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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DERMATOLÓGICAS E TOXICOLÓGICAS

36: 472-479, abr./dez.2003 Capítulo III

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS EM CLÍNICA MÉDICA

EXOGENOUS INTOXICATIONS IN CLINICAL MEDICINE

Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira1 & João Batista de Menezes2

1
Residente em Imunologia. 2Médico Assistente de Toxicologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
CORRESPONDÊNCIA: Prof. Dr. João Batista de Menezes. Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto/USP. Rua Bernardino de Campos, nº 1000 - CEP: 14015-030 Ribeirão Preto-SP.

OLIVEIRA RDR & MENEZES JB. Intoxicações exógenas em Clínica Médica. Medicina, Ribeirão Preto, 36:
472-479, abr./dez.2003.

RESUMO - Na primeira parte desta revisão, são discutidas as medidas gerais de tratamento
das intoxicações exógenas (indução de vômitos, lavagem gástrica, administração de carvão
ativado e de laxativos) e as medidas específicas de eliminação dos agentes tóxicos (diurese
forçada e alcalinização da urina, hemodiálise e hemoperfusão e a utilização de antídotos e
antagonistas). Na segunda parte, são discutidos os princípios do tratamento das mais freqüen-
tes intoxicações exógenas em nosso meio (pesticidas agrícolas, depressores do sistema ner-
voso central e raticidas).

UNITERMOS - Envenenamento. Antídotos. Toxicologia.

1 - INTRODUÇÃO corrido. O exame físico detalhado e repetido sistema-


ticamente é o melhor método para o diagnóstico (mui-
O paciente intoxicado difere, em alguns aspec- tas vezes, não o de certeza, mas o mais provável) e
tos, daqueles assistidos no cotidiano de um atendimento para a orientação do tratamento. Deve-se sempre
de emergência. As diferenças estão nos aspectos clí- confrontar a história obtida com os achados do exame
nicos, patológicos e farmacológicos, e, também, no re- físico. Se houver discordância, levar em consideração
lacionamento médico-paciente. as informações do último.
Habitualmente, não se trata de pessoas doentes A farmacologia da intoxicação é outro ponto
no sentido estrito da palavra. Na maioria dos casos, peculiar. Não se podem aplicar os conceitos de
são pessoas saudáveis, que desenvolvem sintomas e farmacodinâmica ou farmacocinética ao paciente in-
sinais decorrentes do contato com substâncias exter- toxicado. Um produto, em doses tóxicas, passa a ter
nas e dos efeitos sistêmicos delas. As substâncias po- efeitos outros que os habituais, em doses terapêuti-
dem ser de uso industrial, doméstico, agrícola, auto- cas, pois passa a atuar em mecanismos moleculares
motivo, etc. Outras, são de uso humano, médico, na diversos, muitos dos quais ainda desconhecidos. Co-
maioria, resultando em efeitos tóxicos pelo mau uso nhecer o quadro clínico e o manejo das principais into-
ou pelo abuso. xicações é essencial àqueles que prestam assistência
A tomada da história clínica, na intoxicação para médica de emergência.
tentativa de auto-extermínio, torna-se um desafio. O laboratório é uma ferramenta de grande au-
Pouco se pode confiar nas informações acerca das xílio em toxicologia. Alguns compostos têm seus
substâncias utilizadas, das quantidades e do tempo de- metabólitos identificados na urina. Outros, podem ser

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identificados no soro. A dosagem sérica da substância ver aspiração). Em adultos, a lavagem deve ser reali-
é um dado importante na classificação de gravidade zada com l 50 a 200 ml de água ou solução salina,
da intoxicação por alguns compostos. Dosagens seri- aquecidos a 38,OºC. As lavagens devem ser repetidas
adas são importantes em intoxicações graves, sendo até que se obtenha líquido claro.
indicadores de resposta ao tratamento, bem como do
momento em que o tratamento específico pode ser Carvão ativado - Medida posterior à lavagem
interrompido. gástrica. Também deve ser realizada em todos os in-
E, por fim, é no relacionamento médico-paci- toxicados, sendo as exceções as mesmas para a lava-
ente que talvez se encontre a maior dificuldade no gem gástrica. Seu efeito é melhor dentro da primeira
atendimento em toxicologia. São freqüentes os senti- hora após a intoxicação. Dificilmente se consegue es-
mentos de raiva e de desprezo, principalmente contra tabelecer a relação temporal entre a exposição e a
os que tentam auto-extermínio. Não nos cabe, neste chegada do paciente ao hospital, sendo assim, tal me-
espaço, discutir os motivos que levam nossos pacien- dida deve ser tomada em todos os casos de intoxica-
tes a buscar tal solução para seus problemas. Mas, ção. Seu mecanismo de ação consiste na absorção de
muito menos, nos é permitido não lhes prestar a devi- compostos, não somente os presentes na luz intestinal,
da assistência médica e humanitária. Nem só de pro- mas, também aqueles já absorvidos, como no caso de
blemas físicos padecemos. bases fracas ou no caso de substâncias com circula-
ção enteroepática. As precauções para seu uso são
2 - MEDIDAS GERAIS as mesmas para a lavagem gástrica. A dose utilizada
em nosso serviço é de 30 gr, em uma solução a 10%
Avaliar os sinais vitais e mantê-los em parâme- em salina, a cada 4 ou 6 h. A primeira dose deve ser
tros adequados é o manejo básico, que deve ser dis- drenada do estômago após 30 min e as demais devem
pensado a todo paciente em um atendimento de emer- permanecer no trato gastrointestinal para eliminação
gência. Isso pode ser feito de modo a manter os me- com as fezes. O tempo de utilização depende da gra-
canismos fisiológicos, ou auxiliando-os, como no caso vidade da intoxicação e da evolução do paciente, mas,
da ventilação mecânica, e é valido para o paciente habitualmente, não ultrapassa 72 h. Devemos lembrar
intoxicado. Devemos ainda, despender todo o esforço que o carvão ativado é inefetivo contra alguns com-
possível na tentativa de retirar do organismo a subs- postos, entre eles: álcalis cáusticos, lítio, álcoois e sais
tância causadora da intoxicação. Para tal, dispomos de ferro. Tem pouca efetividade contra organoclorados
de algumas medidas gerais, aplicáveis a quase todos e digoxina.
os casos de intoxicação.
Laxativos - O principal utilizado é o manitol,
Êmese - O uso de xarope de ipeca ou de outro em solução a 20%. A dose utilizada é de 100 a 200 ml,
indutor de vômito não é medida terapêutica aceitável até de 8 em 8 h, nas primeiras 24 h. Sua utilização tem
nos nossos dias, pelo potencial risco de dano aos teci- importância em associação ao carvão ativado, nos
dos, quando expostos à substância tóxica mais de uma casos de compostos de elevada toxicidade, diminuin-
vez, bem como pelo risco de aspiração, principalmen- do a chance de absorção por reduzir o tempo de con-
te em casos de vias aéreas desprotegidas (coma ou tato com o trato gastrointestinal
convulsões).
3- MEDIDAS ESPECÍFICAS PARA ELIMINA-
Lavagem gástrica - Com poucas exceções, ÇÃO
todos os pacientes intoxicados devem ser submetidos
a sondagem nasogástrica e lavagem do conteúdo gás- Diurese forçada e alcalinização da urina -
trico. O controle das convulsões e a proteção das vias Compostos de eliminação renal podem ter sua depu-
aéreas, nos pacientes comatosos, são as precauções ração aumentada por simples hiper-hidratação e uso
necessárias antes de se proceder à lavagem do con- de diuréticos potentes. Uma condição especial de hiper-
teúdo gástrico. As contra-indicações são os casos de hidratação é a realizada nas intoxicações graves por
ingestão de corrosivos (pela possibilidade de haver barbitúricos, quando também se provoca a alcalinização
perfuração esofagogástrica) ou de compostos hidro- urinária, conhecida como esquema de Briggs:
carbonetos (pela possibilidade de pneumonite, se hou- • 500 ml de solução de glicose a 5% + 10 ml de solu-

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ção de cloreto de potássio a 19,1 %, via endoveno- assim, priorizamos aquelas que são mais freqüentes
sa, em duas horas, seguidos de em nosso meio.
• 500 ml de solução de glicose a 5% + 10ml de solu-
ção de bicarbonato de sódio a 8,5%, via endoveno- Intoxicações por pesticidas agrícolas
sa, em duas horas, seguidos de
• 500 ml de solução fisiológica a 0,9% + 10 ml de Inibidores da acetilcolinesterase
solução de cloreto de potássio a 19,1%, via endo- Neste grupo, encontram-se os Organofosfora-
venosa, em duas horas, seguidos de dos e os Carbamatos. São compostos inibidores da
• 500 ml de solução de glicose a 5% + 10 -ml de solu- acetilcolinesterase, enzima responsável pela degrada-
ção de bicarbonato de sódio a 8,5%, via endoveno- ção da acetilcolina, presente nas fendas sinápticas do
sa, em duas horas, seguidos de sistema nervoso autônomo, do sistema nervoso cen-
• 500 ml de de solução de glicose a 5% + 10 ml solu- tral e da junção neuromuscular. A acetilcolina exerce
ção de cloreto de potássio a 19,1%, via endoveno- sua atividade através de dois tipos de receptores:
sa, em duas horas, seguidos de nicotínicos, presentes na placa motora, no sistema
• 500 ml de solução fisiológica a 0,9% + 10 ml de nervoso central (medula) e nos neurônios pós-ganglio-
bicarbonato de sódio a 8,5%, via endovenosa, em nares do sistema nervoso autônomo; muscarínicos,
duas horas. Repetir o esquema até quando for ne- presentes no sistema nervoso central (encéfalo) e
cessário. nos neurônios pós-ganglionários do sistema nervoso
autônomo.
Tal esquema deve ser evitado em pacientes com Esses compostos se ligam com a acetilcolines-
insuficiência renal, pelo grande aporte hídrico. Devem- terase de forma muito mais estável que a acetilcolina.
se obter dosagens de sódio, potássio e análise dos ga- A ligação do carbamato se desfaz em minutos a ho-
ses sangüíneos a cada 6 h durante a realização do ras, de forma que a enzima é regenerada em 24-48 h.
esquema. A ligação do fosforado permanece por dias a sema-
nas, tornando a enzima indefinidamente, se não for
Hemodiálise e Hemoperfusão - Esses dois usado composto que desfaça a ligação.
métodos não são indicados com freqüência, e, se mal Fosforados e carbamatos são absorvidos por
indicados, podem causar maior morbidade ao invés de qualquer via: oral, transdérmica, através de mucosas
ajudar na recuperação do paciente. É essencial que (gastrointestinal, genitourinária, conjuntiva) e paren-
se tenha o conhecimento, se o tóxico em questão é teral. A via inalatória levaria a menor período de
extraído por tais métodos. São indicados em casos latência, enquanto a transdérmica, a de maior perío-
graves, casos com dosagem sérica em níveis letais, do. O quadro clínico se instala de minutos até 12 h. Os
deterioração progressiva do quadro clínico a despeito sinais e sintomas são decorrentes dos diversos sítios
de terapia adequada e casos de compostos com onde ocorrerá excesso de acetilcolina. Os efeitos mus-
toxicidade retardada. Podem ser utilizadas em intoxi- carínicos levam a salivação excessiva, lacrimejamen-
cações por álcoois, barbitúricos, salicilatos, lítio, arse- to, liberação de esfíncter vesical, diarréia, vômitos,
nicais, paraquat, compostos de ferro, mercúrio e broncoconstrição e broncorréia e aumento do tônus
chumbo entre outros. vagal cardíaco (lentificação da condução nos nós SA
e AV). Os efeitos nicotínicos incluem fasciculações,
Antidotos e Antagonistas - Também têm in- câimbras e fraqueza muscular (inclusive de muscula-
dicações precisas. É importante que se conheçam as tura respiratória), hipertensão, taquicardia, dilatação
indicações e se pese a necessidade para cada caso. pupilar e palidez cutânea. Os efeitos no SNC incluem
Além disso, devem ser conhecidas e respeitadas as inquietação, labilidade emocional, cefaléia, tremores,
doses para um composto, a fim de não se causar nova sonolência, confusão, ataxia, psicose, convulsões e
intoxicação ao paciente. Abaixo, listamos os princi- coma. As mortes decorrem, em sua maioria, de de-
pais compostos, com suas indicações. pressão respiratória associada à hipersecreção tra-
queobrônquica.
4 - INTOXICAÇÕES MAIS FREQÜENTES A dosagem da acetilcolinesterase sangüínea é
de extrema valia nessas intoxicações, guardando re-
Seria impossível fazer uma abordagem adequa- lação com a atividade da enzima neural e muscular.
da de todas as intoxicações em tão curto espaço. Sendo Apesar disto, a recuperação dos níveis de colineste-

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rase a valores normais não deve ser o parâmetro para sivas, pode-se utilizar Diazepam por via endovenosa.
se interromper o tratamento, mas, sim, a ausência de Pele e mucosas devem ser descontaminadas, com
manifestações clínicas de intoxicação, já que a recu- proteção da equipe que presta assistência. Hipertermia
peração desses níveis pode ocorrer em meses. deve ser tratada com métodos físicos. Atentar para o
No tratamento, o uso de atropina é essencial, desenvolvimento de necrose tubular aguda, por rab-
por ser um antagonista competitivo da acetilcolina, tan- domiólise decorrente das convulsões.
to no SNC quanto no SNA. A dose inicial para adul- A Colestiramina, resina de troca iônica, não
tos é de l a 2 mg para intoxicações por carbamatos e absorvível, deve ser utilizada ao invés de carvão ativa-
de 2 a 4 mg para intoxicações por fosforados, por via do. A dose indicada é de 4 g, por via oral, a cada 6 h.
endovenosa ou intramuscular. A dose a ser usada é
empírica e será única para cada paciente. A dose ini- Piretróides – Análogos sintéticos das piretrinas
cial pode ser repetida em 5 a 10 min, ou em infusão são compostos de efeito rápido e letal para insetos,
contínua, avaliando-se a necessidade de aumentá-la freqüentemente associados a Butóxido de piperonila.
ou reduzí-la a cada administração, de acordo com o Como os clorados, prolongam o período de abertura
controle do quadro clínico, ou seja, o controle das se- dos canais de sódio voltagem-dependentes. São prati-
creções estimuladas pela atividade muscarínica. Uma camente inabsorvidos pela pele. Suas manifestações
vez ajustada a dose, esta deve ser mantida por, no mí- principais decorrem da indução de manifestações alér-
nimo, 24 h. Os sinais de atropinização incluem midríase gicas ao contato com a pele e mucosas. Quando inge-
(o mais precoce), taquicardia e ruborização cutânea ridos, podem levar a parestesias, náuseas e vômitos,
(este é útil no ajuste de dose). A retirada é lenta e tonturas e fasciculações. Lavagem gástrica e carvão
gradual, por pelo menos 24 h, devendo ser restituída, ativado são suficientes.
se reaparecerem os sintomas. Nos casos de intoxica-
ção por fosforados, deve-se fazer uso de oximas. A Paraquat – Altamente solúvel em água, vendi-
Pralidoxima tem a capacidade de regenerar a colines- do em preparações de concentração em 20% em água.
terase por ligar-se ao fosforado. A via de administra- A inalação leva a nenhuma ou pequena intoxicação.
ção é endovenosa, devendo ser realizada em 30 min, A absorção a partir de pele ou mucosas intactas é
na dose de 20 a 40 mg/kg, diluídos em solução salina a mínima. Se ingerido, é rapidamente absorvido (30%
0,9%. A dose pode ser repetida em l a 2 h, com dose da dose) no intestino delgado. O pico plasmático ocorre
máxima diária de 12 g. Será suspensa somente quan- de minutos a 2 h após a ingestão. Distribui-se para
do forem abolidos todos os sintomas colinérgicos. todos os tecidos do organismo, mas alcança maiores
concentrações nos pulmões e nos rins, tecidos onde
Organoclorados - São compostos estimulan- há transporte ativo da molécula. Aproximadamente
tes do SNC, com toxidade variável, quando ingeridos. 90% do Paraquat absorvido é eliminado intacto por
Entre outros possíveis mecanismos de ação, atuam na via renal, dentro de 12 a 24 h.
membrana axonal, lentificando o fechamento dos cais A toxicidade do Paraquat encontra-se no
de sódio voltagem-dependentes. efeito cíclico de redução de óxido, com produção de
São absorvidos por via oral, transdérmica ou compostos tóxicos de oxigênio. Os radicais livres for-
inalatória. Muitos são bastante lipossolúveis, levando mados reagem com lipídeos da membrana celular, pro-
a manifestações precoces do SNC. Esses compostos teínas estruturais e enzimas, além da molécula DNA.
levam à diminuição do limiar convulsivo e ao estímulo O contato ocular pode levar a ceratite e conjuntivite.
do SNC. Sem dúvida, nas intoxicações por clorados, O contato repetido com a pele pode levar a dermatite
as convulsões são a principal ameaça, podendo abrir e erosão unguenal. No trato gastrointestinal, podem
o quadro clínico. Podem ocorrer, também, náuseas e ocorrer ulceração e corrosão orofaríngea, náusea e
vômitos, hiperestesias e parestesias em face, língua e vômito, diarréia, hematêmese, disfagia, perfuração
extremidades, cefaléia, tonturas, mioclonias, agitação esofásiga, pancreatite e necrose hepática. Pode ocor-
e confusão. Febre de origem central não é infreqüente. rer necrose tubular aguda; no sistema respiratório,
Não há exame laboratorial para identificação tosse, mediastinite, pneumotórax, hemoptise, hemor-
de organoclorados. Se o paciente apresentar rebaixa- ragia alveolar, edema e fibrose pulmonar; hipovole-
mento importante do nível de consciência, proceder a mia, choque e arritmias; convulsões, coma e edema
intubação orotraqueal. Na presença de crises convul- cerebral.

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Os sintomas ocorrerão na dependência da dose Barbitúricos - O principal uso deles, atualmen-


ingerida. Se a ingestão foi de até 20 mg/kg, as lesões te, é anticonvulsivante. Atuam, prolongando o período
são poucas e a recuperação ocorre. Se entre 20 e 40 de abertura dos canais de cloreto, associados aos re-
mg/kg, há morte dentro de cinco dias, por acometi- ceptores GABA, Fenobarbital é o principal represen-
mento gastrointestinal, renal e pulmonar. Se acima de tante. Também apresentam elevada lipossolubilidade,
40 mg/kg, há falência de múltiplos órgãos e morte em com rápido início de ação e longa meia-vida. Metabo-
um a três dias. lizado no fígado, é excretado, na sua maior parte, de
O sucesso do tratamento depende do tempo forma inalterada, na urina.
de sua instituição. Consiste em lavar copiosamente O quadro clínico da intoxicação é um
pele e mucosa, se estas foram expostas. Para ingestão, continuum, sendo a progressão limitada pela quantia
pode ser empregado carvão ativado ou Terra de ingerida. No início, há fala empastada, ataxia, cefaléia,
Füller em suspensão aquosa a 15% (15g/100ml), na nistagmo e confusão mental. Com a progressão, há os
dose de 1 a 2g/kg de peso corporal. Manter hidrata- vários graus de coma, com perda total de reflexos. É
ção e fluxo renal adequados. A suplementação de comum haver hipotermia, depressão respiratória e da
oxigênio pode potencializar os efeitos do Paraquat, contratilidade miocárdica. A depressão miocárdica,
só devendo ser realizada nos casos em que a hipoxe- associada a vasodilatação e depressão medular leva
mia é limitante para vida. Hemodiálise e hemoper- ao choque. O comprometimento cardiopulmonar é o
fusão podem ser utilizadas para aumentar a elimina- principal responsável pelos óbitos na fase aguda. Tar-
ção. Nenhum, antídoto tem se mostrado efetivo. Ou- diamente, os óbitos ocorrem por edema pulmonar,
tra tentativa é a utilização de compostos que previ- pneumonia e edema cerebral. A dose potencialmente
nam a formação de radicais livres, como vitamina E e fatal é de 6 a 10 g.
vitamina C. Tenta-se, também, reduzir a reação infla- Dispomos do método quantitativo para dosagem
matória, pulmonar, principalmente, com o uso de cor- de barbitúricos. Além da utilidade evidente para o diag-
ticosteróides. nóstico, a quantificação é importante para correlação
Paraquat pode ser dosado no sangue e na uri- com o quadro clínico e para monitoração do tratamen-
na. O nível sérico tem estrita correlação com a morbi- to. Deve-se obter via aérea adequada, além de moni-
dade. Muitos evoluem para o óbito. torização cardíaca adequada, com ECG seriados.
Fenobarbital é uma base fraca, sendo que, na
Medicamentos depressoras do SNC presença de urina alcalina, haverá um maior transpor-
te desse composto do plasma para os túbulos renais.
Benzodiazepínicos - Sedativos, hipnóticos e O pH sangüíneo deve ficar em torno de 7,40-7,45, o
ansiolíticos, são medicações que atuam, aumentando que aumenta a excreção do Fenobarbital em cinco a
a neutransmissão inibitória GABAérgica no SNC, atra- dez vezes. Utilizar o esquema de Briggs. Hemodiálise
vés de aumento no número de canais abertos de é efetiva.
cloreto.
São rapidamente absorvidos no intestino. O iní- Antidepressivos tricíclicos – Os de primei-
cio da ação também é rápido. Medicações como o ra geração (Amitriptilina, Imipramina, Clomipramina
Midazolam e o Diazepam são intensamente lipofíli- e Nortriptilina) inibem a recaptação de noradrenalina
cos, cruzando rapidamente a barreira hematoencefá- e serotonina. Os de segunda geração (Fluoxetina,
lica. Pelo mesmo motivo, redistribuem-se pelos teci- Paroxetina e Sertralina) são inibidores seletivos da
dos adiposos, levando a meia-vida consideravelmente recaptação de serotonina.
maior. São rapidamente absorvidos a partir do trato
A ingestão aguda de altas doses de benzodia- gastrointestinal. Apresentam grande metabolismo de
zepínicos pode levar a ataxia, fala empastada e sono- primeira passagem hepática, somente 10% é excretado
lência. Raramente, doses elevadas podem levar a coma de forma inalterada na urina. As intoxicações graves
e depressão respiratória. Além do manejo básico, nos decorrem do abuso dos tricíclicos de primeira gera-
casos de depressão profunda do SNC ou de instabili- ção. Exercem efeito depressor na fibra miocárdica e
dade hemodinâmica, pode-se fazer uso de Flumazenil. levam a diminuição na resistência vascular periférica,
Este deve ser feito lentamente, a fim de não precipitar resultando em hipotensão. Por efeito anticolinérgico,
convulsões. aumentam a freqüência cardíaca e predispõem a ta-

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quiarritmias. As convulsões ocorrem precocemente e Cromatografia de Camada Delgada pode ser utilizada
têm curto período de duração, mas são potencialmen- para análise qualitativa. Monitoração cardíaca e ECG
te letais. Além dessas manifestações, podemos ter seriado. Alcalinização da urina não é útil. Nos casos
outras, como letargia, agitação, ataxia, movimentos graves, pode-se utilizar Fisostigmina. Quando houver
coreoatetóicos, pele seca, constipação intestinal e re- importantes sinais extrapiramidais, pode-se utilizar o
tenção urinária. Biperiden, um anticolinérgico, por via intramuscular,
Os tricíclicos de segunda geração são despro- na dose de 0,08 mg/kg de 6/6 horas.
vidos dos efeitos anticolinérgicos, e não causam arrit- A síndrome neuroléptica maligna é uma rea-
mias, hipotensão ou convulsões. Causam apenas ção idiossincrásica, implicada aos neurolépticos tí-
sedação. picos, caracterizada por hipertermia, rigidez muscu-
As intervenções iniciais incluem obtenção de via lar, acinesia, coreoatetose, flutuação do estado mental
aérea segura, monitorização cardíaca contínua e esta- e alterações autonômicas (pressão arterial, freqüên-
bilização dos sinais vitais. Os eventos letais ocorrem cia cardíaca, padrão respiratório). Cursa com leu-
dentro das seis primeiras horas, em especial nas duas cocitose, acidose metabólica, hipercalemia, elevação
primeiras, com arritmias cardíacas, alterações de condu- de enzimas hepáticas, creatinaquinase e creatinina. É
ção, convulsões, depressão respiratória ou hipotensão. diagnóstico de exclusão e exige ingestão recente
Manter o pH sangüíneo entre 7,40 e 7,45 é útil das substâncias relacionadas. O tratamento consiste
para prevenir, mesmo que em parte, o efeito cardio- em abaixar a temperatura por métodos físicos.
depressor do tricíclico. Para convulsões, utilizar ben- Dantrolene, para a hipertonia muscular e Bromocrip-
zodiazepínico ou barbitúrico; evitar Fenitoína, pela efi- tina, para acentuar e neurotransmissão dopaminérgica
cácia limitada e pelo efeito pró-arrítmico. A hipoten- no SNC.
são deve ser tratada inicialmente com reposição volê-
mica de cristalóides. Caso refratária, pode-se usar Raticidas
Noradrenalina e Dobutamina. Evitar Dopamina, pelo
efeito hipotensor. Cumarínicos - Com a proibição do uso de ar-
senicais como raticidas, os cumarínicos são os únicos
Neurolépticos - Os de maior importância em raticidas atualmente comercializados. São inibidores
toxicologia são os típicos, representados pelas fe- competitivos da Vitamina K, interferindo na γ-
notiazinas (Clorpromazina, Tioridazina) e pelas buti- carboxilação final dos fatores II, VII, IX e X, da qual
rofenonas (Haloperidol). Têm efeito inibitório em re- ela é cofator. A intoxicação por tais compostos é as-
ceptores dopaminérgicos, colinérgicos, alfa 1 e alfa 2 sintomática por 12 a 24 h, isto se deve ao tempo de
adrenérgicos, histaminérgicos e serotinérgicos. São de vida-média do Fator VII. Somente após esse período,
uso oral exceto o Haloperidol, que também tem uso o paciente apresentará alterações da coagulação com
parenteral. Os efeitos da intoxicação por neurolépti- sangramento em qualquer sítio, com as manifestações
cos podem ser vistos em pessoas utilizando doses decorrentes de sua localização. Disso concluímos que
terapêuticas, não somente na overdose. Esses efeitos não se deve esperar o paciente sangrar para iniciar o
podem ser divididos em relacionados ou não ao SNC. tratamento. Sempre que se tiver a suspeita de intoxi-
Os não relacionados são: cardíacos (hipotensão, de- cação por cumarínico e o paciente não apresentar
pressão miocárdica, prolongamento dos intervalos PR, sangramento, iniciar tratamento com Vitamina K 10mg,
QRS e QT, alterações inespecíficas de onda T e seg- intramuscular, a cada 6 ou 8 h. Após lavagem gástri-
mento ST, taquiarrítmias ventriculares e supraventri- ca, utilizar Colestiramina, na dose de 4 g diluídos em
culares), gastrointestinais (boca seca, redução de 200 ml de líquido, a cada 8 h. O tempo de pró-trombina
motilidade e secreção, pseudo-obstrução, genitouri- deve ser solicitado e repetido diariamente. Nos casos
nárias (retenção urinária, priapismo), midríase ou mio- onde há sangramento identificado, pode-se recorrer
se. Os relacionados ao SNC são: acatisia, distonia, ao uso de plasma fresco congelado, na dose habitual
confusão e alterações de memória, hipo ou hipertermia, de até 20 ml/kg de peso corporal, a cada 6 h. Esses
parkinsonismo, diminuição do limiar convulsivo, sono- compostos têm meia-vida longa (40 h para o Warfarin
lência e coma. Os efeitos no SNC são os mais co- e 6 dias para a Femprocumona), por isso o tratamento
muns e mais importantes. Os níveis séricos não se com vitamina K deve permanecer por 24 a 48 h após
correlacionam com a gravidade do quadro clínico. A a normalização do tempo de protrombina.

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OLIVEIRA RDR & MENEZES JB. Exogenous intoxications in clinical medicine. Medicina, Ribeirão Preto,
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ABSTRACT - In the first part of this review, we discuss general strategies to treat exogenous
intoxications (vomit induction, gastric lavage, administration of activated charcoal powder and of
laxatives) and specific measures to eliminate toxic agents (forced diuresis and urine alkalinization,
hemodialysis and hemoperfusion and utilization of antagonists). In the second part we discuss
general principles of treatment of most prevalent intoxications in our area (agricultural pesticides,
central nervous system depressants and rat poisons).

UNITERMS - Poisoning. Antidotes. Toxicology.

ª
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