só é autorizada, em cada
caso, quando haja uma anormalidade de forma jurídica para realizar
o intento prático visado e, assim, obter a evasão do tributo.”
Verifica-se que até aqueles que admitiam a interpretação econômica
condicionavam sua aplicação à existência de certos pressupostos, tais como a
criação de artificialidades pelo contribuinte com o objetivo de pagar menos
tributos. Mesmo na visão destes, portanto, não se tratava de critério genérico
de interpretação e aplicação da lei tributária, mas sim de expediente excepcional
aplicável apenas quando verificadas certas premissas.
Não obstante, a despeito de ser bastante contida, até a posição acima
sempre foi minoritária: conforme se verá a seguir, o entendimento que há muito

18 Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. pp. 75-76.

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prevalece na doutrina e na jurisprudência é o de que a interpretação econômica é


absolutamente inviável em qualquer situação, pois aplicá-la resultaria na cobrança
de tributo não previsto em lei, o que contrariaria a Constituição Federal (art. 5º,
II, e 150, I) e o Código Tributário Nacional (CTN) (art. 97)19.
Com efeito, já em 1965, Alfredo Augusto Becker20 dizia que a doutrina
da Interpretação Econômica da Legislação Tributária estava “superada”,
acrescentando ainda ser ela “a responsável pelo maior equívoco na história da
doutrina do Direito Tributário.” Nessa posição, foi posteriormente acompanhado
por inúmeros autores, tais como Gilberto de Ulhôa Canto21, Alberto Xavier22,
Sacha Calmon23, Heleno Torres24 e Paulo Barros de Carvalho25, entre muitos
outros. Até mesmo autores que costumam ser citados pelo fisco compartilham
deste entendimento, como é o caso de Marco Aurélio Greco26, que, inclusive,
faz referência à já mencionada identidade entre a doutrina da interpretação
econômica e a Primazia da Essência Sobre a Forma:
“De imediato, porém, quero sublinhar que não defendo a aplicação
da interpretação econômica no ordenamento tributário brasileiro,
assim entendida no sentido de busca da substância econômica
ou de identidade de efeitos econômicos dos atos praticados pelo
contribuinte para fins de verificação da incidência da lei tributária
(acepções da expressão mais frequentemente utilizadas).”
Um dos elementos que tornou mais cristalina a impossibilidade da
interpretação econômica da legislação tributária em nosso ordenamento jurídico,
fortalecendo esse entendimento que hoje se tornou praticamente pacífico, foi a
rejeição do art. 74 do Projeto do Código Tributário Nacional (Projeto de Lei
nº 4.834/54), que a previa, in verbis:

19 Isso não significa que inexistam decisões rejeitando a prática de operações artificiais, realizadas
sem substância econômica. A grande questão é que, ao fazê-lo, tais decisões não se valeram da
teoria da Interpretação Econômica da Legislação Tributária. Esse assunto será aprofundado adiante.
20 Op. cit., p. 7.
21 Elisão e evasão. Caderno de Pesquisas Tributárias. Vol. 13. São Paulo: Ed. Resenha Tributária,
p. 26.
22 Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Elisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 40.
23 Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 233.
24 Op. cit., p. 213.
25 O Absurdo da Interpretação Econômica do Fato Gerador – Direito e sua autonomia – O Paradoxo
da Interdisciplinaridade. Revista de Direito Tributário, nº 97. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 7.
26 Planejamento Tributário. 2ªed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 414.

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“Art. 74. A interpretação da legislação tributária visará sua aplicação


não só aos atos, fatos ou situações jurídicas nela nominalmente
referidos, como também àqueles que produzam ou sejam suscetíveis
de produzir resultados equivalentes.”
A jurisprudência da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) e da
Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”),
antigo Primeiro Conselho de Contribuintes (“1º CC”), é no mesmo sentido
e tem reconhecido a inaplicabilidade da teoria da Interpretação Econômica
da Legislação Tributária em precedentes recentes, ainda que o desfecho dos
mesmos tenha sido desfavorável ao contribuinte.
Note-se que isso é especialmente importante porque demonstra que, a
despeito de não terem se utilizado da Interpretação Econômica da Legislação
Tributária, tais decisões dispuseram de instrumentos para rejeitar transações
que lhes pareceram abusivas, o que comprova a desnecessidade da teoria em
questão (esse ponto será aprofundado no tópico seguinte).
Diante do exposto, parece-nos que a aplicação tributária da Primazia da
Essência Sobre a Forma, sobretudo em sua segunda acepção (aquela dirigida aos
contadores), seria inviável, pois resultaria na cobrança de tributos com base nos
elementos econômicos dos fatos geradores, em detrimento dos elementos jurídicos.
Em nossa opinião, a conclusão acima também deveria se aplicar à primeira
acepção da Primazia da Essência Sobre a Forma (aquela dirigida ao Comitê
de Pronunciamentos Contábeis); assim, não nos parece que tributos devessem
ser recolhidos sobre base de cálculo apurada de acordo com a substância
econômica de uma transação ainda que tal substância econômica fosse aferida
com fundamento em norma do CPC. Todavia, reconhecemos que, nesse caso,
outros argumentos tenham que ser considerados.
Elidie Paula Bifano 27 aponta que foi apenas com o art. 5º da Lei
nº 11.637/08 que passou a haver, no Brasil, um órgão que fosse legalmente
encarregado da emissão de princípios e práticas contábeis (o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis). Nesse passo, considerando que o art. 177 da LSA
determina que a escrituração das companhias se dará com base nos princípios de

27 O Direito Contábil: da Lei nº 11.638/07 à Lei nº 11.941/09. Direito Tributário, Societário e a


Reforma da Lei das S/A – vol. II. Coord. Sérgio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p.
198.

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274 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

contabilidade geralmente aceitos, e, além disso, que já se firmou o entendimento


de que as regras contábeis previstas pela LSA se aplicam a todas as entidades,
independentemente do tipo societário, ter-se-ia, pela combinação das afirmações
acima, que as disposições baixadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis
têm força de norma legal para todas as sociedades. Nesse sentido:
“Inicialmente, note-se que se a escrituração das sociedades deve ser
feita de acordo com os princípios contábeis geralmente aceitos e se
esses princípios são determinados pelo CPC, seus pronunciamentos
devem ser observados por todas as sociedades, inclusive aquelas
entidades submetidas a regras especiais de agentes reguladores, que
somente deixarão de adotar tais determinações na hipótese desses
agentes manifestarem-se contrariamente e de forma fundamentada,
consoante o disposto no Art. 10-A. O art. 177, portanto, erige tais
pronunciamentos à categoria de norma legal, obrigatória para todas
as entidades, para fins de apuração do resultado societário (...).”
(Destacamos.)
Ao conjunto das normas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis,
somado às normas contábeis antigas (que graças ao RTT também seriam
legalmente vinculantes), Elidie Paula Bifano dá o nome de “Direito Contábil”.
Em tendo força legal, poder-se-ia, em tese, argumentar que quando os
CPCs, ICPCs e OCPCs dispõem que o lucro, a receita ou qualquer outra
grandeza que também sirva de base de cálculo de tributos deve ser apurada
com base na substância econômica, haveria uma regra legal nesse sentido, não
havendo que se falar, portanto, em Interpretação Econômica da Legislação
Tributária.
Em outras palavras, poder-se-ia dizer que, quando o CPC nº 39
determina, por exemplo, que ações preferenciais resgatáveis com dividendo
fixo devem ser contabilizadas como instrumento de dívida, há, de fato, uma
regra legal nesse sentido. Logo, tributar os dividendos de tais ações como
receita financeira não seria o mesmo que aplicar a Interpretação Econômica
da Legislação Tributária, pois estar-se-ia simplesmente cobrando tributos
com base em uma regra legal (o CPC nº 39) que diz que aqueles dividendos
são receita financeira. E receita financeira é tributável pelo IRPJ. Assim,
poder-se-ia, teoricamente, chegar à conclusão de que a primeira acepção da
Primazia da Essência Sobre a Forma (a dirigida ao órgão regulador) seria
aplicável para fins tributários.

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Todavia, salvo melhor juízo, não nos parece que essa conclusão seja a mais
acertada. Ainda que se considere que o CPC nº 39 é regra legal, também o
são os artigos da LSA que dizem que a remuneração fixa paga a um acionista
preferencial resgatável é dividendo (arts. 17, 111, 203 etc.), e também o é o
art. 10 da Lei nº 9.249/95, que dispõe que os dividendos são isentos de imposto
de renda. Nesse caso, portanto, surgiria, quando muito, um conflito entre
normas legais, devendo prevalecer aquela que é de hierarquia superior e/ou que é
compatível com o nosso sistema constitucional e com o CTN. Neste particular,
não podemos esquecer que a contabilização pela forma jurídica é, também,
decorrente de normas legais.
Em suma, partindo da premissa de que as normas do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis sejam regras legais, ter-se-ia a seguinte situação:
toda vez que a aplicação da essência econômica conduzisse a uma contabilização
distinta da resultante da forma jurídica, surgiria um conflito normativo; contudo,
como a contabilização pela forma jurídica resulta de norma superior, e, além
disso, é a única aceita pela Constituição Federal e pelo CTN como apta a gerar
efeitos tributários, parece-nos que a mesma deveria prevalecer.
Para encerrar, citamos João Francisco Bianco28, cujo texto bem sintetiza
o que foi dito nesta Seção:
“Mas, se para a contabilidade os eventos devem ser registrados em
função da sua essência econômica, como fica o Direito Tributário, onde
prepondera a natureza jurídica dos atos praticados? A incompatibilidade
entre os dois critérios é evidente, sendo absolutamente impossível
pretender conferir efeitos fiscais aos lançamentos contábeis feitos em
consonância com o princípio da prevalência da essência econômica
sobre a natureza jurídica. Isso por dois motivos.
Primeiro, porque não é possível que os membros do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis possam editar resoluções que tenham
como consequência alterar a base de cálculo do imposto que
incide sobre a renda, nem, tampouco, alterar o disposto no próprio
CTN sobre o assunto. Semelhante pretensão seria evidentemente
inconstitucional, por desrespeito ao princípio da legalidade.

28 Op. cit, p.183-184.

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Segundo, porque os acréscimos patrimoniais tributáveis pelo imposto


de renda são aqueles apurados, conforme vimos acima, segundo a
natureza jurídica dos negócios realizados, independentemente de sua
aparência econômica. E, se os lançamentos contábeis são feitos em
função da sua aparência econômica, não podem gerar efeitos fiscais,
por flagrante violação ao artigo 43 do CTN.”

3.2. A aplicação tributária da Primazia da Essência


Sobre a Forma é desnecessária.
Como afirmado, muitos dos acórdãos do CARF/1º CC e até da CSRF
que rejeitaram a Interpretação Econômica da Legislação Tributária foram
desfavoráveis ao contribuinte, o que demonstra que, ao contrário do que
imaginou Enno Becker em 1919 ao apoiá-la, a referida teoria não constitui
instrumento indispensável e necessário ao combate de operações consideradas abusivas,
as quais têm sido repelidas pela jurisprudência com base em outras teorias e
institutos, tais como a simulação, a falta de propósito negocial etc.29.
Nesse sentido, cite-se o voto da Conselheira Ivete Malaquias Monteiro
no Acórdão nº 108-09.037, de 18.10.2006, do qual ela foi relatora: nele,
o 1º CC julgou operação do tipo “cisão de caixa”, ou “casa-e-separa”, e
efetivamente considerou ter havido simulação (embora sem o evidente
intuito de fraude necessário à qualificação da multa). Em razão disso, o
auto de infração que havia desconsiderado a operação foi mantido.
Todavia, a Conselheira Ivete Malaquias Monteiro (vencida, mas não
nesse ponto) expressamente afirmou que a Interpretação Econômica da
legislação tributária é teoria incompatível com o sistema constitucional
brasileiro, que é tido como “fechado”; não obstante, isto não significa que
os atos abusivos não possam ser repelidos de outras maneiras. Assim, a
Conselheira afirmou que, em tendo sido demonstrada a divergência entre
os atos declarados e aqueles efetivamente desejados pelo contribuinte, resta
caracterizada a simulação:

29 A conceituação de cada um destes institutos e teorias, bem como a relação existente entre cada
um deles, é assunto de alta complexidade que não integra o objeto deste artigo. Assim, não nos
aprofundaremos sobre isso, deixando para fazê-lo em outra oportunidade. Da mesma forma, nos
furtaremos de tecer qualquer juízo de valor sobre a aplicação dos mesmos pelos precedentes
administrativos que serão citados.

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“O sistema brasileiro, é tido como ‘fechado’, não permitindo a


interpretação econômica na aplicação da legislação fiscal, tanto que
o art. 74 do projeto do CTN, que a admitia, foi excluído do texto
final. (...)
Como essas disposições não integraram o Código Tributário Nacional
vários autores entendem que não há respaldo para a consideração
econômica na interpretação e aplicação da legislação tributária.
Mas a doutrina não proíbe, mesmo nos sistemas tributários fechados,
a prática de procedimentos elisivos. (...)
Nos autos, os autuantes instruíram o processo com uma série de dados
e fatos mais do que suficientes para a caracterização de procedimento
dissimulatório (...).”
O trecho do voto acima foi reproduzido em outro precedente do 1º CC,
o Acórdão nº 108-09.241, de 01.03.2007, no qual outra variante de operação
de “casa-e-separa” foi rejeitada (embora a decisão final tenha sido parcialmente
favorável ao contribuinte, em razão do acolhimento de preliminar de decadência).
Nesse sentido, cite-se também o Acórdão nº 107-09215, de 07.11.2007, no
qual o 1º CC considerou simulada a transferência de imóvel de pessoa jurídica
sujeita ao lucro real para outra, optante pelo lucro presumido, que, logo em
seguida, o alienou para terceiros e ofereceu o ganho à tributação como receita
operacional (submetida aos percentuais de presunção).
A Relatora do Acórdão, Conselheira Albertina Santos Lima (vencida, mas
não neste ponto), reconheceu que, de acordo com a maior parte da doutrina, a
Interpretação Econômica da Legislação Tributária não é admitida; a despeito
disso, ela concluiu que, no caso concreto, houve simulação, e rejeitou a operação
(tendo sido mantida a multa agravada). Eis o seguinte trecho de seu voto:
“A maioria dos doutrinadores entende que o sistema tributário
brasileiro é do tipo ‘fechado’, relacionado com o princípio da
tipicidade, e consequentemente não é admitida a interpretação
econômica da legislação fiscal. Nos sistemas fechados, a grande
maioria dos doutrinadores admite a prática de procedimentos elisivos.
Mas, reconhecidamente, a linha divisória entre elisão e evasão é muito
tênue. (...)
Concluo que está caracterizada infração a legislação tributária, em
razão de omissão de receitas com prática de simulação.”

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278 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Situação semelhante também já ocorreu no âmbito da CSRF: no recente


Acórdão nº 9101-00.483, de 25.01.2010, se analisou pela segunda vez a
operação “casa-e-separa” realizada pela RBS30, e, apesar de a operação ter sido
rejeitada, o relator do caso deixou transparecer que tal rejeição se deu com base
em vícios na “causa” do negócio jurídico praticado pelo contribuinte, e não com
base na Interpretação Econômica da Legislação Tributária.
Com efeito, ao se manifestar sobre a operação, o Conselheiro Relator
Antônio José Praga Filho reproduziu o voto proferido pelo ex-Conselheiro
Marcos Vinicius Neder Lima no Acórdão nº 01-06.015, de 14.10.2008 (no
qual a CSRF julgou o caso RBS pela primeira vez).
Nesse voto, o ex-Conselheiro Marcos Vinicios Neder Lima fez referência
a um trecho da doutrina de Heleno Tôrres que tem sido transcrito em muitos
julgados administrativos, no qual o referido autor afirma que, na interpretação e
qualificação dos negócios praticados pelos contribuintes, deve-se atentar à causa
dos mesmos, isto é, à finalidade que as partes pretendiam alcançar a celebrá-
lo, o que de forma alguma representa qualquer espécie de interpretação econômica
do direito tributário; tanto isso é verdade que, em outro trecho deste mesmo
livro, Heleno Tôrres afirma que tal teoria é inaplicável no direito brasileiro,
conforme já vimos acima31.
Eis o trecho do voto do ex-Conselheiro Marcos Vinicios Neder Lima
reproduzindo a doutrina Heleno Tôrres:
“Nesse sentido, Heleno Torres sustenta que ‘qualquer interpretação
que se pretenda operar sobre ato ou negócio jurídico deverá tomar em
consideração a “causa” do ato, nos termos das normas de dirigismo
hermenêutico e daqueles cogentes de limitação, como meios de se
alcançar ao esperado equilíbrio entre finalidade e funcionalidade,
entre substância e forma negocial. Isso, contudo, não representa
qualquer espécie de interpretação econômica do direito tributário,

30 No momento em que este artigo foi escrito, em maio de 2011, foi noticiada a prolação de um
terceiro acórdão da CSRF neste caso, no qual se teria reformado o segundo e cancelado a autuação
fiscal. Esse terceiro acórdão ainda não foi formalizado, e, pelo que se divulgou na mídia, ele
se apoiou em uma questão processual (a incompetência da Delegacia de Julgamento de Porto
Alegre para interpor os embargos de declaração que foram recebidos com efeitos infringentes).
Seja como for, tais considerações não são relevantes para as conclusões apresentadas neste artigo.
31 Op. cit., p. 213.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 279

pelo contrário, é interpretação exclusivamente jurídica, que respeita


a liberdade de escolha das formas, tipos e causas, justificando