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MANAUS
2015
PAULO GUILHERME AMORIM TELES
MANAUS
2015
PAULO GUILHERME AMORIM TELES
Aprovado em:________
Banca Examinadora
_______________________________________________
Profª. Msc. Francélia de Jesus Uchôa Paiva.
_______________________________________________
Prof. Msc. Aluísio Celso Affonso Caldas
Mestre em Direito Ambiental-UEA
_______________________________________________
Prof. Msc. Juliano Ralo Monteiro
Mestre em Direito Civil- PUC
O estudo das políticas públicas, tanto no que se refere à sua aplicação, quanto
no que diz respeito ao seu controle, vem evoluindo de maneira tímida no universo
acadêmico brasileiro, mormente no âmbito das Ciências Políticas e Sociais e, dentro
do Direito, no âmbito do Direito Administrativo.
Dentro desta temática, observa-se o ramo específico das políticas públicas
voltadas à garantia dos direitos sociais constitucionalmente previstos, e, dentre
estes, o direito à saúde.
Aos governantes, como executores da Lei, cabe assegurar os preceitos
básicos referentes à saúde, tais como o acesso a instituições hospitalares e a
medicamentos necessários à cura de determinadas patologias. Contudo, é certo que
nem sempre se vê tais garantias executadas de forma plena.
Diante desse panorama, pode-se verificar o estudo, ainda não muito difundido,
do controle das políticas públicas de saúde pelo Poder Judiciário (ou judicialização
do direito à saúde).
Quais seriam os aspectos positivos ou negativos desta imissão? Quando, como
e quais os requisitos que permitem o Judiciário a exercer este controle político? Tais
questionamentos surgiram e vêm ganhando, aos poucos, espaço no mundo
acadêmico jurídico hodierno.
De um lado, há o direito dos cidadãos, garantido pela Constituição Federal de
1988, de acesso irrestrito aos serviços que lhe promovam a manutenção da saúde.
De outro, o Estado se mostra incapaz, física e financeiramente, de prestar
atendimento de qualidade diante da grande demanda de necessitados.
Desta situação surge o conflito, no qual o cidadão busca, com todas as forças,
ver efetivado o direito que lhe fora resguardado pela Carta magna, enquanto o
Estado, limitado em suas condições financeiras, procura manter o equilíbrio
orçamentário em prol da coletividade, ainda que custe a integridade de determinado
indivíduo na esfera privada.
Assim, por tamanha importância e pelo atual crescimento da matéria, mostra-
se oportuna toda e qualquer contribuição científica a fim de se firmar um novo olhar
sobre o assunto.
2 ASPECTOS CONCEITUAIS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS
1 SEBRAE/MG. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney
Amaral; coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008. Disponível em
<http://www.agenda21comperj.com.br/sites/localhost/files/MANUAL%20DE%20POLITICAS%20P
%C3%9ABLICAS.pdf>. Acesso em 31 agosto 2015. p. 5.
2 Ibidem. p. 5.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 899.
4 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 808.
5 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008. p. 149.
legislador e executadas pelo Executivo.”6.
Portanto, com base em tudo quanto exposto, conclui-se que políticas públicas
são o conjunto de atos administrativos executados pela chefia do Poder Executivo,
bem como pelos órgãos a ela subordinados, voltados ao cumprimento de metas
definidas pela Constituição Federal e pelo Poder Legislativo, para a consecução e
proteção dos direitos sociais gerais agrilhoados pela Carta Magna.
Mais adiante, ultrapassados tais aspectos conceituais acerca das políticas
públicas, cumpre falar brevemente acerca de seu controle.
Considerando a política pública como um aglomerado de atos administrativos
voltado a um fim específico, pode-se concluir que tais atos, individualmente,
possuem seu controle disciplinado pelo ramo do Direito Administrativo.
Entretanto, interessa-nos o controle não dos atos individuais, mas sim do
aglomerado em si, cuja natureza diferenciada origina-se do caráter político e
discricionário com o qual se reveste.
Parte-se do controle no âmbito interno, por meio da avaliação das políticas,
para, então, discorrer-se acerca das nuances do controle das políticas públicas pelo
Poder Judiciário.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que as políticas públicas são verdadeiras
opções tomadas pelo Poder Público, instituídas pela legislação (em sentido amplo,
para incluir também os regulamentos administrativos), visando o melhor modo para
a consecução de seu objetivo precípuo: a concretização dos direitos sociais 7.
Estas opções são adotadas, aplicadas e avaliadas por meio de procedimento
específico denominado “Ciclo das Políticas Públicas”, o qual apresenta diversas
fases, a saber: (i) formação da agenda (seleção das prioridades); (ii) formulação de
políticas (apresentação de soluções ou alternativas); (iii) processo de tomada de
decisões (escolha da ação); (iv) implementação; (v) avaliação 8.
Para os estudos em questão, dar-se-á maior enfoque à última fase do ciclo,
qual seja, a da avaliação, uma vez que se mostra como ferramenta eficaz ao
controle das políticas públicas tanto pelos seus executores quanto pela sociedade.
Garcia, citado por Trevisan e van Bellen, afirma que:
Avaliação é uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa
organizacional, a partir de um quadro referencial ou padrão
comparativo previamente definido. Pode ser considerada, também,
6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit. p. 902.
7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit. p. 899.
8 SEBRAE/MG. op. cit. p. 10.
como a operação de constatar a presença ou a quantidade de um
valor desejado nos resultados de uma ação empreendida para obtê-
lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de
aceitabilidade pretendidos. 9
Quanto à sua utilidade no âmbito das políticas públicas, Trevisan e van Bellen
lecionam:
Investigam-se os déficits de impacto e os efeitos colaterais
indesejados para poder extrair conseqüências para ações e
programas futuros. Nessa etapa caso os objetivos do programa
tenham sido atendidos, o ciclo político pode ser suspenso ou chegar
ao fim, senão à iniciação de um novo ciclo, isto é, a uma nova fase
de percepção e definição de problemas.10
Em outras palavras, a avaliação das políticas permite à administração criar
informações úteis a outras políticas públicas, prestar contas dos atos praticados,
justificar opções adotadas pelos definidores e executores das políticas, bem como
corrigir e prevenir falhas.11
Não obstante se trate de uma forma de controle sobre as políticas públicas,
deve-se ressaltar que a avaliação não ocorre somente no final de seu ciclo, mas ao
longo deste, desde a formação da agenda 12.
Todavia, a avaliação, ainda que seja instrumento aparentemente eficaz para o
controle, não encontra acolhida no sistema político-administrativo brasileiro, seja em
virtude de expor eventuais fracassos nas decisões adotadas pelos governantes, seja
por pelos ganhos políticos que estes ganhariam pela repercussão de políticas
implantadas com sucesso13.
Frente a esses dados, verifica-se que a política pública, no contexto brasileiro,
não possui um controle interno efetivamente aplicado, o que torna o conjunto de atos
do governo, a uma primeira vista, livre da reprimenda social, caso venha a ter
resultados deficitários.
Com a ausência de uso da avaliação das políticas públicas como forma
efetiva de controle desse conjunto de atos governamentais, sobra ao cidadão, na
9 GARCIA, Ronaldo Coutinho. Subsídios para organizar avaliações da ação governamental. Planejamento e
Políticas Públicas, Brasília, n. 23, p. 7-70, jan./jun. 2001. apud.TREVISAN, Andrei Pittol; VAN BELLEN,
Hans Michael. Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. Rev. Adm.
Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 529-550, June 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122008000300005&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 29 agosto 2015. p. 535-536
10 TREVISAN, Andrei Pittol; VAN BELLEN, Hans Michael. Avaliação de políticas públicas: uma revisão
teórica de um campo em construção. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 529-550, June 2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
76122008000300005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 29 agosto 2015. p. 531.
11 SEBRAE/MG. op. cit. p. 18.
12 Ibidem. p. 18.
13 TREVISAN, Andrei Pittol; VAN BELLEN, Hans Michael. Op. Cit. p. 536.
ausência da efetivação dos direitos sociais constitucionalmente previstos, socorrer-
se ao Poder Judiciário.
Hodiernamente, vige discussão acerca do controle dos atos de governo pelo
Judiciário, com adeptos tanto pela sua possibilidade quanto pela impossibilidade.
Dentre os que defendem a impossibilidade de impugnação de políticas
públicas pelo Poder Judiciário, cita-se Di Pietro, a qual afirma que “Rigorosamente,
não pode o Judiciário interferir em políticas públicas, naquilo que a sua definição
envolver aspectos de discricionariedade legislativa ou administrativa.” 14
Noutra banda, dentre os que entendem ser possível a ingerência do Judiciário
nas decisões do governo, tem-se Mello, o qual leciona que “[…] é inequívoco que se
pode controlar juridicamente políticas públicas. Com efeito, se é possível controlar
cada ato estatal, deve ser também possível controlar o todo e a movimentação rumo
ao todo.”15
É certo que as políticas públicas se revestem de caráter fortemente
discricionário e político. No entanto, ausente forma eficiente, no bojo do Ciclo de
Políticas Públicas, de controle dos atos governamentais – considerando que a
avaliação de políticas não se encontra agasalhada pelo sistema político-
administrativo atual –, entende-se que não pode ter o cidadão seu direito de ver
cumpridas as garantias sociais por meio do Poder Judiciário.
Inclusive, segue-se os ensinamentos de Medauar, a qual afirma, com
propriedade, que atos governamentais que gerem lesão ou ameaça a direito, devem
passar pelo crivo judicial, sob pena de ferir de morte o disposto no art. 5, XXXV, da
Constituição Federal de 1988.16
17 BARRETO JUNIOR, Irineu Francisco. O direito à saúde na ordem constitucional brasileira. Revista de
Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 14, n. 2, p. 71-100, jul./dez. 2013. Disponível em:
<http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias/article/viewFile/263/182>. Acesso em: 11 nov. 2015.
p. 74.
18 MALHEIRO, Emerson. Conceito e Evolução Histórica do Regime Internacional de Proteção dos Direitos
Humanos. In: __________. Curso de Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 7-24.
naquele continente.19
Desta nova preocupação internacional, fora instituída, em 1945, a Organização
das Nações Unidas (ONU) – sucessora da antiga Liga das Nações –, voltada à
proteção dos direitos humanos e à promoção do pacifismo.
Então, em 1946, foi constituída a Organização Mundial da Saúde, trazendo
consigo o atual conceito mundialmente adotado de “saúde”, conforme Schwartz:
O marco teórico referencial do conceito de saúde foi erigido em 26 de
julho de 1946. O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial
da Saúde (OMS), órgão da ONU, ressalta que a saúde é o completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
doenças.20
No Brasil, o direito à saúde, embora tenha sido tratado (ainda que vagamente)
nas diversas constituições nacionais, apenas ganhou os contornos atuais com o
advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), consoante os ensinamentos de
Barreto Júnior, mais uma vez transcritos:
O sistema público de saúde brasileiro, até a promulgação da
Constituição Federal de 1988, não merecia um tratamento
constitucional específico e atendia somente aos indivíduos que
contribuíssem com a Previdência Social, ou seja, aqueles indivíduos
que possuíssem carteira de trabalho assinada. (p. 74)
Em seu texto, especificamente no seu artigo 196, a CF/88 consagra a saúde
como direito de todos e dever do Estado “garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção e proteção e
recuperação.”21
De acordo com o excerto acima transcrito, a saúde deve ser garantida por meio
de políticas sociais. Mais adiante, a CF/88 institui Sistema Único de Saúde (SUS),
regulamentado pela Lei 8.080/1990, o qual se caracteriza como verdadeira política
pública constitucionalmente idealizada.
19 ELIAS, Paulo Eduardo. Estado e saúde: os desafios do Brasil contemporâneo. São Paulo em Perspectiva.
[online], v. 18, n. 3, p. 41-46, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_abstract&pid=S0102-88392004000300005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 11 nov.
2015. p. 42.
20 SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: abordagem sistêmica, risco e democracia.
Revista de Direito Sanitário, Brasil, v. 2, n. 1, p. 27-38, mar. 2001. ISSN 2316-9044. Disponível em:
<http://www.periodicos.usp.br/rdisan/article/view/13085/14887>. Acesso em: 11 nov. 2015. p. 29.
21 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Artigos 196 a 200. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 11 nov. 2015.
4 CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – RE-AgR: 271286 RS, Relator: CELSO DE MELLO, Data de
Julgamento: 12/09/2000, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-
02013-07 PP-01409. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=AC&docID=335538>. Acesso em 11 nov. 2015.
23 RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.
p. 28.
Feitas estas observações, passa-se ao cerne da questão.
Como já dito, a inércia estatal em efetivar o direito à saúde dá azo ao controle
das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Entretanto, a recorrência com que o
Estado se vê condenado a pagar tratamentos e medicamentos não abrangidos pelas
políticas públicas de saúde inicialmente criadas, gera dúvidas acerca da efetividade
das decisões judiciais nessas matérias.
De acordo com reportagem da Revista Época, de 2007, os gastos com
demandas de medicamentos aproximaram-se do total de R$ 600 milhões naquele
ano, o equivalente à construção de 12 hospitais com 200 leitos cada. 24
Noutra banda, “Se de um lado os secretários de Saúde se queixam da corrida
aos tribunais, do outro os pacientes alegam que as terapias disponíveis no SUS são
insuficientes e desatualizadas”.25
Esta situação demonstra o retrato atual do paradoxo da imissão do Poder
Judiciário nas políticas públicas de saúde: de um lado, a crescente demanda por um
serviço de qualidade que onera os cofres públicos; de outro, a estagnação do
Estado quanto aos serviços e medicamentos prestados, que não condizem com os
anseios sociais modernos.
A fim de proteger seus cofres e manter um mínimo orçamentário para a
concretização das políticas públicas previamente agendadas, o Poder Público tem
adotado a teoria da reserva do possível.
Tal teoria, nas palavras da ilustre constitucionalista Ana Paula de Barcellos,
“procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis
diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas.” 26
De fato, há que se reconhecer que os recursos disponíveis não são capazes de
arcar com toda a demanda existente, especialmente se considerarmos a amplitude
do rol de direitos fundamentais constantes na CF/88. A simples previsão de um
direito não basta se não houver recursos disponíveis para implementá-los.
Entretanto, tal fato não pode servir de óbice para a efetivação dos direitos
fundamentais necessários à manutenção de um núcleo existencial mínimo de
direitos decorrentes da dignidade humana.
24 AZEVEDO, Solange. Remédios nos tribunais. Época, n. 501, p. 68-70, 24 dez. 2007. Disponível em:
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80696-8055-501,00-
REMEDIOS+NOS+TRIBUNAIS.html>. Acesso em: 11 nov. 2015.
25 Ibidem.
26 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da
dignidade da pessoa humana. 1ªed, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p.236.
Os Supremo Tribunal Federal, inclusive, vem se manifestando de maneira
favorável ao controle exercido sobre as políticas públicas de saúde, quando estas
não alcançam o fim precípuo, como se pode observar do acórdão do Agravo no
Recurso Extraordinário 271.286/RS (aqui utilizado como paradigma) a seguir
transcrito:
PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS
FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO
PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196)- PRECEDENTES
(STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE
REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL
INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA . - O direito público subjetivo
à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República
(art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a
quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive
àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar . - O direito à saúde -
além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas
as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do
direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa
brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da
população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão,
em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA
NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM
PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter
programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem
por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano
institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena
de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas
pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de
seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A
PESSOAS CARENTES . - O reconhecimento judicial da validade
jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a
pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS,
dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da
República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu
alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde
das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada
possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de
sua essencial dignidade. Precedentes do STF.27
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – RE-AgR: 271286 RS, Relator: CELSO DE MELLO, Data de
Julgamento: 12/09/2000, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-
02013-07 PP-01409. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, outrossim, ao se manifestar em
casos concretos envolvendo medicamentos e tratamentos médicos, tem adotado o
entendimento de que o caráter fundamental do direito à saúde se sobrepõe à
suposta ausência de orçamento para cobertura dos custos, conforme exemplifica o
julgado a seguir transcrito:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. PRELIMINAR INADEQUAÇÃO
DA VIA ELEITA. AFASTADA. GARANTIA CONSTITUCIONAL À
SAÚDE. ENFERMO HIPOSSUFICIENTE. DIREITO
RESGUARDADO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. I – Preliminar
Inadequação da via eleita Não ocorrência, pois a prova documental
que instrui a petição inicial atende ao fim a que se destina, qual seja,
a comprovação do alegado direito líquido e certo Preliminar rejeitada.
II – As garantias à vida e à saúde encontram-se alçadas na
Constituição Federal (art. 196) à categoria de direitos fundamentais,
portanto, de aplicabilidade e eficácia imediatas, cabendo ao Estado
velar por sua promoção e proteção, conferindo primazia ao Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana. III – Comprovada a
imprescindibilidade do medicamento reclamado, o que feito através
de categóricos relatos médicos que descrevem a moléstia e a
necessidade de utilização do fármaco para o êxito do tratamento do
paciente, é imperativa a procedência do pedido, mormente em face
da inequívoca premência de proteção à vida digna, bem jurídico
maior. IV – Recomendam a eficiência e a moralidade que sejam
especificados os remédios a serem fornecidos e condicionada a
entrega dos mesmos à exibição e retenção da correspondente
receita médica. V –Concedida a Segurança28
Assim, nota-se que há, no ato do controle das políticas públicas pelo Poder
Judiciário, a sobreposição dos direitos sociais fundamentais aos supostos entraves
orçamentários, primando-se pelo resguardo de um mínimo básico para a existência
digna dos indivíduos, mais ainda quando há verdadeira falha na execução das
políticas públicas voltadas a esse fim.
AZEVEDO, Solange. Remédios nos tribunais. Época, n. 501, p. 68-70, 24 dez. 2007.
Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80696-8055-
501,00-REMEDIOS+NOS+TRIBUNAIS.html>. Acesso em: 11 nov. 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas,
2015.
MALHEIRO, Emerson. Curso de Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas,
2015. p. 7-24.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2 ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2015.
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a obser-
vância aos princípios do SUS. Revista de Saúde Pública, São Paulo , v. 42, n. 2,
p. 365-369, apr. 2008. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0034-89102008000200025&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:
11 Nov. 2015.