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Secretaria de Estado da Cultura apresenta

Um povo que conhece sua história, compreende seu


passado e trabalha com perseverança no presente é
capaz de traçar com precisão o caminho para o futuro.

A Josapar não só acredita como se identifica com Pelotas


nesses aspectos. É por isso que, mais uma vez, está ao
lado desta magnífica obra.

No Volume 3 do Almanaque do Bicentenário de Pelotas,


a Princesa do Sul é retratada em sua contemporaneidade.
Assim como a Josapar, a cidade caminha na direção da
originalidade e da descoberta.

Orgulho, inovação e respeito são a essência que pauta


nosso trabalho diário e da vida dessa cidade tão singular.
É uma honra para a Companytec fazer parte de uma
iniciativa que tem por objetivo preservar e registrar a
história de Pelotas. Um povo que procura resgatar seu
passado sabe exatamente aonde quer chegar e se
projeta melhor no futuro.

Princesa do Sul! Por acreditar na sua potencialidade é que


fazemos questão de manter aqui nossas raízes. Muito do
nosso crescimento lhe é devido, pois forjou-nos com mão
de obra moldada em toda sua cultura, educação e valores.
Princípios estes que temos orgulho de levar para todas as
regiões do Brasil.

A tecnologia inovadora que desenvolvemos, graças aos


profissionais qualificados no polo educacional da cidade,
levou-nos à posição de liderança nacional e nos promete
grandes oportunidades internacionais para onde
levaremos o nome Pelotas.

Sob os pilares social, ambiental e econômico, buscamos


contribuir a cada dia com o progresso da nossa sociedade,
perpetuando para o futuro tudo o que nos caracteriza
como um povo próspero, honesto, feliz e receptivo.

Este é nosso compromisso com Pelotas, que se traduz


também no apoio a ações como esta, que são relevantes
para a comunidade na qual estamos inseridos.

A obra Almanaque do Bicentenário de Pelotas é de grande


valia por si só, mas fica ainda mais grandiosa por gravar,
indelevelmente, em nossa memória tão respeitada história.
8
Pelotas tem na sua origem a miscigenação e o faro pelo
trabalho árduo e digno. Amparados no apego religioso,
este povo fez história.

Nos tempos idos teve como principal imigração na região


a vinda de portugueses, oriundos principalmente do
arquipélago de Açores, que influenciaram na cultura do
município, principalmente na arquitetura e na culinária.
Formaram aqui as charqueadas que por muito tempo
foram a atividade de destaque na região e no Estado.
A grande expansão das charqueadas fez com que
Pelotas fosse considerada a verdadeira capital
econômica da província, vindo a se envolver em todas
as grandes causas cívicas.

Outros imigrantes importantes também vieram para a


região. Os alemães, na maioria oriundos da Pomerânia,
fixaram-se na zona rural do município, onde
desenvolveram um trabalho com a terra, refletindo
uma cultura forte do cultivo de pêssego e aspargo.
Também são dignas de nota outras etnias que em
Pelotas estabeleceram residência, como africanos,
talianos, poloneses, franceses, judeus e árabes libaneses,
estes com vocação para o comércio, tradicional até
os dias de hoje.

Com a mistura étnica que caracteriza Pelotas, não é


surpreendente que seja um rico centro cultural e artístico,
sendo conhecida como a Atenas Rio-Grandense. Tanto a
zona urbana quanto a rural de Pelotas contam com
monumentos, paisagens e belas vistas, que a tornaram
conhecida na mídia nacional. Sua diversidade étnica
também reflete no culto religioso da cidade, detentora
de belíssimas igrejas e locais de culto.

Berço e morada de inúmeras personalidades da cultura


nacional, tem na arte e em seus teatros uma história
riquíssima. Mas não só de arte se alimentava a população,
tendo em sua terra grandes forças do
futebol do Estado. Ora Brasil, ora Pelotas, outra grande
parcela Farroupilha. A paixão do seu povo pelo esporte é
marca de suas torcidas apaixonadas e leais, herança da
cultura que forma esse torrão tão hospitaleiro e
reconhecido.

Pelotas, tua arte, arquitetura e esforço são reconhecidos


na paixão do seu povo trabalhador e no orgulho de levar
o seu nome aos mais distintos cantos, estampado na
camisa e no coração.
Planejamento cultural: Capa e projeto gráfico:
Gaia Cultura & Arte Nativu Design

Produção executiva: Direção de arte:


Lua Nova Produção Cultural Valder Valeirão (Nativu Design)

Coordenação geral: Imagem da capa:


Duda Keiber Pescadores da Colônia Z3 recolhendo redes “aviãozinho”.
Pelotas / Lagoa dos Patos, próximo à Ilha da Feitoria, 2006.
Coordenação editorial e organização: Fotógrafo: Nauro Jr.
Luís Rubira
Revisão:
Co-Produção: Duda Keiber e Mariana Heineck
Beatriz Araújo
Impressão e acabamentos:
Pesquisa e Seleção de Imagens: Gráfica Editora Pallotti
Guilherme P. de Almeida e Luís Rubira
Impresso no Brasil
Seleção de fotografias do período 2000-2014: Todos os direitos reservados
Alexandre Mattos, Duda Keiber e Guilherme P. de Almeida
1a Edição: 2014
Acervos e fontes das Imagens: Alcir Nei Bach, Alexandre Luna, Tiragem: 1000 exemplares
Aline Montagna, Arthur Victoria, Bibliotheca Pública Pelotense,
Biblioteca Riograndense, Cíntia Wieth Piegas, Cleonice Gonçalves
de Morais, Custódio Lopes Valente, Eduardo Arriada, Eduardo P.
de Almeida, Emerson Ferreira, Fábio Zündler (Pretérita Urbe), Gui- Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
lherme P. de Almeida, Hélio Freitag Jr., Igreja do Sagrado Coração __________________________________________________
de Jesus, Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão, Ja- R896a Rubira, Luís (Org.)
naína Vergas Rangel, Jonia Haag Tavares, Leni Dittgen de Oliveira,
Lúcio Xavier, Luís Rubira, Memorial Theatro Sete de Abril, Museu Almanaque do Bicentenário de Pelotas. / Organizado
e Espaço Cultural da Etnia Francesa (Fábio Cerqueira/Cristiano por Luís Rubira (Projeto LIC: Gaia Cultura & Arte). v. 3:
Gehrke), Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira da UFPel, Economia, Educação e Turismo. Textos de Pesquisadores e
Osvaldo Andrade, Prefeitura Municipal de Pelotas, Sady Peters, Imagens da Cidade. – Pelotas/RS: PRÓ-CULTURA-RS
Sérgio Osório, Simone Neutzling, UCPel (Laboratório de Acervo / EDITORA JOÃO EDUARDO KEIBER ME, 2014.
Digital/Pelotas Memória de Nelson Nobre Magalhães), Valquíria,
640 p.:il.
Vinícius Centeno Araújo, Vinícius Porto, Vitor Ramil.
ISBN: 978-85-66303-03-2
Fotógrafos convidados: Alexandre Neutzling, Andressa Machado,
Camila Hein, Chico Madrid (in memoriam), Cintia Langie, Daniel 1. Pelotas. 2. História de Pelotas – Rio Grande do Sul. I.
Giannechini, Eduardo Beleske, Fabiano da Silva Carvalho (Fly Título.
Camera Pelotas), Fábio Caetano, Fabrício Marcon, Felipe Campal,
Giovana Kleinicke, Gustavo Fonseca (Rastro Imagem), Herbert CDD 981.657
Mereb, Ítalo Santana, Juliana Charnaud, Leandro Karam, Luiz __________________________________________________
Paiva Carapeto, Moizés Vasconcelos, Marcelo Freda Soares, Nauro Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária
Júnior, Pablo Ribeiro (Rastro Imagem), Paulo Rossi, Rael Castro, Daiane Schramm – CRB 10/1881
Rafael Marin Amaral, Raul Garré, Renata Freitas, Rodrigo Osório,
Tiago Klug, Valder Valeirão, Vilmar Tavares (in memoriam). Edição sem fins lucrativos, de caráter histórico, educativo e cultural.

Ilustrações de abertura dos Cadernos do Bicentenário: James Duarte www.almanaquedepelotas.com.br


Com amor, que rege as relações humanas, agradecemos à comunidade pelotense, história viva fora destas páginas,
e dedicamos este volume às águas sagradas dos arroios Pelotas e Santa Bárbara, do canal São Gonçalo e da Lagoa dos Patos e
pela sua importância na formação da cidade.

Alexandre Mattos, Duda Keiber e Fernando Keiber, março de 2015. 11


19 APRESENTAÇÃO
ALMANAQUE DO BICENTENÁRIO DE PELOTAS (VOL. 3)
Luís Rubira
37 PELOTAS: 2.500 ANOS DE HISTÓRIA INDÍGENA
Rafael Guedes Milheira
57 AFRICANOS E AFRODESCENDENTES EM PELOTAS:
EXPERIÊNCIAS DE SOCIABILIDADE E DE AFIRMAÇÃO POLÍTICA
Caiuá Cardoso Al-Alam, Carla Silva de Avila e Fernanda Oliveira da Silva
81 A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA PELOTENSE (1880-1940)
Beatriz Loner
109 AS FÁBRICAS DE COMPOTAS DE PÊSSEGO
NA ZONA RURAL DE PELOTAS (1950 A 1970)
Alcir Nei Bach e Margareth Acosta Vieira
139 O GOLPE CIVIL-MILITAR EM PELOTAS E
SUAS CONSEQUÊNCIAS A PARTIR DE 1964
Renato Della Vechia e Marília Brandão Amaro da Silveira
163 TÃO DIFERENTES E SEMPRE IGUAIS: RESULTADOS E SIGNIFICADOS
DAS ELEIÇÕES PARA PREFEITO DE PELOTAS (1968-2012)
Álvaro Barreto
191 NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DA DOENÇA EM PELOTAS
Lorena Almeida Gill

209 CADERNOS DO BICENTENÁRIO


211 7. NOTÍCIA DE ALBERTO COELHO DA CUNHA (1853-1939)
Eduardo Arriada
225 8. A SIGNIFICAÇÃO CULTURAL DE JANUÁRIO COELHO DA COSTA
Luís Borges
243 9. O TEATRO DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO
João Luis Pereira Ourique
267 10. “NEM MESMO O PAPA PODE DISPOR DOS BENS DE SÃO FRANCISCO”
Caio Ricardo Duarte Ribeiro (In Memoriam)
295 11. AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM PELOTAS:
NOTAS E IMAGENS ICONOGRÁFICAS
Marília Floôr Kosby
313 12. “COM PÉS DE LÔ: APONTAMENTOS SOBRE A INSERÇÃO E
LEGITIMAÇÃO DO ESPIRITISMO EM PELOTAS
Marcelo Freitas Gil
345 13. A ETNIA ALEMÃ EM PELOTAS: UMA HISTÓRIA
QUE PRECISA SER RECONTADA
Sérgio Schwanz
367 14. CARTÕES POSTAIS: IMAGENS QUE ENCANTAM,
BELA MODA QUE SEDUZ
Eduardo Arriada e Elomar Tambara

407 ENTRE A OPULÊNCIA ARISTOCRÁTICA E O MARTÍRIO DOS ESCRAVOS:


OS SETORES MÉDIOS URBANOS EM PELOTAS NO SÉCULO XIX
Luciana da Silva Peixoto e Fábio Cerqueira
433 O CULTIVO DO ARROZ: A IMPRENSA LOCAL E O DESENVOLVIMENTO
DESTA CULTURA EM PELOTAS DO SÉCULO XIX AO XXI
Gabriela Brum Rosselli
451 O ENSINO PRIMÁRIO EM PELOTAS (1912-1980)
Vanessa Teixeira Barrozo
471 O ENSINO SECUNDÁRIO: FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DAS ELITES
(1912-1970)
Eduardo Arriada
493 O ENSINO SUPERIOR: DA FUNDAÇÃO DO LICEU DE AGRONOMIA E
VETERINÁRIA (1883) À CRIAÇÃO DA UCPEL (1960) E DA UFPEL (1969)
Elomar Tambara
517 PELOTAS, “CENTRO DE OUTRA HISTÓRIA” DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA (1960-2012)
Diego Queijo
541 ALGUMAS MEMÓRIAS DE PELOTAS:
A HISTÓRIA CONTADA POR QUEM VIVEU
Ana Isabel Pereira Corrêa
559 FUTEBOL, UMA PAIXÃO: PELOTAS, FARROUPILHA, BRASIL DE PELOTAS
(E ICONOGRAFIA DOS TIMES AMADORES).
Duda Keiber, Fabrício Xavante, Paulo Gastal Neto e Ewaldo Poeta
577 A PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL EM PELOTAS:
UM OLHAR SOBRE A SUA TRAJETÓRIA (1955-2014)
Ana Lúcia Costa de Oliveira e Aline Montagna da Silveira
592 PELOTAS BICENTENÁRIA

612 A CIDADE SEM FIOS


Rafael Barros

619 ALMANAQUE DO BICENTENÁRIO DE PELOTAS,


UMA HISTÓRIA POR DETRÁS DA HISTÓRIA
Duda Keiber

627 NOTAS INTRODUTÓRIAS À ICONOGRAFIA DO


ALMANAQUE DO BICENTENÁRIO DE PELOTAS (VOL. 3)
Guilherme Pinto de Almeida
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APRESENTAÇÃO

Almanaque do Bicentenário de Pelotas (Vol. 3)

Luís Rubira1

Pelóta, s.f.: Couro de boi em cujas extremidades se faz um apanhado de maneira a


formar um bojo como de cesto: serve para transportar gente de um lado ao outro
do rio, quando não há canoa; e é puxada a reboque por cavalo a nado, ou por um
homem nadador que a leva presa aos dentes por uma corda. (CORUJA, A. Collecção
de vocabulos e frases usados na Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul no Brazil.
Londres: Trübner e Comp., 1856).

Pelotas, patrimônio histórico do Rio Grande do Sul? 1


Graduado em Filosofia
pela Universidade Federal
A Comissão do Patrimônio Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Pelotas (UFPel, 1995),
Grande do Sul, reunida em sessão extraordinária no dia 21 de abril de 1978, sintetizava num Mestre em Filosofia pela
importante documento “a sua posição diante da destruição de prédios e outros monumentos de Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul
valor arquitetônico e histórico”. Nele, pedia “a criação, pelo governo estadual, de um organismo (PUC/RS, 2000), Doutor em
que se responsabilize pela proteção do patrimônio cultural rio-grandense”. Intitulado “Carta Filosofia pela Universidade
de Pelotas”, este documento que foi publicado em sua íntegra no dia seguinte trazia já, em de São Paulo (USP, 2009),
e Pós-Doutorando pela
suas linhas iniciais, o motivo daqueles especialistas terem escolhido a “Princesa do Sul” para Université de Reims/França
realizarem o seu manifesto: (URCA, 2014-2015). É
autor de Nietzsche 1944:
os intelectuais brasileiros no
Os arquitetos do Rio Grande do Sul, estarrecidos com o que diuturnamente assistem centenário do filósofo alemão
ou são informados em relação à dilapidação do Patrimônio Ambiental Urbano das e de Vitor Ramil: nascer leva
cidades gaúchas, cujos valores são impossíveis de serem substituídos, vêm firmar posição tempo (no Prelo).
intransigente na defesa dos mesmos. Para registro de suas atitudes (...) optaram, no
espaço, pela cidade de Pelotas, um dos repositórios maiores das tradições de civilização
material dentro do território rio-grandense (Correio do Povo, 22/04/1978).

O primeiro Inventário do Patrimônio Cultural edificado de Pelotas ocorreu em 1983. Tratava-se


de um esforço em tentar preservar o complexo arquitetônico da cidade que desde o século XIX
atraíra o olhar de tantos viajantes e cronistas, e cuja importância havia sido tão bem definida pela
voz de especialistas que falavam com conhecimento e precisão sobre o tema. Uma definição que,
aliás, também encontrava eco nos habitantes locais no mesmo período, fascinados pela cidade
que os rodeava, tal como é o caso de um jovem artista, irmão de Kleiton e Kledir, que há poucos
anos iniciara a sua carreira como músico: “ontem eu vinha descendo a Quinze e pensando:
tinham que ser preservados os prédios de Pelotas. É uma cidade lindíssima. Acho que por isso que
tem tanta gente fazendo arte aqui. (...) em Pelotas tem de ser preservado tudo. Tinham que parar
de destruir os canaletes, calçar as ruas com paralelepípedos regulares, ao invés de asfalto - que
não tem nada a ver com a cidade”. (MARTINS, L. e CABISTANY, T. “Algo de novo. Entrevista: Vitor
Ramil”. In: Diário da Manhã, Pelotas, 25/12/1983).

A sensibilidade de arquitetos, de pessoas ligadas à esfera da cultura e de outras capazes de perceber


o fenômeno singular de nossa arquitetura no interior do estado e no país, todavia, estava numa via
oposta àquela de muitos proprietários de imóveis da cidade. Conforme observam as pesquisadoras
Ana Oliveira e Aline Silveira em artigo publicado neste terceiro volume do Almanaque do Bicentenário:

No ano de 1987 foi realizado o Inventário do Patrimônio Histórico de Pelotas


[PMP] que arrolou um número significativo de edificações de valor patrimonial na
área urbana de Pelotas, passíveis de tombamento. Esse fato ocasionou uma reação
contrária por parte dos proprietários de imóveis da cidade; da noite para o dia, vários
casarões foram demolidos, e seus proprietários recorreram no nível administrativo e
judiciário. O poder público, fragilizado e despreparado, não conseguiu conter esses
atos depredativos da época (RINALDI, 1995).

Baseando-nos na reflexão que envolve o patrimônio arquitetônico, cujos “valores são impossíveis
de serem substituídos”, e estendendo-a para o conjunto da história da cidade bicentenária, a
questão que colocamos é: que fizemos nós com o legado de nossos antepassados? E mais: o que
podemos fazer a partir dele?

***

Se no ano de 2012, no qual a cidade oficialmente completava 200 anos, as instituições públicas
falharam na organização de algum tipo de evento que buscasse se aproximar das festividades
que João Simões Lopes Neto registrou na Revista do 1o centenário de Pelotas, em 2013 o poder
público dava manifestações de seu engajamento pela recuperação da memória e história da
cidade. Trinta anos depois do primeiro Inventário do Patrimônio Cultural edificado de Pelotas,
a Secretaria Municipal de Cultura realizou o “Dia do Patrimônio”. Circularam então entre os
pelotenses milhares de exemplares de um impresso que levava o título: “O que é o patrimônio?”.
Nele havia diversos textos em torno do tema, entre eles de Beatriz Araújo, Secretária de Cultura,
e o de Alberto Quintela, Diretor Geral da Comissão do Patrimônio Cultural da República Oriental
do Uruguai (país vizinho que há 18 anos celebra o Dia do Patrimônio). Entre os dias 17 e 18
de Agosto foi realizada, então, uma extensa programação nas dezenas de prédios históricos da
cidade que abriram suas portas para visitação do público.

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No mês seguinte, dando continuidade a um projeto iniciado em Julho, integrantes do “Almanaque
do Bicentenário” realizaram um encontro na Bibliotheca Pública Pelotense para tratar do tema:
“Pelotas, cidade histórica?”. Na ocasião reuniram-se professores universitários convidados e o
público em geral. Algumas observações pareciam sintetizar nossa situação atual em relação à
cidade. Entre elas, o círculo vicioso de pensamento que muitas pessoas têm de que “o antigo tem
de ser destruído, descartado”. Apontou-se também o fato de que existe uma “irresponsabilidade
pública, privada e particular” em relação ao patrimônio arquitetônico, e que em nossa cidade “a
destruição é avassaladora, brutal, imperceptível” - algo que se estende também para a dispersão
de tudo aquilo que diz respeito à nossa memória, tal como é o caso dos livros e de outros objetos
que estão vinculados ao processo histórico da cidade. Neste sentido, um dos pesquisadores
presentes chegou a afirmar que, da quase totalidade dos livros que adquiriu em Porto Alegre
em antiquários ou sebos, “40% tem a estampa ‘vende-se na Livraria Americana’” (Livraria criada
em Pelotas no século XIX), lamentando que “parte deste patrimônio foi perdido para sempre em
Pelotas”. Do mesmo modo, durante a reflexão sobre o que define uma “cidade histórica”, foi
resgatada uma noção da Conferência de Atenas (realizada na década de 1930) que consiste em
preservar não somente os monumentos, mas também o seu entorno, ou seja, todo o conjunto
(no caso do centro histórico de Pelotas conservar não somente os prédios, mas também valorizar,
por exemplo, o antigo calçamento e a volumetria).

Durante o debate sobre a cidade que ainda é “um dos repositórios maiores das tradições de
civilização material dentro do território rio-grandense”, muitas questões emergiram. Ao longo das
últimas décadas, estariam os herdeiros de prédios - de reconhecido valor histórico - desprovidos
da cultura e do bom gosto necessários para a preservação dos mesmos? A destruição que avança
a cada dia no centro histórico da cidade, seria ela responsabilidade de muitos especuladores
imobiliários, cujo único valor na existência reduz-se ao lucro? Por que razão nossa classe
média/elite iniciou um processo de distanciamento sucessivo do núcleo histórico da cidade,
primeiramente em luxuosas residências próximas à avenida Bento Gonçalves, depois avançando
para a avenida Dom Joaquim e agora construindo opulentas residências e condomínios fechados
em zonas cada vez mais distantes? Ao contrário de outras cidades brasileiras, por que os bancos
privados investem tão pouco na compra e preservação de nossos prédios históricos? A câmara
de vereadores, que um dia já ocupou um prédio em frente à praça central: que significa ela não
ter se empenhado em restaurar e ocupar o antigo edifício na diagonal da Prefeitura? Ou mesmo
o Banco que já foi proprietário do prédio: não poderia ter proposto ali um Centro Cultural, a
exemplo do que fez em outras partes do país? Na cidade que construiu seu Mercado Municipal
na área central, longe do leito fluvial, não havia um sinal de que um de nossos potenciais girava
não em torno da Indústria, mas do comércio? Caso afirmativo, não é uma traição que após o
Mercado ter sido restaurado e entregue à comunidade nossa classe média/elite atual não tenha
dele se apropriado? Esta atitude decorre de pessoas que admiram os Mercados existentes em
Montevideo e Buenos Aires, Porto Alegre e Florianópolis, mas desprezam por algum motivo
oculto o de sua própria cidade? E em se tratando do Mercado, não estaria na hora dele ser o
centro mais importante de recepção do turismo na cidade, mas também o rosto dos produtos da
nossa região colonial – tão abandonada durante e após o período do regime militar?

E mais circunstancialmente: que papel negativo desempenham ainda hoje pesquisadores que
menosprezam a alta arquitetura da cidade em função dos charqueadores? Acaso não esquecem
eles que preservar os prédios poderia ser uma forma de reconhecer os esforços dos cativos que,
colocando “tijolo por tijolo num desenho lógico”, derramaram seu suor na construção da cidade?
E as pessoas da comunidade em geral que classificam as antigas residências como “casas velhas”,
não sofrem do mal da ignorância, sendo vítimas ingênuas da enganosa noção de “progresso”?

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Isto seria resultado, por sua vez, do fato de que em todas as classes sociais o brasileiro (e o
pelotense) prefira ver-se fotografado em frente a prédios históricos de diversos outros países e
destrua os seus? E não circulam por Pelotas revistas de especulação imobiliária nas quais não
existe nenhuma palavra sobre comprar imóveis comerciais antigos para restaurar, investir capital
privado na compra de prédios do centro histórico para moradia? Por que nelas só se mostram
uns poucos imóveis preservados a muito custo pelo poder público? Onde andará o chafariz
desaparecido? Onde foram parar os postes de ferro da Belle Époque?

Durante a mesa “Pelotas, cidade histórica?”, uma observação, pelo menos, trazia uma esperança.
A lembrança de que em face da catástrofe da Primeira Guerra Mundial, os habitantes de Reims, na
França, após verem quase 70% de seus prédios destruídos, reconstruíram sua cidade, atualmente
presente na lista do Patrimônio Histórico da UNESCO.

***

Pelotas, cidade universitária?


Na cidade que, sem sombra de dúvida, tem um patrimônio arquitetônico que necessita ser
valorizado e preservado, posto que nele está um dos principais potenciais para o futuro (o
desenvolvimento do turismo), nossos antepassados souberam delinear uma outra vocação (além
da vocação para a cultura): a do Ensino Superior. Ao redor da Prefeitura, a criação da Bibliotheca
Pública Pelotense e a do Lyceu de Artes e Ofícios representam os dois fenômenos da segunda
metade do século XIX que apontam a relação de Pelotas para com o conhecimento e o ensino.

Em torno do tema “Pelotas, cidade universitária?”, estiveram juntos no mês de outubro de 2013
na Bibliotheca Pública Pelotense os reitores Mauro Augusto Burckert Del Pino (UFPel), José
Carlos Pereira Bachettini Jr. (UCPel) e professor Antonio Cesar Gonçalves Borges (ex-reitor da
UFPel). Criada em 1969, a UFPel praticamente dispensa apresentações. Possui atualmente 98
cursos de Graduação (bacharelado, licenciatura, tecnológico e educação à distância) e 90 de Pós-
Graduação (Especialização, Mestrado, Doutorado, Residência Médica e Residência Profissional).
Dela provém uma vida universitária ativa, na qual estão envolvidas diariamente cerca 30 mil
pessoas, entre professores, servidores e estudantes – alunos dentre os quais cerca de 5 mil
dependem de bolsas anualmente concedidas pela instituição. A UCPel, por sua vez, sendo a
“primeira Instituição de Ensino Superior do interior do Rio Grande do Sul”, também possui
dezenas de cursos de graduação e pós-graduação (Mba, especialização, mestrado, doutorado,
residência médica). Sem buscar fins lucrativos, permite que alunos da escola pública nela estudem
gratuitamente, fornecendo bolsas anuais para um contingente de 2.500 alunos. Trata-se de duas
Instituições de Ensino Superior em Pelotas que, somadas a outras existentes na cidade, possuem,
a cada ano, um orçamento muito superior ao da Prefeitura Municipal – o que por si só representa
um forte argumento em favor da ideia de “cidade universitária”. Há, evidentemente, uma grande
dependência da cidade em relação às instituições de ensino superior.

Durante o encontro, houve unanimidade em relação a alguns pontos: caso as duas universidades
abandonassem o atendimento no sistema de saúde, a região entraria em colapso; o ensino,
a pesquisa e a extensão, embora tragam benefícios para a comunidade local e regional, são
reconhecidos como incipientes (“o que está dentro da universidade atinge a cidade?”, “a
cidade recebe a produção da universidade?”). Além disso, embora no século XX tenha existido
competição entre a UFPel e a UCPel, sendo que ambas também herdaram as mazelas de uma

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“cidade universitária não planejada”, há necessidade de unir esforços no século XXI para criar
espaços unificados de vida estudantil.

No transcorrer do diálogo, novas dúvidas se instalaram: não ocupa Pelotas um lugar estratégico
no sul do país, visto que sua geografia indica todo um potencial em relação ao Mercosul na esfera
da educação? Um projeto como o “Mercosul Multicultural” não realizaria a vocação da cidade
para com a educação e a cultura criando um ativo intercâmbio e união solidária com os países
próximos de nós? Não é preciso estreitar os laços institucionais e culturais com Montevideo e
Buenos Aires? E o que pensar de um potencial ainda pouco explorado de instituições de Ensino
Superior que estão próximas do polo naval de Rio Grande, do patrimônio ambiental que é a
Lagoa Mirim, da ligação fluvial com o Uruguai? Não pode tudo isto trazer maior desenvolvimento
para a região? Somando-se ao ensino primário e secundário, não há aproximadamente 60 mil
estudantes por ano em Pelotas? Agregados a eles não vêm também para a cidade centenas de
familiares? Não representa todo este contingente aproximadamente um quarto da população
local? Qual é a contrapartida das empresas privadas para com as universidades, visto que
muitas delas lucram com a vida universitária? Para combater a especulação imobiliária e as más
condições em que vivem muitos estudantes e seus familiares, não é urgente criar residências
estudantis dignas? As Instituições de Ensino Superior não deveriam se apropriar, em benefício
dos alunos, de um mercado que lucra com a indústria das formaturas, da organização de festas
e dos aluguéis para a realização dos eventos? Não seria o caso de retornar as formaturas no
castelo Dr. Augusto Simões Lopes, tal como as elites faziam anos atrás, socializando um espaço
belo e abandonado? O que oferecer para os formandos depois de terminada a etapa acadêmica?
E o poder público, não deveria dar atenção especial para a segurança dos estudantes, não só
porque eles representam um dos grupos mais significativos da população, mas porque são um de
nossos maiores patrimônios? E o que dizer dos meios de transporte? Não é mais do que urgente a
necessidade de criar ciclovias que unifiquem as diversas faculdades e universidades da cidade? Ou
seria possível ainda refazer os caminhos dos antigos bondes e implementar trens de superfície, a
exemplo das cidades europeias? Ou aproveitar o leito fluvial e implementar o transporte também
por embarcações?

Questões que somam-se a outras que nos são caras: sendo a UFPel uma das únicas universidades
que possui um Campus à margem de leito fluvial, não seria o caso de criar uma única biblioteca
(a exemplo da PUCRS e da Unisinos) com vista para o canal de São Gonçalo? E o Lyceu, matriz do
ensino superior, não poderia ser o local centralizador de defesas públicas de dissertações e teses
acadêmicas (momento de retorno do conhecimento para a comunidade)? Não poderia ele abrigar
uma biblioteca de livros raros? Não existe no seu prédio anexo todas as condições, incluindo aí
seu local estratégico, seu valor simbólico para a universidade, seu pátio interno que permite a
convivência e a segurança, para abrigar uma Sala de Cinema Universitário?

Para além das interrogações, uma certeza: o protagonismo da UFPel entre os anos de 2005 e
2012, com a aquisição de dezenas de prédios históricos que estavam abandonados, entre os quais
o antigo Frigorífico Anglo, a Cervejaria Sul Rio-Grandense, a Cotada, a Alfândega, o Grande
Hotel. Uma iniciativa que levou à criação do “Corredor da Educação Superior” e à revitalização
da zona do Porto, causando um desenvolvimento não somente na Universidade, mas na cidade
como um todo.

***

23
Para uma nova interpretação da História de Pelotas
A definição de “Pelotas” que colocamos ao início desta apresentação do último volume do
Almanaque encontra-se num pequeno e raro livro de Antônio Álvares Pereira Coruja. Quando
escreveu o prefácio de seu opúsculo, ele estava no Rio de Janeiro, cidade que habitava desde 1837
por sofrer perseguição devido ao seu engajamento na Revolução Farroupilha. Nascido em Porto
Alegre no ano de 1806, era um intelectual com sólida formação nas letras, nomeado em 1835 pela
Presidência da Província “para a cadeira de filosofia Racional e Moral (...) e dispensado, pelo mesmo
ato, do exercício da Gramática Latina” (Laytano, D. Manual de fontes bibliográficas para o estudo
da história geral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
UFRGS, 1979). No prefácio escrito aos 45 anos de idade, ele identificava-se como alguém criado no
Rio Grande do Sul “em relação tanto com as gentes da cidade como com as da campanha”.

No Vocabulário que entregava para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a palavra


“Pelotas” (sem o “s”) surgia pelas mãos e pela memória de um filólogo que há tempos conhecia a
língua sul-rio-grandense. Uma palavra com a qual ele provavelmente tomara contato bem antes
do momento em que Auguste de Saint-Hilaire a descrevia em seu Viagem ao Rio Grande do Sul.
Especulação à parte, o que queremos dizer é: muito está ainda por ser descoberto e investigado
sobre a história de Pelotas. Além disso, são também necessárias novas ferramentas de interpretação
sobre a cidade. É preciso sair das polarizações entre uma história que foi mal compreendida a
partir de uma leitura pouco exegeta do positivismo de Comte ou de uma abordagem superficial
da obra de Marx. Em face da complexa história da cidade, não é hora de começar a tentar
interpretá-la a partir de pensadores como Walter Benjamim, visto que talvez esteja aí um bom
começo para entender todas as “passagens” que a cidade criou no século XIX? Ainda não temos
o antídoto, mas o diagnóstico é bastante claro:

Diversos autores têm, há muitas décadas, escrito sobre a história de Pelotas. Em


caráter acadêmico ou literário, esses autores se esforçam para resgatar e tornar
públicos os fatos e os acontecimentos que sucederam desde os primórdios da
fundação da Freguesia de São Francisco de Paula. Uma história de “opulência e
cultura” nas palavras de Mario Osorio Magalhães, ou de “barro e sangue” nas de
Ester Gutierrez, mas acima de tudo, uma história que invariavelmente provoca de
um lado o orgulho por seu passado glorioso e, de outro, o desconforto pelo martírio
da escravidão (CERQUEIRA, F. & PEIXOTO, L. “Entre a opulência aristocrática
e o martírio dos escravos: os setores médios urbanos em Pelotas no século XIX
[evidências da arqueologia histórica e da cultura material]”).

***

Tendo como fio condutor a educação, a economia e o turismo, o volume 3 do Almanaque


procurou resgatar a figura do índio, tão esquecida ao longo da história; conferiu também valor
aos afrodescendentes e aos operários urbanos e aos trabalhadores da zona rural, que tanto
fizeram pela cidade. Ao posicionarmos um texto sobre a ditadura militar, indicamos ao leitor que
as transformações em Pelotas, a partir da segunda metade do século XX, precisam ser pensadas
dentro de um contexto político mais amplo que atingiu toda a América Latina e mudou o eixo
de relações da economia e cultura letrada Europeia para a economia e cultura de massas norte-
americana. O efeito de tal mudança pode ser percebido, por exemplo, no texto que trata das
eleições para prefeito em Pelotas. Nos “Cadernos do Bicentenário”, a exemplo do volume 2,
buscou-se resgatar temas diversos. Não nos foi possível ultrapassar o número 14 (até mesmo para

24
fazer referência ao ano em que concluímos este último volume), mas outros podem levar adiante
a publicação dos “Cadernos”. Os demais textos e a obra em conjunto procuram mostrar o que
temos de potencial e quais são alguns dos caminhos a serem percorridos.

É certo que ao longo dos três volumes do “Almanaque” muitos temas ficaram de fora. Mas a
“falta”, como ensinou Lacan, não é um elemento inerente ao humano? Apesar disso, sempre
existirão os pseudo-críticos que rosnam como cães presos na corrente de seus ressentimentos e
mudam o mundo atrás de uma mesa ou em fofocas de bastidores. Mas eles são, como bem disse
Sérgio Buarque de Holanda, apenas homens cordiais. Diante das mil possibilidades existentes,
procuramos, num espaço e tempo exíguos, envolver um número máximo de pesquisadores.
Buscamos também respeitar o modo como cada um apresentou seu texto, pois, por detrás das
diferenças de estilo, todos contribuíram para que pudéssemos fornecer este primeiro esboço de
unificação da história da cidade por meio de textos e imagens.

Agradecemos a inestimável possibilidade que nos foi fornecida pela Lei de Incentivo à Cultura
do Estado do Rio Grande do Sul (LIC/RS), e as Empresas Josapar, Biri e Companytec, empresas
locais que viabilizaram a concretização do projeto, bem como a todos aqueles que, a seu modo,
contribuíram para a realização do mesmo. Terminemos então com uma frase que estava na “Carta
de Pelotas”, publicada em 1978. Ao tratar da singularidade de nosso patrimônio arquitetônico,
ela exprimia o sentimento que, anos depois, moveu toda a equipe do Almanaque do Bicentenário:

Só se protege o que se ama, mas só se ama o que se conhece.

Paris, novembro de 2014

25
1 2 3

4 5 6

1. Theatro Guarany e Rua Lobo da Costa. Vista na direção leste. Década de 1960. 2. Rua Santos Dumont. Santa Casa de Misericórdia. Década de 1960.
3. Escola Normal Assis Brasil. Vista geral. Década de 1960. 4. Instituto de Menores. Sede definitiva. Av. Domingos de Almeida, Bairro Areal.
5. Avenida Dom Joaquim Ferreira de Mello. Colégio Estadual Cassiano do Nascimento. Sede definitiva. 6. Antiga Escola Técnica de Pelotas, atual Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), à Praça Vinte de Setembro.
7 8 9 10

15 16 17

7. Praça Cipriano Barcelos. Vista parcial da parte central, destacando-se o chafariz. 8. Vista da Rua Dom Pedro II, desde a proximidade da esquina com a Rua
Barão de Santa Tecla, na direção leste, destacando-se um conjunto de edificações, cuja integridade arquitetônica é, atualmente, quase total. O antigo palacete
da Baronesa do Arroio Grande, ao fundo, com seu notável mirante, é uma das lamentáveis exceções. Década de 1960. 9. Vista da Rua Gal. Osório na direção
norte, desde o alto de um edifício na proximidade da esquina com a Rua Mal. Floriano, logo após a retirada de seus canteiros centrais. Data aproximada: 1965.
10. Vista parcial do centro de Pelotas na direção sudoeste, desde o alto do Edifício Princesa do Sul, à Rua Anchieta quase esquina com a Rua Gal. Netto. Ano de
1966. 11. Idem. Vista complementar, um pouco mais a oeste. 12. Rua XV de Novembro. Vista noturna, na direção sul, desde a altura da Praça Cel. Pedro Osório.
À direita, o neon do antigo Estúdio “Del Fiol” de fotografia. Década de 1960.
11 12 13 14

18 19 20 21

13. Fotografia de um casal no entorno da Praça Cel. Pedro Osório à noite, capturada pelo hábil fotógrafo Luís Alberto Elste, e premiada nos anos 1960.
14. Corrida “Seis Horas de Pelotas”. Antiga Av. Argentina, atual Av. Fernando Osório. Meados da década de 1960. 15. Idem. Entorno da Praça Cel. Pedro Osório.
Meados da década de 1960. 16. IbIdem. Antiga Av. Argentina, atual Av. Fernando Osório. Meados da década de 1960. 17. Apresentação do projeto arquitetônico
da nova e definitiva sede do Dunas Clube. À direita, de paletó claro, um jovem Aldyr Garcia Schlee. 18. Educadora Sylvia Mello, em reunião com o Governador
Leonel Brizola e outros políticos. Década de 1960. 19. Formatura da turma de 1965 de Técnicos em Contabilidade da Escola Técnica de Comércio do Colégio
Gonzaga. 20. “A imagem viva da miséria resignada”. Pobres socorridos pelo assistencialismo cristão da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus na Páscoa de 1962.
21. Praça Cel. Pedro Osório, sobrevoada por um helicóptero militar, durante o fatídico dia 31 de março de 1964.
22 23 24

25 26 27

22. COHABIPEL, a Cooperativa Habitacional dos Operários de Pelotas. Blocos habitacionais de uma das etapas construtivas, registrados logo após sua execução.
Zona Norte de Pelotas. Final da década de 1960. 23. Registro da construção da Galeria Zabaleta (ao centro), no local onde existiu o antigo Hotel Aliança. Vista na
direção norte. Final da década de 1960. 24. Ruínas da estrutura metálica do Mercado Público Central, após o incêndio de 1969. 25. Idem. 26. IbIdem. Rescal-
do. 27. IbIdem. Ao fundo, a torre intacta, apesar do sinistro.
PELOTAS: 2.500 ANOS DE HISTÓRIA INDÍGENA

Rafael Guedes Milheira1

Introdução
No censo realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE),
317 pessoas, moradoras do município de Pelotas, declararam-se “indígenas”. O mesmo censo
demonstra que a população de Pelotas, em 2010, era de 328.275 habitantes, mas aponta uma
estimativa para 2013 - quando a população desse município deve ter chegado a aproximadamente
341.180 habitantes. Considerando os dados publicados pelo Censo de 2010, a quantidade de
pessoas que se declarou indígena é de apenas 0,96% da população total do município de Pelotas.
O estudo realizado pelo IBGE é amplamente generalista e superficial, porém, mesmo lacunar,
ele aponta para uma certeza: os indivíduos indígenas que habitam o município (e, certamente
esses dados refletem, pelo menos, a região sul do Estado do Rio Grande do Sul) são uma minoria
absoluta, invisibilizada no tecido social. 1
Graduado em História pela
Universidade Federal de Pelotas
Os dados do Censo refletem o desrespeito histórico que alijou as populações indígenas a um (UFPel, 2005), Mestre em
papel secundário na historiografia regional. Com suas vozes silenciadas, os coletivos indígenas Arqueologia pela Universidade
de São Paulo (USP, 2008)
foram, forçosa e paulatinamente, sendo esquecidos pela História. De um ponto de vista histórico, e Doutor em Arqueologia
as populações indígenas são pouco conhecidas e apenas tangenciam a historiografia tradicional, pelo Museu de Arqueologia
limitando-se, quando muito, às primeiras páginas dos livros de História regional. e Etnologia da USP (2010). É
Professor do Departamento de
Antropologia e Arqueologia
Atualmente, a presença indígena é limitada demográfica e espacialmente, bastante esquecida e do PPG em Antropologia
historicamente, estando circunscrita, em grande medida, à nomenclatura dos acidentes geográficos da UFPel. É organizador
de Arqueologia Guarani do
e em limitadas terras que acolhem pequenas famílias (LIEBGOTT, 2010). No passado, entretanto, a litoral Sul do Brasil (Curitiba:
presença ameríndia foi massiva e bastante complexa em termos culturais. Através da Arqueologia Appris, 2014) e autor de
Arqueologia Guarani na
vemos o levantamento de dados que denotam que o pampa gaúcho e, mais especificamente, laguna dos Patos e serra do
o espaço geográfico que comporta o ambiente da laguna dos Patos e serra do Sudeste, no sul Sudeste (Pelotas: UFPEL, 2014).
do Estado do Rio Grande do Sul, já era densamente ocupado por grupos indígenas desde, pelo
menos, 2500 anos A.P. (Anos antes do Presente), o que aponta uma nova perspectiva histórica
bastante distinta daquela amplamente divulgada pela historiografia tradicional.

A história lacunar e o presente indígena na região de Pelotas


A paisagem do município de Pelotas é bastante representativa da presença indígena. A toponímia
regional como “arroio Pelotas”, “Serra dos Tapes”, e “Laguna dos Patos” reforçam o quão
significativa foi essa presença, o que se concretizou na nomeação das localidades e acidentes
geográficos. O próprio termo “Patos” que dá nome à laguna que banha o município, possivelmente
resulta da ocupação dos índios Patos, embora possa ter sido uma confusão terminológica, dada
a grande presença de aves palmípedes, o Pato Real (Cairina moschata) (IHERING, 2003, [1907]).

O “arroio Pelotas”, um dos principais corpos hídricos do município, também pode ter seu nome
relacionado à presença dos grupos indígenas, visto que as “pelotas” eram embarcações feitas de
couro usadas como transporte de carga e devem ter sido utilizadas pelos índios, sendo seu uso
descrito no período escravista das charqueadas pelo francês Jean Baptiste Debret2 (Figura 1).

A “Serra dos Tapes”, conhecida também como Serra do Sudeste, tem esse nome devido à presença
dos índios “Tapes”, os quais, segundo Gutierrez (2001, p. 32), foram descritos em função das
guerras travadas em defesa de suas terras ainda no século XVIII, quando se instalavam no litoral de
Rio Grande as primeiras ocupações coordenadas pelo brigadeiro José da Silva Pais, que pretendia
fundar o presídio Jesus-Maria-José, expulsar os espanhóis de Montevidéu e terminar com o
bloqueio à Colônia do Sacramento. Só foi possível a fundação de Rio Grande em 1737, quando
Silva Pais auxiliou na formação de duas defesas à margem do canal São Gonçalo: uma no passo
da Mangueira e a outra no arroio. Na manutenção dessas defesas, Cristóvão Pereira envolveu-se
em lutas contra os Tapes, conforme as crônicas de Simão Pereira de Sá:

Os tapes mais escandalizados que temerosos entraram por vingança a afugentar e


debandar o gado vacum, que cobria a fertilíssima campanha (...) e com tanta fortuna
que cabendo mais de cem tapes a cada português (...). Abalizaram meia légua de ter-
ra a seu costume bárbaro para a escaramuça, e com todas as vantagens, brandindo
as lanças, entraram na peleja, que não foi refutada dos nossos, por não perderem
fugindo, o que haviam ganho pelejando. Depois de durar largas horas a batalha,
perderam terreno e, feridos das nossa espadas, conheceram os perigos e se retiraram
com tanto medo e confusão que nos deixaram com os mortos um importante des-
pojo de cavalos, gado e bestas muares, o que tudo foi com muitos prisioneiros ao
alojamento do Coronel, o qual honrou o valor com boas palavras e estimou a vitória
por nos custar o excesso, e desigualdade, só sete feridos e um morto (PEREIRA DE
SÁ, 1969, p. 101 apud GUTIERREZ, 2001).

Através das incursões, os índios Tapes eram capturados e escravizados e, conforme Gutierrez
(2001), trabalhavam nas diversas construções que se executavam no canal de Rio Grande e no
entorno. Foram usados na construção de dois núcleos populacionais distintos erguidos entre
1738 e 1749: o núcleo do Porto (atual cidade de Rio Grande), onde se situava o forte Jesus-
Maria-José e algumas moradias; e o núcleo do Estreito.

Em 1758, foi doado o rincão de Pelotas a Tomaz Luiz Osório, dada sua contribuição na guerra
Guaranítica. Nesse espaço foram implantadas sete charqueadas, sendo seis na margem esquerda

38
do arroio Pelotas e uma na Laguna dos Patos. O rincão possuía os seguintes limites naturais:
Laguna dos Patos; sangradouro da Mirim (atualmente chamado de canal São Gonçalo); arroio
Pelotas e canal Correntes. Porém, a implantação do núcleo saladeril teria se dado somente a
partir de 1780, após a expulsão dos espanhóis (1763-1776) e do tratado de Sto. Ildefonso
(1777) (cf. GUTIERREZ, 2001, p. 41). Em 1780 a região de Pelotas foi cotada para receber a Real
Fazenda, devido às suas qualidades em termos de recursos naturais e pela presença de índios que
poderiam ser usados como mão-de-obra: sobre esta região, o secretário da junta da Fazenda do
Rio Grande do Sul de 1775, Sebastião Francisco Bettamio, fez 29 observações:

(...) entrando-se pelo sangradouro da Mirim, três ou quatro léguas [19,8km a


26,4km], há muitas e admiráveis rochas de boa pedra, havendo portos de mar que
dão lugar à entrada de embarcações grandes, e chegam quase ao pé dos cerros; que
ali se transporte a pedra para a vila, (...) uma companhia de cento e cinquenta ou
duzentos índios trabalhadores, e que estes se empreguem de baixo da direção de
pessoa inteligente em quebrar e arrancar pedras de toda a qualidade (...). 9ª - No
mesmo sítio em que se corta pedra, há barro para telha e tijolo, e como na aldeia
há índios que sabem fazer estes dois materiais, (...). 12ª - Nas mesmas margens
do sangradouro da Mirim em pequena distância, consta-me haverem excelentes
madeiras, em cujo corte se podem empregar alguns índios (BETTAMIO, 1980, p. 156
apud GUTIERREZ, 2001, p. 51).

Nota-se, com esse breve histórico dos séculos XVIII e XIX, que envolvem a formação de Pelotas e seu
desenvolvimento urbano, que os grupos indígenas passaram por uma série de rupturas culturais,
sendo forçados a abandonarem seus locais de moradia tradicional (mapeados arqueologicamente,
como veremos adiante), para servirem de mão de obra nas estâncias de gado e na construção dos
povoados formados a partir do século XVIII.

Juntamente à perda territorial por parte dos grupos indígenas houve uma queda demográfica
brutal na região registrada no início do século XIX. Um censo que demonstra o baixo número
de indígenas na região foi apresentado por Saint Hilaire, quando de sua visita à Capitania do
Rio Grande do Sul (atual município de Rio Grande). Informado pelo curador da paróquia de Rio
Grande, esta capitania teria, em 1819: “5.125 indivíduos, a saber: 1.195 brancos, 1.388 brancas,
17 índios, 26 índias, 61 mulatos livres, 98 mulatas livres, 32 negras livres, 38 negros livres, 1.391
negros e mulatos escravos, 879 negras e mulatas escravas” (SAINT-HILAIRE, 2002 [1887], p. 77).
Esses números podem ter sido limitados à contagem de pessoas na área limítrofe da zona urbana
em formação, sendo as comunidades indígenas interioranas descartadas do censo.

Escravizados, aprisionados, fugitivos e utilizados como mão-de-obra, os indígenas que sofreram


a esse processo de violência étnica passaram a engrossar a massa de pobreza da cidade de
Pelotas, somando-se a homens livres, negros fugidos e alforriados. É interessante notar que
já no século XIX há um aumento considerável de investimentos da administração pública na
cidade de Pelotas, quando esta ainda era a Vila de São Francisco de Paula, para a manutenção
da ordem social e urbana e controle dos “criminosos” - categoria esta na qual muitos indígenas
eram enquadrados. Um ofício da Câmara relata ao Presidente da Província que uma força de 457
soldados na ativa e 95 soldados na reserva formavam a Guarda Municipal (AL-ALAM, 2008, p.
65). Nota-se, com isso, um aumento no interesse em controlar os “criminosos”, que seriam, de
acordo com a Câmara, “homens da fronteira, pessoas desconhecidas e escravos” (Idem, p. 66). O
investimento só aumentou com o tempo. Em 1840-50 já haveria um corpo Policial, e não mais
uma Guarda Municipal, que se soma à Santa Casa de Misericórdia de Pelotas como aparelhos de
manutenção do poder e da ordem social, pois: “um dos maiores objetivos destas instituições seria
o de tirar de circulação das ruas os indesejados, os desordeiros, os pobres” (Idem, p. 85).

39
A Casa de Correção Pelotense localizava-se à beira do arroio Santa Bárbara, na zona da
“Cerquinha”, assim como a forca que fora constituída na antiga Praça das Carretas (atual Praça
Vinte de Setembro ou, como ela é conhecida popularmente: Praça dos Enforcados), estabelecida
ali em 1850, próxima de onde foram registradas habitações indígenas ainda no século XIX. Esta
região recebeu investimentos municipais, conforme Castro (1944):

(...) num ato de reconhecimento e de justiça, a mandar levantar, alto aterro, em


torno da área que ocupavam, a fim de que quando as águas do arroio ficassem
cheias e transbordantes, não fosse prejudicar as habitações dos nativos (...) como
esses acampamentos ficassem por de trás das “Cercas”, ficou por isso denominado
“Cerquinhas”.

Com a implantação da Casa de Correção e da forca nesta região, e com o estabelecimento do


aparato de controle social em seu entorno, a administração pública buscou ordenar e controlar
essa zona marginal da cidade. Tal interpretação leva a crer que os indígenas remanescentes
localizados naquela área estavam sujeitos ao mesmo tipo de preconceito social, sendo sua
existência percebida pelos administradores como uma ameaça urbana. Porém, não estavam de
todo isolados, pois segundo Al-Alam (2008), havia circulação rotineira de pessoas em embarcações
e de comerciantes, sendo comum, também, a prática das lavadeiras na margem do arroio.

Supõe-se, portanto, uma integração de indígenas à malha urbana em formação no século XIX,
os quais, na mesma lógica de servirem como mão-de-obra, passaram a incorporar postos de
trabalho “legalizado”, como mostra novamente Al-Alam (2008, p. 89), ao comentar que 11
índios policiais foram internados na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas entre 1849-1855.
Esta prática de incorporar indivíduos indígenas no corpo policial da cidade também foi relatada
por Euclides Franco de Castro, em uma crônica sobre a História de Pelotas publicada no jornal
Princesa do Sul (1944, p. 19):

Ezequiel Franco possuía às suas custas 12 índios para o serviço policial da cidade
e para capturar escravos foragidos. Naquela época, como o serviço de vigilância
policial era determinado em lei e prestado gratuitamente por particulares, houve
quem se aproveitasse dos seus índios para esse mister (...). Havia índios pagos por
particulares para esse serviço (...).

O contrário também ocorria. Comumente, indígenas se tornaram “criminosos”, pois o registro de


entrada e saída de presos internados na mesma instituição hospitalar, entre os anos de 1848 e
1853, indica que 2 (6,9%) eram índios (AL-ALAM 2008).

Atualmente na Serra dos Tapes, na localidade da Colônia Santa Helena, Rincão da Cruz, 8º
Distrito do município de Pelotas, localiza-se a terra indígena, não homologada, denominada na
língua Mbyá-Guarani de Kapi’i Ovy (Capim Verde). A área possui aproximadamente 23 hectares,
distando cerca de três quilômetros da região central da Colônia Maciel e oito quilômetros da
BR 392. O terreno ocupado pela família incluindo casas e roça tem menos de um hectare, na
encosta de um morro. Segundo informações orais dispersas, o local é habitado com regularidade
há cerca de 30 anos e a atual parentela está no local há 4 anos. Este grupo vive em condições
de infraestrutura limitada, sem comprometimento por parte dos órgãos governamentais
responsáveis e por parte da sociedade em geral, mantendo-se apenas do sustendo de sua
pequena roça e de seu artesanato, assim como da solidariedade de alguns poucos vizinhos.
Esta terra é formalmente um parque ambiental (Parque Farroupilha), sob responsabilidade do
governo municipal, sem que, até o presente momento, seja feito qualquer tipo de investimento
que auxilie as famílias que ali habitam.

40
Os cerritos: registros arqueológicos das ocupações Charrua e Minuano
Se os dados históricos são lacunares e raros, arqueologicamente pode-se dizer que há uma massa
de informações que apontam uma forte presença indígena na região. Nas margens da laguna dos
Patos e ao longo da várzea do canal São Gonçalo ocorrem sítios arqueológicos que se configuram
por serem aterros construídos predominantemente com terra e diferentes tipos de vestígios de
cultura material: restos de fauna, instrumentos líticos e fragmentos de cerâmicos, estruturas de
fogueiras, enterramentos humanos. Além de serem encontrados na bacia hidrográfica da laguna
dos Patos, os cerritos se encontram no Sul da América do Sul distribuídos nas porções Leste e
Norte do Uruguai, Sul do Brasil (Rio Grande do Sul) e na porção Nordeste da Argentina, ocorrendo,
predominantemente, no bioma Pampa, em ambientes alagadiços com datações que oscilam entre
4500 anos A.P. e 200 anos A.P.3 (Figura 2).

Sinteticamente, pode-se dizer que os cerritos são pensados como áreas de sepultamentos,
demarcadores territoriais, áreas de descarte de refugo, praças centrais de aldeias, acampamentos
de pesca e plataformas arquitetônicas erguidas para a habitação em áreas alagadiças. Além disso,
os aterros são vistos como monumentos que remontam à memória histórica e à identidade social
contemporânea dos índios pampeanos, cujas interpretações mais recorrentes correlacionam a
construção e uso dos cerritos às ocupações dos índios Charrua-Minuano4 (Figuras 3 e 4).

Entre os municípios de Pelotas e Capão do Leão, até o momento, foram mapeados 26 cerritos.
Um deles, o cerrito PT-02-Soteia, pode ser interpretado como um acampamento de pesca
lacustre, visto que é abundante a presença de vestígios faunísticos oriundos da laguna dos Patos,
sobretudo peixes (ULGUIM, 2010). Porém, este mesmo aterro e suas áreas adjacentes devem ter
sido utilizados também como área de descarte de materiais de uma pequena aldeia (LOUREIRO,
2008), configurando, assim, um espaço multifuncional de moradia, pesca e processamento de
recursos lacustres (GARCIA e MILHEIRA, 2013)5.

Na região do banhado do Pontal da Barra houve um investimento maior de pesquisa. Desde


o ano de 2006 foram identificados 18 cerritos, dentre os quais seis foram foco de escavações
arqueológicas. As datações radiocarbônicas apontam que a ocupação do Pontal da Barra começou
a ocorrer desde aproximadamente 2500 anos A.P., até, pelo menos, 1200 anos A.P., sugerindo
ser uma ocupação indígena bastante antiga, e permanente, que perdurou por aproximadamente
1300 anos (MILHEIRA, 2013).

As escavações arqueológicas no entorno dos cerritos e as análises de vestígios botânicos provenientes


do sedimento de um deles, denominado PSG-01, revelaram que o ambiente no período de ocupação
deveria ser mais úmido, o que sugere que o banhado seria mais denso do que na atualidade
(SOARES, 2014). Isso leva a crer que os ocupantes dos cerritos teriam um ambiente mais encharcado
configurando vias de acesso entre os diferentes nichos ecológicos que compõem a várzea do canal
São Gonçalo, possibilitando a mobilidade dos cerriteiros (Figuras 5 e 6).

Os cerritos do Pontal da Barra parecem ter sido construídos como plataformas elevadas para a
moradia em ambientes alagados, visto que os mesmos se localizam em áreas topograficamente
mais elevadas. Porém, a função dessas estruturas de aterro não se limitava apenas a moradias.
A Análise química do sedimento de um dos cerritos, denominado de PSG-02, apontou um
grande potencial agrícola do montículo, e estudos iniciais de arqueobotânica já realizados
permitiram a identificação de plantas que poderiam ter sido cultivadas para alimentação, como
o milho e a abóbora (SOARES 2014, MÜHLEN 2014)6. Os indícios de caça e pesca, por outro
lado, nos permitem ter mais clareza da importância dos animais na dieta alimentar. São muito
frequentes, em primeiro lugar, vestígios ósseos de peixes da laguna dos Patos, como Corvina
(Micropogonias furnieri) e Bagre (família Ariidae) e, até mesmo, a Miraguaia (Pogonias cromis),

41
cuja espécie era comumente encontrada na laguna até 40 ou 50 anos atrás, sendo rara sua
presença na atualidade.

São normalmente localizados também ossos humanos que remetem a sepultamentos. Esses
sepultamentos humanos denotam um aspecto simbólico, portanto, dos montículos de terra,
que reforçam a ideia de que esses aterros não são apenas moradias, nem tampouco somente
acampamentos de pesca lacustre. Em nosso entendimento, é possível apontar que esses cerritos
seriam multifuncionais, sendo usados como áreas de moradia, túmulos, acampamentos de pesca
e, possivelmente, como lugares de plantio, interpretação essa que ainda carece de mais dados
empíricos verificados nos contextos arqueológicos.

Considerando a riqueza histórica que compõe o contexto arqueológico do Pontal da Barra, com
a presença de 18 cerritos de mais de 2 mil anos de existência, cujos dados de pesquisas indicam
uma grande complexidade de questões importantes para o entendimento da História indígena
regional, o banhado do Pontal da Barra deve ser pensado como uma Paisagem Cultural, um
espaço ambiental socializado desde o período pré-colonial. O Pontal da Barra deve ser encarado
como um sítio arqueológico de ampla escala, que integra patrimônio cultural e ambiental de
maneira holística, devendo, sem sombra de dúvidas, ser preservado em sua integridade pela sua
singularidade histórica (Figura 7).

Os Guarani: passado e presente


No período que antecede à ocupação europeia na região pampeana, além da ocupação dos
grupos construtores de cerritos, são conhecidos também 22 sítios arqueológicos que se referem
às antigas aldeias e acampamentos dos grupos Guarani, localizados na serra dos Tapes e no
litoral, às margens da laguna dos Patos. Nas praias do município de Pelotas foram identificados
sete sítios, entre os quais foram escavados os sítios denominados PS-02-Camping, PT-01-Soteia,
PT-03-Lagoinha e PS-03-Totó (MILHEIRA, 2014). Os sítios Soteia e Lagoinha se localizam na
Ilha da Feitoria e foram entendidos como acampamentos destinado à coleta de recursos lacustres.

Entre os acampamentos estudados, destaca-se o sítio Camping, que recebeu esse nome por
se localizar no espaço do Camping Municipal de Pelotas. Esse sítio se extende numa área de
aproximadamente 50m de raio, onde foi identificada uma estrutura de deposição de refugos
e uma estrutura de fogueira, composta por uma vasilha de cerâmica (ñaetá com decoração
escovada), em que, no seu interior, se encontravam dezenas de fragmentos de cerâmica de outras
vasilhas. Essa estrutura de fogueira foi datada em 380 ± 50 A.P., apontando uma ocupação
Guarani no período colonial (Figura 8).

O sítio Totó, localizado na margem do arroio Totó, na praia do Totó, tem uma área de
aproximadamente 200m de raio e foi interpretado como uma aldeia. Nesse sitío foi identificada
uma urna funerária na barranca do arroio Totó e uma estrutura de terra preta que remete ao
piso abandonado de uma casa Guarani (datada em 510 ± 40 A.P.), articulado a uma área lixeira
(datada em 530 ± 40 AP) também à beira do arroio Totó7 (Figura 9).

Na região da Serra dos Tapes, por sua vez, foi localizada uma série de antigas aldeias Guarani
ao longo da bacia hidrográfica do arroio Pelotas. Os sítios arqueológicos apresentam uma ampla
dispersão de fragmentos de cerâmica associados a manchas de terra preta que remetem a pisos de
habitação do espaço das aldeias. O sítio PSGPA-04-Ribes destaca-se nesse contexto, extendendo-se
por uma área de meia encosta, alcançando aproximadamente um raio de 250m, onde se apresentam
três manchas de terra preta, comumente definidas pela literatura especializada como pisos de

42
habitação (NOELLI, 1993). No sítio Ribes foi identificada uma urna funerária, uma vasilha do tipo
cambuchí guaçú (datada em 510 ± 70 A.P.), contendo um pote do tipo cambuchí guaçú emborcado
como tampa. Fazendo parte do contexto funerário ainda havia uma vasilha do tipo ñaetá acima da
urna, provavelmente depositada ali como oferenda no ritual de sepultamento8 (Figura 10).

Nesse contexto é interessante notar que as datações dos sítios Guarani da serra e do litoral são
contemporâneas, sugerindo algum tipo de interação entre as aldeias de ambas as regiões. Esta
interação sugere que havia um sistema de assentamento Guarani articulado, de um lado, entre
as aldeias serranas, provavelmente ocupadas tradicionalmente pelas chefias mais reconhecidas e,
de outro, pelas aldeias do litoral, que podem ser entendidas como indicadoras do processo de
anexação territorial em operação pelos Guarani, em torno do século XVI, configurando o que na
língua Guarani é definido como um teko’á, ou seja, um território de domínio Guarani articulado
entre as terras altas da serra dos Tapes e as terras baixas do litoral lagunar.

O processo de expansão do território de domínio Guarani iniciado por volta do século XII, conforme
as datações radiocarbônicas, e que se intensifica ao redor dos séculos XV e XVI, partindo do
interior serrano em direção ao litoral, teria sido “barrado” pela chegada das populações do velho
mundo, ainda no século XVI e, mais fortemente, a partir do século XVII. As práticas belicosas e
violentas, historicamente conhecidas, que foram desenvolvidas pelos europeus para a captura de
escravos e para o domínio territorial geraram um ambiente de terror e genocídio na região, não
fugindo à regra geral, conhecida em todo litoral brasileiro.

Conclusão
Como dito na primeira parte do texto, os livros de História regional quando se referem às
populações indígenas, apresentam-nas de uma forma extremamente sintética e lacunar,
raramente ultrapassando as duas ou três primeiras páginas introdutórias9. O índio é tratado
nestes textos como o habitante original da terra, o selvagem, o bravio. Romanceado, o índio se
torna um personagem que atua apenas no primeiro ato de uma imaginária peça histórica, cuja
participação consiste em arrumar o palco e abrir as cortinas para o teatro da civilização - que
tem início no segundo ato. Basta um breve olhar sobre livros bastante conhecidos que reforçam
a historiografia tradicional para vermos trechos que reforçam nossa argumentação, que relega o
elemento indígena a um segundo plano no processo histórico pampeano.

Em seu livro intitulado Sociogênese da Pampa Brasileira, datado de 1927, o historiador renomado
Fernando Osório escreveu o que podemos chamar de um tratado sociológico que narra a epopeia
da formação da “raça” gaúcha, a qual se fundamenta, sobremaneira, nos atos heroicos de
indivíduos europeizados, cuja força e bravura teriam sua origem na capacidade belicosa dos
portugueses e espanhóis. Aos indígenas, na narrativa do autor, coube apenas sua função em
servir de mão de obra e de peão de guerra:

(...) em nenhum outro território americano teve o índio, como no Rio Grande,
incorporado espontaneamente a função social que exerceu, ao cabo de decênios nas
milícias e no cenário das estâncias (OSÓRIO, 1927, p. 41-42).

Após servir “espontaneamente” em sua função social em “defesa da Pátria Brasileira”, como quer o
autor, o indígena lentamente deixa a cena social em prol da arianização da “raça gaúcha”:

Proclama-se, ainda hoje, que nenhum desequilíbrio étnico apresenta o Rio Grande,
cujos habitantes são os mais arianizados do Brasil, bem como o fato, aqui insofismável,

43
da tendência, para a homogeneidade, com o predomínio das características nacionais,
brasileiras, nos grandes grupos que representam oitenta por cento, talvez, da nossa
população de origem estrangeira (OSÓRIO, 1927, p. 42-43)10.

A massiva presença indígena arqueologicamente detectada (que ultrapassa em mais de dois


milênios a data de surgimento de Pelotas - datada de 7 de Julho de 1812, como apontam todos
os livros da História oficial), mas historicamente esquecida, sugere que a História da cidade de
Pelotas é multicultural e multiétnica e não deve ser limitada aos seus 200 anos, mas ampliada aos
seus 2500 anos, envolvendo organicamente a historicidade indígena, algo que a historiografia
tradicional teima em esquecer.

Referências
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44
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Patos no século XIX na visão do naturalista Hermann Von Ihering. Rio Grande: Ecoscientia, 2003 [1907], p.
47-59.

Notas do Pesquisador

2
Cf. OSÓRIO 1997, p. 54.
3
Cf. LOPEZ MAZZ e BRACCO, 2010.
4
Cf. SCHMITZ, 1976; BASILE-BECKER, 1992; LOPEZ MAZZ e BRACCO, 2010. No entanto, essa correlação não é consenso entre
os pesquisadores, já que os cerritos têm uma profundidade temporal de até 4500 anos A.P., enquanto que os grupos Charrua e
Minuano foram relatados pelos cronistas e viajantes, a partir do início da colonização europeia. Nesse sentido, há uma crítica
consistente que aponta um desconforto em se fazer essa correlação tão clara entre a cultura material dos grupos construtores
de cerritos e as etnias indígenas historicamente conhecidas. Além disso, Lopez Mazz e Bracco (2010) consideram que não se
pode atribuir a existência dos cerritos aos grupos Charrua e Minuano, pois, apenas os Minuano teriam suas áreas de ocupação
coincidentes com a área de ocorrência dos cerritos, logo, a construção e ocupação dos montículos, se atribuída a umas das
etnias pampeanas historicamente conhecidas, seria, portanto, a dos Minuano.
5
Outra área onde foram encontrados cerritos na porção meridional da laguna dos Patos é a várzea do canal São Gonçalo, mais
especificamente na margem da lagoa do Fragata, localizada entre os municípios de Pelotas e Capão do Leão. Na lagoa do
Fragata foram identificados, até o momento, sete cerritos, cujos trabalhos arqueológicos se limitaram apenas ao mapeamento
dos sítios e um balanço sobre a sua situação de preservação (MILHEIRA, PEÇANHA e MÜHLEN, 2014).
6
Ainda não está claro em nossas pesquisas se os vestígios botânicos de alimentação seriam de plantas cultivadas pelos
construtores de cerritos na área do Pontal da Barra ou se esses teriam sido apenas consumidos no local, tendo sido manejados,
cultivados e adquiridos em outras localidades ainda não conhecidas na região.
7
Cf. MILHEIRA, 2014; ALVES 2012.
8
Cf. MILHEIRA, 2014.
9
Por exemplo: ver os títulos que versam sobre a formação da cidade de Pelotas, cujas obras são frequentemente citadas na
historiografia tradicional: Magalhães (1993; 2000) e De León (2011 [1993]).
10
É ainda interessante destacar uma nota colocada em sua obra, que remete ao trabalho de Oliveira Vianna, intitulado Evolução
do Povo Brasileiro, de 1923. Nesta nota consta que: “É rápida, no extremo-sul, a destruição da população negra. Em menos de
um vintênio (quadro do recenseamento de 1872 a 1890) o seu coeficiente, que é de 18,3 cai a 8,7, com uma grande redução,
portanto, de 9,6%. Por sua vez, o elemento indígena conserva-se, por assim dizer, estacionário, apresentando mesmo uma
pequena redução de 0,5. Ao passo que é magnífico o movimento ascensional do tipo ariano, que, em 1872, representa quase
60% da população e que, em menos de vinte anos, em 1890, passa a representar os seus 70%. Mais 26%, portanto, do que a
média geral do país” (OSÓRIO, 1927, p. 42).

45
Figura 1

Figura 2

Figura 3 Figura 7

Figura 8 Figura 10

Figura 4

Figura 5

Figura 6 Figura 9

46
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Rafael Guedes Milheira.

Figura 1: Ilustração de uma “pelota”. Fonte: Osório (1997).


Figura 2: Mapa do município de Pelotas com a localização dos sítios arqueológicos Guarani (pontos em
vermelho) e dos cerritos (pontos em verde).
Figura 3: Remanescentes Charruas. Século XIX, Uruguai. Fonte: Acervo do autor.
Figura 4: Cavaleiro Charrua representado em xilogravura de Jean Baptiste Debret. Século XIX. Fonte: Acer-
vo do autor.
Figuras 5 e 6: Respectivamente, imagem aérea e vista panorâmica do Pontal da Barra em épocas de cheia,
onde se observa a mata na qual se localizam os cerritos, ficando evidente a importância da área alagada
no entorno destes, o que permitiria a mobilidade e circulação das pessoas pelo ambiente lagunar. Fonte:
SOARES (2014); Fotografia do autor.
Figura 7: Banhado do Pontal da Barra, com capão de mato típico de onde se localizam os cerritos (detalhe 01);
Perfil estratigráfico retificado no cerrito PSG-02 (det. 02); Escavação arqueológica no topo do cerrito PSG-02
(det. 03); Osso de peixe identificado no cerrito PSG-04 (det. 04); Fragmento de cerâmica com decoração es-
covada identificada no cerrito PSG-04 (det. 05); Instrumento lítico polido identificado no cerrito PSG-02 (det.
06); Mandíbula humana associada a pingente em dente de golfinho no cerrito PSG-02 (det. 07).
Figura 8: Contexto da estrutura de combustão escavada no sítio acampamento Guarani denominado
PS-02-Camping, datada de 380 ± 50 A.P. Foto: Rafael Milheira.
Figura 9: Contexto de escavação do piso de habitação da aldeia Guarani do sítio PS-03-Totó, datado de
510 ± 40 A.P (detalhe a); artefato lítico e fragmentos de vasilhas cerâmicas de uso quotidiano (detalhes b,
c, d); contexto da estrutura de lixeira, datada de 530 ± 40 A.P., localizada à beira do arroio Totó, lindeira à
habitação (detalhes e, f, g). Fonte: Fotografias de Aluisio Gomes Alves.
Figura 10: Contexto da estrutura funerária escavada no sítio aldeia Guarani denominado PSGPA-04-Ribes,
datada de 510 ± 70 A.P. Fonte: Fotografia de Rafael Milheira.

47
48
49
28 29 30

36 37 38
31 32 33 34 35

39 40 41

28. Mercado Público Central. Vista na direção sudoeste. Década de 1970. 29. Idem. Vista na direção nordeste. Década de 1970. 30. Praça Cel. Pedro Osório. Década
de 1970. 31. Chafariz “Fonte das Nereidas”. Década de 1970. 32. Vista da Rua Lobo da Costa na direção oeste, desde a Praça Cel. Pedro Osório. Ao fundo, o definitivo
edifício principal do Banco do Brasil na cidade. Década de 1970. 33. Banco do Brasil, à Rua Lobo da Costa esquina Rua Gal. Osório, com seu reticulado de brises de
concreto. Década de 1970. 34. Edifício do Estoril Hotel, à Rua Gal Osório. Década de 1970. 35. Edifício do Curi Palace Hotel, à Rua Gal. Netto, esquina Rua Mal. Deo-
doro. Década de 1970. 36. Trecho da Rua Mal. Floriano, entre a Rua Gal. Osório e Rua Andrade Neves. Vista na direção leste, ao anoitecer. Decoração festiva ao fundo.
Década de 1970. 37. Rua Andrade Neves com decoração festiva. Vista noturna na direção sul, desde a esquina com a Rua Mal. Floriano. Década de 1970. 38. Rua
XV de Novembro. Vista noturna desde a proximidade com a esquina da Rua Mal. Floriano. Nota-se o tráfego de automóveis. Década de 1970. 39. Vista aérea parcial,
desde o entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Vista na direção sudoeste. Década de 1970. 40. Idem. Vista na direção oeste. Ao centro, a Rua Mal. Floriano. Década de
1970. 41. IbIdem. Vista na direção norte. Década de 1970.
42 43 44

48 49 50

42. Rua XV de Novembro, quase esquina Rua Benjamin Constant. À direita, o volume prismático do antigo Cine América, que tinha saída pela Rua Andrade Neves.
Ao fundo, a torre do “Castelinho da XV”. Década de 1970. 43. Agência Central dos Correios e Telégrafos de Pelotas. Vista geral, desde a esquina da Rua Félix da Cunha.
Década de 1970. 44. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas, à Praça Conselheiro Maciel. Década de 1970. 45. Colégio Municipal Pelotense. Década de
1970. 46. Vista do Porto de Pelotas, desde o atracadouro popularmente conhecido como “Doquinhas” ou “Quadrado”. Década de 1970. 47. Fachada principal do terminal
do Aeroporto Internacional de Pelotas. Década de 1970. 48. Registro da formação de indústrias no Distrito Industrial, junto à Barragem Santa Bárbara.
45 46 47

51 52 53 54

49. Vista aérea da antiga Fábrica Cicasul, cujos pavilhões atualmente sediam a Feira Nacional de Doce (Fenadoce). 50. Obras de transformação do trecho da Rua Mal.
Deodoro do “Canalete da Argolo” em subterrâneo, com intuito de facilitação do tráfego. 51. Funcionário operando o veículo “Fumacê” de aplicação de veneno contra
insetos, quando recém-adquirido pela municipalidade. 52. Praça Cel. Pedro Osório e sua novíssima iluminação a lâmpadas de mercúrio. 53. Antigo Banco do Brasil
quando de sua incorporação ao patrimônio municipal. Inicialmente funcionaram ali as secretarias de Planejamento e Urbanismo e de Administração. 54. Movimento
de pessoas e veículos na zona central da cidade, no início da década de 1970.
AFRICANOS E AFRODESCENDENTES EM PELOTAS:
EXPERIÊNCIAS DE SOCIABILIDADE E DE
AFIRMAÇÃO POLÍTICA

Caiuá Cardoso Al-Alam1


Carla Silva de Avila2
Fernanda Oliveira da Silva3
1
Graduado em História pela
Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 2004), Mestre em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS, 2007), Doutor em História
pela Pontíficia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS, 2013).
Professor da Universidade Federal do
Corpos cativos, almas libertas: o protagonismo em período de escravidão Pampa, Campus Jaguarão. É autor
de A negra forca da Princesa: polícia,
Em 1863, o preto liberto Sebastião Maria foi preso por supostamente tentar convencer pena de morte e correção em Pelotas
companheiros de cor, e aqueles que ainda viviam em cativeiro, de que em caso de uma guerra do (1830-1857) [Pelotas: Edição do
Brasil contra a Inglaterra, que estes se sublevassem a favor dos últimos, pois os ingleses seriam Autor/Sebo Icária, 2008] e co-autor
contrários à escravidão4. de Os calhambolas do General Manoel
Padeiro: práticas quilombolas na Serra
dos Tapes (RS, Pelotas, 1835) [São
Sebastião Maria, ladino, avaliava politicamente o contexto em que vivia e parecia apostar numa Leopoldo: OIKOS, 2013].
estratégia que acompanhou os africanos e afrodescendentes desde o período colonial: promover 2
Graduada em Ciências Sociais pela
estratégias de liberdade inclusive nos conflitos armados liderados pelas elites5. São muitos os Universidade Federal de Pelotas (UFPel,
exemplos de protagonismo, como na noite de 11 de abril de 1873, onde cerca de dez pessoas, 2006), Mestre em Ciências Sociais pela
escravos de João Mendes de Arruda e outros livres, entraram na cidade gritando “vivas à liberdade UFPel (2011). Professora do Curso de
Serviço Social da Universidade Católica
e à república”, causando espanto na população e ferindo três policiais6. de Pelotas.
3
Graduada em História pela
Sebastião e os escravos de Arruda são alguns exemplos de pessoas que por Pelotas viveram Universidade Federal de Pelotas
o contexto da escravidão e se distanciam de algumas visões colocadas sobre os negros pelo (UFPel, 2008), Mestre em História
pensamento social brasileiro. Africanos e afrodescendentes que já foram vistos como incapazes pela Pontifícia Universidade Católica
tanto nas perspectivas racialistas, da Eugenia7, ou como algumas mais recentes pautadas na ideia do Rio Grande do Sul (PUCRS,
2011), Doutoranda em História pela
de anomia social. Mesmo com todas as agruras do processo de escravidão que viveram estes Universidade Federal do Rio Grande do
negros, buscaram lutar cotidianamente contra a desumanização imposta pelo sistema escravista. Sul (UFRGS).
Buscaram constituir famílias, mesmo que de forma ilegítima sem a autorização da Igreja
Católica, construíram laços afetivos, agregaram pessoas, e valorizaram aspectos importantes
para a vida em sociedade. Aliás, a família, e não entendida aqui apenas como sancionada pelo
Estado ou consanguínea, é um dos principais elementos para articulações e rearticulações de
referenciais culturais, estratégias de coletivização que explicam as influências culturais africanas e
afrodescendentes até hoje existentes na sociedade brasileira. Em Pelotas onde viviam mais homens
do que mulheres em situação de escravidão devido ao modo-de-produção das charqueadas8, é de
se ressaltar a conquista que era formar estes tipos de laços9.

Aliás, Pelotas, cidade litorânea, importante não apenas pelas charqueadas, mas também por ser
um centro econômico próximo à desembocadura do oceano, portanto conectada ao chamado
mundo atlântico10, contava com um aparato militar e policial bastante presente. Estratégias
de policiamento que vislumbravam fundamentalmente a manutenção da ordem escravista:
ou seja, que objetivavam reprimir as experiências de africanos e afrodescendentes. Guarda
Nacional, Exército, Marinha, polícia provincial, polícias particulares, Cadeia Civil, capitães-do-
mato, era amplo o leque repressivo. Na década de 1830, as elites locais desesperavam-se em
tentar mapear as relações entre escravos e livres que difundiam ideias e saberes de resistência,
como na experiência dos quilombolas liderados por Manoel Padeiro11. Neste mesmo contexto,
as elites nacionais radicalizaram o Código Criminal, facilitando a condenação à pena de morte
de escravos: em Pelotas a forca foi negra, apenas escravos foram condenados à pena última12.
Notícias de revoltas escravas foram correntes durante todo o século XIX em Pelotas, e uma
das mais conhecidas seria o levante dos chamados Nucas Raspadas em 1848, que só teria sido
descoberta e reprimida por delação13.

Nas últimas décadas da escravidão, entre 1860 e 1880, o maior número de prisões de escravos
registrados na Cadeia Civil de Pelotas era pelo motivo de estes andarem fora de hora nas ruas sem
autorização de seus senhores14. Havia um mundo de experiências entre a escravidão e a liberdade,
que os senhores, brancos, tinham dificuldade de mapear. Fica evidente que, se não havia um
movimento negro na época como acabamos conhecendo no século XX, de fato, os negros estavam
em movimento. Marcados pelas diferenças étnicas ou até mesmo de hierarquia na sociedade
escravista, ser africano ou crioulo, ser escravo ou liberto, eram demarcações sociais exploradas,
mas as experiências, da pobreza e da segregação, impulsionaram africanos e afrodescendentes a
buscarem melhores alternativas para as suas vidas, práticas viabilizadas na maioria das vezes de
forma coletiva.

A religião foi fator fundamental para a coletivização de interesses da população negra, tanto
em relação ao batuque quanto ao catolicismo. Em março de 1885 o Diário de Pelotas anunciava
a batida da Polícia Particular em uma casa, na Várzea15, reduto da população africana e
afrodescendente da cidade naquela época. Homens e mulheres estavam reunidos realizando seu
culto afroreligioso. A liderança religiosa do culto acabou sendo presa, e o jornal anunciava que
já havia aprisionado pelo mesmo motivo na cidade de Rio Grande. O batuque sociabilizava a
população negra, agregava valores e estratégias de sobrevivência, que eram forjadas na região:
havia uma conexão dos saberes e práticas religiosas16. Aliás, em 1835, testemunhos apontavam que
Manoel Padeiro costumava tocar tambores e dançar à noite com negros escravos que escapavam
momentaneamente das chácaras da Serra dos Tapes, ritual fundamental para reproduzir laços
estratégicos para a sobrevivência naquelas matas. No catolicismo, as irmandades, tanto de
negros junto com brancos, ou apenas de negros, foram fundamentais para a construção de laços
comunitários e de práticas mutualistas. Foram nas irmandades que os africanos e afrodescendentes
construíram alternativas de compra de alforria a partir de cotizações recorrentes. Era a partir
delas que esta população negra também viabilizava a ritualização da morte, tão importante
naqueles tempos, organizando cortejos e o enterro em campo santo17. Pelotas teve pelo menos
três irmandades restritas à gente de cor, na condição de livre ou cativa. A primeira da qual se tem
registro foi a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, fundada em 26 de novembro de 1820 e
que existiu até 15 de julho de 1915; seguida pela Irmandade de Nossa Senhora da Assumpção da
Boa Morte, fundada em 1829 e que existiu até 16 de abril de 1928 e pela tradicional irmandade

58
de negros no Brasil, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1831 e que existiu
até 191818. Em 1854, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição foi protagonista de um caso
curioso e elucidativo da movimentação negra na cidade de Pelotas. A dita irmandade foi a terceira
a existir na localidade, e teve preferência na organização de uma procissão, escolhida para esta
tarefa pelo Bispo e o Conselho de Vigários, em detrimento da segunda irmandade da cidade,
que não incluía negros, a Irmandade de São Miguel e Almas. O simples fato da preferência deixa
transparecer que a mesma era constituída por irmãos capazes de realizarem procissões com a
devida organização e pompa exigidas pela Igreja.

As Irmandades negras apresentavam organização e objetivos semelhantes, estabelecidos mediante


compromisso registrado no livro tombo da Igreja Matriz. Também evidenciavam a partir dessa
organização, nos moldes permitidos então, como uma distinção objetivada dentro do grupo
negro organizado. Assim diferenciavam-se dos outros, estabelecendo fronteiras para com irmãos
de cor que não tinham o mesmo ideal, e talvez até mesmo com aqueles que não possuíam
as mesmas condições econômicas. O principal compromisso, e que figura em cada uma das
irmandades, era o de acompanhar o funeral até a igreja e ao cemitério. Porém, a partir da
segunda metade da década de 1840, acirrou-se o controle sobre os cativos nas ditas irmandades,
chegando a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição a vetar oficialmente sua participação. Ora,
é sabido que os negros não ficaram aguardando a libertação, e as irmandades se configuraram
como as únicas associações de gente de cor permitida, nas quais buscavam captar recursos para
a libertação dos irmãos e seus familiares, assim como no auxílio aos negros fujões, e/ou que se
encontravam nos quilombos da região. Era necessário então reforçar o controle sobre as mesmas,
justamente quando a cidade vivia o final da Guerra dos Farrapos e percebia no seu entorno um
número crescente de quilombos.

De 1830 até 1888, do total de cartas de alforrias registradas na cidade, cerca de 25% delas foram
pagas pelos próprios escravos. Um número expressivo que demonstra não só o protagonismo
destes negros ao buscarem recursos a partir de diferentes estratégias (como o trabalho ao ganho),
mas também que as redes familiares acabavam viabilizando estas compras, como na cotização ou
empréstimos19. Somadas a essas estratégias estavam as loterias, demonstrando a feliz esperança
de conseguir a liberdade pelas próprias mãos. Na última década da escravidão na cidade, observa-
se o surgimento de associações ligadas abertamente à compra de alforrias.

É de 1878 a primeira organização que se utilizou das apostas nas loterias para a compra de
alforrias, com o inequívoco nome “Associação Lotérica Beneficente Feliz Esperança”. No ano de
1880 a associação adotou o nome de Sociedade Beneficente Feliz Esperança. De acordo com
Beatriz Loner, em 1881 o presidente desta associação era um negro cativo, Justo José do Pacífico,
o qual foi beneficiado com a liberdade um ano depois, pelo fundo de emancipação, podendo ter-
se utilizado do papel que desempenhava nessa associação para ser bem visto pelas autoridades
locais20. Esta associação, assim como as que a procederam, encontrava-se desvencilhada
da supervisão da Igreja e assim pode encontrar caminhos mais abertos para diferenciar-se
nos objetivos da associação em relação às até então existentes, ou seja, as irmandades. Isto
configurou uma experiência de negros em movimento, desvencilhando-se cada vez mais dos
controles impostos pelo Estado e pela Igreja Católica, até então bastante imbricados em termos
de política, de forma a gestar uma rede social negra diversificada. A Feliz Esperança teve um
papel proeminente entre as associações negras que viriam a consolidar-se, disponibilizando sua
sede para que outras pudessem ali se instalar, e oferecendo aulas noturnas, de forma a poder
abranger os trabalhadores.

A busca por instrução dos negros pelotenses foi uma estratégia utilizada a fim de inculcar valores
positivos, além de ensinamentos práticos. Tinham como intuito demonstrar que, embora excluído
socialmente, o negro tinha todas as condições para viver em sociedade e ser parte dela, buscando
sua cidadania, portanto. Esta iniciativa, porém, pode ter sido temida pela elite pelotense, a qual
ciente das discussões abolicionistas em nível nacional, assim como do alto contingente de negros
libertos e pessoas de outros grupos étnicos em condições menos abastadas na sociedade, buscou

59
oferecer aulas ao grupo, inculcando-lhe valores pertinentes ao regramento pretendido pelos
mandatários locais. Este regramento visava uma classe trabalhadora ordeira, a qual mais cedo ou
mais tarde ocuparia o lugar dos escravos, visto que a abolição se anunciava21.

Embora a sociedade apresentasse uma busca sistemática através da dominação ideológica, a


presença de algumas organizações configura-se como a manutenção de um sistema alternativo
de crenças e valores, que evidencia a resistência negra em diferentes instâncias. Em um primeiro
momento, os negros movimentaram-se individualmente e após coletivamente recorrendo
à formação de irmandades religiosas, para no último quartel do século XIX, diversificar suas
associações, criando então instituições vinculadas diretamente às alforrias e abolição do trabalho
escravo. É nesse período também que aumentou a concentração de negros no espaço urbano,
chegando a cerca de quatro mil na década de 1880. As identidades sociais buscadas e mantidas
tinham como fio norteador a estratégia de conferir uma imagem positiva dos negros locais e,
assim, buscar conferir melhores condições de vida aos seus iguais, identidade esta que mostrou
seu caráter relacional à medida que a sociedade escravocrata foi se desfazendo.

Todas estas experiências e estratégias não poderiam passar despercebidas pelos estudiosos do passado,
e recentemente temos vivenciado uma vasta produção de trabalhos que demonstram o protagonismo
negro no período escravista no Brasil, e que em Pelotas não seria diferente. Negros antes vistos como
coisas, que aceitariam inclusive subjetivamente a bestialidade da escravidão, começam a aparecer, se
não senhores dos seus destinos, ao menos sujeitos que experienciaram seus contextos dispostos a lutar
por melhores condições de vida, seja nas revoltas, como nos tencionamentos cotidianos.

O pós-abolição: os negros em movimento e o movimento negro


O pós-abolição é encarado não apenas como uma temporalidade posterior ao 13 de maio
de 1888, mas como um campo de novos conflitos e agências de grupos buscando superar a
escravidão. E se observando os novos desafios impostos ainda pela nova ordem que logo se impôs
pela República, é um campo fértil no sentido de observar os negros em movimento. A escravidão
sucumbiu perante diferentes fatores, dentre os quais se destacou a agência negra que tencionou
o sistema, e que buscou mostrar novas formas de organização possíveis, consolidando-se como
variável importante na dinâmica e dialética que move a história.

A última década do século XIX e o século XX viram o florescer de uma consciência social e
racial, pautada pela euforia da nova ordem, seguida de muito perto pela percepção dos novos
problemas que se impunham. Se a cor da pele e os valores a ela associados eram fruto do racismo
gestado no século XIX, no âmbito da escravidão e do colonialismo, os problemas vinculados à
cidadania política e social efetiva não se configuravam como simples herança da escravidão.
Estes problemas também não eram fruto de uma suposta anomia dos negros, mas sim de uma
nova ordem que se impôs. Pelotas viu o surgimento de inúmeras organizações de negros com
objetivos variados, mas tendo como fio condutor a busca pela cidadania plena, e a herança não
era da escravidão, mas das experiências de organização gestadas anteriormente. Esta herança
somada à crescente racialização das relações sociais ajudou na configuração de um movimento
social negro, em que se destacou a colaboração entre as associações, a denúncia do preconceito
racial, a busca pela inserção do negro no mercado de trabalho com condições iguais aos demais
trabalhadores, assim como a busca por uma cidadania efetiva.

Levantamento referente a 1891 indicou o número de 7.035 negros e mestiços no espaço urbano,
sendo que os imigrantes estrangeiros alcançaram a cifra de 4.160 pessoas22. Três associações
beneficentes que possuíam negros em seus quadros, fundadas ainda antes da abolição, sendo
elas a Feliz Esperança, a Harmonia dos Artistas e a Fraternidade Artística, mantiveram suas
atividades até respectivamente 1917, 1916 e 1911. Sendo que a Feliz Esperança, localizada nos
limites do centro da cidade, na então rua 16 de Julho, hoje Cassiano do Nascimento, figura como
uma entidade que serviu de polo aglutinador das demais. Abrigou em sua sede associações com

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interesses comuns, como por exemplo, associações pelos direitos dos operários, destacando-se
a União Operária Internacional, a qual esteve diretamente vinculada à luta dos trabalhadores
pelotenses, como com a mobilização pelas oito horas diárias de trabalho; e a então denominada
Sociedade Recreativa Carnavalesca Depois da Chuva.

É necessário destacar ainda o papel protagonista desempenhado pela mulher negra. Pelo menos
duas organizações destacam este protagonismo: a Sociedade de Socorros Mútuos Princesa do
Sul (1908-1918); e o Asilo de Órfãs São Benedito (1901-ainda em funcionamento), com destaque
nesta sociedade pela presença de Luciana Lealdina de Araújo, uma mulher negra que idealizou
o Asilo em prol das crianças, independente de cor, mas que abrigava principalmente meninas
negras. Dois negros foram identificados dentre os membros diretivos do Asilo, os quais circulavam
também em outras associações negras: Antonio Baobab (secretário) e Durval Penny. A presença
de negros em suas diretorias se manteve pelo menos até meados do século XX, assim como
entre grande parte das crianças atendidas. Esta característica foi evidenciada no discurso pelo
cinquentenário desta instituição, feito pelo deputado classista e originário de Rio Grande, Carlos
Santos23. O deputado foi uma grande liderança da comunidade negra gaúcha, e no momento
do cinquentenário, era o orador oficial do Asilo24. Em relação à fundadora, foi interessante
perceber o destaque conferido à sua iniciativa, como podemos apreender em artigo veiculado
no jornal negro A Alvorada, em uma coluna que destacava à comunidade pelotense alguns fatos
acontecidos no passado, com o evidente intuito de servir de exemplo a coletividade negra:

A brilhante escritora d. Julia Lopes de Almeida, quando aqui esteve, disse, ao


contemplar o Asilo S. Benedito:
“É a primeira vez que vejo no Brasil realizada uma obra de benemerência por uma
mulher da mais humilde condição, pobre e de cor... Luciana, essa preta pobre, só
pelo influxo da sua energia conseguiu inspirar a criação e a manutenção em cidades
do Rio Grande, de verdadeiros templos de instrução e caridade, como o Asilo S.
Benedito, fundado em fevereiro de 1901”25.

As associações até então descritas podem ser identificadas como parte da primeira fase do
movimento negro organizado na República, a qual contou com inúmeras associações de cunho
racial “eminentemente assistencialista, recreativo e/ou cultural”26, agregando por vezes ainda,
segmentos classistas específicos da sociedade. O início do século XX viu, em grande medida, a
desilusão dos negros com a nova ordem política, e nesse sentido criaram organizações de combate
político, como o Clube José do Patrocínio (1905-1911) e o Centro Ethiópico Monteiro Lopes.

Manuel da Motta Monteiro Lopes foi eleito deputado federal em 1909, porém, existia uma possibilidade
muito forte de não poder assumir seu cargo por ser negro. Começou-se então uma campanha nacional
para assegurar a posse. Ainda no Rio Grande do Sul foram fundados órgãos de apoio à causa Monteiro
Lopes, como em Rio Grande (Clube Monteiro Lopes), Bagé (Centro Monteiro Lopes) e Santa Maria
(também intitulado Centro Monteiro Lopes), espalhando-se para o país vizinho, o Uruguai. A rede de
apoio alcançou sucesso e o deputado foi empossado ainda em 1909.

Muitas foram ainda as iniciativas beneficentes, além da Feliz Esperança, com destaque para a
Flores do Paraíso, fundada em 1898, e a Banda União Democrata, de 1896. A União Democrata,
ainda em funcionamento, foi a primeira banda a aceitar negros.

Joaquim Rollo Sobrinho e Dario Nunes, homens negros, estavam entre os fundadores de uma
liga de futebol amador - Liga de futebol Independente José do Patrocínio. Iniciativa esta que
transparece a prática vigorante no meio futebolístico, do não aceite de jogadores negros em
times profissionais. Assim, diferentes clubes de futebol amador reuniram-se e constituíram uma
liga, a qual recebeu o título do patriarca da Abolição. Esta foi criada em 1919 e manteve suas
atividades até a década de 193027. Joaquim e Dario tiveram atuação marcante em dois clubes
negros locais nas décadas de 1930 e princípios de 1940, Chove Não Molha e Fica Ahí P’ra Ir
Dizendo. Joaquim foi orador do Chove Não Molha entre os anos de 1930-1931, e desempenhou

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a mesma função em conjunto com Dario Nunes no Fica Ahí entre 1938-1940. Dario Nunes esteve
na diretoria do Fica Ahí entre 1938 e 1943 e desenvolveu importante papel junto à comunidade
negra pelotense ao se tornar articulista do jornal A Alvorada.

A iniciativa de formar uma liga que congregasse os times de negros ou mistos seguiu um modelo
que já havia sido adotado em outras cidades gaúchas, como por exemplo, Porto Alegre, com a
Liga Nacional de Football Porto-Alegrense, popularmente conhecida como Liga da Canela Preta,
e Rio Grande, com a Liga Rio Branco28. A Liga pelotense mantinha campeonatos, dos quais
participavam times de fábricas e vinculados aos clubes negros da cidade, como por exemplo, o
Esporte Clube América do Sul, ligado ao clube Chove Não Molha e o Grêmio Esportivo Luzitano, o
qual pode ter sido incorporado ao clube de mesmo nome, embora tenha se mantido em atividade
por mais tempo, entre os anos de 1921 e 1934. Além de atividades esportivas, acreditamos
que a Liga ainda estivesse imbuída de um caráter de valorização dos negros não apenas no
âmbito esportivo, visto que promoveu um concurso intitulado Miss Liga José do Patrocínio,
numa evidente valorização da beleza da mulher negra.

O pós-abolição teve ainda a participação dos negros na manutenção de jornais que expunham os
problemas concernentes à parcela deste grupo na cidade. Destacaram-se os jornais comemorativos,
em número único, como A Cruzada, de 13 de maio de 1905, este em explícita alusão à data magna
dos negros no período. Estava vinculado ao Clube que recebia o nome do mártir da Abolição, José
do Patrocínio, agremiação a qual apresentou provavelmente caráter de representação política,
fazendo com que o jornal homenageasse a instalação do mesmo na cidade; e A Vanguarda, de
1908. A cidade pode contar ainda com o hebdomadário negro A Alvorada, datado de 1907 e que
chegou até o ano de 1965, com pequenas interrupções.

O A Alvorada foi o porta-voz da Frente Negra Pelotense, fundada em 10 de maio de 1933 por
José Adauto Ferreira da Silva, Carlos Torres, José Penny, Miguel Barros e Humberto de Freitas. Estes
fundadores, já possuíam trânsito entre as associações classistas e/ou de cunho racial. Porém, outros
nomes foram incorporados à associação, entre estes destacamos Rodolfo Xavier, Juvenal e Durval
Penny, e Francisco de Paula Alves. Essa organização divulgava suas ideias através do jornal A Alvorada
e se autodenominava uma associação cultural e educacional. Provavelmente existiu até 1937, quando
provavelmente deixou de funcionar em virtude das medidas adotadas pelo Estado Novo.

A Frente desenvolvia atividade intensa nas sedes dos clubes sociais, nos quais realizava A
Hora da Raça, com palestras e conversas, levando aos co-irmãos discussões raciais, evocando
os antepassados, e de interesse dos trabalhadores nacionais. Pelotas e a cidade de Rio Claro,
localizada no interior paulista, foram as únicas cidades do interior que mantiveram organizações
vinculadas à Frente Negra Brasileira.

Dentre os objetivos da Frente destaca-se a união dos negros aliada à busca pela educação
formal. Este coletivo definiu como principal fim em seus estatutos a busca pela “instrução,
educação e elevamento da raça Negra”. Para tal propunham ainda características que em muito
se aproximavam dos objetivos pleiteados pelas irmandades religiosas do século XIX e associações
mutuais e/ou beneficentes surgidas já no final da escravidão. Como por exemplo, o amparo
em caso de necessidades relacionadas à saúde e/ou judiciária, e a organização e manutenção
de cursos alfabetizadores com base em palestras e preleções diversas tendo como conteúdo a
história do povo negro. As atividades davam destaque para seus líderes e datas comemorativas
com o intuito de elevar os negros, além de “pleitear a admissão de elementos de cor aproveitável
nos ginásios”, em uma clara alusão à positivação da identidade negra a ser alcançada pela não
diferenciação dentre do próprio grupo e pela busca da instrução em primeiro lugar.

Poderiam associar-se homens e mulheres com mais de 16 anos, sendo que do total apenas
10% poderiam ser não negros. Porém, na diretoria estariam apenas negros. A associação era
administrada por uma diretoria eleita anualmente composta pelos cargos de presidente, vice-
presidente, 1o e 2º secretários, 1º e 2° Tesoureiros, diretor geral e conselho fiscal29.

62
As três primeiras décadas do século XX destacaram-se ainda pelo surgimento das associações que
proporcionariam um maior espaço de sociabilidade, como as carnavalescas e também as de luta
política, com os clubes sociais negros. Criados em função das comemorações de momo, mantinham
atividades durante o ano inteiro, o que logo lhes conferiu status de clubes, passando a serem assim
definidos pela imprensa local antes mesmo de oficialmente adotarem este tipo de denominação.

A Sociedade Recreativa Depois da Chuva foi fundada por jovens negros no dia 19 de fevereiro
no ano de 1917, com o intuito de aproveitar o carnaval daquele ano. Dois cordões fundados
no pós-abolição se destacam ainda hoje, visto que continuam em funcionamento, embora sob a
denominação clube: Chove Não Molha (26/02/1919) e Fica Ahí P’ra Ir Dizendo (21/02/1921). Cinco
cordões negros destacaram-se na cidade, sendo estes, além dos três clubes já citados: Está Tudo
Certo (1931) e Quem Ri de Nós Têm Paixão (1921).

Os Cordões da cidade informavam suas atividades a seus co-irmãos e sócios, principalmente com o
auxílio da imprensa. E nesse sentido, destaca-se a dita imprensa negra, representada na cidade pelo
jornal A Alvorada. Esses cordões apresentaram grande inter-relacionamento social, não somente
entre eles próprios, mas também com associações classistas ou esportivas, com destaque para a Liga
de Futebol Independente José do Patrocínio, e políticas, como a Frente Negra Pelotense.

A manutenção desses cordões durante todo o ano, fez com que antes mesmo de adotarem a
denominação oficial de clube, os jornais assim o denominassem. Essa percepção é corroborada
pelo conceito de Clubes Sociais Negros, elaborado em 2008 pela Comissão Nacional de Clubes
Sociais Negros dos Estados do RS, SC, SP, RJ e MG: “Os Clubes Sociais Negros são espaços
associativos do grupo étnico afrobrasileiro, originário da necessidade de convívio social do grupo,
voluntariamente constituído e com caráter beneficente, recreativo e cultural, desenvolvendo
atividades num espaço físico próprio”30.

Destacamos a consolidação destes locais enquanto espaços de unidade que foram se fortalecendo
e mantendo atividades das mais diversas possíveis, o que evidencia o objetivo que extrapolava os
limites dos momentos de recreação carnavalesca. Estas experiências davam base para que se pudesse
instituir uma identidade positiva aos membros desses clubes através de sua organização interna a
ser exteriorizada através de suas diversas atividades as quais foram devidamente registradas não
apenas pela imprensa negra, mas também pela imprensa em geral da cidade de Pelotas.

Acreditamos que o espaço estava então consolidado e, a partir destes, eles se propuseram a servir
como reduto do grupo, fruto da discriminação vigente na cidade que impedia a participação de
negros nos demais clubes sociais, tidos como clubes de brancos. Assim, eles passaram a agir como
importantes idealizadores da união do grupo negro31, traçando metas de ação que ora assemelhavam-
se à busca de consolidação de uma identidade negra, ora a uma assimilação dos valores vigentes na
sociedade dominante, composta predominantemente por brancos, e que por fim, mesclavam esses
elementos em busca de via alternativa de sobrevivência e inserção na sociedade brasileira.

Essa perspectiva é importante para voltarmos nosso cunho investigativo a um período ainda
pouco estudado na historiografia dos movimentos sociais do meio negro, entre as décadas de
1950 e nos primeiros anos da Ditadura Civil Militar. É sabido que os clubes sociais negros
continuaram a ter um papel proeminente na organização das demandas da comunidade negra,
no entanto, o forte aparato repressivo, acabou por colocar essas demandas, sob a alcunha da
cultura. Destacamos, ainda, que esses espaços desenvolviam questões de cunho político, porém
fazendo parte de uma sociedade altamente controlada. Esses condicionantes foram sentidos na
pele e as demandas precisaram ser traduzidas em questões culturais. Exemplo disso é a própria
alteração feita no nome do clube Fica Ahí P’ra Ir Dizendo, que de clube carnavalesco, em 1953,
passou a se denominar clube cultural. Foi nesse período também, já com sede nova localizada na
rua Marechal Deodoro, inaugurada em 1954, que o referido clube abrigou no seu andar térreo o
Grupo Escolar Dr. Francisco Simões, escola mantida pelo poder público, mas que iria ao encontro
dos objetivos dos negros pelotenses, de incentivo à educação.

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Um campo de lutas consolidado desde o século XIX, com base principalmente na experiência,
não se perdeu e tampouco se calou, apenas encontrou outras formas de se colocar. Característica
já bastante marcante ao se estudar os grupos negros no Brasil e na própria diáspora africana.
Os movimentos negros estavam completamente vinculados às conjunturas históricas, de muita
repressão, mas também de tensionamentos diretos, principalmente com a eclosão do Movimento
pelos Direitos Civis nos Estados Unidos, e que alcançou os negros na diáspora. Isso se refletiu na
consolidação do movimento negro organizado e gestado na década de 1970, e que ainda hoje
pode ser observado no que tange a demanda de denúncia do racismo, que teve como seu grande
capital cultural a consolidação da figura de Zumbi dos Palmares e o dia 20 de Novembro como o
símbolo e data simbólica da luta negra, em contraposição à Princesa Isabel e o 13 de Maio, que
foram interpretados como ligados à anomia do negro e à ideia de dádiva da abolição.

Sobre a história da mobilização negra na cidade de Pelotas, percebe-se uma forte ligação com um
viés culturalista, que perpassa essas duas gerações: a primeira, de 1880 a 1951, e a segunda, de
1987 a 2007. Sobre o viés culturalista ressaltamos que está imbuído também do campo político e
econômico. Esse cultural traduz os anseios em busca de uma cidadania efetiva, a partir de campos
mais abertos, que num primeiro olhar parecem ser despolitizados e sem ideais para além do cultural,
mas que ao observar suas ações de perto, enxergamos sua complexidade. Na primeira parte destacam-
se as manifestações culturais e carnavalescas como forma de denúncia das atrocidades relacionadas
ao negro, como o caso do Clube Carnavalesco Nagô, de ideal abolicionista e pela constituição de um
espaço de aglutinação negra da cidade. A segunda parte de mobilização analisada, a partir de meados
da década de 1980, pauta-se em torno dos direitos sociais e de reconhecimento do negro na sociedade,
por intermédio de ações afirmativas e na ocupação de diversos espaços políticos. Nesse contexto as
comemorações referentes ao 20 de Novembro se constituem como o principal período nacional para
abordar politicamente questões referentes ao negro. E é no processo de preparação da Marcha Zumbi
dos Palmares, que se vislumbra uma articulação entre setores culturais e políticos da cidade.

Na década de 1970, o grupo cultural Palmares, da cidade de Porto Alegre, presente e atuante
no Teatro Experimental Negro, constituiu um espaço para estudos de produção artística focado
na vida e morte de Zumbi dos Palmares. A denominação Palmares é oriunda da crença dos
integrantes de que esta experiência quilombola tenha sido a passagem mais marcante da história
do negro brasileiro, representando todo um século de luta e liberdade conquistada. A data serve
como um contraponto à “liberdade” referenciada ao 13 de maio de 188832. O 20 de Novembro
consagrou-se como a principal data a respeito da situação do negro na sociedade brasileira. A
identificação à luta de Zumbi dos Palmares pautou as discussões em torno dos conflitos raciais
existentes no Brasil, sendo assim, nos 300 anos da morte deste líder, no ano de 1995, iniciou-se
a Marcha Zumbi dos Palmares, que ainda hoje marca as manifestações políticas do negro.

Amanhã, 20 de Novembro, organizações do movimento negro de todo o país, co-


memoram “O Dia da Consciência Negra”. Para registrar a data, o vereador Roberto
Frate Martins (PMDB) levou à tributa da Câmara um detalhado resumo da história
do libertador negro Zumbi, que foi assassinado pelas tropas imperiais e pelos ban-
deirantes em 20 de Novembro de 186533.

Zumbi dos Palmares se configura como o principal símbolo de luta negra em contraponto à data
13 de maio, sendo o 20 de Novembro a data escolhida pelas organizações negras e não, a priori,
pelo Estado brasileiro. Contudo, mesmo sendo proposta no início da década de 1970, foi só na
década de 1990 que essa data expandiu-se como uma data de lutas negras no Brasil.

Mobilizações Negras na contemporaneidade


As mobilizações atuais contra o racismo e a discriminação racial alicerçam-se em dois grandes
momentos: a Constituição de 1988, com a criminalização do racismo, e nas orientações da

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1ª Conferência Mundial Contra o Racismo, em Durban na África do Sul, no ano de 1991. Os
movimentos sociais negros se organizaram na luta pela garantia de direitos sociais, através da
implementação de políticas públicas de reparação às consequências do racismo, considerado
como estrutural no Brasil. A mobilização negra da cidade de Pelotas não ficou de fora desse
processo, e nesse sentido, buscamos problematizar essas organizações através da análise de redes
formadas em torno das comemorações da Marcha do 20 de Novembro na cidade de Pelotas, nos
anos 2006 e 200734.

Através de entrevistas com algumas lideranças, organizadoras das Marchas de 2006-2007 na


cidade de Pelotas, percebemos uma série de organizações entre as décadas 1980 e 1990. A
primeira organização notificada foi o Motiram (Movimento Negro Trabalhista) ligado ao Partido
Democrático Trabalhista (PDT) no final da década de 1970/1980, que visava pensar o papel do
negro na política. Outro grupo destacado nesse período foi o Movimento Negro Independente
Malê, um grupo formado por membros do partido político, mas tido como independente, com o
objetivo de discutir a situação do negro na cidade. Ainda na década de 1980, surgiu o Movimento
Negro de Pelotas, o Monpel, que buscou na figura de Zumbi dos Palmares organizar a primeira
Semana da Consciência Negra em Pelotas. No ano de 1988, em comemoração à celebração dos
100 anos da Abolição da Escravidão, a Igreja Católica realizou a campanha da fraternidade “Ouvi
o Clamor Deste Povo”. Neste contexto, criou-se na Paróquia São José do bairro Fragata, a Pastoral
do Negro. Ainda na década de 1980, houve o grupo Movimento de União de Consciência Negra,
que participou da Marcha dos 100 anos da Abolição em Brasília. Todas estas foram mobilizações
importantes que se agregaram à pauta nacional no processo de pensar a situação do negro no
pós-abolição e na contemporaneidade.

O Hip Hop também se destacou como uma forma de mobilização negra na cidade, obtendo
seu auge nos anos 1980, época em que inúmeros grupos de dança surgiram por toda a cidade.
Eram realizados ensaios nas garagens, e espetáculos nas ruas e nas festas das grandes discotecas,
resquícios da influência da cultura norte-americana Black Power.

No início da década de 1990, quatro lideranças oriundas de grupos diversos na cidade se juntaram
para formar a organização não governamental Griô. A Ong pensava toda sua política através de
cinco eixos, já tradicionais do movimento negro: a inclusão social; a geração de trabalho e renda;
a cultura; o meio ambiente e visão cosmo-africano; e a segurança.

Por fim, encontramos a Ong Odara, que deu início à realização da Marcha do 20 de Novembro. O
Odara surgiu no ano 2000 como fruto da união do grupo de dança Dandara e da continuidade da
mobilização negra pelotense pós-Cabobu - Festa dos Tambores - que mobilizou e integrou grupos
e pessoas preocupadas com a causa negra no final da década de 1990.

A primeira Marcha Nacional teve como tema “Contra o Racismo: Pela Cidadania e Vida”, com o
intuito de celebrar a vida de Zumbi dos Palmares e problematizar a situação do negro brasileiro. Nessa
marcha, segmentos da comunidade negra de todo o país entregaram um documento à Presidência da
República, solicitando uma política de valorização e de promoção da população negra.

Em Pelotas organizou-se uma série de eventos em torno do 20 de Novembro, com o apoio e


participação da Unegro, do Conselho Estadual da Comunidade Negra, da Prefeitura Municipal de
Pelotas e da Câmara de Vereadores.

A primeira marcha ocorrida na cidade de Pelotas foi no ano de 2004, com a Ong Odara, o
Grupo Elegbara, Lanceiros Negros, e o Coletivo de Professoras Negras da cidade. Foi realizada
uma caminhada em comemoração a Zumbi dos Palmares agregando um conjunto de outras
lideranças e grupos ligados à comunidade negra pelotense. Nas reportagens de um jornal local,
percebe-se a ligação do cultural com o político no momento em que a Ong Odara se propõe
a ir além do palco:

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Não se trata de desfile para mero entretenimento. A ideia é sob o ritmo do afoxé,
ressaltar o dia nacional da Consciência Negra. Com isso, de forma descontraída, o
alerta de que o racismo, geralmente velado, caracteriza a sociedade brasileira35.

No ano de 2006, o grupo Odara convocou outras lideranças e grupos para o processo de
construção da Marcha. Neste mesmo ano, houve o rompimento com o poder público, que já
vinha organizando a Semana da Consciência Negra, em conjunto com diversas organizações da
comunidade negra na cidade. A divergência teve seu início no momento em que a Secretaria de
Projetos Especiais, da Prefeitura, não comunicou previamente algumas lideranças do movimento
a respeito do processo de construção da Semana. No 2o encontro de preparação às comemorações
do 20 de Novembro, uma liderança da Ong Odara começou a reunião dizendo: “(...) o que dá
sentido ao 20 de Novembro é a caminhada, é o político, não é só festa”. Comentando sobre a
reunião realizada pela Secretaria de Assuntos Especiais, argumentou que a programação iria
desde seminários a shows, sem haver uma programação mais política referente aos problemas
sociais dos negros pelotenses. No decorrer da discussão, um dos participantes manifestou sua
insatisfação com a atitude da Secretaria, fazendo críticas sobre a legitimidade de representação:
“(...) como se fossem os grandes representantes da comunidade negra”36.

A constituição da Marcha se configurou como um espaço político alternativo de organização do


movimento negro, em resposta aos conflitos com o poder público. Mesmo no campo conflituoso
entre a Secretaria de Assuntos Especiais e alguns líderes do movimento, membros da Secretaria
foram à Marcha de forma organizada, com camisetas referentes a Zumbi dos Palmares, causando
alguns murmúrios sobre a sua participação. Além de caminhar, a secretária realizou uma fala:
“Estou aqui como participante (...) a secretaria tem comprometimento sim (...) a secretaria não é só
dos afrodescendentes, mas de todos os discriminados (...) a secretaria está aberta para fazer parte”.

Em 2007 o mesmo grupo articulou-se com outas lideranças organizando a Marcha “Ações
Afirmativas: Dignidade para o povo negro daqui!”. Foi uma grande festa na comunidade negra. O
trajeto da marcha foi o mesmo dos últimos anos, com concentração na avenida Bento Gonçalves,
percorrendo as ruas Marechal Deodoro, Lobo da Costa, passando pelo Altar da Pátria, fazendo
uma parada em frente à Câmara Municipal dos Vereadores, seguindo até o Largo do Mercado.
A finalização se deu com discursos, depoimentos e debates sobre o papel das políticas públicas
para o processo de emancipação do povo negro na sociedade. Por fim, ocorreu a apresentação
dos grupos artísticos, finalizando a atividade com a fala de um dos Mestres Griôs.

Pensar a mobilização negra da cidade de Pelotas a partir das comemorações em torno do 20 de


Novembro, à luz das análises das redes sociais formadas por atores, leva à percepção da forte
relação entre as manifestações culturais e políticas. Sendo que os vínculos com estes aspectos são
reforçados através da herança cultural introduzida pelos familiares desses atores, principalmente
no que se refere à participação nos clubes negros, no carnaval e nos grupos de dança. Essa
articulação entre as manifestações culturais e políticas caracterizam a mobilização negra da
cidade de Pelotas. Configuram a tradição de articular o cultural e o político, não de forma
isolada, pois esta organização não está somente presente na história social de mobilização negra,
como também na trajetória de vida desses atores sociais. E é neste contexto que a Marcha do 20
de Novembro se constituiu como um evento de articulação destas pessoas e destes grupos, além
de ser o principal mecanismo de divulgação das reivindicações da mobilização negra da cidade.

De fato, desde a formação deste território conhecido como cidade de Pelotas, africanos e
afrodescendentes, vivendo o contexto da escravidão e posteriormente a vida em liberdade,
buscaram organizar-se em busca de melhores condições de vida. Forjando relações familiares,
posicionamentos políticos, e práticas de sociabilidade religiosas e culturais, os negros teceram
tradições específicas de experienciar a vida em sociedade, marcadas pela contínua superação
e pela crença de que, por gerações, e pelas que virão, celebrar a negritude é estar mobilizado
permanentemente.

66
Referências
ALADRÉN, G. Liberdades negras nas paragens do sul: alforria e inserção social de libertos em Porto Alegre,
1800-1835. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
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2005.

67
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Dissertação de Mestrado. São Leopoldo: UNISINOS, 2012.
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em Pelotas (1830-1888)”. In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História-ANPUH. Natal: UFRN, 2013, p.
1-18.
SILVA, F. Os negros, a constituição de espaço para os seus e o entrelaçamento destes espaços: associações
e identidades negras em Pelotas (1820-1943). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2011.
SILVA, M. Eugenia, Antropologia Criminal e Prisões no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2005.
TRIUMPHO, V. (org). Rio Grande do Sul: Aspectos da Negritude. Porto Alegre: Martins Livreiro editor, 1991.

Notas do pesquisador
4
Arquivo Nacional, RJ – Série Guerra, Gabinete do Ministro / Ofício do Presidente da Província do Rio Grande do Sul, maço IJ1853.
5
Como no caso da Cisplatina e da Guerra dos Farrapos, ver: ALADRÉN, G. Liberdades negras nas paragens do sul: alforria e inserção
social de libertos em Porto Alegre, 1800-1835. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009; OLIVEIRA, V.; CARVALHO, D. “Os lanceiros
Francisco Cabinda, João Aleijado, preto Antonio e outros personagens negros na Guerra dos Farrapos”. In: SILVA, G.; SANTOS, J.;
CARNEIRO, L. (Orgs.). RS negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 63-82.
6
MOREIRA, P. “Seduções, boatos e insurreições escravas no Rio Grande do Sul na segunda metade dos oitocentos”. In: Anais do 5º
Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 1-21.
7
Sobre o pensamento eugenista e a política prisional no Rio Grande do Sul, ver: SILVA, M. Eugenia, Antropologia Criminal e Prisões
no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
8
Na segunda metade do século XIX, a presença de mulheres nos grandes plantéis, com os que compunham o trabalho nas
charqueadas, era pouco expressivo. Já em pequenos e médios plantéis, a presença feminina era mais equilibrada a dos homens. É
importante destacar que ao se falar em estrutura da posse escrava, Pelotas acompanhava uma tendência do país, de ter a presença
de escravos pulverizada nas mãos de senhores de pequenas e médias propriedades. Ver: PESSI, B. Entre o fim do tráfico e a abolição:
a manutenção da escravidão em Pelotas, RS, na segunda metade do século XIX (1850 a 1884). Dissertação de Mestrado. São Paulo:
USP, 2012.
9
PINTO, N. A benção compadre: Experiências de parentesco, escravidão e liberdade em Pelotas, 1830/1850. Dissertação de Mestrado.
São Leopoldo: UNISINOS, 2012.
10
Pelotas estava conectada com o Tráfico Transatlântico e fazia parte da chamada Terceira Perna do Tráfico, que viabilizava a
chegada de africanos até a região de forma indireta via portos como os do Rio de Janeiro e Salvador. Sobre o tráfico no Rio Grande
do Sul e seu perfil, ver: BERUTE, G. Rio Grande de São Pedro do Sul: uma análise do tráfico doméstico de escravos (1788-1822).
Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Aliás, toda uma rede comercial e também a infraestrutura militar, tinha como
fundamental a mão de obra negra, livre ou escrava. Sobre os marinheiros africanos e afrodescendentes, ver: OLIVEIRA, V. Sobre
águas revoltas: cultura política maruja na cidade portuária de Rio Grande/RS (1835 a 1864). Tese de Doutorado. Porto Alegre:
UFRGS, 2013.
11
MOREIRA, P.; AL-ALAM, C.; PINTO, N. Os Calhambolas do General Manoel Padeiro: práticas quilombolas na Serra dos Tapes (RS,
Pelotas, 1835). São Leopoldo: Editora OIKOS, 2013.
12
AL-ALAM, C. A negra forca da princesa: polícia, pena de morte e correção em Pelotas (1830-1857). Pelotas: Edição do autor/
Sebo Icária, 2008.
13
CORREA, S. “Africanos na Província de São Pedro (1835-1848): quanto vale a liberdade?” In: Anais do 3º Encontro Escravidão e
Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis: UFSC, 2007.
14
AL-ALAM, C. Palácio das misérias: populares, delegados e carcereiros em Pelotas (1869-1889). Tese de Doutorado. Porto Alegre:
PUCRS, 2013.
15
Sobre a Várzea como núcleo afro religioso, ver: MELLO, M. Reviras, batuques e carnavais: a cultura de resistência dos escravos
em Pelotas. Pelotas: Editora Universitária UFPel, 1994.
16
Um mercado religioso conectava a região com os portos brasileiros, como o de Salvador. Sobre este mercado em torno do
“Óbi”, ver: MOREIRA, P.; AL-ALAM, C. “Já que a desgraça assim queria um feiticeiro foi sacrificado: Curandeirismo, etnicidade e
hierarquias sociais. (Pelotas / RS 1879)”. In: Afro-Asia, UFBA, Impresso, 2013.
17
SILVA, F. Os negros, a constituição de espaço para os seus e o entrelaçamento destes espaços: associações e identidades negras

68
em Pelotas (1820-1943). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2011.
18
Arquivo da Cúria Diocesana de Pelotas. Livro Tombo, p. 119-120, 191, 212.
19
PINTO, N. “A preta forra Nagô Ursulina e a alforria de sua filha Luisa: escravidão, relações familiares e liberdade em Pelotas
(1830-1888)”. In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História-ANPUH. Natal: UFRN, 2013, p. 1-18.
20
LONER, B. “Casar, associar-se, apostar em ooterias: cotidiano ou estratégias de liberdade”. In: Anais do X Encontro Estadual de
História-ANPUH. Santa Maria: UFSM, 2010, p. 1-17.
21
Para entender o imaginário e as formas de controle debatidas e construídas pelas elites em torno dos negros no contexto
abolicionista e pós-abolição, ver: CHALHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990; AZEVEDO, C. Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites, século XIX. São
Paulo: Annablume, 2004.
22
LONER, B. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande, 1888-1930. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária UFPel/
Rede Unitrabalho, 2001, p. 57.
23
Sobre Carlos Santos, ver: GOMES, A. O universo das gentes do mar e a identidade negra nos discursos e práticas políticas de
Carlos Santos (1959-1974). Tese de Doutorado. Porto Alegre: PUCRS, 2014.
24
Bibliotheca Pública Pelotense. Fundo: Entidades beneficentes e benemerentes. Sub-série: Asilo de órfãs São Benedito de Pelotas.
25
Bibliotheca Pública Pelotense. A Alvorada. 21/01/1952, p. 1.
26
DOMINGUES, P. “Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos”. In: Revista Tempo, Rio de Janeiro, v.12, n.23,
p. 100-122, 2007, p. 103.
27
Bibliotheca Pública Pelotense. A Alvorada, 15/09/1953, p. 6.
28
LONER, B. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande, 1888-1930. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária UFPel/
Rede Unitrabalho, 2001.
29
Bibliotheca Pública Pelotense. Estatutos da Frente Negra Pelotense. A Alvorada, 14/01/1934, p. 2.
30
SILVEIRA apud ESCOBAR, G. Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação
de Mestrado. Santa Maria: UFSM, 2010, p. 61.
31
Optamos aqui por utilizar a expressão “grupo” em virtude do espaço necessário para uma discussão sobre a utilização da “raça”.
No entanto, caracterizamos as discussões sobre os negros em Pelotas, como de caráter racial. Para saber mais sobre essa discussão,
bem como sobre os clubes sociais negros ver: SILVA, F. Os negros, a constituição de espaço para os seus e o entrelaçamento destes
espaços: associações e identidades negras em Pelotas (1820-1943). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2011.
32
TRIUMPHO, V. (org.). Rio Grande do Sul Aspectos da Negritude. Porto Alegre: Martins Livreiro editor, 1991.
33
Diário da Manhã, 20/11/1987.
34
MISCHE, A. “De estudantes a cidadãos. Redes de jovens e participação política”. In: Revista Brasileira de Educação, nº. 5 e 6,
1997, p. 134-150.
35
Diário da Manhã, 20/11/2004.
Para mais informações ver: AVILA, C. Beleza e Encantamento Negro. Estudo sobre a afirmação étnica por intermédio do corpo na
36

Ong Odara Pelotas/RS. Monografia. Pelotas: UFPel, 2006; e Negros em movimento, o movimento dos negros: A mobilização negra
em Pelotas 1987-2007. Monografia. Pelotas: UFPel, 2008.

69
Figura 1

Figura 7

Figura 4

Figura 5

Figura 2
Figura 8

Figura 6

Figura 3

Figura 3 Figura 9 Figura 10

70
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Gabriela Brum Rosselli e Guilherme P. de Almeida.

Figura 1: Homem negro procurando alimentos no chão do pátio interno do Mercado Público, em dia de comércio.
Início do século XX. Fonte da Imagem: “Pelotas. Gênese e desenvolvimento urbano (1780-1835)”, de Eduardo Arria-
da. (Pelotas: Armazém Literário, 1994).
Figura 2: Detalhe de populares acompanhando a passagem de uma banda musical na Rua Félix da Cunha em frente
ao antigo Colégio Pelotense. Em fotografias como esta, do início do século XX, bem como nos postais que faziam a
propaganda da beleza da cidade no mesmo período, é impactante a recorrente aparição de crianças e jovens, espe-
cialmente da etnia negra, notadamente à margem daquela sociedade. Fonte: Acervo Pelotas Memória.
Figura 3: Detalhe de um antigo Cartão Postal. Mulher negra carregando balaio, em frente ao Theatro Guarany.
Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 4: Idem. Menino à Rua XV de Novembro. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 5: IbIdem. Meninos à esquina das Ruas Félix da Cunha e Gal. Neto, em frente ao Clube Comercial. Fonte:
Acervo Eduardo Arriada.
Figura 6: IbIdem. Jovem negro em caminhada solitária sobre os trilhos de bonde, à Rua XV de Novembro, próximo
à esquina da Rua Mal. Floriano. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 7: Detalhe de uma antiga fotografia do chafariz Fonte das Nereidas. Meninos sentados em um dos bancos
da Praça da República. Final do Século XIX. Fonte: “De fontes e aguadeiros a penas d’ água: reflexões sobre o sistema
de abastecimento de água e as transformações da arquitetura residencial do final do século XIX em Pelotas - RS”, de
Aline Montagna da Silveira (Tese de Doutorado. USP, 2009). Acervo (original) Biblioteca Riograndense.
Figura 8: Detalhe de meninos em meio a uma aglomeração pública no entorno da Praça Cel. Pedro Osório, em fun-
ção da chegada de dois elegantes modelos de automóveis. Cartão Postal. Década de 1920. Fonte: Acervo Eduardo
Arriada.
Figura 9: Detalhe de antigo Cartão Postal, evidenciando o contraste entre o menino negro, maltrapilho e descalço,
e o outro menino, branco, de traje alinhado. Ao fundo, a Fonte das Nereidas. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 10: Detalhe de fotografia de “novos pobres socorridos pelo Fraterno Auxilio Cristão”, durante a Páscoa de
1962. Conforme assinalado na legenda original: “Nem as crianças sorriem. A imagem viva da miséria resignada”.
Fonte: Acervo Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.

71
55 56

61 62 63

55. Registro da demolição do antigo sobrado existente à esquina da Rua Mal. Floriano com a Rua XV de Novembro, conhecido como “Torre Eiffel”.
56. Rua Félix da Cunha esquina Rua Tiradentes. Colégio Salis Goulart. Década de 1970. 57. Idem. Registro da demolição do terceiro pavimento e consequente
descaracterização deste singular exemplar arquitetônico. 58. Antigo Palacete da Viúva Paiva, quando abrigava a sede do Jockey Clube de Pelotas. Década de
1970. 59. Antigo sobrado à Praça Cel. Pedro Osório, esquina Rua Félix da Cunha quando ainda abrigava em sua porção térrea de esquina o estabelecimento
“Casa da Banha”, nome pelo qual é lembrado ainda nos dias atuais. 60. Rua Gonçalves Chaves, esquina Rua Voluntários da Pátria. Casarão da Família
Gonçalves Chaves.
57 58 59 60

64 65 66 67

61. Torre mirante que pertenceu aos Bombeiros, pouco antes de sua retirada do terreno na Rua Gomes Carneiro esquina Rua XV de Novembro, local onde
permaneceu de 1921 (data de inauguração desta sede definitiva) até a década de 1970. 62. Rua Major Cícero, nº 201. A “Casa nº 01”, como é conhecida a
edificação que é parte restante da moradia do Charqueador Torres, em cujo interior houve a reunião para deliberar o local do primeiro núcleo urbano de Pelotas.
Atualmente, encontra-se em deplorável arruinamento. 63. Antigo Castelo da Família Simões Lopes. Década de 1970. 64. Ônibus sobre a antiga “Ponte do
Ritter”. Ao fundo, e no reflexo das águas do Santa Bárbara, as ruínas da antiga Cervejaria Ritter. Década de 1970. 65. Vista aérea parcial na direção sudoeste.
Em primeiro plano, a Praça Cel. Pedro Osório. 66. Vista do antigo Engenho São Gonçalo, desde a margem direita do Canal São Gonçalo. 67. Militar e garoto em
atracadouro na margem esquerda do Canal São Gonçalo.
68

69

68. Vista geral de Pelotas desde o sudoeste. Panorâmica em três partes. 69. Vista parcial de Pelotas. Panorâmica em três partes.
70 71 72

73 74

70. Chegada dos equipamentos para a instalação do jornal Diário da Manhã, em 20 de junho de 1979. 71. Modelos apresentando a “jovem moda”, em
frente à loja “Procópio butique”. 72. A bela Rejane Vieira Costa, Miss Brasil 1972, em desfile para uma joalheria, no interior do Clube Comercial, em 1976.
73. Modelos no interior da loja “Procópio butique”. 74. Modelo durante desfile para uma joalheria, no interior do Clube Comercial, em 1976.
A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA PELOTENSE
(1880-1940)

Beatriz Loner1

Em julho de 1914, Simões Lopes Neto foi um dos protagonistas do episódio final de uma disputa
entre trabalhadores libertários e jornalistas e intelectuais de Pelotas. Poucos meses antes, havia
sido criado o Centro de Estudos Sociais, que funcionaria junto à Liga Operária, com o objetivo
de realizar palestras e conferências sobre assuntos atuais e/ou de interesse dos trabalhadores.
Sua proposta unia lideranças da Liga, como Carlos Simões Dias e Augusto Vergez e também
intelectuais, pois seu diretor era o advogado e jornalista Antônio Gomes da Silva, arrendatário do
jornal A Opinião Pública. Gomes da Silva dizia-se livre pensador e anarquista, em grande parte
devido as suas posições sobre a Igreja Católica, posições estas que, pouco mais tarde, vão situá-
lo em rota de colisão com o bispo local, devido à polêmica iniciativa da publicação de versos
satíricos considerados ofensivos à Igreja. Tudo indica que Simões amparava esta ideia. 1
Graduada em História pela
Universidade Federal do
Várias promoções já haviam sido realizadas pelo Centro, tendo como oradores diversas Rio Grande do Sul (UFRGS,
1975), Mestre em História
personalidades da região. Até então, as relações destes dois intelectuais e literatos com o pela Universidade Estadual
movimento operário tinham sido fraternas, expressas em participação nas atividades no Centro de Campinas (UNICAMP,
1985), Doutora em Sociologia
e também em colunas semanais ou inserções de notícias sobre a organização dos trabalhadores, pela Universidde Federal do
nos respectivos periódicos que dirigiam. Rio Grande do Sul (UFRGS,
1999). Professora Adjunta
aposentada do curso e do
Naquela específica noite de inícios de julho, Simões Lopes Neto havia sido convidado a falar sobre corpo permanente do PPG em
o ABC, entendido como a solidariedade entre Argentina, Brasil e Chile. Aproveitando a presença, História da UFPel. É autora de
na cidade, do propagandista do cooperativismo, o italiano De Stefano Paternó, foi pensado unir Construção de classe: Operários
de Pelotas e Rio Grande
sua conferência a uma breve alocução deste último sobre as vantagens do cooperativismo. (Pelotas: Editora da UFPel,
2001), bem como de vários
Contudo, desde 1913 participavam da Liga Operária alguns militantes de tendências libertárias, artigos e capítulos de livros
sobre movimento operário e
que buscavam fazer um trabalho de organização e educação entre operários e trabalhadores em trabalhadores negros.
geral e para os quais, as atividades do Centro de Estudos Sociais privilegiavam o público errado,
além de não abordar os problemas mais candentes para a população pobre. Eram muitas as
divergências entre o pensamento deles e de Gomes da Silva, a quem não perdoavam a vaidade
literária e, especialmente, o fato de se dizer anarquista, mas conciliar-se com o poder municipal
e estadual em termos políticos2. Para os anarquistas, essa específica sessão trazia ainda maior
contrariedade, pois De Stefano Paternó iria difundir o cooperativismo, forma associativa com a
qual não concordavam por considerar que iludia o proletariado, conformando-o com a situação
na qual vivia. Cada um dos participantes deste episódio contava com os jornais para dar sua
versão, de modo que vamos ouvir a todos, principiando pelos libertários.

A versão dos anarquistas foi publicada no jornal da Confederação Operária Brasileira, A Voz do Trabalhador
(nº 59, 20/07/1914), na coluna “Pelotenses” e, pelos detalhes com que revestiram sua narração, bem
como seu conteúdo, deixam claro o significativo papel dado ao incidente como momento de conquista
do direito de falar pelo operariado pelotense. Inicialmente, o autor indicava o público da conferência:
“gente da burguesia’, com vestes luxuosas, “plumas nos chapéus das madames e senhorinhas”,
“burgueses sorridentes” e estudantes... o que constrangia os “poucos operários” presentes. O tema seria
“do momento, mas pouco operário”, mesmo assim “J. L. Simião Neto” (sic) agradou e foi aplaudido.

Falou a seguir o... ilustre cooperativista italiano Dr. De Stefano Paternó, muitíssimo
conhecido de todos nós. É um tipo impressionante na tribuna e habilmente
sugestionador. (...)
O diretor do Centro de Estudos Sociais Dr. Gomes da Silva, redator-chefe da Opinião
Pública, concede por último a palavra ao operário Zenon de Almeida.
Como um fulminante inesperado, as palavras do arrojado companheiro produziram
o efeito esperado.
O sentido, por este dado a palavra, - trabalhadores - sofismado por alguns dos
presentes e logo após pelo diretor do Centro (que se diz ou se disse anarquista)
violentou o atrito, então manifestado em torcimentos de narizes e coçamentos de
cabeças.
Um operário assomara à tribuna, expelindo dos lábios rebelados, verdades duras!...
Não podia satisfazer a maioria do auditório! (...)
Não obstante em minoria, a voz do pária ergueu-se, altiva, irreprimível, revoltada.
Frente a frente com o inimigo, os operários presentes em sua maioria souberam
colocar-se no seu posto verdadeiro e a carga foi cerrada.
Dispensaram a fraternidade burgo-operária, por ele pregada em altos brados, antes
da encrenca terminar.

E lá se foram; os operários ficaram. Uma nova era raiou para a Pelotas proletária...

A narrativa completa, muito longa para transcrição literal, caracteriza-se por opor as duas visões
de mundo, a operária e a burguesa. Mas o espaço em disputa era operário e devia ser recuperado
por estes, o que foi feito através do significado restritivo, dado a palavra “trabalhador” pelo
orador anarquista. Segundo o colunista, a vitória foi alcançada quando os “poucos operários
presentes” aceitaram sua interpretação do termo, apoiando as “verdades duras” que proferiu, e
contrapondo-se aos demais assistentes, que se retiraram, escandalizados com sua atitude.

No dia seguinte, ainda chocado e irritado, Gomes da Silva interpretou o acontecimento como uma
manifestação de estupidez e radicalismo individual. Iniciou informando que os dois oradores foram
muito aplaudidos pela assistência “composta de excelentíssimas famílias e cavalheiros” e continuou:

82
Após ocupou a tribuna um desconhecido, um energúmeno qualquer que, de começo
provocou a indignação de toda a assistência pelos termos inconvenientes que usou:
uma súcia de incoerências e disparates, que não seriam levados a sério se não fosse
a incontinência com que se portou o intrometido orador na propaganda das suas
vermelhas ideias.
Depois desta passagem destonante (sic), o auditório prorrompeu em aclamações aos
oradores anteriores e ao nosso diretor, Dr. A. G. Silva, acompanhando-os às suas
residências (A Opinião Pública, 07/071914).

Gomes da Silva não era pelotense, e os fatos que marcaram sua trajetória na cidade demonstram
que nunca conseguiu entender plenamente o “ethos” citadino, nem em sua relação com as
crenças religiosas, nem em sua forma de lidar com as diferenças. Vaidoso e com altas pretensões
literárias, não gostou de ser contrariado e reagiu violentamente, deixando evidente o desconforto
com o acontecido.

Já Simões Lopes Neto, mais maduro e calejado, pois desde cedo participara de redações de
jornais, nos quais convivera com os mais variados personagens e pensamentos, preferiu calar
sobre o incidente, limitando-se a informar sobre a realização da conferência e os temas de seus
oradores (Correio Mercantil, 06/07/1914). Quanto aos anarquistas, ele vai dar o troco pouco
depois, quando será chamado por um grupo de trabalhadores para ser o orador na entrega de um
abaixo-assinado contendo 1.005 assinaturas, com reivindicações à prefeitura contra a carestia
e as insuportáveis condições de vida operária. Significativamente, a reportagem que trata desta
solicitação vai ser publicada sob o título: “O legítimo proletariado” e seu conteúdo é esclarecedor:

Formando ao lado dos elementos legítimos do trabalho como bases da ordem,


estamos solidários com o pensamento do operariado sensato e previdente que,
usando de um direito constitucional, leva aos órgãos superiores do poder público a
sua justa reclamação.

Nesse terreno, todo o nosso fraco préstimo, toda a nossa coadjuvação e leal conselho
estão ao dispor da digna comissão representante do operariado pelotense (Correio
Mercantil, 10/08/1914).

Esta comissão contava ainda com o aval da Igreja Católica que já possuía uma organização
voltada ao operariado, a União Pelotense. Mas tantos padrinhos não adiantaram muito a esse
manifesto, que terminou não dando em nada, ainda segundo os correspondentes pelotenses de A
Voz do Trabalhador, que ironizaram a iniciativa. Em contraponto, Simões Lopes Neto tivera razão
ao dizer que os trabalhadores que representara na entrega do abaixo-assinado, estavam mais
próximos do proletário comum do que as duas ou três dezenas de militantes que impulsionavam
as atividades da Liga.

A orientação anarquista entre os sindicalistas levava-os a acreditar apenas na ação direta para
melhorar as condições de vida dos trabalhadores e eles tinham particular horror a solicitações
feitas às autoridades do Estado, de quem queriam distância. Doravante, o operariado organizado
pretendia caminhar sozinho na luta por suas reivindicações e em busca de direitos, sem recorrer ao
amparo de personalidades ou instituições estranhas ao meio. Teriam sua ocasião de implementar
estas práticas, mas temos de ressaltar que essa postura destoava das formas convencionais
tradicionalmente utilizadas. Mobilizações e campanhas ocorridas há pouco tempo ainda foram
feitas visando sensibilizar os governantes sobre os problemas operários, como a luta pelas oito

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horas em 1911 (em que os operários buscaram o apoio do intendente), ou a campanha contra a
carestia de 1912-1913 (em que uma das lideranças foi um político da oposição ao castilhismo).

O episódio da conferência, para os ativistas libertários, teve um efeito claro: tomar conta do
principal espaço operário da cidade, a própria sede da Liga, questionando a legitimidade de
interlocutores não operários proporem atividades para eles. De fato, esta foi uma das últimas,
senão a última sessão de conferências proposta por Gomes da Silva. Em outros momentos, alguns
intelectuais serão convidados para palestras, como Victor Russomano, muito considerado entre os
anarquistas por suas ideias e pelo estudo sobre a posição da mulher na sociedade.

Se em 1914 eram poucos os membros da Liga Operária e menor ainda o número daqueles com
ideias libertárias, contudo, o esforço conjunto dos militantes deu bons frutos, aglutinando pessoas
e ideias. E Pelotas esteve, pela primeira vez, na vanguarda cultural do movimento radical do país3.

Antes de descrever este período, vamos ver como se iniciou a mobilização dos trabalhadores na
cidade e quem compunha este setor.

Composição e origens
A organização dos trabalhadores urbanos na cidade de Pelotas é das mais antigas do estado
gaúcho. Nas décadas finais do Império, aqueles que viviam do seu próprio trabalho compunham
um largo espectro que ia desde donos de manufaturas até trabalhadores por jornada, diferindo
ainda em seu grau de profissionalização (mestres e aprendizes; especializados ou não), situação
jurídica (escravizados, libertos ou livres), posse ou não dos meios de produção, por cores,
nacionalidades e etnias (ou raças, como se dizia então).

A riqueza da cidade e de sua elite, baseada no charque e no gado, trouxe para a cidade muitos
trabalhadores, desde aqueles que vieram escravizados para trabalhar para seus senhores, como
os africanos e seus descendentes, até aqueles que vieram por sua livre vontade, em busca de
mercado ou clientes para seus ofícios. Quanto aos primeiros, os afrodescendentes se constituíram
no contingente quase absoluto de trabalhadores no Império, alocados em quase todos os tipos de
trabalhos, no campo e na cidade. Mais tarde, formaram parte substancial do mercado de trabalho
na República, em uma gradação que ia desde os jornaleiros (diaristas), até os mestres artesãos. No
Império, boa parte era ocupada nas charqueadas e em trabalhos considerados domésticos, embora
houvesse artesãos e jornaleiros na cidade, alguns livres, outros explorados por seus donos. Quanto
à indústria, houve cativos empregados em manufaturas, especialmente no ramo de chapéus,
além das charqueadas, elas próprias uma atividade manufatureira. Na República, o número
de trabalhadores de origem afrodescendente empregados em setores industriais e de serviços,
manteve-se bem acima de um terço, especialmente em setores vinculados ao couro, bebidas,
alimentação, portos e transporte em geral. Quanto aos chamados trabalhadores domésticos
(jardineiros, cocheiros, lavadeiras, cozinheiros, criadas etc.), eles constituíam a maioria.

Portugueses também fizeram parte dos primeiros habitantes da cidade e dedicavam-se a seus
negócios, manufaturas e comércio, formando um dos grupos mais fortes e consolidados na cidade.
A imigração portuguesa permaneceu constante durante o período imperial e novas levas vinham
somar-se aos anteriores, propiciando a mão de obra necessária para o comércio e outros serviços.
As demais nacionalidades europeias, no final do século XIX, constituíam-se principalmente de
alemães, italianos e franceses, muitos estando radicados em Pelotas desde meados daquele século,
inicialmente dedicando-se a ofícios artesanais, com alguns, posteriormente, desenvolvendo
oficinas e manufaturas dentro e fora da cidade. No final do século XIX constituíram-se algumas

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colônias rurais de famílias estrangeiras em regiões próximas, as quais formaram uma reserva
potencial de trabalhadores para as atividades urbanas, suprindo constantemente as necessidades
do comércio e indústria pelotenses ao longo do século XX, tanto em termos de mão-de-obra,
quanto como clientes.

As diferenças de língua, costumes e cultura, cor e situação jurídica entre os diversos grupos
de trabalhadores no início do período republicano, dificultaram sobremaneira sua organização,
embora essas peculiaridades fossem esmaecendo nas novas gerações, que tinham que fazer seu
aprendizado educacional e profissional dentro da cultura dominante. Mesmo assim, eles possuíam
interesses em comum em número suficiente para que pudessem atuar em nome destes grandes
objetivos. E nas últimas décadas do Império e nas primeiras da República, o bloco do trabalho
atuou em conjunto, reunindo de empresários até operários, em lutas contra a escravidão, pela
dignificação do trabalho manual e pelo livre desenvolvimento industrial no país.

Paralelamente a estes processos políticos, surgiram as primeiras associações de congraçamento e


defesa de interesses dos trabalhadores urbanos. Em Pelotas o Clube Caixeiral surgiu em 1879, ao
final da luta vitoriosa pelo fechamento de portas aos domingos. Desde 1881 se tentou organizar
a categoria dos tipógrafos, havendo sucessivas criações de grêmios neste setor, que só tiveram
sucesso em 1899, com a criação de uma sociedade mutualista, a Guttemberg, que sobreviveu
por muitas décadas. Apesar de uma das primeiras greves da cidade ter sido dos tipográficos,
esta categoria, muito dividida politicamente, demorou até os anos 20 para conseguir consolidar
um sindicato. Operários de manufaturas se reuniram até aproximadamente a década de 1910,
em sociedades beneficentes sob controle operário ou caixas de socorros sob controle do patrão.
Algumas cooperativas tiveram existência por poucos anos nestas categorias.

As associações mutualistas reuniam artesãos ou trabalhadores de diferentes ofícios com objetivo de


amparo mútuo, ou seja, de prover benefícios a seus sócios, no caso de morte ou doença grave. A
primeira a surgir foi a Associação Beneficente Classes Laboriosas (1880), entidade mutualista com
forte influência maçônica, logo seguida por outras com características diferenciadas na agregação
de sócios, seja por categoria profissional, local de trabalho, nacionalidade ou etnia e ainda pela
diferenciação no importe financeiro (joias e mensalidades), bem como nos benefícios oferecidos.

Às vezes, estas associações mutualistas facilitavam o surgimento de clubes com objetivos recreativos ou
culturais, dando origem ao que se pode chamar de redes de sociabilidade de grupos de trabalhadores4.
Assim, o estudo das décadas finais do século XIX pode constatar que muitos diretores da Associação
Classes Laboriosas pelotense também encontravam-se no Recreio dos Artistas (bailante), a qual, por
sua vez, tinha sócios participando da Sociedade Dramática Particular Filhos de Thalia (teatral) ou da
Banda Musical Apolo, a qual tocava em todas as solenidades reputadas como de importância pelos
maçons, deixando claro sua orientação. O Clube Caixeiral cedeu sócios e instalações para as sociedades
teatrais Melpômene e Nova Euterpe, na década de 1890. Por sua vez, antes de ter sede ampla, o
Caixeiral realizava atividades na Terpsichore, uma das primeiras entidades filo-dramáticas da cidade e
da qual boa parte dos amadores trabalhava no comércio.

Havia diferenciações claras entre as redes associativas. Se a Recreio dos Artistas reunia artesãos
e donos de oficinas, que também podiam ser sócios das Classes Laboriosas, já os sócios ricos desta
última, composto pelos grandes negociantes, alguns charqueadores e empresários de maior sucesso,
preferiam associações mais caras e restritas5. Os artesãos pobres deviam optar por associar-se a
sociedades mutualistas e clubes recreativos mais modestos, em que as joias de entrada, mensalidades
e exigências de trajes eram acessíveis às suas possibilidades financeiras. Essas entidades não eram
exclusivas de uma ou outra categoria ou nacionalidade, embora tivessem padrões rígidos para
incorporação de novos sócios, o que implicava em critérios financeiros e de cor ou status social.

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Diferentemente destas, havia associações mutualistas étnicas, exclusivas dos nacionais do país
considerado e seus descendentes, as quais reuniam trabalhadores de status diferenciados, com
objetivo de congraçamento e representação da nacionalidade. Elas também podiam desenvolver
entidades agregadas, conforme sua cultura. Assim, italianos criaram mais sociedades musicais,
enquanto os portugueses dedicavam-se mais às sociedades filo-dramáticas e às bailantes. Os
alemães diversificaram sua rede formando corais, sociedades, religiosas, esportivas e de tiro, além
de serem o único grupo a efetivamente possuir escola própria na cidade. Mas essas redes por
nacionalidade não tiveram maior importância em nosso estudo, à exceção das sociedades negras
compostas em maioria por trabalhadores.

As entidades negras foram se formando ainda no Império, com o surgimento da Associação


Beneficente Lotérica Feliz Esperança (1880), que reunia livres, escravos e libertos, na luta pela
alforria dos sócios e pela abolição da escravidão. Um ano depois houve a fundação da Sociedade
Beneficente Fraternidade Artística, reunindo artesãos afrodescendentes livres ou libertos. Para
representá-los no processo abolicionista, em 1884 foi criado o Centro Ethióphico, composto de
cinco representantes de diversos grupos entre eles.

Depois da Abolição, suas sociedades se ampliaram, bem como sua rede associativa, criando-se
clubes recreativos, teatrais e carnavalescos6, pois a segregação racial era muito forte e impedia
a participação de pessoas identificadas como negras ou mestiças em sociedades bailantes ou
recreativas frequentadas por brancos. A formação da rede associativa negra foi bem variada, pois
devia incluir desde a educação e socialização dos jovens até a união na luta pelos interesses, em
Pelotas ou além, dos afrodescendentes, como deixam perceber a formação do jornal A Alvorada
e a criação de entidades de luta pelo mandato de deputado negro carioca, vetado pela sua cor7.

Muitos dos diretores de associações étnicas negras costumavam participar, também, na diretoria
ou na base de sindicatos e associações de trabalhadores, caracterizando uma dupla inserção de
sua militância, pois, devido às desvantagens com que este grupo lidava, cedo foi compreendido
por eles que a ascensão dos negros se daria via integração na classe operária e na busca de
melhoria das condições de vida desta classe8.

Houve inclusive líderes sindicais de origem afrodescendente nas décadas de 1880 e 1890 que
anteriormente haviam sido cativos. Por exemplo, Justo José do Pacífico, sapateiro e ex-escravo,
libertado pelo Fundo de Emancipação do Município em 1882, foi o primeiro presidente da
associação Feliz Esperança em 1880, depois ocupando o cargo de orador no Centro Cooperador dos
Fabricantes de Calçados em 1888. No período republicano, tornou-se eleitor, e em 1898 participou
da diretoria da União Operária Internacional e do Centro Operário 1º de Maio9, ambas centrais
proletárias com expressivo número de diretores negros. Antônio Baobad (anteriormente Antônio de
Oliveira) também era ex-escravo, mestre chapeleiro que participou da diretoria da Feliz Esperança e
filiou-se ao Partido Republicano Rio-grandense ainda na década de 1880. Foi líder de sua categoria,
participando de movimentos grevistas na década de 1890, terminando por fundar e presidir a União
Operária Internacional em 1897 e o Centro Operário 1º de Maio em 1899. Em 1907, pouco antes de
morrer, participou da fundação do jornal negro A Alvorada e foi um de seus redatores.

Estes dois casos estudados levantam a questão de que, embora a discriminação racial fosse muito
forte e evidente na cidade, condicionando em parte os destinos daqueles de tez mais escura, o
preconceito se fazia sentir com menor intensidade em associações profissionais, possibilitando
que afrodescendentes ocupassem alguns postos de direção em certos momentos e incentivando a
convivência entre negros e brancos. Esta característica se fez sentir em todo o período republicano,
embora o convívio social em espaços de lazer, esporte e recreação, a segregação continuasse ativa
durante boa parte do século XX.

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Mesmo associações que reuniam empresários poderiam aceitar a participação profissional de
artesãos negros, se fosse conveniente. Já vimos que o Centro Cooperador de Fabricantes de
Calçado, criado em 1888 para lutar contra a diminuição da tarifa de importação para produtos
estrangeiros em sua diretoria deste ano, teve um orador negro, ex-escravo.

Foi essa associação que incentivou a criação do Congresso Operário, com delegados de cada
categoria profissional da cidade, o qual em 1890 transformou-se em Liga Operária, instituição que
marcou o movimento dos trabalhadores da Primeira República na cidade. No início da República,
a Liga pelotense liderou o movimento pela criação de um partido operário no estado, buscando
formar uma federação estadual de Ligas Operárias municipais, as quais atuariam como um partido
representativo dos interesses do bloco do trabalho, fazendo ouvir a voz dos trabalhadores junto
ao governo federal. Suas primeiras lideranças foram empresários e artesãos, tendo ela participado
do Congresso Operário de 1892 no Rio de Janeiro10. A iniciativa malogrou e o advento da guerra
civil entre as facções políticas no estado levou ao refluxo de toda a mobilização inicial. Com isso, a
Liga Operária pelotense estagnou em suas propostas e afastou-se dos trabalhadores mais humildes,
dando espaço para a criação da União Operária Internacional (1897-1899) que aglutinava estes
elementos. Em 1905, houve a fundação da União Operária, que congregava trabalhadores pobres
e de cor, pois havia a queixa de que a direção da Liga discriminava estes elementos11. Esta União
Operária vai congregar boa parte do operariado negro na cidade e durará até o Estado Novo,
atuando, em momentos decisivos, conjuntamente com a Liga.

Isso porque, a partir da eleição de 1912, a Liga renovou sua diretoria, que se tornou muito mais
aberta e progressista, enviando, inclusive, delegados para participar do Congresso Operário de
1913 no Rio de Janeiro, sob hegemonia anarquista. Com essa mudança em sua orientação,
algumas lideranças anarquistas de outros estados ou de Porto Alegre, vieram para Pelotas e,
somando-se aos militantes nativos, deram início à transformação da Liga em um centro de
difusão da proposta libertária, formando sindicatos enucleando movimentos sociais (Liga dos
Inquilinos, movimento pela Paz, movimento contra o militarismo), além de desenvolver propostas
culturais, como teatro, música, criação de um centro feminino e outras.

O movimento libertário na cidade


Em sua proposta para uma nova sociedade, os libertários davam grande importância ao fator
cultural, não somente vendo na educação do povo uma das principais forças transformadoras,
mas também atribuindo ao teatro uma função de catarse e de educação pelo exemplo. Dentro
dessa proposta criaram, veladamente, espetáculos para os sábados e domingos à tarde, na sede
da Liga, que uniam palestras, música, canto, teatro e declamação. Fundaram o Grupo Teatral
Cultural Social, que atuava no palco do Teatro 1º de Maio (estabelecido no salão da Liga e
que também servia para outros espetáculos). Santos Barboza e Zenon de Almeida, juntamente
com o comerciário pelotense Carlos Simões Dias, vão compor peças com conteúdo libertário a
serem apresentadas por este grupo e outros12. Santos Barbosa, ademais, criará um Curso de Arte
Dramática e dará origem à Banda de Música 18 de Março, para acompanhar as apresentações.
Zenon de Almeida, químico que nas horas vagas também era jornalista, editará jornais libertários
em Pelotas e em Rio Grande, para onde se desloca ao final daquela década.

O próprio ambiente cultural da cidade se modifica com a presença libertária, surgindo novos grupos de
teatro amador pelotense, inclusive entre o operariado negro, que depois terão continuidade por alguns
anos. Embora as relações dos trabalhadores da Liga sejam estremecidas por alguns jornais pelo episódio
citado acima, eles vão encontrar espaço junto aos periódicos O Rebate e também no A Opinião Pública,
quando este último teve, como arrendatários, personagens ligados ao Partido Libertador na cidade.

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O trabalho conjunto de poucas dezenas de militantes conseguiu reunir, em várias frentes, bom número
de operários e populares, que se mobilizaram em campanhas contra a carestia, pela paz e outras.
Vários sindicatos foram criados e a Casa do Trabalhador, como passou a ser designada a sede da
Liga, na rua 15 de Novembro, sediava sindicatos dos sapateiros, construção civil, curtumes e outros.
Naquela década, a Liga enviou representantes ao Rio de Janeiro para o Congresso Operário de 1913,
o Congresso Pró-Paz e o Congresso Anarquista Sul Americano, os dois em 1915. Na década seguinte,
foram enviados representantes ao Segundo (1920) e ao Terceiro (1925) Congressos Operários Estaduais
em Porto Alegre, além de ocorrer em Pelotas, na sede da Liga, o último congresso operário da Primeira
República no estado, em janeiro de 1928. Eles criaram um Centro de Estudos Femininos, dois jornais,
uma escola de primeiras letras e iniciaram uma escola Moderna de Ensino Racionalista, em 1920.

Desde o início da República, as difíceis condições de vida levaram algumas categorias a fazer greves,
sendo a primeira aquela dos tipógrafos em 189013, dos chapeleiros em 1893, da tecelagem em 1913,
além de movimentos de trabalhadores de transportes, carroceiros, motorneiros, ferroviários e categorias
do porto. As greves de setores portuários ou dos ferroviários tendiam a ter abrangência extramunicipal,
com características de combatividade próprias. No início da década de 1910 ocorreram mobilizações e
campanhas, como pelas oito horas, que incluiu paralisações da construção civil em 1911.

Em meados de 1917, a situação dos trabalhadores era muito precária, devido à falta de trabalho
industrial provocada pela interrupção do fornecimento de matérias-primas, máquinas e ferramentas
com a Primeira Guerra. Além disso, o aumento do custo de vida levara a defasagem salarial, com o
poder de compra severamente diminuído nas famílias operárias. Este quadro levou à eclosão de greves
gerais no país, iniciando por São Paulo, em um movimento que rapidamente se alastrou, chegando a
Pelotas em agosto de 1917.

Esta greve reuniu numerosas categorias de trabalhadores e também os pequenos comerciantes do


mercado público da cidade. Sua pauta não foi exclusivamente operária, mas contemplou problemas
dos consumidores e inquilinos, como a carestia, alta dos aluguéis e outras situações que incidiam
no cotidiano dos trabalhadores. Foi deflagrada em 9 de agosto, em ação conjunta da Liga Operária
e da União Operária, criando-se a Comissão de Defesa Popular para dirigir o movimento, que durou
de 9 a 17 de agosto. Movimento semelhante ocorrido em Porto Alegre em julho teve desfecho
favorável aos trabalhadores, contando com apoio do governo do estado que intercedeu junto
aos industriais. Contudo, em Pelotas, o governo municipal reprimiu violentamente o movimento,
provocando a morte de um manifestante, quando a polícia atirou em assembleia que se realizava
na sede da Liga, no primeiro dia da greve, travando-se um tiroteio entre ambas as partes.

Uma grande tensão tomou conta de todos, com o enterro sendo feito pelos manifestantes,
tendo o governo estadual despachado um representante à cidade. Do mesmo modo, a FORGS
(Federação Operária do Rio Grande do Sul) mandou um delegado seu a Pelotas e, entre muitas
reuniões, conseguiu-se fazer alguns acordos gerais, com o tabelamento de alguns itens essenciais,
como a carne, o arroz e o açúcar, insistindo-se para que houvesse acordos das empresas com
seus operários para garantir aumentos. A maioria das categorias participou da greve e houve
uma preocupação com a volta em conjunto, tanto no porto quanto na cidade. Destacou-se no
movimento a participação das mulheres da fiação e tecelagem, que, através de seu sindicato,
buscavam o aumento de seus baixos salários. Embora não tenham sido contempladas em suas
reivindicações, elas permaneceram mobilizadas por anos.

Mas os resultados dessa greve não perduraram, pois o tabelamento de preços fracassou e as
condições de vida continuaram difíceis, embora algumas categorias tenham conseguido melhorias
salariais significativas. Em 1919, nova tentativa de greve geral, mais restrita a categorias localizadas
na região do porto, apresentou resultados diferenciados, mas esteve longe de ser geral. Nos anos

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seguintes, houve movimentos pontuais em algumas categorias, com greves mais fortes apenas
nos transportes e no porto da cidade.

Um dos motivos dessa situação foi uma forte repressão, desencadeada nacionalmente contra qualquer
mobilização dos trabalhadores, acompanhada por campanha pelos jornais contra os anarquistas, e
medidas como deportação interna e o exílio, contra os militantes mais radicais. Contando a opinião
pública, aos olhos de quem os anarquistas apareciam como perigosos agitadores estrangeiros,
além de acobertados em suas ações (às vezes ilegais) pelo estado de sítio estabelecido no país a
partir de 1922, os agentes da ordem conseguiram aniquilar boa parte da organização libertária,
especialmente nos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Nestes centros, os anarquistas
e outros “indesejáveis” foram presos e enviados para a cadeia, o exílio ou a Clevelândia, colônia
penal no Oiapoque, no qual vários morreram de doenças tropicais ou maus tratos.

O Rio Grande do Sul foi em parte protegido dos lances mais violentos dessa perseguição
pela especial condição de sua vida política, em que o conflito entre borgistas e libertadores,
indiretamente fornecia proteção às lideranças e o movimento operário em geral. Nas décadas de
1920, o voto dos trabalhadores passou a ser disputado por estes partidos, e denúncias de maus
tratos ou medidas violentas poderiam ser amplificadas através dos jornais da oposição, levando a
que, mesmo havendo repressão, esta fosse mais branda e focada em algumas pessoas e episódios.

Mesmo assim a atuação sindical dos anarquistas diminuiu consideravelmente nessa década, pelos
efeitos combinados da repressão, da crise da corrente e suas propostas para o movimento, surgindo a
concorrência da corrente bolchevista e também pelo peso da idade, nos militantes libertários. Muitos
sindicatos desarticularam-se e houve um retrocesso geral, conseguindo manter-se a Federação Operária
que teve jornal próprio e participava da FORGS estadual, mas poucos eram os seus representados.
Pelotas ainda se destacou entre as cidades gaúchas, pois foi o único lugar em que se pode realizar o
quarto Congresso Operário Gaúcho, em inícios de 1928, realizado na sede da Liga, com cobertura da
imprensa local e sem incidentes, enquanto no restante do país pouco restou da atividade anarquista,
o que corrobora a ideia de menor repressão às atividades libertárias no sul do país.

A partir de fins de 1928, o movimento operário local voltou a distinguir-se devido à eclosão de
associações sob a influência comunista. Em menos de dois anos houve criação de novos sindicatos e o
ressurgimento de outros, enquanto eram formadas duas federações do trabalho na cidade, a primeira
em seu Centro e a segunda tendo por base o bairro Areal. Ao lado disso, foram criadas muitas outras
organizações de luta, pelos direitos dos inquilinos, contra o imperialismo, a favor da imprensa livre
no país. Apenas em Pelotas e Porto Alegre criaram-se estes tipos de organizações entre 1928 e 1930.
Contudo, com a recusa dos comunistas em apoiar a Aliança Liberal nas eleições de 1930, houve sua
desarticulação pela repressão, atuando num estado finalmente unificado na Aliança Liberal.

A situação depois de 1930


Após outubro de 1930, a situação dos trabalhadores e do movimento sindical na cidade mudou
substancialmente. O operariado pelotense, agora basicamente nascido e crescido no país, havia
apoiado a revolução de 1930 acreditando nas promessas de uma vida melhor, em justiça, no fim
da corrupção e da república das elites. As primeiras medidas de Vargas, com a criação do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, ainda no ano de 1930, pareciam confirmar as esperanças
despertadas. Depois vieram as leis sindicais, introduzindo o sindicato legalizado e reconhecido pelo
governo. A obrigatoriedade da negociação entre patrões e trabalhadores, colocada como função do
próprio sindicato, além da criação das juntas de conciliação e Julgamento e, mais tarde, da Justiça
do Trabalho, foi a realização de uma velha reivindicação do operariado, que finalmente esperava

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ser ouvido pelos seus empregadores. A normatização de reivindicações antigas, concedendo direitos
como férias e aposentadoria, embora condicionados à filiação ao sindicato reconhecido e à posse
da carteira do trabalho, foram considerados, indiscutivelmente, um passo à frente na luta operária.

O movimento sindical do pós 30 será diferenciado do período anterior porque terá que lidar
com uma realidade completamente nova, em que o Estado buscava organizar os trabalhadores
e regulamentar sua participação, distribuindo benefícios individualmente, mas restringindo a
atuação dos militantes sindicais, através do decreto 19.770 e outros posteriores, que tratavam
da regulamentação sindical. A montagem da legislação trabalhista demorou mais de uma
década, sendo aglutinada na Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, num processo que
também buscou transformar os trabalhadores urbanos em apoios sociais ao governante Vargas
cujo longo primeiro mandato de 15 anos na presidência carecia de comprovação nas urnas.
Com fraco apoio entre os setores médios não vinculados ao funcionalismo e o desagrado da
burguesia paulista, Vargas sentia a necessidade de ter bases próprias nas cidades e seu alvo era
a população urbana pobre.

O período ditatorial foi fundamental para que se construísse a imagem de Vargas como o
governante onisciente e visionário, protetor dos trabalhadores e dos menos afortunados, pois
com o país sob censura e a forte repressão, seus ministros e assessores tiveram o monopólio
da palavra sobre a população, contribuindo para lançar as bases do projeto político mais tarde
conhecido como trabalhismo14.

Novos atores também entraram em cena, pois o governo conseguiu adesões no meio sindical
e suas propostas passaram a nuclear sindicalistas que, posteriormente, formaram as bases do
trabalhismo. A Igreja Católica através da proposta dos Círculos Operários, lançada inicialmente
em Pelotas, passou a disputar a orientação dos novos sindicatos. Os sindicatos vinculados ao
Círculo Operário Pelotense (COP) foram os primeiros a serem reconhecidos e o sucesso dessa
experiência na cidade avalizou sua implantação no restante do país15.

Entre o meio operário mais radicalizado, os comunistas tiveram a liderança, estando presentes
em vários sindicatos e associações, mas sofrendo muito com a severa repressão policial, dos quais
eram os alvos principais. Imperturbáveis em suas posições de não participação nos sindicatos
oficiais ficaram apenas os anarquistas, que em Pelotas estavam ainda de posse da Liga Operária.
A disputa pelo espaço de sua sede entre a Frente Sindical e o grupo anarquista em 1933, levou
ao episódio da prisão de sua direção no mesmo ano, tendo sidos soltos após oito dias, retomando
o controle do edifício, mas sem inserção no movimento.

Engana-se, porém, quem pensar que a maioria das lideranças do período possuía posturas ideológicas
claramente definidas. Pelo contrário, a maioria dos sindicalistas era o que se poderia chamar de
autônomos, no sentido de que na luta sindical não tinham uma ideologia pré-determinada, o
que não significa que não tenham se definido posteriormente, a favor ou contra o governo, de
acordo com a evolução da situação e as experiências pelas quais passaram. Muitos deles vinham de
experiências em sindicatos antes de 1930 e tendiam a ver as leis sindicais como trazendo melhorias
em relação à situação anterior. A questão, para eles, era saber até que ponto poderiam confiar na
palavra do governo. Mesmo assim, apostaram na mudança e tentaram adaptar os sindicatos ou
sociedades mutualistas profissionais ainda existentes à legislação sindical, e, depois, pressionaram
as autoridades e os fiscais do MTIC para que respondessem a suas reivindicações.

O número de sindicatos pelotenses reconhecidos pelo governo de 1933 até 1934 foi de 24
sindicatos e outros mais foram criados no período. Criou-se a Frente Sindical Pelotense (FSP)
para coordenar uma atuação conjunta, a qual atuou de 1932 a 1934, participando inclusive

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do Congresso Sindical em Porto Alegre neste último ano. Com sua dissolução por divergências
internas, Pelotas ficou sem uma central sindical coordenadora até 1935.

Com a forte repressão e perseguição às lideranças desencadeada com o episódio da revolta da


Aliança Nacional Libertadora, dificultou-se sobremaneira o trabalho sindical e tornou premente
a necessidade de união, levando a um acordo entre os sindicatos mais combativos da antiga FSP
e os vinculados à União Sindical, criada em 1934 dentro do COP. Surgiu então a União Sindical
dos Trabalhadores Pelotenses (USEP), conseguindo reunir uma grande quantidade de sindicatos
locais e desvinculada do COP. Novamente, vê-se a singularidade de Pelotas, cidade em que os
trabalhadores ainda possuíam suficiente espaço para uma trajetória própria, enquanto no Brasil,
como um todo, a maior parte das centrais sindicais tinha sucumbido à repressão estatal e vários
sindicatos haviam se desarticulado ou passado a uma existência apenas nominal.

Assim, a USEP em 1937 era a maior organização proletária do Estado e uma das maiores do país,
contando com 27 sindicatos organizados e tendo sido reconhecida oficialmente pelo governo
em 1936. Contudo, sua autonomia estava limitada pelas regras do Ministério e também pelas
injunções daquela conjuntura de forte reação conservadora. Assim, o fato de que nas eleições de
novembro de 1936, para sua diretoria, ter ganho uma chapa que continha vários sindicalistas da
antiga FSP, logo alcunhada de “chapa comunista” pelos padres do Círculo, levou a intervenção
do Ministério na entidade, em 1937, por supostas irregularidades na eleição.

Depois deste episódio, os sindicalistas tentaram criar a Comissão Pró-Autonomia Sindical,


para lutar contra a intervenção na entidade, passando a denunciar o atrelamento sindical e a
ingerência estatal no movimento. Mas, pouco tempo depois, com a instalação do Estado Novo,
essas articulações desapareceram e os sindicatos ainda em atividade voltaram ao seio da USEP,
como meio de autoproteção. Por fim, em 1939, houve a proibição da existência de organismos
intersindicais municipais e estaduais, como uniões, ligas ou centrais sindicais, e assim a USEP,
bem como a Liga e a União Operária, foram dissolvidas.

Vê-se, pois, que a evolução sindical em Pelotas foi diferenciada em relação ao centro do país, pois
uma posição inicial de colaboração e simpatia frente ao governo e suas leis trabalhistas foram sendo
substituídas, ao longo do tempo e de acordo com as experiências e interesses das categorias, por uma
atitude de descrença e desconfiança, até a denúncia final da ação do governo como manipuladora dos
interesses operários. Embora reconhecessem avanços na questão das leis do trabalho, a morosidade e
a falta de fiscalização por parte de representantes do estado de normas, por este mesmo implantadas,
levou a uma politização crescente das lideranças sindicais que terminaram por denunciar a legislação. Às
vésperas da decretação do Estado Novo, poucas vozes de protesto ainda podiam se fazer ouvir em nome
dos trabalhadores, pois na maior parte do país, os sindicalistas mais conscientes já tinham sido calados16.

Quanto às mobilizações, este período iniciou com a greve dos motorneiros da Light, ainda em
dezembro de 1930, por aumento salarial. Ocorrida pouco depois da posse de Vargas, os grevistas
lançaram um boletim em que diziam lutar por seus direitos inspirados no movimento de 1930: “A
revolução liberal assegurou-nos esses direitos. Fazemos esse movimento paredista com consciência
dos nossos direitos e dos nossos interesses espezinhados por magnatas estrangeiros”17. Havendo
um impasse nas negociações, houve violência e repressão contra os grevistas, mas, afinal, os
motorneiros venceram este primeiro embate. Além desta categoria, estivadores e graniteiros foram
os trabalhadores que mais entraram em greve nos anos seguintes. Os graniteiros das pedreiras de
Capão do Leão tinham suas mobilizações motivadas pela situação precária em que viviam, sendo
que um dos principais alvos dos movimentos era receber os salários, frequentemente atrasados
pela companhia encarregada, que alegava falta de repasse pelo governo. Contudo, mesmo quando
recebia verbas, a companhia nem sempre regularizava a situação dos trabalhadores, a qual se
tornou insuportável nesta década.

91
Os motorneiros voltaram à greve em junho de 1934, a qual foi suspensa para julgamento pela
Junta de Conciliação18. Sem esperar seu resultado, em inícios de agosto, houve a retomada das
mobilizações, coincidindo com greve dos estivadores e o movimento passou a ser conjunto. A
atuação da polícia desencadeou um violento confronto, pois a pretexto de vigiar os trabalhadores,
uma equipe policial invadiu a sede do sindicato dos estivadores durante uma assembleia, da
qual resultaram tiros, pancadaria e ferimentos inclusive no delegado de polícia. A repressão
posterior, com prisão de lideranças, depredação das duas sedes, demissões e processo judicial fez
refluir o movimento. Outro saldo nefasto desta mobilização foi a penalização das famílias dos
trabalhadores, havendo denúncia da morte de filhos menores do presidente dos estivadores por
carência de recursos, devido à perseguição sofrida pelo pai19.

É significativo que, embora a República Velha seja conhecida como momento de completo
desamparo do trabalhador e desprezo pelas suas reivindicações, sintetizadas na expressiva
sentença: “questão operária é questão de polícia”, a repressão em Pelotas tenha se intensificado
no período pós 1930, havendo perseguições aos militantes partidários e aos sindicalistas mais
combativos, praticamente em todos os anos, até 1945. Também após o breve interregno de
1945-1946, a repressão voltou a se fazer sentir com força na região e não só em Pelotas.

Ao final do estado novo, na conjuntura chamada de redemocratização, os trabalhadores pelotenses


voltaram a mobilizar-se. A cidade agora não tinha mais uma indústria tão diversificada como
há cinquenta anos, mas havia se consolidado como o grande centro abastecedor da região da
campanha e do extremo sul, mantendo muitas casas de comércio, agências bancárias, centros de
saúde e institutos educacionais importantes. Seu desenvolvimento industrial havia se especializado,
apostando em agroindústrias de beneficiamento de frutas e cereais, além do estabelecimento de
frigoríficos na região. Politicamente, continuava a ser um centro muito importante do estado, o
que transformava seu operariado em ator político importante no contexto dos anos vindouros.

Seus mais importantes sindicatos na época eram os vinculados à agroindústria (transformação


da carne, conservas e derivados) e de trabalhadores vinculados ao transporte e carregamento
de mercadorias e passageiros, via fluvial ou rodoviária, além dos bancários. Na conjuntura do
período da redemocratização, em 1945 e 1946 a cidade abrigou campanhas mobilizatórias, como
aquela favorável à permanência de Getúlio no poder até a Constituinte (movimento queremista),
e o Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT) que propugnava a liberdade sindical, teve
presença na cidade, ocorrendo naqueles anos movimentos de abrangência estadual e nacional
como o dos ferroviários (1945) e o dos bancários (1946)20.

Mas deve-se considerar que a partir de 1945, Pelotas nunca mais teve a chance de contar com
características peculiares em seu movimento sindical, como aqueles que a singularizaram no
passado, pois a integração nacional e a melhoria nas condições de comunicação faziam com
que também o movimento sindical fosse muito mais orientado a partir do centro e das grandes
capitais, do que no passado.

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Documentos
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agência de imigração de primeira classe na cidade do Rio Grande, Estado do Rio Grande do Sul no ano de
1894, apresentado ao eng. Dr. José Montaury de Aguiar Leitão, delegado da Inspetoria Geral de Terras e
Colonização, pelo agente oficial Alfredo Targini Moss. Rio Grande: Tipografia Trocadero, 1895. (BPP).
LIVRO de Atas da Assembléia e Diretoria do Sindicato dos Alfaiates de Pelotas anos 1932 - 935. (NDH).
LIVRO DE ATAS da Diretoria da Sociedade União Operária de Rio Grande, nº 31, 24/08/1905.
TAMBORINDENGUY, C. Cartas ao Intendente da cidade de Pelotas, Sr. João Py Crespo, intituladas Em
defesa de Pelotas, novembro de 1930.

Jornais e Revistas
A Defesa, órgão da classe caixeral de Pelotas, julho de 1904 a 30/10/1905 (BPP).
A Federação, Porto Alegre, 1884-1925, Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital.
A Luta, Pelotas, 14/5/1916 a 31/7/1916 (Núcleo de Pesquisa em História, NPH-UFRGS).
A Alvorada, Pelotas, anos de 1934 e 1935; 1945 a 1957 (BN e BPP).
A Opinião Pública, Pelotas, 5/5/1896 a 1937 (BPP).
A Voz do Trabalhador, Rio de Janeiro, Edição fac-similar, 1808-1909; 1913-1915.
Correio Mercantil, 1875 a 1905, 1907 a 1915; 1929 a 1932 (BPP).
Democracia Social, Pelotas, 1893 (NPH-UFRGS).
Diário de Pelotas, Pelotas, 1887, 1888 (BPP).
Echo Operário, Rio Grande, 20/9/1896, 1897, 1898, 1901 (NPH e BRG).

94
Jornal do Comércio, Pelotas, 1875, 1882 (BPP).
O Libertador, Pelotas, 1924 a 1937 (BPP).
O Nosso Verbo, Rio Grande, 1919 a 1921 (BRG).
O Operário, Pelotas 1/5/1892.
O Proletário, Pelotas 22/11/1925 e 15/12/1925 (Arq. Edgar Leuenroth-AEL-Unicamp).
O Proletário, Pelotas, 10/1932, 1933 e 1934 (AEL).
O Rebate, Pelotas, 6/8/1914 a 1923 (BPP).
O Sindicalista, Porto Alegre, 1924 a 1927 (NPH).
Onze de Junho, Pelotas, 1881 a 1889 (BPP).

Notas do Pesquisador
2
Em 1915, sob o pseudônimo “alguns operários”, será publicada em O Rebate, periódico de Frediano Trebbi, uma carta
acusando A opinião Pública de ser órgão do situacionismo e não preocupar-se com os males que recaiam sobre os
trabalhadores, entre eles, uma das piores enchentes que a cidade havia assistido, ocorrida em outubro de 1914 (O Rebate,
04/03/1915).

3
O periódico A Voz do Trabalhador nos dá a possibilidade de fazer esta afirmação, pois de 1913 a 1915, Pelotas teve uma coluna
própria, a secção “Pelotenses”, sendo a única cidade a ter este privilégio. Pelas notícias, podemos comparar o efeito produzido
pela proposta libertária a qual, não só era de vanguarda do pensamento anarquista, mas, em termos comparativos, suplantava
o que, naquele momento, era produzido no Rio e São Paulo. Em 1914, com déficit financeiro, o jornal fez uma campanha de
arrecadação entre os simpatizantes e associações do Brasil e foi o grupo de Pelotas que levantou uma das mais expressivas
contribuições, em tempo relativamente rápido, demonstrando como valorizavam o jornal e como estavam bem organizados.
4
LONER, B. “Pelotas se diverte: clubes recreativos e culturais do século XIX”. In: História em Revista, UFPel, v. 8, dez. 2002,
p. 37-67.
5
Já em décadas anteriores a elite pelotense havia formado várias associações para sua recreação e divertimento, como pode ser
visto em: MAGALHÃES, M. Opulência e cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de
Pelotas (1860-1890). Pelotas: Ed. UFPel,1993.
6
Ver LONER, B. “Negros: organização e luta em Pelotas”. In: História em Revista, UFPel, v. 5, dez. 1999, p. 7-27.
7
SANTOS, J. Raiou a alvorada: intelectuais negros e imprensa, Pelotas (1907-1957). Pelotas: Ed. Universitária, 2003.
8
LONER, B. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande. Pelotas: EDUFPel, 2001.
9
Sobre ele e Baobad, ver: LONER, B. “Antônio: de Oliveira a Baobad”. In: GOMES, F. e DOMINGUES, P. (Orgs.) Experiências da
emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2011, p. 109-135.
10
LONER, B. “O Projeto das Ligas Operárias do Rio Grande do Sul no início da República”. In: Anos 90, v. 17, n.31, p. 111-143,
julho 2010.
11
A denúncia de que a Liga fazia “seleção de classes e de cores, excluindo os operários modestos e de cor”, consta em
correspondência enviada pelos articuladores da União Operária Pelotense à associação homônima de Rio Grande, da qual
diziam querer constituir-se em filial (Livro de Atas da Diretoria da Sociedade União Operária de Rio Grande, nº 31, 24/08/1905).
12
Sobre a atuação destes teatrólogos na cidade, ver: O Teatro na Voz Operária: Grupo Teatral Cultura Social e o Anarquismo em
Pelotas - seus operários e suas palavras, 2014.
13
No Império, as primeiras paralisações de trabalho encontradas foram dos trabalhadores de limpeza da cidade em 1884
(A Federação, 25/04/1884) e dos carroceiros, contrariados por uma postura municipal em 1887 (A Federação, 17/01/1887).
No primeiro caso, foram despedidos pela Câmara, enquanto no segundo eram trabalhadores autônomos. Não se computou
paralisações de trabalho entre os trabalhadores cativos, que eram tratadas como revoltas.
14
GOMES, Â. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
15
Deve-se lembrar que, pelas leis trabalhistas, apenas os sindicatos oficiais, isto é, reconhecidos pelo Ministério e os operários
a eles vinculados, teriam direito à proteção do governo, bem como a várias leis promulgadas naqueles anos, entre elas a lei
de férias, aposentadoria etc. Dessa forma, conseguir o aval oficial para o seu sindicato, era uma grande vantagem na disputa
entre as várias correntes que tinham inserção entre o operariado. Na cidade, apenas os remanescentes do grupo libertário não
aceitaram participar dos sindicatos oficiais.

95
16
LONER, Beatriz Ana. Classe operária: mobilização e organização em Pelotas, 1888-1937. Tese de Doutorado, IFCH/UFRGS,
Porto Alegre, 1999, 2 vols.
17
A Opinião Pública, 06/12/1930. Todas as demais referências a esta greve foram retiradas da cobertura deste periódico neste
e nos dias subsequentes.
18
A Junta de Conciliação e Julgamento era formada por um representante da empresa, um representante dos empregados e um
advogado nomeado como “neutro” no caso.
19
O Libertador, 16/03/1935.
20
SEGUNDO, M. Protesto operário, repressão policial e anticomunismo: Rio Grande 1949, 1950 e 1952. Porto Alegre: edição do
autor, 2009.

96
Figura 1

Figura 6

Figura 2

Figura 7

Figura 3 Figura 5 Figura 8

Figura 4 Figura 9

97
Figura 10 Figura 14

Figura 18

Figura 11

Figura 19

Figura 15

Figura 20

Figura 12
Figura 16

Figura 17 Figura 21
Figura 13

98
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Beatriz Loner e Guilherme P. de Almeida.

Figura 1: “Vista do Frigorífico Pelotense apanhada da Margem do rio São Gonçalo”. Fonte: CARRICONDE, 1922. Acervo
Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 2: “Uma seção de fiação da Fábrica Fiação e Tecidos Pelotense”. Ano de 1915. Fonte: DOMECQ, 1916. Acervo Biblio-
theca Pública Pelotense.
Figura 3: Capa dos Estatutos da Liga Operária de Pelotas. Fonte: Acervo Beatriz Loner.
Figura 4: “O Nosso Verbo”, jornal libertário, editado por Zenon de Almeida (que teve atuação em Pelotas) em Rio Grande
(1919-1921). Fonte: Acervo Beatriz Loner.
Figura 5: Retrato de Rodolfo Xavier. Nascido depois da lei do ventre livre, de mãe escrava, Rodolfo foi mestre pedreiro,
participou de vários sindicatos, associações e da Liga Operária de Pelotas, nas décadas de 1890 até 1950. Foi editor do jornal
“O Proletário”, da Liga Operária, na década de 1920, além de cronista do jornal “A Alvorada”. Fonte: Acervo Lúcio Xavier.
Figura 6: Capa de um exemplar de “A Alvorada”, jornal idealizado e impresso por negros intelectualizados que moravam
na cidade, com difusão entre os anos 1907 e 1965. Exemplar de setembro do Ano de 1950. Fonte: Acervo Lúcio Xavier.
Figura 7: Grupo de sócios no interior do Clube Fica Ahí Pra Ir Dizendo, clube negro tradicional da cidade. Boa parte de seus
sócios eram trabalhadores especializados de indústrias ou do setor de serviços. (s/d). Fonte: Acervo Beatriz Loner.
Figura 8: Carnaval. Foliões do Clube Fica Ahí Pra Ir Dizendo, s/d. Fonte: Acervo Beatriz Loner.
Figura 9: Operários da antiga Fábrica de Chapéus Pelotense, em pose para recordação do Jubileu de Ouro da fábrica (1881-
1931). Fonte: Acervo NEAB.
Figura 10: Grupo geral - patrões e funcionários - da empresa Leal, Santos e Cia. de Pelotas, ano de 1934. Fonte: Acervo
NEAB.
Figura 11: Grupo de funcionários da antiga fábrica “Alliança”, de Leite, Nunes & Irmão. Década de 1920. Fonte: COSTA,
1922. Acervo NEAB.
Figura 12: Operárias da Livraria Universal, parte da equipe encarregada da elaboração da antiga revista “Illustração Pelo-
tense”. Fonte: Revista Illustração Pelotense. Ano II. Nº 03. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 13: Carteira profissional de um trabalhador pelotense da década de 1930. Fonte: Acervo Almanaque do Bicentenário
de Pelotas.
Figura 14: Antigo Cartão Postal colorizado, trazendo uma cena do movimento do Porto de Pelotas no início do Século XX.
Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 15: Gravura do Clube Nagô. Este clube carnavalesco abolicionista era formado por trabalhadores (comerciários,
artesãos) brancos, mas que desfilavam vestidos como negros, para propagandear a ideia abolicionista na década de 1880.
Extinguiu-se logo após a abolição. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 16: Gravura do Clube Demócrito, clube carnavalesco de muito sucesso na década de 1880, formado por caixeiros,
entre outros trabalhadores. Abolicionista. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 17: “Caixeiro filosofando”. Os caixeiros foram os primeiros trabalhadores a se organizar, devido à necessidade de luta
pelo fechamento do comércio aos domingos (fechamento de portas). Com apoio dos próprios empresários, venceram, fundan-
do a seguir o Clube Caixeiral. Gravura. Fonte: Jornal “A Ventarola”, ano de 1887. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 18: Gravura dos tipógrafos e redatores do jornal Correio Mercantil, em 24 de fevereiro de 1883, fazendo uma home-
nagem a Gutemberg não interior das oficinas deste periódico. Fonte: Jornal “Zé Povinho”, ano de 1883. Acervo Bibliotheca
Pública Pelotense.
Figura 19: Charge crítica mostrando um bando de crianças fazendo vários expedientes para sobreviver, desde engraxar sa-
patos a roubar. O cidadão “atacado” é um italiano, provavelmente vendedor de rua. Por ela, pode-se entender o quanto era
confuso e difícil sobreviver nas ruas naquele momento, em que nem o estado, nem a sociedade, dispensava qualquer tipo
de proteção aos menores desamparados. O Asilo Nossa Senhora da Conceição só aceitava meninas e o Asilo de Mendigos
ainda não havia sido fundado. Fonte: Jornal “A Ventarola”, ano de 1887. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 20: Gravura do primeiro presidente da Sociedade Beneficente Harmonia dos Artistas, João Francisco dos Santos. Esta
sociedade era composta por artesãos brancos e negros. Conforme retratado no desenho, era afrodescendente. Sua posse,
porém, foi prestigiada por boa parte da imprensa e das associações da cidade, devido a interesses políticos em jogo. Fonte:
Jornal “O Cabrion”, ano de 1881. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 21: “A Luta”, jornal libertário publicado em Pelotas por grupo anarquista vinculado à liga operária. Exemplar do Ano
I (1916). Fonte: Acervo Beatriz Loner.

99
75 76 77 78 79

84 85 86

75. Mussum, Zacarias e Dedé do grupo de humoristas “Os Trapalhões” em um almoço no restaurante “Tia Cecília”, após show (sem Didi) no Ginásio do Paulista Futebol Clu-
be. 76. Rua Sete de Setembro, quase esquina Rua Félix da Cunha, antes da construção do Calçadão. Ao centro, o salão de baile “O Sobrado”. 77. Idem. Vista complementar.
Em destaque, a presença dos vendedores ambulantes. 78. Reforma do Theatro Sete de Abril, no início da década de 1980. Homens trabalhando em peças das novas tesouras
dos telhados. 79. Idem. IbIdem. Detalhe. 80. Crianças brincando na antiga Pista de skate, popularmente conhecida como “Panelão”, da então Praça Júlio de Castilhos, atual
Parque Dom Antônio Zattera. Ano de 1986 (Demolida em meados da década de 1990).
80 81 82 83

87 88 89 90

81. Vista parcial da cidade na direção oeste, com a Praça Cel. Pedro Osório em primeiro plano. 82. Cartão postal do monumento ao Cel. Pedro Osório, na praça homônima.
Escultor Antônio Caringi. 83. Praça Cel. Pedro Osório. Grupo de meninos de rua sentados em frente ao chafariz. Em primeiro plano, o “Mini táxi” ou “Bondinho” do Sr.
Nercy Franz. Década de 1980. 84. Fachada do Theatro Sete de Abril. Década de 1980. 85. Casarão nº 06, à Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1980. 86. Idem. Detalhe.
Década de 1980. 87. Casarão nº 06, à Praça Cel. Pedro Osório. Detalhe da parte superior. Década de 1980. 88. Theatro Guarany, à Rua Lobo da Costa. Década de 1980.
89. Antigo Liceu Riograndense de Agronomia e Veterinária, à Praça 7 de Julho. Década de 1980. 90. Colocação de chafariz no cruzamento da Rua Andrade Neves com
Rua Sete de Setembro. Antigamente, esta fonte esteve localizada no Porto da cidade, em mais de um ponto da Praça Domingos Rodrigues. Novembro de 1981.
91 92 93

98 99 100

91. Rua Andrade Neves esquina Rua Lobo da Costa. Antigo Banco Nacional do Comércio, antes da construção do Calçadão naquele trecho. Década de 1980.
92. Vista do Mercado Público desde o entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1980. 93. Vista aérea parcial da cidade, na direção leste, desde a altura da Rua
Gal. Osório, próximo da esquina com a Rua Mal. Floriano. 94. Antiga “Rodoviária”, à Rua Mal. Deodoro, trecho entre Rua Lobo da Costa e Rua Tiradentes. 95. Idem.
Vista oposta, desde a esquina da Rua Lobo da Costa, na direção sul. 96. Aglomeração no cruzamento da Rua Andrade Neves com a Rua Sete de Setembro. Ao centro,
o chafariz, para ali transladado. Dezembro de 1981. 97. Trecho da Rua Andrade Neves, entre Sete de Setembro e Gal. Netto. Antiga filial das lojas “Mesbla”. 98. Lojas
na zona central. Década de 1980. 99. Rua Andrade Neves, próximo à esquina da Rua Mal. Floriano. Início das obras do Calçadão. Década de 1980.
94 95 96 97

101 102 103 104 105

100. Obras de canalização do Arroio Pepino, na Av. Juscelino Kubitschek de Oliveira, ao lado do Estádio Bento Freitas. Abril de 1982. 101. Praça 20 de Setembro.
Monumento “Sentinela Farroupilha” ou “Bombeador” já em sua localização atual. Ao fundo, a zona central da cidade. 102. Antigo Theatro Avenida, à Avenida Bento
Gonçalves, em fevereiro de 1983. Atualmente, em estado de arruinamento. 103. Rua Benjamin Constant, entre Rua Alberto Rosa e Rua Alm. Barroso. Antigo palacete
da família Ribas, sede definitiva da Escola Estadual Félix da Cunha. Década de 1980. 104. Rua XV de Novembro, esquina Rua Conde de Porto Alegre. Antigo palacete
da família Vidal, conhecido popularmente como “Castelinho da XV”. Década de 1980. 105. Bibliotheca Pública Pelotense. Década de 1980.
AS FÁBRICAS DE COMPOTAS DE PÊSSEGO
NA ZONA RURAL DE PELOTAS (1950 a 1970)

Alcir Nei Bach1


Margareth Acosta Vieira2

Pouco depois do amanhecer / Começava a lida


Enlatando pêssegos / Classificados, limpos, cortados
E passando na soda / Ajeitados nas latas
(Clesis Crochemore, trecho do poema Fábrica)

Pelotas vivenciou, entre os anos de 1950-1970, o crescimento, o apogeu e o declínio de um


importante polo de industrialização do doce de fruta localizado na zona rural do município3.
Uma atividade que além de consolidar uma tradição doceira ajudou a projetar a cidade como 1
Graduado em Geografia pela
Universidade Católica de Pelotas
capital nacional do pêssego.
(UCPEL, 1977), Mestre em
Memória Social e Patrimônio
As fábricas de compotas proliferaram, pela chamada zona colonial4, atingindo nos anos 1960, o Cultural pela Universidade
número recorde de 61 estabelecimentos produtivos. Este processo de industrialização do doce de fruta Federal de Pelotas (UFPel, 2009),
teve seu início no final do século XIX com a chegada de imigrantes europeus. Gente que soube unir Doutorando em Memória Social
e Patrimônio Cultural pela UFPel.
saberes herdados de antepassados às condições locais. As primeiras árvores frutíferas possivelmente Professor Adjunto dos Cursos de
tenham sido plantadas por escravos nas terras de charqueadores que foram transformadas em Geografia e Turismo da UFPel.
loteamento colonial. Graças à composição de clima e solo propícios à fruticultura, principalmente 2
Graduada em Arquitetura e
nas terras do 7º distrito – Colônia Santo Antônio –, deu-se o começo da produção de pomares de Urbanismo pela Universidade
pessegueiros para a indústria de compotas. Federal de Pelotas (UFPel, 1982),
Licenciada em Artes Visuais pela
A produção artesanal de compotas de pêssego em Pelotas teve início, em 1878, pelo francês UFPel (2004), Mestre em Memória
Social e Patrimônio Cultural pela
Amadêo Gustavo Gastal, na localidade de Monte Bonito, distrito de Pelotas. UFPel, 2009).
O primeiro estabelecimento industrial rural de compotas de pêssego em calda – a Quinta
Pastorello – foi erguido, em 1900, por Domingos Pastorello, ao lado da sua residência familiar,
na “Colônia Francesa”.

A característica artesanal dessa indústria possibilitou que ensinamentos e técnicas empregadas,


na maioria das vezes adquiridos na prática, fossem repassados para os demais, como uma tradição
que incluía do plantio ao processamento do pêssego e englobava desde modelos construtivos (os
edifícios fabris), técnicas e maquinários, até conhecimentos como o da feitura do doce em calda.
Esta atividade fabril desde a produção, a colheita das frutas e o processamento industrial envolvia
famílias inteiras, incluindo crianças e idosos.

As origens
Estudos indicam ser a Pérsia o país de origem do pêssego, a começar pela própria origem da
palavra “peach”. Os primeiros pessegueiros, possivelmente, tenham chegado ao Brasil em 1532,
na Capitania de São Vicente, através de mudas trazidas por Martim Afonso de Souza.

O naturalista francês, Auguste Saint-Hilaire, em sua Viagem pelo Rio Grande do Sul, 1820-1821,
já apreciava a existência de pessegueiros em Pelotas (Freguesia de São Francisco de Paula) como
os observados no pomar da sede da charqueada de Antonio José Gonçalves Chaves, onde esteve
hospedado. Plantas que, apesar de novas, se equiparavam com as de “algumas Quintas dos
arredores de São Paulo” (SAINT-HILAIRE, 1974, p. 68).

Certas variedades europeias encontraram no Rio Grande do Sul e na Argentina, um ambiente


propício e, em 1955, o empresário Oscar Luiz Osório Rheingantz comentava que ainda eram
“feitas referências aos maravilhosos pêssegos produzidos em Pelotas, no século passado”
(RHEINGANTZ, 1955, p. 20).

Ainda sobre a origem do pêssego no município de Pelotas, Waldemar Fischer, ex-presidente da


Associação Gaúcha dos Produtores de Pêssego, fundada em 10 de novembro de 1960, afirma
que a primeira variedade de pêssego em Pelotas foi introduzida pelos tropeiros uruguaios que
vinham para negociar o gado e traziam a fruta na bagagem. As sementes (caroços) deixadas pelo
caminho foram recolhidas e plantadas por um agricultor que, além de acompanhar a evolução
dessa espécie em terras brasileiras, batizou-a com seu próprio nome. Nascendo assim a primeira
variedade de pêssego em Pelotas, o chamado pêssego Aldrighi, sobre a qual se baseou todo o
início do cultivo e da industrialização do pêssego no município.

A derrubada inicial de mata para a primeira roça, segundo o jornal Diário Liberal (18/10/1933,
p. 1-2), ocorreu na Colônia Francesa, em 1880, conduzida pelos produtores Gustavo Ribes, João
Capdeboscq, Franklin Fouchy, Celestino Jouglard, João Martin, todos de nacionalidade francesa,
e Domingos Pastorello, italiano. Em 1933 o número de pés já ultrapassava mais de cem mil, e
uma grande porção dos pêssegos produzidos era “empregada na fabricação de compotas pela
Quintas Pastorello e Capdeboscq”, sendo “exportadas para quase todos os mercados brasileiros,
principalmente para o Rio de Janeiro” onde eram consideradas iguais às estrangeiras.

A difusão da espécie, através da produção de mudas e enxertos, foi promovida pelo Sr. Ambrósio
Perret, em viveiros localizados na “Quinta Bom Retiro”, conforme anunciava a publicação O Rio
Grande Industrial, em 1907.

110
A Indústria Doceira
O grande número de indústrias de conservas de frutas na zona rural de Pelotas era composto
por pequenas fábricas tipicamente artesanais, geralmente localizadas junto à residência do
proprietário, guardando, muitas delas, as características da casa da família. Algumas muito
pequenas, onde trabalhavam poucas pessoas, além de familiares com uma produção pouco
expressiva. “A fabricação das compotas de pêssego era tão artesanal que o pêssego era descascado
a faca e o caroço era tirado com uma colherinha pequena de sobremesa, para ser depois cortado
ao meio ou em fatias” (GASTAUD, 2008).

Foi graças a esses pequenos empreendimentos artesanais na zona rural que Pelotas ficou
conhecida nacionalmente. Atraiu o investimento de grandes grupos do centro do país que aqui
vieram se instalar, fazendo com que a cidade viesse a ser responsável pela maior produção de
compota de pêssego em calda para o mercado nacional, conforme documento da Secretaria da
Indústria e Comércio: “Perfis de Agroindústria” (1975, vol.3, p. 38).

A grande maioria dessas indústrias artesanais na zona rural trabalhava basicamente a safra do
pêssego, no restante do ano as fábricas ficavam fechadas. Algumas com uma estrutura maior
trabalhavam, também, o figo, o morango e o abacaxi.

Portanto, do final de novembro a meados de dezembro utilizavam toda a mão de obra disponível
nas redondezas e colônias de distritos vizinhos e, por vezes, da própria zona urbana ou de
municípios como Canguçu. Esses trabalhadores eram trazidos de ônibus pela manhã e levados
de volta à tardinha. Como ocorreu em 1970, na indústria do Sr. Arthur Schiller, localidade de
Ponte Cordeiro de Farias, onde grande parte dos 570 safristas registrados vinha de outros lugares.
Conforme lembra o Sr. Enio Bauer, antigo funcionário:

(...) chegavam a contratar sete ou oito ônibus – eram dois ônibus de Canguçu, um
da Vila Freire (Pedro Osório), um do Cerrito Alegre (Pelotas), um do Monte Bonito
(Pelotas), um do Gruppelli (Pelotas) e um da zona urbana, que buscavam o pessoal
nesses locais pela manhã bem cedo e levavam à tardinha (BAUER, 2009).

Quando a indústria utilizava mão de obra da localidade, era comum disponibilizar um caminhão da
própria empresa para buscar e levar os empregados, na carroceria do veículo, até suas residências.

Das compotas artesanais às primeiras fábricas


O cultivo sistemático do pêssego e sua industrialização parecem ter na figura de Amadêo Gustavo
Gastal, cidadão francês radicado no Brasil desde 1850, um precursor. Esse homem, por exercer
os ofícios de dentista e agrimensor, observando a fertilidade das terras, pôs em prática um plano
audacioso. Viajou à França em 1867 para buscar conhecimentos acerca da fruticultura e sua
industrialização, a qual era completamente desconhecida no sul do Brasil. Retornou a Pelotas
e, em 1874, começou seu projeto. Adquiriu terras no município, no local denominado “Rincão
do Meio”, hoje “Passo do Pilão” – distrito de Monte Bonito. Importou da França equipamentos
e técnicas e, em seu estabelecimento denominado Bruyères, fabricou as primeiras compotas
artesanais de pêssego em calda, além de vinhos e aguardentes de uvas finas, cultivadas por ele
mesmo no local. Conforme relata seu filho Paulo Gastal:

(...) a feitura de conservas e compotas de pêssego, produto hoje tão largamente


conhecido e apreciado, constituindo uma das mais afamadas e lucrativas indústrias
pelotenses, podemos dizer com orgulho e, mesmo, com uma ponta de vaidade,

111
haver sido dado aos brasileiros por Amadêo Gustavo Gastal, que, em 1878, fabricou
a primeira compota de pêssego no Brasil, segundo fórmulas e técnicas francesas
(GASTAL, 1965, p. 13-14).

Rapidamente, seus produtos ganharam fama e sucesso crescentes pela qualidade excelente. Eram
comercializados em vidros finos de coloração esverdeada e de forma quadrada, com amplos bocais
identificados ricamente por rótulos coloridos de fabricação francesa (GASTAL, 1965, p. 14).

Com clima e solos propícios à fruticultura na região, notadamente na Colônia Santo Antônio,
distrito de Pelotas, teve início a produção de pomares de pessegueiros destinados à indústria que
se iniciava. Esta colônia, também conhecida como colônia francesa, apresenta altitudes em torno
de 300m, fundamental na adaptação das culturas de pessegueiros.

A Quinta Pastorello, de Emílio Ribes, e a Quinta Capdeboscq, de Daniel Capdeboscq (filhos de


famílias francesas imigradas para a região) eram, em 1924, as duas maiores fábricas da Colônia
Santo Antônio. Época em que o pêssego já estava sendo cultivado em vários distritos (4º, 5º e 6º).

Embora a origem da indústria da compota do pêssego em Pelotas seja francesa, firma-se com um
quadro multiétnico cujos trabalhadores eram descendentes tanto de imigrantes europeus como
de ex-escravos.

O espaço fabril
As fábricas se localizavam geralmente ao lado da casa do proprietário, por vezes até se confundindo
com a própria residência e entrelaçando as instâncias do doméstico e do trabalho.

A fábrica cumpria também um papel social muito importante dentro da comunidade, pois servia
de local para comemorar tanto festas de família como festas religiosas da comunidade, ou ainda,
como local para celebração de cultos dominicais e outras atividades de cunho religioso.

As primeiras indústrias que surgiram na colônia eram bastante artesanais. Como não havia
eletrificação na zona rural, muitas fábricas buscavam sua localização próxima a arroios, o que
facilitava o abastecimento de água e a utilização de força hidráulica para mover uma roda d’água
ou girar uma turbina, fornecendo a energia necessária à realização das atividades.

Para facilitar o transporte da produção as fábricas eram, geralmente, às margens das estradas
principais. Mas nem sempre isso era uma regra, pois havia fábricas de compotas que se localizavam
em travessões, o que dificultava o acesso e o escoamento do produto industrializado.

A indústria de lata como suporte para a indústria doceira


As compotas produzidas para consumo caseiro eram acondicionadas em vidros, pois além das
embalagens poderem ser reutilizadas – e pela pequena produção –, não necessitavam de nenhuma
tecnologia para o fechamento do recipiente. Porém, quando se tratava de grande produção, como
era o caso das fábricas de compotas, era utilizada a lata, que, apesar de exigir um equipamento
– a recravadeira – para o seu fechamento, tinha um custo bem menor que o do vidro.

Alberto Coelho da Cunha, em “Notícias Descritivas das Fábricas de Pelotas em 1911”, cita que
anexa à Funilaria Schramm, surgiu a fábrica Schramm, de Guilherme Schramm Filho, em 1895, a

112
qual utilizando pêssegos e figos da região, chegou a produzir 18 mil latas por ano. Motivado ao
fabricar latas para outras fábricas de conservas, cria também a sua própria fábrica.

O Sr. Oscar Giesel (1892-1931), que era proprietário de fábrica de compotas no 5º Distrito de
Pelotas também “fabricava latas de forma artesanal para as fábricas de compotas de pêssego da
localidade. Eram latas de meio e um quilo, utilizando folhas de flanders, adquiridas em Pelotas
nas Ferragens Bromberg e Behrensdorf” (GIESEL, 2009).

A principal fornecedora de latas para a indústria conserveira de Pelotas, a Metalúrgica Guerreiro,


surgiu no ano de 1875, fundada pelo imigrante português Antonio Guerreiro, que montou uma
funilaria na rua São Miguel (atual XV de Novembro). Posteriormente, deslocou sua oficina para a
rua do Poço (hoje Sete de Setembro), e acabou por fixar-se na esquina das ruas Marechal Deodoro
e Marechal Floriano, em prédio que já foi demolido. Em 1902, faleceu Antonio Guerreiro e a
viúva, Dona Maria Rita Guerreiro, assumiu a direção da empresa. Conforme Nelson Firpo (2008),
Dona Maria Rita tenha sido, possivelmente, “a primeira mulher a dirigir uma indústria nesta
cidade”. A viúva de Antonio Guerreiro era auxiliada por José Souza Mascarenhas, a quem, com o
passar dos anos, entregou a direção de sua modesta fábrica.

No ano de 1938, assumiu a direção da empresa o Coronel Anacleto Firpo, o qual imprimiu uma
nova dinâmica na produção, além de se afirmar como um mediador entre os empreendedores
rurais e o espaço da política.

Em 1953, a empresa instalou a primeira linha automática de fabricação de latas, importada da


Itália. No ano seguinte, adquiriu um terreno com aproximadamente três hectares, na avenida
Salgado Filho, construindo ali um prédio de 1.600m², firmou sociedade com a firma Comercial
Trilho Otero, fazendo parte da direção da metalúrgica o Sr. José Trilho Otero Júnior (Diário
Popular, 15 e 16/11/1980).

Como eram as fábricas


O pêssego era recebido na fábrica, após a pesagem, passava por inspeção e seleção rápidas, a fim
de retirar as frutas em más condições. Em seguida, através de uma classificação por amostragem,
trabalhavam o pêssego de primeira e o de segunda, deixando o de terceira para ser manuseado
mais tarde.

O processo de preparo do doce de pêssego iniciava com a retirada da “pele”. Um procedimento


que até 1952 era, segundo o empresário Hugo Poetsch (2004), “feito por máquinas manuais,
rotativas, ou seja, a casca era retirada após colocar-se o pêssego na máquina; ele girava e a casca
ia saindo (...). Em 1955, foi introduzido na indústria o sistema de descasque com soda cáustica,
conhecido como descasque químico”.

A indústria possuía vários depósitos ou tanques de água, geralmente construídos em desnível,


aproveitando a gravidade para chegar até a fábrica, onde a água era preparada com uma solução
de hidróxido de sódio – NaOH (soda cáustica), em concentração de 3%, com a finalidade de
retirar a “pele do pêssego”.

Posteriormente, as fábricas mais aparelhadas introduziram o cilindro rotativo feito de madeira


com estrutura de ferro. No ano de 1975, esse cilindro foi fabricado com a chamada “folha de
flandres” e em 1980, por orientação do serviço sanitário, esse equipamento teve que ser fabricado
com chapas de aço inoxidável.

113
Após a pelagem (descasque químico), o pêssego era lavado em tanques com água fria. Para
diminuir a temperatura e não deixar resquícios da água com soda cáustica, esse pêssego podia
ser banhado até três vezes. O produtor Domingos Lindolpho Bachini (2008) lembra que algumas
indústrias da zona rural, localizadas próximas a cursos d’água, “pelavam o pêssego com soda na
beira do arroio, facilitando assim a lavagem em água corrente, depois retornavam com o pêssego
limpo para a fábrica e seguiam o trabalho”.

Com a repetição deste processo, diariamente, no período da safra, eram produzidos efluentes
ácidos em grandes quantidades, os quais tinham de ser descartados de alguma forma. Assim,
as grandes fábricas foram obrigadas a criar lagoas ou poços, nos fundos das fábricas, para
tratamento de forma artesanal, evitando a contaminação de arroios próximos.

Quanto às pequenas fábricas, não havia uma preocupação em tratar esses efluentes de uma
forma mais objetiva. Muito pelo contrário, despejavam diretamente no campo ou numa grota5
próxima da fábrica, pois acreditavam que a proporção de soda na água era muito pequena e,
portanto, não prejudicial ao meio ambiente. Uma crença que, por não ser totalmente confiável,
acabou gerando na Fábrica Sama, de Leopoldo Westendorff, localizada na Colônia São Manoel –
7º Distrito, um procedimento inusitado para verificar a qualidade da água a ser descartada. Este
teste consistia em colocar um peixe vivo dentro da água do último tanque de tratamento; caso
não morresse, essa estava em condições de ser devolvida ao arroio.

Após o descasque químico começava o descaroçamento do pêssego, atividade que exigia


muita mão-de-obra, já que o processo era totalmente manual. O instrumento utilizado era um
descaroçador semelhante a uma pequena colher afiada em volta.

Posteriormente, houve uma inversão nesta sequência, para evitar acidentes de trabalho com o
descaroçador, já que o pêssego, após passar pelo banho de imersão fica muito escorregadio na mão.

O pêssego era trabalhado imerso em água, inicialmente dentro de alguidares de barro e


transportado manualmente em tinas de madeira, cheias de água. Por volta de 1955, segundo o
empresário Hugo Poetsch,

(...) surgiram as primeiras capas esmaltadas (ágata) de refrigeradores, que passaram a


ser utilizadas como depósito da fruta antes do enlatamento. Tais equipamentos eram
descartados pelas indústrias de refrigeradores e vendidos em ferros velhos em Porto
Alegre. (...) Ainda nessa época surgiram os primeiros tanques de aço inoxidável para
utilização na indústria, eram feitos sobre quatro rodas para facilitar o transporte da
área de descaroçamento até o setor de enlatamento (POETSCH, 2004).

O emprego de recipientes plásticos com furos que permitiam deslocar a fruta dos tanques de
imersão para as bancadas de trabalho também era bastante difundido.

O uso abundante de água deixava o piso constantemente molhado resultando em um ambiente


de trabalho bastante úmido e quente.

No corte, ou seja, na separação em metades ou em fatias, eram utilizadas pequenas facas


afiadas. Neste momento era feito o retoque no pêssego, a última classificação antes de ir para
o enlatamento. Nessas atividades predominava a mão de obra feminina. Este era um setor
importantíssimo no processamento do pêssego e as “descaroçadeiras”, termo que designava esse
trabalho, recebiam por produção e não como assalariadas, tal como no relato do Sr. Cláudio
Fernando Almeida P. de Sá, das Conservas Almeidas:

114
(...) Cada recipiente (alguidar ou bacia) com pêssego descaroçado concluído dava direito
a uma ficha e todas estas fichas do dia equivaliam à remuneração diária. Quando
famílias inteiras trabalhavam na fábrica nessa atividade, o pai ou responsável recebia
todas as fichas pelo descaroçamento para ser acertado depois entre si (SÁ, 2009).

Outro setor da fábrica que, por ser fundamental na produção, era numeroso e contava com mão
de obra totalmente feminina, era o de colocar o pêssego na lata. O acondicionamento do pêssego
nela exigia rapidez e o cuidado em manter a quantidade de frutas constante dentro da embalagem,
garantindo uniformidade.

As compotas eram apresentadas de vários tipos: com pêssegos em metades (extra, especial,
serra), em fatias, inteiros, com ou sem caroço. Os melhores pêssegos, os mais uniformes (cor,
tamanho, maturação) eram utilizados primeiro como metades. Aqueles com pequenos defeitos
eram “retocados” e aproveitados, parte deles em metades e o restante transformado em fatias ou
destinado para doces em pasta, como a pessegada. Portanto, nada se perdia na indústria.

As latas saíam das mesas de enlatamento prontas para receberem a calda, uma mistura de água
e açúcar que facilita a pasteurização e confere sabor às frutas. Conforme alguns depoimentos de
donos de indústrias, a calda era feita no dia anterior, no final do expediente, sempre pelo dono
da fábrica, ou por alguém de sua confiança, pois a proporção de açúcar e água era considerada
uma informação importante, que não poderia ser divulgada amplamente.

Posteriormente, a calda passou a ser adicionada quente na lata com o pêssego, tomando o cuidado
para não encher o recipiente até a borda, deixando um espaço entre a tampa e a calda para favorecer a
formação do vácuo (na etapa de exaustão) no resfriamento, necessário para a conservação da compota.

A calda6 nas fábricas era preparada com grande quantidade de açúcar, aproximadamente 1/3
a mais que hoje. Tal redução foi provocada pelo alto preço do açúcar, pela reivindicação de
alimentos menos calóricos e a colheita das frutas antes da maturação.

Nas pequenas indústrias em que o processo era essencialmlente artesanal, a calda era preparada
em grandes tachos de cobre, em fogo direto e, com uma caneca, colocada nas compotas. Esse
processo manual foi substituído na década de 1970 pelas chamadas “Chopeiras”, feitas em aço
inoxidável, que enchiam automaticamente as latas de compotas.

No fechamento da lata de compota usava-se a recravadeira. Primeiramente, manual, depois


vieram as semi-automáticas. O operador da recravadeira tinha posição de destaque nas indústrias,
pois a produção diária dependia de sua destreza. Geralmente, ele também era o mecânico das
máquinas e equipamentos da fábrica, por isso a grande maioria recebia salário o ano inteiro, pois,
fora da safra, fazia a manutenção dos equipamentos.

As latas, uma vez fechadas, eram colocadas dentro de uma espécie de “cesto” metálico, suspenso
no teto, dentro das autoclaves, para a esterilização, por um tempo de 18 minutos, em uma
temperatura entre 85º e 95ºC. Esse procedimento era realizado quando a fábrica possuía caldeira.
As artesanais utilizavam tonéis com água quente, onde eram mergulhados os cestos com as latas.

Após a esterilização, imediatamente, havia um resfriamento rápido, de 15 a 20 minutos, em um


tanque com água fria, para impedir a fermentação do produto e/ou alteração de sabor, cor, textura.

Depois, as latas eram levadas para um local seco, ventilado, com piso de cimento coberto por papelão,
empilhadas em círculos ou sob a forma de pirâmide. Aguardavam-se alguns dias para certificar-se de
que nenhuma delas apresentava sinais de contaminação, o que se verificava pelo estufamento da lata.

115
Passado esse período, era colocado o rótulo de papel nas compotas, as quais eram embaladas em
caixas de papelão, com 12 ou 24 unidades, para serem comercializadas.

As chaminés no meio da Colônia


Desde os primeiros anos do século XX, conforme os relatórios da Intendência Municipal, vários
eram os distritos que possuíam grande número de pomares de pêssego em suas colônias, sendo
utilizados tanto para o doce tradicional ou de tacho, como para a produção de schimiers, doces
cristalizados ou em passas, e de compotas caseiras acondicionadas em vidros.

Na década de 1950 e início de 1960 houve o surgimento de numerosas fábricas artesanais na


colônia de Pelotas, juntamente com um grande aumento de área nos pomares de pêssegos. Raro
era o produtor que não tivesse um pomar de pessegueiro e que não entregasse sua produção para
alguma fábrica. Os pomares que se proliferavam, no começo da década de 1960, se destinavam
exclusivamente ao abastecimento destas indústrias que surgiam ao longo das estradas principais,
lado a lado umas das outras. Como ocorreu na localidade de Ponte Cordeiro de Farias, 7º Distrito,
onde a concentração de fábricas configurava um verdadeiro reduto fabril.

O trabalho nos pomares era essencialmente de ordem familiar, não se excluindo os agregados e,
eventualmente, empregados. Na safra, este trabalho se tornava ainda mais intenso, pois a colheita
do pêssego durava apenas de 20 a 25 dias. Este limite obrigava o produtor a buscar mão de obra
sazonal, que era formada por colonos que, na maioria das vezes, não possuíam terra suficiente
para cultivarem pomares, mas tinham conhecimento do trabalho.

Dessa atividade participavam homens, mulheres, crianças e idosos. Os homens, em sua maioria,
ficavam com as tarefas mais pesadas, como ensacar, transportar, classificar e carregar o pêssego
até a indústria. Um processo que se repetia várias vezes ao dia.

No início da década de 1950, a entrega do pêssego para a indústria era feita em carroça ou em
carreta com o fundo e as laterais forrados com palha e os pêssegos acomodados em sacos.

Posteriormente, a indústria passou a recolher o pêssego na própria propriedade rural. Após a


classificação, a fruta era colocada em caixas de madeira para o transporte até a indústria. A
escassez de caixas e as condições das estradas coloniais eram fatores que comprometiam a
qualidade e o tempo de entrega do pêssego nas fábricas. A comercialização do pêssego para
a indústria se processava diretamente entre o produtor e as empresas, sem que houvesse, na
maioria das vezes, documentos ou contratos assinados pelas partes.

Até o final da década de 1950 e início dos anos 1960, a safra do pêssego era muito curta, durando,
em média, 15 dias, e dependendo quase que exclusivamente da cultivar Aldrighi. Desta forma,
toda a produção tinha que ser industrializada nesses dias, o que ocasionava sérios problemas na
indústria, como a falta de capacidade de processamento e disponibilidade de mão-de-obra.

Por volta de 1957 começaram, na Estação Experimental de Cascata-Pelotas, os trabalhos de


melhoramento em fruteiras, notadamente em pessegueiros. Conforme dados deste período, essa
cultura envolvia cerca de 1.500 famílias no cultivo e gerava em torno de 4.000 empregos na indústria.

Em meados da década de 1960, com a chegada do pesquisador Sérgio Sachs à Estação


Experimental de Pelotas, foram desenvolvidas técnicas que garantiriam maior produtividade aos
pomares de pessegueiros e, principalmente, a criação de novas cultivares, de melhor qualidade,
que permitiriam a dilatação do período de safra de 15 para 90 dias aproximadamente. Esforço

116
que ampliou a oferta de cultivares de maturação precoce e tardia trazendo benefícios para o
produtor (colheita escalonada), para a indústria (melhor processamento da colheita) e para o
safrista (período mais longo).

Durante muito tempo, a mão de obra das indústrias rurais foi composta por parentes do
proprietário da fábrica ou pela vizinhança. Quando as fábricas começaram a crescer e a exigir um
maior contingente de mão de obra, passaram a utilizar trabalhadores de outras localidades, outros
distritos e até de municípios vizinhos (zona urbana), os quais eram transportados em caminhões ou
em ônibus fretados. Na zona urbana, essa mão de obrapassou a ser recrutada junto a pessoas que
apostavam em um emprego com registro em carteira, mesmo sendo somente pelo período da safra.
Este recrutamento era noticiado por emissoras de rádio, como a Rádio Cultura de Pelotas, que, nos
finais de semana, tinha a sua programação matutina voltada para as comunidades coloniais.

O trabalho familiar era uma prática geralmente adotada na zona rural, principalmente com a
cultura do pêssego, pois quando maduro tem de ser “apanhado” imediatamente. Então se formava
uma rede de parentela e vizinhança, cujo pagamento pelos serviços prestados era realizado em
doação de pêssego, para que fosse feita a pessegada, ou em trocas posteriores de favores.

Dos finais do século XIX até a década de 1960, as fábricas eram bastante artesanais, necessitando
de toda a mão de obra familiar, inclusive infantil. Era comum famílias inteiras deixarem suas casas e
afazeres para trabalharem nas fábricas, pois o período da safra era curto, na época do verão, o que
facilitava a acomodação dessas famílias em galpões ou em estufas de fumo desativadas.

Algumas famílias vinham de longe, carregando seus pertences em carretas puxadas por bois, que
eram soltos no campo, até o final da safra, quando retornavam às suas casas.

A predominância da mão de obra feminina se fazia sentir em quase todos os setores da produção
fabril. Era habitual nas pequenas fábricas trabalharem a avó, a filha e as netas – as três gerações,
em uma economia de trabalho informal, sem qualquer tipo de registro social.

Os setores do corte e do enlatamento do pêssego, que mais exigiam qualidade de trabalho, eram
os que concentravam o maior número de mão de obra feminina. Onde também ocorria a escolha
das metades do pêssego para serem enlatadas, por tamanho, cor e maturação da fruta. Setores
geralmente supervisionados pela esposa do proprietário da fábrica.

Também era normal a presença de crianças no processo de trabalho, exercendo diversas tarefas
que iam desde atividades domésticas até o pomar, onde durante a colheita recolhiam os pêssegos
que caíam no chão.

O trabalho na fábrica começava muito cedo pela manhã, com a chegada dos responsáveis por fazer o
fogo, e se estendia até o início da noite ou enquanto houvesse pêssego para ser processado. Após o
término do trabalho, toda a fábrica era lavada, ficando limpa para reiniciar o trabalho no dia seguinte.

O cotidiano nas fábricas de compota era marcado por hábitos que retratavam uma cultura própria
do colono. Exemplo disso eram as refeições preparadas, em geral, pelas mulheres da família do
proprietário da fábrica. Na grande maioria das fábricas, eram servidas refeições como café da
manhã, almoço, café da tarde e janta, quando o trabalho extra assim exigia.

Para manter essas refeições, necessárias para a sustentação da mão-de-obra, os donos desses
estabelecimentos organizavam um sistema de produção dos insumos básicos. Assim, as hortas
domésticas, a criação de porcos, vacas leiteiras e de aves, eram usadas na preparação da comida.
Envolvendo, de forma intensa, um número significativo de mulheres.

117
Dentre as formas de sociabilidade que se verificava na colônia podemos destacar os chás
dançantes e os bailes, em que vinham pessoas das redondezas ou até de outros municípios. O
meio de transporte mais usado na década de 1950 era a carroça, que servia para o trabalho e o
passeio com a família.

Os bailes mais concorridos eram os do mês de julho, quando se comemorava o Dia do Colono e a
escolha da Rainha da Colônia. Outro evento especial era a “Festa do Pêssego” que acontecia no
mês de novembro, culminando com o baile de coroação da rainha.

Os acontecimentos da colônia eram divulgados pelos veículos de comunicação de Pelotas, através


da coluna do jornalista Elias Bainy, no Diário Popular, e dos programas dos radialistas Marcos
Fonseca e Ricardo Pierobon na Rádio Cultura de Pelotas.

Em 1973 aconteceu a Festa Nacional do Pêssego, que contou com a participação de várias
empresas. Considerada a 1ª Fenapêssego de Pelotas, constituía-se em uma verdadeira feira de
negócios, onde as indústrias de compotas de pêssego mostravam seus produtos em estandes e
carros alegóricos, e desfilavam pelas principais ruas da cidade apresentando as rainhas e princesas
do pêssego e da colônia.

Havia também, em final de novembro, o Dia do Pêssego, promovido pela Estação Experimental da
Cascata. Era um evento que reunia técnicos, industrialistas, produtores, associações, sindicatos,
imprensa e convidados.

As relações no Trabalho
As relações entre o produtor e a indústria nem sempre eram tranquilas, por vezes, surgiam conflitos
e tensões na ocasião da entrega na fábrica ou no ajuste de preço do produto, que estremeciam
as relações comerciais entre ambos. Como não havia acerto antecipado o produtor, via de regra,
entregava a fruta sem saber quanto e quando receberia por ela. Após-safra, quase sempre os preços
estabelecidos eram considerados insuficientes pelos produtores e elevados pelos industriais.

Sobre a comercialização das fábricas de compotas de pêssego do município sabe-se que


pequenas e médias fábricas – que não eram registradas e nem possuíam rótulos – trabalhavam
por comissão, industrializavam e repassavam para as maiores comercializarem com seus próprios
rótulos. Servindo, dessa forma, de prestadora de serviços a outras fábricas de Pelotas ou de Rio
Grande. Assim empresas como a J. Alves Veríssimo de São Paulo e a Red Indian do Rio de Janeiro
acabaram sendo as grandes responsáveis pela divulgação das compotas de pêssego de Pelotas
em nível nacional.

A crise e o fechamento da indústria


As indústrias artesanais de compotas de pêssego da zona colonial de Pelotas conheceram um
período de expansão e outro de retração e consequente fechamento. Essa crise da indústria rural
começou após a instalação das grandes indústrias do centro do país.

As grandes indústrias como a J. Alves Veríssimo, a Red Indian e a Cica chegaram ao município
com um aporte tecnológico avançado e uma política que concedia adiantamento de parte da
safra e, consequentemente, fidelidade do produtor.

118
A pequena indústria estabelecida na colônia que não possuía capital de giro acabou perdendo
seus fornecedores para as fábricas maiores. Sem condições de competir com elas, em meados de
1970, desmotivadas e sem capital, começaram a fechar suas portas, já que a maioria das fábricas
da colônia trabalhava somente com o pêssego. Poucas operavam com outras frutas, devido,
principalmente, aos custos elevados de produção.

O modelo familiar das fábricas coloniais, sem investimento em tecnologia e em área produtiva,
pode ter sido um dos fatores de sua estagnação e inadequação ao mercado competitivo.

No final da década de 1960, além do desgaste na relação entre produtor e indústria ter se
intensificado, ocorre a entrada do pêssego argentino e chileno no mercado brasileiro.

No início da década de 1970, com o país vivendo o “milagre econômico brasileiro”, indústrias conser-
veiras do sudeste trouxeram para Pelotas um parque fabril moderno e desenvolvido. Para Gilberto
Gastaud (2008), “isto foi a gota d’água para a crise que se instalou no setor conserveiro de Pelotas”.

Nas décadas de 1970 e 1980 a exploração familiar do pessegueiro é abandonada, devido à


implantação dos pomares empresariais que eram amparados com recursos do Governo Federal
e destinados a áreas acima de 100 hectares, quantidade mínima superior à área da maioria dos
produtores da região. Com esses grandes pomares próprios, as grandes indústrias passaram a
garantir parte de sua matéria-prima, o que obrigou os pequenos produtores a trocarem de
atividade, já que não conseguiam comercializar sua produção. Provocando, além do declínio, um
problema social, conforme apontam documentos da Prefeitura de Pelotas:

(...) Em 1966/67, havia em Pelotas 66 indústrias de pêssego das quais 40 eram indústrias
pequenas. Dessas 40 muitas fecharam devido ao surgimento das grandes indústrias
multinacionais do ramo e outras foram fechadas pela Secretaria Estadual da Saúde, alegando
não terem condições higiênicas, causando um problema social muito grande, pois a mão de
obra ocupada por essa indústria era de 2.500 pessoas (KNORR, 1978, p. 12-13).

Além do problema provocado pela instalação de grandes indústrias conserveiras em Pelotas, outros
fatores corroboraram para o decréscimo das pequenas e médias empresas. Como a burocracia
exigida para o registro legal da empresa que envolvia, desde o contador; o Departamento Nacional
de Propriedade Industrial, no Rio de Janeiro, responsável pela emissão de certificado de registro
de marca; o Laboratório Bromatológico do Distrito Federal, encarregado de analisar se o “produto
é bom para o consumo”; até obrigações fiscais junto a órgãos municipais, estaduais e federais.
Contando também com o serviço de fiscalização do Ministério do Trabalho, que verificava a situação
funcional dos trabalhadores, exigindo das empresas o registro de cada empregado com foto e
abreugrafia atualizada, e da Secretaria da Saúde que cuidava da higiene e condições de trabalho da
fábrica, como limpeza de paredes, pinturas laváveis e azulejos, e sugeria procedimentos sanitários.

Essa pressão toda resultou, para muitos, em uma bancarrota, conforme lembra o produtor João Casarin:

Houve uma quebradeira em 1972/1973. Só aqui nesta zona, quase trinta fábricas
fecharam. Foi uma pena! (...) Foi a Saúde que vinha aqui e exigia azulejo nas paredes,
forro e uma altura de três metros. Ora, a gente trabalhava uma vez por ano, na safra
do pêssego, que naquela época era curta, mais ou menos vinte a vinte e cinco dias.
Portanto, o resto do ano a fábrica ficava fechada ou era usada como galpão da
propriedade. Como é que a gente ia fazer um investimento desses? (CASARIN, 2008).

E o Sr. Lino Emilio Ribes, ex-proprietário de uma fábrica de compotas de pêssego na Colônia Santo
Antônio – 7º distrito de Pelotas que funcionou até 1971, produzindo 50 mil latas por safra, relata:

119
Ninguém conseguiu suportar as exigências impostas pelos poderes administrativos,
principalmente, Secretarias da Agricultura e Saúde. Uma pequena indústria que
trabalha 20 dias em um ano, não pode ter paredes com azulejos e mesas com inox
(Folha da Tarde, 22/09/1980, s/p).

Este quadro, desfavorável para a pequena indústria rural, intensificou-se ainda mais com
a importação do pêssego argentino, chileno e uruguaio, promovida pela Associação Latino-
Americana de Livre Comércio e o governo brasileiro.

Considerações finais
Se no começo a produção de compota de pêssego era uma atividade artesanal, vinculada a
uma propriedade e um núcleo familiar, com o sucesso acabou se expandindo, gerando fábricas,
multiplicando pomares e se concentrando em algumas colônias do município cujo clima e solos
são propícios ao seu desenvolvimento.

Nas décadas de 1950 e 1960 com o surgimento de várias fábricas artesanais na colônia há um
aumento na criação de pomares de pêssego destinados a abastecer as indústrias que surgiam.
Raro era o agricultor que não produzia pêssego para as fábricas de Pelotas.

Percebendo o valor da fruta e as dificuldades enfrentadas pelos agricultores, a Estação Experimental


de Pelotas-Cascata começa a realizar pesquisas com novas cultivares que permitissem melhorias
do produto e a dilatação do período de safra.

Essas indústrias rurais acabaram por configurar na região colonial um espaço industrial que
gerou uma grande abertura de postos de emprego, quer na lavoura, ou na industrialização, cuja
contratação de mão de obra sazonal extrapolava as vizinhanças.

Eram fábricas que não seguiam um padrão arquitetônico característico da indústria das zonas urbanas,
nem tampouco se preocupavam em contratar técnicos da construção civil. Muitas vezes era o proprietário
e a família que construíam, sob a forma de mutirão, com o auxílio dos vizinhos, as indústrias na colônia.
Da mesma forma inventava ou adaptava os equipamentos utilizados nas várias etapas do processamento.

A atividade rural e a unidade familiar se confundiam, de forma que a relação entre família
empreendedora e estabelecimento fabril era a marca fundamental dessa indústria da compota do
pêssego, sendo por vezes o espaço fabril uma extensão do espaço doméstico, envolvendo o grupo
familiar nas diversas etapas da produção. Por ser uma atividade restritiva, preponderantemente
manual e produção relativamente baixa, também não disponibilizava capital para investimento
em equipamento, resultando em um processo moroso e limitado.

Na zona rural de Pelotas era comum encontrar fábricas de compotas de pêssego às margens de
estradas, rodeadas por pomares de pessegueiros.

Nas indústrias pequenas a mão de obra era composta pela família e vizinhança. Conforme essa
indústria ia crescendo, e a mão de obra escasseando, era preciso buscar trabalhadores na zona urbana,
os quais eram transportados em carrocerias de caminhões ou em ônibus para o trabalho na colônia.

Esse processo de trabalho, envolvendo grupos familiares, apresentava um alto grau de


informalidade, poucas eram as unidades fabris que tinham um registro empregatício e o
recolhimento de tributos, via de regra, feito de maneira bastante parcial.

120
As relações pessoais fortemente marcadas (famílias inteiras sendo empregadas), bem como o
lazer desse trabalhador colonial, que acontecia através dos jogos de futebol nos finais de semana,
dos bailes nos salões coloniais, das festas religiosas, das festividades relativas ao pêssego etc,
produziam uma sociabilidade “colonial”, hoje envolta em nostalgia, como mostra versos de Clésis
Crochemore, Rainha da Colônia do ano 1967:

Azar do cansaço, / pelas inúmeras horas em pé.


Ainda havia alegria e disposição / pra dançar a noite inteira.

A relação do produtor com a indústria sempre foi marcada por discussões e desgastes de ambos os
lados, quer sobre a fixação do preço mínimo para o pêssego, quer sobre a época de pagamento.

O final da década de 1960 e o início da de 1970, marcam a chegada das grandes indústrias
conserveiras, originárias do Estado de São Paulo, no recém-concebido Distrito Industrial de
Pelotas, como a Cica e J. Alves Veríssimo. O que parecia uma solução, para a indústria e a
agricultura, acaba tornando-se um pesadelo quando essas indústrias anunciaram a criação dos
seus pomares, com incentivos fiscais, a fim de produzirem sua própria matéria-prima.

Com a instalação destas grandes empresas no município, os órgãos de fiscalização, Saúde e


Trabalho, passaram a reforçar a cobrança em cima das pequenas indústrias.

Por fim, a indústria de compota, independente da sua envergadura, foi fortemente abalada, com
a importação de compotas de pêssego da Argentina, Chile e Uruguai, promovidos pela ALALC
(Associação Latino-Americana de Livre Comércio) e o governo brasileiro.

Algumas das indústrias rurais, pequenas ou médias, dos anos de 1950-60, que ainda permanecem
na paisagem, apresentam galpões sem movimentação, maquinários abandonados, chaminés sem
fumaça. Estruturas que ainda podem ser vistas pelas colônias de Pelotas.

Referências
CARVALHO, E. Cascata: 50 Anos de Pesquisa. Pelotas: Embrapa, 1988.
COSTA, A. O Rio Grande do Sul. Obra histórica, descritiva e ilustrada. Porto Alegre: Barcelos, Bertoso e Cia,
V. II, 1922.
CROCHEMORE, C. Era uma vez lá fora. Pelotas: Armazém Literário, 2003.
CUNHA, A. “Notícias descritivas das fábricas de Pelotas”. Pelotas: Bibliotheca Pública de Pelotas, 1911.
GASTAL, P. Amadêo Gustavo Gastal: uma existência fecunda e prodigiosa. Pelotas, 1965.
GRANDO, M. Pequena agricultura em crise: o caso da Colônia Francesa no Rio Grande do Sul. Tese de
Doutorado. Porto Alegre: Fundação de Economia Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 1989.
KNORR, C. Estudo Relativo à Problemática do Pêssego. Pelotas: Secretaria de Planejamento e Coordenação
Geral – Prefeitura Municipal de Pelotas, 1978.
O RIO GRANDE INDUSTRIAL – Publicação destinada à distribuição gratuita nas exposições de propaganda
dos produtos riograndenses, pelos estados do norte. Porto Alegre: Typographia a vapor de Echenique
Irmãos & Cia., 1907.
PERSPECTIVAS E ALTERNATIVAS da Agropecuária e Agroindústria no Município de Pelotas – Associação
dos Engenheiros Agrônomos de Pelotas. Pelotas: Corag, 1986.
PIMENTEL, F. Aspectos gerais de Pelotas. Porto Alegre: Typographia Gundlach, 1940.
RHEINGANTZ, O. O Problema do desenvolvimento da Cultura do Pêssego nos Municípios de Pelotas e

121
circunvizinhos: uma sugestão para o desenvolvimento desta riqueza. Pelotas: Echenique, 1955.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Indústria e Comércio. Companhia Nacional de Desenvolvimento
Industrial e Comercial do Rio Grande do Sul. Perfil do Pêssego, 1975.
ROSA, M. Geografia de Pelotas. Pelotas: Editora da UFPel, 1985.
SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul, 1820-1821. Tradução de Leonan de Azevedo Penna. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. USP, 1974.

Jornais

Diário Liberal, nº 238, 18/10/1933.


Diário Popular, 15 e 16/11/1980;
Folha da Tarde, 22/09/1980.

Entrevistas

Claudio Fernando Almeida P. de Sá (16/06/2009); Domingos Lindolpho Bachini (27/10/2008);


Enio Sylvio Bauer (3/03/2009); Gilberto Gastaud (11/0l/2008); Hugo Poetsch (28/10/2004); João
Casarin (1/05/2008); Nelson Firpo (17/09/2008); Oswaldo Alberto Giesel (19/02/2009).

Notas do pesquisador
3
O município de Pelotas, antes das emancipações dos Distritos de Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu e Arroio do Padre,
totalizava cerca de 3.000 km². Pelotas atualmente possui 1.609km² de área.
4
Os termos colonial e colônia estão sendo usados para designar uma área localizada na zona rural de um município no sul do
Brasil, fortemente marcada pela presença de imigrantes europeus.
5
Grota é a denominação local para designar uma pequena área com rochas expostas e vegetação de espinhos, apresentando
uma topografia acidentada.
6
A calda de açúcar nas fábricas da colônia era preparada com 22º ou 22,5º Brix. O grau Brix é uma unidade de medida utilizada
para a calda de compotas. Significa o percentual de sólidos solúveis totais (SST). (Instituto Adolfo Lutz. Normas analíticas:
métodos químicos e físicos para análises de alimentos. 3ª ed. São Paulo, 1985, v. 1, 533p.).

122
Figura 1 Figura 5

Figura 2 Figura 6

Figura 3

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Figura 4

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Figura 10 Figura 14

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Figura 57

Figura 62

128
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Alcir Nei Bach e Margareth Acosta Vieira.

Figura 1: Retrato de Amadêo Gustavo Gastal, francês que produziu a primeira compota artesanal em Pelotas,
em 1878, na localidade de Passo do Pilão, 9º Distrito. Fonte: Acervo Marguerite Gastal Castro.
Figura 2: Fábrica de João Casarin em atividade, Colônia Maciel, 8º Distrito. O grupo de trabalhadores era for-
mado por diferentes etnias, 1971. Fonte: Acervo João Casarin.
Figura 3: Salão de Baile de João Casarin que funcionava, fora da safra do pêssego, no mesmo ambiente da
fábrica de conservas, 1971. Fonte: Acervo João Casarin.
Figura 4: Descascador manual de pêssego usado até o início da década de 1950. Acervo Câmara de Diretores
Lojistas (CDL), 2009. Fotografia de Marilei Garcia. Fonte: Acervo Alcir Nei Bach.
Figura 5: Interior da Fábrica Seyffert & Irmão, Colônia Santo Antônio, 7º Distrito, observando-se o piso molha-
do durante o processamento do pêssego, 1963. Fonte: Acervo Elno Seyffert.
Figura 6: Interior da fábrica de conservas de Albino Schaun, Colônia Cascata, 5º Distrito, mostrando um cesto
metálico com latas de compotas suspenso por um talha para o banho em autoclave. Início da década de 1960.
Fonte: Acervo Ivo Schaun.
Figura 7: Recinto da Fábrica de Conservas de José Luiz Rodrigheiro, localidade de Vila Nova, 7º Distrito. Latas
de compotas empilhadas aguardando rotulagem, 1967. Fonte: Acervo Ângela Maria R. Krüger.
Figura 8: Mapa do Município de Pelotas mostrando a concentração de pomares de pêssego. Década de 1960.
Fonte: Acervo Secretaria Estadual de Agricultura.
Figura 9: Colheita e transporte de pêssego do pomar para a propriedade onde será feita a classificação. Colô-
nia Maciel, 8º Distrito. Década de 1960. Fonte: Acervo José Luiz Portantiolo.
Figura 10: Pesquisador Sergio Sachs (o primeiro à esquerda) e equipe, responsáveis pelo desenvolvimento de
novos cultivares de pêssego. Estação Experimental de Cascata (Embrapa Cascata). Fonte: Acervo dos autores.
Figura 11: Processamento de pêssego com auxílio de mão de obra infantil. Fábrica de conservas de José Luiz
Rodrigheiro, Localidade de Vila Nova, 7º Distrito. Década de 1960. Fonte: Acervo Joana Romano Rodrigheiro.
Figura 12: Presença da Rádio Cultura de Pelotas nos eventos coloniais. Escolha da Rainha do Pêssego de 1965.
Fonte: Acervo Dircinha Graciane da Luz.
Figura 13: Desfile das candidatas a rainha do pêssego em camionetes da empresa Geraldo Bertoldi, 1965.
Fonte: Acervo Emater/Pelotas.
Figura 14: Baile de coroação da Rainha da Colônia, Diva Härter, Salão Brasil, localidade de Vila Nova, 7º Dis-
trito, dançando com o prefeito municipal João Carlos Gastal, 1960. Fonte: Acervo Ardilson Stifft.
Figura 15: 1ª Fenapêssego, Associação Rural de Pelotas, estande da Fábrica Vega, J. Alves Verissimo, de São
Paulo, 1973. Fonte: Acervo Ângela Maria R. Krüger.
Figura 16: 1ª Fenapêssego, Associação Rural de Pelotas, Governador Euclides Triches (1971-73), Prefeito Ari
Alcântara (1973-76) e Autoridades, 1973. Fonte: Acervo Emater/Pelotas.
Figura 17: Festa da Luz. Mostra de potencialidades das indústrias, Salão Centenário, localidade de Ponte
Cordeiro de Farias, 5º Distrito. Evento criado pelos empresários rurais para sensibilizar autoridades sobre a
necessidade da implantação da rede elétrica na região. Casal Irma e Lino Bauer, proprietários das Conservas
Bauer, 1967. Fonte: Acervo Norma Bauer Gomes.
Figura 18: Festa da Luz. Mostra de potencialidades das indústrias, Salão Centenário, localidade de Ponte
Cordeiro de Faria, 5º Distrito. Evento criado pelos empresários rurais para sensibilizar autoridades sobre a ne-
cessidade da implantação da rede elétrica na região. Fabricação de José Luiz Rodrigheiro e Nestor Crochemore
para a empresa Ferreira, Irmão & Cia, 1967. Acervo Joana Romano Rodrigheiro.
Figura 19: Idem. Ruth Schiller Beskow posando junto ao material publicitário produzido por Lori Schiller
Beskow, Salão Centenário, 1967. Fonte: Acervo Otávio Beskow.
Figura 20: Baile realizado em 17 de julho de 1965. Rainha do Pêssego de 1965, Rainha da Colônia de 1964
e Rainhas Distritais de 1965. Homenageadas com um coquetel pela família Otávio Beskow. Salão Brasil, 7º
Distrito. Fonte: Acervo Otávio Beskow.

129
Figura 21: Estande de produtos das Conservas Ehlert, exposição promovida pela Associação Gaúcha dos Pro-
dutores de Pêssego (AGPP), 1963. Fonte: Acervo Carlos e Paulo Pierobon.
Figura 22: Viagem patrocinada pela indústria conserveira de Pelotas, aos seus colaboradores, para uma visita
à indústria e pomares da Cica, em São Paulo. Meados da década de 1960. Fonte: Acervo José Luiz Portantiolo.
Figura 23: Fábrica de Emílio Saalfeld, Colônia São Manuel, 8º Distrito, a primeira a ter chaminé na zona rural,
1952. Fonte: Acervo Rudi Mülling.
Figura 24: Trabalhadores abastecendo a caldeira na Fábrica de Paulo Mülling, Colônia São Manuel, 8º Distrito.
1957. Fonte: Acervo Rudi Mülling.
Figura 25: Seção de rotulagem da fábrica Seyffert & Irmão operando com mão de obra infantil, uma situação
comum na época, 1963. Fonte: Acervo Elno Seyffert.
Figura 26: Fábrica de Compotas Tigre, de Daniel Capdeboscq, Colônia Santo Antônio (francesa), 7º Distrito,
1944. Fonte: Acervo Erna Mielke Gruppelli.
Figura 27: Funcionários da fábrica de Daniel Capdebosq mostrando os presentes recebidos pelo Natal. Ao
fundo, um caminhão carregando produtos para a firma Capdeboscq & Cia, localizada na zona urbana, 1944.
Fonte: Acervo Erna Mielke Gruppelli.
Figura 28: Os noivos Nelson Crochemore e Wilma Ney em frente à fábrica de Ernesto Ney (pai da noiva),
localidade de Vila Nova, 7º Distrito, 1952. Fonte: Acervo dos autores.
Figura 29: Conservas Prinsul, de Geraldo Gruppelli, Colônia Municipal, 7º Distrito, 1975. Fonte: Acervo Paulo
Roberto Gruppelli.
Figura 30: Trabalhadoras em frente à pilha de latas rotuladas da fábrica de João Casarin, que operava por
comissão. Colônia Maciel, 8º Distrito, 1971. Fonte: Acervo João Casarin.
Figura 31: Impressão tipográfica (detalhe). Indústria de Conservas Prinsul, s/d. Fonte: Acervo Paulo Roberto
Gruppelli.
Figura 32: Selos e etiquetas criados por Antonio Karini e Lions Clube Pelotas Norte visando divulgar a qualida-
de de nossas compotas. Distribuídos a firmas de Pelotas a fim de serem postados nas correspondências locais
expedidas através dos Correios, 1967. Fonte: Acervo Antonio Karini.
Figura 33: Cartão calendário de divulgação da Festa do Pêssego de 1965, elaborado pela Prefeitura Municipal
de Pelotas. Fonte: Acervo Dircinha Graciane da Luz.
Figura 34: Placa de metal vazado para impressão em caixas de papelão, Conservas Schaun, 2009. Foto Marilei
Garcia. Fonte: Acervo Alcir Nei Bach.
Figura 35: Placa de metal vazado para impressão em caixas de papelão, Conservas Lorena, 2009. Foto Marilei
Garcia. Fonte: Acervo Alcir Nei Bach.

Impressos (Rótulos)
Figura 36: Rótulo Fábrica Quinta Pastorello, Emilio Ribes & Filhos, Colônia Santo Antonio, 7º Distrito. Fonte:
Acervo Museu Gruppelli.
Figura 37: Rótulo Fábrica Quinta Capdebosq, Daniel Capdebosq, Colônia Santo Antonio, 7º Distrito. Fonte:
Acervo Erna Mielke Gruppelli.
Figura 38: Rótulo Fábrica Ernestina Capdebosq, Colônia Santo Antonio, 7º Distrito. Fabricação exclusiva para
Joaquim Oliveira, Pelotas. Fonte: Acervo Erna Mielke Gruppelli.
Figura 39: Rótulo Fábrica Quinta Cumparsita, João Bauer Sobrinho, localidade de Ponte Cordeiro de Farias, 5º
Distrito. Fonte: Acervo Enio Sylvio Bauer.
Figura 40: Rótulo Fábrica Conservas Bauer, Lino Julio Bauer, localidade de Ponte Cordeiro de Farias, 5º Distrito.
Fonte: Acervo Norma Bauer Gomes.
Figura 41: Rótulo Fábrica Conservas Schaun, Albino Roberto Schaun, Colônia Joaquim Leite (Cascata), 5º
Distrito. Fonte: Acervo Liz Schaun de Mattos.

130
Figura 42: Rótulo Fábrica Helomar, Oscar L. Osório Rheingantz, localidade Cascalho, 2º Distrito. Fonte: Acervo
Rodolpho Gunter Bering.
Figura 43: Rótulo Fábrica Helomar, Oscar L. Osório Rheingantz, localidade Cascalho, 2º Distrito. Fonte: Acervo
Rodolpho Gunter Bering.
Figura 44: Rótulo Indústria de Conservas Exportação e Importação Giesel e Cia. Ltda., localidade Umbu, 5º
Distrito. Fonte: Acervo Oswaldo Alberto Giesel.
Figura 45: Rótulo Indústria de Conservas Albino Neumann e Cia Ltda., Município de Morro Redondo. Fonte:
Acervo Albino Neumann.
Figura 46: Rótulo Fábrica de Conservas de Egon F. Bonow, Município de Arroio do Padre. Fonte: Acervo Etna
Kabke Bonow.
Figura 47: Rótulo Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Vinculada ao Ministério da Agri-
cultura, Unidade de Execução de Pesquisa de Âmbito Estadual de Cascata, 5º Distrito. Fonte: Acervo Luis
Antonio Suita.
Figura 48: Rótulo Red Indian Indústria e Comércio Ltda. (Matriz: Rio de Janeiro), localidade de Ponte Cordeiro
de Farias, 5º Distrito. Fonte: Acervo Vera Lucia Aldrighi.
Figura 49: Rótulo Fábrica de Conservas Seyffert & Irmão, Colônia Santo Antonio, 7º Distrito. Fonte: Acervo
Elno Seyffert e Neiva Seyffert Oliveira.
Figura 50: Rótulo Fábrica de Compota Gauchinha, Alberto Saalfeld, localidade de Ponte Cordeiro de Farias, 5º
Distrito. Fonte: Acervo Marlene Saalfeld.
Figura 51: Rótulo Delrio Alimentos Industrializados S.A. (Matriz: São Paulo), localidade de Ponte Cordeiro de
Farias, 5º Distrito. Fonte: Acervo Enio Sylvio Bauer.
Figura 52: Rótulo Vega, J. Alves Verissimo S. A. – Indústria Comércio Importação (Matriz: São Paulo), localida-
de de Ponte Cordeiro de Farias, 5º Distrito. Fonte: Acervo Raimundo Dinelly.
Figura 53: Rótulo Fábrica de Conservas “Mirval”, Valter Patzlaff, Município de Morro Redondo. Fonte: Acervo
Marcelo Patzlaff.
Figura 54: Rótulo Indústria de Conservas Schramm Ltda., localidade Passo da Micaela, 5º Distrito. Fonte:
Acervo Amilcar Zanotta.
Figura 55: Rótulo Indústria de Conservas Minuano Ltda., Município de Morro Redondo. Fonte: Acervo Martin
Simon.
Figura 56: Rótulo Cooperativa Agro-vinícola Colônia Santo Antônio, 7º Distrito. Fonte: Acervo Amilcar Za-
notta.
Figura 57: Rótulo Quinta Angela, Sylvio Bauer, localidade de Ponte Cordeiro de Farias, 5º Distrito. Fonte:
Acervo Silvia Carla Bauer Barcellos.
Figura 58: Rótulo Indústria Alimentícia “Birapel” Ltda., Pedro Juvêncio Vergara e Ubirajara Coimbra de Mattos,
Colônia Santo Antônio, 7º Distrito. Fonte: Acervo Pedro Juvêncio Vergara.
Figura 59: Rótulo Fábrica de Conservas San Martins, João Medeiros San Martins, localidade São Bento, 5º
Distrito. Fonte: Acervo Dircinha Graciane da Luz.
Figura 60: Rótulo Minuano, Verno Khun, Município de Morro Redondo. Fonte: Acervo Magdalena Khun Krause.
Figura 61: Rótulo Indústria de Conservas Ardéa Ltda., localidade Passo do Pilão, 9º Distrito. Fonte: Acervo
Gilberto Azevedo.
Figura 62: Rótulo Shelby Indústria de Conservas Ltda., Luis Carlos Zanotta, Município de Capão do Leão.
Fonte: Acervo Amilcar Zanotta.

131
132
133
106 107 108 109

113 114

106. Avenida Saldanha Marinho. Antigo Grupo Escolar D. Antônia, quando foi sede do IBGE. Década de 1990. 107. Monumento ao “Negrinho do Pastoreio”, de
Antônio Caringi, quando localizada junto ao antigo “Castelo Simões Lopes”, transformado em Casa de Cultura. Década de 1990. 108. Palacete de arquitetura
neocolonial na Av. Duque de Caxias, servindo de sede à Polícia Civil. Década de 1990. 109. Fachada da antiga fábrica Laneira Brasileira S. A., na Av. Duque de Caxias.
Década de 1990. 110. Avenida Duque de Caxias. Entrada do Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula. 111. Idem. Vista geral da unidade local da empresa de
bebidas “Coca-Cola”. Década de 1990. 112. Rua Lobo da Costa. Edificação modernista, recentemente utilizada como Secretaria Municipal de Saúde. Década de 1990.
110 111 112

115 116 117 118

113. Vista parcial da Universidade Católica de Pelotas, desde a esquina da Rua Félix da Cunha com Rua Três de Maio. Década de 1990. 114. Rua Benjamin Constant,
entre Rua Alberto Rosa e Rua Álvaro Chaves. Um dos prédios do complexo da antiga Cooperativa Sudeste de Produtores de Lãs (COSULÃ), que mais tarde seria a sede
definitiva do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPel. Década de 1990. 115. Rua Benjamin Constant esquina Rua Álvaro Chaves. Antiga sede da Capitania dos
Portos. Década de 1990. 116. Praça Cel. Pedro Osório. Relógio de Sol, ainda com seu espelho d’água. Ao fundo, à esquerda, o monumento a Yolanda Pereira. Década
de 1990. 117. Praça Cel. Pedro Osório. Vista desde uma das aléias, com o “Bondinho” do Sr. Nercy Franz em primeiro plano e a Fonte das Nereidas ao fundo. Década de
1990. 118. Panorama da Rua XV de Novembro desde a Praça Cel. Pedro Osório. Vista na direção sul.
O GOLPE CIVIL-MILITAR EM PELOTAS
E SUAS CONSEQUÊNCIAS A PARTIR DE 1964

Renato Della Vechia1


Marília Brandão Amaro da Silveira2

1
Graduado em Ciências Sociais pela
Universidade Católica de Pelotas
(UCPEL, 1985) Mestre em Ciência
Política pela Universidade Federal
Esse texto não tem a pretensão de reproduzir a história de Pelotas durante o período da ditadura do Rio Grande do Sul (UFRGS,
2005), Doutor em Ciência Política
civil-militar3 que se instalou no País. Essa é uma história que ainda precisa ser sistematizada e pela UFRGS (2011). Professor do
reproduzida. Nossa intenção é apenas lembrar passagens e personagens que tiveram importância PPG em Políticas Sociais da UCPEL.
nesse período e, também, contribuir com um pequeno subsídio para um tema tão pouco É autor de “A UNE no contexto
da ilegalidade e da luta armada”.
explorado pela academia. In: PADROS, E. (Org.). Cone Sul em
tempos de Ditadura (Porto Alegre:
O Estado gaúcho tem algumas peculiaridades que ajudam a compreender a cidade de Pelotas no Evangraf/UFRGS, 2013); e a Tese
de Doutorado O Ressurgimento
período. Faz-se necessário ressaltar que o Rio Grande do Sul tinha uma forte militância trabalhista, do Movimento Estudantil
um grande apoio popular às reformas de base, foi protagonista na Campanha da Legalidade Universitário Gaúcho no processo
de redemocratização: As tendências
e, principalmente, tem diversas especificidades derivadas de sua localização de fronteira com estudantis e seu papel (1977/1985).
Uruguai e Argentina, o que situa o território enquanto estratégico tanto para a repressão quanto 2
Graduada pela Universidade
para a resistência à ditadura civil-militar. Federal de Pelotas (UFPel,
2010), Mestre em História pela
Na cidade de Pelotas, durante o governo Jango, havia diversos segmentos organizados atuantes Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 2014). Professora da rede
na cidade, que posteriormente ajudarão a resistir ao golpe e ditadura: estavam organizados de Ensino Privado. É autora de
os trabalhadores, estudantes, comunidades eclesiais de base da igreja, vereadores da câmara “Cinema e Ditadura Militar: relações
e descaminhos com a História”. In:
municipal, os partidos políticos (mesmo os clandestinos), entre outros. Havia várias atividades GANDRA, E. (Org.). Pensando a
sendo realizadas nos locais de trabalho, de estudo e de moradia. História e Repensando seu Ensino:
um desafio (Pelotas: Universitária,
2012) e da Dissertação Ditadura
Os mais diversos segmentos, estando em um período democrático, se organizavam, juntavam Civil Militar na Região Sul Gaúcha:
forças em torno de suas bandeiras de luta, pensavam formas de contribuir com a sociedade Militâncias e Rotas de Exílio.
para além das pautas específicas, incentivaram a participação política e organização coletiva
nas mais diferentes áreas de atuação e locais. Esses militantes, que se mobilizavam em período
democrático em Pelotas e no restante do País serão parte importante para a organização das
primeiras atividades de resistência ao golpe civil militar em 1964.

Na capital do Rio Grande do Sul se concentraram, em frente à prefeitura, populares, muitos


trabalhadores e suas lideranças, o prefeito de Porto Alegre, Sereno Chaise, do PTB, o próprio Leonel
Brizola, também do PTB - que era, à época, deputado estadual pela Guanabara - , estava presente
também o comandante do III Exército, General Ladário Pereira Telles, recém-nomeado por Jango,
mas que não conseguiu conter o apoio do Exército ao golpe, pois, embora o exército tenha se
polarizado entre oposição e apoio à legalidade, a maior parte acabou por demonstrar-se golpista.

Na Assembleia Legislativa, deputados, sobretudo do PTB, tentaram manter vigília em defesa da


legalidade, enquanto os apoiadores do golpe a esvaziaram. Na Câmara de Vereadores da capital
aprovaram apoio a Jango. Porém, no governo do Estado, Ildo Meneghetti, então governador,
tornou pública sua posição favorável aos golpistas, por temer o “comunismo”4.

Não existem, atualmente, muitas pesquisas que analisem historicamente o golpe civil -militar nas
cidades que fogem dos grandes centros do País, todavia, já podemos constatar que em várias
cidades houve resistência e também em Pelotas muitas pessoas se organizaram em contraposição
ao golpe e, posteriormente, à ditadura.

Destaca-se a atuação da Câmara Municipal de Pelotas, que aprovou por unanimidade moção contra
o golpe já em 1º de Abril5, que ressaltava a defesa da legalidade6. Na prefeitura de Pelotas, em abril
de 1964, tínhamos como prefeito Sr. Edmar Fetter, que se pronunciou, nos primeiros momentos do
golpe, frisando “estar preocupado unicamente em manter a ordem pública e garantir a tranquilidade
indispensável ao bom funcionamento das forças vivas do município”. A matéria de jornal que veiculou
o pronunciamento anuncia também que o prefeito “entrou em contato com os setores ligados à
segurança pública acertando as providências concretas”7. O Sr. Edmar Fetter passará ao cargo de vice-
governador do Estado indiretamente indicado, entre os anos de 1971 a 1975.

As entidades representativas dos estudantes universitários, tanto nacional como estadualmente,


União Nacional de Estudantes e União Estadual de Estudantes, respectivamente, assim como
a União Gaúcha dos Estudantes Secundários8, convocaram greve geral em defesa do governo
João Goulart. Na cidade os estudantes universitários e secundaristas estavam mobilizados e
decretaram greve estudantil em mesmo sentido que as entidades nacional e estadual. Também
estavam mobilizados os trabalhadores e, em assembleia na Casa do Trabalhador, por unanimidade,
igualmente decretaram greve geral.

Os estudantes e sindicalistas, além de suas deliberações por categoria, agiram também conjuntamente,
contando com a mobilização da população de forma geral, organizando-se na Casa do Trabalhador
e, lá, montando uma vigília permanente para troca de informação e discussão da atuação conjunta,
formando, inclusive, os Grupos dos 11, como recorda a Sra. Vera Lopes:

[A UPES] fez muitas [manifestações], na verdade, o que marcou muito, não só a


UPES, mas a FAP9 (...). Tinha de movimento os sindicatos também, vários sindicatos:
o Sindicato da Alimentação, eu me lembro do Sindicato dos Bancários, era muito
forte em Pelotas (...) tinha o dos Tipógrafos, que era um sindicato que tinha tradição
comunista muito forte (...). No 1º de abril todo o movimento de resistência foi pra
Casa do Trabalhador (...) e lá a gente inscrevia pessoas para Grupos de 11 (...). O
Brizola trabalhava essa ideia (...), e a gente fazia inscrições, passamos acho que

140
duas noites lá, aí foi direto (...), todo mundo fazia plantão, o pessoal se sentia mais
ou menos em alerta permanente, inscrevendo pessoas para fazer a resistência, o
movimento todo se reuniu ali na Casa do Trabalhador e a gente imaginava que ia
ser muito difícil, que ia ter uma resistência muito forte10.

Porém, se a Campanha da Legalidade no Rio Grande do Sul garantiu a posse de Jango em 1961,
não conseguiu acumular força suficiente para barrar o golpe de 1964. Antes mesmo de ter mais
organizado o apoio ao presidente, a chegada de João Goulart a Porto Alegre, solicitando não haver
resistência, sua rápida partida a São Borja e, logo depois, ao exílio no Uruguai, desmobilizou uma
resistência que se esperava organizar não só no Estado, mas no País. Se seguiu, então, além da
desmobilização, uma grande onda de repressão, atingidos os mais diferentes setores. A repressão
atingiu também a cidade de Pelotas e, ao final do primeiro mês após o golpe, encontravam-se
detidas 19 pessoas, consideradas “subversivas”, algumas ficaram presas ainda por vários meses:

Atividade subversiva: relação oficial dos presos em Pelotas.

(...) A reportagem do DP divulga em primeira mão a lista oficial dos elementos que se
encontram detidos para averiguações, acusados de atividades subversivas e ligações com
movimento de caráter comunista por parte das autoridades: 1. Darcy Carret, funcionário
do Instituto de Pesquisas e Experimentações Agropecuárias do Sul, IPEAS; 2. Dr.
Manoel Alves de Oliveira, agrônomo do IPEAS e professor de fitopatologia da Escola de
Agronomia Eliseu Maciel; 3. Dr. Vicente Martins Real, médico e vereador pelo Partido
Republicano; 4. Dr. Amaury Alfredo de Arruda, agrônomo do IPEAS; 5. Edberto da Costa
Amaral, professor de matemática da Escola de Agronomia Eliseu Maciel; 6. Edgar José
Curvello, suplente de vereador do Partido Republicano e que se achava no exercício do
mandato; 7. Getúlio Pereira Dias, funcionário burocrático do SAMDU e vereador do
Partido Trabalhista Brasileiro; 8. Benjamin dos Santos Pereira, presidente do Sindicato
dos Estivadores e suplente de vereador na legenda do Partido Republicano; 9. 2º tenente
reformado, Elson Butgaray; 10. 2º tenente reformado Odilon Garcia, que por motivo
de saúde fora transferido da 9ª RI para o Hospital de Santa Casa (...). Ontem à tarde
foram detidos mais quatro elementos, todos eles estudantes universitários, trata-se dos
acadêmicos, Saad Salin, do Direito; Irio Schwantes, Andrezi Pereira Filho e Enio Freitas
Pnser, os três últimos cursando a faculdade de Odontologia.

(...) Na Divisão de Ordem Política e Social, o DOPS, portanto na Delegacia de Polícia,


acham-se recolhidos mais cinco presos, são eles: 1. Jandir Bandeira, presidente da
Associação dos Amigos do Bairro Fragata, cuja prisão foi efetivada ontem; 2. José
Alves Pereira, conhecido pela alcunha de “85”; 3. Itatiaya Itagiba Telles; 4. Inamar
Xavier Alves; 5 Altivo Lima; os três últimos são moradores no Capão do Leão e
naquela vila desenvolvem as suas atividades. O Exmo. vereador Edgar José Curvello
inicialmente esteve no 9º Regimento de Infantaria foi transladado para o navio
Canopus11, que se achava fundado na entrada da barra do Rio Grande12.

Cabe aqui ressaltar que neste momento se acometeu no País essas práticas repressivas que
atingiram também cidadãos pelotenses, que nada mais faziam a não ser lutar por seus direitos e
pela democracia no país. Temos, portanto, que relembrar o débito do Estado para com esses e
tantos outros, por diversas atrocidades cometidas.

Analisando os alvos percebemos como a repressão atingiu a comunidade acadêmica. A universidade


foi atacada, ao longo da ditadura, sendo o ambiente de discussões e contestações duramente
atingido, não só pelas primeiras medidas de prisão das lideranças e supressão das manifestações,
mas também com expurgos, legalizados por decretos e, como veremos, com a presença de órgãos
de controle da repressão.

141
Foram presos e expulsos professores, técnico-administrativos, pesquisadores e estudantes.
Diversos foram os expurgados na URGS, hoje UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul),
atingindo também seus campi na cidade de Pelotas (hoje parte da UFPel, instituição criada em
1969). Já em meados de 1964 foi formada comissão com a finalidade de expurgar professores,
funcionários e estudantes da URGS, acusados de subversão, compostos por dois professores
de Pelotas, das Faculdades de Direito e de Odontologia, junto a um representante militar e
professores da URGS de Porto Alegre. Também, formou-se uma subcomissão para Pelotas,
composta por professores dessa cidade e um representante militar. Três professores de Pelotas,
com alternâncias, compuseram as comissões que julgaram os expurgos: a profª Rosah Russomano
de Mendonça Lima e os profos Gastão Coelho Pureza Duarte e Delfim Mendes da Silveira13.

Ao todo, em 1964, foram expurgados da URGS 12 professores. Nos campi de Pelotas foram atingidos
os professores Ápio Cláudio de Lima Antunes e Hugolino de Andrade Uflasher, ambos da Faculdade
de Direito, dispensado e forçadamente aposentado, respectivamente. Novos expurgos aconteceram
em 1969, sendo mais dois professores de Pelotas atingidos: José Pio de Lima Antunes e o professor
Manoel de Alves Oliveira, dos cursos de Direito e Agronomia, respectivamente.

Além dos expurgos na universidade, diversas outras instituições estatais foram alvo da chamada
Operação Limpeza14, assim como foram perseguidos também funcionários das empresas privadas.
Caso marcante na cidade foram também as demissões de professores ocorridas no Colégio
Municipal Pelotense e a cassação aos vereadores da cidade.

Outra ação marcante da repressão à comunidade acadêmica pelotense foi o cerco ao campus da
Faculdade de Agronomia, situado no Capão do Leão, durante as primeiras semanas de abril de
1964. O campus foi invadido e ocupado pelas Forças Armadas, sendo o principal alvo o Instituto
de Pesquisas e Experimentação Agropecuária do Sul – IPEAS15. Foram feitas revistas nas casas
dos moradores do bairro16 e detidos diversos pesquisadores do instituto, alguns dos quais foram
mantidos presos. As principais finalidades seriam a repressão ao PTB e desarticulação de Grupos
dos 11. Conta sobre essa ação o morador Ari Costa:

O quartel entrou lá e começou a levar o pessoal, tudo que era eles levavam e traziam
pra dentro do quartel, preso. Tinham um jipão que ia lá, levaram preso o Paulo
Tolosan que era diretor, botaram um interventor do quartel (...). E aí começaram a
trazer aqueles que faziam reuniões. Traziam, a varrer, tudo. Desde o agrônomo até
o trabalhador do campo (...), o que trouxeram de gente pra cá não foi fácil (...), foi
muita gente (...). Às vezes levavam mais de um (...), não sei se alguém denunciava,
eu sei que quando eles iam, iam certinho (...), buscavam no serviço, dentro de casa,
onde estivesse. E levavam preso para o quartel17.

Havia também uma preocupação em controlar a zona rural do município. Segundo o professor
aposentado da UFPel e UCPel, José Luis Marasco Cavalheiro Leite, a igreja católica no Rio Grande
do Sul, sob o comando de Dom Vicente Scherer, tinha uma grande preocupação com a influência
que os comunistas exerciam na zona rural. Não só comunistas, mas também alguns segmentos
trabalhistas ligados a Leonel Brizola, como os que tentaram criar os chamados Grupos dos 11.
Para neutralizar essa influência, foi criada a Frente Agrária Gaúcha (FAG). No município de Pelotas,
através da liderança de Dom Jaime Chemello, houve uma forte mobilização e foram criados muitos
sindicatos rurais no período, sendo que o advogado que atuou na formação desses sindicatos foi
Carlos Alberto Chiarelli, que depois terá uma intensa vida pública, sendo eleito senador em 1982 e
posteriormente nomeado Ministro da Educação no governo Fernando Collor.

A cidade de Pelotas contou, também, com uma frente para a resistência à ditadura, articulada
junto a outras cidades, como conta em depoimento Carlos Alberto Franck. A FARP – Frente

142
de Ação Revolucionária Popular foi criada para discutir ações conjuntas entre a pluralidade
de posições, contando com militantes de diversos partidos, de vários locais de atuação e com
lideranças dos setores mais diversos da sociedade. Mesmo reprimidos conseguiram estender sua
atuação às cidades vizinhas.

Também sofreram com a repressão representantes políticos, em especial os pertencentes ao PR e


PTB. No caso do PR, em específico, não havia uma identidade ou um programa de esquerda, ou
mesmo qualquer indicação de articulação nacional contra o golpe, mas, devido à ilegalidade de
partidos mais à esquerda, serviu como frente legal à luta de partidos clandestinos. Portanto, o PR
foi alvo duramente atingido: não só teve vários representantes da câmara de vereadores presos e
que também perderam o mandato, como ficaram detidos por um período longo.

Cabe ressaltar, na lista publicada em 1º de maio, as prisões de lideranças de organizações civis, tais
como o presidente do Sindicato dos Estivadores, o presidente da Associação de Bairro do Fragata, além
dos estudantes e dos dois tenentes. As prisões atingiram vários setores da população, provavelmente
os mais ativos e organizados. Foi bastante “representativa”, reforçando que não se tratou da prisão de
infratores de leis, mas sim a prisão de lideranças, a fim de desarticular a oposição e, por atingir diversos
segmentos, intimidar o maior número de pessoas. Além dos nomes publicados na lista, muitos outros
cidadãos foram detidos, interrogados e mantidos presos, antes e depois dessa publicação.

Junto às medidas contra as lideranças da oposição ao golpe militar, no sentido de conter


uma manifestação mais massiva, ou mesmo na tentativa de coibir qualquer articulação, foram
anunciadas ordens que atingiam mais amplamente a população. Divulgou-se no jornal da cidade
nota impondo toque de recolher, proibindo o funcionamento de campos de futebol ou corridas
de cavalos e deixando explícita a perspectiva de reprimendas e prisões18.

Na cidade de Pelotas também houve, ao longo do período ditatorial, práticas de desrespeito


aos direitos humanos, seja contra os presos políticos, seja contra os presos comuns, embora
deva-se supor que, em geral, deu-se de forma menos sistematizada que na capital do Estado.
As denúncias dessas agressões partem, atualmente, da memória dos atingidos, tanto através de
pesquisas que utilizam como fonte a memória, quanto ao realizarmos, na atualidade, atividades
em que haja espaço de relatos19. A denúncia das práticas de tortura usadas também contra presos
comuns aparece em notícias da época, chegando a relatar espancamento e uso de choques
elétricos em investigações, como exemplo em matéria divulgada no jornal Zero Hora em 1972:

Pelotas. (...) Os policiais estavam completamente embriagados, segundo a vítima, e


queriam que Waldir confessasse sua participação num roubo (...) ele disse que foi
levado para a delegacia, onde passou a ser espancado (...). Declarou que no dia do
furto da joalheria nem estava em Pelotas, “mas embora dissesse isso continuei a
sofrer torturas com choques elétricos nas pernas e nas mãos”20

Nos anos que se seguiram, as manifestações de oposição ao golpe continuaram a ocorrer,


mudando suas formas, em dinâmica diretamente ligada com as modificações da repressão no
mesmo sentido do que acontecia no Brasil inteiro. Em Pelotas foi necessário reforçar a repressão,
por exemplo, como a Companhia Pedro e Paulo21, que inicialmente foi responsável por resolver
problemas de trânsito, mas teve seu contingente ampliado e seus objetivos modificados, devido
à demanda da repressão na cidade de controlar a propaganda anti-ditatorial22.

Para além da ação das forças armadas em colaborar com o golpe e ditadura, tivemos também a
adesão de civis. Foram feitas declarações e escritas cartas de apoio, inclusive por entidades, como
a Associação Comercial de Pelotas, publicada no Diário Popular:

143
Dr. Ruy Gomes da Silva ao Cmte do ID/3

(...) - são mais de 700 firmas, os mais representativos de Pelotas, que aqui lhe
prestam sua admiração e reconhecimento pelos inestimáveis serviços prestados à
Pelotas e ao Brasil.

(...) - o Exército brasileiro acaba de prestar ao país um grande serviço.

(...) - em nome do comércio e da indústria de Pelotas, aqui lhe rendemos nossa


homenagem e trazemos nosso apoio.23

Foi importante para a disputa entre apoiadores e oposição ao golpe civil militar as três eleições,
ocorridas em 1966, 1968 e 197024. O MDB organizava-se em torno de espaços institucionais, e,
controlado, não conseguia oferecer resistências mais efetivas, mas, em algum grau, canalizava os
votos de descontentes com o governo militar. Essas eleições em geral tiveram resultado bastante
próximos na cidade e apresentavam algum tensionamento.

Especial destaque merece a campanha eleitoral de 1970, realizadas para a escolha da composição
da Câmara Federal, Assembleia Legislativa e Senadores. Em Pelotas o eleitorado foi de 80.504
votantes, com resultados equilibrados, tendo os candidatos arenistas Tarso Dutra 31.684 votos e
Daniel Kruger 29.426 votos, enquanto os candidatos do MDB Brochado da Rocha e Paulo Brossard
ficaram, respectivamente, com 27.424 e 27.598 votos na cidade. Mas a peculiaridade dessa eleição
foi o resultado da campanha pelo voto nulo, feita por grande parte dos movimentos de resistência,
organizada por todo o País, com a finalidade de deslegitimar as eleições e a ditadura.

Em todo o Estado houve um alto índice de votos nulos ou em branco. Em Pelotas houve 18.225
votos nulos e 5.929 votos em branco25.

O resultado gerou discussão entre o MDB, os arenistas e a sociedade como um todo, refletida nas
páginas de jornal e nas declarações de figuras políticas importantes, como retratado na notícia
do Diário Popular:

“Esse comportamento do eleitorado foi mais acentuado bruscamente nas zonas em


que o MDB alimentava mais esperanças” (...) o deputado Pedro Simon declarou que
o MDB não está sendo derrotado pela ARENA, mas sim pelo voto em branco26.

As eleições e as diversas relações de apoio explicitadas durante o golpe ou ao longo da ditadura


militar possibilitam refletir também sobre correlações de forças políticas regionais, em que o
poder local também estava em disputa e se fez necessária uma reacomodação, por exemplo,
pela necessidade de recomposição partidária com o bipartidarismo. E, embora não possamos
compreender a atual constituição política local analisando restritamente esse período histórico,
temos, entretanto, que considerar fatores importantes no processo de constituição de elites que
se perpetua no poder representando uma classe e um conjunto de práticas e propostas políticas.
A perpetuação de elites, tal como se dá hoje, é, em parte, sintomática de nosso processo de
reabertura “lenta, gradual e segura” e de nossas políticas públicas de “desmemória”, que induz o
esquecimento coletivo, nega à população o conhecimento desse período e não vincula práticas
políticas de grupos e partidos atuais às suas posições no passado.

Temos que frisar, também, uma peculiaridade de nossa cidade relacionada com nossa região de
fronteira: a organização de rotas de exílio. Embora a cidade de Pelotas não esteja na borda do
País, ela compartilha uma dinâmica própria dessas cidades limítrofes e deve ser considerada como
pertencente a nossa zona de fronteira. Pode-se, para este momento, estender algumas práticas

144
para um território muito maior do Rio Grande do Sul, pois foi desenvolvida uma atividade muito
importante para a resistência à ditadura no País, em articulação com militâncias de várias cidades
do Estado, de possibilitar a mobilidade pela fronteira, seja para troca de materiais e informações,
seja para introduzir ou retirar militantes no território brasileiro.

Portanto, se consolidou como especificidade a tarefa desenvolvida pelos militantes de oposição à


ditadura civil militar no Rio Grande do Sul, de organização das rotas de exílio, seja porque teve
grande intensidade na região, seja porque foi proposta de grande parte das correntes opositoras
ou, ainda, porque era referência nacional para quem precisava deixar o Brasil. Pelotas teve parte
importante nessa tarefa, garantindo, além do tráfego de informações e da reintrodução de
militantes, a salvaguarda de diversos perseguidos pelo Estado.

Essas rotas foram articuladas em parceria entre militantes de diferentes cidades do Rio Grande do
Sul, do País e, também, do exterior, contando, sobretudo, com brasileiros já exilados no Uruguai
ou na Argentina. Transladavam militantes em solidariedade entre diferentes correntes de esquerda,
tendo a colaboração dos chamados simpatizantes que, embora não tivessem uma organicidade na
constituição da atividade, tinham papel de fundamental importância. A atividade requeria uma
sistemática reelaboração, contando com todas as possibilidades que as correntes conseguiam prover e
se valendo de alguns novos elementos trazidos pelos contatos pessoais dos militantes ou, até mesmo,
pelo acaso. As organizações viam-se na responsabilidade de resolver grandes problemas com poucos
recursos e, para isso, alçavam mão de todas as possibilidades que se punha para o momento.

Na cidade de Pelotas destacam-se militantes responsáveis pela organização dessas rotas, que moveu,
inclusive, a atenção da repressão, tendo alguns sido presos por sua participação na atividade. Destacam-
se também pelotenses, que, uma vez no exterior, fizeram parte de uma teia de solidariedade para
receber exilados, inclusive em outros continentes. Temos presente também a participação de setores
mais progressistas da igreja católica, mobilizando seus membros como apoiadores.

Deve-se, ainda, fazer destaque, que, durante os anos finais da década de 1960 e ao longo da década
de 1970, se tenha estabelecido rotas para receber militantes uruguaios e argentinos que, perseguidos
em suas pátrias e cercados por países dominados por ditaduras civis-militares, procuraram o território
gaúcho onde ainda não eram “alvos” conhecidos. Começava-se a experimentar uma reabertura lenta,
antes de nossos vizinhos, embora tenha demorado a se efetivar.

Noé Vega Cotta de Mello, estudante de arquitetura e uruguaio refugiado no Brasil, em função
da ditadura instaurada nesse país, lembra de apoio inclusive de pessoas que não tinham nenhum
vínculo com as lutas contra a ditadura:

Durante o período que morava na Casa do Estudante, tive também uma experiência
que retratava muito bem o momento que se passava nos países do cone sul, uma
estudante de engenharia da Universidade de Uruguai, que era uma grande amiga,
veio não sei de que forma a dar a esta casa e lembro-me bem que, em prantos, me
pediu para eu arranjar um lugar para pernoitar, que no outro dia iria ao encontro do
pai dela, ex-reitor da Universidade de Uruguai e que já estava exilado na Argentina.
Ela estava sendo perseguida pela polícia e não lembro se o namorado já tinha
sido preso ou morto. A situação para mim era muito delicada pelo acima relatado
e principalmente por saber que nosso síndico do edifício era um braço direito de
nosso interventor e possivelmente um “dedo duro”. Um dono de hotel, nessa hora da
noite, atendeu meu pedido e sensibilizado pela situação desesperada da estudante
deixou-a dormir essa noite sem registrá-la, no outro dia e muito cedo a encaminhei
à rodoviária, onde pegou um ônibus para Uruguaiana27.

145
Tivemos nesse espaço, também, uma relação de aproximação e trocas culturais, que se desdobraram
em um forte movimento artístico que fez parte das manifestações pela reabertura política do
País, tais como o emblemático movimento de música nativista e seus festivais. Por outro lado,
voltamos maior atenção e passamos a ser palco importante de atividades repressivas.

O processo de redemocratização
O processo de redemocratização no Brasil, como todos os demais processos similares que ocorreram
em outros países, sempre envolveu dois elementos muito importantes. De um lado a incerteza
quanto ao futuro por parte dos inúmeros agentes envolvidos no processo, por outro a divisão
por parte das principais forças envolvidas, seja entre os que querem controlar o processo político
na perspectiva da manutenção da ordem estabelecida, seja entre os que querem modificar a
conjuntura. Ou seja, no caso brasileiro, havia uma divisão entre a chamada “linha dura” e aqueles
que queriam iniciar um processo de “redemocratização lenta e gradual”. Do lado da oposição,
desde aqueles que se envolveram no processo de luta armada até os que buscaram construir
saídas legais e, em alguns casos, negociadas com o próprio regime.

Quando buscamos analisar o contexto global em um “microcosmo” como o município de Pelotas,


também iremos perceber que em diversas ocasiões e a partir de diferentes ações de pessoas envolvidas
nessa disputa, esse universo de concepções e interesses distintos também se fazia presente. Temos
clareza que o centro da repressão política por obviedade se deu nos principais centros políticos
do País (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife etc.), bem como em algumas regiões determinadas que
tiveram importância por sua localização estratégica (Araguaia, Bico do Papagaio, entre outras) ou
em função de conflitos locais bem delimitados (camponeses no Maranhão, indígenas na Amazônia
etc.). Nesse contexto, a imensa maioria das cidades médias e pequenas não viveram uma repressão
tão sistemática. Além disso, diversas organizações entendiam que o sul do Estado, por ser uma
região de fronteira importante para o translado de pessoas procuradas pelos órgãos repressivos, não
deveria ter atividades mais intensas que chamassem a atenção da repressão. Algo similar aconteceu
na Bahia, considerada por algumas organizações como “área de recuo”.

No entanto, o fato de Pelotas e região não terem sido palco de conflitos políticos mais duros, não
significa que o processo repressivo não causou inúmeros danos a centenas de famílias em nossa
região. Os danos não foram apenas físicos, através da tortura que algumas pessoas sofreram, mas
também danos materiais (transferências, demissões, perseguições a funcionários públicos), bem
como conflitos psicológicos causados por diferentes situações de medo, insegurança, afastamento
forçado por parte de familiares etc.

O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi o instrumento draconiano criado pelo regime para
controlar toda a sociedade civil no País. Em todos os segmentos havia mecanismos de controle e
fiscalização por parte desse órgão. Nas universidades, o braço do SNI denominava-se Assessoria
de Segurança e Informação (ASI), presente em todas as universidades públicas brasileiras. Na
UFPel o comando da ASI local ficava ao lado da sala do reitor e era comandada por um General
bastante temido pelos estudantes (General Vinholes).

No final dos anos 1970, o Diretório Acadêmico Nunes Vieira (curso de Agronomia), criou um
jornal interno denominado de Teodolito, que, além de discutir questões específicas, também
trazia debates atuais com conteúdo mais político, como Anistia, Constituinte, Agrotóxicos etc.
Em um determinado dia, o General Vinholes chamou os representantes do DANV. Foram à reunião
as acadêmicas Rita Surita e Jacira Porto. O General, que não estava gostando do conteúdo do
jornal, solicitou às estudantes que antes de imprimi-lo, seria bom que passassem para ele para
que pudesse “auxiliar na revisão gramatical”. As representantes estudantis concordaram com a
proposta, mas simplesmente ignoraram a “ajuda” da ASI.

146
Paulo Brum, estudante que chegou a ser membro do Conselho Universitário, recorda do papel
da ASI na UFPel:

O General Edson Vinholes me chamava quase todos os dias para ameaçar com
expulsão, prisão etc. Tinha chegado uns livros doados pela Academia de Ciências
da URSS à Faculdade de Arquitetura da UFPel. O reconhecimento da faculdade
dependia da existência de uma biblioteca, mas o general se negava a liberar os
livros, pois vinham de um país comunista, eram perigosos. Eram livros de cálculo
diferencial, de geometria descritiva, de desenho técnico etc28.

Também o estudante de arquitetura Noé Veja Cotta de Mello recorda o papel desempenhado pela
ASI dentro da UFPel

Em 1973 ingressava ao curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pelotas


através de transferência, como tantos outros estudantes uruguaios que saíam, seja
por perseguições políticas ou pela falta de perspectiva que nosso país vislumbrava.
A Universidade Brasileira nos oferecia então a grande oportunidade de continuar
as nossas carreiras, porém percebia-se a preocupação das autoridades universitárias
com o possível envolvimento dos novos acadêmicos no processo político e social
brasileiro, devido a já sabida carga de politização e comprometimento sócio-político
que muitos de nós tínhamos. Esta situação ficou bem clara quando fomos solicitados
a comparecer ao gabinete do então interventor, não lembro se este era o nome
correto do cargo no qual o general Vinholes ocupava dentro da estrutura política da
UFPel, mas fomos diretamente alertados por este das consequências que teríamos,
que seriam o encaminhamento direto ao DOPS e possível extradição, se fôssemos
pegos em qualquer tipo de manifestação política ou outra que atentasse contra a
estabilidade do sistema29.

Um fato considerado como um dos primeiros elementos de mobilização dos estudantes frente
ao contexto repressivo da época aconteceu em 1974, durante uma visita à universidade do
candidato a senador pela ARENA, Nestor Jost. Estudante na época, Paulo Brum lembra do
episódio do qual participou:

O Presidente do Banco do Brasil, Nestor Yost, era candidato ao Senado pelo RS, e foi
convidado pelo então Reitor, Delfim Mendes da Silveira, para dar uma palestra na
universidade. Como os estudantes não quiseram assistir a palestra preferindo ir para
a cidade, a reitoria, para forçar a assistência, suspendeu a saída dos ônibus. Então,
alguns estudantes se revoltaram e resolveram invadir o auditório e denunciar o ato da
reitoria. Em seguida, saindo do auditório, organizou-se na hora uma mobilização que
culminou numa marcha a pé, do Campus até o centro da cidade, onde encontramos
os Deputados Lélio Souza e Getúlio Dias, que na mesma noite denunciaram a
atitude da Reitoria pela televisão. Tem-se notícia que foi a primeira manifestação de
estudantes em uma universidade desde a edição do AI 5 e dos famigerados Decretos
228 e 477. Esse fato reveste-se, em suas devidas proporções, de grande importância
histórica para o movimento estudantil e a luta pela democracia, pois naturalmente
formou-se, em meio à marcha, um grupo que se ampliou e chegou a 1978 com a
força que resultou na Construção30.

A partir da Lei Suplicy de Lacerda, do final de 1964, as eleições para os DCEs passavam a ser
realizadas indiretamente, através do voto dos presidentes de Diretórios Acadêmicos (DAs). Para
a garantia do processo havia dois mecanismos suplementares: os candidatos ao DCE deveriam
passar pela aprovação das reitorias (na prática pela aprovação das ASIs) e ao mesmo tempo havia
uma tentativa de controlar o processo de escolha das diretorias dos DAs. Havia a obrigatoriedade

147
do voto por parte dos alunos, pois quem não votasse nas eleições estudantis podia ser suspenso
de assistir aulas por até um mês. Dessa forma buscavam garantir a participação das chamadas
“minorias silenciosas” e evitar o controle por parte dos militantes mais ativos politicamente.

Até 1973 não havia o DCE UFPel, mas apenas a Federação Acadêmica de Pelotas (FAP), que
envolvia os Diretórios Acadêmicos da UFPel e da UCPel. O processo de escolha da FAP era o mesmo,
indireto (quem votava eram os representantes de Diretórios Acadêmicos) e essa entidade também
não desenvolveu nenhum movimento mais nitidamente político durante o período pós-1964.

Com a criação do DCE UFPel, nos primeiros anos sempre eram eleitas diretorias comprometidas
com a manutenção do regime. O papel da entidade era muito voltado a bailes, onde era escolhida
a mais bela universitária, ou torneios esportivos, além de reivindicações burocráticas, através do
encaminhamento de solicitações formais aos órgãos públicos (serviço odontológico para o DCE etc).

Aos poucos alguns representantes de DAs começam a questionar esse modelo de entidade e a se
articular, defendendo a volta de eleições diretas para a entidade e um envolvimento maior dos
estudantes na vida política e social do País. O ano de 1977 criou um marco dessa luta. Alguns
estudantes resolveram organizar na cidade um ato de apoio ao Dia Nacional de Lutas (19 de maio
de 1977), em repúdio ao “Pacote de Abril” lançado por Geisel.

Em Pelotas, os estudantes se reuniram em frente ao prédio da Faculdade de Direito. A polícia, sabendo


da manifestação, cercou o local. Inicialmente os estudantes sentaram em círculo. Já que tinham sido
avisados de que não poderia haver discursos, um deles pegou uma vareta no chão e desenhou um
“L”. Em seguida outros estudantes também fizeram o mesmo, escrevendo “LIBER...”. Quando chegou
nesse momento, um deles, João Carlos Gastal Junior, levantou e falou que liberdade não se pede, se
conquista. Foi o suficiente para sua prisão. Após este ato outros se sucederam na cidade.

Em 1978, os representantes de Diretórios Acadêmicos fizeram um acordo. Fariam uma eleição


direta para o DCE UFPel entre os estudantes e o Conselho de Representantes referendaria o
resultado final elegendo a chapa vencedora.

Nessa eleição surgiram 3 chapas, sendo que a vencedora foi a chapa Mutirão, de oposição à
direção do DCE da época e com minoria no Conselho de Representantes. No entanto, por pressão
direta da reitoria, o Conselho não homologou a chapa vencedora, sendo indicado indiretamente
outro estudante como presidente do DCE, o qual foi nomeado pelo reitor da época, Ibsen Wetzel
Stephan. Nesse momento, os alunos envolvidos nas duas chapas que faziam oposição ao modelo
de representação existente criaram o DCE Livre, empossando a sua diretoria em praça pública.

Somente em 1980 é que os DCEs da UFPel e da UCPel elegeram chapas mais fortemente
vinculadas ao movimento estudantil e comprometidas com as lutas estudantis e com a luta pela
redemocratização do país, passando a partir desse momento a ter um papel ativo, inclusive no
processo de luta pelas Diretas Já, onde as duas universidades foram paralisadas para acompanhar
a histórica votação em 1984.

Em 1978, acompanhando atos semelhantes que ocorreram em inúmeras outras cidades, o padre
Régis rezou uma missa em memória aos 10 anos do assassinato do estudante Edson Luis, no Rio
de Janeiro. Até mesmo essa missa teve de ser realizada quase que clandestinamente. Fernando
Grassi lembra desse momento:

Lembro da missa [clandestina] em memória dos dez anos da morte do estudante


Edson, no restaurante Calabouço. Marcada para ser realizada na Capela do São José,
para lá fui e encontrei apenas dois companheiros no portão da escola que estava

148
fechado. Estes estavam ali para informar que na verdade o evento seria realizado
naquela capela localizada na Gonçalves Chaves, entre Princesa Isabel e Butuí. As
viaturas da polícia e umas veraneios suspeitíssimas rondavam o colégio das freiras.
Enquanto isso o pessoal cantava fervorosamente na missa a música Prá não dizer
que não falei das flores, de Geraldo Vandré. O São José e os companheiros que lá
estavam eram apenas bois de piranha31.

É, ainda, marcante na UFPel a ocupação da Casa do Estudante no ano de 1981, que conquistou o
direito de moradia às mulheres, pois antes o benefício era concedido exclusivamente aos homens.

Na UCPel, provavelmente o episódio mais marcante foi a prisão de dois professores, no ano de
1972: Alceu Salamoni, coordenador do curso de Serviço Social, e Antônio Voltan, professor
contratado para ministrar a disciplina de Realidade Latino Americana. Tanto Alceu como Voltan
eram militantes da Ação Popular (AP) e, ao serem presos, foram encaminhados para Porto Alegre,
onde ficaram aproximadamente durante um mês e passaram por sessões de tortura.

Na volta, Alceu já se considerava demitido. No entanto, o reitor da época, Dom Antônio Zattera,
não o despediu, apenas solicitou que por algum tempo ele não viesse à Universidade, ficasse
fazendo tarefas burocráticas em casa para não despertar animosidades com alguns setores
militares, até mesmo porque se sabia que havia elementos infiltrados em todas as esferas da
sociedade, inclusive na UCPel.

José Luis Marasco Cavalheiro Leite também lembra de sua formatura no curso de Filosofia na UCPel.
O ano era 1968, uma semana após a edição do AI-5. Na mesa oficial entre as autoridades a presença
do Bispo Dom Antônio Zattera, como também representante das Forças Armadas. Marasco era o
orador da turma e leu um discurso baseado em um texto de Marcuse que falava em liberdade. Ao final
da solenidade um militar se levanta para mandar prender Marasco, momento em que Dom Antônio
intercede e pede ao representante do exército que não tome essa atitude, o qual foi atendido.

Merece menção ainda a perseguição de parte da igreja católica por um setor interno da igreja. Como
lembra a entrevistada Circe Cunha, as atividades desenvolvidas pelas comunidades eclesiais de base
passaram a ser vistas com suspeita, tendo suas atividades controladas e limitadas. Alguns membros
dos setores mais progressistas da igreja foram afastados do convívio com a comunidade em geral e,
até mesmo, membros da igreja revistavam seus livros para retirar possíveis más influências.

Considerações finais
Buscamos mostrar, ao longo do texto, que muitos são os elementos que podem ser pontuados,
alguns foram apontados, outros, fogem do propósito a que nos dispusemos, porém, todos merecem
maior aprofundamento. Precisamos reafirmar que este texto trata-se de uma pequena sistematização
dos acontecimentos mais marcantes na cidade ao longo do período, todavia, muito ainda falta a ser
registrado. Tentamos também fazer jus aos diversos homens e mulheres que combateram a ditadura
civil-militar nos espaços em que viviam e atuavam, mas temos certeza que também muitas pessoas
ainda devam ser registradas. Assumimos, portanto, termos cometido algumas injustiças por, nesse
espaço, não termos conseguido reconhecer todas as pessoas que atuaram e foram importantes para a
mudança de cenário em que se encontravam. Precisamos registrar também que a militância desenvolvida
em nossa cidade tanto colaborou para a resistência ao golpe e ditadura civil-militar, desenvolvendo
atividades em compasso com o País, como também teve protagonismo muito importante em atividades
próprias da região, como a organização de rotas de exílio. Finalizamos esclarecendo que esse artigo
foi proposto como uma contribuição, dado a pouca produção acadêmica, para que conheçamos mais
de nossa história, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”32.

149
Referências
DELLAVECHIA, R. O Ressurgimento do movimento estudantil universitário gaúcho no processo de
redemocratização: as tendências estudantis e seu papel. POA: 2011.
SILVEIRA, M. A Resistência ao Golpe e Ditadura Militar em Pelotas. Trabalho de Conclusão de Curso.
Pelotas: UFPel: 2009.
SILVEIRA, M. Ditadura civil militar na região sul gaúcha: militâncias e rotas de exílio. Dissertação de
Mestrado. Pelotas: UFPel, 2012.
Periódicos: Diário Popular e Zero Hora.

Sites
EMBRAPA. Memória Embrapa Pecuária Sul. In: http://www.cppsul.embrapa.br/unidade/memoria
Movimento Estudantil de Pelotas. In: http://mepelotas.blogspot.com

Entrevistas
COSTA, Ari. Sem Título. Pelotas, 1992. Entrevista concedida à Maria Amélia da Silveira.
CUNHA, Circe. “Resistência à Ditadura Militar”. Pelotas, 2009. Entrevista concedida à Marília Brandão
Amaro da Silveira.
FRANK, Carlos Alberto. Sem Título. Pelotas, 2001. Entrevista concedida à Renato da Silva Della Vechia.
LOPES, Vera. “Resistência à Ditadura Militar”. Pelotas, 2009. Entrevista concedida à Marília Brandão Amaro
da Silveira.
MELLO, Noé Vega Cotta de. Sem Título. Pelotas, 2014. Entrevista concedida ao Renato da Silva DellaVechia.
SALAMONI, Alceu. “Resistência à Ditadura Militar”. Pelotas, 2009. Entrevista concedida à Marília Brandão
Amaro da Silveira.
VOLTAN, Antônio. “Resistência à Ditadura Militar”. Pelotas, 2009. Entrevista concedida à Marília Brandão
Amaro da Silveira.

Notas do Pesquisador
3
Atualmente chama-se Ditadura Civil Militar por compreendermos a participação de civis na articulação do golpe e, posteriormente,
efetivação da ditadura.
4
Conforme consta no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1º abril de 1964, p. 1.
5
Todavia a bancada que compunha a oposição ao governo João Goulart reviu seu posicionamento oito dias depois, conforme consta
em matéria do jornal da cidade, o Diário Popular, em 8 de abril de 1964. Em Pelotas a oposição ao Jango compunha-se pelo PSD,
pela UDN e pelo PL.
6
A matéria foi publicada no Diário Popular, 02/04/1964, p. 1.
7
Cf. “Prefeito Preocupado em Garantir a Ordem Pública”. In: Diário Popular, Pelotas, 2/04/1964, p. 6.
8
Estudantes que hoje correspondem ao Ensino Médio.
9
FAP, Federação Acadêmica Pelotense, foi entidade representativa das faculdades das atuais Universidade Católica de Pelotas e
Universidade Federal de Pelotas, sua diretoria era escolhida indiretamente pelos Diretórios Acadêmicos das faculdades. A UPES foi a
União Pelotense dos Estudantes Secundaristas de Pelotas, funcionava como uma agremiação estudantil geral às escolas de Pelotas.
10
Em entrevista concedida à Marília Brandão Amaro da Silveira, por Vera Lopes, Pelotas, 2009.
11
Tratou-se de um navio hidrográfico fundeado na cidade de Rio Grande que serviu como prisão aos perseguidos políticos.
12
Matéria publicada no Diário Popular, 1/05/1964, p. 14.
13
As matérias que apresentam os componentes da comissão de expurgos, tanto quanto demais dados apresentados, todas publicadas

150
pelo Diário Popular, são: “Dois Professores de Pelotas na Comissão de Expurgos da URGS” 20/05/1964, p. 8; “Subcomissão de
Inquérito da URGS Instalou-se em Pelotas” 26/05/1964, p. 8; “Continua a Repercutir nos Círculos Universitários Os Expurgos na
URGS” 19/09/1964, p. 6.
14
Operação desenvolvida em todo o país visando expurgar das instituições públicas os opositores da ditadura.
15
Em 1962 as pesquisas da faculdade passaram a integrar o IPEAS, que, em 1972 deu espaço à EMBRAPA segundo www.cppsul.
embrapa.br/unidade/memoria (Acesso em 10/11/2009).
16
Capão do Leão na época compunha parte de Pelotas. Hoje é município autônomo, independente desde 1982.
17
Trecho de entrevista concedida à Maria Amélia da Silveira, em 1992, mantida sob posse e concedida ao Núcleo de Documentação
Histórica – UFPel.
18
Nota foi publicada no Diário Popular, 05/04/1964, p. 10.
19
Um exemplo foram relatos que apareceram no seminário “Pelotas: 200 Anos Para Quem?!”, realizado nos dias 26/06, 03, 10 e
17/07/2012, filmados pela Câmara Municipal de Pelotas.
20
Publicado em Zero Hora, Porto Alegre, 19/05/1972, p. 26.
21
Criada em 1955, vinculada à Brigada Militar, hoje 9º Batalhão de Polícia Militar do RS.
22
Matérias do Diário Popular “Agitadores Agem na Calma da Noite Pichando Paredes” de 6/08/1964, p. 8 e “Pedro e Paulo em
Campanha de Repressão” 18/08/1964, p. 8.
23
Publicado no Diário Popular, 5/04/1964, p. 10.
24
Houve, ainda, eleições em Pelotas após 1970, ainda sob regime de ditadura militar, mas fogem de nossa pesquisa.
25
Cf. Diário Popular: “Pelotas Vota Hoje” (15/11/1970, p. 8) e “Eis os Números do Pleito” (20/11/1970).
26
Diário Popular, 18/11/1970, p. 1.
27
Segundo relato concedido a Renato Della Vechia.
28
Relato publicado pelo depoente no site www.mepelotas.blogspot.com.br
29
Segundo relato concedido a Renato Della Vechia.
30
Relato publicado pelo depoente no site www.mepelotas.blogspot.com.br
31
Relato publicado pelo depoente no site www.mepelotas.blogspot.com.br
32
Frase muito utilizada entre os estudiosos do período e defensores de Direitos Humanos.

151
Figura 1

Figura 2

Figura 5

Figura 3

Figura 6

Figura 4 Figura 7

152
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Renato Della Vechia e Marília Brandão Amaro da Silveira.

Figura 1: Prisão do estudante Gastal, em manifestação em frente à Faculdade de Direito em 1977. Autor
desconhecido. Fonte: Disponível em mepelotas.blogspot.com.
Figura 2: Pai do estudante Gastal, ex-prefeito e deputado estadual à época, falando aos estudantes, em mes-
ma manifestação, em frente ao Direito. Autor desconhecido. Fonte: Acervo do autor.
Figura 3: Material da chapa Construção, vitoriosa das eleições do DCE em 1978, cujo não-reconhecimento
pela reitoria em exercício, motivou a criação do DCE Livre pelos eleitos. Fonte: Acervo do autor.
Figura 4: Tropa de choque que veio de Porto Alegre quando da ocasião de Assembléia Geral dos estudantes da
UFPel em 1981, no estádio do G. E. Brasil. A tropa de choque ficara de prontidão para evitar que os estudantes
saíssem em passeata pela cidade, como estava originalmente previsto. Fonte: Acervo do autor.
Figura 5: Material do grupo “Resistência”, uma das correntes do movimento estudantil. Fonte: Acervo do
autor.
Figura 6: Matéria do jornal Diário Popular referente à ocupação da Casa do Estudante, em 1981. Fonte: Acervo
do autor.
Figura 7: Idem. Fonte: Acervo do autor.

153
154
155
119 120 121

125 126 127


122 123 124

128 129 130

119. Theatro Sete de Abril. Década de 1990. 120. Rua XV de Novembro esquina Rua Mal. Floriano. Filial do Banco Itaú. Década de 1990. 121. Vista frontal da
Prefeitura Municipal. Década de 1990. 122. Rua XV de Novembro esquina Rua Lobo da Costa. Vista geral da Secretaria Municipal de Finanças. 123. Vista geral
Prefeitura Municipal. Cartão postal. Década de 1990. 124. Praça Cel. Pedro Osório. Casa nº 06. Década de 1990. 125. Entorno da Praça 7 de Julho. Antigo Liceu,
Prefeitura Municipal, Abrigo de Ônibus, Secretaria de Finanças. Década de 1990. 126. Praça 7 de Julho. Vista parcial. Década de 1990. 127. Idem. Vista complemen-
tar. Década de 1990. 128. IbIdem. Vista da face sul do Mercado Público Central. 129. Comércio de ambulantes no entorno da Praça Cel. Pedro Osório.
Face da Rua Lobo da Costa. 130. Idem. Face pela Rua XV de Novembro, próximo à Prefeitura Municipal.
131 132 133

138 139 140

131. Comércio de ambulantes no entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Face pela Rua XV de Novembro. Vista na direção Sul. 132. Praça 7 de Julho. Face norte do
Mercado Público Central. Em primeiro plano, o piso do antigo abrigo de ônibus, removido. Década de 1990. 133. Vista do edifício do antigo Banco Nacional do
Comércio, convertido em Centro de Integração do Mercosul, desde o antigo Liceu. No calçadão em frente, o movimento do comércio de ambulantes.
134. Perspectiva da entrada do antigo Liceu Eliseu Maciel desde o antigo abrigo de ônibus à Praça 7 de Julho. 135. Praça Cel. Pedro Osório, esquina Rua Anchieta.
Grande Hotel de Pelotas. Década de 1990. 136. Praça 7 de Julho. Face da Rua XV de Novembro, vista desde a Prefeitura Municipal. Antiga concentração de
vendedores ambulantes, conhecida popularmente como “Camelódromo”. Década de 1990. 137. Idem. Vista do interior de uma das “ruas” do antigo “Camelódromo”,
ao lado da face norte do Mercado Público Central, com a Secretaria Municipal de Finanças ao fundo.
134 135 136 137

141 142 143 144 145

138. IbIdem. Registro da remoção do antigo “Camelódromo” e do abrigo de ônibus contíguo, em fotografia do mesmo ângulo. 139. Entorno da Praça Cel. Pedro
Osório pela Rua XV de Novembro. Tapumes no antigo terreno reservado para uma nova Igreja Matriz, prestes a receber a construção de um banco. 140. Panorama
da Praça Piratinino de Almeida e seus arredores. Vista na direção oeste. Década de 1990. 141. Ponte de alvenaria de tijolos, erguida por mão de obra escrava, na
estrada para a Charqueada São João. Fotografia da década de 1990. 142. Antigo Pontilhão da Tablada. Década de 1990. 143. Panorama da Rua Gal. Argolo e seu
Canalete. Vista desde a proximidade da esquina com a Rua Santa Cruz, na direção oeste. 144. Rua Gonçalves Chaves, entre Rua Miguel Barcellos e Rua Major Cícero.
Edifício-sede do Serviço Social do Comércio de Pelotas. Década de 1990. 145. Centro Espírita Jesus, na esquina da Rua Miguel Barcellos, esquina Rua Félix da Cunha.
160
161
TÃO DIFERENTES E SEMPRE IGUAIS:
RESULTADOS E SIGNIFICADOS DAS ELEIÇÕES PARA
PREFEITO DE PELOTAS (1968-2012)

Alvaro Barreto1

Este é um ensaio formulado sem a pretensão de apresentar inovadoras ideias em torno da


política, embora procure ser provocativo ao aplicar interpretações correntes ao caso das eleições
para prefeito de Pelotas no período dos anos 1970 até o presente. O texto deixa de referir-se
amplamente às décadas de 1940 a 1960 não porque elas não possam ser incluídas na mesma
interpretação ou correspondam a uma realidade distinta, e sim porque não reúne dados com o
grau de aprofundamento necessário para tal.

Ele conta duas fontes principais: relações de candidatos e de resultados eleitorais para a chefia 1
Graduado em Filosofia pela
do executivo local, obtidos no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS); Universidade Federal de Pelotas
teorias e explicações do campo da Ciência Política. Se os dados eleitorais formam a matéria-prima (UFPel, 1989) e em Comunicação
a partir da qual as análises são formuladas, a contribuição da Ciência Política constitui o alicerce Social pela Universidade Católica de
dessas interpretações. Pelotas (UCPel, 1989), Mestre em
História pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS, 1996), e
O texto estrutura-se em três seções. A primeira opera como o norte, pois traz os princípios Doutor em História pela Pontifícia
interpretativos. A segunda abarca as eleições de 1968 a 1976, aquelas realizadas durante o Universidade Católica do Rio Grande
bipartidarismo compulsório. A terceira é a mais longa e aprofundada, no qual são analisados os do Sul (PUCRS, 2001). Professor do
pleitos do período pluripartidário, ou seja, aqueles realizados de 1982 até 2012. Instituto de Filosofia, Sociologia
e Política da UFPel. É autor de
Propostas e contradições dos Círculos
Operários (Pelotas: Editora da UFPel,
1995) e de Coligações em eleições
Alguns pressupostos interpretativos proporcionais: a disputa para a
Câmera de Vereadores de Pelotas
De modo simplificado, a Política pode ser interpretada em duas dimensões. A primeira a concebe (1988-2008) (Pelotas: Editora da
como a realizadora dos grandes eventos, necessariamente geral, ampla, voltada a projetos que UFPel, 2009).
englobam a “polis” como um todo. A Política é vista, então, como uma energia que transforma
sonhos e ideias aparentemente inviáveis em propostas e realizações (ou, ao menos, tem a intenção
de transformá-las, pois nem sempre a fortuna sorri para ela). Logo, está marcada pela capacidade
de propor soluções e de ter a disposição para vencer adversidades.

Há uma segunda dimensão da Política, aquela com a qual estamos mais acostumados. É a sua
face concreta: a disputa entre diferentes atores em busca do poder. Jamais a Política deixará de
ser assim. O problema surge quando ela se apresenta apenas desse modo, sem estar associada
à capacidade de formular, de sustentar e de promover projetos coletivos que visam ao interesse
público e, se efetivados, modificam a vida em comum, o viver em contato com os semelhantes, em
realidade, constitutivo da condição humana. Sem a perspectiva de abranger a primeira dimensão,
a Política se torna demasiadamente mesquinha, restringe-se a uma luta pelo poder, na qual os
vencedores não têm capacidade de realizar algum projeto, sustentam-se a partir do poder obtido,
parasitando-o e este se torna fim, quando é sempre meio.

As relações políticas locais podem ser interpretadas a partir dessas duas dimensões da Política.
Pelotas, pensada como coletividade, empobreceu ao longo do tempo2, sua matriz econômica
perdeu dinamismo e capacidade de geração de recursos3. Ela não conseguiu articular esforços
efetivos com vistas a dar novos rumos a essa base produtiva, a manter e/ou recuperar os patamares
econômicos do passado, e distribuir mais equitativamente a renda, de modo a superar o fosso
social que a caracteriza desde os tempos do regime escravocrata a partir do qual constituiu sua
opulência inicial. Antes de ser uma responsabilidade dos agentes econômicos, cabe à Política
realizar tal missão, pois ela é quem deve pensar grandes projetos de interesse público, promover
transformações que, em muitos casos e em um primeiro momento, não interessam nem aos
próprios beneficiários dessas mudanças4.

Nessa perspectiva, historicamente os governantes locais demonstraram não possuir projetos ou


não formularam projetos factíveis e, o que é tão grave quanto, não apresentaram capacidade de
mobilização da sociedade para buscar tais soluções. Como parte desse arranjo perverso, possíveis
soluções para as dificuldades ou perspectivas de superação não são bem vindas, pois podem
dilapidar os nichos de recursos a partir do qual os diferentes grupos políticos se sustentam e se
credenciam a pleitear o bem maior, o poder local, visto não existirem amplas perspectivas de eles
avançarem para além dessas fronteiras. Os diferentes interesses – apesar de convergirem para o
mesmo ponto: o controle da prefeitura –, formam uma rede de vetos, de modo que qualquer
interesse já contemplado, que possa ser ameaçado, mesmo diminuto, é intensamente preservado,
visto ser “próprio” e render dividendos, ainda que a mudança ou a alteração traga a perspectiva
de ampliação de ganhos, seja para esses próprios interesses, seja para a coletividade como um
todo. Assim, não é que “coisas” não aconteçam e nem avancem, elas de fato ocorrem, porém
com um retardo temporal, uma limitação institucional que a impede de produzir a totalidade dos
resultados possíveis e, obviamente, a distância só aumente em comparação a espaços em que tais
inovações e aprimoramentos se deram anteriormente e/ou com maior intensidade.

Ao não conseguir contemplar a primeira dimensão da Política, Pelotas fica circunscrita à segunda.
Repete-se: a política pensada como luta pelo poder é inevitável, e não pode ser vista como ruim
ou negativa por conta disso; porém ela assume tais características, quando se reduz a tal. No
caso específico, como esse conflito é decidido, não exclusivamente, mas essencialmente, pelo
eleitor por meio do voto, a disputa nas eleições torna-se vital, um jogo cercado de tensões e de
alta intensidade, promovido periodicamente. Os grupos vencedores têm o privilégio de: governar
durante um determinado tempo; exercitar algumas práticas de gestão pública e desenvolver
políticas públicas (muitas delas necessárias e que trazem ganhos à vida cotidiana da população,
mas são paliativas e reativas, solucionam problemas já estabelecidos, não evitam a causa dessas

164
dificuldades e/ou projetam soluções definitivas); dividir com aliados (antigos e novos) os benefícios
de controlar os recursos públicos, bem como a rede de cargos e de empregos a eles associados.

Ainda é possível comentar o comportamento do eleitorado local nessas circunstâncias, o que será
realizado na sequência do texto. Antes, é preciso lembrar que Pelotas tem uma longa tradição
de eleições diretas para prefeito. Estas têm sido realizadas de modo ininterrupto desde 1947. Ao
contrário das capitais dos estados e de aproximadamente 150 municípios considerados área de
interesse da segurança nacional ou estações hidrominerais pela ditadura civil-militar e que, por
isso, entre 1965 e 1985, não puderam escolher diretamente o chefe do executivo municipal, o
eleitorado pelotense comparece periodicamente às urnas há quase 70 anos para decidir quem vai
governá-lo.

Nesse período, houve 16 disputas5. Em média, uma a cada quatro anos, acompanhando o tempo
de mandato do titular do cargo. Afastamentos das urnas para além desse interregno decorreram
de ampliação do mandato do prefeito, jamais de interrupção do calendário eleitoral. São três
casos: Edmar Fetter (PSD), eleito para quatro anos em 1963, acabou por governar por cinco
anos e a eleição prevista para 1967 foi realizada no ano seguinte6; Irajá Rodrigues (MDB-PMDB),
eleito para quatro anos em 1976, teve o mandato ampliado para seis, em função da protelação
das eleições de 19807; situação semelhante à vivenciada por Bernardo de Souza (PMDB), eleito
em 19828. A ressalvar que tanto Irajá quanto Bernardo não cumpriram seis anos de mandato.
O primeiro renunciou no início de 1982, com vistas a disputar (e obter) o cargo de deputado
federal nas eleições daquele ano, sendo substituído pelo Presidente da Câmara, Pedro Machado
Filho (PMDB)9. O segundo fez o mesmo em 1987, pois aceitou a nomeação para ser secretário
de Educação do governador Pedro Simon (PMDB). Bernardo foi substituído pelo vice, José Maria
Carvalho da Silva (PMDB), que exerceu o cargo até o término do mandato, em primeiro de janeiro
de 1989.

Porém, essas eleições para prefeito foram realizadas sob três conjuntos de regras institucionais.
No primeiro deles, entre 1947 e 1963, o país vivenciou eleições livres e um regime pluripartidário,
no qual se destacavam três forças: PSD, PTB e UDN. No segundo, entre 1968 e 1976, na vigência
da ditadura civil-militar, apenas dois partidos podiam ter existência legal e concorrer: Arena, de
sustentação ao regime, e MDB, a oposição consentida. No terceiro, existente de 1982 até hoje,
voltou a ser possível o pluripartidarismo. Este pode ser subdividido em dois períodos (1982-1992;
1996-2012), se for considerado que, em 1996, Pelotas passou a contar com a possibilidade de
realização de 2º turno10.

O quadro 1 apresenta os vencedores das eleições majoritárias de âmbito municipal, realizadas


desde 1968 e o partido ao qual estavam filiados. Ele permite uma visão geral dos resultados e
subsidia os comentários e as análises que serão realizados nas próximas seções.

165
Quadro 1 – Prefeito e vice-prefeito eleitos, e partido pelo qual concorreram
(Pelotas, 1968-2012)

Fonte: TRE-RS

O Período 1968-1976

Enquanto vigorou o bipartidarismo compulsório foram realizadas três eleições (1968, 1972 e
1976). Nas duas primeiras, que abarcaram a época de maior repressão do regime, a vitória coube
à Arena. Em 1968, na estreia do mecanismo da sublegenda11, o MDB atingiu 44,26% e teve o
candidato individualmente mais votado, o ex-prefeito João Carlos Gastal. Todavia, a disputa
acabou concentrada nos dois candidatos da Arena (Francisco Louzada Alves da Fonseca e Ary
Alcântara) e foi vencida pelo primeiro pela escassa margem de 345 votos, correspondente a
menos de 1% da votação da legenda.

Apesar da derrota, Ary Alcântara foi recompensado. Quatro anos depois, conquistou a prefeitura
como candidato único da Arena. Somou 40.494 votos (54,80%) contra 33.394 (45,20%) do
candidato, também único do MDB, Antônio Carapeto Fernandes, que tinha o ex-prefeito João
Carlos Gastal como vice.

166
Quadro 2 – Resultado da eleição para prefeito (Pelotas, 1968-1976)

Fonte: TRE-RS

Em 1976, o cenário era outro: a abertura lenta e gradual havia começado, o MDB obtivera
resultados eleitorais significativos em 1974, especialmente na disputa para o Senado, e as
perspectivas nos grandes colégios eleitorais, de base essencialmente urbana, para as eleições
municipais daquele ano eram promissoras (REIS, 1978; SOARES, 1988). A ditadura civil-militar
tinha clareza que corria o risco de sofrer nova derrota em 1976, de modo que adotou medidas
para tentar reverter o quadro. A principal delas foi criar a “lei Falcão”, que restringia os recursos
que poderiam ser utilizados pelos partidos no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral12, em
mais um dos casuísmos que a caracterizaram no campo da representação política e que Fleischer
(1988) chamou de “desventuras da engenharia política”.

O MDB venceu nos principais municípios brasileiros em que havia eleições diretas, ou seja, grandes
cidades do interior, pois, como já destacado, as capitais estavam a “salvo” desse perigo. Em
Pelotas, não poderia ser diferente. O eleito, Irajá Rodrigues, era jovem, tinha 40 anos, formado
em direito e servidor da exatoria estadual. Embora natural do município, aparecia quase como
um desconhecido, pois retornara há poucos anos a Pelotas, não tinha carreira política prévia em
escala local e a experiência nesse campo se resumia a um mandato como vereador em Marau,

167
obtido em 1963, ainda pelo PTB, e uma candidatura sem sucesso a prefeito daquele município
em 1968, já pelo MDB. Apesar desse currículo, Irajá foi o candidato mais votado do pleito (30.368
votos); superou com folga o outro concorrente do MDB, o ex-vereador e ex-deputado estadual
Enilton Grill, ao obter 64,46% dos votos da legenda; e, principalmente, venceu uma disputa
acirrada com os candidatos da Arena, o vice-prefeito Fuad Selaimen e o secretário municipal Indú
Ferrari. O MDB abriu 1.785 sufrágios de vantagem e atingiu 51,97% dos votos.

O primeiro governo de Irajá foi aquele que mais se aproximou da Política em sua primeira dimensão,
utilizada para projetar o futuro, realizar transformações e basear-se em um modelo ambicioso de
mudanças na coletividade. Embora oposicionista, surfou na onda dos investimentos e dos incentivos
promovidos pelo governo federal, especialmente aqueles relacionados à histórica matriz industrial
pelotense, o setor de alimentos; e soube obter linhas de crédito e integrar-se a políticas públicas
nacionais no setor de infraestrutura urbana. Os avanços foram sentidos principalmente nessas duas
áreas, de modo que grande parte da orientação do crescimento urbanístico ainda hoje vivenciado
pelo município teve suas bases lançadas pelas avenidas, vias de acesso e novos empreendimentos
realizados nesse período, que modificaram a face da cidade e preparavam o desenvolvimento
futuro13. Apesar disso – ou talvez em razão disso – as finanças públicas sofreram: endividamento,
déficit público, atraso no pagamento de fornecedores e servidores marcaram a administração, o que
foi agravado pelo cenário econômico recessivo do início dos anos 1980 e os reflexos que a atividade
local sofreu, especialmente a indústria de alimentos14.

Foi a partir da eleição de 1976 que o eleitorado local passou a manifestar a tendência que se
tornou uma de suas características marcantes desde então: o caráter antimajoritário. Mais do
que uma cultura política rebelde ou uma tendência oposicionista firmemente consolidada em
bases ideológicas, tal característica parece corresponder a uma constante, longe de ser imotivada,
insatisfação e inconformidade com a realidade vivenciada. Tal sensação se expressa por meio
da punição ao grupo político no poder. Em poucas oportunidades, este conseguiu manter o
apoio anteriormente conquistado e garantir um novo mandato. Enfim, mergulhado em crise
e sem perspectivas de avanços, o eleitorado pelotense não se mostra satisfeito com o poder
nacional, estadual e tampouco local, cujas melhorias que eventualmente tenha(m) realizado, não
são identificadas no cotidiano do município.

Ao vislumbrar uma política que não oferece alternativas efetivas de melhoria, prepondera no
eleitorado a desconformidade, a busca por uma nova opção, a qual, nem por isso, manifesta-se na
escolha de alternativas melhores ou mais capazes do que aquelas que estão no poder e, em função
disso, foram repudiadas. É o novo que aparentemente tem méritos porque não é conhecido, e não
porque traga ideias e práticas inovadoras, e que, desse modo, logo será o que os que o antecederam
já são ou se tornaram: tão velho quanto. Tal insatisfação não subsidia necessariamente uma escolha
política amadurecida, e sim, e muito corriqueiramente, a busca por soluções salvacionistas ou,
pior, por aqueles nas quais nenhuma solução é apresentada, o que consagra, por isso mesmo, a
capitulação de qualquer expectativa em torno da Política em sua primeira dimensão.

O Pluripartidarismo (1982-2012)
Vejamos, então, como esse cenário se manifestou nos pleitos pós-1976. Em 1982, o PMDB foi
o único partido a se utilizar da sublegenda, tendo como candidatos dois secretários do governo
Irajá: Bernardo de Souza, Procurador-Geral do município e, depois, chefe da Coordenadoria
de Serviços e de Ação Comunitária, uma espécie de supersecretaria que reunia os setores de
serviços urbanos e de assistência social; e Edgar Henrique Kléver, que respondia pela secretaria
de planejamento, responsável pelas inovações urbanísticas que caracterizavam o governo. O PDT

168
lançou o ex-prefeito João Carlos Gastal e o PT, o operário Luiz Carlos Volcan. O PDS apresentou
o ex-candidato a vice-prefeito em 1976, Carlos Alberto Brod.

Tabela 1 – Resultado da eleição para prefeito (Pelotas, 1982)

Fonte: TRE-RS

Em um panorama de redemocratização, no qual a luta pelo fim da ditadura era mais forte que
qualquer outra questão, o eleitorado reafirmou a tendência oposicionista da eleição anterior e
reelegeu o partido do prefeito Irajá15, com 46,8% dos votos e 4.688 sufrágios de vantagem. O
vencedor foi Bernardo de Souza, líder da sublegenda mais votada do PMDB, mas ele não foi o
candidato individualmente mais votado, posto que coube a Brod (PDS).

Tabela 2 ‒ Resultado da eleição para prefeito (Pelotas, 1988)

Fonte: TRE-RS

O caráter contramajoritário do eleitorado pelotense, que havia se manifestado nas urnas em


1976 e em 1982, manteve-se na eleição de 1988, mas com novos elementos. Este pleito era
unicamente municipal, logo, ao inverso do que ocorrera em 1982, em que também houve a escolha
de governador, senador, deputado federal e estadual, dessa vez as peculiaridades locais poderiam
aflorar com toda a força que normalmente as caracterizam. Assim, tudo indicava que se repetiria o
cenário ao qual o eleitorado já estava acostumado e haveria uma disputa entre PMDB (antes MDB)
e PDS (antes Arena), ainda mais considerando o calibre dos candidatos apresentados: o PMDB tinha
o ex-prefeito Irajá Rodrigues, então no segundo período como deputado federal (eleito em 1982 e
em 1986); o PDS investiu em um quadro emergente, o vereador de primeiro mandato e suplente de
deputado federal (1986) Fetter Júnior, herdeiro de uma família de políticos (o avô, Adolfo, e o tio,
Edmar, haviam sido prefeitos). Os outros concorrentes não tinham o mesmo destaque: o PT lançou
o vereador em segundo mandato Flávio Coswig, com passagens por MDB-PMDB e PCB; o PSDB,

169
que estreava nas urnas, apostou em um ex-secretário do governo Bernardo, o advogado e professor
universitário José Luis Marasco Cavalheiro Leite; e o PDT, preferiu o médico Anselmo Rodrigues,
que havia concorrido sem sucesso a deputado federal há dois anos.

Entretanto, tais expectativas não se confirmaram nas urnas. “Os favoritos Irajá e Fetter Júnior
desconheceram os demais candidatos, realizaram uma campanha acirrada um contra o outro,
centrada em promessas mirabolantes (restaurante flutuante, trem bala unindo a cidade a Porto
Alegre)” (BARRETO, 2009a, p. 23). Anselmo ganhou espaço como alternativa a essa polarização,
especialmente por adotar a fala característica de Leonel Brizola, servir-se de um discurso popular,
voltado aos mais pobres e aos moradores da periferia, capitaneado pelo bordão “vamos fazer
um governaço”. Como resultado, venceu o pleito com relativa facilidade, tendo obtido quase 20
pontos percentuais de vantagem sobre o 2º colocado (Tabela 2).

Não são apenas fatores de ordem local que explicam tal resultado, é preciso considerar as
condicionantes nacionais. O país já vivenciava plenamente o pluripartidarismo: a crise que se
abatera sobre as duas grandes legendas pós-reforma de 1979 (primeiramente sobre o PDS, no
final da ditadura; depois sobre o PMDB, em razão do desgaste generalizado do governo Sarney),
somada às facilidades para a criação de novas legendas, à legalização dos partidos comunistas e à
ausência de desestímulos institucionais à troca de partido, fez com que o “mercado partidário” se
tornasse mais fragmentado, instável e competitivo16. O eleitorado estava descrente nas legendas
e buscava “novas alternativas” (Lamounier, 1989)17. Apesar disso, não se pode negligenciar o
destaque que o PDT então apresentava no Rio Grande do Sul: havia obtido boa votação na
disputa para governador em 1982, conquistara a prefeitura de Porto Alegre em 1985 e, no futuro,
Brizola teria um desempenho arrasador na eleição presidencial de 198918 e o partido elegeria o
governador do estado em 1990. Nesse sentido, as peculiaridades do candidato Anselmo casavam
com a figura e os valores políticos encarnados pelo PDT e, mais especificamente, o líder Brizola.

Tabela 3 ‒ Resultado da eleição para prefeito (Pelotas, 1992)

Fonte: TRE-RS

Na eleição municipal seguinte, em 1992, seis candidatos se apresentaram, os quais reuniam 12


partidos. Em ambos os casos, novo recorde. O PDT, com o secretário municipal Sérgio Souza
Soares, e o PST, com o magistrado Antônio Kleber Mathias Neto, sustentavam candidaturas sem
outros apoios partidários, tendo ao lado quatro coligações. Uma delas, o “Movimento de Oposição
Popular”, era formada por PMDB, PSDB e PCdoB em torno de mais uma candidatura de Irajá
Rodrigues. Além de ter perdido a disputa municipal de 1988, o ex-prefeito não conseguira renovar
o mandato de deputado federal em 1990. O PT capitaneava a “Frente Popular”, formada ainda
por PPS e PSB, que tinha como candidata a vereadora em primeiro mandato Cecília Hypolito. A

170
“Aliança por Pelotas” era composta oficialmente por PDS e por PL, e tinha o apoio informal do
PTB19. O candidato apresentado era uma das novidades do pleito: Érico Ribeiro, um dos principais
empresários da região. Apesar de ter militância partidária desde os anos 1960, ele era quase um
novato nas urnas, pois a participação se restringia a uma disputa para vereador no município de
Santa Vitória do Palmar, ainda nos anos 1960 (SIAS; BARRETO, 2004, p. 115). Talvez por isso,
o vice era o ex-prefeito Francisco Louzada Alves da Fonseca. Por fim, o PFL, coligado com o
PRN, lançou uma chapa “retrô”, intitulada “Pelotas em 1º lugar”. O candidato era Ary Alcântara,
ex-prefeito (1973-1977) e ex-deputado federal (1967-1973, 1980-1982), então em decadência
política. Ele não conseguia um êxito eleitoral há 20 anos, quando vencera o pleito municipal,
tendo ficado como suplente de deputado federal em 1978 e em 1982, e de deputado estadual
em 1990. O vice era o candidato derrotado a prefeito em 1982 pelo PDS, Carlos Alberto Brod.

As urnas mostraram o fracasso do PDT e de Sérgio Souza Soares, que tinha a difícil missão de
defender o controvertido governo de Anselmo Rodrigues. Sem experiência política e com pouco
apelo popular, o candidato ficou em antepenúltimo lugar. A lanterna coube à candidatura do
nanico PST. O PT continuou a apresentar crescimento junto ao eleitorado, atingindo o 3º lugar,
com 15,21% dos votos, mas não chegou a ameaçar os favoritos.

Quem venceu a disputa foi o PMDB de Irajá Rodrigues por pequena margem de votos sobre o PDS
(2.561). Dois fatos foram decisivos para esse êxito: a proposta de implantar transporte coletivo
gratuito no município, o que entusiasmou uma parcela significativa do eleitorado; e a divisão
dos partidos de direita20. Apesar de o candidato do PFL ter obtido uma votação pequena (3,82%),
que o deixou em penúltimo lugar, esse contingente teria sido suficiente para garantir a vitória
do PDS. Assim, se essas forças tivessem se mantido unidas como estiveram durante o período do
bipartidarismo (como Arena) e em 1982 (como PDS), ou coligadas, como fizeram em 1988 com a
“Aliança Democrática”, teriam obtido 58.548 votos e superariam os 55.395 atingidos pelo vencedor.

Tabela 4 ‒ Resultado do 1º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 1996)

Fonte: TRE-RS

A eleição de 1996 trouxe uma inovação institucional significativa para o processo eleitoral pelotense:
o município atingiu os 200 mil eleitores, logo, as disputas passariam a contar com a possibilidade de
realização de 2º turno, caso nenhum candidato obtivesse a maioria absoluta dos votos válidos. Mais
do que uma possibilidade, tornou-se uma regra e em todas as disputas desde então ocorreu 2º turno.

Houve seis candidaturas, que reuniam 11 partidos. O PPB concorreu de modo isolado, tendo lançado
mais uma vez um novato na política, o médico Roger Castagno21. A diferença é que ele não tinha o
perfil vinculado ao setor primário que caracterizava o partido e seus três últimos candidatos (Brod,
Fetter Júnior e Érico). O PMDB também não coligou e optou pelo secretário municipal e um dos
candidatos a prefeito em 1982, Edgar Henrique Kléver. As outras quatro candidaturas eram fruto de

171
coligações: o PDT, tendo o apoio do PCdoB, formou a “A Força do Povo” e apresentou o ex-prefeito
Anselmo Rodrigues; o PTB e o PL se aliaram em torno de uma chapa formada pelos vereadores em
primeiro mandato Valnei Tavares (prefeito) e José Arthur (vice); o PSDB, ao lado do PFL, indicou
o nome do vice-prefeito Michel Halal para liderar a aliança “Pelotas 2000”; e o PT, tendo como
apoiadores PPS e PV, lançou um nome desconhecido do eleitorado, o líder sindical e funcionário
público federal Fernando Marroni, que, em sua primeira disputa (1992), não conseguira se eleger
vereador22. Um sétimo candidato chegou a ser apresentado, Mário Filho (PSB), mas ele se retirou da
disputa e apoiou informalmente o candidato do PT.

Nessa eleição, vários postulantes eram “novatos” na política e procuravam encarnar esses valores
junto ao eleitorado: não tinham qualquer experiência eleitoral ou possuíam pouco contato com
este tipo de pleito, ainda não haviam colhido sucesso nas urnas ou consolidado a carreira. Cabem
nesses casos: Castagno, Tavares e Marroni e, em alguma medida, Halal, que, apesar de ser o vice-
prefeito e de ter exercido o cargo de secretário da saúde no segundo governo Irajá, despontara
ao eleitor há apenas quatro anos. Eram velhos conhecidos apenas Anselmo e Kléver. Apesar disso,
as urnas acabaram por consagrar uma dessas figuras carimbadas.

O governo Irajá deu origem a duas candidaturas e ambas sofreram com a insatisfação em relação
à administração, que não cumpriu sua principal promessa de campanha (“ônibus de graça”),
mostrou-se desarticulada e ineficiente, e naufragou em uma série de projetos megalomaníacos
e de difícil, quando não de inoportuna, viabilidade, como: a refundação do Banco Pelotense, a
separação da Metade Sul do Rio Grande do Sul e a criação do estado do Piratini. A do PMDB,
mais claramente identificada como “governista”, ficou em último; e a do PSDB, que vivia a
ambiguidade de ser de situação e de não querer soar como continuidade do prefeito Irajá,
finalizou em 5º e penúltimo lugar. Outro partido até então competitivo nas disputas para prefeito
e que fracassou nas urnas foi o PPB, que ficou com o 4º lugar (Tabela 4).

A candidatura do PTB, a única lançada pelo partido até hoje, pois ele sempre preferiu apoiar
outros nomes, teve um desempenho destacado ao obter o 3º lugar, especialmente em comparação
ao fracasso de PMDB e PDS. No entanto, a exemplo do PT em 1992, ficou a uma boa distância
das duas que se credenciaram ao 2º turno. A 1ª rodada de votação trouxe a vitória do PDT e de
Anselmo Rodrigues. Assim, eles se credenciavam a retornar ao comando do município, o que
foi confirmado no 2º turno23. O 2º colocado nas duas rodadas foi o PT, que, apesar da derrota,
galgou mais um degrau e atingiu patamar inédito no município.

Nessa primeira experiência em Pelotas, o 2º turno reuniu dois partidos identificados com o campo
da esquerda: PT e PDT, ambos de oposição aos governos nacional (liderado pelo PSDB) e estadual
(comandado pelo PMDB) – sem contar o municipal –, em um cenário contramajoritário que vinha
se repetindo desde 1976. No entanto, a dinâmica da disputa fez com que, de fato, Anselmo se
tornasse a preferência dos partidos de direita, embora estes não o tivessem apoiado formalmente.
Ele passou a encarnar o “mal necessário” para evitar que o PT, opção tida então como a mais
perigosa e ameaçadora, chegasse ao poder. E foi, aliás, o que aconteceu. Devem-se ponderar,
ainda, as circunstâncias locais que acirraram a campanha:

(...) foi o PT o principal partido a fazer oposição à primeira gestão de Anselmo na


Prefeitura, entre 1989 e 1992. A legenda foi responsável, junto com a bancada do
PSB, pela instauração de uma CPI para averiguar denúncias contra o governo, o que
gerou uma série de ações judiciais a partir das quais Anselmo foi, durante a segunda
gestão, afastado do cargo (BORGES JÚNIOR, 2009, p. 90).

172
Tabela 5 - Resultado do 1º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 2000)

Fonte: TRE-RS

Passados mais quatro anos, em 2000, havia outra novidade nas regras institucionais: a possibilidade
de o prefeito concorrer à reeleição. Foi o que Anselmo tentou em candidatura isolada pelo PDT,
tendo outras duas candidaturas na mesma circunstância: a do PSDB, com o médico Alexandre
Britto, e a do PV, com Nélson Ribeiro. As outras eram fruto de coligação: PPS, com o radialista Luis
Marques, e mais três pequenos partidos, PHS, PTN e PST24; Fernando Marroni e a “Frente Popular”,
dessa vez formada por PT, PSB, PCB e PCdoB; o suplente de deputado federal em exercício do cargo
Nelson Harter, do PMDB, em coligação com o PTdoB; e Leila Fetter, esposa do deputado federal em
terceiro mandato Fetter Júnior (eleito em 1990, 1994 e 1998), do PPB, legenda que, pela terceira
vez consecutiva apostava em um candidato sem experiência eleitoral, e tinha o apoio de PFL, PTB
e PL, na coligação “Um Novo Tempo”, que repetia integralmente a aliança formada em 1988. No
total, eram seis candidatos e 16 partidos, número recorde de legendas participantes.

A conturbada segunda administração de Anselmo e do PDT – permeada por CPIs para investigar
decisões do governo e conflitos com o legislativo, condenação na justiça, prisão e afastamento
do prefeito por longo tempo25 – foi repudiada nas urnas e encerrou em 4º lugar. Pior que ele,
só o PSDB e as duas candidaturas nanicas, do PPS e do PV. O PMDB ficou em 3º lugar, a certa
distância do PPB, que fechou o 1o turno em 2º lugar, e do líder PT (Tabela 5). O PT confirmou a
vitória no 2º turno, ao abrir 10.533 votos de vantagem, e consagrar o crescimento que a legenda
vinha apresentando desde a primeira disputa, em 1982.

O cenário do 2º turno apresentou algumas diferenças não desprezíveis em relação ao de 1996.


A primeira delas, além da inversão do resultado final, é o fato de o PT estar no comando do
governo estadual com Olívio Dutra. O próprio Marroni já era um candidato conhecido do eleitor,
que o havia recompensado em 1998 com a eleição para deputado federal, sendo o mais votado
no município26. Outra é que, dessa vez, os partidos de direita não precisaram fazer uma opção
pragmática para evitar o mal maior, pois o PPB se credenciou ao 2º turno e o transformou em
um confronto claramente polarizado entre esquerda e direita. Contudo, ao inverso de 1996, dessa
vez a vitória coube à esquerda.

173
Tabela 6 - Resultado do 1º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 2004)

Fonte: TRE-RS

Em 2004, havia sete candidatos, os quais vinham apoiados por 15 legendas, nova marca nos dois
casos. Marroni se apresentou como postulante à reeleição pela “Frente Popular”, agora formada
por PT, PCdoB e PL. Repetindo a parceria que levara Lula à presidência nas eleições de 2002, o vice
era o pastor evangélico e vereador em primeiro mandato do PL, Adelar Bayer. Surgiu um candidato
originado das fissuras produzidas pelo exercício do governo: o vice-prefeito Mário Filho (PSB), que,
rompido com a administração desde abril de 2004, chegou a montar o gabinete na praça Coronel
Pedro Osório, à frente da sede da prefeitura, em um gesto político dotado de dramaticidade que
ajudou a consolidar a imagem de intolerância do governo Marroni e que foi explorado na campanha.

O PDT pela quarta vez apresentou Anselmo Rodrigues como candidato. Porém, problemas com a
Justiça Eleitoral levaram à cassação da candidatura. Ele foi substituído pela filha, Adriane Rodrigues,
ex-deputada estadual (1999-2003). Uma coligação formada pelos nanicos PMN, PTdoB e PHS,
denominada “Aliança Liberta Pelotas”, apresentou o presidente do sindicato dos comerciários, José
Luiz Porto Ferreira. O PMDB, afastado do governo municipal desde 1996, lançou de modo isolado
candidato próprio. O primeiro nome escolhido, Hipólyto Ribeiro, abandonou a disputa e coube
ao advogado Luiz Eduardo Longaray, originalmente indicado a vice-prefeito, levar a candidatura
adiante. A coligação “Mais Pelotas” reuniu PFL e PSDB em torno do vereador em primeiro mandato
Gilberto Cunha, um dos mais acirrados opositores da administração Marroni. O vice era o advogado
e professor universitário Matteo Chiarelli, filho do ex-senador Carlos Alberto Chiarelli.

Por fim, a coligação “Unidos por Pelotas” tinha como candidato o ex-prefeito Bernardo de Souza, do
PPS, apoiado por PP, PTB e PV. O nome indicado para vice-prefeito era Fetter Júnior, então sem cargo
político, pois não conseguira o quarto mandato de deputado federal no pleito de 2002. Esta chapa
se constituía na grande novidade dentre as candidaturas. De um lado, porque era a primeira vez que
o PP, sempre com pretensões de comandar a prefeitura, não concorria com candidato próprio. De
outro, porque 22 anos após vencer a disputa à prefeitura, Bernardo se dispunha a ocupar o mesmo
cargo. Nesse interregno, foi secretário estadual (1987-1990), ficou como suplente de deputado federal
(1990), e exerceu três mandatos como deputado estadual, eleito em 1994, 1998 e 2002. Com rápida
passagem pelo PSDB, conquistou os dois primeiros períodos para a Assembleia Legislativa pelo PSB e
o terceiro pelo PPS, legenda a qual se vinculara em dezembro de 2000.

O 1º turno foi vencido por Marroni e o PT. Sem surpresas, Bernardo (PPS) se credenciou a desafiá-
lo no 2º turno. Na sequência, mas a uma larga distância em votos, apareceram: PSDB e PDT. Os
lanternas foram: PMDB, PSB e PMN (Tabela 6). Para o 2º turno, a candidatura de Bernardo de
Souza agregou o apoio de praticamente todos os demais partidos, que formaram uma frente anti-

174
PT. Gilberto Cunha, do PSDB, que havia obtido o 3º lugar, tornou-se praticamente um assessor de
Bernardo, acompanhando-o nas atividades de campanha, especialmente debates e participações na
mídia. O PT, por sua vez, não agregou nenhum apoio de peso. O resultado trouxe a virada em relação
ao 1º turno: Marroni foi derrotado por pouco mais de nove mil votos (4,76 pontos percentuais).

Bernardo de Souza, todavia, não conseguiu completar o mandato, assim como ocorrera nos anos
1980, embora dessa vez por uma razão bem diferente. Em 11 de novembro de 2005, com menos
de um ano de governo, ele se licenciou por motivos de saúde, e acabou por renunciar em 24 de
fevereiro de 200627 (Diário Popular, 24/02/2006). Assim, a prefeitura passou às mãos de Fetter
Júnior e do PP.

Tabela 7 - Resultado do 1º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 2008)

Fonte: TRE-RS

Em 2008, Fetter Júnior pleiteou a reeleição em uma disputa que contou com o recorde de candidatos
do período (e dentre todos os municípios do estado naquele ano): nove, que foram apoiados por 21
partidos, outro recorde. O prefeito capitaneava a coligação “Pelotas em Boas Mãos”, que reunia: PP,
PTB, PRB, PPS e PR28. Marroni, após perder a reeleição, havia ficado como 1º suplente de deputado
federal na eleição de 2006, apresentava-se mais uma vez a liderar a “Frente Popular”, formada ainda
por PCdoB e PSB (que voltou a somar forças ao PT, após o rompimento ocorrido em 2004). Outra
figura conhecida do eleitorado que retornava era Anselmo Rodrigues, agora livre dos problemas com
a Justiça Eleitoral, tendo como vice a filha Adriane, quem o substituíra quatro anos antes.

A chapa Gilberto Cunha e Matteo Chiarelli, que havia conquistado o 3º lugar em 2004, deu
origem a duas candidaturas. A “Aliança com o Povo” tinha cinco legendas nanicas: PSC, PTC,
PTdoB, PHS e PTN, reunidas ao PSDB e a Cunha, que até o prazo legal de desincompatibilização atuava
como diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (Daer), na administração da
governadora Yeda Crusius (PSDB). O DEM endossou a candidatura de Chiarelli, que exerceu o mandato
de deputado federal durante o segundo semestre de 2007, tendo ao seu lado o PMDB, que, pela primeira
vez, deixou de apresentar candidato próprio. A coligação recebeu o nome de “Unidos pela Mudança”.

Havia, ainda, o PSol, que estreava nas urnas em disputas municipais com a candidatura do
professor universitário Luiz Carlos Lucas. Apesar da experiência como presidente do Andes
(Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), ele enfrentava a primeira

175
eleição. Vinham a seguir três candidaturas formadas por nomes com pouca ou nenhuma
experiência nas urnas e sem relevante participação política anterior: o PV apresentou Rejane
Medeiros; o PMN, Alexandre Nunes; e o PRTB, Jesus Ribeiro.

Como resultado, PV, PMN e PRTB não atingiram nem 0,5% dos votos cada. O desempenho do
PSol também foi pouco destacado (1,53%), mas não soou como um fracasso, considerando ter
sido o passo inicial do partido nas eleições de âmbito local e que o objetivo principal era divulgar
a legenda. E ele ganha destaque comparado à votação do PSDB, que ficou em 5º com menos de
3%, especialmente se for levada em conta a pretensão do partido, que há quatro anos obtivera o
3º lugar, com 13,70% dos votos.

O PDT ficou em 4º lugar, o que praticamente sepultou as intenções de Anselmo Rodrigues


de conquistar um terceiro mandato. Após a vitória de 1996, o candidato (e o partido, por
consequência) vinha perdendo espaço junto ao eleitorado: em 2000, quando tentava a reeleição,
obtivera 16,03%; em 2004, a filha, que o substituíra durante a campanha, somara 12,02%, índice
que caiu mais um pouco em 2008 (11,74%). No pleito de 2012, a estratégia foi não apresentar
candidato e apoiar outra chapa. Anselmo concorreu a vereador, foi o candidato mais votado, com
5.801 votos, e ajudou o partido a obter três cadeiras.

Quem teve desempenho mais destacado foi o DEM, que ficou em 3º lugar, ainda assim longe
dos candidatos que se credenciaram ao 2º turno: Marroni, líder pela terceira vez seguida, e o
prefeito Fetter Júnior. Ambos praticamente empataram, pois a vantagem do PT foi de apenas 664
votos. E no 2º turno, tal como ocorrera em 2004, Marroni não teve apoio partidário e eleitoral
suficiente para sustentar a pequena vantagem. Assim, Fetter Júnior se tornou o primeiro prefeito
no exercício do cargo a conquistar um segundo mandato consecutivo. A vitória foi por uma
confortável margem: 25.818 votos ou 13,44 pontos percentuais.

Tabela 8 - Resultado do 1º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 2012)

Fonte: TRE-RS

Na disputa mais recente, em 2012, houve cinco candidaturas, sustentadas por um conjunto de 23
legendas, o atual recorde. A polêmica inicial ficou em torno de qual candidatura ostentaria a condição
de dar continuidade ao governo Fetter Júnior, inelegível por estar no segundo mandato sucessivo. A
disputa entre os aliados era grande, com vários partidos e nomes buscando tal condição. Acabaram
por surgir três candidaturas, das quais só duas sobreviveram para serem submetidas ao eleitorado.

Aparentemente, a preferida do prefeito era a capitaneada pelo PTB, que trazia o vice-prefeito
Fabrício Tavares, e tinha os apoios do PP, que indicou Cláudia Dêntice como vice, um nome
sem experiência eleitoral, e do PSD, PRB e PDT. Ocorre que, em julho de 2012, Tavares desistiu

176
de concorrer, pressionado pela existência de um vídeo que poderia inviabilizar a campanha ou
suscitar a cassação da candidatura (Diário Popular, 05/07/2012). Em razão da renúncia, esses
partidos passaram a apoiar a chapa originalmente formada por PSDB, PPS, PR e PSC, que tinha
como líder o vereador tucano Eduardo Leite, filho do ex-candidato a prefeito em 1988, José
Luis Marasco Cavalheiro Leite; e como vice a professora universitária Paula Schild Mascarenhas
(PPS), chefe de gabinete de Bernardo de Souza, quando ele fora deputado e exercera o segundo
mandato como prefeito, mas que jamais concorrera a um cargo eletivo. A aliança tinha uma
denominação que evocava a ideia de ser oposicionista ou, pelo menos, de pretender promover
mudanças na orientação política do município: “Pelotas de Cara Nova”.

A outra coligação oriunda da ampla coalizão de sustentação do governo Fetter Júnior trazia DEM
e PV, sob a liderança de Matteo Chiarelli. Apesar da denominação, “Pelotas Cada Vez Melhor”,
que acentuava a ideia de continuidade, o candidato havia resistido aos apelos para que não
concorresse, com vistas a evitar uma divisão excessiva das forças situacionistas. Fetter Júnior
declarou que, até poucos minutos antes do início da convenção do PP, esteve reunido com
Chiarelli para demovê-lo da ideia da candidatura própria e convencê-lo a aceitar o posto de vice
na chapa liderada por Fabrício Tavares (Diário Popular, 30/06/2012).

No campo da oposição, a novidade estava na coligação liderada pelo PT. Não por causa do
candidato a prefeito, novamente o suplente em exercício do cargo de deputado federal Fernando
Marroni – que atingia sua quinta submissão consecutiva e estabelecia um novo recorde no
município –, e sim porque um dos apoiadores era o PMDB, que coligava pela primeira vez com
o PT. Este indicou Dulce Harter29 como candidata a vice, esposa de Nelson Harter, deputado
estadual e ex-candidato a prefeito em 2000. Ela já havia concorrido ao cargo em 2004, em
substituição a Longaray, então alçado à condição de candidato do partido. Mais duas legendas,
ambas sem expressão, compunham a aliança: PSDC e PPL.

Outra candidatura oposicionista era a do deputado estadual em primeiro mandato Catarina


Paladini, do PSB, com apoio de pequenas legendas: PCdoB, PTdoB, PRTB, PHS, PMN e PRP, que
adotou o nome “Renova Pelotas”. Assim como em 2004, o PSB se desprendia do PT e buscava
viabilizar um nome próprio. Por fim, o PSol se apresentava com o líder estudantil Jurandir Silva,
que havia sido candidato a vice-prefeito em 2008.

Duas peculiaridades distinguem este pleito do anterior. Uma é que não apareceram os pequenos
partidos e seus candidatos ocasionais, pois todos os concorrentes tinham uma dedicação efetiva à
atividade política e ambicionavam constituir ou manter uma carreira30. A outra é que três dos cinco
candidatos (Leite, Catarina e Jurandir) nunca haviam disputado o cargo, sendo bastante jovens, com
menos de 30 anos e tinham a intenção de identificar a eleição com o desejo de rejuvenescimento da
política31. Este perfil era o que menos se adequava ao favorito para estar no 2º turno, Marroni, figura
conhecida do eleitor, bem como o fazia parecer mais veterano do que de fato era (tinha 56 anos por
ocasião do pleito). Mas também respingava em Chiarelli, que, com 45 anos, era candidato pela segunda
vez consecutiva (terceira se for contabilizado o pleito de 2004 em que concorreu a vice).

Contudo, a força do PT e do próprio Marroni se fez sentir e ele se credenciou mais uma vez ao 2º
turno. Entretanto, ao contrário do que ocorrera nas três disputas anteriores, ficou como o 2º mais
votado. O problema maior para essa candidatura é que a do PSDB conquistou o 1º posto com uma
vantagem confortável, a maior até então: quase 22 mil votos ou 11 pontos percentuais (Tabela
8). Essa vantagem só aumentou no 2º turno, tendo atingido quase 28 mil votos e 14 pontos
percentuais, o que consagrou Leite como prefeito.

Uma surpresa da campanha no 1º turno foi o PSol. Ele atingiu 25 mil votos e o 3º lugar, mas
longe dos dois primeiros. A outra foi o desempenho do PSB e de Catarina Paladini, que somou

177
menos de 20 mil votos, bem aquém das expectativas do político que, em 2008, como candidato
a vereador havia obtido mais de seis mil32 e, em 2010, fora eleito deputado estadual tendo
alcançado mais de 28 mil em Pelotas. Fracasso semelhante teve o DEM e Chiarelli, que ficou
na lanterna, com 15.800 votos (Tabela 8). Na eleição anterior, ele havia somado praticamente o
dobro (31.028) e, em 2010, quando tentou sem sucesso ser deputado federal, tivera desempenho
ainda mais expressivo no município, ao atingir 32.603 votos.

Quadro 3 – Percentual de votos somado do 1º e do 2º colocado e obtido pelo 3º colocado,


diferença em pontos percentuais entre o vencedor e o 2º colocado e deste em relação ao 3º no 1º
turno ou turno único das eleições para prefeito (Pelotas, 1982-2012)

Fonte: TRE-RS

Considerações finais
Percorrida cada uma das eleições até hoje realizadas para prefeito de Pelotas no atual período
pluripartidário, é importante ponderar alguns aspectos em relação ao conjunto desses processos
eleitorais. O primeiro deles é que, embora metade dos oito pleitos considerados tenha sido
acirrada (1982, 1992, 1996 e 2004)33, o termo que identifica com mais precisão a dinâmica dessas
disputas é “polarizada”, ou seja, circunscrita a dois candidatos que lutavam entre si pelo 1º lugar
e sem que um 3º competidor pudesse desafiá-los.

Nos pleitos disputados por maioria simples (1982 a 1992), houve duas disputas em que os dois
primeiros somaram juntos elevada quantidade de votos, brigaram intensamente entre si pela vitória,
razão pela qual os demais não tiveram chance: em 1982, atingiram 89,12%; em 1992, chegaram a
72,37%. No pleito de 1988, a vantagem foi exclusivamente do 1º colocado que abriu 18,67 pontos
percentuais sobre o mais próximo perseguidor. Houve competição apenas para saber quem chegaria
em 2º lugar e a diferença dele para o 3º colocado foi de 3,50 pontos percentuais (Quadro 3).

Entretanto, pode-se ponderar que, como essas eleições só premiavam quem chegasse em 1º lugar, a
relevância do 3º colocado era irrisória. O mesmo não pode ser dito daquelas do período 1996-2012,
em que houve 2º turno. Nesses casos, em que dois passam para a próxima rodada de votação, a
informação que mede com mais propriedade o acirramento da disputa no 1º turno diz respeito a
quão próximo o 3º se colocou do 2º mais votado. Ao analisar tais dados, verifica-se que Pelotas
vivenciou primeiros turnos que já eram antecipações do 2º, pois um 3º competidor nunca ameaçou
de fato os dois primeiros: em três oportunidades a votação dele foi igual ou menor do que a

178
diferença em relação ao 2º colocado (1996, 2004, 2008 e 2012); e em 2000, no qual figura o 3º
colocado com melhor desempenho desde que a disputa passou a contemplar 2º turno (20,13%)34 e
o menor percentual de votos somados dos líderes dentre todas as disputas (55,39%), ainda assim a
diferença entre o 3º e o 2º colocado superou o limite de 5 pontos percentuais (foi de 6,61).

Um segundo aspecto a ser ponderado na apreciação geral dos processos eleitorais do período
pluripartidário versa sobre o protagonismo eleitoral do PT registrado a partir de 199635. Um
indicador de tal destaque é o fato de o partido ter se credenciado a participar de todos os cinco
segundos turnos realizados desde então (e em três deles ter sido o mais votado na rodada inicial),
sempre tendo Marroni como candidato. Isso indica que, na prática, as demais candidaturas têm
lutado no 1º turno, antes de tudo, pela vaga restante.

Por outro lado, ter perdido quatro das cinco disputas de 2º turno (1996, 2004, 2008, 2012),
em duas dessas derrotas por virada (2004, 2008), bem como não ter conseguido reverter o
ordenamento do 1º turno quando se posicionou em 2º lugar (1996, 2012), põe em dúvida a
capacidade de o PT ampliar os apoios no 2º turno, tanto aqueles provenientes dos partidos que
não chegaram a essa etapa da disputa, quanto aqueles oriundos dos eleitores (e que são os que
realmente decidem o pleito). Como resultado, perde a disputa.

É possível, ainda, analisar cronologicamente o desempenho do partido. Em 1996, ele ficou em


2º lugar no 1º turno, posição mantida na 2ª rodada. Em 2000, tornou-se favorito da disputa,
de modo a ficar sempre na liderança. Simbolicamente, pode-se dizer que a derrota em 1996
ajudou a garantir a vitória em 2000 e que, na comparação com o PDT do prefeito Anselmo e as
demais candidaturas, o eleitorado considerou válido apoiar o PT e Marroni. Se esta leitura tem
procedência, são bastante preocupantes para o partido os resultados e os índices de votação
posteriores à vitória de 2000. Isso porque, em 2004 e em 2008, ele foi o mais votado no 1º turno
e sofreu a virada. Em 2012, nem isso conseguiu, já tendo ficado em 2º lugar desde a rodada
inicial. Ainda pior: em 2004 ele atingiu o mais alto percentual de votos no 1º turno (35,97%),
todavia, além de tal desempenho não ter sido suficiente para que confirmasse a vitória no 2º, a
votação caiu nos pleitos seguintes: foi para 33,71% em 2008 e 28,54% em 2012, aliás, muito
semelhante àquela obtida em 1996 (28,63%). Em sentido inverso, aquele que se credenciou a
enfrentá-lo no 2º turno tem apresentado desempenho cada vez melhor: em 2004, ficou 5,8
pontos percentuais atrás dele, em 2008, a apenas 0,34 de distância e em 2012, superou-o em
11,35 pontos percentuais.

Quadro 4 – Resultado do 2º turno da eleição para prefeito (Pelotas, 1996-2012)

Fonte: TRE-RS

Outro aspecto a ponderar é que nas cinco oportunidades em que disputou o 2º turno, o PT sempre
enfrentou um candidato diferente, sendo que o partido da cabeça de chapa só se repetiu uma vez
(PP). Em 1996, foram PDT e Anselmo Rodrigues; em 2000, PPB e Leila Fetter; em 2004, PPS e

179
Bernardo de Souza; em 2008, PP e Fetter Júnior; em 2012, PSDB e Eduardo Leite. Uma leitura menos
centrada nos candidatos vai revelar que, com exceção da eleição de 1996, em todas as outras, por
mais que o nome apresentado ao eleitor fosse diferente, havia um núcleo partidário comum: aquele
capitaneado pelo PP e seus aliados mais próximos ou apoiadores circunstanciais. Em 2000 e em 2008,
o oponente era do próprio PP; em 2004, o partido fornecia o vice-prefeito (Fetter Júnior); em 2012,
constituía a coligação capitaneada pelo PSDB, embora nenhum nome da legenda estivesse na chapa.

Tal remonta ao terceiro aspecto que se deseja evidenciar: o papel desempenhado pelo PP na
disputa majoritária local, o qual envolveu a peculiar situação de ter sido durante a maior parte do
tempo o 2o colocado, posição atualmente ocupada pelo PT. Até 2000, o partido havia ficado em
2º lugar em quatro oportunidades: três delas consecutivamente (1982, 1988 e 1992) e, depois,
em 2000. A única oportunidade em que ele não teve uma candidatura forte foi em 1996. O pior
para o PP é que, nesse período, os principais adversários haviam alcançado o executivo: PMDB
(1982, 1992), PDT (1988, 1996) e PT (2000).

Finalmente – e contrariando o que foi escrito acima –, em 2004, ele conquistou a prefeitura, dando
início ao atual período de controle do município por partidos de centro-direita. Porém – a confirmar
o que se afirmou –, conquistou-a sem que estivesse à frente da chapa. Nessa disputa, pela primeira
vez na história, ele deixou de apresentar um candidato próprio e aceitou o posto de vice em uma
coligação liderada por um partido pequeno, PPS, que nunca havia elegido sequer um vereador.
Contudo, este possuía um capital político que seria decisivo naquela eleição e que pesou na escolha
do PP: Bernardo de Souza. A decisão rendeu frutos importantes, pois Bernardo renunciou no início
do mandato e deixou a prefeitura para Fetter Júnior. Nessa condição, ele conquistou a reeleição em
2008, bem como conseguiu garantir participação de destaque na administração que o sucedeu36.

Por fim, resta lembrar que essa clivagem entre o PT e o bloco capitaneado pelo PP, sedimentada a
partir dos anos 2000 e os resultados registrados nos pleitos mais recentes (2004-2012) apontam
para a permanência da tendência contramajoritária nas eleições para prefeito de Pelotas, a qual
havia sido identificada entre 1982 e 2000. A diferença entre este período e aquele – e que
confirma a manutenção da tendência – é que, como as forças majoritárias mudaram a partir de
2003, com a ascensão do PT à presidência da república, ser contramajoritário passou a implicar
não apoiar essa legenda e eleger forças alternativas, ainda que o PP esteja na base de apoio do
governo nacional.

Referências
Nota Liminar: Todos os textos disponíveis na internet tiveram seus endereços confirmados no dia 26
de setembro de 2014.

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181
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de-pelotas-2939502.html>.

Notas do pesquisador
2
Tejada e Baggio (2013) mostram que, em 1959, o PIB real pelotense correspondia a 5,14% do estadual, tendo caído para 3,21%
em 1970 e para 2,77% em 2009, razão pela qual o município deixou de ser a maior economia do interior para se colocar em 5º
lugar. Em termos de PIB per capita, em 1939, o de Pelotas era 1,80 vezes maior que o do RS e, em 2009, a situação se inverteu:
o do estado passou a ser 1,72 vezes maior.
3
Esta é baseada na grande propriedade rural, com produção agrícola calcada em poucos produtos, voltada à produção extensiva,
bem como em uma indústria pouco diversificada, centrada no setor de alimentos, e em unidades produtivas de porte médio e
grande. Desse modo, intensificou-se ainda mais a tradição de Pelotas como a “cidade dos serviços”, setor que respondia por quase
70% do PIB real local em 2009 (TEJADA; BAGGIO, 2013).
4
Como afirmam Ilha, Alves e Saraiva (2002, p. 7-8): “a preferência pelo ganho certo e pela segurança são marcas do caráter
pouco diversificado da economia e da agropecuária da região [a Metade Sul do estado], e em grande parte este comportamento
conservador dos empreendedores locais, embora obedeça a uma lógica microeconômica, foi responsável pela estagnação dos
mercados locais e a consequente perda de dinamismo regional no confronto intercapitalista”.
5
Como nos cinco pleitos mais recentes (1996-2012) houve 2º turno, na prática, desde 1947 os eleitores pelotenses votaram 21
vezes para escolher o prefeito no período.
6
Nesse período, nem todos os prefeitos eram eleitos no mesmo ano. Com vistas a estabelecer um calendário unificado para as
eleições locais a partir de 1972, o mandato dos eleitos em 1963 foi prorrogado até 31 de janeiro de 1969 por intermédio do Ato
Complementar 37, de 14 mar. 1967, que também fixou o pleito para 15 de novembro de 1968 (Brasil. AC 37/67). Também houve
eleições municipais em 1969 e em 1970 (TSE, 2014a).
7
A Emenda Constitucional 14, de 09/09/1980, prorrogou até 31 de janeiro de 1983 o mandato dos prefeitos e dos vereadores
eleitos em 1976 e determinou que a renovação desses cargos ocorresse em 15 de novembro de 1982 (Brasil. EC 14/80). As eleições
de 1980 foram proteladas em razão da dificuldade que os nascentes partidos políticos enfrentavam para se organizarem, visto
que a lei que extinguiu o bipartidarismo e estabeleceu a criação de novas legendas, havia sido aprovada em dezembro de 1979.
8
A determinação de mandato de seis anos para prefeitos (e vereadores) ocorreu por meio da Emenda Constitucional 22, de 29 jun.
1982 (Brasil. EC 22/82). Logo, todos os eleitos já sabiam que teriam um mandato mais longo do que os tradicionais quatro anos.
Assim como a decisão dos anos 1960, ela pretendia regularizar o calendário eleitoral e separar temporalmente o pleito municipal
dos demais (ele ocorreria com um intervalo de dois anos em relação à escolha de governador, deputado e senador, como ocorre
atualmente).
9
O Vice Arion Louzada era candidato a deputado (estadual) em 1982 e não poderia substituir o prefeito. Todavia, ele não
conseguiu um lugar na Assembleia Legislativa (ARAÚJO; BARRETO, 2008).
10
Se em 1996, Pelotas passou a praticar uma regra existente no país desde a Constituição de 1988, quatro anos depois surgiu outra
inovação, a possibilidade de o prefeito concorrer a um segundo mandato consecutivo. Nesse caso, o município acompanhou uma
medida que estava sendo implantada pela primeira vez no país.
11
Foi criada em 1965, sob inspiração do sistema eleitoral uruguaio, aplicada nas eleições para prefeito (1968 a 1982, no caso
de Pelotas) e senador (1978 a 1986), e extinta pela Lei 7.551, de 12/12/1986. Cada partido podia apresentar até três candidatos
(sublegendas), os votos eram somados à legenda e a mais votada vencia a disputa. O cargo era ocupado pelo concorrente mais
votado do partido vencedor. Teve como motivação acomodar as disputas internas da Arena, formada por políticos oriundos de
diferentes partidos existentes entre 1946-1965 e que quase sempre não conseguiam definir um candidato único, ainda mais
porque, como ela era favorita nas disputas, tal definição equivalia à escolha do eleito (Porto, 2000).
12
Identificada pelo nome do Ministro da Justiça da época, Armando Falcão, a lei permitia apenas o uso da foto e de texto com
nome, número e currículo do candidato (os quais também podiam ser apresentados em áudio). Era vedado uso de jingles ou de
músicas com letra. O argumento era garantir a equidade entre os concorrentes, mas a intenção era, evidentemente, impedir que o
MDB pudesse manifestar críticas ao governo. Ela vigorou até as eleições de 1982 (KINZO, 1988).
13
Muito diferentes, por exemplo, do projeto “Pelotas Polo do Sul”, implantado no final dos anos 2000, com financiamento do
Banco Mundial (BIRD), que prometeu muito, mas realizou pouco em termos de transformação da infraestrutura da cidade, e serviu
principalmente como propaganda para a tentativa bem sucedida de reeleição de Fetter Júnior. À época, o prefeito afirmou que os
R$ 60 milhões – dos quais 20 seriam contrapartida do município – transformariam Pelotas em um “canteiro de obras”. O projeto foi
descrito como tendo por “objetivo melhorar a eficiência e a eficácia da administração pública do município, ampliar oportunidades

182
de trabalho e geração de renda, além de disponibilizar uma revolução na infraestrutura urbana e rural, com equilíbrio do meio-
ambiente. Entre as principais ações do projeto se destacam a capacitação do quadro funcional, aquisição de Centro Administrativo,
compra de veículos e equipamentos, plano de gestão, fortalecimento do micronegócio e ampliação do camelódromo. O projeto
prevê ainda a construção de uma central de beneficiamento de produtos agrícolas, o Parque Tecnológico, drenagem, eficientização
energética, pavimentação, recuperação e sinalização de vias, num total de 55 quilômetros, prolongamento e qualificação de
avenidas, manutenção de estradas rurais, construção e reforma de pontes e qualificação da orla do Laranjal. Para completar
a transformação do Município serão feitas obras de revitalização do Parque Dom Antônio Zattera e Praça Cipriano Barcelos,
requalificação do calçadão, qualificação da rua Lobo da Costa, ampliação do sistema de tratamento de esgoto e ampliação
do sistema de água tratada, entre outras obras cujo objetivo é promover a inclusão social e melhorar a qualidade de vida da
população” (Prefeitura, 18/12/2007).
14
O PIB real pelotense cresceu 7,03% nos anos 1970. Apesar disso, a crise já se avizinhava, pois cresceu menos do que o Rio Grande
do Sul no mesmo período (8,62%). Nos anos 1980-85, o PIB real pelotense caiu 0,27%, enquanto o estado cresceu 2,18%. Entre
1985 e 1996, Pelotas avançou 0,34%, ainda assim abaixo do RS, que subiu 0,79%. O desempenho de 1996 a 2000 foi negativo
em 0,70% frente ao crescimento de 2,53% do estado. Houve uma melhora de 1,11% entre 2000 e 2009, novamente aquém do
avanço estadual de 2,73%. Na análise agregada dessas três décadas (1980 a 2009), o PIB real local praticamente não cresceu e
esteve sempre abaixo da média estadual (Tejada; Baggio, 2013).
15
Com o final do bipartidarismo, o prefeito Irajá e o vice Arion Louzada aderiram ao PMDB. Pedro Machado Filho, que completou
o mandato, também era vinculado ao PMDB (ARAUJO; BARRETO, 2008).
16
11 legendas participaram do pleito pelotense. Em 1982, havia quatro partidos na disputa.
17
A eleição presidencial do ano seguinte comprovaria tal cenário: houve 22 candidatos e passaram para o 2º turno dois
representantes de legendas pequenas (PRN e PT), que ultrapassaram importantes líderes da transição democrática e da recente
Constituinte, como: Ulysses Guimarães (PMDB), Aureliano Chaves (PFL), Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB).
18
No 1º turno, Brizola obteve 62,66% dos votos válidos no estado. Ao apoiar Lula, ajudou-o a superar largamente Collor no 2º
turno no Rio Grande do Sul, com 68,72% dos votos (TRE-RS).
19
O partido se definiu pelo candidato do PDS após o término do prazo legal para oficialização das coligações (Diário Popular,
18/07/1992, p. 5).
20
Todas as classificações ideológicas dos partidos utilizadas neste trabalho seguem aquela proposta por Figueiredo e Limongi
(1995) e reafirmada em Krause, Dantas e Miguel (2010).
21
Para efeitos analíticos, considera-se que PDS (1982-1992), PPB (1996-2000) e PP (2004-2012) configuram a mesma agremiação.
22
Sobre a conjuntura interna do PT pelotense que levou a essa candidatura, ver: Borges Júnior (2009).
23
Os resultados do 2º turno dessa eleição, assim como das demais, encontram-se no quadro 4.
24
Apesar de ter a mesma sigla e nome (Partido Social Trabalhista) daquele que concorreu com candidato próprio em 1992, trata-
se de outra legenda. O primeiro PST fundiu-se ao PTR em 1993 e deu origem ao PP e este, em 1995, fundiu-se ao PPR (por sua
vez, decorrente da fusão do PDS com o PDC), adotou a denominação de PPB e, a partir de 2003, Partido Progressista (PP), a qual
mantém desde então. O PST que participou da eleição de 2000 existiu nacionalmente entre 1993 e 2004, quando, ao lado do
Partido Geral dos Trabalhadores (PGT), fundiu-se ao PL, legenda que, em 2006, uniu-se ao Prona para criar o Partido da República
(PR) (TSE, 2014b).
25
Nesse período, que durou quase dois anos, o vice Otelmo Demari Alves (PDT) comandou a prefeitura. Para mais detalhes, ver:
Santos (2001).
26
Ele superou Fetter Júnior, que havia sido o candidato a deputado federal mais votado no município nos dois pleitos anteriores
(1994 e 1990) (TRE-RS).
27
Ele faleceu em 16 de junho de 2010, aos 67 anos, em decorrência de uma doença neurológica degenerativa (Zero Hora,
16/06/2010).
28
O maior percalço enfrentado foi a desistência do vereador José Sizenando (PPS), indicado a vice, que se desentendeu com o
prefeito e preferiu pleitear mais um mandato na Câmara. Sizenando, que mantém uma ampla rede de prestação de serviços à
comunidade, havia sido recordista de votos em 2004 (mais de oito mil). Ele foi substituído por Fabrício Tavares (PTB), filho de
Valnei Tavares, 3º colocado na eleição para prefeito de 1996, e candidato a vice na chapa liderada por Leila Fetter, em 2000,
derrotada no 2º turno por Marroni.
29
O primeiro nome apresentado pelo PMDB foi o do vereador e radialista Adalim Medeiros, sete mandatos consecutivos (1982-
2012), mas ele desistiu, após ser impugnado pela Justiça Eleitoral local. A prestação de contas do período em que exercera a
presidência do legislativo, em 2009, havia sido rejeitada pelo Tribunal de Contas do Estado e ele foi incluído na Lei de Ficha Limpa.
30
Leite e Catarina, apesar de bacharéis em Direito, não exerciam atividade outra que não a de político. O mesmo vale para o
agrônomo por formação, Jurandir Silva, e o deputado federal Fernando Marroni. O único dos candidatos que tinha outra atividade
profissional era Chiarelli, advogado e professor universitário.

183
31
Catarina da coligação “Renova Pelotas” destacou que “Pelotas quer mudança”. E Leite, da aliança “Pelotas de Cara Nova”, que
“está explícito que há um clamor pela renovação” (Sul21, 22/08/2012).
32
Apesar dessa votação, a segunda maior dentre os candidatos a vereador, ele não foi eleito, pois a legenda pela qual concorreu,
o PCdoB, não atingiu o quociente eleitoral. Para mais detalhes, ver: Barreto (2009b).
33
O critério para classificar uma eleição como “acirrada” é a existência de uma diferença de até 5 pontos percentuais entre o
vencedor e o 2º colocado. Assim, poderia ser acrescentado à relação o 1º turno dos pleitos de 2000 e de 2008, embora a vitória (2º
turno) tenha se dado por uma vantagem mais ampla.
34
O 3º colocado do pleito de 1988 foi o que teve o melhor desempenho dentre todos: 21,95%.
35
Por protagonismo se quer dizer a condição de disputar a vitória, o que não se confunde com crescimento eleitoral. Se o critério
for esse, o avanço do partido retroage ao início do período. Todavia, os resultados obtidos em 1988 e em 1992 (respectivamente,
6,67% e 15,21%) em relação a 1982 (1,95%), ainda não garantiam um protagonismo político.
36
Alguns dos principais nomes da equipe de Fetter Júnior foram mantidos por Eduardo Leite, como: Arita Bergmann, titular da
pasta da Saúde; Jair Seidl, chefe da Unidade de Gerenciamento de Projetos, ambos ligados ao PMDB; Caco Villar, secretário de
obras e serviços urbanos, e Abel Dourado, que passou de chefe de gabinete a coordenador de estratégias e gestão. Esses dois
últimos filiados ao PP, que ainda emplacou: Tiago Bünchen, chefe de gabinete, e Jacques Reydams, presidente do Sanep (Serviço
Autônomo de Abastecimento de Águas de Pelotas), uma das autarquias mais importantes do poder municipal.

184
185
146 147 14

152 153 154

146. Rua Andrade Neves, entre Rua Senador Mendonça e Rua Major Cícero. Cine Rádio Pelotense, ainda em suas funções originais. Década de 1990. 147. Avenida
Bento Gonçalves, entre Rua Barão de Santa Tecla e Rua Mal. Deodoro. Theatro Avenida. Década de 1990. 148. Vista parcial do Instituto São Benedito, desde a esquina
da Rua Miguel Barcellos, esquina Praça José Bonifácio. Década de 1990. 149. Rua Almirante Barroso. Antiga Escola do Círculo Operário Pelotense, atual Escola Estadual
Nossa Senhora Medianeira. Década de 1990. 150. Rua Padre Felício, entre Rua Andrade Neves e Rua XV de Novembro. Albergue Noturno Pelotense. Década de 1990.
151. Vista parcial do complexo da antiga Fábrica Lang, na Rua Gonçalves Chaves. Década de 1990.
48 149 150 151

155 156 157 158

152. Fachada da Residência dos proprietários da antiga Fábrica Lang, na Rua Gonçalves Chaves, junto ao complexo fabril. Década de 1990. 153. Avenida Dom Joaquim
Ferreira de Mello. Fachada do Seminário Diocesano. Década de 1990. 154. Rua Gal Osório, quase esquina Rua Doutor Amarante. Antigo Cine Tabajara, poucos anos
antes do encerramento de suas atividades como cinema. Década de 1990. 155. Antigos Casarões na esquina da Rua Lobo da Costa com Rua Mal. Deodoro. Ambos
demolidos. 156. Casarão quase na esquina da Rua Lobo da Costa com Rua Mal. Deodoro, de propriedade da família Tavares, prestes a ser demolido. Abril de 1992. 157.
Obras do um novo “Camelódromo”, instalado ao lado da Praça Cipriano Barcellos. 158. Idem.
159 160 161

159. Prédio da Receita Federal, visto desde o “Camelódromo”. 160. Passagem do Bloco Carnavalesco “Bandalha” na Rua Gal. Osório, quase esquina
Rua Cassiano do Nascimento. Década de 1990. 161. Moradora de rua e cachorro de rua, junto á esquina do Café Aquários, na Rua Sete de Setembro esquina
Rua XV de Novembro.
NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DA DOENÇA EM PELOTAS

Lorena Almeida Gill1

Nota Liminar
Este ensaio foi composto a partir de pesquisa documental realizada para fins de doutorado, defendido
no ano de 2004 junto à PUCRS, tendo como título: “Um mal de Século: tuberculosos, tuberculose
e políticas de saúde em Pelotas, RS, 1890-1930”. Como a proposta do Almanaque do Bicentenário
é abarcar um grande intervalo de tempo, ou seja, cem anos, foi também analisado o documento
intitulado “A mortalidade em Pelotas Série Histórica 1980-2009”2, elaborado a partir da coordenação
do professor Juvenal Soares Dias da Costa, em colaboração com os docentes Ana Borges Ferreira,
Eliane Strauch, Maria Laura Carret e Maurício Moraes, do Departamento de Medicina Social, da UFPel. 1
Graduada em História pela
Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 1988), Mestre em História
Serão abordados, portanto, dois tempos históricos diferentes, ou seja, fins do século XIX e início pela Pontifícia Universidade
do século XX (o período de 1890-1930), e as últimas décadas do século XX e início do XXI (1980- Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS, 1998), Doutora em
2009). Não haverá uma continuidade da análise, tendo em vista a dificuldade que seria reunir História pela PUCRS (2004),
material sobre todo esse período de tempo ininterruptamente, mas a pretensão é investigar um Pós-Doutora em História pela
dos temas mais importantes à vida de uma sociedade: a saúde de sua população. Università Degli Studi di Siena
(Itália, 2008-2009). Professora
Associada do Departamento de
*** História e dos Programas de
Pós-Graduação de História e
Sociologia da UFPel. É autora
Manoel Henrique Corrêa, 47 anos de idade, era chapeleiro na fábrica do Sr. Eduardo Carvalho de O Mal do Século: tuberculose,
e sua tarefa principal era preparar os feltros que iriam compor cada peça. Casado com Maria tuberculosos e políticas de saúde
em Pelotas (RS) 1890-1930
Angélica Corrêa, 31 anos, tinha cinco filhos. Entre 1890 e 1893, os jornais Correio Mercantil, (Pelotas: Editora da UCPel,
A Pátria e Democracia Social contam rapidamente sobre o drama que cercou a família Corrêa. 2007), e organizadora, junto
Constava que Manoel, vivendo em péssimas condições, morreu de tísica3 e de fome, no local com Beatriz Ana Loner e Mario
Osorio Magalhães, do Dicionário
em que trabalhava, pois sua alimentação diária consistia em um café com pão, no almoço. de História de Pelotas (Pelotas:
Maria Angélica, sua esposa, logo após saber da morte, sofreu um ataque cardíaco fatal. O jornal Editora da UFPel, 2010).
Correio Mercantil, do dia 10 de junho de 1890 (p. 1), apresentava uma subscrição para enterrar os
mortos e comprar roupas de luto para as crianças. Três anos depois, mais precisamente em 10 de
setembro de 1893, o periódico Democracia Social, em sua página 1, retomou a história, ao relatar
que a senhora Maria Madalena, que havia tomado conta das crianças órfãs, encontrava-se também
doente, necessitando de amparo. Com essa finalidade estavam abrindo, em seu benefício, uma lista
de donativos. A moléstia que vitimou o senhor Manoel, a tuberculose, era aquela que mais mortes
provocava em Pelotas na virada no século XIX para o XX e em suas primeiras décadas. Tratava-se de
doença contagiosa, que afetava principalmente pessoas pobres, como ainda hoje o faz.

Os tuberculosos em Pelotas, conforme apontamentos presentes nos Relatórios de Internamento e


Enterramento da Santa Casa de Misericórdia eram, em sua maioria, homens, brasileiros, naturais
da zona urbana, jornaleiros ou domésticos4, negros ou pardos, solteiros, com idades entre 21
e 35 anos. A informação, no entanto, que perpassa todas as demais características era que os
adoentados geralmente tinham suas vidas relacionadas à pobreza, isto porque viviam em locais
com infraestrutura precária, trabalhavam em lugares insalubres, sem que tivessem, muitas vezes,
acesso a médicos e a tratamentos, mesmo aqueles existentes visando apenas prolongar ou dar
uma melhor qualidade de vida ao paciente.

Com relação à moléstia, havia duas alternativas que, se não solucionavam o problema, poderiam
amenizar a situação vivenciada pelos adoentados. De um lado, para evitar o contágio, tornava-se
importante que houvesse investimentos em moradias populares que tivessem saneamento básico.
Não se está falando aqui de iniciativas particulares como as que existiram em vários lugares,
servindo muito mais para auferir lucro a loteadores e empresários5, mas da construção de vilas
operárias, que pudessem abrigar, com dignidade, um enorme contingente de trabalhadores que
viviam aglomerados em cortiços6, cujos aluguéis eram muito altos.

Por outro lado, depois da infecção, era fundamental que o enfermo encontrasse um local que o
internasse, especialmente nos momentos mais crônicos de evolução da doença. Note-se que, apenas
em 1925, em Pelotas, após a morte de milhares de pessoas, a Santa Casa de Misericórdia, contando
apenas com o auxílio da comunidade, conseguiu construir um pavilhão isolado, o Baronesa do
Arroio Grande, que nem de longe conseguia, com seus 60 leitos, atender à demanda existente.

A internação poderia se constituir como um momento em que os doentes realizavam exames,


tomavam remédios e fortificantes (os mais indicados pelos médicos no período), comiam melhor, mas
também significava tornar público o fato de estarem contaminados por uma doença extremamente
estigmatizante, que poderia separá-los de seus parentes mais próximos e daqueles com os quais
conviviam diariamente, além de retirá-los do ambiente produtivo, o qual proporcionava o seu sustento.

O índice de mortalidade, em se tratando da tuberculose, era extremamente alto, tendo em vista ser,
nesse período, uma doença incurável. Para que se tenha uma ideia, em 1912, quando João Simões
Lopes Neto publicava mais alguns números da Revista do 1o Centenário de Pelotas, entraram na
Santa Casa de Misericórdia, 121 pessoas, além daqueles que eram remanescentes de anos anteriores.
Deste total, 63 faleceram principalmente por tuberculose pulmonar, embora outras formas tenham
sido diagnosticadas, como as tuberculoses mesentérica, generalizada e nos cotovelos7.

A tuberculose foi alvo da atenção de todos os tipos de curadores existentes no Estado, isto porque,
pelos altos índices de adoecimento que apresentava, proporcionava um amplo campo de atuação.

No Rio Grande do Sul, em função da existência do preceito da liberdade profissional8, que tantos
debates e cisões provocou na sociedade, médicos diplomados, licenciados, feiticeiros, espíritas,
ocultistas e homeopatas declararam, através de anúncios, ter o poder ou de curar a moléstia
ou de atenuar os seus efeitos9. De todo o modo, é preciso que se diga que, em se tratando de

192
algumas moléstias, como a tuberculose, não havia cura, assim, muitas vezes os adoentados
procuravam aqueles que estavam mais próximos a eles, como os benzedores, tendo em vista que
os médicos diplomados podiam ser inacessíveis aos mais pobres.

O Relatório da 4ª Diretoria de Higiene do 1º semestre do ano de 1928, p. 479, apresentado pelo


diretor Dr. Oscar Echenique ao Intendente Municipal, Augusto Simões Lopes, relata uma espécie
de censo relacionado aos trabalhadores da saúde na cidade:

Existe atualmente em Pelotas um total de 53 médicos, assim discriminados pelas


especialidades que exercem: 12 cirurgiões, 27 clínicos, 4 microbiologistas, 3 pediatras,
2 obstetras, 4 oftalmologistas, 1 radiologista, 2 médicos cirúrgicos, 4 homeopatas,
37 curandeiros, feiticeiros, cartomantes, etc., 5 parteiras amadoras relacionadas com
o corpo médico, e 7 parteiras curiosas, que trabalham por conta própria.

Embora a diversidade dos cuidadores, como já comentado, de fato, muito pouco tenham
conseguido fazer por aqueles que, possuindo uma condição de subsistência bastante precária,
viveram a triste experiência de serem portadores da tuberculose-doença10.

Pelotas, junto com Rio Grande, formava um polo industrial importante para o Estado no início
do século XX, sendo somente menos significativo que Porto Alegre. Segundo Alonso, Beneti e
Bandeira (1994, p. 23): “a capital possuía 4.888 operários e a região sul, 5.082. As duas regiões
correspondiam a 2/3 do emprego industrial do Estado”. E era justamente nos espaços das fábricas
que as enfermidades encontravam um local propício para se desenvolverem.

Além da tuberculose, na cidade, algumas outras doenças epidêmicas também causaram profundo
sofrimento humano, como a varíola, a peste bubônica, a febre tifoide e a gripe espanhola.
Segundo Burguiére (1990, p. 40):

Reconstituir a história de um fenômeno epidêmico também é analisar a maneira como


a organização e as normas culturais de uma sociedade puderam digerir as injunções
do meio natural e enfrentá-las; é ressaltar a problemática social e as formas de relação
com o corpo que cada pessoa expressa através de seus comportamentos biológicos.

A varíola era causada por vírus, o qual se ramificava para originar diferentes tipos. “Cada tipo
evoluiu e se especializou em determinadas espécies de animas” (UJVARI, 2014, p. 138). Seus
sintomas, em seres humanos, eram a fraqueza, dores no corpo e a existência de bolhas na
superfície da pele, o que fez com que ficasse conhecida como o “mal das bexigas”.

A devastação da doença - utilizada como motivo para uma importante mobilização civil, a
Revolta da Vacina11, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, em 1904 - fez com que em Pelotas
fossem realizadas campanhas contínuas para a vacinação12, além de serem abertos lazaretos,
todas as vezes que o número de adoentados fosse elevado.

Segundo estatística demográfica sanitária realizada pelo então Diretor de Saúde de Pelotas, José
Calero, publicada no ano de 1906, entre 1890 e 1896, a varíola fez 386 vítimas, sendo o ano
de 1893, aquele que teve mais mortes, ou seja, 118. Sua presença, no entanto, era constante em
todos os períodos, como no ano de 1916, quando foram registrados 207 casos, com 78 óbitos13.
Tratava-se de números oficiais, os quais, muitas vezes, não conseguiam abarcar o universo dos
mortos, até porque como nem sempre havia lazaretos abertos e muitos morriam em casa.

Segundo Antunes14, o termo lazareto surgira no século XV, designando hospitais que tinham
como função principal isolar as pessoas do convívio dos demais:

193
Apesar de terem cunho hospitalar e apesar de procurarem dispor de comodidades aos
internos, para amainar sua estadia, os lazaretos praticamente não ofereciam serviços
terapêuticos e de assistência médica individualizada. Destinavam-se exclusivamente
à vigilância social – tentavam resguardar e proteger a saúde coletiva através de uma
incisiva intervenção sobre a vida de cada pessoa15.

O jornal Correio Mercantil, de 22 de agosto de 1893, p. 2, conta a história de Raquel de Medeiros,


a qual havia se tratado de varíola em domicílio, com sacrifício. Após a cura procurou a Santa
Casa para recuperar-se de uma pneumonia. Mas não foi ali tratada porque se temia um possível
contágio. A questão era difícil de resolver. Raquel não podia contar com o auxílio da Santa Casa,
que a recusava, temendo contaminação; nem com a ajuda do lazareto, pois estava curada da
varíola. Muito menos podia contar com os cuidados de um médico particular, por ser pessoa pobre.

A hospitalização conseguia abarcar um universo muito pequeno dos adoentados em geral. A maioria
das pessoas falecia em casa, não só em Pelotas, como em todo o Rio Grande do Sul. Considerando-
se o Estado como um todo, em 1919, os números de falecimentos em casa eram ainda altíssimos:
cerca de 91,73 %, segundo Relatório da Presidência do Estado do Rio Grande do Sul, em 1920.

A varíola era contida com a vacinação e, algumas vezes, com a revacinação das pessoas. As doses
eram ministradas nos postos de saúde, nas escolas, na Santa Casa de Misericórdia e até mesmo
a domicílio, quando a doença recrudescia e se mostrava altamente letal. Para que as crianças
fossem vacinadas, os pais deveriam autorizá-las. A linfa vacínica contra a varíola foi, durante
muito tempo, cultivada em Pelotas, pelo médico Edmundo Berchon16, através de contratos
celebrados entre ele e o governo do Estado.

Na contenção da doença teve papel importante o Instituto de Higiene de Pelotas, fundado no


ano de 1918, o qual tinha uma seção antivariólica. Segundo Coelho (2006, p. 11):

Esta seção realizava o controle dos casos fazendo exames nas mostras colhidas,
notificando os casos ao Delegado de Higiene e ao Médico Municipal, vacinando os
familiares e vizinhos do doente e providenciando a desinfecção da moradia, sendo
essas últimas medidas realizadas pela Delegacia de Higiene, ou então por funcionários
da 4ª Diretoria da Intendência. Também vacinava as pessoas que procuravam
espontaneamente o Instituto. Para incentivar a vacinação da população chegou a
fazer campanhas montando postos de vacinação provisórios em estabelecimentos
públicos e comerciais.

Outra doença bastante presente nas estatísticas e nos relatórios que versavam sobre a saúde da
população era a peste bubônica, a qual provocou que a municipalidade providenciasse vacina,
soro antipestoso, desinfecções nas casas onde houvesse suspeita da enfermidade e isolamento
para as vítimas do mal. Trata-se de moléstia causada pelo bacilo Yersinia pestis17, encontrado
na corrente sanguínea de roedores, como o rato. Quem infecta o homem é a pulga, que suga o
sangue do rato e ao picar uma pessoa transmite o bacilo. Como a cidade tinha péssimas condições
de higiene era comum que os ratos habitassem os pátios das casas e até mesmo o seu interior.

Alberto Coelho da Cunha, escrevente municipal por mais de 40 anos, minimiza os efeitos da
peste, comparando-a com os assustadores números da tuberculose, ao dizer na Estatística de
mortalidade para o ano de 1921, presente no acervo da Bibliotheca Pública Pelotense:

Esta peste só mais tarde, por 1921, veio aparecer, e ela, embora seja temida
e alarmante não se introduz, não se insinua no nosso meio com a facilidade e
franqueza de filho da casa, que constitui privilégio de que a tuberculose gozando,

194
aquinhoa a gastroenterite, a atrepsia18, a infecção de intestinos e outras pequenas
entidades desta comandita.

Ao reforçar a importância que a tuberculose teve nos índices de mortalidade na cidade, Coelho
da Cunha também chama a atenção de doenças que matavam muitas crianças, ou seja, a
gastroenterite e a atrepsia.

O médico Francisco Simões19, que se formou no ano de 1898, na Faculdade de Medicina e de


Farmácia do Rio de Janeiro, mas teve sua trajetória profissional em Pelotas, se dedicou e escreveu
sobre vários temas, dentre eles a tuberculose pulmonar. Um dos seus textos mais relevantes, no
entanto, foi o intitulado: “Da mortalidade das crianças em Pelotas, pelas moléstias do aparelho
digestivo”. A maior preocupação de Simões era com o alto número de crianças que morriam todo
o ano, como em 1891, quando 529 crianças faleceram, pelos dados oficiais.

Segundo Almeida (2014, p. 690): “Ao longo da infância, a sucessão de doenças era praticamente
inevitável: raquitismo, paralisia infantil, sarampo (e suas derivadas, como a varicela, rubéola,
papeira), difteria, tosse convulsa (coqueluche), meningite, escarlatina e poliomielite” eram
bastante presentes, causando muitas mortes em crianças, especialmente até um ano de idade.

É preciso ressaltar que as doenças tratadas como filhas da casa, ou seja, moléstias que constavam
em todos os boletins e relatórios de saúde não causavam grande alarme aos governos, em suas
diferentes esferas. Eram as epidemias que provocavam susto na população e nos governantes,
uma vez que chegavam rapidamente, arrasando com a saúde de famílias inteiras e causando
transtornos na popularidade dos políticos.

Uma das enfermidades que causou grande preocupação com obras de infraestrutura foi a febre
tifoide, tratada como uma endemo-epidemia. A doença, de origem hídrica, tal como a disenteria
e o cólera, impunha transformações, sobretudo no que diz respeito à existência de uma rede de
esgotos e do abastecimento de água potável para a população.

O fato é que o início da rede de esgotos em Pelotas se deu apenas no ano de 1913, abarcando 62
casas da zona central, no perímetro compreendido entre as ruas Barroso, Tiradentes, Paysandu20,
Três de Maio, General Osório e Conde de Porto Alegre, mas não as regiões que mais cresciam,
como a zona suburbana e os arrabaldes; de outro modo a água era de péssima qualidade, trazendo
apreensão, sobretudo, à classe médica, que percebia que todas as outras medidas tomadas seriam
apenas paliativas diante de uma doença que exigia mudanças infraestruturais.

No ano de 1918, causou alarme a gripe espanhola, que embora com numerosos atestados de
óbitos alterados, por decisão governamental, visando conter o pânico da população, matou
centenas de pessoas em Pelotas e em outras regiões do país. A gripe sempre teve presença
marcante em todos os boletins relativos à saúde da população, mas a diferença fundamental foi
o alto grau de letalidade, encontrado no episódio de 1918.

É novamente de Alberto Coelho da Cunha um relato pormenorizado sobre o que aconteceu com
a cidade em face da pandemia21. O texto encontra-se em uma estatística sobre a mortalidade, a
qual foi produzida para o ano de 1918, e que faz parte de um acervo que leva o seu nome na
Bibliotheca Pública Pelotense.

Com muito bom aspecto entrou, prosseguiu e prometia encerrar-se o ano de 1918,
deixando-nos alimentar bem fundadas esperanças de conseguir Pelotas com a
ajuda de Deus, bem invocado, a sua reabilitação sanitária, quando todos os cálculos
desmoronaram ante o ímpeto da invasão da pandemia gripal. Por princípios de

195
outubro ela apresentou-se na cidade com ares benévolos de entidade traiçoeira que
quer tomar pé e após o dia 20 começava a faina devastadora que havia de cobrir todos
os lares de luto e encher de cadáveres as covas do cemitério. Só essa gripe arrebatou
à população da cidade 353 vidas, cuja perda veio a figurar nos livros de registro civil.

O autor fala de uma Pelotas sobre a qual pairou um véu de luto e morte, já que em quase todos
os lares se viveu uma experiência relacionada à doença. Havia tristeza, pavor e uma estranha
calmaria. O barulho que se ouvia era praticamente aquele de “carros e automóveis a serviço de
médicos e comissões de socorros que a toda pressa corriam e que para o lado tinham a todo o
momento de se abrir, a deixar passagem livre aos enterros que desfilavam”, segundo o escrevente
no mesmo documento anteriormente citado.

O prédio da Intendência, que teve o seu expediente suspenso, transformou-se num grande quartel
general contra a doença. Ali se praticavam os primeiros socorros, antes dos enfermos serem enviados
para um Hospital de Isolamento temporário, que funcionava em um sobrado à rua Marechal Floriano.
Foram criadas ainda comissões que tinham como função visitar os domicílios, com o objetivo de
identificar pessoas que necessitassem de auxílio. Muitos médicos também adoeceram, tantos que
o serviço clínico da Santa Casa esteve a cargo de poucos internos, como o Dr. Ariano de Carvalho.

As estatísticas da época revelam diferentes números de mortos para a mesma enfermidade. Alberto
Coelho da Cunha apontou 353 vítimas da gripe espanhola, como já abordado, em suas mais
variadas formas, algumas delas relacionadas à tuberculose pulmonar. O Relatório da Santa Casa de
Misericórdia, para os anos de 1917 e 1918, na página 44, noticiou a morte de 460 pessoas, também
em diversas modalidades da doença. Jornais oposicionistas como O Rebate, que teve muitas de suas
matérias sobre a moléstia censuradas pelo governo do Estado (PRR), fez um cálculo de mais de mil
mortos, revelando que, em apenas um único cortiço, a reportagem do periódico havia encontrado
57 doentes, dos quais um só em pé22.

Tendo em vista apenas os números oficiais, que de maneira nenhuma conseguem abarcar o
universo total atingido, a estatística revelou que no ano de 1918, enquanto a gripe espanhola
matou 353 pessoas (ou 460), como já foi dito, a tuberculose pulmonar vitimou 326. A pandemia
gripal que causou tamanho alvoroço provocou essas perdas em alguns meses (o pico se deu entre
outubro e novembro de 1918), mas a tuberculose ocasionava mortes e danos, além de prejuízos
econômicos, em todos os momentos.

Nos relatórios do Estado, como o do ano de 1921, apareciam outras doenças, como o câncer,
que atualmente causa um grande número de mortes em todo o mundo. No Rio Grande do Sul,
na década de 1920, cerca de 8,6% dos óbitos eram por neoplasias.

Difteria e sífilis também traziam sofrimento. No caso da difteria, embora o índice de doentes
fosse alto, o número de mortos não era expressivo, o que fazia com que o Relatório de 1929,
em sua página 217, colocasse que: “é um problema de saúde que no Rio Grande do Sul tem
pouca importância”. Já a sífilis provocou uma mobilidade das autoridades, sobretudo, no campo
da moral, tendo em vista a sua transmissão através de ato sexual. Segundo Ujvari (2014, p. 86):

Após a relação sexual, a bactéria da sífilis adere-se à mucosa genital e se multiplica.


A região úmida e quente do pênis ou da vagina propicia seu desenvolvimento. Surge
uma ferida aberta característica da doença. A úlcera do órgão genital leva o paciente
ao médico, em geral apavorado. O perigo da sífilis, porém, não está na ferida, que
evolui com cicatrização espontânea mesmo sem o uso de antibiótico. A gravidade
está no fato de a bactéria atingir o sangue e ser transportada para órgãos mais
nobres. Acomete cérebro e coração. Atinge também os ossos e, após a morte, deixa
registros que auxiliam a reconstrução de sua história.

196
Além da efetiva associação entre alcoolismo, tuberculose e sífilis, frequente nas páginas dos jornais,
houve uma grande discussão sobre a necessidade de exames pré-nupciais, que impedissem o
casamento do sifilítico e da constituição de uma família com marcas de degenerescência, conforme
teóricos da época.

Não existem dados que permitam relacionar sífilis, alcoolismo e tuberculose, como se
necessariamente devessem compor a mesma história de uma vida. Afora a situação de debilidade
que as três moléstias ocasionam, podendo criar disposição para que o corpo humano fique
mais vulnerável, o sentido da ligação é eminentemente moral. A tuberculose está relacionada
à pobreza e a pobreza, segundo documentos do período, é a causa e consequência de hábitos
anti-higiênicos, de uma sexualidade marginal e promíscua e de uma vida em que há excesso de
tudo o que é perigoso, como o álcool.

Nos relatórios havia também um item denominado “diversos”, o qual costumava oscilar entre 8 e 10%
do total de óbitos, no decorrer dos anos. Ocorre que a maioria das pessoas falecia em casa, conforme já
explicitado, sem que se soubesse a causa mortis precisa. Em alguns momentos, o item de doenças não
diagnosticadas era ainda superior. Nos documentos, no entanto, se percebe um esforço para encontrar o
que teria levado o doente à morte, valendo-se, em muitos casos, de anotações baseadas em declarações
de familiares, sem que um profissional da área da saúde tivesse realizado exames mais acurados.

A Diretoria de Higiene empenha-se para o esclarecimento de diagnósticos imprecisos


ou mal enunciados; entretanto sempre há número regular deles que só encontram
lugar na rubrica Moléstias mal definidas. Em toda estatística existe esta rubrica,
porém ela deve representar sempre uma pequena porcentagem sobre o total de
óbitos. Entre nós, infelizmente, ela é elevada e assim será até que uma medida
radical restrinja o direito de passar atestados de óbitos23.

***

A segunda parte deste ensaio pretende abordar algumas das doenças que acometeram indivíduos em
Pelotas, entre os anos de 1980 e 2009. A intenção é refletir sobre as condições de saúde atualmente.

A partir de dados coletados no trabalho coordenado pelo professor Juvenal Soares Dias da Costa
e seus colaboradores, que se intitula “A mortalidade em Pelotas, série Histórica (1980-2009)”, a
cidade possui um padrão de mortalidade bastante definido:

Entre os menores de um ano as principais causas de morte foram as afecções


perinatais. A partir de então até a faixa de 30 a 39 anos, os principais motivos de
óbitos foram as causas externas. Entretanto, entre 29 e 39 anos, tanto em homens
como nas mulheres apareceu o impacto causado pelas DIP (Doenças Infecciosas e
Parasitárias). A partir dos 40 anos, as doenças do aparelho circulatório foram as
principais causas de mortalidade, acompanhadas pelas neoplasias24.

Para os autores, a variação da mortalidade ocorre também a partir do sexo, ou seja, homens
morrem mais do que mulheres. Tal situação talvez possa se relacionar ao fato de que as mulheres
cuidam mais do seu corpo, procurando com maior frequência cuidados médicos e, dessa forma,
cumprindo os pressupostos de uma Medicina preventiva.

Dentre os números apresentados pela pesquisa, chama a atenção a diminuição da mortalidade


infantil em Pelotas, de tal modo que em 1980, 40,9 crianças morriam em mil nascidos vivos;
enquanto que no ano de 2009, são apontados 13,8 mortes por mil.

197
Segundo Gomes e Dias da Costa (2012, p. 120), a diminuição da mortalidade infantil se deu a
partir de ações multidisciplinares integradas, sendo que as principais foram: “a disponibilização
da rede de saneamento básico, a ampliação da rede de serviços de saúde, o aumento da cobertura
vacinal e o aumento no período de aleitamento materno; e a inclusão de novas vacinas no
calendário básico de vacinação”.

Depois do primeiro ano de vida há uma tendência de que as mortes diminuam, no entanto, quando
ocorrem são, predominantemente, por causas externas. Segundo Dias da Costa e colaboradores
(2013, p. 216), “os acidentes de transporte terrestre, quedas, afogamentos, envenenamentos
e queimaduras” seriam o destaque para os eventos acidentais. Haveria ainda a violência como
grande causadora de mortes, especialmente a partir dos eventos de homicídio e o suicídio, sempre
presentes na história da humanidade25. Para os mesmos autores:

Percebe-se que o enfrentamento do problema representado pelas causas externas


é multideterminado e deve envolver políticas e ações intersetoriais, que alterem e
melhorem as condições de vida da população. Conhecer a magnitude, caracterização
e tendências de mortalidade por causas externas pode proporcionar informações
valiosas sobre a necessidade, a orientação e o desenvolvimento de políticas que
visem reduzir e prevenir esses agravos. Além disso, permite avaliar ações de saúde e
seus impactos produzidos (2013, p. 216).

A partir dos 20 anos, as doenças infecciosas e parasitárias começam a aparecer com importância:

Consulta detalhada por causa básica mostra que o principal motivo de óbitos foram
as infecções por HIV. Entre os homens, entre 2003 e 2009, foram observados 43
óbitos por DIP, sendo que 33 por infecções por HIV. Nas mulheres, entre os 23 óbitos
constatados no mesmo período (2003-2009), 20 foram por infecções por HIV26.

Segundo dados constantes em Boletim Epidemiológico27 existem cerca de 718 mil pessoas
que vivem com HIV/Aids no Brasil atualmente. A maioria das pessoas infectadas é vulnerável
socialmente. O termo vulnerabilidade social começou a ser utilizado pela área dos direitos
humanos e passou a ter uma grande importância na definição de políticas públicas de saúde, a
partir da emergência do HIV/Aids, na década de 1980, ampliando sua área de abrangência no
decorrer do tempo. Para Guareschi (2007, p. 3):

(...) envolve formas de governabilidade das populações por meio de biopolíticas


centradas em marcadores identitários. A objetivação da vulnerabilidade social
desloca-se do campo da Aids e da saúde exclusivamente e amplia-se para a esfera da
vida social, juntando-se aos campos da educação, do trabalho, das políticas públicas
em geral, na medida em que se refere às condições de vida e suportes sociais, e não
à conduta, como marcava o conceito de risco.

Em seu início a doença causou grande alarme na população, pois era vista como sinônimo de
morte. “Depois da introdução da terapia antirretroviral ou HAART (highly active antiretroviral
therapy), a aids passou a ser considerada uma doença crônica, que se manejada e tratada de
maneira adequada, diminui consideravelmente a probabilidade de adoecimento e morte das
pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA)”28.

A grande dificuldade tem sido conter a tendência de crescimento da doença na população jovem,
especialmente entre 15 e 24 anos. O contágio, nesse grupo, se dá, principalmente, a partir de
relações sexuais.

198
Retomando a análise do documento Série Histórica, na faixa etária dos 30 anos há uma grande ocorrência
de mortes por causas externas, sendo que a partir dos 40 anos as doenças do aparelho circulatório e as
neoplasias começam a concentrar os números de mortes, tanto em homens como em mulheres.

Em relação às neoplasias, os números vêm crescendo de forma impressionante, fazendo com que
se transforme em um problema de saúde pública em todo o mundo. No documento publicado
pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) é assim dito:

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que, no ano de 2030, podem-se


esperar 27 milhões de casos incidentes de câncer, 17 milhões de mortes por câncer e
75 milhões de pessoas vivas, anualmente, com câncer. O maior efeito desse aumento
vai incidir em países de baixa e média rendas29.

A avaliação do estudo é de que os tipos de neoplasias mudam dependendo da situação econômica


do país. Assim, em países em desenvolvimento são mais comuns os cânceres de estômago,
fígado, cavidade oral e colo do útero; já em países desenvolvidos são mais frequentes os cânceres
de pulmão, mama, próstata e cólon.

O câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis vêm se tornando cada vez
mais comuns no mundo todo e podem causar danos devastadores para famílias
inteiras, principalmente quando o chefe da família adoece, sendo ele o provedor da
única fonte de renda; bem como quando um dos pais é acometido pela doença e
os filhos passam a exercer atividades de cuidado da família, deixando de levar suas
vidas dentro do padrão esperado para a idade30.

Algumas medidas preventivas são buscadas para prevenir não só o câncer como outras doenças,
embora algumas delas tenham uma causa genética: alimentação adequada, realização de
exercícios físicos e a não utilização de cigarros e bebidas alcoólicas estão entre elas.

Relacionado ao câncer, o tratamento também é diferenciado para cada lugar, uma vez que
em países em desenvolvimento os diagnósticos tardios, a consequente demora em iniciar os
procedimentos e a falta de medicamentos e equipamentos de última geração podem causar
danos maiores aos adoentados, dificultando a cura.

À medida que a população vai envelhecendo em Pelotas, outras moléstias também acometem as
pessoas, como aquelas do aparelho respiratório e digestivo, por exemplo.

Considerações finais
Os problemas encontrados no tocante à saúde da população em Pelotas, entre os anos de 1890
e 1930, se relacionavam mais fortemente à ocorrência de epidemias. Não se quer dizer com
isto que moléstias individuadas não acontecessem, mas que era comum a incidência de alguma
enfermidade que atacava muitas pessoas, em um curto período de tempo.

Febre tifoide, peste bubônica e varíola estiveram presentes na rotina da cidade, em vários
momentos, afetando a cada dia um número crescente de pessoas. Já a gripe espanhola foi uma
espécie de pandemia, que atingiu grandes proporções, em um tempo bem demarcado.

Todavia, a doença que mais mortes ocasionou foi a tuberculose, a qual apareceu no discurso
como motivo de profundas transformações promovidas no espaço urbano.

199
A presença da doença, no entanto, consumou-se apenas em função do alto índice de mortalidade que
trouxe, causando um enorme ônus à população, principalmente aos mais pobres. Estes adoeciam por
experimentarem péssimas condições de existência, ao mesmo tempo em que, com o desenvolvimento
da tuberculose, viam aprofundada a situação de penúria e abandono, à qual estavam submetidos.

A par do discurso recorrente, principalmente de médicos, de políticos, da imprensa, a ideia que


melhor permite avaliar a moléstia na cidade de Pelotas é ausência. Ausência, quando se percebe que a
doença inexistiu como objeto a ser observado, sobretudo quando se executavam projetos vinculados
a políticas públicas para a saúde. Ausência, porque para se atestar um bom estado sanitário, as
autoridades usaram o recurso de fechar os olhos para a enfermidade que mais mortes causou, fixando-
se nos surtos epidêmicos que causavam maior furor – por serem esporádicos – e não na tuberculose.

Já entre os anos de 1980 e 2009, as enfermidades que possuíram maior ocorrência, em sua maioria,
já foram outras. Crianças continuaram morrendo, com predominância, até um ano de idade, mas as
epidemias existentes na virada do século XIX para o XX se mostraram mais controladas e algumas
até mesmo inexistentes, tendo em vista uma série de fatores, como os investimentos infraestruturais
nas cidades; a descoberta de novas vacinas; a melhoria dos medicamentos, dos equipamentos para
diagnóstico e da formação dos médicos. A tuberculose, contudo, continua sendo uma doença
causadora de muitas mortes, especialmente em países em desenvolvimento. Cabe ressaltar que a
maioria das pessoas já teve algum tipo de contato com o bacilo da doença, ainda que somente entre
5 e 10% dessas pessoas adoeçam, justamente as que estão mais debilitadas, como quando estão
com HIV/Aids, a qual atualmente é uma doença crônica.

A mortalidade em Pelotas hoje está relacionada, principalmente, a causas externas, neoplasias,


doenças infecciosas e parasitárias, do aparelho circulatório, digestivo e respiratório.

Para finalizar, é preciso dizer que a doença é um tema que permite pensar sobre a vida e
sobre a morte. Ao mesmo tempo em que traz um certo incômodo, permite, muitas vezes, uma
reorganização social31. A sociedade necessita criar novas articulações, investir em transformações
no meio urbano, definir novos poderes, cercear ou ampliar direitos, tudo isso no sentido de
dominar ou, pelo menos, aplacar os efeitos das enfermidades.

Escrever sobre a saúde e a doença e analisar a forma como as moléstias se desenvolveram no


decorrer dos anos permite que pensemos sobre a nossa trajetória cotidiana e as escolhas que,
individualmente ou como um todo, tivemos que fazer para enfrentar os momentos de temor, de
dor e de perdas, os quais são bastante frequentes em nossas vidas.

Referências
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História, Ciências, Saúde: Manguinhos, v. 1, nº 1, jul.-out. 1994. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz,
Casa de Oswaldo Cruz, 2014, p. 687-708.
ANTUNES, J. Hospital, Instituição e História Social. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1991.
BURGUIÉRE, A. “A Antropologia Histórica”. In: A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
COELHO, A. “Um Centro de Pesquisa pioneiro no Estado: O Instituto de Higiene de Pelotas (1918-1929)”.
In: Acervo de Artigos do NDH/ICH/UFPel. Pelotas, 2006.
DIAS DA COSTA, J.; GIRALDI, M.; CARRET, M. L.; FERREIRA, A.; STRAUCH, E. e MORAES, M. “Evolução
da mortalidade por causas externas no município de Pelotas e no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil,
1996-2009”. In: Epidemiologia e Serviços de Saúde. Brasília, 22 (2), p. 215-224, abr-jun 2013.

200
FAURE, O. “O Olhar dos Médicos”. In: CORBIN, A.; COURTINE, J.-J. e VIGARELO, G. (Orgs.). História do
Corpo. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 13-56.
GOMES, M. e DIAS DA COSTA, J. “Mortalidade infantil e as malformações congênitas no Município de
Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil: estudo ecológico no período 1996-2008”. In: Epidemiologia
e Serviços de Saúde. Brasília, 21 (1), jan.-mar. 2012, p. 119-128.
GILL, L. O mal do século: tuberculose, tuberculosos e políticas de saúde em Pelotas/RS. Pelotas (RS):
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GUARESCHI, N. M. F. et al. “Intervenção na condição de vulnerabilidade social: um estudo sobre a produção
de sentidos com adolescentes do programa do trabalho educativo”. In: Estudos e Pesquisas em Psicologia,
UERJ: RJ, Ano 7, nº 1, 2007. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/epp/v7n1/v7n1a03.pdf.
(Acesso em 27/06/2014).
MAGALHÃES, M. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a
História de Pelotas (1860-1890). Pelotas: Ed. UFPel: Co-edição Livraria Mundial, 1993.
MEIHY, J. e BERTOLLI FILHO, C. Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Ática, 2001.
REVEL, J. e PETER, J.-P. “O corpo: o homem doente e sua história”. In: LE GOFF, J. e NORA, P. História:
Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
SEVCENKO, N. A Revolta da Vacina. Mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Scipione, 2001.
UJVARI, S. A História da Humanidade contada pelo vírus. São Paulo: Contexto, 2014.

Fontes primárias
BOLETIM DE ESTATÍSTICA apresentado à Intendência Municipal da cidade de Pelotas, por Euclides de
Moura, Diretor da Repartição de Estatística de 1891 (Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense – BPP).
BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO – Aids e DST. Ano II, nº 1 – até semana epidemiológica 26º – dezembro de
2013. In: www.aids.gov.br (Acesso em 29/07/2014).
DIAS DA COSTA, J.; FERREIRA, A. M.; STRAUCH, E.; CARRET, M. L. e MORAES, M. “A mortalidade em
Pelotas Série Histórica, 1980-2009” (Material digitado).
ESTATÍSTICA DE MORTALIDADE para o ano de 1918, de Alberto Coelho da Cunha (Acervo BPP).
ESTIMATIVA 2012: Incidência de câncer no Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva. Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Rio de Janeiro:
Inca, 2011. http://portal.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/gestor/homepage/estimativas-de-incidencia-
de-cancer-2012/estimativas_incidencia_cancer_2012.pdf (Acesso em 10/06/2014).
JORNAL CORREIO MERCANTIL, 10/06/1890, p. 1 (Acervo BPP).
_____, 22/08/1893, p. 2 (Acervo BPP).
_____, 9/02/1900, p. 1 (Acervo BPP).
JORNAL DEMOCRACIA SOCIAL, 10/09/1893, p. 1 (Acervo BPP).
JORNAL DIÁRIO POPULAR, 18/01/1917, p. 1 (Acervo BPP).
JORNAL O REBATE, 5/11/1918, p. 1 e 30/12/1918, p. 1 (Acervo BPP).
JORNAL O DIA, 18/09/1916, p. 1 (Acervo BPP).
RELATÓRIO apresentado ao Conselho Municipal em 20 de setembro de 1917 pelo Intendente engenheiro
Cypriano Corrêa Barcellos. Diário Popular, 4/10/1917, p. 3 (Acervo BPP).
RELATÓRIO DE INTERNAMENTO da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas para os anos de 1917 e 1918
(Acervo da Santa Casa de Pelotas).
RELATÓRIOS DO ESTADO da Secretaria dos Negócios do Interior e do Exterior para os anos de 1921 e
1929 (Acervo BPP).

201
RELATÓRIO DA 4ª DIRETORIA DE HIGIENE, do 1º semestre do ano de 1928, apresentado pelo Diretor
Dr. Oscar Echenique em 30 de julho do ano referido, ao Exmo. Sr. Dr. Augusto Simões Lopes, Intendente
Municipal, 1928 (Acervo BPP).

Notas do pesquisador
2
Agradeço ao professor Juvenal Dias da Costa pela disponibilização da Série Histórica sobre a mortalidade em Pelotas, elaborada
a partir de sua coordenação. Ressalto, no entanto, que todas as análises relacionadas ao material são de minha responsabilidade.
3
Faure (2008, p. 32) analisa o que chama de passagem da tísica à tuberculose, assim dizendo: “Com o diagnóstico da tísica,
doente e médico falam a mesma língua. Ambos a designam como uma doença localizada nos pulmões e caracterizada por
sintomas como a hemoptise ou expectoração de sangue”.
4
Jornaleiro era uma atividade essencialmente masculina, ao contrário dos serviços domésticos, que cabiam exclusivamente às
mulheres. Nos dois casos a remuneração era irrisória, por serem consideradas tarefas sem nenhuma qualificação.
5
O jornal Diário Popular, de 18/01/1917, p. 1, publica notícia com o título “Cortiço que se extingue”, na qual enaltece
um exemplo, dizendo: “O Sr. José Rodrigues Sant’Anna, industrialista desta praça, tendo adquirido o excelente terreno à
rua General Osório nº 478, esquina da General Telles nº 609 a 617, vai mandar demolir o cortiço nele existente. Serão ali
aproveitados e restaurados quatro contrafeitos na feição de casinhas para operários, servidas de esgoto” (Acervo da Bibliotheca
Pública Pelotense). Todas as citações de jornais foram atualizadas, visando facilitar a leitura do texto.
6
Em um Boletim de Estatística apresentado à Intendência Municipal da cidade de Pelotas, por Euclides de Moura, Diretor da
Repartição de Estatística de 1891, constava um total de 124 cortiços na cidade. Certamente estes números eram bem mais
elevados, tendo em vista que a maior parte dos cortiços não era registrada.
7
Ainda que a incidência da tuberculose pulmonar seja mais elevada em termos numéricos, há vários tipos de tuberculose
extrapulmonar, como a tuberculose disseminada, generalizada ou aguda, na qual o bacilo tuberculoso é lançado na corrente
sanguínea; a meníngea, que ocasiona alterações progressivas nas funções mentais; a pleural, que costuma se manifestar
na infecção de forma inicial; renal e genital, denominadas de tuberculose geniturinária; a óssea e a articular, conhecidas
anteriormente como Mal de Pott; a linfática, chamada no início do século XX, de escrófula, escrofulose ou escrofulotuberculose
e a pericárdica, que embora atinja menos de 1% dos casos, provoca uma mortalidade elevada. A tuberculose pode afetar
qualquer órgão do corpo humano, ocasionando, muitas vezes, sintomas comuns a outros tipos de enfermidades, o que causa
dificuldade em estabelecer mais rapidamente um diagnóstico preciso.
8
O artigo 71, § 5º da lei máxima estadual, dizia que: “Não são admitidos também no serviço do Estado os privilégios de
diplomas escolásticos ou acadêmicos, quaisquer que sejam, sendo livre no seu território o exercício de todas as profissões de
ordem moral, intelectual e industrial”. Para o exercício da Medicina, bastava que houvesse o registro do interessado primeiro na
Inspetoria e mais tarde na Diretoria de Higiene do Estado.
9
O jornal O Dia, que havia substituído o Correio Mercantil, quando este parou de circular, promoveu, a partir do dia 18 de
setembro de 1916, em sua página 1, um debate em torno do que chamou de “mundo dos exploradores”: “Há em Pelotas,
feiticeiros espíritas falsificados, falsos sacerdotes, médicos desconhecidos da provisão de lei etc., que agindo com o maior
cinismo, a mais deslavada pouca vergonha, vão ganhando fartamente a vida à revelia da ação da polícia e, consequentemente,
da justiça”.
10
De todos aqueles que têm contato com a tuberculose, apenas cerca de 5% a 10% adoecem. Os principais fatores para que
isso aconteça estão relacionados à existência de circunstâncias que debilitam a imunidade do indivíduo. Inúmeras situações
podem levar ao enfraquecimento orgânico, algumas, até mesmo, se sobrepondo a outras.
11
Para saber mais ver, entre outros: SEVCENKO, N. A Revolta da Vacina. São Paulo: Scipione, 2001 e MEIHY, J. e BERTOLLI
FILHO, C. Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Ática, 2001.
12
Segundo Almeida (2014, p. 701), a vacinação para a varíola “já existia desde o século XVIII, a partir dos trabalhos de Edward
Jenner. Contudo, foi apenas em 1885 que Pasteur generalizou seu uso”.
13
Relatório apresentado ao Conselho Municipal em 20 de setembro de 1917 pelo Intendente engenheiro Cypriano Corrêa
Barcellos. Diário Popular, 4/10/1917, p. 3 (Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense).
14
ANTUNES, J. Hospital, Instituição e História Social. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1991, p. 87.
15
ANTUNES, J. Op. Cit., p. 107.
16
Edmundo Berchon foi um precursor de algumas atividades médicas em Pelotas. No ano de 1895, por exemplo, realizou-se no
Liceu Rio-Grandense de Agronomia e Veterinária, “a primeira experiência brasileira com radiografia (iniciativa do Sr. Alexandre
Gastaud e do Dr. Edmundo Berchon)”. Conforme MAGALHÃES (1993, p. 213), o Diário Popular, quatro anos mais tarde, no dia
18 de abril de 1899, p. 2, noticiou que haviam sido feitas experiências na Santa Casa de Pelotas, com o aparelho de Raio X, que

202
tinha chegado da Europa, a pedido do operador, Dr. Berchon des Essarts. Segundo os Relatórios da Provedoria (biênio 1915-
1916), no entanto, o Gabinete de Radioscopia, Raio X e Eletroterapia, começou a funcionar no segundo semestre de 1914, em
um período ainda bastante anterior à maioria das regiões do Brasil.
17
O bacilo foi isolado em 1894, por Alexandre Yersin, médico suíço.
18
A atrepsia é qualificada como o marasmo dos recém-nascidos.
19
O médico Francisco Simões era um opositor do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), o qual permaneceu no poder
por décadas no RS. Ele costumava criticar várias posturas governamentais como a permissão da liberdade profissional, que
possibilitava que qualquer pessoa fosse um curador, além dos poucos investimentos em infraestrutura nas cidades. Sua
manifestação se dava através da escrita de artigos e da realização de palestras. Ficou conhecido pela sua dedicação às crianças.
20
Atual rua Barão de Santa Tecla.
21
Pandemia é uma epidemia que se espalha por amplas regiões territoriais.
22
Jornal O Rebate, dias 5/11/1918, p. 1 e 30/12/1918, p. 1 (Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense).
23
Relatório do Estado da Secretaria dos Negócios do Interior e do Exterior, ano de 1929, p. 212 (Acervo da Bibliotheca Pública
Pelotense).
24
DIAS DA COSTA, J.; FERREIRA, A.; STRAUCH, E.; CARRET, M. e MORAES, M. “A mortalidade em Pelotas Série Histórica,
1980-2009”. Material digitado, p. 3.
25
Existiam tantos casos de suicídio na virada do século XIX para o XX, por exemplo, que o jornal Correio Mercantil, de
9/02/1900, p. 1, relatou que havia-se concretizado uma espécie de acordo, assinado pelos jornais, de não publicizar episódios
de suicídio ocorridos em Pelotas, imaginando que com isso poderiam, de alguma forma, frear o ímpeto daqueles que se
encontravam deprimidos. A matéria, assinada por um cronista do quadro do Correio Mercantil, Thomaz, o Sagaz, serviu como
uma denúncia de que um concorrente, o Diário Popular, havia descumprido o que tinha sido acertado anteriormente, contando
sobre o suicídio de uma criança de apenas 12 anos, que, ao ver seu pai morto, teria disparado um tiro de revólver na cabeça.
26
DIAS DA COSTA, J. et alii. Op. cit. Material digitado, p. 8.
27
Boletim Epidemiológico – Aids e DST. Ano II, nº 1 – até semana epidemiológica 26º – dezembro de 2013. In: www.aids.gov.
br (Acesso em 29/07/2014).
28
Idem, IbIdem, p. 7.
29
Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral
de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Rio de Janeiro: Inca, 2011, p. 25.
30
Idem, IbIdem.
31
REVEL, J. e PETER, J.-P. “O corpo: o homem doente e sua história”. IN: LE GOFF, J. e NORA, P. História: Novos Objetos. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

203
Figura 1

Figura 5

Figura 6 Figura 9

Figura 2

Figura 3 Figura 7

Figura 8

Figura 4

Figura 10

204
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Lorena Almeida Gill.

Figura 1: Anúncio do “Vinho Creosotado” veiculado no Jornal A Opinião Pública de 09 de março de 1929.
Fonte: Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense. Reprodução da autora.
Figura 2: Anúncio do “Bálsamo Santo” veiculado no Jornal O Rebate de 26 de outubro de 1923. Fonte: Idem.
Figura 3: Anúncio do “Peitoral Marinho” veiculado no Jornal O Rebate de 25 de junho de 1923. Fonte: Idem.
Figura 4: Anúncio do “Néctar Divino” veiculado no Jornal A Opinião Pública de 31 de agosto de 1898. Fonte:
Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense. Reprodução da autora.
Figura 5: Anúncio do “Licor Werneck” veiculado no Jornal Correio Mercantil de 09 de janeiro de 1900. Fonte:
Idem.
Figura 6: Anúncio do “Vinho Vivien” veiculado no Jornal Correio Mercantil de 09 de abril de 1895. Fonte: Idem.
Figura 7: Anúncio do “Xarope de Durel” veiculado no Jornal Correio Mercantil de 18 de agosto de 1892. Fonte:
Idem.
Figura 8: Anúncio das “Cápsulas Moles de Borgeaud” veiculado no Jornal Correio Mercantil de 19 de agosto
de 1892. Fonte: Idem.
Figura 9: Anúncio do “Vinho Vivien” veiculado no Jornal Correio Mercantil de 10 de junho de 1895. Fonte:
Idem.
Figura 10: Anúncio do “Peitoral de Angico Pelotense” veiculado no Jornal Diário Popular de 27 de junho de
1926. Fonte: Idem.

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209
Caderno 7

NOTÍCIA DE ALBERTO COELHO DA CUNHA


(1853-1939)

Eduardo Arriada1

Nasceu Alberto Coelho da Cunha a 13 de setembro de 1853 na cidade de Pelotas. Seu pai,
Felisberto Inácio da Cunha (Barão de Correntes), foi abastado comerciante e homem político,
sua mãe era D. Maria Antônia Coelho. Era neto paterno de José Inácio da Cunha e D. Zeferina
Gonçalves da Cunha. Foi casado com Clotilde Antunes da Cunha, com quem teve um filho, Otávio
Antunes da Cunha. Veio a falecer na mesma cidade em 15 de outubro de 1939, aos 86 anos.

Embora a enorme importância para a história de Pelotas, Alberto Coelho da Cunha é quase um
ilustre anônimo. Desconhecido da grande maioria, íntimo de poucos é, contudo, admirado por
aqueles que conhecem os seus textos. Glosado e plagiado por muitos, sua vasta obra publicada
em “tiras” na imprensa da época (Diário de Pelotas, Jornal do Comércio, A Opinião Pública e Diário
Popular) nos possibilita admirar seu saber histórico.
1
Graduado em História pela
Um tempo permanentemente longo de esquecimento relegou a sua produção ao ostracismo. Do muito Universidade Católica de Pelotas
que escreveu, pouca coisa foi efetivamente editada. Em relação aos textos historiográficos foram (UCPel, 1986), Mestre em História
pela Pontifícia Universidade
dados à lume os seguintes: O Município de Pelotas. Sua riqueza e prosperidade2; Dados Estatísticos
Católica do Rio Grande do Sul
(1910-1911). Intendência Municipal: Município de Pelotas3; Coletânea de apontamentos históricos (PUCRS, 1991) e Doutor em
e estatísticos sobre o município de Pelotas4; Cidade de Pelotas (Notícia histórica)5; Os templos de Educação pela PUCRS (2007).
Pelotas6; Cursos d’água de Pelotas7; Reminiscências de um contemporâneo8; A vinda do padroeiro de Professor do Departamento de
Fundamentos da Educação da
Pelotas9; Os velhos cemitérios de Pelotas10; Antigualhas de Pelotas11 e Antigualhas de Pelotas12.
FAE/UFPel. É autor de Pelotas,
gênese e desenvolvimento urbano
Poucos são os relatos sobre a sua vida íntima, seus gostos e desejos. Sua trajetória demonstra (1780-1835) (Pelotas: Armazém
ter sido um homem um tanto avesso a uma vida social mais intensa. A produção de uma vasta Literário, 1994).
obra historiográfica evidencia um labor permanente e constante na busca, leitura e elaboração
de uma “ideia de história”, o que acabou resultando em diversos trabalhos tendo como escopo a
cidade de Pelotas. Entre esses avulta Antigualhas de Pelotas, História das ruas de Pelotas, além
de outros ensaios como: Coletânea de apontamentos históricos e estatísticos sobre o Município
de Pelotas, Cidade de Pelotas (Notícia histórica), Os templos de Pelotas, Instrução Superior: Escola
de Agronomia e Veterinária etc.

Seus contemporâneos foram unânimes em salientar as suas virtudes pessoais, além da competência
e seriedade como escritor, particularmente seus escritos históricos. Na Ilustração Pelotense, João
Crisóstemo de Freitas nas suas crônicas insulsas, considerava Vítor Valpírio13 “um dos moços mais
talentosos”14.

Por sua vez, Aquiles Porto Alegre, em crônicas publicadas na capital do Estado, descrevia Alberto
Coelho da Cunha como: “um moço de talento e grande cultura”. Lamentava ainda que com a
consolidação do regime republicano, “um homem dos méritos de Alberto Cunha foi esquecido,
atirado à margem para dar lugar a uns calhordas, que cruzam as ruas, peito estufado e colarinho
em pé, e não valem dez réis de mel coado”15. Continua o cronista, educador e ensaísta Aquiles
Porto Alegre: “parece, às vezes, que ele, enojado do mundo, quebrou os bicos da pena que
manejava com tanto brilho, de encontro a um bloco que encontrou na estrada da vida”16.

Seu amigo e cunhado Guilherme Echenique teve o privilégio de poder conviver e dialogar
constantemente com Alberto Coelho da Cunha, externando pelo mesmo uma grande admiração, não
apenas pelo parentesco, pois sua esposa D. Silvana Cunha era irmã de Alberto, mas pelos longos anos
de militância em torno do ideário republicano. Para Guilherme, Alberto era uma pessoa de “caráter
sóbrio e taciturno, de restrita receptividade, naturalmente retraído e refratário às falazes convenções
sociais, que instintivamente repulsava, com requintes de mordente ironia; espírito intensamente lúcido,
culto e perscrutador, dispondo de notáveis faculdades de exposição escrita, em peculiar estilo”17.

Usufruindo das boas condições familiares, teve desde tenra idade a possibilidade de frequentar
os melhores estabelecimentos educacionais de seu tempo. No ano de 1859, cursa a escola de
primeiras letras em Pelotas, tendo como professora Marucas Domingues, filha do abalizado
educador, gramático e latinista Antônio José Domingues. Ainda na mesma cidade, frequenta o
educandário de Inácio de Miranda Ribeiro.

Como prática da época, o jovem estudante, então com 13 anos, é enviado ao Rio de Janeiro com a
finalidade de na capital do Império, dar continuidade à sua formação. É matriculado inicialmente
no Colégio São Salvador, estabelecimento de ensino localizado em São Cristóvão, dirigido pelo
Cônego José Joaquim da Fonseca Lima. Em 1867, passa a frequentar o Colégio Perseverança no
centro do Rio de Janeiro, instituição regida pelo Conselheiro Fábio Alexandrino de Carvalho Reis.

Esse período no Rio de Janeiro propiciou uma boa formação cultural e um arguto leitor. Por
anotações em diversas obras do acervo do autor, foi possível identificar as suas leituras e a época,
de modo que constatamos que entre 1866 e 1869, Alberto encontrava-se no Rio de Janeiro.
Assim na obra Harmonias Brasileiras18 de Antônio Joaquim de Macedo, no frontispício está
escrito o seguinte: “Rio de Janeiro, 24 de junho de 1869, Alberto Coelho da Cunha”. Em outras
obras adquiridas nas livrarias do Rio de Janeiro, podemos acompanhar o itinerário do autor, em
dezembro de 1869, temos o último registro de sua permanência na Corte, conforme anotação na
obra Lourenço de Mendonça19 de Moreira de Azevedo, “Rio de Janeiro, 04 de dezembro de 1869”.
Em outro livro, no caso A Nebulosa, de Joaquim Manoel de Macedo, foi possível constatar que
no ano de 1870, nosso intelectual já está vivendo em Pelotas. Nesse livro consta a seguinte nota
redigida a lápis20: “Pelotas, 12 de junho de 1870”.

212
Com certeza os anos vividos na Capital do Império marcaram profundamente o autor. Magnífica
e exuberante aos olhos do jovem provinciano deveria ser essa cidade pulsante. Por detrás da Baía
da Guanabara, marcada pela bela paisagem onde o Pão de Açúcar e o Corcovado, a velha cidade
denotava uma modernidade que se descortinava, tendo um charme totalmente envolvente. A
cultura pairava na Rua do Ouvidor e em 1854 ela torna-se a primeira rua da cidade a ser iluminada
a gás. Seu tráfego cresceu tanto que foi preciso introduzir o sistema de mão única. Essa rua era o
centro da vida elegante, a que Joaquim Manuel de Macedo devotou todo um volume, publicado
com o título, Memórias da Rua do Ouvidor21. Nesse texto, o autor da Moreninha destaca o papel
que várias livrarias francesas tinham na venda e distribuição de livros, em particular a Villeneuve, a
Garnier, Cremière, Laemmert, a Firmin Didot, e a de Louis Mongie, que no contexto da época e no
entendimento do articulista, era a principal.

Nesse universo cultural, o jovem Alberto Coelho da Cunha, tudo observava, indo aos poucos
absorvendo ideias, costumes, hábitos. Compulsando obras que pertenceram a sua biblioteca,
percebemos que era leitor voraz, perspicaz, acompanhando os novos lançamentos. Dos clássicos
portugueses, sua biblioteca estava representada pelas obras de Almeida Garret, Camilo Castelo
Branco, Eça de Queiroz, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Alexandre Herculano, entre outros.
Os franceses estavam representados principalmente por Balzac e Vitor Hugo. Dos autores nacionais,
Joaquim Manoel de Macedo, Machado de Assis e José de Alencar pontificavam, embora também ali
estivessem Raul Pompéia, Euclides da Cunha, Silvio Romero, José Veríssimo, Castro Alves, Bernardo
Guimarães, Couto de Magalhães, Silvio Dinarte, entre outros praticamente desconhecidos para o
leitor atual como é o caso de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, José Ferrari, e F. A. da Costa.

Também avultava em sua biblioteca o espaço reservado aos autores do sul: Hilário Ribeiro (Lucinda,
1875), Carlos Ferreira (Rosas Loucas, 1868), Amélia Figueroa (Crepúsculos, 1872), Múcio Teixeira
(Vozes trêmulas, 1873), Apolinário Porto Alegre (Paisagem, 1875; Crioulo do Pastoreio, 1875), João
Simões Lopes Neto (Contos Gauchescos, 1912), Alcides Lima (História Popular do Rio Grande do Sul,
1882), Assis Brasil (Unidade Nacional, 1883; Cultura dos Campos, 1905), Oliveira Belo (Os Farrapos,
1875), João Pedro Gay (História da República Jesuítica do Paraguai, 1863) e Bernardo Taveira Júnior
(Poesias Alemãs, 1875). Além desses autores, diversas revistas compunham seu acervo, caso da Revista
do Parthenon Literário (1869-1875). Embora não faça parte dos autores gaúchos, em função do
tema, lá estava Saint-Hilaire (Voyage à Rio Grande do Sul-Brèsil, edição francesa de 1887).

Retornando da Capital Federal por motivos de saúde, fixa residência em Pelotas passando a
colaborar com contos e algumas novelas na Revista do Parthenon Literário, com os pseudônimos
de Jatir e Vítor Valpírio. Nessa revista são publicados os seguintes textos: Contos Rio-Grandenses,
compreendendo: Mãe do Ouro, Pai Felipe (um episódio de charqueada), A Filha do Capataz, Um
Farrapo não se rende, além de diversas crônicas: Fantasias e Caprichos, Mimi, Meu Anjo Escuta,
Vozes à Toa, Vozes de Amor, A Morte de Serafina, Vozes a Esmo e Aspirações.

Os estudos realizados no Rio de Janeiro, as diversas leituras ao correr da vida, e posteriormente


as funções administrativas exercidas na Intendência Municipal, consolidaram uma cultura que
oportunizou a elaboração de uma obra profunda, minuciosa e rica de pormenores sobre a cidade
de Pelotas. Denominada pelo autor de Antigualhas de Pelotas, foi publicada em diversos artigos
nos jornais A Opinião Pública e Diário Popular, escondendo por trás do simples título, uma
história de Pelotas desde seus primórdios até as primeiras décadas republicanas.

Mesmo não tendo tido oportunidade de editar sua obra em livro, seu legado para os futuros
pesquisadores se perpetuou. Aos 86 anos de idade, com a saúde debilitada, no dia 15 de outubro
de 1939, falecia. O jornal Diário Popular noticiava o fato: “Faleceu, domingo, nesta cidade,
o ilustre conterrâneo Sr. Alberto Coelho da Cunha. O lutuoso acontecimento teve dolorosa

213
repercussão, pois o extinto, possuidor de um caráter ilibado e dono de sólida cultura, fizera-se
admirado e estimado nos meios cultural e social de Pelotas”22.

Cabe a nós enfatizar a importância que seus estudos merecem. Para tanto é responsabilidade
nossa uma edição crítica das suas principais obras, tornando a mesma acessível a todos os
pesquisadores.

Notas do pesquisador
2
Pelotas: Livraria Pelotense de Albino Isaacsson, 1910.
3
Pelotas: Of. do Diário Popular, 1911.
4
Pelotas: Boletim do Departamento Municipal de Estatística. Nº 15, s/ed., 1939.
5
Almanaque de Pelotas. Pelotas: Gráfica do Diário Popular, 1914, p. 59-67.
6
Idem, 1914, p. 176-184.
7
Idem, 1927, p. 124-135.
8
Idem, 1927, p. 88-95.
9
Idem, 1929, p.127-138.
10
Idem, 1929, p. 145-149.
11
Idem, 1934, p.72-77.
12
Idem, 1935, p. 93-97.
13
Um dos pseudônimos usado por Alberto Coelho da Cunha.
14
Vítor Valpírio. In: “Crônicas Insulsas”. Ilustração Pelotense, Ano V, nº 5, Pelotas, 1/03/1923.
15
Vítor Valpírio. In: Serões de Inverno (Crônicas). Porto Alegre: Livraria Selbach, 1923, p. 83.
16
Idem.
17
Alberto Coelho da Cunha. In: Boletim do Departamento municipal de Estatística. Pelotas, nº 15, 1939, p. 3.
18
Harmonias Brasileiras: cantos nacionais coligidos e publicados por Antônio Joaquim de Macedo Soares. Primária
Série. São Paulo: Typ. Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, 1859.
19
Lourenço de Mendonça. Dr. Moreira de Azevedo. Rio de Janeiro: Rua D’Ajuda 113, 1868.
20
Basicamente em todas as obras, as anotações do autor são feitas a lápis. Do mesmo modo, muitos dos textos
historiográficos foram escritos utilizando o mesmo recurso.
21
Obra originalmente publicada em folhetim no Jornal do Comércio. A primeira edição foi pela Tipografia
Perseverança do Rio de Janeiro em 1878.
22
Diário Popular. Pelotas, 17/10/1939.

214
Figura 1

Figura 3

Figura 4

Figura 2

Pesquisa, seleção de imagens e notas: Eduardo Arriada e Gabriela Rosselli.

Figura 1: Retrato de Alberto Coelho da Cunha, contando 76 anos de idade. In: “Alberto Coelho da Cunha -
Traços Biográficos”, por Guilherme Echenique. Pelotas: 1940. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 2: Capa da obra “Leitura Útil - O Município de Pelotas - Sua riqueza e Prosperidade - Devemos co-
nhecer-nos a nós mesmos”, editada pela Livraria Pelotense de Albino Isaacson no ano de 1910. Embora não
indicada, a autoria pertence a Alberto Coelho da Cunha. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 3: Capa da “Revista do Parthenon Litterario”. Vigésimo ano, Julho de 1874. Porto Alegre: Imprensa
Litteraria. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 4: Folha de rosto do Conto “Um Farrapo não se Rende”, publicado na “Revista do Parthenon Litterario”,
sob o pseudônimo de Vitor Valpírio. Vigésimo ano, Julho de 1874. Porto Alegre: Imprensa Litteraria. Fonte:
Acervo Eduardo Arriada.

215
162 163

168 169 170 171


164 165 166 167

172 173 174

162. Pessoas na margem do antigo leito original do Arroio Santa Bárbara. Década de 1890 (data aproximada). 163. Idem. IbIdem. 164. IbIdem IbIdem 165. Porto
de Pelotas. Cais e Praça Domingos Rodrigues. Vista desde o Canal São Gonçalo. 166. Idem. Vista desde a antiga fábrica Fiação e Tecidos Pelotense. 167. Ruínas
de arquitetura colonial na Zona da Várzea. Fotografia da década de 1950. 168. Lago e gruta da Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1950. 169. Detalhe de uma das
amazonas do Chafariz “Fonte das Nereidas”. Década de 1950. 170. Idem. Década de 1950. 171. Cartão Postal trazendo detalhe da “Fonte das Nereidas”, pintada de
branco. Década de 1940. 172. Antigo Banco do Brasil. À esquerda deste, um panorama da Rua Lobo da Costa. Cartão Postal. Década de 1930. 173. Rua Lobo da
Costa junto à Praça 7 de Julho. Vista desde a esquina da Rua Andrade Neves, vendo-se o antigo abrigo de bondes. Final da década de 1940 (data aproximada).
174. Idem. Vista desde a esquina da Rua Andrade Neves, vendo-se o antigo abrigo de bondes transformado em abrigo de ônIbus. Década de 1950.
175 176 177

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185 186 187 188

175. Antigo Banco Nacional do Comércio. Vista desde a esquina da Praça 7 de Julho. Década de 1950. 176. Rua Andrade Neves, esquina Rua Gal. Netto. Banco
Pelotense em seu primeiro endereço. Ano de 1908. 177. Rua Gal. Netto, esquina Rua XV de Novembro. Loja “Aos Grandes Armazéns Hermínios”. Década de 1930.
178. Rua Andrade Neves. Vista na direção norte desde a proximidade com a Rua Mal. Floriano. Década de 1950. 179. Antigo posto de combustíveis. Década de 1960.
180. “Vista panorâmica da Usina e outras dependências da The Rio Grandense Light & Power Synd. Ltd.”. Vista na direção sudoeste. Ano de 1930. 181. Cartão Postal
da “Usina Elétrica de Pelotas”, atual sede da CEEE, no final da década de 1930, quando apresentava decoração com hera em sua fachada. 182. Rua Mal Deodoro
esquina Rua Gal Telles. Colégio Batista e alguns de seus alunos. Outubro de 1930. 183. Rua Santos Dumont esquina Rua Antônio dos Anjos. Um dos galpões da
empresa Ferreira Irmão & Cia. Ltda. Década de 1950. 184. Primitivas instalações da Fábrica Lang, s/d. 185. Interior de uma das salas de aula da BIbliotheca Pública
Pelotense. Ano de 1918. 186. Fotografia inédita da Antiga Praça da Matriz, ainda com o chafariz. Vista desde atual Rua Miguel Barcellos. 187. Antigo Cartão Postal
com uma imagem do interior do antigo Café Java, como propaganda. Década de 1900. 188. Interior da antiga confeitaria “A Dalila”. Cartão Postal, s/d.
Caderno 8

A SIGNIFICAÇÃO CULTURAL DE
JANUÁRIO COELHO DA COSTA

Por Luís Borges1

Talentoso poeta, / honrou a terra de Lobo da Costa e de Márcio Dias


com inspirada produção poética. / Teve (...) livros publicados (...), /
que ainda perduram na memória da cidade.
(Heloísa Assumpção Nascimento)

Quem foi Januário Coelho da Costa?


A pesquisadora Zênia de Leon, em artigo na imprensa, analisou como diversas personalidades
importantes do cenário cultural pelotense e do Rio Grande do Sul, à exceção, principalmente, 1
Graduado em Filosofia
pela Universidade Católica
de João Simões Lopes Neto e Lobo da Costa, estão “sepultados na campa e na memória”2. No de Pelotas (UCPel, 1993),
mesmo trabalho, reclama do esquecimento em que jazem muitos autores, tais como Fernando Mestre em Educação pela
Osório, Pedro Vergara e Victor Russomano, “figuras de talento de sua geração [que fizeram] o Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL, 2010) e
lastro da tradição cultural”3. Em dado momento, ela passa a nomear escritores que parecem ter Doutor em Educação Pela
desaparecido do horizonte de interesse do público e da crítica, e questiona: UFPel (2014). Professor
de Metodologia do ensino
e da pesquisa no ITQ/
Pelotas. É autor de O projeto
Os poetas Márcio Dias, Januário Coelho da Costa, Francisco da Cunha Ramos, Demerval cívico pedagógico de João
Simões Lopes Neto (Pelotas:
Araújo [sic], Vicente Russomano, Francisco de Paula Pinto Magalhães, Jorge Salis Editora da UFPel, 2010) e de
Goulart, Mercedes Maciel Moreira, Hugo Diniz, Valkiria Goulart, não aparecem?4 A primeira manifestação
crítica sobre os Contos
É pertinente a interrogação da referida pesquisadora. Por que estes escritores, especialmente Gauchescos de J. Simões Lopes
Neto (Pelotas: NEL/IFSUL;
Coelho da Costa, não aparecem? Suas obras e seus exemplos estarão com a validade vencida? CCCP, 2012).
Não creio. Até mesmo para declarar que este ou aquele escritor é datado, há necessidade de
estudá-lo. Pelotas, apesar de seu tão propalado zelo pela cultura, possui também neste campo
um grande débito. Resgatar os escritores citados pela professora Zênia de Leon, entre outros,
é, sem dúvida, retirá-los da campa fria da negligência e da injustiça para plantá-los no campo
fecundo da memória. Tanto se comprova o desprezo, ressalvados, como já se disse, Lobo da Costa
e Simões Lopes Neto, que em data concorrente dos Contos Gauchescos, o centenário da obra
Helena, de Januário Coelho da Costa, não mereceu uma menção sequer.

Talvez seu amigo nas lides cívico-educacionais e nas empreitadas artísticas, Simões Lopes Neto,
que também sofreu o olvidamento por longos anos, tenha vindo providencialmente em auxílio
da memória do autor da obra Do som, da cor e do perfume (1917), com o que também se preserva
o patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. O Velho Capitão, sem favor, também agora abre a
porta da permanência a Januário Coelho da Costa. O escritor do poemeto Helena foi o autor da
primeira manifestação crítica assinada sobre Contos Gauchescos.

Em “plena mocidade de espírito”, segundo expressão de seu filho (engenheiro agrônomo Paulo
Heleno da Costa)5, o Soldado-Poeta, como foi cognominado o escritor Coelho da Costa, faleceu
na cidade de Pelotas aos oito de novembro de 1949. Não se encerrou aí, contudo, uma trajetória
que deixou em seu rastro um testemunho de integridade pessoal e amor à arte, pois apesar
de jazer em injusto ostracismo, sua obra literária recebeu da crítica e de poetas nacionais e
estrangeiros significativos elogios, considerando-o um dos mais finos cultores do parnasianismo6,
tendo inclusive parte de seu trabalho traduzido no Uruguai pelo poeta J. M. Herrera7.

Nasceu na cidade de Dom Pedrito/RS em 24 de outubro de 1886, filho de Delfino Álvaro da Costa,
funcionário da Mesa de Rendas, e Gertrudes Coelho. Viveu em Pelotas os anos de infância e pré-
adolescência, cursando o primário e o secundário no Ginásio Pelotense. Ainda muito jovem seguiu
para a capital, a fim de ingressar na carreira militar. Em Porto Alegre estudou no Colégio Militar, dali
saindo aspirante aos 22 anos. Serviu em diversas cidades do Brasil, realizando brilhante carreira militar,
na qual alcançou o posto de coronel. Ascendeu post-mortem ao posto de General-de-Brigada8.

Homem de grande preocupação cívica e social, junto com Simões Lopes Neto, Fernando Osório
e outros intelectuais, foi um dos fundadores do Tiro de Guerra 31, entidade em que também
exerceu a posição de instrutor de tiro. Januário Coelho da Costa compôs a letra do Cântico do
atirador, com música de Fernando L. Osório que, no dizer de Nascimento9, era praticamente o
hino oficial do Tiro de Guerra 31. Ei-lo:

Cântico do atirador10

SOLO
Somos todos aqui preparados
Para, ufanos da Pátria grandeza,
Como invictos, heróicos soldados
Conservá-la de opróbios ilesa.

Sempre fomos amantes da paz,


Se a desonra, porém, for-lhe o custo,
Antes morte na luta tenaz,
Recebes como herói, como justo.

226
CORO
Não é, pois, por amarmos a guerra,
Mas a honra de nosso País,
Que erguemos por vale e por serra,
Nosso cântico alegre e feliz.

SOLO
Não durmamos na doce utopia
De uma eterna vitória ilusória
E, se a guerra inquietar-nos um dia,
Lograremos a paz na vitória.

Conservemos na nossa bandeira


Esse trecho do céu sempre azul,
Que define a União Brasileira
E onde fulge o Cruzeiro do Sul.

Januário Coelho da Costa foi professor de português e matemática no Ginásio Pelotense, exercendo
também a docência na Escola de Agronomia Eliseu Maciel e na Escola Prática de Comércio, em
1920. Em 1926 participou da fundação do Grêmio Atlético Farroupilha. Demonstrações do seu
espírito patriótico podem ser observadas na fundação do núcleo pelotense da Liga de Defesa
Nacional, de que foi seu primeiro presidente, cargo que exerceu até a data de falecimento. Além
disso, criou os cursos de enfermagem que possibilitaram a fundação da Cruz Vermelha Brasileira,
secção Pelotas, da qual foi também presidente.

De sua vasta e intensa atividade cultural, vale ressaltar seu assento na cadeira nº 25 da Academia
Rio-Grandense de Letras, em sua 1ª fase. Além disso, à moda de seu amigo João Simões Lopes
Neto, Januário Coelho da Costa teve grande participação comunitária, da qual se deve dar
destaque a sua atuação na Milícia Cristã11 da Paróquia da Igreja Episcopal Anglicana. A Milícia
Cristã12 não era apenas uma organização de cunho religioso, congregava muitos intelectuais da
cidade, independente de credo, uma vez que oferecia muitas atividades literárias, esportivas,
cívico-pedagógicas e educacionais13. Afirma Kickhofel:

As sessões cívicas e literárias eram públicas e os oradores se inscreviam previamente


para dissertar sobre temas também previamente escolhidos. Os temas geralmente
versavam sobre a Pátria, seus grandes vultos e datas nacionais, a pureza de vida,
a vida no campo e na cidade, a tipografia e o vapor14, a guerra e a paz, a família
etc. os oradores falavam contra ou a favor do tema proposto, havendo votação no
final pela plateia. Tanto em Rio Grande como em Pelotas e Santa Maria, a imprensa
dava amplo noticiário sobre as reuniões da Milícia, que sempre se constituíam num
grande acontecimento da cidade. O programa se fixava principalmente na formação
moral, cívica, intelectual e religiosa dos jovens e condenava enfaticamente o jogo, o
álcool, a preguiça, a devassidão e a decadência dos costumes15.

Entre os muitos préstimos da Milícia Cristã às causas educacionais16 e culturais pode-se citar: um
curso primário para adultos em 1912 e um curso gratuito de música, de onde saiu uma pequena
orquestra em 1917. Manteve aulas noturnas dos cursos primário, secundário, de comércio e de

227
idiomas. O curso primário compreendia o ensino das primeiras letras, caligrafia, as quatro operações
e noções de geografia. O secundário abrangia as disciplinas de português, matemática, geografia
e história do Brasil, enquanto que no Curso Comercial os alunos aprendiam escrituração mercantil
e aritmética comercial. No de idiomas ensinava-se inglês, francês, alemão e latim. Todos os cursos
eram gratuitos e começaram em agosto de 1922. Foi diretor desses cursos o poeta e escritor Coelho
da Costa, na época ocupando o posto de tenente. Aí também atuou como professor junto com
Sieburguer, Oscar Uebel, Eduardo de Matos e Manuel Maurício Neto17. Segundo Leon18, Januário
Coelho da Costa foi presidente da Milícia Cristã nos anos de 1910, 1919 e 1920.

Coelho da Costa foi homem de imprensa, colaborou no Almanaque de Pelotas e na revista Kodak
(Porto Alegre). Entre suas mais importantes contribuições está a revista Ilustração Pelotense. Este
periódico quinzenal passou a circular em 1º de janeiro de 1919, deixando de fazê-lo em 192719.
Revista de caráter literário, nela apareciam crônicas, contos, romances-folhetins e poemas.
Voltada a leitores da elite cultural e econômica, “procurava documentar através da fotografia20 os
acontecimentos sociais considerados mais importantes na época”, incluindo esportes e política.
Além disso, constavam notas elegantes e dicas de moda, piadas e caricaturas. Divulgava também
eventos musicais 21, teatrais, recitais poéticos e de arte, em geral. Nela não colaboravam apenas
os artistas da terra ou da região, em suas páginas estão presentes escritores de renome nacional
(tais como Lima Barreto e Monteiro Lobato). Favoreceu o intercâmbio cultural com os países do
Prata, do que nos dá testemunho, entre outros, a acolhida às colaborações de escritores como
Manuel Benavente (Uruguai).

A Ilustração Pelotense iniciou tendo por diretores Bruno de Mendonça Lima e Pedro Vergara e
por diretores artísticos Luiz Lanzetta e Brisolara da Silva. A partir do nº 2, Januário Coelho da
Costa passou a ocupar o cargo de redator, vindo a ser diretor a partir de 1924, junto com Aristides
Bitencourt. Silva (2010) ao redigir o verbete sobre a Ilustração Pelotense reporta-se às memórias
de Manolelito de Ornellas, nas quais o autor afirma que por ali começaram a maioria dos futuros
escritores modernistas do Rio Grande do Sul22.

Principais livros de Januário Coelho da Costa:


– Aspérulas. Pelotas: Diário Popular, 1909 (Poesia)23.
– Helena. Pelotas/Rio Grande: Livraria Universal/Echenique & C., 1912 (Poemeto)24.
– No templo. Pelotas: Tip. Carlos Echenique, 1914 (Poesia).
– No altar da rima. Pelotas: Livraria Universal, 1917 (Poesia).
– Do som, da cor e do perfume. Pelotas: Livraria Universal, 1917 (Poesia)25.
– Ascensões e declínios. Pelotas/Rio Grande: Livraria Universal/Echenique & C., 1922
(Poesia).
– Eterno tema. Pelotas: Livraria Universal, 1924 (Prosa)26.
– Símbolos. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1927 (Prosa).

Inéditos:
– Estátua de ouro (Poesia).
– O prêmio (Drama em versos).
Segundo informações de seu filho, Paulo Heleno Costa, o escritor deixou também inéditos uma

228
gramática simplificada e um romance biográfico relativo a seus ancestrais pernambucanos,
oriundos do Velho Mundo por ocasião da transferência da Corte portuguesa para o Brasil.

Considerações finais
Ainda se está por dimensionar a importância de Januário Coelho da Costa para a cena cultural
de Pelotas e do Rio Grande do Sul. Este esboço levanta apenas a ponta do véu de maia que
encobre a trajetória de sua vida dedicada à educação, à arte, às causas humanitárias e patrióticas.
Como se pode ver, sua atividade intelectual foi não só intensa como diversificada, atuando
como agitador cultural, incentivador de causas cívicas e comunitárias, professor, crítico, poeta e
contista. Principalmente por intermédio da revista Ilustração Pelotense, Coelho da Costa muito
contribuiu para o intercâmbio cultural entre o Rio Grande do Sul e os países do Prata. Vale
dizer que, dentro de todo esse espectro, destaca-se sua atividade de crítico literário. Destarte
se possa classificá-la de crítica impressionista, seu olhar perspicaz e sua vasta cultura literária
nos permitem vislumbrar o seu bom gosto artístico e o esforço de compreensão da obra de arte,
sem apelar para os vícios do compadrismo ou verborragia estéril. Um de seus grandes méritos
nesse campo foi o de primeiro ter dado atenção a um modesto livro – Contos Gauchescos, de
Simões Lopes Neto –, que apesar das ambiguidades e problemas de análise, pois o texto em
muito excedia as possibilidades não só de seu aparato crítico, mas o da quase totalidade dos
críticos brasileiros de seu tempo, ele percebeu várias questões que são importantes na recepção
do criador de Blau Nunes, ainda na atualidade. Outro ponto a destacar é que ele foi o primeiro a
defender não apenas a verossimilhança de João Cardoso, mas sua integral pertinência histórica,
coisa que somente mais tarde o pesquisador Adão Francisco Monquelat veio mostrar27.

Referências
ARRIADA, E.; BORGES, L. “Laçando o boi barroso: o caso da atribuição do conto “Olhos de remorso” a
João Simões Lopes Neto”. In: Revista da Academia Sul-Brasileira de Letras, vol. 2, n° 5, maio de 2003, p.
100-118.
_____; TAMBARA, E. “Uma história editorial: tipografias, editores e livrarias em Pelotas”. In: RUBIRA, L. (Org.).
Almanaque do bicentenário de Pelotas (vol. 2). Santa Maria/RS: Pró-cultura/Pallottti, 2014, p. 227-258.
BORGES, L. A primeira manifestação crítica sobre Contos Gauchescos, de J. Simões Lopes Neto. Pelotas:
NEL/IFSUL-Campus Pelotas; Confraria Cultural e Científica Prometheu, 2012.
COELHO DA COSTA (1886-1986). Publicação do Museu Paulo Firpo em homenagem ao centenário de
nascimento do poeta pedritense coronel Januário Coelho da Costa.
_____. “Olhos de remorso”. In: MONQUELAT, A.; DINIZ, C.; MAGALHÃES, M. Novos textos simonianos.
Contos urbanos e poemas de J. Simões Lopes Neto. Pelotas: Confraria Cultural e Científica Prometheu, 1991,
p. 29-37.
KICKHOFEL, O. Catedral do Redentor. Igreja episcopal Anglicana do Brasil. Pelotas/Porto Alegre: Diocese
Anglicana de Pelotas/Secretaria Geral da Igreja Anglicana do Brasil, 1999.
LEON, Z. de. Catedral do Redentor. 100 anos de história. Um depoimento de fé (1892-1992). Pelotas: UFPel,
1992.
_____. “Pelotas sepultou seus heróis”. In: Diário Popular, Pelotas, 13/2/2012.
MARTINS, A. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS/IEL, 1978.
MENEZES, R. Dicionário literário brasileiro. 2ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Livros Técnicos
e Científicos, 1978.
MONQUELAT, A. “Pinto Martins ou João Cardoso?”. In: Desfazendo mitos. Notas à história do continente

229
de São Pedro. Pelotas: Livraria Mundial, 2010.
NASCIMENTO, H. Nossa cidade era assim. Pelotas: Editora Universitária UFPel, 1999, (vol. 3).
NOGUEIRA, I.; MICHELON, F. “Mulheres da música na Revista Ilustração Pelotense: a imagem como
construção da identidade”. In: <http://www.musimid.mus.br/3encontro/files/pdf/Isabel%20Porto%20
Nogueira.pdf> Acesso: 10/4/2012.
_____. Mulheres da música na revista Ilustração Pelotense: a imagem como construção de identidade.
Música, memória e sociedade ao sul: retrospectiva do Grupo de Pesquisa em Musicologia da Universidade
Federal de Pelotas (2001-2011), 2011.
SANTOS, K. “Era dele. Não era dele”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 31/5/2003.
SILVA, F. “Ilustração Pelotense”. In LONER, B.; GIL, L.; MAGALHÃES, M. (Orgs.). Dicionário de Pelotas.
Pelotas: UFPel, 2010.
VILLAS-BOAS, P. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: Edigal, 1991.

Acervos consultados
Bibliotheca Pública Pelotense
Eduardo Arriada (Pelotas)
Fausto Leitão Domingues (Pelotas)
Luís Borges (Pelotas)
Luiz Morvan Grafulha Corrêa (Pelotas)
Mogar Pagana Xavier (Pelotas)
Museu José Hipólito da Costa (Porto Alegre)

Jornais, revistas e entrevistas:


A OPINIÃO PÚBLICA, Pelotas, 29/05/1916.
ESTANDARTE CRISTÃO, ano X, nº 22, p. 3, 30/11/1902.
ENTREVISTAS concedidas por Paulo Heleno Costa, em 6/4/2000; 3/3/2003 e 6/4/2012.
O CLARIM, publicação da Igreja do Redentor, Pelotas, ano I, nº 7, 10/1/1930.

Notas do Pesquisador
2
LEON, Z. “Pelotas sepultou seus heróis”. In: Diário Popular, Pelotas, 13/02/2012.
3
Idem.
4
Idem. Grifo meu.
5
Muitos dos dados aqui constantes foram obtidos nas três longas entrevistas concedidas pelo Dr. Paulo Heleno Costa, em
6/4/2000; 3/3/2003 e 6/4/2012. Ele faleceu em 2014.
6
MENEZES, R. Dicionário literário brasileiro. 2ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978,
p. 211.
7
Idem.
8
Cf. COELHO DA COSTA (1886-1986). Publicação do Museu Paulo Firpo em homenagem ao centenário de nascimento do
poeta pedritense coronel Januário Coelho da Costa.
9
NASCIMENTO, H. Nossa cidade era assim. Vol. 3. Pelotas: Editora Universitária UFPEL, 1999, p. 191.
10
A Opinião Pública, Pelotas, 29/5/1916.

230
11
Para detalhes sobre a Milícia Cristã vide: LEON, Z. Catedral do Redentor. 100 anos de história. Um depoimento de fé (1892-
1992). Pelotas: UFPEL, 1992; e KICKHOFEL, O. Catedral do Redentor. Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Pelotas/Porto Alegre:
Diocese Anglicana de Pelotas/Secretaria Geral da Igreja Anglicana do Brasil, 1999.
12
A Milícia Cristã era uma organização masculina dentro da estrutura organizacional da Igreja Episcopal Anglicana, fundada
em 15/11/1902.
13
Em 1927 os milicianos fundaram um clube de ping-pong, a que intitularam Pelotense, o qual conquistou vários campeonatos
da modalidade. No ano seguinte, numa reunião realizada em 13 de abril, surgiu a ideia da criação de um grupo de teatro, que
se efetivou dois anos mais tarde, sob a denominação de Grupo Dramático José de Alencar (KICKHOFEL, Op. cit., p. 53).
14
Apenas para exemplificação de como funcionavam essas reuniões, vide a notícia sobre a conferência a respeito do tema
“tipografia a vapor” no jornal Estandarte Cristão, ano X, nº 22, p. 3, 30/11/1902.
15
KICKHOFEL, Op. cit., p. 51-52.
16
A milícia Cristã entre outras comissões possuía uma específica para cuidar das questões educacionais, conforme se pode
constatar na transcrição a seguir: “Notas paroquiais da Milícia Cristã: a nossa sociedade de homens encontra-se em franca
atividade com todos os seus diretores a postos. Na última reunião da diretoria foram eleitas as seguintes comissões: Educação:
Rev. J. Severo da Silva (pres.), cap. J. Coelho da Costa e Dario Abreu.” (O Clarim, publicação da Igreja do Redentor, Pelotas, ano
I, nº 7, 10/1/1930). Grifo meu. Observação: na mesma notícia seguem as comissões de Religião, sociabilidade e sindicância.
17
KICKHOFEL, Op. cit., p. 52.
18
LEON, Op. cit., p. 93.
19
SILVA, F. “Ilustração Pelotense”. In LONER, B.; GIL, L.; MAGALHÃES, M. (Orgs.). Dicionário de Pelotas. Pelotas: UFPEL, 2010,
p. 143. No verbete deste dicionário, Silva afirma que a revista parou de circular em 16 de dezembro de 1926, contudo, Nogueira
et al. no artigo “A música na revista Ilustração Pelotense” (2006) assinala o ano de 1927. Verificou-se no acervo do Museu
José Hipólito da Costa (Porto Alegre) a existência de revistas do ano de 1927, cujo último número ali constante é o seguinte:
ano IX, nº 10, 15/05/1927.
20
Para mais detalhes sobre o uso da fotografia na Ilustração Pelotense vide: NOGUEIRA, I.; MICHELON, F. Mulheres da
música na Revista Illustração Pelotense: a imagem como construção da identidade. In: www.musimid.mus.br/3encontro/files/
pdf/Isabel%20Porto%20Nogueira.pdf> (Acesso em 10/4/2012).
21
Para mais detalhes vide: Idem.
22
SILVA, F. “Ilustração Pelotense”. In: LONER, B.; GIL, L.; MAGALHÃES, M. (Orgs.). Op. cit. p. 143.
23
Ari Martins informa em seu Escritores do RS (p. 150) que a obra Aspérolas saiu pela Livraria Universal, em 1910. A maioria dos
autores registra a data de 1909. Pode tratar-se de uma 2ª edição.
24
Ari Martins indica, equivocadamente, o ano de 1911.
25
Heloísa Assumpção Nascimento (1999, p. 191) comete um equívoco ao considerar 1915 a data de publicação desta obra.
Segundo Villas-Boas (1991, p. 67) houve uma 2ª edição em 1918, porém, de acordo com Ari Martins (p. 150) esta foi em 1919.
A não ser que haja ainda outra edição, a informação correta é a de Ari Martins. Uma curiosidade é que esta última edição era
um brinde do Xarope de Creosotado Composto, de Carlos Coelho.
26
Nesta obra foi encontrado o conto Olhos de remorso, de Januário Coelho da Costa, atribuído a Simões Lopes Neto. Para
conferir o texto vide: MONQUELAT, A.; DINIZ, C.; MAGALHÃES, M. O. Novos textos simonianos. Contos urbanos e poemas de J.
Simões Lopes Neto. Pelotas: Confraria Cultural e Científica Prometheu, 1991. Para mais detalhes sobre o assunto vide: SANTOS,
Klécio dos. “Era dele. Não era dele”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 31/5/2003; ARRIADA, E.; BORGES, L. “Laçando o boi barroso:
o caso da atribuição do conto ‘Olhos de remorso’ a João Simões Lopes Neto”. In: Revista da Academia Sul-Brasileira de Letras,
vol. 2, n° 5, maio de 2003, p. 100-118.
27
MONQUELAT, A. “Pinto Martins ou João Cardoso?”. In: Desfazendo mitos. Notas à história do continente de São Pedro.
Pelotas: Livraria Mundial, 2010, p. 91-97.

231
Figura 1

Figura 2 Figura 4

Figura 3
Figura 5

Figura 6

232
Figura 7

Figura 8

Figura 10

Figura 11

Figura 9

233
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Luís Borges.

Figura 1: Coronel Januário Coelho da Costa. Fonte: Acervo do autor.


Figura 2: Poeta Coelho da Costa na juventude. Fonte: Acervo do autor.
Figura 3: Capa do livro “Do som, da cor e do perfume”, publicado em 1919. Fonte: Acervo do autor.
Figura 4: Capa do livro “Eterno Tema”, publicado em 1924. Fonte: Acervo do autor.
Figura 5: Capa do livro “Helena”, publicado em 1912. Fonte: Acervo do autor.
Figura 6: Capa do livro “Símbolos”, publicado em 1927. Fonte: Acervo do autor.
Figura 7: Diretoria da Milícia Cristã, em 1922. O tenente Januário Coelho da Costa é o segundo sentado, da
esquerda para a direita. Fonte: Acervo do autor.
Figura 8: Albertina, esposa de Januário Coelho da Costa. Fonte: Acervo do autor.
Figura 9: Januário com a esposa Albertina e o filho Paulo Heleno. Fonte: Acervo do autor.
Figura 10: Trecho de correspondência pessoal de Januário Coelho da Costa. Fonte: Acervo do autor.
Figura 11: Assinatura de Januário Coelho da Costa. Fonte: Acervo do autor.

234
235
189 190 191

196 197 198

189. Populares acompanhando a passagem de uma banda musical em um desfile na Rua Félix da Cunha, em frente ao antigo Colégio Pelotense. 190. Banda
União Democrata em pose no interior de sua sede, s/d. 191. Chegada de dois automóveis, em exposição no entorno da atual Praça Cel. Osório, evento que causou
flagrante “sensação” de diversos populares, curiosos. Início da década de 1930, possivelmente (data aproximada). 192. Idem. ExIbição na face pela Rua Lobo da
Costa. Ao fundo, o Casarão nº 02. 193. Idem. IbIdem. 194. Registro de “uma das salas dos armazéns de distribuição de viveres às famílias dos combatentes da
revolução de Outubro”. Ano de 1930. 195. Batalhão Ginasial do Ginásio Gonzaga, no pátio do educandário. Década de 1930. 196. Vista de uma aula de trabalhos
manuais para meninas do Grupo Escolar Joaquim Assumpção. Ano de 1928.
192 193 194 195

199 200 201

197. Inauguração do Parque Tênis Clube, em 14 de dezembro de 1957. Rompimento da fita efetuado pelo representante da Prefeitura Municipal, Sr. Fernando Braga.
198. Desfile de alunos da Escola Técnica de Pelotas na Rua XV de Novembro, trecho da Praça 7 de Julho. Ao fundo, a Igreja Cabeluda. Ano de 1945. 199. Formatura
da Turma de 1957 da Faculdade de Ciências Econômicas, no interior do Theatro Sete de Abril. 200. Funcionária Emma Berg Medeiros, uma das primeiras mulheres a
trabalhar em um banco no Brasil, no dia de sua aposentadoria, cercada dos colegas. Interior da antiga agência do Banco do Brasil, à Praça Cel. Pedro Osório, esquina
Praça 7 de Julho. Ano de 1954. 201. Pelé, aos 16 anos, no atracadouro da Charqueada São João, em março de 1957.
202 203 204 205

206 207 208

202. Antigos “autos de praça”, telefone “18mil”, de Arnoldo E. A. Wieth. Década de 1950. 203. Carruagem funerária da Santa Casa de Misericórdia, em frente ao
hospital. 204. Carnaval: Bloco “Salim Abdala”. Meados do Século XX. 205. Idem. Carro “Atrazados Mas Pontual” do “C. C. Atrazados”, trazendo mensagem de
reinvindicação do serviço de iluminação. 206. IbIdem. Rua XV de Novembro, próximo à Prefeitura Municipal. Detalhe dos passistas “Valentim” (RJ) e Norma Lima,
durante desfile da “Academia do Samba”. Década de 1950. 207. IbIdem. Flagrante de baile no interior da sede definitiva do “C. C. Fica Ahí Pra Ir Dizendo”. Ao centro, o
célebre Rei Momo Vicente Rao. 208. IbIdem. Bloco “Girafa da Cerquinha”, saindo rumo à folia, na zona do Porto. Rua Dr. João Pessoa, próximo à esquina da Rua Alm.
Tamandaré.
Caderno 9

O TEATRO DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO

João Luis Pereira Ourique1

Quando nos deparamos com a apresentação de Carlos Jorge Appel para o que seria o primeiro
tomo da publicação das peças teatrais de João Simões Lopes Neto por Cláudio Heemann,
percebemos a preocupação em destacar a importância desse trabalho e a seriedade com que ele
foi conduzido. Com o título “Afinal o teatro de Simões Lopes Neto”, Appel vincula o escritor
pelotense ao seu contexto histórico, destacando que tal trabalho iria “enriquecer em definitivo
o teatro brasileiro”2. Quer seja pelo fato de nem todas as peças estarem disponíveis ao Cláudio
Heemann, quer seja pelo fato do seu falecimento sem antes ter publicado o segundo volume
previsto ou mesmo pela publicação não se propor a ser uma edição crítica, o que ocorreu foi que
o teatro de João Simões Lopes Neto continuou sem enriquecer – perante a crítica especializada
– o teatro brasileiro e mesmo no âmbito da literatura gaúcha. Afinal, Simões Lopes apenas
começou a ter um respaldo importante pela crítica (em que pesem os decisivos trabalhos que
compuseram a edição de Contos Gauchescos e Lendas do Sul3, de 1949) a partir da década de
1980, com os trabalhos críticos sendo aceitos e publicados em várias partes do Brasil e suas obras
reconhecidas como relevantes e importantes para os estudos literários.
1 Graduado em Letras pelo
Devemos destacar, ainda, que a recepção positiva – especialmente no Rio Grande do Sul – a partir Centro Universitário Franciscano
da segunda metade do século XX dos Contos Gauchescos e de Lendas do Sul, também sustentou (UNIFRA, 1998), Mestre em
Letras pela Universidade Federal
um olhar de descaso em relação a suas outras produções. E que, curiosamente, houve uma de Santa Maria (UFSM, 2003),
inversão da recepção de suas obras: no final do século XIX e início do século XX, Simões Lopes Doutor em Letras (Estudos
gozava de um certo prestígio como autor teatral, sendo suas obras-primas um projeto futuro, Literários) pela UFSM, (2007)
e Pós-Doutorando do PPG
talvez dependente de um olhar melancólico sobre um passado que ficou ainda mais distante e ao em Literatura da Universidade
mesmo tempo mais presente pelo viés regionalista – seja este regionalismo entendido a partir das Federal de Minas Gerais. É
professor Adjunto do Centro de
categorias literárias, seja a partir do aspecto de valorização folclórica e tradicionalista. Letras e Comunicação da UFPel.
É organizador de diversos
Ao discordarmos de Mozart Victor Russomano (responsável por entregar os manuscritos das livros, entre outros, de Teatro
e Literatura: entre o texto e
peças a Cláudio Heemann) quando afirma não acreditar “que as peças teatrais e as conferências o espetáculo. 19 ed. Pelotas:
acrescentem alguma coisa à glória literária de João Simões Lopes Neto”4, enfatizamos que as PREC/UFPel, 2012).
peças literárias acrescentam muito à obra do escritor gaúcho especialmente por apresentarem um
cenário urbano e uma preocupação com uma realidade cultural em curso, diferentemente das
suas obras consagradas. Podemos ainda nos atrever a mencionar que se tivéssemos conhecido
João Simões Lopes Neto somente a partir dos manuscritos de suas peças, ainda assim teríamos
um escritor relevante para ser lido no atual contexto. Russomano valoriza o conjunto da produção
simoneana, mas não reconhece totalmente a importância desses textos, talvez porque esteja
imerso em uma visão calcada naquele que “como nenhum outro, disse com tanta simplicidade,
com tanta leveza, com tanta precisão, as mais belas coisas dos ‘causos’, estórias e lendas do nosso
Rio Grande”. Visão legítima, mas limitadora ao mesmo tempo, o que torna ainda mais necessário
o estudo sobre essa faceta do escritor gaúcho, doravante não limitado à caracterização de escritor
regionalista, mas evidenciando a sua face urbana5.

Ao optarmos pelo termo teatro ao invés de literatura dramática para este ensaio, procuramos discutir
também o cenário do seu envolvimento com mais elementos desse processo. Sua preocupação com
as encenações, sua atuação como diretor e produtor cultural dos seus próprios trabalhos evidencia
algo mais do que o texto em si – ainda que sejam exatamente os textos, a literatura dramática, o
que chegou aos nossos dias e com os quais podemos realizar aproximações e reflexões importantes.
Com isso, o teatro de Simões Lopes, ou melhor dizendo, a leitura a partir da convergência de vários
elementos (textos literários, reportagens, biografia), possibilita uma revisão sobre o seu papel como
escritor. Vários de seus trabalhos situam os problemas com base em uma estética realista – por vezes
sucumbindo a um moralismo, mas consistente com a postura dos ideais republicanos e democráticos
da época – a partir da qual discute e insere problemas que hoje parecem menores, porém presentes,
como é o caso da infelicidade no casamento, os amores não correspondidos e as superstições como
temas centrais da novela de folhetim A Mandinga. A menção ao folhetim é importante para retomar
a crítica de Antônio Hohlfendt que afirma, “depois de dizer que o leitor mais informado vai logo
recordar as tragédias barrocas, a capacidade dramática do enredo, com ‘intensa movimentação de
entra-e-sai das personagens, muito semelhante ao teatro em que, justamente neste mesmo ano de
1893, João Simões vai estrear’”6.

O início da produção teatral de João Simões Lopes Neto é marcada oficialmente pelo lançamento
da peça O Boato7. Os pseudônimos de Serafim Bemol (João Simões Lopes Neto) e Mouta-Rara
(Gomes Mendes, cunhado de nacionalidade portuguesa de Simões Lopes) assinaram as principais
parcerias da dramaturgia simonena, sendo que, juntamente com O Boato, as peças Os Bacharéis
e Mixórdia foram encenadas por grupos amadores, conforme podemos resgatar do cartaz de
divulgação8 desta última: “Acção: do Fragata ao Matadouro e da Luz ao Estaleiro. Original de
Serafim Bemol e MoutaRara e oferecida a esta sociedade. – Música especialmente escolhida pelo
applaudido virtuose Sr. Dr. J. C. – Regente da orchestra o Maestro Cavalcanti”.

As parcerias, portanto, não se restringem à escrita, mas incorporam o necessário complemento musical
por parte de compositores e maestros, como é o caso do já mencionado Maestro Cavalcanti e do
também maestro Manoel Acosta y Olivera, responsável pela partitura da peça O Boato: “Revista comica
de alguns pedacinhos notorios – Musica de diversos autores – O tango do Boato expressamente
composto pelo Maestro M. Acosta y Olivera; em um prologo e dois actos divididos em 5 quadros”9.
Carlos Francisco Sica Diniz reconhece a importância da produção dramática de João Simões Lopes
Neto ao apontar sua recepção positiva no cenário local e também sua relação com o que ocorre
nos centros hegemônicos de cultura teatral do Brasil: “As encenações das chamadas revistas de
ano – gênero no qual Simões, em seu aprendizado humorístico que já revelava o gosto pela pilhéria,
movimentava-se com familiaridade – estavam em moda nas ribaltas da capital federal”10.

Para oferecermos um panorama aos leitores sobre a produção dramática de João Simões Lopes
Neto e oportunizar a aproximação mais adequada com o que já foi escrito sobre o seu teatro,

244
adotaremos a classificação de Cláudio Heemann para articular essa reflexão ao mesmo tempo em
que apontamos algumas peculiaridades. As parcerias, conforme já mencionamos, incorpora as
peças O Boato (manuscrito de 1893 e publicado pela Livraria Universal de Echenique & Irmãos em
1894), Mixórdia (manuscrito de 1894-5)11 e Os Bacharéis (manuscrito de 23/07/1894, publicada
a parte lírica pela gráfica Guarany em 191412 e tendo ainda duas edições realizadas pelo Instituto
João Simões Lopes Neto em 2005 e 2006).

Nas Cenas breves estão incluídas as peças O maior credor (manuscrito da primeira parte de uma
comédia em reformulação datada de 191413 e música de Carlos Paiva – tanto a partitura quanto o
restante da peça estão desaparecidos), A Valsa Branca (impressa pela Tipografia do Diário Popular
em 191414), Sapato de Bebê (manuscrito de 191515) e Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá (manuscrito de
10/08/190116, publicado por Cláudio Heemann em 1990 e por Paulo Betancur17 em 2003). Para
salientarmos a relevância da produção de João Simões Lopes Neto para além das peças encenadas,
publicadas e recebidas com certo entusiasmo pelo público pelotense, propomos a possibilidade de
leitura da Cena breve: Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá. A peça, composta de um único acto, apresenta
um casal que milagrosamente escapa ao suicídio. Enquanto Jojô deveria apertar o laço da corda
para enforcar Jajá, ela deveria disparar o revólver contra Jojô. Tal situação reitera o absurdo quando
percebemos que se trata de mais uma tentativa, que não é o primeiro ato de suicídio frustrado.

O termo absurdo não é mencionado em vão. Além da situação em si, também remetemos à
perspectiva crítica de Martin Julius Esslin18 sobre o Teatro do Absurdo19. Aqui, a noção de ampla
comédia que o crítico utilizou para refletir sobre a produção de autores do século XX, como
Eugene Ionesco. A ampla comédia não é apenas o riso, antes o contrário, é a materialização
de um sentimento de impotência ou incompletude levado ao extremo em cujo vórtice o riso
surge como sobrevivência, resistência e inquietação, exatamente como na peça simoneana.
Devemos enfatizar que classificações não são importantes, mas sim a possibilidade que conceitos
e definições podem apresentar para ampliar o nosso horizonte de compreensão. Imaginar que
escritores pertencentes ao século XIX, no extremo sul do Brasil, pudessem apresentar certas
características em suas obras nos faz refletir e articular uma leitura diferente sobre os conflitos
existenciais, sociais e políticos desse período.

Apresentaremos uma pequena comparação entre a peça de João Simões Lopes Neto com a peça
Um credor da fazenda nacional, do dramaturgo gaúcho Qorpo Santo, considerado por parte da
crítica especializada como o precursor do Teatro do Absurdo, mais voltado para o surrealismo
de André Breton do que para a ridicularização de Ionesco. Ainda assim, Qorpo Santo apresenta
personagens secundários ocupando o espaço do discurso de importância, com as falas que
podem parecer desconectadas do restante da narrativa, mas que acabam por dizer o que fica
apagado pelos interesses das hierarquias sociais. É essa perspectiva que se evidencia na peça Um
credor da fazenda nacional, uma comédia em dois atos, sem indicação de cenas. A discussão
entre o Porteiro e o Contínuo aborda questões relevantes – tais como política, revolução, medo,
autoritarismo e opressão – enquanto que o Credor, o Major, o Contador, o Chefe de secção,
um Indivíduo, Sr. Barboza, entre outras personagens que passam no burburinho da repartição,
apenas dão continuidade à crítica ao entrave do sistema burocrático de forma superficial:

PORTEIRO – Custa a crer a retardação de pagamento ou a preguinha, segundo


dizem alguns empregados!
CONTÍNUO – O caso é que ele tem procedido sempre com a maior prudência!
PORTEIRO – Isso é verdade. Mas quantos terão sofrido pela falta de cumprimento
de deveres de alguns funcionários públicos?
CONTÍNUO – É verdade! Tem havido tantos males, que enumerá-los talvez fosse impossível.

245
PORTEIRO – Mas tu sabes o que os empregados querem? Talvez não saibas. Pois
eu te digo:
1° – Acabar com a Monarquia Constitucional e Representativa!
2º – Pôr termo às repartições públicas; isto é, acabarem com todas estas imposturas!
3º – Mudar a forma de governo para República.
4º – Fazerem uma liga entre todos que...
CONTÍNUO – (pondo as mãos na cabeça e puxando as orelhas) – Estás louco!
Homem! D’onde vieram-te esses pensamentos!? Se não mudas de modo de pensar,
vais parar à Caridade.
PORTEIRO – Ah! Tu não ouves! És surdo! Não vês. Tens olhos e não enxergas!
Ouvidos, e não ouves! Só falas! Tu verás a revolução que em breve se há de operar!
Olha; eu estou vendo o dia em que entra por aqui uma força armada; vai aos cofres,
papéis e rouba quanto neles se acha. Acende um facho, e laça fogo em tudo quanto
é papéis.
CONTÍNUO – (a correr) – Ih! Ih! Ih! Parece que já estou ouvindo o tinir das espadas!
A voz do canhão troar. Deus meu! Acudi-me! Ai! Que eu morro! (Cai sentado). Ai!
Ai! Estou cansado! Fadigado! Quase... Meu Deus! Quantas mortes vos aprazerá
ainda fazer!? Quando vos compadecereis de vossos entes ainda que maus!? Quando
se aplacará a vossa ira!? Quando se saciará a vossa vingança! Céus! Que vejo! (Como
amparado com as mãos; pondo o corpo de lado; ao ouvir o som da trovoada que em
cima se faz). Ah!...
PORTEIRO – (querendo acudi-lo) – Não é nada, companheiro e amigo! São os
primeiros preparativos para a estralada que logo mais terá de ver e ouvir. Tranquiliza
o teu coração. Ainda não desceram raios, fogo, e tudo o mais que se há preparando
para grande revolução! Começará de cima; e descerá à terra, como a saraiva em
certos dias chuvosos. (Ouve-se nova trovoada; relâmpagos).
CONTÍNUO – (melhorando pouco; e levantando-se) – Acho-me um pouco mais
animado? Parece-me que isto não é comigo. Que dizes? Hem? (batendo no ombro
do porteiro). Que diabo, pois eu nada fiz, o que devo temer!? Sou muito pusilânime.
PORTEIRO – Tu sempre foste um poltrão. De tudo te assustas; de tudo tens medo!
Diabo! (Empurra-o). Toma juízo! Deixa-te de...
CONTÍNUO – Ora, ora! E não entendo o que é ter juízo, pelo que vejo, e pelo que
ouço. Vivo em minha casa. Trabalho incessantemente em proveito meu, e da minha
família. Não ofendo a pessoa alguma! Sucede-me isto! Dizei-me: – O que é ter
juízo?
PORTEIRO – Ter juízo é cometer... e... ai! ai! (pondo as mãos no rosto) que também
estou ficando doente!
CREDOR (voltando) – Ainda hoje não recebo dinheiro! Prometeu-me um Empregado,
e a mais um indivíduo que espera... Como de... (Sai). Veremos se se pode receber
segunda-feira!20

Todo o diálogo de cunho político parece de nada importar, pois a cena enfoca a realidade
do credor e as preocupações imediatas que fazem sucumbir a questões mais relevantes. O
deslocamento, o fato dos subalternos que não têm o poder para realizarem as transformações

246
terem as falas mais densas, coloca os mais favorecidos econômica e politicamente em um cenário
no qual a burocracia emperra a sociedade como um todo. Na peça Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá,
João Simões Lopes Neto apresenta as personagens Jojô e Jajá conduzindo um diálogo que
evidencia o amor desesperado e as tentativas frustradas de suicídio, salientando que ambos se
completam em todos os aspectos.

JAJÁ
Cumpra-se o cruel fado! Ainda uma vez, adeus! (Apertam-se as mãos).
JOJÔ
Aperto?
JAJÁ
Atiro?
JOJÔ
(À parte). Que eu morra, vá. Ela sim, não!
JAJÁ
(À parte). Sim, ele, não! Antes eu!
JOJÔ
Atira!
JAJÁ
Aperta! (Pausadamente ele fica com o revólver e ela desaperta e tira a corda
suspirando) Ah! Jojô! Ah! Ainda uma vez escapamos milagrosamente ao suicídio!
Que queres? Não é por falta de vontade. É sempre assim. Preparamos tudo. Sempre
só nos falta morrer! Mas tu pensas em me salvar!
JOJÔ
E tu igualmente a meu respeito!
JOJÔ
É preciso sair disto. Somos incompreendidos. Que estupidez ter talento!
JAJÁ
É mau, ser-se bom!21

Dando sequência à peça, as personagens se elogiam e se corrigem mutuamente, enfatizando as suas


insatisfações e inadequações em relação ao mundo que os cerca e à incapacidade de abandonarem
a vida. Nessa sucessão de diálogos ocorre um descompasso entre referências eruditas e populares,
intercalando momentos de euforia e desespero. Percebe-se, inclusive, a inserção de uma propaganda
do fumo Marca Diabo (um dos tantos empreendimentos de João Simões Lopes Neto e que, por
causa do nome dado ao produto, teve problemas com a Igreja) mediante o acréscimo de dois versos
ao famoso poema romântico Ilusões da vida, da autoria de Francisco Otaviano (1825-1889).

JAJÁ
Jojô! Quem sabe! Talvez o bom tempo volte!

247
JOJÔ
Jajá! Uma espera! Até ver! (Cantam).
JAJÁ
Mas afinal, em que ficamos? Nos liquidamos?
JOJÔ
(Trágico). Sabes quem foi Asaverus
O mísero judeu que tinha escrito
Na fonte o selo atroz? Pois bem,
Depois de procelosa tempestade
Waterloo! Waterloo – dizendo, passa.
E quanto mais miava o gato
Mais a velha lhe batia.
JAJÁ
(Trágica). Arreda-te, miserável! Eu sou o cândido lírio que atiraste ao lodaçal. Eu
sou a órfã que tu rotaste ao opróbio! Foste tu, que com fementidas falas abusaste
dos meus verdes anos inscrevendo-me no rol da roupa suja... não... no rol das tuas
vítimas inocentes!... Oh! Cabelos russos da cabeleira do papai! Sorriso maternal,
afeto dos irmãos!
JOJÔ
Ah! Mas foi aquela desgraça. O fiscal chimpou a multa logo no sair do leite das
canecas! Cinco fachos com este frio! E com a carne do mesmo jeito! Fui andando
e fui dizendo:
Quem passou pela vida em brancas nuvens
E em plácido repouso adormeceu.
Quem o ardor da luta não sentiu
Quem o frio da desgraça não sofreu
Foi fantasma de homem não foi homem!
Só passou pela vida, não viveu.
E porque só fumou fumos ardidos
E do bom fumo marca Diabo se esqueceu22.

Somente a presença do marketing na peça de João Simões Lopes Neto seria elemento importante para
destacá-la como objeto de reflexão. Essa forma de interação com o seu público/sociedade, incluindo a
noção de clientes (sejam clientes culturais, reconhecidos pelo consumo da peça teatral, sejam clientes
de mercado, vistos pela compra do produto anunciado) possibilita essa correlação entre a sociedade
tradicional e a nova sociedade de consumo marcada pelo crescimento da produção científica e tecnológica
que gerava novas necessidades para o cotidiano das pessoas, especialmente dos centros urbanos.

A estratégia de João Simões Lopes Neto se situa no início de uma transição da era pré-industrial para
a era industrial, do desenvolvimento da indústria em sua concepção moderna no que diz respeito aos

248
novos comportamentos das pessoas em relação ao produto, incluindo nesse conceito a própria ideia
de cultura. Nesse sentido, a produção artística – não só a simonena – nos auxilia no entendimento da
análise proposta por Hannah Arendt23. Segundo Arendt, talvez a principal diferença entre a sociedade
e a sociedade de massas esteja em que a sociedade sentia necessidade de cultura, valorizava e
desvalorizava objetos culturais ao transformá-los em mercadorias e usava e abusava deles em proveito
de seus fins mesquinhos, porém não os “consumia”. A sociedade de massas, ao contrário, não precisa
de cultura, mas de diversão, e os produtos oferecidos pela indústria de diversões são, com efeito,
consumidos pela sociedade exatamente como quaisquer outros bens de consumo. Ao incorporar
elementos do cotidiano das pessoas de forma caricata, João Simões Lopes Neto, além de provocar o
riso, também apresenta a necessidade de financiamento do artista na nova ordem econômica e social.

Retomando a classificação de Cláudio Heemann, apresentamos As comédias, compostas pelas


peças (manuscrito de 189624, publicado por Cláudio Heemann em 1990 e por Paulo Betancur em
2003), A viúva Pitorra (manuscrito de maio de 189825, editado pela Livraria Comercial no mesmo
ano, publicado por Heemann em 1990 e por Betancur em 2003), Fifina (manuscrito de agosto de
189926), Amores e facadas (manuscrito de 19/11/190127, publicado por Heemann em 1990 e por
Betancur em 2003) e Por Causa das Bichas (manuscrito de 08/11/190328, publicado por Heemann
em 1990 e por Betancur em 2003).

Gostaríamos também de trazer partes de um estudo que foi publicado na revista Caderno de Letras,
do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas no ano de 2012, intitulado “A
ideia de brasilidade na literatura dramática de João Simões Lopes Neto”29, cujo principal argumento
foi o de que há uma relação importante da obra teatral de João Simões Lopes Neto com a noção
de brasilidade, ou seja, uma preocupação, ou no mínimo a inserção, do escritor com o contexto
de uma urbanidade brasileira. O que pautou esse argumento foi exatamente o estudo comparado
entre a peça de João Simões Lopes Neto (O Bicho) e o conto de Machado de Assis (Jogo do bicho)
na intenção de refletir sobre a contravenção, refletindo, também, sobre as questões cotidianas do
meio social no qual os autores estavam inseridos. A contemporaneidade entre os autores e as obras
autoriza o pensamento de uma identidade mínima em comum partilhada pela noção de nação, de
uma unidade nacional em sua diversidade, na qual é possível perceber fragmentos de aproximação
na contramão dos estudos voltados para o constante afastamento do autor gaúcho tanto da noção
de brasilidade, quanto do próprio espaço das calçadas citadinas.

A contravenção mencionada, tema das duas produções, é abordada a partir do conto de Machado,
que evidencia a relação psicológica da personagem com o ganho fácil, aproximando a visão moral
de crítica ao jogo com a ironia dos ganhos que se esvanecem em si mesmos. João Simões Lopes
Neto, por sua vez, também apela ao caráter moral, só que pelo viés de uma comicidade mais
direta, do riso amplo – e não disfarçado como na construção irônica machadiana – que atesta o
“ao que ponto chegamos” em nossos vícios e desejos mesquinhos.

Dessa forma, a análise do conto de Machado de Assis, datado de 1904, Jogo do bicho, permite um
entendimento de como essa contravenção se tornou parte do Brasil. O jogo e a forma como ele se
consolidou no cotidiano e no imaginário popular – criando raízes a partir do final do século XIX
– sendo aceito como uma prática onipresente no cenário das ruas de qualquer cidade brasileira
apresenta uma espécie de unidade nacional problemática, pois coloca em pauta uma sociedade
plena de situações de conflitos, de desigualdades e melancólica em sua base formativa.

Antonio Candido, apoiando-se no ensaio de Roger Bastide, entende como a forma narrativa
machadiana “comporta uma carga de mundo que atua graças à organização efetuada pela
composição literária, não à simples referência temática ou conceitual”30. Dessa forma, o cenário
– a paisagem brasileira – da narrativa está (assim como também é possível perceber na peça de

249
Simões) vinculado ao discurso machadiano “como elemento essencial da fatura, relativo, seja à
natureza dos personagens, seja à ordenação da narrativa”31.

Machado de Assis conta a entrada de Camilo, que “ocupava em um dos arsenais do Rio de Janeiro
(marinha ou guerra) um emprego de escrita”32, nas armadilhas do jogo. Passando por dificuldades
financeiras e por estar marcando o passo ao não ser promovido no trabalho, se desespera com a situação
em um diálogo com sua esposa Joaninha e encontra no próprio desespero o consolo momentâneo:

– Tem paciência, dizia-lhe Joaninha.


– Que paciência? Há cinco anos que marco passo...
Interrompeu-se. Aquela palavra, da técnica militar, aplicada por um empregado
do arsenal, foi como água na fervura; consolou-o. Camilo gostou de si mesmo.
Chegou a repeti-la aos companheiros íntimos. Daí a tempos, falando-se outra vez
em reforma, Camilo foi ter com o ministro e disse:
– Veja V. Exª que há mais de cinco anos vivo marcando passo.
O grifo é para exprimir a acentuação que ele deu ao final da frase. Pareceu-lhe que
fazia boa impressão ao ministro, conquanto todas as classes usassem da mesma
figura, funcionários, comerciantes, magistrados, industriais, etc., etc. Não houve
reforma; Camilo acomodou-se e foi vivendo33.

Com as dívidas se acumulando, Camilo joga pela primeira vez no bicho. A descrição do jogo
feita pelo narrador do conto procura explicar com exatidão esse processo, como se o mesmo não
fosse de conhecimento geral. Por ter ganhado essa primeira vez e pelo despropósito do prêmio
– “ganhou não sei quantas vezes mais”34 –, Camilo continua jogando. E ao receber um aumento
nos vencimentos – ainda que a promoção não ocorra – resolve batizar o filho convidando o
bicheiro com quem jogava, talvez na esperança de que a proximidade familiar lhe desse mais
sorte. A partir daí é que começa a operar a ironia do conto: o déficit de Camilo chega, segundo
suas anotações, a seiscentos e vinte e três mil-réis. Quando, enfim, consegue ganhar mais uma
vez no jogo, Camilo embolsa cento e cinco mil-réis. De posse desse dinheiro, comprou um jantar,
uma joia para a esposa e “entrou para casa com os embrulhos e a alma nas mãos e trinta e oito
mil-réis na algibeira”35. Esse valor é quase irrisório se comparado com a conta do que ele havia
gasto, mas o recebimento do montante, do inesperado valor ardentemente desejado, acaba por
tornar mais leve o seu fardo cotidiano.

No texto dramático de João Simões Lopes Neto – O Bicho –, datado de 1896, há várias semelhanças
com o conto machadiano. A principal é o envolvimento quase que patológico das personagens
com o jogo. Mesmo sabendo que não é a forma mais sensata de ganhar dinheiro, as personagens
dialogam sem explicação maior sobre o jogo. Há um certo descompasso do conto machadiano
com o texto simoeano nesse particular: enquanto Machado explica com detalhes as nuances do
jogo36, Simões Lopes Neto já apresenta ao público o jogo como algo plenamente inteligível, sem
qualquer necessidade de mediação, nem mesmo pelos diálogos dos atores em cena. É interessante
também pelo fato de que a peça foi escrita quase uma década antes do conto, evidenciando que
a cidade de Pelotas, terra natal do escritor e pano de fundo para a trama, estava perfeitamente
inserida no contexto de uma prática tipicamente brasileira.

Cláudio Heemann comenta que provavelmente é a comédia “o primeiro e único texto teatral
brasileiro a enfocar a paixão popular pelo jogo do bicho (...). A conhecida loteria ilegal é motivo
de um enredo caricaturado e farsesco em que a paixão pelo jogo faz as personagens insensíveis
a qualquer outra coisa que não seja a jogatina”37. Tudo sucumbe à vontade do jogo e do desejo
compulsivo de jogar. No entanto, as personagens sabem e, no início da peça, denotam uma
certa vergonha. Os diálogos de Cidalisa e Tiridates na Cena II do primeiro Ato consolidam essa

250
idiossincrasia das pessoas saberem da prática, esquivarem-se do julgamento moral, e mesmo
assim continuarem jogando:

TIRIDATES
Cidalisa: enterrei todos os cadáveres!
CIDALISA
Seu Tiridates, não fale em defuntos!... Até parece agouro!...
TIRIDATES
Que defuntos, senhora! São vivos, bem vivos, vivíssimos, até! (Sopra). Apenas me
deixaram dez mil-réis – por junto.
CIDALISA
Não entendo, seu Tiridates. Ora cadáveres vivos!... Cadáver já quer dizer moribundo
que morrendo ficou defunto.
TIRIDATES
Já me vem a senhora com o seu francês!... Cadáver, quer dizer credor! Enterrei
todos!
CIDALISA
Virgem nossa senhora! Você deixou o emprego de lambedor de selos e virou
coveiro!... Que agouro!
TIRIDATES
Senhora! (Sopra). Paguei tudo... tudo... E ainda sobrou dinheiro.
CIDALISA
Pois... E então? Que tem? Não devemos nada e ainda sobrou... Você bem podia me
comprar um chapéu...
TIRIDATES
(À parte). Pobrezinha! Estou engasgado... Mas devo dizer (Vai ao berço). Bilo! Bilo!
Bilo!...
CIDALISA
(À parte). Se a mamãe estivesse aqui, agora... Aposto que ou saía chapéu... ou
rebentava um tal turum bamba!... (Alto). Quanto sobrou, seu Tiridates?
TIRIDATES
Quê? Não sobrou nada...
CIDALISA
Mas você disse que sobrou...
TIRIDATES
Sim, sobrar... sobrou... Bilo! Bilo! Bilo!... E depois que sobrou... sossobrou!... Eu...
Eu... (À parte). Que caroço... Estou tão arrependido!... (Alto). Bilo! Bilo! Bilo!
CIDALISA
(À parte) Como disfarça! Aqui anda grande bilontragem!... Ele quando está no bilo!

251
bilo! bilo!... Hum... É cousa!...
(...)
TIRIDATES
(À parte). Ah! Se os arrependidos se salvassem! (Alto). Cidalisa... tive o palpite... e, e,
e, e, e... Atropelei tudo na pomba!...
CIDALISA
(Fica estática, de boca aberta). No bicho!...
TIRIDATES
Não devemos nada! Sobrou dez mil réis!... Joguei... Se sai, são duzentos fachos,
Cidalisa!... Duzentos! E compro-te o chapéu e um vestido e um saiote para o
pequeno e uma fatiota para mim e compro um violão e um carrinho para o menino
e um chapéu de sol para tua querida mãe e alugamos um carro e vamos jantar no
Parque e damos um chá de garfo dançante...
CIDALISA
Duzentos!
TIRIDATES
Sim! Duzentos! É dinheiro que nunca mais se acaba. Joguei na pomba... E pomba
dá esperança...
CIDALISA
Eu joguei no gato...
TIRIDATES
No ga!?... (Sopra, estático).
CIDALISA
Sobrou das compras e... (Vai ao berço). A mamãe me deu o resto.
TIRIDATES
O quê?!... tu também és bicheira!...
CIDALISA
(Festinhas). Bilo! Bilo! Bilo!... (Tira a criança)38.

Apesar de ser classificada como uma “farsa popular algo grosseira e crua” por Cláudio Heemann,
o crítico acentua que a mesma é “animada por tipos e ambientes desenhados com eficácia e uma
inegável movimentação”39. Mesmo com essa observação, e pelo fragmento da peça transcrito
anteriormente, O Bicho apresenta uma inegável incorporação da quebra da expectativa, ou seja,
o confronto esperado pelo tom de angústia de Tiridates em revelar que atropelou tudo na pomba,
encontra o inesperado e cômico desenlace no qual vê Cidalisa também apostando. Ambos ficam,
assim, envergonhados e aliviados por se encontrarem na mesma situação.

A morte da criança que decorre da negligência dos adultos é comparada, por Heemann, com
o clássico As desgraças de uma criança, de Martins Penna. No entanto, essa situação somente
serve para evidenciar a total loucura a que as personagens sucumbem ao longo da história em
decorrência do vício no jogo. As irresponsabilidades, ainda que tenham ligação com a peça de

252
Martins Penna, são apresentadas com um efeito cômico capaz de fazer a plateia rir do absurdo
narrado, sendo que a “continuidade da ação é sustentada em ritmo vivo pelo deboche insistente
à paixão nacional pelo jogo do bicho”40.

Precisamos inserir em As Comédias comentários importantes sobre duas peças: a primeira por não
estar no material disponibilizado por Mozart Victor Russomano, que é Coió Júnior (manuscrito
inédito datado de 03/05/1896 em parceria com Raul D’Anvers), e a peça O Palhaço, da qual não
temos nenhuma outra informação ou mesmo registro. A referência a esta obra é feita a partir da
biografia de Carlos Francisco Sica Diniz que consultou notícias vinculadas nos jornais da época:

Em agosto, mês da fundação do Clube Caixeiral, o aniversário da entidade era


comemorado com saraus artísticos e encenações teatrais. E assim ocorreu a 19 de
agosto de 1900, nas dependências do Teatro 7 de Abril. Naquela mesma noite foram
apresentadas duas peças de Serafim Bemol, representadas por artistas amadores do
clube aniversariante: O Palhaço, uma pequena cena dramática, e Fifina, comédia
em ato único, anotada como inédita no verbete que J. Galante de Sousa dedicou à
produção cênica de Simões Lopes Neto, no livro O Teatro no Brasil41.

O Palhaço, dessa forma, se constituiria no único Drama de João Simões Lopes Neto. A terceira divisão
proposta por Heemann que se embasava na peça Nossos filhos acaba por não se sustentar, tendo
em vista a reportagem de Zero Hora publicada em 29 de maio de 199142 que aponta para mais uma
possível e provável faceta do escritor pelotense: a de tradutor. Como falta o primeiro ato da peça
não temos acesso às informações que poderiam esclarecer desde o início essa semelhança entre o
drama simoneano e a peça Nuestros hijos do dramaturgo uruguaio Florêncio Sánchez (1875-1910).
Nesta reportagem, Heemann comenta que quem “descobriu a similitude foi o ensaista, ator e diretor
Fernando Peixoto, que possui exemplar das obras completas de Sánchez. Florêncio Sánchez viveu em
Buenos Aires, onde foi jornalista, e em sua terra natal. Dono de carpintaria teatral segura, preocupou-
se com problemas éticos. É pouco conhecido fora da Argentina e do Uruguai. Mas os dois países o têm
como iniciador da dramaturgia na região do Prata”. A peça Nuestros hijos estreou em Buenos Aires
no ano de 1907 e é bem possível que Simões Lopes tenha tido acesso à obra e demonstrado interesse
em adaptá-la ou traduzi-la pelo caráter crítico ao preconceito de uma elite moralista de sua época.
Heemann ainda comenta o caso similar da peça Sapato de bebê, “admitido extrato de um conto de
François Coppeé”43, certamente com o intuito de apontar que a falta da parte inicial de Nossos filhos
comprometeu o entendimento de que se tratava de uma versão/tradução.

O Drama/tradução (para acrescentarmos o elemento necessário à classificação até então adotada)


possui várias questões relevantes a serem observadas, como a adaptação dos nomes e referências
do texto original visando inseri-lo no contexto brasileiro sem maiores estranhamentos por parte
do público44. Ocorre, por assim dizer, uma interlocução de teses e posturas éticas partilhadas pelos
dois autores, conforme podemos associar da seguinte citação de Dardo Cuneo extraída do Teatro
completo de Florêncio Sánchez: “Nuestros hijos define elafán de Sánchez por completar su teatro
com la afirmación hablada de sus tesis”45 , visto que, segundo Beatriz Seibel, “Em la línea naturalista
están obras de tesis como Nuestros hijos, un ‘drama de ideas’ que muestralos problemas sociales”46.

Com tudo isso, podemos afirmar, juntamente com Heemann que “o legado dos textos teatrais de
João Simões Lopes Neto ganha mais um episódio, a ser somado à maneira desorganizada com
que apareceu em seu espólio e às peripécias que os manuscritos sofreram ao longo dos anos,
fragmentando-se nas mãos dos herdeiros”. Parece que o Baú do Capitão reserva ainda algumas
surpresas para os pesquisadores e interessados na obra do escritor, dramaturgo, jornalista,
empresário, enfim, das várias versões de um homem igualmente plural, cujo teatro amplia ainda
mais as possibilidades de leitura.

253
Notas do pesquisador
2
Cf. LOPES NETO, J. S. Teatro. Pesquisa e estabelecimento do texto: Cláudio Heemann. Porto Alegre: IEL, 1990.
3
Referência à edição crítica com introdução, variantes e notas de Aurélio Buarque de Hollanda, prefácio e nota de Augusto Meyer
e posfácio de Carlos Reverbel, datada de 1949 e publicada pela Editora Globo (Rio de Janeiro – Porto Alegre – São Paulo), com os
direitos exclusivos da edição (prefácios, notas e características) da Livraria do Globo S.A. – Porto Alegre – Estados Unidos do Brasil.
4
O arquivo de Simões Lopes Neto. In: LOPES NETO, J. S. Teatro. Pesquisa e estabelecimento do texto: Cláudio Heemann. Porto
Alegre: IEL, 1990.
5
Referência ao projeto de pesquisa em andamento (2014-2016) no Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de
Pelotas, coordenado pelo professor Dr. João Luis Pereira Ourique e com a colaboração do professor Dr. Luís Rubira, cujo título é: A
literatura dramática de João Simões Lopes Neto: a face urbana do escritor gaúcho.
6
Cf. DINIZ, C. João Simões Lopes Neto, uma biografia. Porto Alegre: AGE/UCPEL, 2003, p. 85.
7
Anexo da capa da publicação O Boato.
8
Anexo do cartaz de divulgação da peça Mixórdia.
9
Anexo da primeira página da peça O Boato.
10
Cf. DINIZ, C. Op. cit., p. 90.
11
Anexo da folha do manuscrito da peça Mixórdia.
12
Anexo da capa da parte lírica da peça Os Bacharéis.
13
Anexo da folha do manuscrito da peça O maior credor.
14
Anexo da primeira página da peça A Valsa Branca.
15
Anexo da folha do manuscrito da peça Sapato de Bebê.
16
Anexo da folha manuscrita da peça Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá.
17
LOPES NETO, J. S. Obra completa. Organização de Paulo Betancur. Porto Alegre: Sulina, 2003.
18
ESSLIN, M. The theatre of the absurd. 3th. ed. London: Penguin books, 1980.
19
“O Teatro do Absurdo, porém, não foi uma escola, não havia uma filosofia coerente que os unificasse. Eugene Ionesco, um dos
principais representantes dessa dramaturgia afirmaria que talvez preferisse designar seu trabalho como “teatro do ridículo”, ou “teatro
da ridicularizarão”, reafirmando o caráter humorístico que permeia seu trabalho. O teatro nonsense, ou o absolutamente sem sentido
é frequentemente confundido com o absurdo, porém na essência eles divergem, pois o sem sentido não possui uma gramática,
isto é, não tem leis naturais de significação, ao passo que o absurdo é apenas visto como uma parte especial do que tem sentido,
sendo por isso sinônimo de contra-senso. Sendo este tudo o que é contrário ao bom-senso, portanto, tudo o que imobiliza o senso
comum” (OLIVEIRA, C. “Entre o social e o surreal”. In: Blog Papo Cultural: <http://papoculturaluerj.blogspot.com/2008/07/editoria-
teatrosegunda-matria.html> (Acesso em 05/10/2011).
20
LEÃO, J. “(Qorpo Santo). Um Credor da Fazenda Nacional”. In: _____. Teatro Completo. Guilhermino César (org). Rio de Janeiro:
Serviço Nacional de Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980, p. 140-142.
21
LOPES NETO, J. S. Teatro. Pesquisa e estabelecimento do texto: Cláudio Heemann, p. 300.
22
Idem, p. 306-307.
23
ARENDT, H. “A crise na cultura: sua importância social e política”. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988.
24
Anexo folha do manuscrito da peça O Bicho.
25
Anexo folha do manuscrito da peça A viúva Pitorra.
26
Anexo folha do manuscrito da peça Fifina.
27
Anexo folha do manuscrito da peça Amores e facadas.
28
Anexo folha do manuscrito da peça Por Causa das Bichas.
29
OURIQUE, J. “A ideia de brasilidade na literatura dramática de João Simões Lopes Neto”. In: Caderno de Letras. Teatro e Literatura:
entre o texto e o espetáculo. Nº 19, Jul.-Dez 2012, p. 74-85.
30
CANDIDO, A. Recortes. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004, p. 115.
31
Idem. Recortes. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004. p. 116.

254
32
ASSIS, Machado. Jogo do bicho. In: Escritos avulsos III. São Paulo: Globo, 1997, p. 233.
33
Idem, p. 234.
34
Idem, p. 235.
35
Idem, p. 242.
36
“Jogar no bicho não é um eufemismo como matar o bicho. O jogador escolhe um número, que convencionalmente representa um
bicho, e se tal número acerta de ser o final da sorte grande, todos os que arriscaram nele os seus vinténs ganham, e todos os que
fiaram dos outros perdem. Começou a vinténs e dizem que está em contos de réis; mas, vamos ao nosso caso” (ASSIS, Machado.
Idem, p. 234).
37
Cf. LOPES NETO, J. S. Teatro. Pesquisa e estabelecimento do texto: Cláudio Heemann, p. 21.
38
LOPES NETO, J. S. O Bicho. In: Teatro. Pesquisa e estabelecimento do texto: Cláudio Heemann, p. 173-176.
39
Idem, p. 21-22.
40
Idem, p. 22.
41
DINIZ, C. João Simões Lopes Neto, uma biografia. Porto Alegre: AGE/UCPEL, 2003, p. 111.
42
Anexo reportagem de Zero Hora, 29/05/1991.
43
Vide anexo da folha do manuscrito da peça Sapato de Bebê onde se lê a observação logo após o título: “Parafraze de F. Coopée”.
44
Apenas para ficarmos com dois exemplos das escolhas de João Simões Lopes Neto, citamos a manutenção do nome de Mercedes
em toda a peça, não utilizando o apelido familiar de Mecha. O outro ponto é a escolha por comitê ao invés de comissão para traduzir
comisiones do texto de Sánchez. Outras adequações – especialmente no que se refere aos nomes das personagens com vistas a uma
familiarização com a cultura brasileira – são perceptíveis na versão de Simões Lopes.
45
SÁNCHEZ, F. Teatro completo. Veinte piezas seguidas de otras páginas del autor compiladas y anotadas por Dardo Cuneo. Tercera
edición. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1964, p. 415.
46
Cf. Antología de obras de teatro argentino. Desde sus orígenes a la actualidad. Selección y prólogo de Beatriz Seibel. Buenos Aires:
Inst. Nacional del Teatro, 2010. p. 18.

255
Figura 1

Figura 4

Figura 6

Figura 2

Figura 5

Figura 7

Figura 3

256
Figura 8 Figura 12 Figura 13

Figura 9

Figura 14

Figura 10

Figura 15

Figura 11

257
Pesquisa, seleção de imagens e notas de João Luis Pereira Ourique.

Figura 1: Capa de “O Boato”. Fonte: Acervo do autor.


Figura 2: Cartaz de estreia de “Mixórdia”, por João Simões Lopes Neto e José Gomes Mendes.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 3: Folha do manuscrito da peça “Fifina”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 4: Folha do manuscrito da peça “Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 5: Folha do manuscrito da peça “Mixórdia”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 6: Folha do manuscrito da peça “O Maior Credor”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 7: Folha do manuscrito da peça “Sapato de Bebê”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 8: Folha manuscrito “A viúva Pitorra”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 9: Folha manuscrito “Amores e Facadas”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 10: Folha manuscrito da peça “O Bicho”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 11: Manuscrito da peça “Por Causa das Bichas”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 12: “Os Bacharéis” - parte lírica. Fonte: Acervo do autor.
Figura 13: Primeira página da peça “A Valsa Branca”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 14: Primeira página de “O Boato”. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15: Reportagem do jornal Zero Hora de 20 de maio de 1991. Fonte: Acervo do autor.

258
209 210 211

216 217
212 213 214 215

218 219 220

209. Vista no sentido norte do Canal São Gonçalo, com a cidade ao fundo, vendo-se a antiga ponte ferroviária metálica e a primeira ponte rodoviária de
Concreto. Década de 1970. 210. Vista parcial do Canal São Gonçalo e da cidade na direção noroeste, com a ponte nova de concreto em primeiro plano.
211. Vista parcial do Porto e do Canal São Gonçalo. Cartão Postal. 212. Vista parcial da zona central da cidade na direção sudeste, com o a zona do Porto ao
fundo. 213. Vista parcial da cidade na direção sudeste, com o Canal São Gonçalo ao fundo. 214. Trecho da zona portuária, com a Fábrica Fiação e Tecidos em
primeiro plano, o Moinho Pelotense ao centro e o antigo Frigorífico Anglo ao fundo. Vista aérea. Década de 1960. 215. Panorama da zona central da cidade, na
direção sul. À direita, a Rua Andrade Neves. 216. Idem. Vista complementar da figura anterior, um pouco mais a leste. 217. Vista aérea parcial da zona central
na direção sudoeste, com a Praça Cel. Pedro Osório ao centro. 218. Vista aérea parcial da zona central, na direção sul, com o Estádio Boca do Lobo e o atual
Parque Dom Antônio Zattera em primeiro plano. 219. Vista parcial da cidade na direção leste. Ao centro, a Praça 20 de Setembro. Década de 1950.
220. Vista parcial da cidade na direção sudeste. Ano de 1958.
221 222 223

228 229 230


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231 232 233

221. Mulheres na Praia do Laranjal. Ano de 1934. 222. Homens posando pendurados em árvore à beira da lagoa, na Praia do Laranjal. 223. Balneário Santo
Antônio, Praia do Laranjal. Década de 1960. 224. Barco a vela visto desde o Balneário dos Prazeres, popularmente conhecido como “Barro Duro”. Ano de 1954.
225. Veranistas à beira da Lagoa dos Patos, Praia do Laranjal. Década de 1960. 226. Idem. IbIdem. 227. Banhistas posando sobre tronco de antiga Figueira
à beira da lagoa, na Praia do Laranjal. Década de 1950. 228. Grupo de meninos na Praia do Laranjal. Década de 1970. 229. Vista aérea do Balneário Santo
Antônio, Praia do Laranjal. Década de 1950. 230. Vista aérea parcial da Praia do Laranjal. Década de 1970. 231. Idem. Em destaque o Balneário Valverde.
Década de 1970. 232. IbIdem. Em primeiro plano, o Balneário Santo Antônio. Ano de 1972. 233. Vista parcial da Av. Dr. Antônio Augusto de Assumpção,
Praia do Laranjal. Década de 1970.
Caderno 10

“NEM MESMO O PAPA PODE DISPOR


DOS BENS DE SÃO FRANCISCO”

Caio Ricardo Duarte Ribeiro1

Introdução conceitual
A frase acima, de José Máximo Corrêa de Sá, um dos membros da Irmandade do Santíssimo
Sacramento e São Francisco de Paula, tem emblemático valor, pois se refere ao processo de
mudança profunda na prática religiosa católica, bem como de transformações e reorganização
das instituições na sociedade brasileira no começo do século XX.

O objeto desta reflexão insere-se, em seu sentido mais geral, nas consequências advindas da
separação entre Estado e Igreja no Brasil e do conflito entre o processo de remodelação interno do
catolicismo denominado romanização (DELLA CAVA, 1976) e o modo particular, em que se viveu
– ou “vive-se” – a religião católica designado de catolicismo barroco no Brasil (BOSCHI, 1986;
SOARES, 2000; REIS, 2009). Tais fatores devem ser articulados aos fatos históricos relacionados
às circunstâncias econômicas, políticas e religiosas da cidade de Pelotas no período da República 1
Graduado em História pela
Velha (1889 – 1930), já que estes produziram seus efeitos próprios, particularmente no campo Universidade Federal de Pelotas
religioso, os quais são o objeto mais específico do presente estudo. (UFPel, 2006), Graduado em Teologia
pela Universidade Católica de Pelotas
(UCPel, 2007) e Mestre em Ciências
Os cruzamentos entre a elite político-econômica e a elite eclesiástica acarretaram em mudanças Sociais pela UFPEL (2011). Nota: Caio
no catolicismo pelotense, como a incorporação do patrimônio da Irmandade de São Francisco de Ribeiro faleceu em abril de 2013. O
presente texto foi por ele elaborado
Paula e Santíssimo Sacramento, a mudança nos estatutos das diversas irmandades e a imposição para publicação no Almanaque do
de culto a determinados santos. Neste sentido, destaca-se que o estudo das elites apresentadas Bicentenário de Pelotas, sendo aqui
editado in memoriam (Nota do
aqui é o das elites na História (HEINZ, 2006). Assim, os fundamentos da interpretação não se Organizador).
calcam, nas bases do antagonismo de classe, em uma lógica estruturalista.
As elites e os modos de dominação
Esclarecer a concepção de elite é primordial, pois a mesma é marcada por muitas controvérsias
no campo historiográfico e nas Ciências Sociais2. Antes, porém, é importante destacar que o
presente trabalho estabelece-se na perspectiva oposta de uma elite heroica – ou como alguns
designam, de beneméritos – centrada em “ações excepcionais”. Escolhe-se esse caminho, numa
lógica metodológica para evidenciar uma escala, uma hierarquia de olhar (HEINZ, 2006).

Em Elites regionais, Joseph Love e Bert Barickman definem elite com relação a “um conjunto
de posições formais julgadas relevantes para o exercício do poder político e clientelismo, isto
é, (...) critério posição preferencialmente ao critério reputação ou tomada de decisão” (LOVE;
BARICKMAN, 2006, p. 77). Este esquema de leitura pode ser utilizado tanto para a compreensão
das elites político-econômicas, como para a elite eclesiástica.

Neste contexto o critério que estabelece a posição é constituído a partir de um conjunto de elementos
estruturantes das elites, principalmente articulados através de características fundamentais do
período. No caso específico da “Princesa do Sul”, pode-se citar como importantes elos os títulos
universitários, os postos militares, o fato do sujeito ter ocupado cargo público – nas diversas
esferas: municipal, estadual e federal – e os laços familiares (CONNIFF, 2006).

Ademais, a caracterização da elite eclesiástica pode ser calcada também na posição, articulada
ao próprio status da Igreja Católica. Observa-se principalmente os critérios que fazem sobrepor-
se determinados presbíteros em relação a outros, como ser padre na cidade sede da diocese e,
particularmente, os párocos da Igreja matriz; ser estrangeiro; estar envolvido com as irmandades
e colégios; pertencer ao cabido episcopal.

No contexto de apreciação do poder simbólico e seus modos de objetivação, Bourdieu (2002)


analisa o modo de dominação, o qual deve ser percebido na lógica dos capitais dos diferentes
grupos sociais envolvidos. Neste sentido, procurou demonstrar traços pertinentes e, em certa
medida, sutis de como alguns grupos conseguem dominar outros. Através da objetivação de
“bens” – seja material, simbólico etc. – os quais fundamentam esquemas de dependência
duradouros; em outros termos, as relações de reciprocidade das elites estabelecem hierarquias
relacionadas às classificações do contexto histórico objetivo.

A concepção de Bourdieu (2006, p. 194) acerca da constituição de campos “relativamente


autônomos” deve ser destacada, pois funciona muito bem se aplicada à realidade brasileira do
começo do século XX. A separação ente Estado e Igreja3, por exemplo, é algo extremamente
recente. Logo, um dos elementos fundantes é a reorganização das diversas esferas sociais,
portanto, os mecanismos de seleção das elites, a disputa pela distribuição dos diversos capitais
configurou, entre as elites política, econômica e religiosa, momentos de embates viscerais.

Nesse período o capital religioso estava em franca disputa, cruzando com diversos outros embates,
particularmente com os da elite política, que precisava de apoio e, portanto, desempenhava papel
fundamental na mediação.

Dentro da divisão social de dominação ocorre a troca de “dádivas” entre os grupos dominantes,
com efeito, instituem-se esquemas baseados na honra e na confiança. Nesta perspectiva o que
pode parecer apenas uma questão de ordem material revela o poder da instituição eclesial. A
confiança que usufruem e as relações que podem mobilizar permitem-lhes não só “ir ao mercado
tendo como única moeda seu rosto, seu nome, sua honra”, isto é, as únicas coisas que, neste
universo, podem substituir a moeda, mas também “apostar (no sentido de empenhar-se) mesmo
sem possuírem bens” (BOURDIEU, 2006, p. 196).

268
É significativo atentar para a reciprocidade como um modo mascarado de dependência, por
exemplo, no nível superficial a Igreja Católica é uma instituição autônoma, isto é, capaz de levar a
cabo suas intenções, todavia, os elementos empíricos apontam para outra lógica, em tais relações.
O financiamento das elites político-econômicas parece constituir-se em elemento fundamental.

O outro elemento relevante é a relação destes fatores no universo social e histórico específico. O fato de
ocorrer a separação entre Estado e Igreja na prática da relação eclesial com as elites pouco muda, pois
no passado a fonte de financiamento dos prédios era privada. Consequentemente, a posição subalterna
da Igreja na relação com as elites político-econômicas mantém-se praticamente a mesma, isto é, para a
composição do patrimônio da nova diocese foi mobilizado o capital material privado novamente.

As irmandades
A Igreja Católica, no período da romanização, usou uma estratégia institucional bem articulada e
clara para todas as dioceses no Brasil e também na América Latina. Entretanto, no caso da Diocese
de Pelotas percebe-se que, para além do aparato romanizador, Dom Francisco de Campos Barreto
lançou mão de uma articulação direta com as elites, por causa da chegada de novas confissões,
como afirma Tambara: “Na área religiosa, observou-se o incremento do processo de consolidação
de várias confissões luteranas, da maçonaria, do espiritismo e particularmente no catolicismo vivia-
se um período embaraçoso, pois apesar da supressão do regalismo e do padroado, a comunidade
eclesial ainda apresentava uma tipologia fundamentada em uma perspectiva teológica com
características do padroado, onde predomina uma estrutura religiosa assentada em associações e
irmandades ‘leigas’ e mais de cunho social e burocrático e particularmente em desacordo com as
novas expectativas da hierarquia católica em nível internacional” (TAMBARA, 1996, p. 87).

A maçonaria, na verdade, desde meados do século XIX disputava a esfera religiosa e política no
Brasil, tal como ocorreu em Pelotas4. Na República Velha, instalaram-se na referida cidade as igrejas
Anglicana e Luterana do Brasil – ligada ao Sínodo de Missouri nos EUA. Também o espiritismo,
entre outras confissões, ganhou grande impulso. Em razão deste quadro de concorrência na
esfera religiosa, era importante estabelecer uma relação direta com a elite pelotense para obter
certas garantias. Portanto, o modelo explicativo através do qual se pretende clarear tais relações
é o do clientelismo. Pode-se afirmar que, em certa medida, o estilo de relacionamento entre o
bispo e a elite era a díade que se define como uma relação de auxílio mútuo.

Ao inverso do que ocorreu em outros processos, as irmandades pelotenses não se recriaram, ao


contrário, foram esvaziadas por representarem o velho catolicismo de cunho devocional, laical,
anticlerical e também pela fundação de novas associações de culto romano. Para poder continuar
contando com a influência da Igreja Católica e para mantê-la sob controle, as elites regionais
tiveram que abrir mão do seu poder no interior das associações católicas. Todavia, paradoxalmente,
alguns se mantiveram apoiando e ajudando o bispo a implementar a romanização com doações,
colocando o aparato estatal à disposição em casos de necessidade.

Destarte, o bispo criou uma dívida com este estamento social, que sempre que necessário recorreu
ao apoio episcopal, assim como da hierarquia de maneira geral. O periódico católico A Palavra, em
períodos eleitorais, era utilizado como meio de divulgação da candidatura de nomes do Partido
Republicano Rio-grandense, sustentando, portanto, a ideia de reciprocidade como mote orientador
das relações entre elite e Igreja, tendo alguns momentos de tensão durante o bispado de D. Barreto.

Diante das tensões e disputas supracitadas, percebe-se, na base dos processos de sociabilidade
da República Velha, o clientelismo – a relação pessoal direta – ou, segundo Bourdieu, “as formas

269
elementares de dominação” (BOURDIEU, 2002, p. 202). Em Modos de Dominação, Bourdieu
analisou os mecanismos deste processo, os quais ocorriam de duas maneiras: quanto mais
objetivos e claros forem estes mecanismos, mais indiretas e impessoais serão as relações, ao
contrário do outro modo, que exige a relação direta e cotidiana.

A comissão de instalação do bispado constituiu-se exatamente nesta perspectiva, de criar vínculo


com a hierarquia católica, em especial com o primeiro bispo eleito da Diocese de Pelotas. Percebe-
se que a elite política e econômica pelotense não era um monólito, pois houve disputas de qual
postura adotar diante das ações episcopais.

As irmandades em Pelotas
A primeira irmandade que surgiu em Pelotas foi a do Santíssimo Sacramento e São Francisco
de Paula. A incipiente elite urbana procurou articular o culto da Eucaristia ao do padroeiro:
“A irmandade do Santíssimo, por sua estrita vinculação com o culto eucarístico, era reservada
apenas aos homens. Nos principais centros urbanos congregava em geral figuras destacadas da
elite local, durante o período colonial no Brasil” (AZZI, 2008, p. 237).

Era uma irmandade de homens elitistas, os quais estavam assumindo a principal obrigação
eclesial para tal momento, a construção do templo. Existia um dispositivo legal que consistia em
só poder constituir canonicamente tal irmandade (Santíssimo) em Igrejas paroquiais. Além disso,
todas as irmandades deviam ter um compromisso, o que foi aprovado em 15 de novembro de
1824. Apesar do compromisso só ser aprovado no referido ano a irmandade já funcionava desde
1812: “O livro de Registro de Irmãos menciona que o Padre Francisco Florêncio da Rocha, que
substituiu o vigário Felício, falecido em 1818, foi o primeiro escrivão da Irmandade, já no ano
de 1812, o que faz supor ter sido fundada a confraria anteriormente à edificação da igrejinha”
(ASSUMPÇÃO, 1982, p. 37).

Além da construção do templo, esta confraria tinha outros compromissos, como o sepultamento de
seus irmãos. O primeiro cemitério que a irmandade teve a seu cargo foi o da Santa Cruz, fundado
em 1º de outubro de 1812. Todavia, em dezembro de 1819 foram encerradas as atividades deste
cemitério e, a partir de 1820, a irmandade do Santíssimo iniciou as atividades de outro, atrás da
matriz, que funcionou até 1825. Ainda no mesmo ano foi constituído novo cemitério na Rua do
Passeio, o qual permaneceu em atividade por trinta anos. Após, os enterramentos passaram a ser
realizados no cemitério da Santa Casa de Misericórdia, no bairro Fragata.

Outro elemento importante eram as festas a cargo da irmandade. As principais eram a Semana
Santa, o Corpus Christi e a festa de São Francisco de Paula. Desta forma, pode-se afirmar que os
principais eventos religiosos eram organizados pela elite participante da irmandade do Santíssimo
Sacramento e São Francisco de Paula, muito interessados na promoção do culto católico. Era um
momento de aparecer em público através das procissões, de cada festividade.

Existiram outras irmandades em Pelotas, mas o foco desta pesquisa são as confrarias de cunho
eminentemente religioso5: “A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição teria sido iniciada ‘em
26 de novembro de 1820’, quando ‘reuniram-se os homens de cor, pardos, pretos livres e cativos’,
tendo à testa o preto forro João Pedro da Matta (...). Sobre a irmandade de São Miguel e Almas,
a referência é apenas sobre os devotos: em 1819 estes teriam mandado vir a imagem de Portugal
doada pelo charqueador Manoel José Rodrigues Valladares (...). A irmandade de Nossa Senhora do
Rosário teria sido organizada em 1831 por ‘gente de cor livre e cativa’ (...). A irmandade de Nossa
Senhora da Boa Morte e Assumpção, seria de 1829 e também com ‘gente de cor livre e cativa’ e com

270
imagem vinda do Porto. (...) Sei de pelo menos mais quatro irmandades, para as quais, legou em
testamento, José Antônio Moreira (Barão de Butuy) no ano de 1872: São Benedito, Nossa Senhora
do Carmo, Santa Bárbara e Nossa Senhora da Luz” (TOMASCHEWSKI, 2007, p. 68).

Por causa da escravidão oriunda das charqueadas, as irmandades entre o povo negro e cativo atingiram
número significativo; foi uma estratégia de sobrevivência deste estamento social. Todas estas confrarias
tinham por objetivo proporcionar um enterro digno com um mínimo de assistência espiritual.

As irmandades e a romanização do catolicismo


Quando associado ao catolicismo, o termo romanização contém uma redundância, ainda
mais se nos lembrarmos de que se trata da Igreja Católica Apostólica Romana. Este aparente
estranhamento – que pode muito bem ser sintetizado na pergunta: como é possível romanizar
uma instituição que já é romana? – nos fornece a tônica para a compreensão da Igreja do século
XIX. Desde já poderemos responder à questão de uma maneira um tanto paradoxal, ao asseverar
que o catolicismo praticado fora dos círculos de domínio da Santa Sé não era considerado pela
hierarquia católica como plenamente romano. De outro modo, foi a universalização do modo
particular de ser Igreja da Diocese de Roma para todas as outras dioceses através de um conjunto
de formulações, que atingiu seu ápice com o Concílio Vaticano I (de 8 de dezembro de 1869 a 18
de dezembro de 1870). Esse fato explica o conjunto de ações concretas da Igreja no decorrer do
século XIX, no sentido de resguardar os seus direitos e transmutar as práticas católicas tanto no
Velho, quanto no Novo Mundo, eivadas que estavam de um espírito nacional e liberal.

A romanização ocorre de dois modos: primeiro com a centralização eclesial na figura papal
em detrimento do poder civil, a qual se chama ultramontanismo. Com isto o bispo da Diocese
de Roma conseguiu reunir o capital simbólico necessário para impor as outras dioceses
através de encíclicas, bulas, entre outros, o modo como deveria ser vivenciado o catolicismo:
“Etimologicamente falando, ultramontano ou outremontagne foi a expressão usada, no início
do século XIX, na França e na Alemanha, para indicar, na rosa-dos-ventos, o ponto escolhido
de referência e fidelidade: ele está para lá das montanhas, além dos Alpes. Seu nome é Roma,
é Pedro, o papa. A reação ultramontana se desenvolveu sobre um plano duplo: tendência a
reconhecer no Papa da Igreja, uma autoridade espiritual total, e a reivindicação para a Igreja da
independência a respeito do poder civil, e mesmo de um certo poder ao menos indireto sobre o
Estado” (WERNET, 1987, p. 178).

O clero brasileiro neste período vivia em voltas com um catolicismo largamente enraizado na
tradição ibérica, de forte caráter leigo, familiar e maleável às novas tradições europeias, apesar
das tentativas isoladas de se estabelecer no território brasileiro os preceitos tridentinos.

Contudo, é necessário perceber que o processo romanizador não é um monólito, um todo coeso;
este processo foi influenciando e modificando as dioceses e paróquias aonde chegou. É significativo
perceber as diversas camadas e nuances do processo de centralização eclesiástica. Optando-se
por uma visão de conjunto, poder-se-ia considerar a Diocese de São Pedro do Rio Grande do Sul
romanizada, pois à medida que houve a fundação do seminário diocesano, centralizaram-se as
irmandades religiosas, conforme demonstra Mauro Dillmann Tavares: “Em sua atuação, [Dom
Sebastião] priorizou o combate às consideradas heresias, superstições e profanações, dirigindo-se
ao clero, aos paroquianos e às irmandades leigas, acostumados a uma modalidade devocional
exteriorizada e ligada à vida cotidiana. Procurou, valendo-nos das palavras de Kátia Mattoso,
‘fazer do clero brasileiro um corpo instruído e sadio’, ‘trabalhar pela instrução religiosa do povo’
e ‘assegurar a independência da Igreja em relação ao poder temporal’” (TAVARES, 2007, p. 47).

271
Medidas foram tomadas no sentido de romanizar a diocese gaúcha, no entanto, o trabalho
supracitado não procura mostrar os limites do projeto ultramontano de D. Sebastião, deixando
ambíguo se tais medidas chegaram a todos os rincões ou se foi acolhido só na sede diocesana,
no caso Porto Alegre. Na verdade, pode-se falar de uma irmandade estudada, a do Rosário, de
resto o alcance fica difícil de estabelecer. Em Pelotas tal processo só chega em pleno século XX.

O alvo desta política da Santa Sé era a desapropriação dos leigos do espaço simbólico eclesial. Para
isso um conjunto de operações foi realizado paulatinamente pelos bispos diocesanos resultando
numa “posterior marginalização dos centros de poder decisórios no funcionamento do catolicismo
tradicional” (RODRIGUES, 2005, p. 142). Uma atitude comum foi a tentativa de supressão das
tradicionais irmandades lançando mão de novas associações dirigidas e divulgadas pelo clero.

A destituição material
Os mecanismos utilizados pelos bispos no processo de perda da autonomia dos leigos no interior
da Igreja perante a hierarquia católica foram aqueles permitidos pelas elites regionais para poder
continuar no comando político.

Em grande medida, o modo como se dava a dominação neste período é aquilo denominado por
Bourdieu como “as formas elementares da dominação” (BOURDIEU, 2002, p. 202). Basicamente,
consiste na dominação direta de uma pessoa sobre a outra, sustenta-se através de vínculos de
pessoas com pessoas, o que na prática institui um clientelismo – que era o estilo de poder na
República Velha no Brasil.

A destituição material levada a cabo pela autoridade diocesana foi aceita pela maior parte da elite
pelotense e os que resistiram no começo foram acomodados com o passar do tempo. Mesmo os
senhores da alta elite econômica e política de Pelotas aceitaram as reformas romanizadoras de D.
Barreto para, em outros momentos, especialmente políticos, cobrarem a ajuda dispensada na ereção
da diocese e na constituição de seu patrimônio: “Assim, neste sistema, existem apenas duas maneiras
– que, afinal de contas, formam uma só – de segurar alguém de forma duradoura: a dádiva ou a
dívida, as obrigações abertamente econômicas da dívida ou as obrigações morais e afetivas criadas e
mantidas pela troca; enfim, a violência aberta (física ou econômica) ou a violência simbólica como
violência censurada e eufemizada, isto é, irreconhecível e reconhecida” (BOURDIEU, 2006, p. 204).

Esta era a dinâmica das relações sociais entre Igreja e elite. A necessidade de manutenção do
poder político nas mãos da elite fez com que estes senhores aceitassem a perda de espaço
eclesial, por outro lado, quando necessitavam de apoio, acionavam os órgãos de propaganda da
Igreja, como o jornal A Palavra.

***

“Nem mesmo o papa pode dispor dos bens de São Francisco”


A fundação da Diocese de Pelotas está no contexto de uma política expansionista da Igreja no
Brasil. Em 15 de agosto de 1910, a Diocese de São Pedro do Rio Grande do Sul foi dividida pelo
papa Pio X em Arquidiocese de Porto Alegre, Dioceses de Santa Maria, Uruguaiana e Pelotas.

Para a implantação da recém criada diocese, foi chamada a elite pelotense, a qual pertencia
à Irmandade do Santíssimo Sacramento e São Francisco de Paula, conforme afirma Heloísa

272
Assumpção (1982). Esta elite era composta pelos grandes charqueadores, os quais viviam um
momento de crise, pois os principais consumidores do charque haviam sido os escravos que
tinham alcançado a libertação em 1888. Além disso, outro elemento era a chegada, ao Rio
Grande do Sul, dos frigoríficos.

Praticamente um ano após a ereção do bispado pelotense foi constituída uma comissão para
implantação do mesmo, que começou a reunir-se no dia 17 de julho de 1911, no salão do
Banco Pelotense – articulada pelo então arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre D. Cláudio
Ponce de Leão – e continha os seguintes membros: Dr. Joaquim Augusto Assumpção, presidente;
Dr. Joaquim Luis Osório, secretário; Cel. Alberto Rosa, Tesoureiro; Dr. Alexandre Cassiano do
Nascimento, vice-presidente; Dr. Bruno Chaves, presidente de honra da comissão; Cel. Pedro Luis
da Rocha Osório, Major Francisco Nunes Filho, Cel. Urbano Garcia, Major Benjamin Guerreiro e
Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, mesários e o Pe. Marcolino Maia Firme, representante eclesial e
pároco da Igreja de São Francisco de Paula (Livro Tombo, p. 1)6.

Todos tinham uma posição de destaque na cidade, no estado e até em nível nacional como é o
caso de Cassiano do Nascimento, o qual ocupou diversos ministérios ficando conhecido como o
“ministro das sete pastas”7. Outra figura de relevo é a do Dr. Bruno Chaves que, sendo ministro
brasileiro na Santa Sé, trabalhou muito pela ereção da Diocese de Pelotas junto ao papa (Livro
Tombo8 da Diocese de Pelotas, p. 1). Também o senhor Joaquim Augusto Assumpção, herdeiro de
uma das maiores fortunas do Rio Grande do Sul e acionista do Banco Pelotense. Foi do Conselho
Municipal (câmara de vereadores) no período de 1904-1912 – inclusive, no período em que foi
presidente da comissão do bispado, era concomitantemente Presidente do Conselho Municipal,
gestão 1908-1912 – e exerceu o cargo de intendente (prefeito) entre 1933 e 1934. O Cel. Alberto
Rosa também era acionista e diretor da instituição bancária; além disso, no período anterior da
fundação da diocese, participou da 1ª Junta Administrativa após a Proclamação da República.
Depois foi presidente do Conselho Municipal na 1ª intendência (1891-1896) e vice-intendente no
período de janeiro de 1903 a setembro de 1904. O Dr. Pedro Luis da Rocha Osório, charqueador e
importante dirigente do PRR, fora intendente entre os anos de 1920 a 1924. Joaquim Luis Osório
foi deputado federal na legislatura dos anos de 1927-1930 pelo PRR.

Novamente a Igreja utilizava-se dos leigos para financiar-se. No período de fundação da paróquia
foram as doações – as quais chegavam através dos esforços da irmandade já existente – do laicato
que viabilizaram a efetiva edificação do templo. Cem anos depois, a irmandade foi novamente
chamada a angariar recursos para a constituição do patrimônio do novo bispado: “Dentre as
metas de curto prazo, uma das mais urgentes era justamente reaver a parcela do patrimônio
incorporada pelo poder público. As duas primeiras décadas do regime republicano serão pontuadas
por inúmeras pendências em torno da reapropriação de conventos, igrejas, residências, casas de
misericórdias, sedes de irmandades e terras” (MICELI, 1988, p. 19).

Pode-se inferir a partir da citação e das evidências coletadas, que os acontecimentos em torno do
patrimônio são, em certa medida, uma característica geral do processo de romanização no Brasil.
No caso pelotense, a supracitada comissão estava incumbida de conseguir, especificamente, um
palácio episcopal para o bispo eleito em 27 de maio de 1911, Dom Francisco de Campos Barreto9.
Disputas de terrenos e outros bens só ocorrerão após a chegada do bispo diocesano.

Além destas tensões, ocorreram outras que, em certa medida, compuseram uma regularidade
entre bispos e leigos: “Outros litígios de caráter patrimonial envolviam as pretensões quase
sempre vitoriosas dos prelados sobre a retomada de posse e dos direitos de gestão sobre as
irmandades leigas. Tais pendências deram origem a graves desentendimentos entre as autoridades
eclesiásticas, mormente certos prelados que passaram a reclamar a extensão de seus poderes de

273
jurisdição sobre os bens, as atividades e o processo de designação das lideranças das irmandades,
e os grupos dirigentes leigos que delas se haviam apoderado como instrumentos de barganha nas
lutas políticas locais” (MICELI, 1988, p. 19).

E o primeiro embate foi antes mesmo da divisão da diocese gaúcha, conforme consta no Livro
Tombo10 da Diocese de Pelotas:

Sessão extraordinária – aos 20 dias do mês de abril de 1909 às duas horas da tarde,
reunidos, o dr. Marcolino da Maia Firme, vigario, dr. Alexandre Cassiano do Nascimento,
provedor e mais dignidades, Benjamin Guerreiro, José Maximo Corrêa de Sá, coronel
Urbano Martins Garcia, dr. Francisco Gonçalves Moreira, dr. Francisco Carlos de Araujo
Brusque, Arthur Gonçalves Moreira, major Ataliba Borges Ribeiro da Costa, dr. Antero
Victorino Leivas e Florduardo Sampaio, o sr. dr. Provedor declarou aberta a sessão,
procedendo-se a leitura da acta da ultima sessão; foi aprovada. O sr. dr. provedor
declara que o fim da presente reunião é resolver-se o problema da creação de um
novo Bispado n’este Estado, sendo a sede a nossa cidade e se possivel desde que se
conceda a nossa Matriz, para ser a Cathedral e fazendo largas considerações sobre as
vantagens que devemos auferir com o novo Bispado, pelo respeito pela imponencia
de nossas festividades e pela educação religiosa que muito se desenvolveram com a
presença e direcção de um Prelado. O irmão thesoureiro pede a palavra e declara nada
ter a oppôr a creação do Bispado, mas mostra serias duvidas e tem mesmo convicção
que em cumprimento do nosso compromisso não podemos abrir mão de nossa Egreja
em favor do nosso Bispado; e depois de animada discussão em que tomaram parte
todas as dignidades presentes, salientando-se o sr. dr. provedor, dr. Antero Leivas e dr.
Francisco de Paula Gonçalves Moreira ficou resolvido por unanimidade de votos que
fosse sem condições à nossa Matriz para servir de Cathedral e que nesse sentido fosse
officiado sr. dr. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão, nosso digno bispo diocesano
e que fosse este lavrado n’esta acta, para conhecimento dos nossos vindouros, o que
terminado o irmão José Maximo propõe que no mesmo officio se comunique que esta
Irmandade contribúe com a annuidade de tres contos de reis para o novo Bispado,
resolvendo-se tambem por unanimidade que a concessão da Matriz para servir de
Cathedral, a annuidade concedida não implicará com o patrimonio desta Irmandade
que ficaria sempre dirigida pela sua mesa administrativa (Livro Tombo, p. 3).

O debate sobre a posse da Igreja de São Francisco de Paula indica o nível de liberdade e autonomia
do qual desfrutavam os leigos da Irmandade do Santíssimo. Eles poderiam, em princípio, escolher
entre entregar ou não o templo para jurisdição episcopal. Cassiano do Nascimento foi o porta-
voz da posição eclesial, contudo, houve resistência por parte de um irmão – a posição dos outros
integrantes não foi explicitada. Mesmo assim, a despeito de qualquer divergência, foi aprovada por
unanimidade a passagem da Igreja para o bispado. Aprovaram também uma contribuição anual de
três contos de réis com a ressalva de nenhum dos itens aprovados implicarem no patrimônio, o qual
deveria ficar sob a administração da irmandade. Outro dado significativo é que só seria fundada
a diocese se a confraria concedesse sua Igreja para ser a catedral. Certo prenúncio do que ocorreu
estava na preocupação de registrar na ata que o patrimônio da confraria não seria afetado.

Embora este processo tenha recebido uma roupagem democrática, discutir se os leigos deveriam
entregar ou não, sem nenhum custo pecuniário, sua Igreja para o futuro bispado tratava-se,
somente, de mais um rito a ser cumprindo, pois o ato seguinte, na mesma reunião extraordinária,
foi a apresentação do decreto pontífice “conhecendo como nosso padroeiro o nosso já por nós
tido e amado São Francisco de Paula” (L. Tombo, p. 3), pelo Pe. Marcolino Maia Firme, assinado
em 1907, o que denota que, mesmo decorrendo algum conflito com a Irmandade do Santíssimo, o
padroeiro já estaria escolhido, assim como a Igreja, a qual tinha que ser a de São Francisco de Paula.

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No Almanaque literário e estatístico do Rio Grande do Sul foi veiculada uma notícia sobre
uma reunião, onde se encontrava D. Cláudio Leão, ocorrida na matriz pelotense, tratando da
fundação do bispado e da constituição do patrimônio da futura diocese. Na mesma reunião
estava o tesoureiro da irmandade do S.S. e São Francisco, José Maximo Corrêa de Sá, o qual foi
questionado pelo bispo sobre o patrimônio da circunscrição eclesial e respondeu:

Que a irmandade, nem ninguém, nem o Bispo, nem o Papa, poderia dispor dos bens
de S. Francisco; que o compromisso da irmandade parece estar em plena acção; que
a 22 anos que administra os bens de S. Francisco, convencido de que esses bens não
poderiam ser doados nem ao Bispo nem ao Papa; que não entregará a igreja Matriz
senão pelos meios legaes; que acceita a questão pelos tribunaes do nosso paiz, de
cujas leis e juízes não descrê; que a irmandade já defendeu perante os tribunaes
duas questões e sahiu vencedora, sem ouvir nem attender nem o Bispo nem o Papa;
que julga S. Francisco acima do Bispo e do Papa; que, no terreno espiritual obedece
cegamente como catholico que é, ao Sr. Bispo; mas no terreno temporal não reconhece
em cousa alguma o Papa, quanto mais o Bispo (RODRIGUES, 1910, p. 22).

Em primeiro lugar, não ficou bem explicitada a resistência referida na reunião da irmandade, de
abril de 1909 – mesmo depois de ter ocorrido a passagem da Igreja de São Francisco para a futura
diocese – e este dado elucida a força da oposição que estava ocorrendo naquele momento. Um
segundo fator é que a fonte na qual revela-se a agudeza do debate não é católica e também
explica-se porque, muito provavelmente, no Livro Tombo não aparece outra fala, senão a do irmão
provedor Cassiano do Nascimento. Como as disputas por patrimônio entre bispos e irmandades
eram um fenômeno, em certa medida, generalizado, só a possibilidade de debater este fato deve
ter armado os espíritos contra D. Cláudio. Por outro lado, essa disposição de guerra pelos bens
da irmandade, revelada pelo seu tesoureiro, pode ter garantido que o prelado não avançasse mais
sobre o patrimônio da confraria.

Outro elemento que se percebe claramente é uma separação entre os terrenos temporal e espiritual,
nos quais o Sr. Maximo se afirma para poder justificar sua ação judicial, defendendo assim os bens
de S. Francisco. Entretanto, o monopólio dos bens religiosos é o que de fato está em disputa. Os
leigos no Brasil que sempre estiveram acostumados a definir todas as questões de suas associações,
em Pelotas, neste momento se deparam com a possibilidade de interferência episcopal. O debate
ascendeu para um plano simbólico, ocorrendo uma hierarquização de quem é mais importante,
assim “julga S. Francisco acima do Bispo e do Papa”. Claramente a mentalidade romanizadora
não está formada, o catolicismo de cunho popular era o que regia a vida eclesial em Pelotas até a
República. Quem é o mediador entre os pelotenses e Deus? São Francisco e não o bispo e muito
menos o papa. Está é a realidade pastoral com a qual o novo bispo defrontou-se. Contudo, não há
indícios, nas fontes de pesquisa, de ter havido um processo para defender os bens de S. Francisco.

As questões referidas são muito mais do que meras disputas ou a vitória do projeto centralizador
ultramontano do Vaticano sob o conjunto dos leigos. Em certa medida, a Igreja Católica reforçou
suas relações e laços com a elite política e econômica do município de Pelotas. O fato das
reuniões da comissão de implantação da diocese terem ocorrido no Banco Pelotense é muito
significativo simbolicamente. Além disso, os principais articuladores do PRR, como Cassiano do
Nascimento – um de seus fundadores – e Pedro Osório também estavam participando.

Durante a primeira reunião, Bruno Chaves apresentou duas cartas, uma de D. Cláudio e uma de
D. Francisco, o qual comenta sobre a possibilidade “da municipalidade de Pelotas concorrer para
o patrimônio diocesano, a exemplo das diversas municipalidades de São Paulo” (L. Tombo, p. 1).
Estava em jogo também, a noção de público e privado, apesar da separação entre Estado e Igreja,
o episcopado continuava a tentar utilizar-se de benesses, o que no estado de São Paulo pareceu

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eficaz, contudo, nesta mesma reunião levantou-se uma voz esclarecendo “que entende ser esse
auxilio impossivel conseguir-se, pois, é sabido que no Rio Grande do Sul os poderes públicos
julgam attentatorio da liberdade de consciencia a subvenção a qualquer religião” (L. Tombo,
p. 1), todos os membros da supracitada comissão concordam não ocorrendo nenhum tipo de
divergência neste sentido. A comissão da confraria do Santíssimo Sacramento e São Francisco de
Paula reuniu-se até 2 de outubro de 1911. Deliberou provisoriamente pela locação de um imóvel
para instalar o bispo e financiaram algumas reformas na casa para melhor acomodá-lo.

Após a chegada de D. Francisco de Campos Barreto


Na chegada a Pelotas, D. Barreto foi recepcionado pelas irmandades, padres, comissão, entre
outros. D. Cláudio Ponce de Leão, o intendente, o governador do estado Carlos Barboza, a
comissão de implantação entre outras dignidades. Havia um termo de posse, o qual foi assinado
“também pelos Exmos Srs Dr. Bruno Chaves e Dr. Joaquim A. d’Assumpção, digno presidente do
Conselho Municipal [Câmara de Vereadores]” (L. Tombo, p. 13). No caso do financiamento eclesial
pelo Estado a direção municipal do PRR e irmãos de fé não titubeou, todavia, no caso da posse
do bispo pelotense houve a necessidade da legitimação civil ou leiga. Tomou posse, da Diocese
de Pelotas em 22 de outubro de 1911, e logo começou a fazer mudanças. Em 25 de dezembro
de 1911 foi distribuída a segunda carta pastoral anunciando a visita episcopal para conhecer as
paróquias, padres, fiéis e necessidades da recém criada diocese.

Em um de seus primeiros atos para colocar o bispado pelotense em sintonia com os preceitos do
Concílio de Trento e as cartas Pastorais Coletivas, D. Barreto recomendou no jornal A Palavra11,
do dia 24 de março de 1912, que “(...) O côro fica reservado aos cantores, e as tribunas quando
as houver, exclusivamente ás senhoras e só nas grandes solemnidades, quando, sem imprudencia,
os Rvmos. Vigarios não puderem sempre conserva-las fechadas, o que julgamos preferivel (Da
Pastoral Collectiva dos Srs. Bispos e Arcebipos)”. Na tentativa de organizar espacialmente as
pessoas dentro da Igreja, o bispo enfrentou a primeira resistência ostensiva, que foi veiculada
com o título “Triste Lamentável”:

Pensando desforçar-se de uma justa ordem dada por Sr. Excia. o Sr. Bispo Diocesano a
respeito das tribunas da Cathedral, um grupo de descontentes depois da ultima trezena,
dirigiu-se para frente do palacio episcopal, vaiando e atirando apupos, desprezando
assim a auctoridade episcopal, representante dos sentimentos catholicos da quasi
maioria da população desta cidade. (...) E essas noticias más, que certamente correrão
mundo, servirão para dizer lá fóra que nesta terra, que se jacta civilisada e progressista
ainda ha elementos demolidores da ordem social (A Palavra, n. 14, 31/03/1912).

A ingerência episcopal se fazia sentir nos mínimos detalhes, inclusive onde os fiéis deveriam ficar
na hora do culto. No dia 29 de março, leigos indignados saídos das orações a São Francisco
de Paula, protestaram contra a decisão combatendo o clericalismo católico e constrangendo o
bispo. No dia 2 de abril, D. Barreto suspendeu os atos religiosos da Semana Santa porque “não
julgava completa e tranquilizadora as garantias de uma polícia que, retardatária, não demonstrou
interesse pelo desacato à nossa autoridade diocesana” (L. Tombo, p. 15). Os elementos referidos
geraram em certa medida um clima de insegurança, o que levou o bispo a pedir ajuda policial
que num primeiro momento titubeou, entretanto, no dia seguinte o Coronel Pedro Osório visitou
o bispo tranquilizando-o e garantindo todo apoio necessário para a execução dos atos religiosos.

Além disso, o texto traz no seu bojo uma afirmação, em tom ameaçador, de má fama, pois as
notícias “certamente correrão mundo”, tocando no ego da elite pelotense. Não tardou a reação

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dos pelotenses “civilizados”, na edição de 7 de abril com um longo abaixo-assinado das “senhoras
e senhoritas” e também dos “distintos senhores” protestando contra “os rapazes” e defendo a
autoridade diocesana. Tal evento pode até parecer de pequeno alcance, entretanto, as repercussões
não o foram. Além do abaixo-assinado, no dia 13 de abril, houve uma grande manifestação na frente
do palácio episcopal com duas bandas e um palco montado para o orador oficial da solenidade
discursar, a saber, Sousa Lobo, que em seu discurso impregnado do espírito reformador enfatizou a
questão da “submissão ao bispo” (A Palavra, n. 16, 14/04/1912), ou seja, aproveitou-se o momento
para fomentar a mentalidade romanizadora. Na sequência D. Barreto, que assistia da sacada do
palácio, junto a Cassiano do Nascimento e Pedro Osório, falou às pessoas e dirigiu-se no pálio em
procissão à Catedral passando por diversos lugares e recebendo palmas.

Nesse episódio, novamente as relações sociedade e Igreja se fazem perceber pelo processo de
legitimação do qual o bispo desfrutava. O simbolismo deste evento, de um lado “os civilizados”,
com medo da imagem que poderia vir a se constituir da cidade – os pelotenses saltaram à rua para
reconhecer sua autoridade e grandeza –, de outro lado a hierarquia desafiando e necessitando de
uma confirmação para poder se afirmar ante outras instituições que disputavam a esfera religiosa.
Como já havia referido, as principais instituições que disputavam com o catolicismo neste período
eram o luteranismo do Sínodo de Missouri, o anglicanismo, o espiritismo, a maçonaria, entre outros.

No dia 16 de junho saiu no periódico A Palavra uma chamada para eleição do provedor e demais
membros da mesa para o ano subsequente da Irmandade do Santíssimo Sacramento e São
Francisco de Paula. A política patrimonialista estava em foco à medida que, dois dias depois, D.
Barreto solicitou uma prestação de contas: “com grande difficuldade começou esse trabalho, pois
encontrei logo grande opposição por parte do thesoureiro Sr. Maximo Correa de Sá, que há mais
de vinte annos, sem prestação de contas dirige os grandes bens dessa irmandade” (L. Tombo, p.
16). Outro elemento importante é o fato de, há poucos meses, esta mesma confraria ter lutado
pelo reconhecimento do seu bispo perante a sociedade e agora sentir a política centralizadora, na
qual nada pode escapar à esfera episcopal. No dia 24 do mesmo mês o bispo diocesano recebeu
a visita do Sr. Benjamin Guerreiro, o qual era escrivão da irmandade, para informar “a resolução
do Sr. Maximo, que resignará o seu cargo, entregando os livros” (L. Tombo, p. 16).

Na edição seguinte do periódico A Palavra, saiu na coluna em que informava-se sobre o governo
diocesano uma determinação episcopal, a qual consistia na ordem que as irmandades deveriam
seguir durante suas reuniões, ou seja, o prelado determinava também a pauta e as orações das
associações. Em certa medida este ato foi em represália às resistências e dificuldades que os
irmãos executavam, sobretudo aos ligados à Irmandade do S. S. e padroeiro, mas é possível no
mínimo aventar que era, também, um aviso aos demais.

Dando seguimento na reforma D. Barreto escreveu o seguinte: “deliberei com os Drs. Fco Brusque e
Antero Leivas o modo pratico de liquidar os embrulhados negocios da Irmandade de São Francisco,
que se achavam paralisados” (L. Tombo, p. 17). A frase é em certa medida ambígua e sem maiores
explicações do que tratava “os negócios embrulhados”. Também não há outras referências à situação
da irmandade nas demais fontes de pesquisa, portanto, podem-se inferir alguns elementos a partir
da sequência dos fatos. No dia 24 de novembro do mesmo ano a Irmandade do S.S. e São Francisco
esteve reunida para mudar os seus estatutos como assim escreve o bispo:

Attendendo ao que Nos representou a Irmandade conjucta do Santissimo Sacramento


e de S. Francisco de Paula da nossa Egreja Cathedral pedindo a reforma dos seus
antigos Estatutos, e considerando não só as vantagens espirituaes e temporaes
que para a Irmandade hão de nascer desse acto, mas ainda a necessidade urgente
de regularisar a vida religiosa da mesma, de accordo com as normas do Direito
Ecclesiastico em pleno vigor (Compromisso, 1913, p. 1).

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Na verdade o bispo diocesano estava buscando solucionar os problemas para poder intervir de
forma a mudar os estatutos, pois ainda vigoravam os do período imperial. O primeiro elemento que
deve ser levado em consideração é o bispo aceitar – na sua humildade palaciana – que a reforma
foi uma iniciativa dos irmãos e não uma imposição sua, tal evento seria de grande benefício
para a confraria, apresentando uma mudança expressiva no que tange aos cargos. Primeiro
foram instituídas as figura do presidente e do vice-presidente – a maior autoridade no estatuto
anterior era o provedor – e o bispo diocesano, de acordo com o artigo 21, “é o Presidente nato
da Irmandade”, ou seja, desta maneira D. Barreto institucionalizou sua capacidade de intervir a
hora que desejasse nesta associação. A figura do provedor ficou na posição de ser eleito pela
mesa administrativa (art. 18) e desde o momento de sua escolha seria presidente honorário da
irmandade (art. 20, parágrafo único). Um dos cargos mais importantes era o de tesoureiro e, além
disso, foi criada uma nova função, a de adjunto, cuja competência era “auxiliar e substituir o
Thesoureiro em seus impedimentos ou ausencia” (Art. 31, parágrafo único).

Contudo, esta reforma do compromisso levada a cabo pelo bispo diocesano pelotense estava
em divergência com outros estatutos modificados mais ou menos no mesmo período em outras
dioceses. Por exemplo, a Irmandade de São Pedro fundada em 31 de julho de 1762, na então
Diocese de São Paulo, em 1910, já como arquidiocese, recebeu um novo estatuto, o qual consta
apenas do provedor como autoridade máxima da associação (claro, o arcebispo como provedor
nato). Pelo seu estatuto a Irmandade de São Pedro não tinha tantos cargos e burocracias como
resultou a reorganização da confraria pelotense.

Derrota episcopal no caso N. S. da Conceição


Como já foi referido, existia um conjunto de irmandades em Pelotas, que também deveria prestar
conta ao bispo diocesano. Em 16 de março de 1913, o prelado recebeu um ofício da Irmandade
de N. S. da Conceição comunicando que “não prestaria contas de sua gestão” (L. Tombo, p.
18). Entretanto, foram verificadas e aprovadas as contas das outras irmandades, a saber, N. S.
do Rosário, N. S. da Assumpção, N. S. da Boa Morte e São Miguel (A Palavra, 23/03/1913). A
confraria da Conceição lançou mão do seu estatuto para tentar impedir a intervenção episcopal:

Entretanto, a Irmandade da Conceição, mesmo contra o voto do seu digno juiz, entende
que não deve prestar contas a ninguém, principalmente porque tendo chegado a
República, todos ficaram iguaes e nos Estatutos que a regem não se encontra nenhum
artigo preceituando a tal prestação de contas (A Palavra, 30/03/1913).

Percebe-se a dissonância entre as pretensões romanizadoras e o discurso secularizante a respeito


da “igualdade de todos”. A confraria não distinguindo exatamente qual o sentido de igualdade,
lançou o argumento de maneira genérica. Além disso, novamente a disputa estava no monopólio
dos bens de salvação e materiais e os irmãos acrescentavam ao seu estatuto, ressalvas como nada
dizer sobre prestar contas para alguém. A resposta vem na mesma matéria:

Podiamos perguntar com o mesmo argumento de que se servio essa irmandade


rebelde para responder ao exmo. Sr. bispo; onde e em que artigo dos Estatutos de
certa Irmandade submettida, se estribou o seu descontente thesoureiro para receber
a quantia de 26 contos, por muito favor deixados pela metade, afim de, menos triste,
largar a mamata? (A Palavra, 30/03/1913).

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Destarte começam as acusações e suspeitas da mesa administrativa da confraria, sobretudo sobre
o tesoureiro – parece ser sempre esta figura o alvo de resistência e ataques da hierarquia. A
mesma notícia trata o ato de prestação de contas das associações como algo inerente ao cargo
episcopal. Procurando naturalizar os preceitos romanizadores, o bispo enfrentou uma das mais
fortes resistências no que tange ao laicato. O decreto de suspensão da irmandade aprofunda
“(...) recusou-se a fornecer-nos um exemplar do compromisso que a rege, bem como se negou à
prestação de contas de sua gestão” (A Palavra, 30/03/1913, p. 2). Foram negados os dois elementos
básicos: o estatuto e as contas para o estilo românico de governar a Igreja, o que era suficiente
para a suspensão, e segue “(...) si, entre os irmãos recalcitrantes, (...) impedir (...) recorrendo
contra os nossos actos para o fôro secular, lembre-se que incorrerá, ipso facto, em excomunhão”.
Os leigos que se lançassem ao tribunal civil estavam automaticamente excomungados e os irmãos
da S.S. e S. Francisco certamente deviam ter consciência de tal penalidade e por isso recuaram.

Em 8 de dezembro terminou a gestão da mesa administrativa, a qual, em nenhum momento


solicitou a retirada da suspensão. Entretanto, os irmãos articulados com o bispo D. Barreto
pediram para reorganizarem-se nos moldes exigidos pelo direito eclesiástico. Então, em 28 de
dezembro foi retirada a suspensão e chamada uma assembleia geral para o dia seguinte. Firmada
a mesa reconhecida pelo bispo – sendo escolhido tesoureiro Urbano Garcia – o que ocorre
é que os irmãos, os quais com tenacidade resistiam à interferência episcopal, procuraram a
justiça civil para ficarem gerenciando os bens da confraria. Dentro deste quadro de embates com
as irmandades, a autoridade diocesana católica resolveu definir o que era tal associação “(...)
instituida canonicamente e governada pela auctoridade ecclesiastica”. Na parte de ser instituída
segundo as leis eclesiais não havia divergência entre as partes, o problema era ser governada pelo
bispo, e segue “(...) é composta de catholicos que se associam sob a inspiração de seus estatutos”
(A Palavra, 19/01/1913). A inspiração não deve ser o santo protetor, mas sim o estatuto. Foi mais
uma tentativa de golpear a piedade popular com os preceitos ultramontanos e romanizadores.

Em janeiro de 1914, os irmãos deslegitimados eclesialmente tentaram criar uma personalidade jurídica,
contudo, o poder judiciário não autorizou o registro por interferência da mesa reconhecida pela Igreja.
Para o catolicismo ultramontano e romanizador a questão era “será authentica a irmandade que hoje
reconhecer o Bispo de Pelotas como a unica auctoridade na diocese” (A Palavra, 8 fev. 1914). Quem
assumiu o caso como advogado da Igreja foi Júlio de Albuquerque Barros, a disputa pelos bens foi
arbitrada pelo poder temporal e a ameaça de excomunhão parece ter caído no esquecimento, pois
quem estava entrando com o processo era a mesa administrativa legitimada por D. Barreto.

A disputa se estendeu durante anos e os ataques do veículo oficial do bispado pelotense foram
sempre duros, entre eles o de chamar a irmandade não-reconhecida, entre outros adjetivos,
de “cobra”. No final do ano de 1914, como de costume, o juiz da irmandade major Francisco
de Salles Lopes convocou eleição com a presença episcopal e assembleia geral para esclarecer
os últimos acontecimentos. Em 1915, os irmãos “anticlericais” entraram com recurso tentando
impugnar a última eleição da legitimada associação “(...) pelo simples facto de seus nomes
não constarem nos livros em poder deles” (A Palavra, 4/04/1915). De um lado, um grupo que
reivindicava a legitimidade por ser reconhecido pelo bispo, de outro, um que tinha os livros e
principalmente os bens. Em 27 de maio do mesmo ano, o bispo diocesano recebeu “com surpreza
que o Tribunal do Estado deu ganho de causa aos inimigos da egreja na questão da Irman. N.
Sa. da Conceição” (L. Tombo, p. 22). Na notícia veiculada pelo periódico semanal – “Dizem que o
Tribunal do Estado deu provimento em favor dos inimigos da Egreja na questão da Irmandade da
Conceição” (A Palavra, 30/05/1915) – percebe-se o pouco compromisso do jornal em veicular as
derrotas eclesiais. De qualquer maneira, o advogado que representava os interesses episcopais foi
acionado para apelar para o Superior Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão do tribunal
de Porto Alegre destituiu a mesa eleita pelo bispo, com efeito, os representantes escolhidos pelo

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prelado entregaram todos os cargos. Em julho de 1915, foi chamada nova eleição pela cúria
pelotense, todavia, em 15 de julho foi dissolvida a confraria definitivamente por D. Barreto “pelo
facto de não quererem se submetter os irmãos as leis eclesiásticas” (L. Tombo, p. 22).

O bispo pelotense desistiu da questão, reconhecendo a vitória dos adversários eclesiais na justiça
temporal. Abriu-se um precedente interessante; contudo, nenhuma outra confraria se utilizou deste.

Neste meio tempo foi fundada a Irmandade de N. S. da Luz na paróquia de mesmo nome, com
estatutos já bem definidos e com as prerrogativas episcopais garantidas. Em julho de 1917,
os detentores dos bens da confraria de N. S. da Conceição resolveram distribuí-los a diversos
estabelecimentos, a saber, Santa Casa e Asilo São Benedito, com efeito, novamente a autoridade
diocesana impetrou processo para reaver estes bens, contudo, conversando com algumas pessoas
entendeu estarem “(...) satisfeitas as formalidades do Direito Canonico e estando de accordo
com a aplicação verdadeiramente piedosa desses bens”. Provavelmente, D. Barreto percebeu que
reiniciar uma disputa jurídica pelo precedente seria em vão e resolveu recuar e deixar com tais
instituições os bens materiais da Irmandade da Conceição, encerrando de fato o problema.

Esses eventos vêm a corroborar o argumento da romanização em Pelotas somente começar


a ocorrer com a fundação da Diocese, muito embora esta cidade já fizesse parte da Diocese
de São Pedro do Rio Grande do Sul. Muitos trabalhos falam da romanização atribuída a D.
Sebastião Dias Laranjeira e a D. Cláudio Ponce de Leão, todavia, é necessário fixar bem os
limites deste movimento eclesial, o qual não passou da cidade de Porto Alegre, porque em certa
medida, isto deveria servir também para as outras cidades gaúchas de médio porte. Restaria
indagar se as outras cidades pertencentes à diocese de São Francisco de Paula foram alcançadas
simultaneamente pelas forças episcopais, se custaram um pouco mais de tempo, ou ainda se de
fato o foram, entretanto, esta questão extrapola a intenção deste trabalho.

A destituição simbólica
Não obstante as questões pecuniárias e patrimoniais – as quais deram muito trabalho aos bispos
por todo Brasil na República Velha, haja vista o caso pelotense – e a imposição do poder episcopal
sobre a jurisdição eclesiástica na qual o prelado fora eleito, existiram outras questões de ordem
simbólica: “Não existe controle religioso sem controle do imaginário. Não se pode mudar uma
maneira de viver a religiosidade, se não se desmantela o universo simbólico que o sustenta,
substituindo por outro (...). Mas toda essa substituição, reforma da religiosidade popular leiga,
não teria capacidade de ser interiorizada e permanecer, se não fosse acompanhada de uma forte
doutrinação, desacreditando ao mesmo tempo o saber religioso popular, suas tradições e crenças,
considerando-as como ignorância e superstição” (DEL CASTILLO, 1997, p. 120).

O controle do imaginário foi um dos elementos centrais no processo romanizador, além da perda
material, agora os leigos perdiam a autonomia de significar o universo religioso que o cerca,
ou seja, a Igreja na figura episcopal é que passou a dar sentido para a realidade. E para levar a
cabo tal projeto os bispos começaram um processo de troca das devoções do catolicismo popular
por cultos romanizados: “O culto ao Sagrado Coração de Jesus é o que mais vai influenciar a
formação do novo imaginário religioso do povo. Segundo os bispos, o culto ao Sagrado Coração
de Jesus contém uma fonte interminável de tesouros e bênçãos. (...) Os bispos recomendam as
maiores solenidades para as festas do Sagrado Coração nas paróquias” (DIEL, 1997, p. 161).

Ignorando a centenária devoção a São Francisco de Paula, D. Barreto em uma de suas primeiras
ações determinou que “no dia 1º de janeiro de 1912, todas as parochias, pelos seus vigarios, se

280
consagrassem ao S. Coração de Jesus para que d’Elle viessem às luzes e as bençams necessárias para
a prosperidade da diocese” (L. Tombo, p. 13). Este foi o primeiro passo no processo de substituição
dos santos populares pelos romanizados, levando toda a diocese a consagrar-se ao Sagrado Coração
de Jesus, ocorrendo, inclusive, um profundo apelo no semanário católico A Palavra (fundado neste
mesmo dia). Além disso, para fincar de maneira avassaladora a devoção romana, a autoridade
diocesana criou em 1º de novembro de 1912 a paróquia Sagrado Coração de Jesus.

No campo da doutrinação fora fundada a Congregação da Doutrina Cristã12 em 24 de maio de


1912. O compromisso fundamental era ensinar a ortodoxia do Concílio de Trento (1545-1563).
Também devia ser fundada em todas as paróquias sob a direção do pároco ou de outro sacerdote.

Outra associação que desfrutou de forte impulso foi o Apostolado da Oração, o qual, sempre teve
sua coluna semanal garantida no semanário diocesano. As zeladoras e zeladores do apostolado
tinham as seguintes obrigações:

1º Zelar com todo o coração os interesses do S. Coração, como nome já o indica. 2º


Confessar-se e commungar ao menos uma vez cada mez. (...) 5º Estar prompta a explicar e
ensinar o catecismo, adornar os altares e capellas. (...) 9º Fugir de toda vaidade e de todos
os divertimentos mundanos: dos bailes, theatros, maxime das reuniões condemnadas pela
egreja. 10º Fugir do ócio, das murmurações, da leitura de romances (A Palavra, 1912, p. 2).

Um primeiro elemento perceptível é a articulação entre as diversas instituições e como uma


ajudava a reforçar a outra. Por exemplo, o primeiro dever dos zeladores é cuidar do S. Coração,
com efeito garante-se mais a difusão desta devoção. O segundo, o controle da consciência
através da penitência; o terceiro, as zeladoras estavam prontas para participar da Congregação da
Doutrina Cristã pela capacidade de ensinar o catecismo. Pode-se deduzir que os participantes do
apostolado eram os tipos ideais de católicos, aos quais o bispo poderia confiar algumas tarefas.
Posteriormente, em carta pastoral de 1914 dirigida ao apostolado, D. Barreto reforça várias vezes
a força do Sagrado Coração de Jesus, como ao afirmar: “é por isso que a verdadeira zeladora,
pensando primeiro em ser digna filha do S. Coração de Jesus” (D. BARRETO, 1914, p. 10).

Através da oitava carta pastoral, D. Barreto instituiu “fundar nesta diocese a piedosa obra da
adoração perpetua do Santissimo Sacramento” (Idem, p. 14). A autoridade diocesana simplesmente
institui este culto como se ele nunca houvesse existido, ignorando assim o fato de já existir uma
associação. É mais uma ação para esvaziar a Irmandade do S.S. e S. Francisco de Paula, a qual
era a responsável pelo referido culto.

A unidade tática da Igreja


Após a Proclamação da República e a consequente separação entre Estado e Igreja, a vida paroquial
ganhou grande dinamismo. O projeto reformador desejava que a paróquia se tornasse a célula viva
da evangelização: “A paróquia como unidade tática da Igreja assume uma dimensão essencialmente
militante. O caráter militante e guerreiro ainda revelam forte tendência na Igreja em fundamentar
uma verdadeira conquista espiritual. É uma Igreja que quer restabelecer a hegemonia que havia
perdido. Como ela não pode mais contar com seu aliado de outrora, o Estado, ela encontra nas
paróquias a base possível para fundamentar uma nova hegemonia” (DIEL, 1997, p. 136).

Depois de tomar posse da Diocese de Pelotas, D. Barreto operou um conjunto de mudanças nas
paróquias. Até 1912 a cidade de Pelotas só tinha uma paróquia, a de São Francisco de Paula13. No

281
mesmo ano, iniciando o processo de paroquialização da cidade, criou duas paróquias. Em 7 de abril
de 1912, é erigida a paróquia Nossa Senhora da Luz por provisão do bispo diocesano. Formada com
elementos desmembrados da Catedral e da antiga paróquia do Capão do Leão. Situada em Pelotas,
fazia limite com a Catedral, Arroio Grande, Canguçu e São Lourenço. Em 1º de novembro de 1912,
foi criada a paróquia Sagrado Coração de Jesus, a qual se estenderia do Porto até a rua Tiradentes,
limitando-se com a paróquia de onde foi desmembrada, por linha leste-oeste, abrangendo para
leste todo o terreno marginal do Arroio São Gonçalo até atingir o Arroio Pelotas.

Para facilitar o desenvolvimento religioso na campanha e também pela extensão territorial das paróquias,
por decreto de 21 de novembro de 1916, foi criada pelo primeiro bispo de Pelotas a paróquia Sant’Ana
na Colônia Maciel. Tinha como limite Nossa Senhora da Luz, São Lourenço, Canguçu e Cerrito.

Com efeito da fundação das paróquias na área urbana de Pelotas e também na área rural,
desenvolve-se mais um elemento chave do processo romanizador, a saber, a clericalização do
cotidiano da vida dos leigos, todos deveriam estar ligados a uma paróquia e não deveria haver
capelas que não estivessem circunscritas. Nada poderia escapar aos olhos da hierarquia e para
isso fundaram paróquias como unidades avançadas do bispado. Esta linguagem pode parecer um
pouco estranha, contudo, de acordo com as palavras do bispo, “a Egreja é um Exercito em ordem
de batalha” (D. BARRETO, 1914, p. 14). A Igreja sentia-se em guerra, confirmando a ideia de
“conquista espiritual”. Um dos elementos centrais em disputa também é a mediação do sagrado, a
proposta tridentina é consagrar o padre e o bispo como os únicos de fato capazes de realizar tal
tarefa: “O bispo e o padre em diferentes graus são, pela sua participação sacramental da mediação
de Jesus Cristo, os verdadeiros mediadores da vida de Deus. São os únicos que podem administrar
as graças divinas ao povo, com exceção do batismo, que pode também ser administrado por
leigos em casos especiais. O sobrenatural, o sagrado, não é acessível diretamente ao católico
leigo. Só através da Igreja hierárquica, e seguindo seus mandamentos, o povo recebe a graça
especial dos sacramentos” (DEL CASTILLO, 1997, p. 114-115).

Como instrumento da romanização a paróquia vai levar a um processo de sacramentalização da


vida laical, no qual todos deveriam obedecer aos sete sacramentos. O objetivo era a adoção do
modelo oficial do Concílio de Trento (1545-1563) e a troca da religiosidade popular pela oficial. Nos
anais do primeiro congresso católico diocesano realizado em comemoração aos 25 anos de fundação
da Diocese de Pelotas, em conferência realizada pelo Pe. Bento Mallmann, o qual discorria sobre
a situação em que estava o sacramento do matrimônio, encontra-se o seguinte: “Uma pequena
diferença entre os casamentos religiosos e civis, em vista da população protestante, espírita ou ímpia,
seria causa intelligivel, mas cousa bem pouco tolerável é ver-se uma família, que se diz catholica, se
contenta só com o registro civil, pensando na sua ignorância religiosa que a instituição do registro civil
significava substituição completa dos sacramentos da Igreja” (MALLMANN, 1935, p. 30).

Com esta citação pode-se dimensionar a consciência religiosa. Em certa medida os sacramentos
não se encontravam entre os itens mais significativos. A tradição luso-brasileira estava mais
interessada nas festas religiosas populares dos santos com os quais tinham algum tipo de
identificação. Como consequência do novo arranjo paroquial nenhum católico poderia escapar
aos “tentáculos” clericais, pois o padre encontrava-se sempre na paróquia, não podendo afastar-
se mais que oito dias da matriz conforme as determinações das pastorais coletivas do meridional.

De maneira geral, a compreensão episcopal era de que a ignorância religiosa tinha alcançado
todas as camadas sociais: “Nas camadas mais elevadas da sociedade, principalmente entre os
intelectuais, a racionalidade e a secularização têm afastado o homem de Deus. Já nas camadas
populares, o espiritismo, as superstições, o indiferentismo e o fanatismo são infiltrações astuciosas
de heresias e descrença” (DIEL, 1997, p. 149).

282
É neste processo que os párocos assumem um papel central, combatendo a ignorância religiosa.
Com isto, a paróquia torna-se um lugar simbólico de grande relevância para a ação romanizadora.
A paróquia é a unidade básica na Igreja brasileira tridentina, não havia vida fora desta divisão
eclesiástica. Também não comporta discordâncias nem proselitismos, muito menos outro
interlocutor que não fosse o padre. Não havia possibilidade de diálogo inter-religioso.

Educação e romanização
Outro elemento de grande significado foi o processo de instalação de diversos colégios católicos em
Pelotas durante o período que compreende o final do século XIX e início do XX. Em conformidade
com as novas diretrizes, na mesma perspectiva de trazer novas devoções e controlar o imaginário,
diversas congregações religiosas instalaram-se na referida cidade. Também porque o campo
educacional foi alvo de intensa disputa com outras confissões e em especial com a maçonaria.

Um dos pilares fundamentais foi a Companhia de Jesus, a qual fundou, em 1895, o Colégio
Gonzaga. Outro educandário – fundado antes mesmo deste – foi o Colégio São Francisco, das
irmãs franciscanas, posteriormente o São José, da congregação de mesmo nome e por último o
Colégio Sagrado Coração, o qual era controlado pela paróquia do porto. Mudando assim o perfil
educacional da diocese:

A estrutura educacional da diocese, particularmente do ensino secundário, tradicionalmente


em mãos da iniciativa privada, passou ao controle de mantenedoras de cunho confessional.
Estabelecendo um padrão de qualidade de cunho tipicamente jesuítico, estes colégios
adequaram-se às pretensões bacharelescas das elites regionais (TAMBARA, p. 93).

Portanto, o catolicismo conseguia oferecer uma educação de razoável qualidade para a elite
pelotense e, ao mesmo tempo, estas escolas eram polos de onde transmitia-se a ideologia
romanizadora. O aumento da rede de ensino católica colaborava também para formar leigos
capazes de enfrentar doutrinas concorrentes como o positivismo, o liberalismo, entre outras.

Todo este processo ao qual os leigos foram submetidos – de substituição de um catolicismo por
outro – ocorreu justamente para que o poder político se mantivesse nas mãos da elite, tendo
a Igreja Católica como legitimadora desta ordem. A reciprocidade é a base da relação entre
a hierarquia e a elite, contudo, a violência simbólica à qual foi exposta esta elite, através de
fortes propagandas por meio do semanário A Palavra, das cartas pastorais e das visitas pastorais
empreendidas pelo bispo, foram de grande alcance para os objetivos do catolicismo.

A festa do padroeiro continuou a cargo da Irmandade do Santíssimo Sacramento e São Francisco


de Paula após a aprovação dos novos estatutos. Todavia, no periódico católico as festas e reuniões
das novas instituições recebiam maior peso.

O esforço investido pelo bispo em tentar apagar da memória as velhas devoções foi grande,
entretanto a elite estava sempre a postos para ajudar nesta tarefa de mobilização de novos
estímulos simbólicos.

Conclusão
Disputas, tensões e devoções foram elementos que fizeram parte das relações das elites, assim
como do modo de relacionar-se com o sagrado de maneira geral.

283
É importante esclarecer que não se exauriu todo o processo de remodelação do catolicismo e
da concomitante acomodação entre a elite política e econômica e a elite religiosa. Analisou-se
apenas o período referente ao bispado de D. Francisco de Campos Barreto, o qual articulou os
elementos básicos, contudo não terminou tal processo. Os bispos subsequentes deram outros passos
importantes, como por exemplo, a construção do seminário diocesano São Francisco de Paula.

Em primeiro lugar, percebe-se que o movimento da reforma católica, conhecido como romanização,
chegou a Pelotas somente quando para esta cidade foi eleito um bispo, contrariando outros
estudos que falavam em romanização na “Princesa do Sul” durante o período da Diocese de São
Pedro. Todas as tentativas de estabelecimento de medidas centralizadoras fracassaram e poucos
resultados foram obtidos.

Além disso, a fundação da Diocese de Pelotas ocorreu no contexto do estabelecimento de novas


confissões religiosas. Com efeito, a autoridade diocesana logo instituiu laços de relacionamento
de cunho clientelista com a elite através da comissão de implantação do bispado – apesar de uma
maior clericalização do catolicismo neste período – garantindo privilégios à Igreja e procurando
obliterar as novas instituições da esfera religiosa em Pelotas.

O processo de substituição de um catolicismo por outro ocorreu de duas maneiras, a saber:


uma que destituiu os leigos de elementos materiais e pecuniários e a outra, cujo foco estava
nos elementos ideológicos e/ou simbólicos. No que tange ao patrimônio, as ações episcopais
passaram fundamentalmente pelos esforços em controlar as irmandades do ponto de vista
jurídico, reformando os estatutos e também o controle financeiro ao exigir a prestação de contas
das mesmas. No embate simbólico, um catolicismo foi sendo substituído por outro através dos
instrumentos à disposição do bispo. O primeiro foi a paulatina troca de associações onde as
centenárias irmandades foram substituídas por outras de culto romanizado, o que provocou o
deslocamento do poder no interior da Igreja Católica, passando dos leigos para o clero. Outro
dado importante foi a introdução de devoções romanizadas, em especial o culto ao Sagrado
Coração de Jesus. Também: a paroquialização do espaço eclesial como outra estratégia, em que
o pároco assumiu uma posição hegemônica na área destinada; assim como a ação da Igreja
no campo educacional – um importante espaço de formação das elites com a disseminação de
diversos colégios e ginásios para inculcar a doutrina reformadora deste período.

Referências
ASSUMPÇÃO, H. Arcaz de lembranças. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982.
AZZI, R. O movimento brasileiro da Reforma Católica durante o século XIX. REB, vol. 34, fasc. 135,
setembro, 1974.
TAVARES, M. Irmandades religiosas, devoção e ultramontanismo em Porto Alegre no bispado de Dom
Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888). Dissertação de Mestrado. São Leopoldo: UNISINOS, 2007.
BOSCHI, C. Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais). São Paulo:
Ática, 1986.
BOURDIEU, P. Modos de dominação. A produção da crença – contribuição para uma economia dos bens
simbólicos. São Paulo: Zouk, 2002.
DEL CASTILLO, J. “O movimento da Reforma e a “paroquialização” do espaço eclesial do século XIX
ao XX”. In: TORRES-LONDOÑO, F. (Org.). Paróquia e Comunidade no Brasil – perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997.
DIEL, P. “A paróquia no Brasil na restauração católica durante a Primeira República”. In: TORRES-
LONDOÑO, F. (Org.). Paróquia e Comunidade no Brasil – perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997.
LOVE, J. L. & BERT, B. J. “Elites regionais”. In: HEINZ, F (org.). Por outra história das elites. São Paulo: FGV, 2006.

284
MICELI, S. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
RODRIGUES, C. “No tempo das irmandades”. Cultura, identidade e resistência nas irmandades religiosas
do Ceará (1864-1900). Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUCSP, 2005.
TAMBARA, E. “A formação ideológica do trabalhador na diocese de Pelotas – RS: a consolidação do
ultramontanismo (1910-1920)”. In: Cadernos de Educação, Fae/UFPel, Pelotas, 1996.
TOMASCHEWSKI, C. Caridade e filantropia na distribuição da assistência: a Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de Pelotas - RS (1847-1922). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2007.
WERNET, A. A igreja paulista no século XIX. São Paulo: Ática, 1987.

Fontes consultadas

ANAIS DO CONGRESSO em comemoração aos 25 anos da Diocese de Pelotas.


CARTA PASTORAL “Instituindo o Apostolado da Oração”.
_____ “Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento e S. Francisco de Paula”.
LIVRO TOMBO da Diocese de Pelotas.
PERIÓDICO “A Palavra” (1912-1915).

Notas do pesquisador

2 O debate teórico ao redor da noção de elite extrapola a proposta de resgate histórico do bicentenário de Pelotas. Para aprofundamento
do tema, pode-se consultar HEINZ, F. Por outra história das elites. São Paulo: FGV, 2006.
3 Decreto nº 119-A, de 7 de Janeiro de 1890: “Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em materia
religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências”.
4 Para aprofundar o debate sobre a maçonaria no Rio Grande do Sul ver: COLUSSI, E. A maçonaria gaúcha no século XIX. E sobre
Pelotas ver: AMARAL, G. O Ginásio Pelotense.
5 Para uma lista completa das irmandades religiosas e assistenciais em Pelotas ver: TOMASCHEWSKI, C. Caridade e filantropia na
distribuição da assistência: a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas - RS (1847-1922). Porto Alegre, 2007.
6 Também nesta página do Livro Tombo há menção que o bispo da arquidiocese foi quem indicou o presidente da referida comissão.
7 Foi convidado no governo do Marechal Floriano Peixoto ao ministério do exterior. Desenvolveu bom trabalho, acumulando
posteriormente outras pastas como: da Fazenda, do Interior, entre outras.
8 O Livro Tombo da Diocese de Pelotas inicialmente foi usado como Livro Ata da comissão de implantação do bispado.
9 Nasceu em Campinas, estado de São Paulo no dia 28 de março de 1877, ordenado na Catedral de São Paulo, a 22 de dezembro
de 1900, vigário da Vila Americana, em fevereiro de 1901, vigário de Souzas em 1903, vigário da paróquia de N. S. do Carmo em
Campinas em dezembro de 1904, monsenhor camareiro secreto extranumerário do S. Padre Pio X em 1908, procurador da Mitra
Diocesana de Campinas, e consultor em 1909, cônego Arcipreste do cabido de Campinas em 1909, eleito bispo de pelotas em 12 de
maio de 1911, sagrado bispo na Catedral de Campinas em 27 de agosto de 1911.
10 O Livro Tombo da Diocese de Pelotas no começo foi utilizado como livro de ata da referida comissão de instalação do bispado de
São Francisco de Paula.
11 Periódico católico semanal fundado por D. Barreto em 1º de janeiro de 1912.
12 A Congregação da Doutrina Cristã equivale hoje às equipes de catequese que existem nas paróquias em nível diocesano.
13 Após a criação da Diocese de Pelotas, a paróquia de São Francisco de Paula (fundada em 1812) passou a ser a catedral da nova
divisão eclesiástica. Chama-se de catedral (com origem semântica em cátedra) a Igreja onde fica a cadeira do bispo.

285
Figura 1 Figura 5

Figura 2

Figura 6

Figura 3

Figura 7

Figura 4

Figura 8

286
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Guilherme P. de Almeida.

Figura 1: Clero de Pelotas em 1916. Ao centro, Dom Francisco de Campos Barreto, o primeiro Bispo de
Pelotas. À sua direta, Cônego Roque Ambrosiny (sentado) e o Padre Joaquim Teixeira Dias (Vigário da Igreja
do Sagrado Coração de Jesus). À sua esquerda, Cura da Catedral, Padre Campos Pinto (sentado) e o Padre
Abel T. Mendes (Vigário da Igreja da Luz). Fonte: DIOCESE DE PELOTAS. Primeiro Lustro da Diocese de
Pelotas (1911-1916). Pelotas: MEIRA & C. (Oficina da Livraria Comercial): s/d. Acervo Simone Rassmussen
Neutzling.
Figura 2: “A Liga do Menino Jesus saindo da Catedral de Pelotas, depois de uma comunhão mensal”.
Fonte: DIOCESE DE PELOTAS. Primeiro Lustro da Diocese de Pelotas (1911-1916). Pelotas: MEIRA & C.
(Oficina da Livraria Comercial): s/d. Acervo Simone Rassmussen Neutzling.
Figura 3: Capela do Palácio Episcopal São Francisco. Fonte: Álbum de Pelotas no Centenário da Indepen-
dência (CARRICONDE, 1922). Acervo Luís Rubira.
Figura 4: Uma sala do Palácio Episcopal São Francisco. Fonte: Álbum de Pelotas no Centenário da Inde-
pendência (CARRICONDE, 1922). Acervo Luís Rubira.
Figura 5: Clero de Pelotas em 1935. Fonte: DIOCESE DE PELOTAS. Primeiro Congresso Católico Dioce-
sano de Pelotas (1911-1935). Porto Alegre: Typographia Santo Antonio do Pão dos Pobres: s/d. Acervo
Guilherme P. de Almeida.
Figura 6: Ginasianos, colegiais e escoteiros no largo fronteiro á Catedral, durante as atividades do Primeiro
Congresso Católico Diocesano de Pelotas, em 1935. Fonte: DIOCESE DE PELOTAS. Primeiro Congresso
Católico Diocesano de Pelotas (1911-1935). Porto Alegre: Typographia Santo Antonio do Pão dos Pobres:
s/d. Acervo Guilherme P. de Almeida.
Figura 7: Igreja Matriz da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Postal. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 8: Jovem em frente à Igreja Matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Luz. Ano de 1966. Fonte:
Acervo Leni Dittgen de Oliveira.

287
Pesquisa e Seleção de imagens: Flávia Rieth e Marília Floôr Kosby
Notas: Flávia Rieth e Marília Floôr Kosby

Figura 1: Batuque de doces (Fonte: Acervo do Inventário Nacional de Referências Culturais - Região Doceira
de Pelotas Atual e Pelotas Antiga. Fotografia de Marília Floôr Kosby).
Figura 2: Batuque. (Fonte: Idem. Fotografia: Idem).
Figura 3: Doces de fruta - Calda para doces (Fonte: IbIdem. Fotografia de Tiago Lemões).
Figura 4: Doces de fruta - Colheita do pêssego (Fonte: IbIdem. Fotografia: Idem).
Figura 5: Doces de fruta - modo de fazer Passas de pêssego (Fonte: IbIdem. Fotografia: IbIdem).
Figura 6: Doces finos - Base para doces (Fonte: IbIdem. Fotografia de Marília Floôr Kosby).
Figura 7: Doces finos - Fios de ovos (Fonte: IbIdem. Fotografia: Idem).
Figura 8: Doces finos - Livro de receitas de família. (Fonte: IbIdem. Fotografia: Idem).
Figura 9: Doces finos - Modo de fazer a massa do Pastel de Santa Clara. (Fonte: IbIdem).
Figura 10: Doces ofertados aos orixás. (Fonte: IbIdem. Fotografia de Marília Floôr Kosby).
Figura 11: Oferenda de doces no dia 2 de Fevereiro. Balneário dos Prazeres. (Fonte: IbIdem. Fotografia Idem).
Figura 12: Produção industrial dos doces de fruta - modo de fazer Figos em calda. (Fonte: IbIdem. Fotografia de
Tiago Lemões).
Figura 13: Produção industrial de figo em calda. (Fonte: IbIdem. Fotografia Idem).
Figura 14: Quindins para Oxum. Balneário dos Prazeres. (Fonte: IbIdem. Fotografia de Marília Floôr Kosby).

288
289
234 235 236

241 242 243

234. Entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Casarão nº 08, na esquina com a Rua Barão de Butuí. Década de 1950. 235. Rua Félix da Cunha, quase esquina Rua Lobo da
Costa. Vista na direção nordeste. Década de 1950. 236. Idem. Casarão nº 02 e trecho da Rua Lobo da Costa. Década de 1950. 237. Idem. Detalhe do pequeno chafariz e
da escadaria de acesso do Casarão nº 06. Década de 1950. 238. Praça Cel Pedro Osório esquina Rua Princesa Isabel, vista desde a praça. Casarão da Família Rosa e Casa
de Pompas Fúnebres. Década de 1950. 239. Antigo Casarão da família Moreira, na esquina da Praça Cel. Pedro Osório, esquina Rua Barão de Butuí. Década de 1950.
240. Rua XV de Novembro, esquina Rua Gal. Telles. Vista geral do antigo Casarão da família Osorio. Década de 1950. 241. Vista geral da antiga sede do Jockey Clube de
Pelotas e trecho da Rua Sete de Setembro, esquina Rua Félix da Cunha. Década de 1950.
237 238 239 240

244 245 246 247

242. Rua Lobo da Costa esquina Rua Félix da Cunha. Antigo Casarão da família Assumpção, com Theatro Guarany ao fundo. Vista desde Praça Cel. Pedro Osório. Década
de 1950. 243. Rua Gonçalves Chaves, esquina Rua Voluntários da Pátria. Casarão da família Gonçalves Chaves. Década de 1950. 244. Rua Voluntários da Pátria, esquina
Rua Gonçalves Chaves. Casarão da família Gonçalves Chaves. Década de 1950. 245. Rua Sete de Setembro esquina Rua Gonçalves Chaves. Antigo Casarão da família
Mendonça, atualmente em avançado estado de arruinamento. Década de 1950. 246. Panorama da Rua Dom Pedro II; vista na direção leste. Ao centro, o antigo Casarão
da Baronesa do Arrio Grande, na esquina com a Rua Andrade Neves (atualmente demolido). Década de 1950. 247. Antigo Casarão na esquina da Rua Dom Pedro II vista
da Rua Gal. Osório na direção sul. Demolido. Década de 1950.
248 249 250

251 252 253

248. Rua Gal. Telles, esquina Rua Félix da Cunha. Ao fundo o prédio definitivo da Faculdade de Odontologia, em fase adiantada de construção. Década de 1950.
249. Figueira de uma propriedade na Zona Rural. Década de 1950. 250. Propriedade de arquitetura colonial na Zona Rural. Década de 1950. 251. Idem. Vista
complementar. Década de 1950. 252. IbIdem. Vista oposta. Década de 1950. 253. Rua Major Cícero nº 201: a “Casa nº 01”, parte restante da antiga morada do
Charqueador Torres. Década de 1950. Década de 1950.
Caderno 11

AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM PELOTAS:


NOTAS E IMAGENS ICONOGRÁFICAS

Marília Floôr Kosby1

Introdução conceitual
Religiões de matriz africana podem ser descritas como territórios em que as relações dos seres
humanos com as potências sagradas da existência são construídas e se transformam a partir de
referências filosóficas e cosmológicas marcadas pela experiência de africanos e seus descendentes
nas mais diferentes regiões do planeta.

O principal movimento que impulsionou a chegada de populações negras no continente americano


foi a retirada à força de milhões de africanos de seus lugares de origem para servirem de mão de
obra escrava à empresa de exploração capitalista. Segundo o antropólogo Marcio Goldman (2005),
neste processo de desterritorialização e posterior reterritorialização em sociedades distintas das
suas tradicionais, os grupos advindos da África combinaram criativamente aspectos de diversos
pensamentos de origem africana com algumas dimensões dos imaginários cristão e ameríndio, bem
como, articularam modos de vida inviabilizados pela escravidão com as formas de organização
social possíveis nos contextos em que foram obrigados a reaprender a viver. Assim, o que tratamos 1
Graduada em Ciências Sociais
por religiões de matriz africana – incluindo-se as chamadas religiões afro-brasileiras – integra tais pela Universidade Federal de
Pelotas (UFPel, 2007), Mestre em
recomposições de formas de pensar, perceber, sentir e socializar, que estão intimamente assentadas Ciências Sociais pela UFPel (2009),
numa subjetividade pautada pela resistência às forças que historicamente impulsionaram a Doutoranda em Antropologia
pela Universidade Federal do Rio
dominação e eliminação da dignidade presente na diversidade humana. Grande do Sul. Antropóloga e
Poeta, é autora de Os Baobás do
Fim do Mundo - Trechos líricos
de uma etnografia com religiões
de matriz africana no sul do Rio
Algumas notas sobre as religiões de matriz africana em Pelotas Grande do Sul (Vera Cruz: Veritas,
2011) e de Siete colores e Um pote
Dentre os territórios existenciais, criados a partir desses encontros múltiplos entre os imaginários cheio de acasos (Arroio Grande:
africanos, o cristão e os ameríndios, foram mapeados em Pelotas e região, pelo menos três Edição da autora, 2013).
conjuntos litúrgico-cosmológicos que se reconhecem enquanto religiões afro-brasileiras.
Sumariamente, essas religiões seriam o batuque (culto aos orixás, que são divindades), a
umbanda (culto a caboclos, pretos velhos e, em alguns casos, a exus) e a quimbanda (culto aos
exus). Embora possuam bem delimitados os seus rituais, espaços sagrados e tipos de entidades e
deuses cultuados – o que permite que sejam descritas individualmente – em termos filosóficos e
ontológicos, essas religiões parecem atuar em complementariedade.

Em comparação, são todas elas atravessadas por princípios fundamentais semelhantes. Alguns
destes seriam: a ausência de mediação entre homens, deuses e espíritos mágicos, vivenciada
na possessão; o toque de tambores como elemento ritualístico de contato entre humanos e
divindades/entidades; a atribuição de agência sagrada aos elementos e entes da natureza; o fato
de não serem religiões universais nem expansionistas, de cada terreira possuir o seu fundamento,
não havendo sacerdotes supremos; e o princípio da participação, que precede o da conversão e da
catequese, sendo a experiência vivida do sagrado anterior à crença ou a qualquer tipo de dogma.

Como se pode ver, em um pensamento religioso onde não cabem dogmas, tampouco se
enquadram princípios individualistas e homogeneizantes, havendo sim, ênfase na diferença
enquanto qualidade imanente à vida. Assim, quando discute a lógica da diferença na religiosidade
afro-brasileira, José Carlos dos Anjos (2006) reconhece nos terreiros “espaços para percursos
nômades”, onde raças, nações e divindades seriam um patrimônio simbólico de intensidades
diversas, e não “essências identitárias pertencentes a indivíduos”.

O batuque
O batuque, também conhecido por nação, é uma religião de matriz africana que se desenvolveu
no Rio Grande do Sul e atravessou as fronteiras com Uruguai e Argentina. Alguns registros
historiográficos apontam para a existência de “batuques”, reuniões protagonizadas por negros
em torno de toques de tambores, já no século XVIII, na região de Pelotas (MARCELLO &
KOSBY, 2009).

Dentre os principais fundamentos dessa religião estão o culto aos orixás enquanto forças cósmicas
da natureza, e a arte de captar e transmitir o axé, fluxo de força que permeia tudo o que é vivo
no universo. Nas casas de religião onde se pratica o batuque, geralmente cultuam-se os seguintes
orixás: Bará, Ogum, Iansã (que também é Oiá, a Iansã jovem), Xangô, Odé, Otim, Obá, Ossanha,
Xapanã, Oxum, Iemanjá e Oxalá. E, como cada orixá desses é múltiplo, eles se desdobram em
muitos outros conforme a combinação que se faz com outros orixás. Para cada uma dessas
divindades, há o orixá geral, a força cósmica vertida da natureza e atualizada nos rituais de
fixação de axé no âmbito da casa de religião, e há o orixá específico que acompanha cada pessoa
desde seu nascimento. Este último brota de uma canalização do axé do orixá geral, e pode ser ou
não atualizado nos rituais de iniciação pelos quais passam aquelas pessoas que “entram para a
religião”. Tem-se, portanto, que todos os seres humanos nascem com um orixá pai ou mãe (santo
ou santa de cabeça), mas nem todos dão nascimento e criação ao mesmo.

Além de seres mitológicos com características muito próximas às dos humanos (como paixões,
fragilidades, desejos), os orixás são divindades – ou semideuses – que participam das mais diversas
instâncias da vida, não como representações, mas como princípios ontológicos. Portanto, por
exemplo, Iemanjá é o mar, o pensamento e uma grande mãe; Oxum é o ouro, a fertilidade, a
doçura e as cachoeiras; Ogum é a guerra, a coragem e as estradas de ferro; Xangô é os trovões,
a justiça... E assim, infinitamente, cada orixá atravessa e se desdobra em múltiplas instâncias.

296
Acrescenta-se que, acima dos orixás, enquanto deus criador de tudo, inclusive dos próprios
orixás, há no panteão do batuque um deus maior, chamado Olorum. Este, sim, não poderia ser
classificado como um semideus, já que transcende a experiência terrena e humana em totalidade.

Embora cada casa de religião siga os fundamentos promulgados por seu dono ou dona, não
havendo uma cartilha ou livro sagrado a seguir, existe uma espécie de linhagem de santo, em que
há certo respeito por deixar guiar pelos ensinamentos dos pais e mães-de-santo da nação a qual
se pertence. No batuque há uma divisão por nações, segundo os conhecimentos ritualísticos e
litúrgicos que o filho-de-santo vai incorporando durante sua iniciação. Na região de Pelotas, há
referências a casas de nações Jêje, Cabinda, Oyó e Ijexá, bem como à combinação entre algumas
delas – vale lembrar que essas classificações fazem alusão a nações africanas, embora não haja
continuidade direta entre a nação de religião e sua correlata gentílica. As diferenças observadas
em primeira instância se dão no proceder dos rituais, principalmente na velocidade dos toques de
tambor e nos axés (cantos) entoados.

A umbanda
A umbanda é uma religião afro-brasileira que se constitui a partir de cruzamentos entre o
pensamento afro-religioso, algumas práticas e saberes ameríndios, o imaginário cristão e a
doutrina espírita kardecista – sendo o que se pode cartografar como as principais participações
na composição dessa religião, já que há a possibilidade de se somarem perspectivas outras além
das citadas. Isto se dá pelo fato de o pensamento afro-religioso ser aberto à diferença, atuando
criativamente a partir de referências externas à sua matriz geracional, incorporando e dando
sentido a elementos interessantes, convivendo com os divergentes, muitas vezes subvertendo-os.

A maioria dos rituais de umbanda se dá dentro das terreiras (casas), numa sazonalidade regular
com curtos intervalos entre uma terreira (reunião com toque de tambor e incorporação dos
médiuns) e outra. O termo médium, vertido do kardecismo, diz respeito à pessoa que incorpora
espíritos, ou se relaciona sensorialmente com eles, mas na umbanda é mais usada a designação
aparelho, que faz referência ao corpo do médium – já que nesta religião há um breve, mas total,
englobamento da pessoa do médium pelo espírito da entidade via incorporação, durante as
correntes. “Corrente” é o ritual feito nas terreiras no qual os umbandistas, dispostos em roda e ao
som de tambores, cantam os pontos (músicas), chamando as entidades que se espera que venham
incorporá-los e dar consultas e passes aos demais presentes.

Em decorrência de festas ou ocasiões especiais, às vezes são realizados rituais ao ar livre, para
fortalecer a proximidade com os elementos da natureza, de onde brotam as energias vitais que
fazem com que as entidades respondam aos pedidos dos religiosos.

Em termos gerais, as terreiras de Umbanda, também chamadas de centros espíritas umbandistas,


cultuam os caboclos (espíritos de indígenas), os pretos velhos (espíritos de escravos ou ex-
escravos negros) e, quando “cruzam a linha” com o lado da Quimbanda, põem em jogo também
o culto aos exus (espíritos de pessoas com moralidade controvertida segundo o padrão cristão de
comportamento, de prostitutas, de mendigos, de malandros, e até de animais e seres bestiais). A
primeira acepção há quem a denomine de umbanda branca ou pura, já a segunda pode ser também
conhecida por linha cruzada ou umbanda cruzada. O importante é que tanto umbanda quanto
quimbanda são tratadas como lados, lados diversos de um sistema de culto estruturalmente
semelhante. Então, em alguns momentos, pelo lado da umbanda, podem ser também cultuados
espíritos ciganos e de crianças (estes chamados de cosmes, em alusão aos santos cristãos São
Cosme e Damião).

297
Especificando: os caboclos são as entidades envolvidas em curas e na solução de problemas de
saúde em geral, já os pretos velhos aconselham, acalmam, conversam e também fazem curas. O
povo cigano é o “povo do amor”, são eles que realizam os casamentos, os mesmos que aconselham
as melhores transações financeiras, são consultados quando há dúvidas quanto aos negócios; os
ciganos veem o futuro. Os exus são solicitados a resolver questões amorosas, questões práticas
e de disputas pessoais, separam casais, propiciam reconciliações, ajudam a arrumar emprego e
podem “trancar e abrir os caminhos” nas disputas.

Cabe ressaltar que, embora não haja a participação direta dos orixás nos rituais de umbanda,
naquelas casas em que também se pratica o batuque, ou em que o líder da terreira é filho-de-
santo, há uma correspondência entre o axé que rege a nação e as entidades que protagonizarão
na terreira.

A quimbanda
Maria Padilha, Maria Molambo, Pombagira das Sete Saias, Pombagira Cigana, Pombagira Rainha
do Sobrado, Zé Pilintra, Exu Tiriri, Exu Capa Preta, Exu Tata Caveira, Zé Malandro... Todos exus,
mas não todos os exus. Habitantes das encruzilhadas, dos cemitérios. Exu é o nome genérico
dado às entidades “do meio”, os espíritos entre o bem e o mal, nem das trevas nem de luz,
formadores das falanges cultuados na linha de exus da umbanda, ou na quimbanda, religião na
qual é cultuado apenas o “povo do chão”, composto por pombagiras (espíritos femininos) e exus
(espíritos masculinos).

Povo de moralidade controvertida, os exus são espíritos desencarnados que acompanham os seres
humanos, cada um destes tendo o seu exu pessoal – às vezes uma pombagira e um exu. Entre o
exu e o aparelho não existe pecado, bem ou mal, assim como não existe a noção de perdão. Mal
e bem não têm um corpo definido, nem mesmo se pode falar em profano e sagrado como esferas
separadas quando se fala de exu. A reciprocidade é a lei.

A quimbanda é uma religião que subverte o padrão cristão de sagrado, pondo em jogo um poder
sobrenatural que foge de qualquer tentativa de criar uma imagem humana de representação do
sagrado. Esse poder está desvinculado do indivíduo, por isso exu é legião e é povo, por romper
com as hierarquias e dualidades. Numa corrente, quando os exus giram as hierarquias se diluem,
pois o sagrado, o poder sobrenatural, é incorporado pelo que há de mais pecaminoso para um
“estar” cristão.

A extroversão é a maximização da falta de interioridade. Por isso que, no diálogo entre os corpos
cristão ocidental e afro-religioso, é na sensualidade e na exposição da mulher pública que a
pombagira marca sua presença no mundo, no corpo dos aparelhos. Para José Carlos dos Anjos, o
corpo da pombagira é um corpo que vem romper com o regime de desejo que se sustenta sobre
a pureza feminina. Segundo o autor:

A linha de exu pode ser lida como o revirar da forma rosto, a exposição de uma
subjetividade que perdeu a interioridade. O rosto se desfaz sob a caveira descarnada,
assim como a pombagira expõe a pureza das “santas de igreja” sob os longos mantos
de linho. Assim como o rosto não sustenta mais um padrão de humanidade, vestes
não garantem a pureza feminina (DOS ANJOS, 2006, p. 86).

Da mesma forma, a cara descarnada do exu caveira, por exemplo, rompe com o processo de rosto
ocidental, no qual o mesmo individualiza seu representante e sua interioridade.

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Espacialidades
Como no Rio Grande do Sul as religiões de matriz africana tiveram um desenvolvimento
predominantemente urbano – não havendo quase a existência de grandes terreiros como os do
candomblé da Bahia, com características mais próximas de uma ruralidade – a prática das mesmas
criou um forte vínculo com o espaço público, onde se encontram praias, praças, cachoeiras, pedreiras,
árvores sagradas, matos, encruzilhadas, estradas e demais lugares onde há potenciais fontes de axé
e onde se pode entrar em contato com as forças mágicas de algumas entidades espirituais.

Além dos rituais no espaço público, existem as casas de religião, termo genérico para designar
locais onde se pratica uma ou mais religiões de matriz africana. Conforme estatísticas nativas,
atualmente há uma média de 1500 a 2500 casas de religião somente em Pelotas. Já a Federação
Sul-riograndense de umbanda, possui em seu cadastro o registro de mais ou menos 800 casas de
religião na cidade (BARBOSA NETO, 2012).

É muito comum em Pelotas haver a coexistência dos três tipos de religião em uma mesma casa;
geralmente, quando se pratica o batuque também há o culto de caboclos, pretos velhos e exus, só
que em espaço e temporalidade distintos dos rituais com os orixás. O contrário não necessariamente
acontece, há casas onde só se pratica a umbanda e casas onde só é praticada a quimbanda.

Sinteticamente, pode-se descrever as casas de religião onde coexistem os três conjuntos litúrgico-
cosmológicos da seguinte forma: há o salão dos batuques (festas), onde se localiza o quarto-de-
santo, em que ficam assentados os ocutás, pedras sagradas que representam a materialidade de
cada um dos orixás cultuados na casa. Além dos ocutás, é frequente a presença de imagens de
santos católicos análogos ao conjunto de características e potências que cada orixá carrega. É
nesse salão que se realizam as festas, os sacrifícios de animais e todos os demais rituais internos
de culto aos orixás – exceto daquelas divindades que devem ficar na rua.

Além do salão e do quarto-de-santo, destinados aos rituais do batuque, pode existir na mesma
casa a terreira, um cômodo onde fica o congá, espécie de altar em que, além de algumas
plantas litúrgicas e medicinais, cigarros, rosas e copos com cachaça, dispõem-se imagens de
santos católicos, de caboclos e de algumas sereias (indígenas), pretos velhos (escravos negros
ou ex-escravos), crianças (São Cosme e Damião) e ciganos, que seriam os espíritos cultuados
pela umbanda. Num outro cômodo, separado dos demais, encontra-se o quarto dos exus, com
as paredes internas e a porta pintadas de vermelho. Nele ficam dispostas imagens com rostos
distorcidos, corpos com chifres, caudas e tridentes, mulheres de dorso nu, corpos disformes; neste
quarto predominam as velas vermelhas e pretas, charutos, cachaça e rosas também vermelhas.

A Festa de Iemanjá
Religiões de matriz africana, como o batuque e a umbanda, possuem, entre seus fundamentos
cosmológicos e litúrgicos, profundos vínculos com as forças da natureza, sejam os ventos, as
chuvas, a terra, as plantas, as águas férteis e fecundas. O culto a Iemanjá é, portanto, a celebração
ritualística das potencialidades dos rios, lagos, mares, arroios, lagoas, bem como das gestações
das maternidades, da clareza de pensamento e da doçura da vida. Mas, como tudo para o
pensamento afro-religioso, as águas estão superpovoadas de entidades, de forças, de divindades,
de significados: Iemanjá é acompanhada de outros importantes orixás, como Oxum e Oxalá, e da
presença de sereias, Iaras, caboclos, pretos velhos, exus e seres míticos de extrema importância
para a manutenção do equilíbrio das forças que atuam na vida das pessoas que encontram nas
águas um território sagrado. Faz-se necessário salientar que dentre estas pessoas, encontram-se,
além dos umbandistas, dos filhos de nação e demais iniciados em religiões de matriz africana,

299
cidadãos que não estão engajados em nenhum desses cultos, mas que fazem e pagam promessas
às águas, que acreditam no poder de prosperidade e alegria que estas podem trazer. Isso reforça
a abrangência da mobilização que os festejos do dia 2 de fevereiro têm na região de Pelotas.

A relação da praia do Barro Duro com o município de Pelotas está fortemente atrelada à
marginalização e exclusão de massivos contingentes de negros e afrodescendentes da utilização
do espaço público, por parte das elites locais. A apropriação simbólica do território deste balneário
por grupos negros – geralmente também moradores da periferia – relaciona-se, entre outros
fatores, com a antiga proibição imposta a estas pessoas de frequentarem as demais Praias do
Laranjal, na costa da Laguna dos Patos, em Pelotas.

Um dos desbobramentos das pesquisas do Inventário Nacional de Referências Culturais – Região


doceira de Pelotas e Pelotas antiga, intitulado “Nós cultuamos todas as doçuras” (KOSBY, 2007),
traz a descrição etnográfica da participação negra na manutenção e perpetuação da tradição
doceira da cidade, a qual está fundamentada na oferenda de doces aos orixás. Os orixás de
praia, supracitados, são também chamados de “orixás de mel”, são os pais de todos os demais
orixás e carregam as forças criativas e gerativas de axé, ou seja, de vida. A vida, as forças vitais,
na cosmologia afro-brasileira estão associadas à doçura, à importância de não se ter só bravura
para vencer os obstáculos. Por isso, entre os rituais realizados na beira da praia do Barro Duro
são proeminentes as oferendas de frutas, flores e, principalmente, de doces, já que tudo o que se
oferece aos orixás é o que se quer ter em retribuição.

Dessa forma, a festa de Iemanjá configura-se num significado ritual onde se condensam valores
fundamentais para a manutenção de territórios existenciais negros e para a sustentabilidade de
um ethos que prioriza a criatividade e a alegria de viver, o que ultrapassa as barreiras da cor da
pele e da discriminação social.

Referências
ANJOS, J. No território da Linha Cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira. Porto Alegre: Editora da
UFRGS/ Fundação Cultural Palmares, 2006.
BARBOSA NETO, E. A máquina do mundo: variações sobre o politeísmo em coletivos afro-brasileiros.
Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPG em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, 2012.
GOLDMAN, M. Formas do saber e modos do Ser: observações sobre multiplicidade e ontologia no
Candomblé. In: Religião e Sociedade, 25 (2), 2005, p. 102-120.
KOSBY, M.. Nós cultuamos todas as doçuras: a contribuição negra para a tradição doceira de Pelotas.
Monografia. Pelotas: ISP/UFPel, 2007.
MARCELLO, J.; KOSBY, M. “Batuque”. In: GIL, L.; LONER, B.; MAGALHÃES, M. Dicionário de História
de Pelotas, 2010 (v.1.).

300
Figura 1

Figura 5 Figura 9

Figura 2

Figura 6 Figura 10

Figura 3

Figura 11

Figura 7

Figura 4
Figura 8

Figura 12

301
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Marília Floôr Kosby.

Figura 1: Casamento celebrado na Umbanda. Fotografia de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília
Floôr Kosby.
Figura 2: Festa de Iemanjá, no Barro Duro. Festejos de 02 de fevereiro. Fotografia de Marília Floôr Kosby.
Fonte: Acervo Marília Floôr Kosby.
Figuras 3, 4 e 5: Nação (Batuque). Fotografias de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília Floôr Kosby.
Figuras 6, 7 e 8: Umbanda. Fotografias de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília Floôr Kosby.
Figura 9: Quarto de santo de Nação (Batuque). Fotografia de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília
Floôr Kosby.
Figura 10: Quarto de Exus. Quimbanda. Fotografia de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília Floôr
Kosby.
Figuras 11 e 12: Festa de Exu. Quimbanda. Fotografia de Marília Floôr Kosby. Fonte: Acervo Marília Floôr
Kosby.

302
303
254 255 256 257 258

264 265 266

254. Capa da Revista “Princeza do Sul - Apontamentos Histórico, Reminiscênico, Comemorativo, Estatístico de Pelotas”, idealizada e redigida por Euclides Franco de Castro
nas décadas de 1940 e 1950. Exemplar nº 09 (outubro/1951). 255. Capa da Revista Menestrel - periódico de divulgação literária, de Nelson Nobre Magalhães, editada nos
anos 1970 e 1980. 256. Capa do primeiro fascículo Pelotas Memória, editado no Ano de 1989, por Nelson Nobre Magalhães. 257. Capa do primeiro número de 1994
do fascículo Pelotas Memória. 258. Capa de um número especial de 1992 do fascículo Pelotas Memória, editado em formato paisagem e em papel de melhor qualidade.
259. Capa da Revista Momento, publicação mensal de circulação dirigida, editada no final de 1976. 260. Rejane Vieira Costa, com a coroa de Miss Brasil 1972. 261. Capa
de suplemento da Revista Manchete editado em 1972, com intuito de divulgar os potenciais do chamado Extremo Sul do país, especialmente da cidade de Pelotas.
259 260 261 262 263

267 268 269 270

262. Vista aérea do antigo complexo do Engenho São Gonçalo, à margem do canal homônimo. Década de 1970. 263. Carnaval dos anos 1970. Presença do grande tam-
bor Sopapo. 264. Funcionários trabalhando no interior do Frigorífico Anglo. Década de 1970. 265. Funcionárias da indústria conserveira de aspargos de Pelotas. Década
de 1970. 266. Diversos produtos do Frigorífico Anglo. Década de 1970. 267. Derivados de soja produzidos em Pelotas e Região por empresas como Sorol, Olvebra, etc.
Década de 1970. 268. Vista geral do Museu da Baronesa, antiga residência da Baronesa dos Três Cerros, no Bairro Areal. Cartão Postal. Década de 1990. 269. Interior de
um dos quartos do Museu da Baronesa, com mobília e indumentária original preservada. Cartão Postal. Década de 1990. 270. Lembrança do antigo Hotel Grindler, na
Rua Andrade Neves, esquina Rua Sete de Setembro. Cartão Postal. Início do Século XX.
271 272 273 274 275 276

277 278 279 280

271. Ficha de cafezinho do Café Aquários, utilizada atualmente. 272. Capa da Revista “Turfe”, editada pelo Jockey Clube de Pelotas na década de 1940. 273. Anúncio da antiga loja
“Casa do Agricultor”, veiculado na Revista Turfe. Década de 1940. 274. Vitrine da antiga loja “Palácio de Cristal”, em meados do Século XX. 275. Propaganda da Compota “Regime”,
produto dietético desenvolvido pela Fábrica “Agapê”. Produzido das frutas pêssego, goiaba, abacaxi, pera, e morango. Ano de 1988. 276. Capa do folheto de propaganda do Carnaval
de 1988, com o lema “Samba e Alegria”. 277. Antiga ficha de transporte público municipal, trazendo a figura do Obelisco Republicano em alto-relevo, utilizada na década de 1990.
278. Cartão telefônico alusivo ao Centenário do Corpo de Bombeiros de Pelotas (1901-2001). 279. Propaganda de medicamento do Laboratório Leivas Leite. Meados do Século XX.
280. Propaganda da 2ª Fenadoce veiculada no folheto do Carnaval de 1988.
Caderno 12

“COM PÉS DE LÔ: APONTAMENTOS SOBRE A INSERÇÃO


E LEGITIMAÇÃO DO ESPIRITISMO EM PELOTAS

Marcelo Freitas Gil1

Nota Liminar
A expressão “com pés de lã” foi usada por Alberto Coelho da Cunha (1927, p. 2) para descrever
a forma lenta, até sorrateira, com que o espiritismo se inseriu em Pelotas no último quartel do
século XIX. Este cronista pelotense das primeiras décadas do século XX, como sabemos, escreveu
sobre os mais diversos assuntos relacionados ao contexto social da cidade de Pelotas em sua
época. Sobre o espiritismo, o autor deixou nove páginas manuscritas, reunidas em uma pasta
na Bibliotheca Pública Pelotense denominada “Seita Espírita”.

1
Graduado em História pela
Introdução Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 1999), Bacharel em Direito
De acordo com os dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado pela UFPel (2005), Mestre em
em 2010, naquela ocasião Pelotas tinha um total 28.753 indivíduos que se declaravam espíritas, Ciências Sociais pela UFPel (2008)
e Doutor em Educação pela UFPel
o que correspondia a 8,76% de uma população de 328.275 habitantes. Esses números, quando (2014). Professor do Campus
comparados aos que foram levantados pelo censo anterior, demonstram um significativo crescimento Pelotas – Visconde da Graça do
do número de pessoas que se declaram espíritas no município, que em 2000 era de 5,86%2. IFSul. É autor de O Movimento
Espírita Pelotense e suas raízes
sócio-históricas e culturais (Franca:
São quantitativos bem acima da média estadual e brasileira. Segundo o IBGE, no recenseamento UNIFRAN, 2011) e de A Educação
das Almas: o Estudo Sistematizado
do ano 2000 apenas 2,14% da população gaúcha se assumiu espírita, enquanto que a média da Doutrina Espírita e a unificação
brasileira ficou em 1,38%. No censo de 2010 apurou-se que 3,21% da população do Rio Grande do Movimento Espírita Brasileiro
do Sul declarava-se espírita, enquanto que no país o número era de 2,0%3. (No Prelo).
Esses altos índices de espíritas não são recentes em Pelotas. Comparando os números do
recenseamento de 1911 com a realidade da época em que escreveu o seu relato acerca do
espiritismo pelotense, Alberto Coelho da Cunha chama a atenção para o elevado número de
adeptos da doutrina na cidade:

(...) dessa data para cá, pelo que se pode observar da concorrência aos centros em
que se reza o ‘Pai Nosso’ e se aceita as incorporações nos médiuns dos espíritos
desencarnados, se conclui que entre as massas populares, essa doutrina de amor, paz
e piedade, talvez brecha abrindo no ateísmo, vai fazendo carreira vitoriosa (COELHO
DA CUNHA, 1927, p. 2).

Apesar da colonização portuguesa na região, marcada pelo catolicismo, em Pelotas o espiritismo


encontrou um terreno fértil para se desenvolver, dando origem a um movimento com forte presença
na cidade, atualmente estruturado em torno da Liga Espírita Pelotense (LEP), criada em 1947 e que
hoje congrega mais de 40 sociedades espíritas, incluindo a Sociedade União e Instrução Espírita,
fundada em 1901 e uma das mais antigas em funcionamento ininterrupto no Brasil.

O objetivo deste ensaio é apresentar uma análise sobre os fatores que fizeram com que um
número tão significativo de pessoas se identificasse com o espiritismo em Pelotas. Sendo assim,
o presente texto discute a formação do Movimento Espírita Pelotense a partir da concepção
segundo a qual é possível explicar este fenômeno por meio da compreensão do processo histórico,
através do qual a doutrina espírita se inseriu e se legitimou na cidade.

Já foram feitos estudos que demonstram o quanto os dados dos censos do IBGE são controversos
em matéria de religião, em especial no que se refere ao espiritismo. Em determinados municípios
brasileiros ninguém se declarou espírita em diversas oportunidades em que ocorreram recenseamentos,
embora existam centros espíritas em algumas dessas localidades4. Isso demonstra que em muitos
locais os espíritas ainda não se sentem à vontade para assumir a sua identidade religiosa.

Portanto, o que os dados do censo revelam é que há uma expressiva identificação da população
pelotense com a doutrina espírita, sem que se possa afirmar, de fato, que existem mais adeptos
do espiritismo nesta cidade do que em outras cidades brasileiras. Sendo assim, o grande número
de pessoas que se declaram espíritas em Pelotas é o resultado de um processo histórico marcado
por uma série de fatores que gradativamente conferiram aos espíritas pelotenses a segurança para
reconhecer publicamente a sua identidade.

É importante salientar que neste trabalho considera-se o espiritismo5 como a doutrina que surgiu
na França a partir de 1857 com a publicação de O Livro dos Espíritos, organizado pelo pedagogo,
discípulo de Pestalozzi6, Hyppolite Léon Denizard Rivail7, que adotou o pseudônimo de Allan
Kardec, pelo qual ficou conhecido. Segundo o seu autor, O Livro dos Espíritos contém mensagens
atribuídas a diversos espíritos, que se utilizaram de inúmeros médiuns para ditar essas mensagens
(KARDEC, 1999 [1857]8).

A inserção e legitimação do espiritismo em Pelotas


De acordo com Damazio (1994) e Machado (1983), o espiritismo chegou ao Brasil na década de
1860, através do Rio de Janeiro e Salvador, cidades em que foram fundados os primeiros centros
espíritas no país. Desse momento em diante, a doutrina organizada por Allan Kardec espalhou-
se por outras regiões. Essa difusão ocorreu em razão do contato estabelecido com os principais
centros urbanos do país ou diretamente a partir da Europa9.

314
Magalhães (1993) assevera que Pelotas viveu sua Belle Époque entre os anos de 1860 e 1890,
época em que experimentou seu período de apogeu econômico e cultural. Durante essa fase,
a cidade desenvolveu uma ligação natural com a Europa, continente que ditava a moda e os
costumes, particularmente com a França, país de onde vem o espiritismo. Na ocasião era comum
que os filhos da elite local fossem estudar no Rio de Janeiro ou mesmo no território europeu,
onde se vivia um verdadeiro surto de desenvolvimento do ideário espírita, com o assunto sendo
amplamente tratado na imprensa e no meio acadêmico.

Além disso, a partir do final da Revolução Farroupilha muitos franceses vieram residir em Pelotas,
provenientes dos países platinos, fundando na cidade lojas maçônicas (MAGALHÃES, 1993). Mais
tarde, nesses locais, o ideal espírita encontrou campo fértil para se desenvolver. Na maçonaria
havia um ideário em torno de temas como o racionalismo, o cientificismo, o anticlericalismo e
a preocupação em defender a laicização da sociedade, o que representava uma compatibilidade
com certos elementos presentes no espiritismo, como a estrutura laica e aclerical da doutrina e
seu discurso com apelo filosófico e científico10.

A primeira loja maçônica de Pelotas, denominada Loja Maçônica Protetora da Orfandade, foi fundada
em 1841 por elementos de origem francesa. Com a vinda de muitos imigrantes para a cidade na
segunda metade do século XIX, muitos deles ligados a profissões liberais, novas lojas surgiram, a fim
de abrigar os adeptos da instituição que se encontravam entre esses indivíduos. Um exemplo disso é
a criação da Loja de Artistas de Pelotas em 1871, posteriormente rebatizada como Loja Rio Branco11.

Este quadro permitiu que o espiritismo penetrasse e florescesse em Pelotas muito cedo, apesar
da distância em relação ao centro do país. De acordo com Alberto Coelho da Cunha, foram
imigrantes espanhóis que trouxeram a doutrina espírita para a cidade:

Quão distanciados vamos daquela recuada época em que essa doutrina,


acidentalmente trazida à pequena Pelotas de há 50 anos passados, por dois espanhóis
que se pretendiam médiuns: intuitivo o dentista José Aquilera, vidente o arquiteto
Antônio Baxeras, procurou abrir carreira, abrindo brecha na cética indiferença da
população por assuntos que condiziam com o destino da alma, de cuja existência se
estava em dúvida (COELHO DA CUNHA, 1927, p. 1).

Considerando-se que o autor escrevia em 1927, deduz-se que o espiritismo chegou a Pelotas
por volta de 1877, já que ele afirma que a doutrina havia se instalado na cidade 50 anos antes.
Portanto, o espiritismo chegou à cidade cerca de 20 anos após a publicação de O Livro dos
Espíritos, lançado no ano de 1857.

Analisando-se a configuração da sociedade pelotense da época não é de se estranhar que a cidade


tivesse tido a oportunidade de se colocar em contato com uma novidade europeia, como o espiritismo,
em tão pouco tempo. Os dois espanhóis citados eram profissionais liberais, vindos provavelmente para
residir na cidade, onde exerceriam seus ofícios. O universo social de Pelotas naquele período comportava
a vinda de imigrantes, mesmo de profissionais liberais, que viessem exercer a sua profissão12.

Os dois imigrantes trouxeram na sua bagagem o que estava na moda na Europa, ou seja, o estudo
e a discussão em torno das ideias espíritas13. Cunha relata como ocorreu a gradativa inserção da
doutrina espírita no universo cultural pelotense e a sua aceitação por parte da população:

Com pés de lã, ela procurou se insinuar. Na rua General Vitorino surgiu um
pequeno centro de estudos e experiências, que tendo tido esses dois espanhóis
por seus iniciadores, os mantinha como seus conselheiros na direção dos trabalhos

315
experimentais, de cujos resultados se podiam gerar as convicções capazes de darem
impulso a qualquer propaganda, se intuito de fazê-la surgisse. Tal pensamento parece
não ter se concretizado e ter-se limitado esse grupo a fazer, como que em família, a
sua própria instrução. Eram suas reuniões presididas por Fortunato Sampaio, que já
se revelava crente ardoroso, enquanto seus outros companheiros ainda procuravam
motivos de convicção (COELHO DA CUNHA, 1927, p. 2).

No relato fica claro que a doutrina espírita se inseriu na cidade vagarosamente, sem alarde, com
“pés de lã”, conquistando adeptos lentamente. O número da casa em que eram realizadas essas
reuniões não é apontado e a rua citada é hoje a rua Anchieta. As reuniões descritas nesse relato
tinham um caráter familiar, o que era comum na época também em outras cidades brasileiras,
como no Rio de Janeiro (DAMAZIO, 1994).

Pelo que se depreende dos escritos de Alberto Coelho da Cunha, esse primeiro grupo espírita,
cujo nome não é citado, dedicou-se mais ao estudo da doutrina, sem se preocupar com a sua
propaganda. Contudo, a sua existência parece ter sido suficiente para arregimentar ardorosos
seguidores, como o citado Fortunato Sampaio. Adiante, o autor dá uma ideia de como se
organizavam os trabalhos no grupo e cita os nomes de seus principais médiuns:

Durante o decurso das sessões, abertas com a invocação a Deus, proferida em voz
comovida e respeitosa pelo presidente, que após lia página adequada de Allan
Kardec, foram se manifestando dons de mediunidade em alguns dos seus mais
assistidos frequentadores. Dentro em pouco, contava o grupo com um pequeno
corpo de médiuns escreventes, que tinha a facilidade de, a propósito de qualquer
incidente que imprevistamente ocorresse, improvisarem comunicações com elevação
de pensamento, em linguagem correta e por vezes magistral, em que maquinalmente
se alongavam páginas a fora. Chamavam-se eles Zeferino Campos, dono de uma
loja de fazendas na rua São Miguel, que enquanto duravam as sessões se mostrava
escritor inspirado; Anselmo Fluichonx, guarda-livros da antiga firma F. Nunes de
Souza; João Melo, também guarda-livros da casa Ramon Trápaga, e, por último, o
jornalista Ernesto Gernegross (COELHO DA CUNHA, 1927, p. 2-3).

Portanto, o primeiro grupo de médiuns que se formou na cidade era todo composto por profissionais
liberais, homens instruídos, pertencentes à classe média. Dois eram guarda-livros e um era jornalista.
O texto ressalta a linguagem correta e por vezes magistral com que se expressavam os médiuns
nas comunicações que produziam. Esses fatos seguramente tiveram importância na difusão dos
preceitos doutrinários do espiritismo entre pessoas letradas e cultas, como eram os indivíduos que
pertenciam às camadas média e alta da sociedade pelotense daquela época.

Desta forma, uma vez inserido em Pelotas, o espiritismo tomou a dimensão de um movimento
religioso constituído por pessoas que possuíam as condições necessárias para propagar as suas
ideias em meio a um universo cultural marcado pela opulência e por valores culturais muito
próximos aos dos grandes centros urbanos.

Tomando por base os dados do censo de 1911, Cunha relata a difusão e a popularização da
doutrina espírita em Pelotas na década de 1920:

Deve-se reconhecer que tem tido ultimamente extraordinário desenvolvimento a


doutrina espírita, que entre nós se difunde e impera, exercendo uma espécie de sedução
em ânimos desprevenidos, que aos seus centros espontaneamente acodem, a eles se
integram, por vezes de corpo e alma, porque neles a sua confiança depositam (...).

316
Há uma boa dúzia de anos, escassos adeptos esta seita contava. E muito desses se
vezavam14 de confessar a sua crença, receosos dos doestos15, sarcasmos e chufas16 que
eram impiedosamente atirados sobre os beócitos17 [sic] que acreditavam em almas do
outro mundo. Esse número foi sorrateira e paulatinamente crescendo, até apresentar-
se com proporções consideráveis nos dias que correm. Já de público se apresentam e
francamente confessam a sua fé, homens inteligentes, sãos de corpo e de juízo que não
se arreceiam de opinião que sobre eles se possa fazer. Depois de fases de obscuridade e
timidez, de irresolução, entrou o espiritismo em período de franca apresentação, como
convicção que firmemente se solidificou (COELHO DA CUNHA, 1927, p. 2-3).

Estes trechos do documento escrito por Alberto Coelho da Cunha demonstram que na década de
1920, em Pelotas, o espiritismo já não era uma mera curiosidade intelectual. Também já não era
apenas uma doutrina religiosa praticada por um pequeno grupo de profissionais liberais da classe
média. Ela havia penetrado nas camadas mais populares e se difundido no contexto social da
cidade, fazendo inúmeros adeptos, que se entregavam “de corpo e alma” à doutrina.

É interessante a referência que o autor faz ao fato dos adeptos do espiritismo terem confiança em
relação aos locais que frequentavam. Isso mostra que a doutrina espírita em Pelotas, principalmente
através dos centros espíritas então existentes, ganhou legitimidade social já nos primeiros anos
do século XX. Portanto, a suspeita em relação às práticas espíritas, inicialmente identificadas por
muitas pessoas com a magia, a bruxaria, a loucura e até mesmo com o satanismo, que era comum
nos grandes centros urbanos do Brasil no mesmo período (Cf. GIUMBELLI, 1997), em Pelotas
cedo arrefeceu. Esse fato contribuiu para a propagação da doutrina e para a sua aceitação no
imaginário social como sendo uma religião impregnada de valores positivos, dignos de confiança.

A forma como o espiritismo foi recepcionado e o preconceito em relação a ele também podem
ser percebidos nos trechos citados. Quando afirma que os primeiros adeptos da doutrina espírita
sofriam “sarcasmos”, “doestos” e “chufas”, Coelho da Cunha nos informa que a sociedade
pelotense, pelo menos incialmente, foi reticente às novas ideias trazidas pelos espíritas espanhóis.

Nisso não houve nada de diferente em relação aos centros urbanos importantes do Brasil, onde
os espíritas sofreram forte perseguição no último quartel do século XIX e primeiros anos do
século XX18. Contudo, o rápido crescimento da doutrina em poucos anos, entre as décadas de
1910 e 1920, é o que chama a atenção e se constitui em elemento importante para que se possa
entender a sua legitimação social e a sua propagação em Pelotas. Considerando-se que o texto
citado foi escrito em 1927, pode-se dizer que o grande desenvolvimento do espiritismo na cidade
ocorreu nas duas primeiras décadas do século XX, já que o autor escreve que, “há uma boa
dúzia de anos” antes de seus registros, o número de espíritas ainda era escasso e os adeptos “se
vezavam de revelar a sua crença” (COELHO DA CUNHA, 1927, p. 3).

Em 1901 ocorreu um fato que marcou profundamente a história do espiritismo em Pelotas,


contribuindo decisivamente para a divulgação e legitimação da doutrina na cidade. De acordo
com Osório (1998, p. 404-405), na virada do século XIX para o século XX havia seis entidades
espíritas organizadas em Pelotas, que funcionavam regularmente. Eram elas: o Grupo Espírita
Amor a Deus, que era o mais antigo, fundado em 1897, o Deus, Amor e Caridade, o Fé e Caridade,
o Grupo dos Humildes, o Centro Amor, Paz e Caridade e o São Marcos, Amor e Paciência.

Este número é bastante elevado, considerando a população da época. Além disso, provavelmente
as práticas espíritas não estavam limitadas a esses centros espíritas, tendo em vista que eram
muito comuns as reuniões familiares de estudo e de prática de mediunidade naquela época. As
chamadas “sessões mediúnicas familiares” e de “estudo doutrinário familiar” eram rotineiras em
todo o Brasil e muitas eram abertas ao público19. Portanto, é bem provável que os estudos da
doutrina espírita não se limitassem aos seis centros existentes no fim do século XIX.

317
O fato é que em 1901 essas seis entidades espíritas, então existentes na cidade, resolveram
aglutinar esforços e acabaram por se fundir numa só, com o objetivo de melhor estudar e
divulgar a doutrina espírita. Em razão disso teve origem a Sociedade União e Instrução Espírita,
fundada em 29 de dezembro daquele ano. O acontecimento, que marca o início do processo de
formação do Movimento Espírita Pelotense, atualmente congregado em torno da Liga Espírita
Pelotense, é precoce em relação ao restante do país. No mesmo período no Rio de Janeiro, por
exemplo, a Federação Espírita Brasileira (FEB) estava lutando praticamente sem sucesso para
unificar os espíritas daquela cidade20.

Desta forma, a Sociedade União e Instrução Espírita surgiu como o embrião de um movimento que
se desenvolveu extraordinariamente após a sua criação. De acordo com a sua ata de fundação, o
objetivo primordial da entidade era congregar os espíritas pelotenses com o objetivo de divulgar
a doutrina e instruir os seus adeptos com base nas obras de Allan Kardec:

Instalou-se a Sociedade União e Instrução Espírita confiante em Deus, que permitirá,


aos seus Mensageiros Celestes, nossos bons irmãos d’Além-túmulo e, muito
principalmente ao Espírito Luis Lasaque, companheiro que nos induziu a esses
estudos, se achem junto de nós, afastando os Espíritos imperfeitos e nos concedendo
a assistência dos bons, para conseguirmos, sempre e sempre, compreendendo o que
estudamos, repartir com os irmãos mais atrasados o fruto dos nossos estudos (Livro
de Atas da Sociedade União e Instrução Espírita, Ata nº 1 [1901]).

Nesse trecho fica clara a preocupação dos fundadores da nova sociedade com a questão da instrução
dos adeptos do espiritismo na cidade. Sendo uma doutrina complexa, rica em detalhes e contida em
cinco livros (as “obras básicas” de Allan Kardec)21, o espiritismo exige certo esforço intelectual de
quem se dispõe a estudá-lo. Os fundadores da Sociedade União, pelo que parece, acreditavam que
a junção de esforços entre todos facilitaria a missão de instruir com base no espiritismo. O nome
escolhido para a nova entidade simboliza o objetivo almejado: unir para instruir.

A estratégia parece ter dado certo, já que Fernando Osório (1998, p. 405) refere que, com o fato,
recrudesceu a propaganda espírita na cidade e em 3 de outubro de 1904, dia da comemoração
do centenário do nascimento de Allan Kardec, o jornal A Opinião Pública publicou a biografia do
organizador do espiritismo.

Esse pioneirismo em termos de unificação, levado a efeito pela Sociedade União em Pelotas,
lançou as bases de um movimento espírita organizado e começou a forjar a sua identidade,
contribuindo decisivamente para a inserção cultural do espiritismo, sua propagação e a formação
de uma imagem positiva da doutrina no imaginário social. A instalação da nova entidade no
centro da cidade, primeiro na rua Tiradentes e depois na rua XV de Novembro, em um amplo
prédio bem localizado, favoreceu a sua atuação.
Nas primeiras décadas do século XX homens de destaque na sociedade pelotense aderiram ao
espiritismo e se puseram a fazer propaganda de seus ideais, contribuindo para a divulgação e
legitimação da doutrina diante do imaginário social. É o caso de Francisco de Jesus Vernetti, que
em 1919 foi um dos fundadores do Centro Espírita Jesus. Vernetti era tenente da Guarda Nacional,
foi comandante do Corpo de Bombeiros, comandante da Polícia Administrativa e subintendente
de Pelotas por vários anos, até morrer em 29 de outubro de 1923. Como médium curador22
famoso, e ardente divulgador da doutrina espírita, legitimado pelos cargos que ocupava, ele
contribuiu para a divulgação dos ideais espíritas na cidade.

Com a fundação da Sociedade União e Instrução Espírita em 1901, o espiritismo pelotense


entrou em uma nova fase, de desenvolvimento acelerado, passando a ser amplamente divulgado.
De acordo com Alberto Coelho da Cunha, as primeiras conferências espíritas em Pelotas foram

318
proferidas no princípio do século XX, em plena Bibliotheca Pública Pelotense, em diferentes
noites, pelos profissionais liberais Carlos Führo e Bandeira de Mello. O local de realização dessas
conferências demonstra a importância que a doutrina estava adquirindo na sociedade pelotense
e o espaço que vinha conquistando em seu cenário cultural.

A iniciativa dessas conferências partiu dos fundadores do Centro Espírita Pelotense, sociedade
que surgiu no início do século XX com o objetivo de divulgar a doutrina na cidade, mas que teve
pouca duração. Contudo, o seu papel parece ter sido de extrema importância no contexto social,
a deduzir-se da iniciativa ousada de seus dirigentes e do espaço que conquistaram para divulgar
os princípios doutrinários do espiritismo.

Durante a década de 1920 outras ações foram levadas a efeito no mesmo sentido. Os dirigentes
do Centro Espírita Jesus e da Sociedade União e Instrução Espírita, por vezes com o apoio da
maçonaria, trouxeram a Pelotas importantes divulgadores da doutrina. O primeiro deles foi o
professor Mozart Dias Teixeira23, famoso médium curador que visitou a cidade em novembro de
1925, realizando sessões de cura nas sedes sociais dos dois centros espíritas.

A fama desse médium atraiu verdadeiras multidões aos locais em que esteve presente. Não
apenas a sua oratória atraía essas pessoas, mas principalmente as curas que a ele se atribuía.
Giana Amaral (2005) refere um fato curioso ligado à visita do professor Mozart a Pelotas. Um
aluno do Colégio Gonzaga, tradicional escola católica da cidade, que foi assistir à sessão do
famoso médium no Centro Espírita Jesus, acabou sendo expulso da escola em razão disso. O fato
foi intensamente discutido no jornal maçônico O Templário, que circulou na cidade na década
de 1920. Aliás, nos últimos anos daquela década esse jornal chegou a ter uma seção dedicada
à divulgação da doutrina espírita, denominada “Pelo Espiritismo”, o que se explica pela forte
oposição que a maçonaria fazia ao catolicismo, não apenas em Pelotas.

O jornal A Opinião Pública nos informa sobre o verdadeiro alvoroço causado pela visita do
professor Mozart:

Às 17 horas dirigiam-se ao trapiche São Francisco exmas. senhoras, comissões das


sociedades espíritas União e Instrução e Centro Jesus, representantes de outras sociedades,
comandante do 9º R.I., funcionários públicos e grande massa popular, ansiosos todos por
conhecerem, o famoso médium (A Opinião Pública, 26/09/1925, p. 2).

O periódico relata ainda a grande quantidade de curas que o médium teria produzido na cidade.
Seu prestígio era tão grande que a farmácia Salengue de E. Sica & Cia, a mais conceituada na
época, anunciou haver recebido todos os componentes para as fórmulas prescritas pelo médium
(A Opinião Pública, 28/11/1925, p. 1).

O segundo médium conhecido que esteve em Pelotas naquele período foi Ivon Costa24, que
visitou a cidade em março de 1927. Sua principal conferência aconteceu no Theatro Guarany
e causou tanto sucesso que ele foi solicitado a continuar palestrando em plena Praça da
República, hoje Coronel Pedro Osório, por insistência de uma multidão que o acompanhava
(ENDERLE, 1984). Além de ter falado no Theatro Guarany, o médium visitou as principais casas
espíritas de Pelotas, realizando um trabalho de divulgação da doutrina e esclarecimento geral
de seus adeptos.

Em 1931 a cidade recebeu a visita do médium paulista de origem italiana Carmine Mirabelli25,
que foi recepcionado pelas lideranças do Movimento Espírita Pelotense, então já articulado o
suficiente para promover a vinda desses médiuns famosos a Pelotas. O Centro Espírita Jesus
guarda em seu livro de atas o registro da passagem dessas personalidades por sua sede social26.

319
Além de ser divulgado por meio de palestras públicas, o espiritismo passou a ser propagandeado
na cidade através da imprensa escrita durante a década de 1920. Em 3 de outubro de 1921
começou a circular o jornal espírita O Pharol, fundado pelo jornalista espírita Daniel Butierres. A
denominação dada ao periódico é um claro indício da pretensão de seu fundador, já que farol é o
instrumento utilizado pelos navegadores e viajantes para indicar e iluminar o caminho. O jornal,
que circulou de 1921 a 1924, em edições mensais, não era apenas um órgão de divulgação da
doutrina. Servia também como instrumento de discussão doutrinária, orientando os espíritas
em relação a temas abordados pela doutrina espírita. O Pharol era bem impresso e organizado,
contando, inclusive, com fotos em suas edições.

Outro empreendimento de destaque organizado por espíritas na cidade no início do século XX foi
a fundação do Colégio União Espírita de Pelotas, criado pela Sociedade União e Instrução Espírita,
em 1907. De acordo com o primeiro livro de matrículas da instituição, o colégio iniciou suas
atividades em janeiro de 1908 sob a responsabilidade do professor Francisco Joaquim Ferreira,
contando com 75 alunos de várias idades e oferecendo um “curso gratuito, sem distinção de
credos ou nacionalidades”27.

Na mesma fonte é possível observar a evolução da matrícula dos alunos nos dois anos seguintes,
percebendo-se que o número de frequentadores da escola cresceu. Em 1909 já eram 81 alunos
matriculados e no ano seguinte o número aumentou para 84 crianças matriculadas28.

Considerando-se que, segundo a literatura acadêmica, a primeira escola espírita do Brasil teria
sido o Colégio Allan Kardec, fundado por Eurípedes Barsanulfo em abril de 1907, na cidade de
Sacramento, Minas Gerais (BIGHETO, 2006), nota-se a importância do empreendimento dos
espíritas pelotenses, já que o Colégio União Espírita de Pelotas estava em pleno funcionando
em janeiro de 1908. Isso demonstra a legitimidade que o espiritismo já desfrutava na cidade nos
primeiros anos do século XX.

De acordo com Alberto Coelho da Cunha, antes do final dos anos 1920 a doutrina espírita já
havia se consolidado em Pelotas:

Além dessas sessões [familiares] abertas ao público, inúmeras outras pululam pela
cidade e arrabaldes, todas pregando as palavras de Cristo e expondo-o como modelo
a ser seguido (...). Verifica-se que o espiritismo concretizou-se como uma religião,
sem ter passado pela prova experimental, assentando a sua base em um ponto de
fé (...). Os centros espíritas da cidade, aqueles que põem suas portas de par em par
abertas a quem quer que a elas se apresente, adeptos, simpáticos, simples curiosos
ou inveterados detratores, são três organizados na cidade (...). A Sociedade União e
Instrução Espírita, de todas a mais antiga, cujas sessões se realizam em várias noites
da semana em um amplo salão, frequentemente apinhado de irmãos em crença (...),
o Centro Espírita Jesus, cujas sessões costumam ter a assistência a transbordar (...).
Em concorrência de fiéis às suas sessões, com estas rivaliza, a sociedade da zona
do Porto “Francisco de Jesus Vernetti”, cujo tomou para seu patrono o espírito
do heroico e abnegado subintendente que em defesa da cidade, ferido de morte,
tombou no chão do 1º Distrito Policial na madrugada de 29 de outubro de 1923
(COELHO DA CUNHA, 1927, p. 5-6).

Nesses trechos fica claro o caráter religioso da doutrina espírita em Pelotas29, bem como a
frequência de inúmeras pessoas aos centros espíritas legalmente constituídos, apesar da existência
de outras entidades de âmbito familiar na mesma época. Falando da Sociedade União e Instrução
Espírita e do Centro Espírita Jesus, o autor ressalta o fato de serem essas duas entidades muito
bem frequentadas, com sessões em vários dias da semana.

320
Cunha encerra a sua descrição relativa ao espiritismo pelotense ressaltando o seu caráter religioso
e a sua ampla penetração e aceitação em diversas camadas da sociedade em 1927:

O nosso espiritismo foi aprendido numa fase de fé pré-estabelecida, que para este
mais transplantou condições favoráveis, nele encontrando para a sua aclimatação e
nele firmemente se arraigou, aceitou dogmas de religião e com uma crença baseada
em fé vai fazendo proselitismo em todas as camadas que formam a sociedade
pelotense, e, sobretudo, como o cristianismo, sobre os mais humildes, convencido
de que se é de lei que o mundo marche, ele não deve ficar retardado (COELHO DA
CUNHA, 1927, p. 9).

Outro exemplo da atuação dos espíritas na mesma época é a sua participação no Comitê Pró-
Liberdade de Consciência, organizado pela maçonaria pelotense. Durante a década de 1930 os
centros espíritas então existentes na cidade engajaram-se ativamente neste projeto que buscava
reagir contra a pretensão da Igreja Católica de garantir a sua primazia sobre o sistema educacional
brasileiro30 (AMARAL, 2005).

A presença da homeopatia em Pelotas também favoreceu a difusão da doutrina espírita na cidade,


assim como igualmente beneficiou a sua propagação em outras localidades brasileiras, como no
Rio de Janeiro31. Nos jornais pelotenses é possível encontrarmos anúncios de homeopatas, tanto
facultativos quanto práticos32, entre os últimos anos do século XIX e primeiras décadas do século
XX. Lorena Gill (2007) relata que também eram comuns os médiuns curadores na cidade no
mesmo período, atuando principalmente no tratamento das doenças para as quais a Medicina
convencional não tinha terapêutica satisfatória.

Um dos mais famosos curadores daquele período foi o médium suíço Guilherme Rheinberg,
conhecido como o Alemão do Buraco, por ter originalmente residido na Serra dos Tapes, em um
local muito isolado, conhecido com “um buraco”. Rheinberg fabricava o Licor de Ouro e possuía
vasta clientela.

Segundo Lauro Enderle (1984), o Centro Espírita Jesus, fundado em 1919, é a mais antiga
instituição espírita da cidade a ter implantado o serviço de receituário mediúnico, através do qual
os pacientes eram atendidos. O próprio tenente Jesus Vernetti, fundador daquele centro espírita,
era considerado um extraordinário médium de cura, atuando através do magnetismo33.

Ainda de acordo com Enderle (1984), o Centro Espírita Francisco de Jesus Vernetti, um dos mais
antigos de Pelotas, fundado em 29 de junho de 1926, teve a sua origem num grupo familiar de
estudos do espiritismo organizado pelo médico homeopata Domingos Bento.

Outro elemento que contribuiu para legitimar o espiritismo em Pelotas foi a sua inserção no campo
educacional. Esse processo, que teve início com a fundação do Colégio União Espírita de Pelotas no
início do século XX, prosseguiu com a fundação de duas outras escolas anos mais tarde.

Na década de 1920 foi fundada a Escola Assistencial Jeremias Fróes, tendo como mantenedora
a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas, criada em 1911 por um grupo senhoras da
Sociedade União e Instrução Espírita. Embora a documentação da escola tenha lacunas, com
base nos documentos existentes é possível levantar a hipótese de que ela seja uma espécie de
sucessora do Colégio União Espírita de Pelotas, que em algum momento da década de 1910
encerrou as suas atividades.

No ano 2000 a instituição espírita mantenedora da escola celebrou um convênio com o


Município de Pelotas, através do qual a prefeitura assumiu a administração do estabelecimento

321
de ensino. Atualmente a escola permanece em regular funcionamento, atendendo a 168 crianças
e oferecendo ensino fundamental completo.

A segunda instituição educacional espírita de Pelotas é a Escola Ulina Bento Lopes, fundada
em maio de 1955 por um grupo de mulheres espíritas ligadas ao Centro Espírita Francisco de
Jesus Vernetti, com o objetivo de atender à clientela de necessitados do bairro Nossa Senhora
de Fátima, em que se instalou, na avenida Cidade de Rio Grande nº 541. A escola, que já teve
convênio com o município, hoje sobrevive sozinha, atendendo a mais de 200 alunos do ensino
fundamental em um prédio anexo ao centro espírita, seu mantenedor.

Para administrar o educandário, o Centro Espírita Francisco de Jesus Vernetti mantém um


departamento de ensino. Graças a um sistema constante de arrecadação de doações, a escola
consegue conceder bolsas de estudo que variam de 50% a 100% do valor da mensalidade, além
de oferecer merenda, material escolar e roupas para as crianças.

No entanto, certamente o que mais contribuiu para a propagação e legitimação do espiritismo em


Pelotas foram as ações sociais e caritativas desenvolvidas por seus adeptos. Tais ações colaboraram
não apenas para marcar a presença da religião na cidade, mas também para divulgar a doutrina e
garantir que a mesma granjeasse respeito e admiração no meio social, o que seguramente influenciou
no processo de identificação pública de um número tão elevado de pelotenses com o espiritismo.

A primeira ação de vulto realizada pelos espíritas neste sentido na cidade teve início no começo
do século XX. Em 1911 algumas senhoras, lideradas por Dona Virgínia Taveira Fróes34, resolveram
criar um grupo espírita dedicado exclusivamente ao auxílio de pessoas necessitadas. Nascia,
assim, a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas.

Entre as mulheres que faziam parte do grupo destacou-se a figura de Dona Maria da Conceição
Barbosa Dias, esposa do Cel. Domingos Jacintho Dias. O casal, que não tinha filhos e pertencia à
elite pelotense, residia em um casarão na rua João Manoel, nº 251, local em que Dona Conceição
começou a abrigar crianças órfãs. Quando faleceu, em 1927, ela já havia acolhido 25 crianças.
Por meio de testamento, Dona Conceição legou todo o seu patrimônio para a causa espírita35.
Sua casa de moradia foi deixada para a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas, com a
condição de que nela fosse estabelecido um orfanato para meninas.

O Orfanato Espírita Dona Conceição foi inaugurado em 29 de janeiro de 1933, na casa que
pertencera à sua idealizadora, e chegou a abrigar 30 meninas em regime integral. Na década de
1970 a instituição passou a funcionar em regime de semi-internato e a receber crianças de ambos
os sexos, o que permitiu a ampliação de sua clientela. Na década seguinte a sua denominação foi
modificada para Lar da Criança Dona Conceição.

No mesmo período a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas teve a sua denominação
alterada para Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição. Com esta qualificação a entidade
continua até hoje sendo a mantenedora do Lar da Criança, onde são atendidas diariamente quase
200 crianças em turno integral.

Outras entidades espíritas de destaque na área da assistência social são o Instituto Espírita Nosso Lar,
criado em 1948 por integrantes do Centro Espírita Francisco de Jesus Vernetti, o Instituto Espírita Lar
de Jesus, fundado em 1960 por iniciativa do líder espírita Moacir Dias, o Lar Assistencial Espírita Irmão
Fabiano de Cristo, constituído em 1976 e o Hospital Espírita de Pelotas, fundado em 1948.

Esta última instituição teve o seu prédio situado na av. Domingos de Almeida nº 2969, inaugurado
oficialmente em 31 de março de 1956, dando início ao atendimento de pacientes psiquiátricos

322
com o nome de Sanatório Espírita de Pelotas. A mudança na denominação da instituição ocorreu
na década de 1990, em razão da reforma manicomial ocorrida no Brasil. Embora seja uma
entidade particular, o Hospital Espírita de Pelotas disponibiliza cerca de 80% de seus leitos para
pacientes do SUS, contribuindo enormemente para a legitimação do espiritismo na cidade.

Como já foi discutido no início deste ensaio, a Sociedade União e Instrução Espírita surgiu
em 1901 como o resultado do ideal unificador então já existente entre os espíritas pelotenses.
Contudo, no decorrer da primeira metade do século XX surgiram outros grupos espíritas na cidade,
sem que houvesse uma entidade que de fato congregasse e representasse institucionalmente o
nascente Movimento Espírita Pelotense.

Apesar de já se poder notar em Pelotas, nos anos que vão do início do século XX até a década
de 1940, uma série de ações coordenadas para a divulgação da doutrina espírita, como palestras,
publicações na imprensa e mesmo a fundação de novos centros espíritas, estas ações estavam
reduzidas ao âmbito pessoal e não tinham um caráter institucional unificado. Desse modo,
pode-se dizer que já havia um movimento espírita na cidade nessa época, mas sem uma feição
institucionalizada.

A ideia da criação de uma entidade representativa para o espiritismo pelotense partiu de João da
Rocha Bender, então presidente do Centro Espírita Francisco Jesus Vernetti. Aproveitando-se da
visita do palestrante Paulo Menezes à cidade em 1946, João Bender lançou o projeto, que foi
de imediato acolhido pelas lideranças espíritas. Em decorrência disso foi fundada a Liga Espírita
Pelotense (LEP), que teve os seus estatutos registrados em 08 de junho de 1947.

Após a criação da LEP o número de centros espíritas aumentou enormemente em Pelotas. Hoje
a instituição unifica e representa 40 grupos espíritas da cidade e municípios vizinhos, além de
abrigar a Associação Médico-Espírita de Pelotas (AME-Pelotas), fundada em 2005. Nesses mais
de 60 anos a Liga Espírita Pelotense vem promovendo uma constante campanha de divulgação
da doutrina espírita em toda a região, através da realização de palestras e seminários, além de
ocupar espaço constante nos meios de comunicação.

Considerações Finais
Com base nos dados apresentados é possível afirmar que o espiritismo chegou cedo a Pelotas,
encontrando campo fértil para se propagar, principalmente em razão da presença da homeopatia e do
apoio de muitos maçons. Além disso, desenvolveu-se entre os espíritas pelotenses um ideal unificador
de forma extremamente precoce, que se traduz na fundação da Sociedade União e Instrução Espírita
em 1901. Este mesmo ideal unificador esteve presente no processo de organização da Liga Espírita
Pelotense em 1947, o que dinamizou o movimento espírita na cidade em meados do século XX.

Por outro lado, os espíritas desenvolveram ações sociais importantes, que contribuíram para que
a doutrina se solidificasse e pudesse penetrar com segurança entre todas as camadas sociais,
sobretudo entre os mais humildes, ganhando respeitabilidade. É assim que os espíritas pelotenses
estiveram e ainda estão presentes na imprensa, na assistência social, na educação e na saúde
pública, ocupando um espaço que lhes permite projetar os valores que lhe são próprios, impondo
respeito e arregimentando adeptos nas mais variadas classes sociais.

Hoje, identificar-se com o espiritismo na cidade de Pelotas é identificar-se com um movimento


forte, atuante, dinâmico, que está presente em várias frentes e com uma doutrina assinalada por
valores éticos e morais bem conceituados na sociedade.

323
Sendo assim, é natural que em Pelotas, cidade que tem um movimento espírita tão amplo e bem
estruturado no tempo e no espaço, as pessoas sintam-se à vontade para confessar publicamente
a sua adesão ao espiritismo. Ser espírita em uma cidade com tão grande número de centros
espíritas, em que a doutrina está presente em tantas frentes de trabalho social e educativo, e
onde há um movimento coeso, organizado em torno de uma instituição como a LEP, é assumir
uma condição sócio-cultural definidora de um certo status.

Se na passagem do século XIX para o século XX os espíritas pelotenses procuravam disfarçar a


sua condição, a fim de escaparem dos sarcasmos, como bem explica Alberto Coelho da Cunha
(1927), hoje eles encontram uma facilidade muito maior de apresentar-se, inclusive diante do
censo, numa clara demonstração de que em Pelotas o movimento espírita está legitimado no
cenário social e cultural.

Referências
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UFPel/Seiva Publicações, 2005.
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UFPel, 2000.
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social espírita entre França e Brasil. Maceió: EduFAL, 2009.
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GIL, M. O Movimento espírita Pelotense e suas raízes sócio-históricas e culturais. Franca: UNIFRAN, 2011.
_____. A Educação das Almas: o Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita e a Unificação do Movimento
Espírita Brasileiro. Tese de Doutorado. Pelotas: UFPel, 2014.
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Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
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_____. O Livro dos Médiuns. Araras: IDE, 1996 [1861].
_____. O Livro dos Espíritos. Araras: IDE, 1999 [1857].
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História de Pelotas (1860-1890). Pelotas: Ed. UFPel: Co-edição Livraria Mundial, 1993.
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324
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Santa Maria: Ed. da UFSM; Bauru: EDUSC – Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1999.

Documentos
LIVRO DE ATAS. Período de 1919 a 1935 (Centro Espírita Jesus - CEJ).
_____. Período de 1901 a 1927 (Sociedade União e Instrução Espírita - SUIE)
LIVRO DE MATRÍCULAS. Período de 1908 a 1910 (Colégio União Espírita de Pelotas - CUEP).

Jornais
A Opinião Pública, ano de 1925.
O Pharol, março de 1922.
O Templário, 1920-1935

Notas do pesquisador
2
Os dados sobre os censos de 2000 e 2010 foram consultados no site do IBGE. In: www.ibge.gov.br/home. (Acesso em
10/09/2014).
3
Idem.
4
No caso específico do Rio Grande do Sul, no censo realizado em 2000, isso ocorreu em quatro municípios: 100% da população
de Nova Alvorada, Nova Roma do Sul, União da Serra e Vespasiano Correa se declararam católicos. Dados disponíveis em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/20122002censo.shtm>. (Acesso em 15/09/2014). Para um estudo mais
aprofundado acerca deste tema ver: Betarello (2010).
5
Ao longo do tempo, particularmente no Brasil, ocorreu uma associação entre “mediunismo” e “espiritismo” e uma consequente
generalização do uso do vocábulo empregado por Kardec para designar várias outras religiões mediúnicas, como, por exemplo,
a umbanda. Isso se deve a vários fatores. Entre eles está o fato de que dentro do contexto espiritualista foi Allan Kardec,
sem dúvidas, quem melhor estudou a mediunidade e suas particularidades, o que explica a adoção de O Livro dos Médiuns
(KARDEC, 1996 [1861]) por outras correntes espiritualistas, como a própria umbanda. Com base nisso surgiam expressões
como “espiritismo kardecista”, “espiritismo de mesa”, “espiritismo de linha branca” e “alto espiritismo” para designar a doutrina
organizada por Kardec, e “espiritismo de umbanda”, “espiritismo de terreiro” e “baixo espiritismo” para designar outras práticas
mediúnicas, que também lidam com os espíritos durante os seus rituais. Essas expressões são preconceituosas, principalmente
na medida em que estabelecem uma relação hierárquica entre diferentes sistemas de crença, muito embora algumas sejam
até mesmo adotadas na Academia. Quando chamamos a doutrina organizada por Kardec de “alto espiritismo” e a umbanda,
que surgiu no Brasil como o resultado de um longo processo sincrético em que se mesclaram elementos do candomblé, do
catolicismo e da própria doutrina espírita, de “baixo espiritismo”, estamos emitindo um juízo de valor depreciativo que não se
sustenta diante do quadro atual das Ciências Humanas e Sociais. Por outro lado, a apropriação que é feita do termo empregado
por Kardec demonstra a legitimidade que o espiritismo ganhou no campo cultural-religioso brasileiro, na medida em que o uso
do vocábulo é disputado por diversos grupos religiosos e motivo de controvérsias entre eles.
6
Pestalozzi (1746-1827): pedagogo suíço que se notabilizou como um dos pais da educação popular.
7
Hyppolite Léon Denizard Rivail foi um importante pedagogo em sua época. Contudo, hoje é muito mais conhecido pela
organização do espiritismo, através do pseudônimo Allan Kardec. Como pedagogo, ele difundiu em Paris o sistema de ensino
idealizado por Pestalozzi, fundou e dirigiu escolas e escreveu diversos livros didáticos, utilizados, na época, em várias escolas
francesas. Para maiores detalhes ver: Wantuil e Thiesen (1999).
8
A primeira edição de O Livro dos Espíritos é de 1857. Contudo, a edição de 1860 é considerada a definitiva, tendo em vista
que o seu autor reorganizou a obra e a complementou, praticamente dobrando o seu conteúdo. Allan Kardec (1999 [1857])
jamais admitiu ter criado o espiritismo, atribuindo a sua autoria aos espíritos e identificando-se como o organizador da doutrina
espírita.

325
9
Enquanto na Europa o espiritismo originalmente permaneceu compreendido como uma ciência e uma doutrina filosófica com
consequências morais, no Brasil ele adquiriu características essencialmente religiosas. Isso se deu em razão de um complexo
processo histórico, que não cabe aqui discutir, em razão da brevidade deste texto. Para maiores detalhes ver: Gil (2014).
10
De acordo com Kardec (1999 [1857]), o espiritismo é uma ciência e uma filosofia com consequências morais. Como ciência
investiga a natureza do mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal. De acordo com o seu organizador, ao
comprovar de modo experimental a sobrevivência da alma e a conservação de sua identidade após a morte, a doutrina espírita
apresenta consequências morais, na medida em que demonstra que a sorte do espírito depois da morte está associada às suas
ações no mundo corporal, que precisam ser pautada por um código de ética baseado nos ensinamentos do Evangelho. Desta
forma, o espiritismo estrutura-se como uma religião natural, sem dogmas e sem estrutura clerical.
11
Os maçons ligados a esta loja foram os principais responsáveis pela criação do Colégio Pelotense em 1903 e pela fundação da
Faculdade de Direito em 1912, posteriormente incorporada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Para maiores detalhes
ver: Amaral (2005).
12
Para maiores informações sobre o contexto social de Pelotas no final do século XIX e a vinda de imigrantes para a cidade
ver: Anjos (2000).
13
Para uma leitura mais aprofundada acerca dessa discussão em torno do espiritismo na Europa na segunda metade do século
XIX ver: Aubrée e Laplantine (2009).
14
Vezar(se): Esquivar-se. Fonte: Dicionário Houaiss, 2001.
15
Doestos: Insultos. Fonte: Dicionário Houaiss, 2001.
16
Chufas: Gracejos. Fonte: Dicionário Houaiss, 2001.
17
Provavelmente o autor quis dizer “beócios”, ou seja, boçais, ignorantes. Fonte: Dicionário Houaiss, 2001.
18
Para maiores detalhes sobre esse processo ver: Damazio (1994) e Giumbelli (1997).
19
Para informações mais detalhadas sobre essas práticas ver: Gil (2014).
20
Para maiores detalhes ver: Damazio (1994).
21
Logo após a publicação de O Livro dos Espíritos Allan Kardec editou várias outras obras, além de criar uma revista mensal para
divulgação da nova doutrina, a Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, fundada em 1858. Entre os livros doutrinários
publicados por Kardec na sequência de O Livro dos Espíritos estão em ordem cronológica: O Livro dos Médiuns (1861); O
Evangelho Segundo o Espiritismo (1864); O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo (1865) e A Gênese, os
Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo (1868). Esses cinco livros são chamados pelos espíritas de “obras básicas da
doutrina espírita”.
22
Médiuns curadores, também chamados de médiuns de cura, são aqueles que praticam a imposição de mãos ou aplicam
passes magnéticos, através dos quais prometem restabelecer a saúde dos pacientes. Muitos curadores do período em análise
eram também médiuns receitistas, ou seja, que receitam inspirados pelos espíritos, principalmente homeopatia. Nem todos
esses curadores e receitistas eram espíritas e muitos cobravam para atender a seus pacientes. Um dos signos representativos
do espiritismo neste sentido é a total ausência de interesse financeiro no que diz respeito ao exercício de qualquer forma de
mediunidade, seguindo-se o preceito estabelecido por Allan Kardec (1995[1864]) em O Evangelho Segundo o Espiritismo. Entre
o final do século XIX e inicio do século XX, era comum os médiuns de cura atuarem junto a seus pacientes fazendo uso de ímãs
e bastões de vidro ou cristal, como os que aparecem em uma das fotografias que ilustra este artigo, utilizados nas primeiras
décadas do século XX no Centro Espírita Jesus. Acreditava-se que esses objetos eram capazes de aumentar ou direcionar o
poder magnético dos médiuns.
23
De acordo com Amaral (2005), Mozart Dias Teixeira também era maçom, o que explica o apoio da maçonaria em sua vinda
a Pelotas.
24
Ivon costa (1898-1934) é considerado o primeiro conferencista espírita brasileiro de fama internacional. Visitou diversos
países da Europa, em que chegou a residir, realizando inúmeras palestras. Faleceu na cidade de Porto alegre, em que passou a
morar no início da década de 1930.
25
Carmine Mirabelli, também conhecido como Carlo Mirabelli ou Carlos Mirabelli (1889-1951), foi o mais famoso e controvertido
médium de efeitos físicos do Brasil. Produzia fenômenos de materialização de espíritos e de levitação, além de psicografar em
mais de 30 idiomas, inclusive em árabe e chinês. Foi pesquisado por vários cientistas conhecidos e as opiniões sobre ele variam
ao extremo. Alguns o classificam como um dos maiores paranormais da história, enquanto outros o veem como um grande
farsante.
26
Livro de Atas do Centro Espírita Jesus (1919-1935).
27
Livro de Matrículas de Alunos do Colégio União Espírita de Pelotas (1908-1910).
28
Idem.

326
29
Nos últimos anos no século XIX e início do século XX houve uma intensa discussão no Rio de Janeiro acerca da definição do
caráter do espiritismo. Naquele momento os espíritas cariocas dividiram-se em três facções: os “científicos”, que consideravam
o espiritismo como uma ciência; os “puros”, que viam o espiritismo como uma filosofia, e os “místicos”, que o consideravam
como uma religião. Pelo que parece, em Pelotas essa discussão não teve grande importância e a doutrina espírita foi desde cedo
considerada uma religião. Acerca dos embates entre “científicos”, “puros” e “místicos”, ver: Gil (2014).
30
Em razão da Proclamação da República em 1889 e o consequente fim do Padroado Régio, a Igreja Católica perdeu a sua
primazia sobre o sistema educacional, sendo obrigada a disputar espaço com as demais religiões e com a própria maçonaria
dentro do campo educacional brasileiro. Isso levou a Igreja a tentar em diversas oportunidades reconquistar a sua antiga posição
em relação à educação, desencadeando protestos e ações concretas de diversas entidades que se opunham a este projeto
católico. Um exemplo disso foi a organização do Comitê Pró-liberdade de Consciência em várias cidades brasileiras durante a
década de 1930.
31
Existe uma identificação de princípios entre homeopatia e espiritismo, de modo que muitos homeopatas aderiram à
doutrina espírita quando de sua penetração no Brasil. Além disso, o espiritismo foi largamente divulgado através da prática
da mediunidade receitista, em que médiuns, dizendo-se inspirados por espíritos, receitam medicamentos, principalmente
homeopáticos. Para maiores detalhes ver: Damazio (1994) e Gil (2014).
32
A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul de 1891, fortemente inspirada no positivismo, permitia uma brecha para o livre
exercício profissional no estado. Sendo assim, para exercer a Medicina, segundo a interpretação de muitas autoridades gaúchas,
não era necessário ser diplomado. Embora houvesse objeções a esta ideia, o preceito constitucional permitia que os chamados
“médicos facultativos”, que eram diplomados em Medicina, convivessem com os “médicos práticos”, que exerciam a função
sem um diploma. Esses últimos dedicavam-se quase exclusivamente à homeopatia. Para maiores detalhes ver: Weber (1999).
33
O espiritismo incorporou vários dos conceitos no “magnetismo” ou “mesmerismo”, doutrina do médico alemão Franz Anton
Mesmer (1734-1815), segundo a qual o universo é permeado por uma energia muito sutil, chamada de fluido universal.
Essa energia poderia ser manipulada através de passes, aplicados com as mãos, ou através do uso de ímãs e outros objetos,
e posta a serviço da Medicina. Segundo Mesmer, a doença representaria um desequilíbrio do fluxo desse fluído pelo corpo,
necessitando haver uma espécie de compensação para se obter a cura, que poderia ser alcançada por meio dos aludidos passes.
O mesmerismo fez enorme sucesso em Paris no final do século XVIII e primeiras décadas do século XIX, causando intenso debate
acadêmico. Para maiores detalhes ver: Darnton (1988).
34
Virgínia Taveira Fróes, também chamada de Dona Nena, era casada com Jeremias Alberto Fróes, filho de Eduardo Alberto
Fróes, fundador e primeiro presidente da Sociedade União e Instrução Espírita. Portanto, a origem da sociedade espírita por ela
fundada está associada ao mais antigo centro espírita de Pelotas, a Sociedade União. De acordo com o primeiro livro de atas
desta última entidade, a fundação da Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas não resultou de uma dissidência e sim
da formação de um grupo de mulheres, na sua maioria pertencentes à Sociedade União, que resolveram formar uma sociedade
de auxílio a necessitados. Porém, com o tempo e crescimento do grupo, ele acabou por dar origem a uma outra sociedade
espírita, até hoje existente, a Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
35
Antes de falecer, Dona Conceição emprestou dinheiro para a compra do prédio em que hoje está instalada a Sociedade
União e Instrução Espírita, na rua XV de Novembro nº 461 e mandou construir uma série de casas, cuja renda seria destinada
à manutenção do Orfanato.

327
Figura 1

Figura 7

Figura 4

Figura 8

Figura 2

Figura 5

Figura 9

Figura 3

Figura 6

328
Figura 10

Figura 16
Figura 11

Figura 12 Figura 17 Figura 18

Figura 13 Figura 19

Figura 14

Figura 15 Figura 20

329
Figura 21

Figura 22 Figura 30

Figura 27

Figura 23

Figura 24 Figura 31

Figura 28

Figura 25

Figura 32

Figura 26 Figura 29

330
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Marcelo Freitas Gil.

Figura 1: Fotografia de Eduardo Alberto Fróes, fundador e primeiro presidente da Sociedade União e
Instrução Espírita. Fonte: Acervo Sociedade União e Instrução Espírita.
Figura 2: Fotografia de Dona Virgínia Taveira Fróes (Dona Nena), idealizadora da Sociedade Auxílio
Fraternal de Senhoras Espíritas, atual Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição. Fonte: Acervo
Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 3: Fotografia de Jeremias Alberto Fróes, esposo de Dona Virgínia Taveira Fróes (Dona Nena), idea-
lizadora da Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas, atual Sociedade Espírita Assistencial Dona
Conceição. A Escola Jeremias Fróes, batizada em sua homenagem, localizada na Rua João Manuel, nº.
107, continua em funcionamento e atualmente é administrada pelo Município de Pelotas. Fonte: Acervo
Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 4: Fotografia de Dona Maria Conceição Barbosa Dias, idealizadora do Orfanato Espírita Dona
Conceição. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 5: Fotografia do Cel. Domingos Jacintho Dias, esposo de Dona Maria da Conceição Barbosa Dias,
idealizadora do Orfanato Espírita Dona Conceição. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona
Conceição.
Figura 6: Fotografia de Francisco de Jesus Vernetti, fundador do Centro Espírita Jesus e famoso médium
de cura no início da década de 1920. Vernetti foi Comandante do Corpo de Bombeiros, Comandante da
Polícia Administrativa e Subintendente de Pelotas. Fonte: Acervo Centro Espírita Jesus.
Figura 7: Fotografia de João da Rocha Bender, idealizador e primeiro presidente da Liga Espírita Pelo-
tense (LEP), fundada em maio de 1946 e oficialmente registrada em junho de 1947. Fonte: Acervo Liga
Espírita Pelotense.
Figura 8: Fotografia da fachada da primeira sede da Sociedade União e Instrução Espírita, na atual Rua
Tiradentes, nº. 47. A Sociedade União funcionou nesta localidade entre os anos de 1901 e 1921. Fonte:
Acervo Sociedade União e Instrução Espírita.
Figura 9: Fotografia da fachada original da sede atual da Sociedade União e Instrução Espírita, localiza-
da na Rua XV de Novembro, nº. 461. A Sociedade União Instalou-se neste local em 1921. Fonte: Acervo
Sociedade União e Instrução Espírita.
Figura 10: Fotografia da fachada da primeira sede do Centro Espírita Jesus, localizada na Rua General
Vitorino, nº. 820, atual Rua Anchieta. No canto superior esquerdo da imagem há uma fotografia do fun-
dador da entidade, Francisco Jesus Vernetti. O Centro Espírita Jesus funcionou nesta localidade até o ano
de 1928, quando foi inaugurada sua sede definitiva. Fonte: Acervo Centro Espírita Jesus.
Figura 11: Fotografia da fachada da sede atual do Centro Espírita Jesus, localizada na Praça José Boni-
fácio nº. 52 e inaugurado em 1928. Fonte: Acervo do Centro Espírita Jesus.
Figura 12: Fotografia do antigo sobrado localizado na esquina das ruas Benjamin Constant e XV de No-
vembro, que serviu como primeira sede do Centro Espírita Francisco de Jesus Vernetti, fundado em 1926.
Fonte: Acervo da Liga Espírita Pelotense.
Figura 13: Fotografia da década de 1930 mostrando o Orfanato Espírita Dona Conceição, fundado em
1933 e localizado na Rua João Manuel, nº. 251, na antiga residência de Dona Maria da Conceição Bar-
bosa Dias, sua fundadora. Na fotografia as aparecem as meninas que na ocasião residiam no orfanato.
Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 14: Fotografia de 1950 em que aparece o dormitório do Orfanato Espírita Dona Conceição,
localizado na Rua João Manuel, nº. 251. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 15: Fotografia de 28 de novembro de 1942, mostrando uma interna do Orfanato Espírita Dona
Conceição pouco antes de seu casamento. Na fotografia ela aparece cercada pelas meninas que viviam
no orfanato. De acordo com a documentação da instituição, era comum que o casamento das internas
ocorresse no próprio orfanato. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 16: Fotografia da década de 1930 mostrando as meninas que viviam no Orfanato Espírita Dona
Conceição. Atrás das meninas, vestida de preto, aparece a Dona Virgínia Taveira Fróes (Dona Nena),

331
idealizadora da entidade mantenedora do orfanato, a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas,
fundada em 1911. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 17: Fotografia da década de 1940 em que aparecem as meninas que viviam no Orfanato Espírita
Dona Conceição, acompanhadas de algumas integrantes da Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras
Espíritas. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 18: Fotografia da década de 1940 das internas do Orfanato Espírita Dona Conceição. Fonte:
Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 19: Fotografia da década de 1950 das integrantes da Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras
Espíritas na sala de reuniões do Orfanato Espírita Dona Conceição. Fonte: Acervo Sociedade Espírita
Assistencial Dona Conceição.
Figura 20: Fotografia da inauguração do Instituto Espírita Nosso Lara, ocorrida em 1952. Fonte: Acervo
Liga Espírita Pelotense.
Figura 21: Fotografia da posse da diretoria do Centro Espírita Francisco Jesus Vernetti em 1948. Sentado
à mesa, no centro da imagem, aparece João da Rocha Bender, fundador da Liga Espírita Pelotense. Fonte:
Acervo Liga Espírita Pelotense.
Figura 22: Fotografia da recepção ao médium baiano Divaldo Pereira Franco, quando de sua primeira
visita a Pelotas, ocorrida em junho de 1957. Fonte: Acervo Liga Espírita Pelotense.
Figura 23: Fotografia de Divaldo Pereira Franco falando no Programa Momento Espírita da Rádio Pe-
lotense, durante sua primeira visita a Pelotas, em junho de 1957. Fonte: Acervo Liga Espírita Pelotense.
Figura 24: Fotografia da Primeira Feira do Livro Espírita de Pelotas, que ocorreu entre os dias 27 e 30
de abril de 1977, ocasião em que foram comercializados 522 livros. Na fotografia aparece Carlos Kunde
Filho (primeiro à direita), fundador do Instituto Cultural Espírita de Pelotas em 1977 e uma das figuras
mais conhecidas do Movimento Espírita Pelotense, atualmente com quase 90 anos de idade. Fonte:
Acervo Liga Espírita Pelotense.
Figura 25: Fotografia de 30 de outubro de 1923, mostrando o cortejo fúnebre acompanhando o corpo
de Francisco de Jesus Vernetti, primeiro presidente do Centro Espírita Jesus. Fonte: Acervo Centro Espí-
rita Jesus.
Figura 26: Fotografia de 1931, em que aparece o famoso médium paulista Carmine Mirabelli durante
a sua visita a Pelotas. Mirabelli aparece sentado no centro da fotografia (o quarto da direita para a es-
querda, usando barba), ladeado pelas lideranças espíritas da cidade. Fonte: Acervo Centro Espírita Jesus.
Figura 27: Reprodução da Ata da reunião preliminar para a fundação da Sociedade União e Instrução
Espírita, lavrada em 27 de dezembro de 1901. Fonte: Acervo Sociedade União e Instrução Espírita.
Figura 28: Reprodução da Ata de Fundação do Centro Espírita Jesus, lavrada em 17 de fevereiro de 1919.
Fonte: Acervo Centro Espírita Jesus.
Figura 29: Reprodução do Termo de Abertura do Livro de Matrículas do Colégio União Espírita de Pe-
lotas, lavrado em 2 de janeiro de 1908. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 30: Reprodução de título emitido pelo Centro Espírita Jesus em 1925 para a arrecadação de fun-
dos destinados à construção de sua sede social Fonte: Acervo Centro Espírita Jesus.
Figura 31: Reprodução de convite para integrar o quadro de sócios do Orfanato Espírita Dona Conceição,
distribuído em Pelotas a partir de 1933. Fonte: Acervo Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição.
Figura 32: Fotografia dos bastões de vidro usados na década de 1920 para a aplicação de passes mag-
néticos do Centro Espírita Jesus. Cada bastão tem em torno de 40 cm de comprimento e eram utilizados
pelos médiuns de cura que atendiam naquela instituição espírita. É provável que tenham sido usados,
inclusive, por Francisco de Jesus Vernetti, famoso médium curador da época. Fonte: Acervo Centro Es-
pírita Jesus.

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281. Ponte ferroviária sobre o Canal São Gonçalo, recebendo reparos das avarias causadas pela cheia da enchente de 1941. 282. Enchente de 1941. Praça Domingos
Rodrigues, no Porto. 283. Idem. Enchente de 1941. Praça Domingos Rodrigues e Rua Benjamin Constant. 284. IbIdem. IbIdem. 285. IbIdem. Largo alagado, veículos e
armazéns, ao fundo. 286. IbIdem. Rua Benjamin Constant. Vista na direção oeste, desde a altura da Rua José do Patrocínio. 287. IbIdem. Cheia no Gasômetro Munici-
pal, final da Rua Alm. Barroso, zona do Porto. 288. IbIdem. Rua Benjamin Constant e trecho da Praça Domingos Rodrigues. 289. Enchente de 1941. Vista na direção sul,
desde a Praça Domingos Rodrigues, no Porto. 290. Enchente de 1956. Av. Saldanha Marinho. 291. Idem. Largo de Portugal e Praça Rio Branco. Vista na direção oeste,
com a Estação Ferroviária ao fundo. 292. Interior da atual Catedral Metropolitana São Francisco de Paula de Pelotas. Década de 1960. 293. Interior da Igreja Matriz do
Sagrado Coração de Jesus, a popular “Igreja do Porto”, em sua decoração original. Vista do altar, durante a realização de um matrimônio. Década de 1970.
294 295 296

302 303 304

294. Vista geral da atual Catedral Metropolitana São Francisco de Paula. Praça José Bonifácio. Década de 1970. 295. Igreja de Nossa Senhora da Luz, em sua terceira e atual
‘encarnação’ arquitetural. Década de 1990. 296. Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, no Balneário dos Prazeres, Praia do Laranjal. Década de 1950. 297. Vista geral da
Igreja Anglicana do Redentor, culto Protestante. Década de 1960. 298. Idem. Década de 1980. 299. Vista da Igreja São João e comunidade Evangélica. Década de 1930.
300. Templo da Igreja Presbiteriana do Brasil. Avenida Duque de Caxias, Bairro Fragata. Década de 1990. 301. Avenida Bento Gonçalves, quase esquina Rua Andrade Neves.
Fiéis em frente à antiga Igreja Batista, s/d. 302. Registro da passagem do Zepelim em 1934, fotografado por Lino Júnior Bauer, desde a Rua Benjamin Constant. Acervo
Norma Bauer Gomes. Colaboração de Alcir Nei Bach. 303. Garoto em um dos brinquedos do parque de diversões da então Praça Júlio de Castilhos (atual Parque Dom
Antônio Zattera). Década de 1990. Acervo/Colaboração de Alexandre Luna.
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304. Desfile de estudantes do curso de Agrotécnica da Escola Técnica de Pelotas na Rua Gal Netto, entre Rua Félix da Cunha e Gonçalves Chaves (ao fundo). Acervo/
Colaboração de Aline Montagna da Silveira. 305. Posto de Combustíveis na Rua Marcílio Dias, próximo ao Hospital de Santa Casa de Misericórdia. Final da década de 1960
(data aproximada). Acervo/Colaboração de Aline Montagna da Silveira. 306. Idem. IbIdem. Acervo/Colaboração de Aline Montagna da Silveira. 307. Grupo de elegantes
cavalheiros, posando em uma das saídas da atual Praça Cel. Pedro Osório, com o Mercado Público Central ao fundo. Década de 1930 (data aproximada). Acervo de Adriano
Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana Lúcia Alt. 308. Interior do Theatro Guarany durante um evento, s/d. Note-se a pintura decorativa original. Acervo de
Adriano Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana Lúcia Alt.
309. Casal na Praia do Laranjal, ano de 1971. Acervo da Família Wieth. Colaboração de Cíntia Wieth Piegas. 310. Lembrança de um passeio na Estância do Laranjal, março
de 1945. Acervo/Colaboração de Custódio Lopes Valente. 311. Entrega dos boletins na Escola Municipal Rural “Dr. Augusto Simões Lopes”. Colônia Ramos, dezembro de
1953. Acervo/Colaboração de Custódio Lopes Valente. 312. “Lembrança de uma excursão no dia 1º do ano 1948 no mato Retiro”. Acervo/Colaboração de Custódio Lopes
Valente. 313. Idem. Três amigas na “Praia do Retiro”. Acervo/Colaboração de Custódio Lopes Valente. 314. Lembrança de amigos na Praia do Laranjal, fevereiro de 1948.
Acervo/Colaboração de Custódio Lopes Valente. 315. Seresteiros reunidos no aniversário de um amigo comum, junho de 1978. Acervo/Colaboração de Custódio Lopes
Valente. 316. Grupo de vizinhos e amigos. Cohab Fragata. Década de 1980. Acervo de Lauro Ferreira (in memoriam). Colaboração de Emerson Ferreira. 317. Idem. Bairro
Nossa Senhora de Fátima. Década de 1980. Acervo de Lauro Ferreira (in memoriam). Colaboração de Emerson Ferreira.

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318. Retrato de jovem estudante, recordação da Escola São Pedro. Ano de 1959. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida.
319. Mãe e filho em frente à entrada de antiga residência, na Rua XV de Novembro, quase esquina Rua Alm. Tamandaré. Década de 1940. Acervo Família Lucas de
Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 320. Mãe, filhos e menina em pose no interior da Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1950. Acervo Família Lucas de
Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 321. Jovem no pátio de sua residência, na Rua Campos Salles, Bairro Fragata. Ao fundo, a loja e fábrica de Móveis
Jeannes, frente à Av. Duque de Caxias. Final da década de 1960. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 322. Flagrante de duas
jovens estudantes, irmãs, em caminhada pelo centro da cidade. Junho de 1966. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida.
323. Carteira de Identidade Estudantil do Comando Estudantil Unificado de jovem normalista. Ano de 1968. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme
Pinto de Almeida.

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324. Duas jovens junto aos canteiros da Praça Cel. Pedro Osório, s/d. Ao fundo, o Grande Hotel. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico
de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva. 325. Antigo Banco do Brasil, na esquina da Praça Cel. Pedro Osório com a Praça 7 de Julho, s/d. Acervo Darcy Moreira
dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva. 326. Jovens junto ao Monumento a José Bonifácio, na praça
homônima, em frente à Catedral São Francisco de Paula, s/d. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração
de Arthur Victória Silva. 327. Moças estudantes durante desfile de 7 de Setembro, na Rua XV de Novembro, em frente à Bibliotheca Pública Pelotense, s/d. 328. Entrada da
Associação Rural de Pelotas, na Av. Fernando Osório, Bairro Três Vendas, s/d. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do
Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva. 329. Vista aérea do Parque Ildefonso Simões Lopes, interior da Associação Rural de Pelotas, s/d. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in
memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva. 330. Casal posando junto à Fonte das Nereidas, Praça Cel. Pedro Osório, s/d.
Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva. 331. Vista parcial da Rua Gal. Osório,
ainda com os canteiros centrais, s/d. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva.
332. Professora e sua turma de alunos junto à Fonte das Nereidas na Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1960. Acervo da Família Wieth. Colaboração de Cíntia Wieth Piegas.
Caderno 13

A ETNIA ALEMÃ EM PELOTAS:


UMA HISTÓRIA QUE PRECISA SER RECONTADA

Sérgio Schwanz1

Os alemães não ensinavam as crianças a trabalhar.


Elas brincavam imitando os adultos a trabalhar.
(Popularium)

Escrever sobre a presença alemã em Pelotas? Dissertar sobre uma etnia com características tão
marcantes no ano em que se comemora 190 anos de imigração alemã no Rio Grande do Sul?2
Em uma cidade tão peculiar, que ainda esconde tantos fatos históricos, os quais agora, duzentos
anos depois, começam a ser questionados com o surgimento de novas versões sobre fatos - como
tivemos a satisfação de presenciar com a publicação de novos livros, entre eles os dois primeiros
volumes do Almanaque do Bicentenário de Pelotas?
1
Graduado em Engenharia Civil
Onde entra a etnia alemã na história da cidade? Claro, teve a imigração em Pelotas que começou pela Universidade Católica de
Pelotas (UCPel, 1996), Membro
em... Opa! Não teve imigração para a cidade de Pelotas, ela ficou na cidade vizinha de São Fundador nº. 314 da Confraria
Lourenço do Sul (aliás, a única imigração particular que deu certo no Brasil). Normalmente dos Bibliófilos do Brasil,
Pesquisador da imigração alemã
procuro não entrar em assuntos que possam levar a polêmicas ou mal-entendidos, mas como no Rio Grande do Sul há mais de
ocorreu o convite e apoio do organizador do Almanaque do Bicentenário, sendo que este apoio 30 anos. É autor de Os viajantes
foi reforçado em uma troca de e-mail com o Dr. Edilberto Luiz Hammes3 (autor de São Lourenço Alemães no Sul do Brasil, e de J.
F. de Assis Brasil – Um homem à
do Sul: Radiografia de um município e de A imigração alemã para São Lourenço do Sul), aflorou frente no seu tempo (ambos no
em mim a responsabilidade de elaborar o artigo. Sou um Bibliófilo fascinado pelo objeto livro prelo).
e pela leitura que os mesmos trazem, principalmente quando eles tratam sobre os assuntos que
me fascinam4.

***

Por que não começar a contar da presença alemã na cidade de Pelotas situando o contexto da
época? Se precisasse criar um subtítulo seria: “A Alemanha quando da imigração e a maneira
de pensar do alemão”. Seria um bom começo. Mas, o que tenho de concreto sobre a Alemanha?
Alemanha, ou seria Alamannia ou Germânia, ou seria Deutschland ou República Federal da
Alemanha? Ou... Vou tentar reescrever5. Chama-me a atenção de como era a Alemanha em 1858,
ano que foi implantada a Imigração em São Lourenço do Sul. Local que meus antepassados
escolheram para imigrar e que me cativa por ser uma cidade de pessoas acolhedoras. Em 1858,
ainda não existia a divisão em Áustria, Suíça, Alemanha, Litchtenstein e Pomerânia, sendo que
desta última foi de onde vieram os imigrantes para São Lourenço do Sul, e que hoje desapareceu
do mapa. Após a retomada da Pomerânia, terminada a Segunda Guerra Mundial, os poloneses
destruíram tudo o que lembrava a Alemanha como prédios históricos, monumentos, igrejas,
cemitérios, etc... Uma retaliação pós-guerra, sendo que aqui não cabe entrar no mérito de tal
ação. Por que estou colocando este fato? Para tentar compreender a vida de nossos antepassados
temos que vê-la como era na época e livrarmo-nos de todos os preconceitos e ideias falsas que
recebemos por interesses ou por ignorância de quem nos informa. Além disso, temos como
pessoas e como sujeitos do meio, a tendência de idealizar o passado. E quando o passado é o
dos nossos antepassados, fica ainda mais complicado, pois muitas pessoas transformaram em
heróis quem nunca foi. A Europa que eles abandonaram e que nos transmitiram foi idealizada,
nunca existiu. E o contrário também é válido. Muitas cartas de imigrantes já estabelecidos, que
eram enviadas para os parentes que ficaram na pátria-mãe, retratavam maravilhas da nova terra
e, na realidade, os imigrantes ainda estavam lutando contra os engodos do governo, falta de
infraestrutura mínima, presença de animais selvagens, índios, falta de comida e muita e muitas
outras adversidades.

O jornalista Carlos Von Koseritz calculou em mais de 15 milhões os imigrantes Europeus que entre
1853 e 1888 se estabeleceram no Brasil. Mesmo que não seja exata esta afirmação, é um número
considerável de imigrantes. Os historiadores apontam diversas causas que, entre as principais,
destacarei: a explosão demográfica (principalmente pela adoção de melhores medidas de higiene);
serviços militares (a aristocracia recrutando jovens para a sua própria defesa); exaustão de terras;
impostos elevados (muitas guerras e terras demasiadamente fracionadas); más colheitas (pragas,
insetos, terras exaustas); o desejo de possuir a sua própria terra (era praticamente impossível na
sociedade elitista da Europa); morgadio subjacente (onde o filho mais velho assumia os bens de
raiz da família); precária situação econômica (engloba todas as causas acima listadas); desejo de
aventura dos mais jovens; a propaganda dos governos que tinham interesse na imigração alemã
(entre eles o governo brasileiro); a ação de parentes que já tinham imigrado e muitas vezes
exageravam no que dizia respeito à maneira que estavam vivendo na nova terra. Acho de bom
tom localizar o contexto histórico e vou aproveitar a paciência dos leitores para colocar mais
alguns dados sobre esta “gente estranha”6.

***

Há alguns anos tive a oportunidade de estudar sobre a nossa flora, principalmente as nossas
árvores nativas, orquídeas e cactáceos, sendo que por um determinado período tive a felicidade de
fazer amizade com alemães que vinham ao Brasil para investigar, colher e monitorar determinadas
espécies de cactos. Vejam, somente para estudar os cactos e eventualmente mostrar alguma coisa
sobre a flora e a fauna que lhe chamavam a atenção7.

344
Sabe-se que a data de 25 de Julho de 1824 é apenas simbólica, na realidade marcava a data da
instalação da primeira colônia de imigração alemã, de forma oficial, no Brasil, no estado do Rio
Grande do Sul, na localidade de Feitoria Nova. Depois de muitas idas e vindas cheguei à data de
1627, quando o padre Roque Gonçalves fundou em Candelária do Ibicui e, em 1632, os povoados
de São Tomé, São Miguel e Santa Tereza como o primeiro registro da presença Alemã8.

***

Gostaria de destacar um personagem da história da imigração alemã que não teve o devido
destaque que merecia e ainda o merece: as imigrantes alemãs. Na literatura que trata sobre a
presença alemã no Brasil, que é vasta, e infelizmente muitas vezes não é precisa e contraditória
em datas, tornando fatos e relatos atemporais, portanto pouco material encontra-se sobre a
mulher imigrante, considerando a importância que a mesma representou para que a presença
alemã no Brasil se firmasse.

Cantando a “Canção da Pátria”9, as mulheres imigrantes enfrentaram a longa viagem ao


desconhecido; longa, sacrificada e muitas vezes mortal. Navios, veleiros, vapor costeiro, vapor
fluvial, lanchões, carroças, montadas em mulas e muitas vezes caminhando, a pé pelos caminhos
abertos a facão, com baús nas costas ou sendo arrastado e ainda muitas vezes com crianças ao
colo ou no útero. E ao chegar ao destino o que encontravam? Nada. Eram montadas choupanas
provisórias, muitas vezes só com folhas de palmito, que eram frágeis, desconfortáveis, não
ofereciam proteção nenhuma às intempéries, aos predadores, ao desconhecido... Desde o início
da viagem até a instalação, que na sua maioria eram precárias, quase a céu aberto nos seus
primeiros dias, muita dor, sofrimento, desilusões, arrependimentos e dúvidas sobre a empreitada
surgiam. Nestas instalações provisórias, a obrigação de alimentar o grupo recaía sobre as mulheres,
somem-se a esta obrigação as dificuldades de como e com o que preparar a comida, que acabava
sendo uma alimentação escassa, pobre em nutriente, pela falta de diversificação nos alimentos.
Também neste período inicial, elas ajudavam, ou melhor, lutavam junto aos do seu grupo para a
derrubada da mata, para a coivara, retirada da mata que resistiu ao fogo e preparo da terra. Este
trabalho era feito com ferramentas rudimentares, e, não raras situações, as próprias mulheres
eram “usadas” como força animal, para puxar arados, conduzidos pelo marido, sendo que de tal
fato fui testemunha há poucos anos, na colônia de Pelotas/RS.

Como era/é, em certos locais, o dia da mulher de origem alemã?


O que escreverei sobre um dia típico de uma mulher alemã na colônia se encontra em relatos
históricos, mas aqui narro como espectador e participante quando da minha juventude. Amanhece
e a mulher, fazendo frente ao homem, começa as suas lidas. Depois do asseio, começa a preparar
o café, e entre o início e o fim da tarefa inicial, ela antecipa o início do manuseio junto ao
estábulo, onde as vacas eram preparadas para a ordenha. Neste momento, ou mais tarde, o
homem assume a ordenha e as lidas que os animais requerem: colocar um milho, água, tirar o
terneiro da vaca, após o mesmo induzir a “descida do leite para as tetas”, depois separar o bezerro
para que passe o dia afastado da mãe, pois a vaca tem que produzir o leite para a noite ou para
o próximo dia, conforme a propriedade. A alimentação e fornecimento do leite para o terneiro
são de responsabilidade da mulher. Passado este momento, inicia-se a hora do café. A mesa já
está posta, muitas vezes com o café na xícara, sendo que a comida de “melhor qualidade e mais
reforçada” está separada para o homem. A mulher, por sua vez, já tinha tomado o seu muitas vezes
entre outras tarefas, feitas ao mesmo tempo e frequentemente não passava de um pedaço de pão
puro e um café misturado com cevada (quando tinha o café, senão, era a cevada pura), digeridos
em pé, indo de um local para outro. Saindo o homem para a lavoura, ficava ela a limpar a casa,

345
lavar alguma roupa e na metade da manhã lá estava ela na roça, porque levava o “café das nove”.
Ficava no trabalho, ombro a ombro com o esposo, até perto do meio-dia e então retornava para
que às 12h o almoço estivesse à mesa. Às vezes, participava da refeição junto à família, outras
vezes almoçava ao lado do fogão, pois precisava preparar o café da tarde ou adiantar o jantar.
Refeição concluída, um pequeno cochilo para o trabalhador e as lidas domésticas continuavam.
Arrumava a cozinha, preparava o café das 15h entre um ou outro imprevisto. Assim que era
concluído o período de repouso, ambos saíam para os trabalhos na roça, em uma caminhada
não combinada, o homem ia a alguns passos à frente da família, afinal era ele que tinha sempre
muito a pensar sobre as atividades a serem desenvolvidas. Tipo de trabalho e tempo de serviço
era igual entre homem e mulher. Antes de escurecer, a mulher deixa o trabalho na lavoura para
cuidar das “lidas” menores que a casa e a criação exigiam, como providenciar comida para porcos,
galinhas, vacas, terneiros, cavalos, enfim, tratar da criação. Bem! Chegando o homem, o mesmo
alimenta os animais que com ele estavam no serviço. Já estava a gamela menor com água quente
para a limpeza do rosto, pescoço e braços e outra gamela maior para a limpeza dos pés (banhos
de corpo inteiro, normalmente só aos sábados, principalmente nos períodos frios). Enquanto o
homem arranjava alguma coisa para fazer, a mulher apurava no preparo do jantar. Fazia milagres,
pois o período era curto. Após a última refeição do dia concluída, o homem se recolhia, pois
o dia fora estafante. Mas, e a mulher? Novamente nas lidas “menores”. Sem as obrigações e a
presença do trabalhador da casa, a mulher tinha momentos menores de pressão, onde adiantava
o pão para o dia seguinte, já descascava alguma batata, deixava um molho preparado e dava uma
arrumada, dentro do possível, na sua casa.

Até este momento não falei das “tarefas menores ainda” que estas mulheres faziam. Dar leite
para os terneiros e guaxos, milho para as galinhas, deitar as galinha que estavam no choco,
reforços alimentares durante o dia para os animais que ficavam presos, cortar lenha, juntar
gravetos, etc... Talvez o principal da narrativa seja que normalmente estas atividades ocorriam
paralelas aos cuidados e criação dos filhos, que desde o início do casamento eram abundantes.
Eles seriam mais algumas mãos para ajudar nas lidas. Sim, mas até um momento em que a terra
se torna insuficiente para sustentar tantas bocas. Estas atividades iam de segunda até domingo
ao meio-dia. Nunca esquecendo que a casa, por mais simples que fosse, era o local onde o asseio,
o cuidado com a limpeza, o carinho com os poucos objetos eram fundamentais. Era o “cartão de
visitas da mulher da casa”, que exibia orgulhosamente para parentes e amigos.

Sair a passeio ou receber visitas?! Com exceção dos dias que havia missa e nos dias de santos,
a rotina só era alterada por motivos muito especiais como a morte de um ente querido, algum
acidente ou algo que o valha. Como curiosidade, nesta maneira de ser germânica, as mulheres
mantinham a tradição de bordar “os panos de parede” com máximas extraídas da axiologia
germânica e que expressavam seus valores e questionamentos de vida. Em uma máxima abaixo
podemos ter ideia de como a mulher alemã enfrentava a vida, de onde ela tirava força e
determinação para uma vida de muita labuta e sofrimentos: “No céu, onde estão os anjos, /
Deus olha com prazer para cada filho. / Escuta seus pedidos, fiel, de dia e de noite, / A cada
passo concede paternal atenção”. Vamos voltar ao domingo à tarde. Talvez uma visita a alguma
vizinha próxima, dia de remendar as roupas de trabalho, algum bordado, um cuidado maior com
os filhos, não descuidar da criação e tantas e tantas atividades que fugiam a uma tarde que seria
dedicada ao descanso. Ainda encontrando tempo para alvejar panos para cortinas, flores para
o jardim, verduras na horta, frutas no pomar... E os homens aos domingos à tarde? (Em certos
locais o domingo à tarde iniciava no sábado à tarde.) Os homens aproveitaram para se inteirar
com a vizinhança sobre os preços dos produtos, as notícias da cidade, alguma notícia da pátria-
mãe e algum jogo, alguma bebida, pois ninguém é de ferro. Se foram dias difíceis para o homem
imigrante alemão, foram muito mais difíceis, quase insuportáveis, para as mulheres alemãs que
encaravam estas atividades sempre com esperança de dias melhores, de garantir para os filhos um

346
futuro melhor, sempre em um apoio sem contestações para com as decisões do seu companheiro.

Reitero que em alguns locais ainda é assim o sistema familiar de uma colônia alemã.

Esta descrição de fatos mais recentes não foi alicerçada somente em publicações, relatos de
terceiros ou algo do gênero. Muito destes fatos eu presenciei, e em alguns casos, participei e
colhi através da memória oral. De material vastamente descrito em belos álbuns, almanaques e
livros surgiram as descrições sucintas do trajeto dos imigrantes alemães dos Estados Alemães até
as nossas colônias10.

***

Em 1880, a cidade de Pelotas11 e algumas províncias do Império preocupavam-se com a iminente


abolição da escravatura e procuravam alternativas para a substituição da mão de obra escrava, que
na visão dos charqueadores de Pelotas e região, seria onerosa, pois o pagamento considerado pela
maioria como suficiente para o trabalho de um ex-escravo era a comida. Qualquer despesa extra
com mão de obra não se justificava. Com o futuro da indústria saladeiril em perigo, a primeira
alternativa viável pra a época era criar (como assim criar?) trabalhadores aptos a manter a indústria
em atividade e em condições de manter a pujança financeira da região, que neste momento já na
era a mesma de tempos passados. Neste ponto, começa a se apresentar o problema. Devem ter
sido aventadas outras opções, mas não cheguei a dados concretos, e a criação de colônias seria
o caminho mais viável, ou não? Teria que tornar a imigração viável, instalando os imigrantes
perto das charqueadas, sendo que os mesmos teriam que encontrar serviços para se tornarem
aptos para serem aproveitados nas mesmas. Sem levar o assunto adiante, chegou-se à conclusão
que a imigração não poderia ser uma iniciativa particular, pois os charqueadores já estavam
sobrecarregados com impostos, e tal iniciativa colocaria os estabelecimentos em dificuldades
econômicas - aos sacrifícios quase insuportáveis que os charqueadores seriam expostos, como
alertava um jornalista na ocasião.

O Sr. Dr. Henrique d’Ávila, presidente da província na época, pressionado pela situação quase de
calamidade iminente para a cidade de Pelotas, fez baixar a seguinte portaria datada de 13 de agosto
de 1880 e dirigida à Câmara Municipal de Pelotas: “convindo criar uma colônia perto dessa cidade,
que sirva ao mesmo tempo de centro agrícola dessa cidade, e estando aberta a corrente de imigração
espontânea, nos vindo constantemente a melhor qualidade de colonos nos vapores que chegam
do Rio,...” (bela tomada de posição, só que contrária ao interesse de todos os outros interessados
para que ocorresse a imigração, excluindo é claro o interesse dos charqueadores da cidade e do
presidente da província, como a história nos mostrou posteriormente). E a portaria segue com mais
algumas bravatas, que não cabe aqui apresentar, pois o fato principal está colocado. Seguindo
cronologicamente os fatos temos que, no dia 2 de setembro de 1880, o Sr. Carlos Rheigantz se
manifesta por escrito no Jornal do Comércio, sob o título de “colonização do município de pelotas”,
cujo conteúdo é, de forma sucinta, o seguinte: que não tendo ainda a empresa da Colônia de São
Lourenço, existente no município de Pelotas, se apresentado à câmara municipal desta cidade por
esperar que, na sua qualidade de pioneira de uma colônia particular sem rival, fosse ela consultada
a respeito do modo de dar-se a colonização neste município ainda maior impulso.

E, sendo aquela empresa já tão conhecida nos centros de imigração e tendo ela dotado este
município com a colônia particular mais importante do Brasil, sem que os cofres municipais
tivessem para tal contribuído com qualquer coisa, devia ele esperar que, em consideração aos
serviços prestados não fosse, como até aquele momento o fora, esquecida também naquela
ocasião em que tanta importância se dava... e por aí se vai o manifesto do Sr. Carlos Rheingantz,
sendo que neste mesmo manifesto é colocada à topografia da nossa região e quais etnias melhor

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se adaptariam. Em resumo: o Sr. Carlos Rheingantz ressentia-se ainda até aquele momento de
ter sido totalmente “desprezada” as suas propostas de instalar na cidade de Pelotas uma colônia
de imigrantes, que no caso provavelmente seria predominantemente alemã, nos moldes do que
o mesmo criara na cidade vizinha de São Lourenço do Sul. No entendimento do Sr. Carlos
Rheingantz, era essencial procurar gente sisuda, trabalhadora e ordeira e para atrair gente dessa
estirpe seria fator determinante passar para a mesma a garantia que tal empreendimento fosse
criado por empresa dotada de reputação firmada (que era o caso da sua) e que os imigrantes
teriam que vir dos distritos conhecidos e de onde já tinham vindo imigrantes para a cidade de
São Lourenço do Sul.

“Casualmente”, no dia 30 de março de 1883, o jornal A Nação comunicava ter chegado a Pelotas,
no dia anterior, oriunda de Montevidéu, uma comissão de colonos Piemonteses a fim de examinar
as terras das colônias municipais, sendo que estes colonos foram oferecidos à câmara municipal
desta cidade pelo Senhor “Fortinho” (Quem seria? Quais interesses?), com o detalhe que a tal
comissão veio com passagem paga pelo governo geral. Por sorte dos imigrantes, o charqueador
Junius Brutus Cássio de Almeida, sem esperar que a iniciativa privada resolvesse o problema, foi
visitar o Rio da Prata para de lá trazer não somente mão de obra branca e qualificada, como
também novas técnicas, pois as repúblicas vizinhas produziam um charque de melhor qualidade12.
Os importadores já haviam detectado e já estavam preterindo o nosso produto pelo das repúblicas
vizinhas. Decorrido certo período, o jornal Onze de Junho informa que no último paquete
procedente de Montevidéu tinham chegado 27 trabalhadores, de diversas nacionalidades, para
trabalharem na charqueada do Sr. Brutus, sendo os mesmos peritos carneadores e salgadores,
especialistas na indústria do charque.

Quando se aventou a necessidade de ocorrer a imigração para trabalharem nas indústrias saladeiris
da região, pensava-se que os novos trabalhadores iriam ser, no primeiro momento, aprendizes da
mão de obra negra e o charque de má qualidade que aqui era produzido (não por ser feito pela
mão de obra escrava, mas porque os charqueadores estavam acostumados com o fazer barato e sem
investimentos; investimentos só em seu modo de viver e em suas moradias; nada contra, apenas
um fato), e com isto pararam no tempo quanto à necessidade de produzir um charque de melhor
qualidade. Não foi com os esforços do Sr. Brutus que o charque da nossa região mudou. Este
fato pode ser facilmente compreendido quando D. Francisco de Medina, um visionário, conseguiu
em seu estabelecimento reproduzir um charque de qualidade investindo em técnicos altamente
qualificados, vindos da Irlanda, e em um laboratório montado no estabelecimento. Segundo
palavras do Vice-rei Nicolas de Arredondo, ao falar sobre aquela técnica, disse que Medina, no ano
de 1787, “havia descoberto o segredo e as carnes rio–platenses venceram o mito de suas condições
inferiores, pois jamais havia antes a cor e a consistência das do Norte”. Em nada mais consistia13.

***

Mas como chegaram os alemães em Pelotas? Quando ocorreu a imigração para a cidade de
São Lourenço do Sul, através do Sr. Carlos Rheingantz14, após o primeiro momento os alemães
começaram a produzir e se espalhar pela região, em especial na linha imaginária formada entre
as terras de São Lourenço do Sul, Turuçu, Morro Redondo e Canguçu, sendo criados entrepostos
de comércio entre os produtores e entre antigos produtores ou não imigrantes vindos para a zona
urbana praticar as suas atividades de comerciantes (tive a felicidade de ainda ver em atividade um
estabelecimento na atual cidade de Morro Redondo e outro estabelecido ao lado do cemitério
do passo do Valdez, na também hoje cidade de Morro Redondo), onde ocorria a “troca” dos
produtos produzidos na colônia e os produtos industrializados, ou que determinadas famílias do
meio rural não produziam em suas propriedades. Deste comércio se desenvolveram pessoas com
condições financeiras melhores e muitos vieram para a cidade de Pelotas, onde abriram os mais

348
diversos estabelecimentos. Estes são fatos que presenciei, mas a presença do imigrante alemão
já estava inserida na freguesia de Pelotas, durante as charqueadas, onde os mesmos mantinham
diversas atividades como na produção de velas, com o sebo originado dos restos dos animais que
eram abatidos nas charqueadas, pequenos comércios, prestadores de serviços; da atividade mais
humilde até as atividades mais conceituadas na época. De onde vieram? Como conseguiram se
estabelecer em uma cidade com “costumes”, tão voltada para si mesma?

Para confirmação de algumas afirmações escritas neste texto e também para se prestar como
fato curioso e inédito, pelo menos no meu ponto de vista, anexo uma reprodução inédita da
Sociedade de Imigrantes de Porto Alegre, de 30 de Abril de 1885, onde consta uma troca de
informação entre Cal Von Koseritz, que passou praticamente toda a sua vida no Brasil e que
esteve por cinco anos em Pelotas, e o Deputado à Assembleia Legislativa Sr. Dr. Guilherme
Spielberg, onde é relatado sobre o que esperavam os imigrantes alemães que vieram para o Rio
Grande do Sul, pois a Alemanha estava “prestando” mais atenção no que se refere ao incentivo
à imigração para o nosso país, fazendo recomendações quanto ao número de imigrantes e locais
onde melhor os mesmos se adaptariam. Também inédita, segue em anexo uma reprodução de
uma circular da Diretoria Geral de Estatística, datada de 31 de Junho de 1895, quando esta era
dirigida pelo escritor Raul Ávila Pompéia, onde o mesmo pede informações ao Piauí (a circular foi
para todos os estados) sobre o andamento da imigração no estado. O Brasil tinha muito interesse,
naquela época, em povoar todos os seus domínios.

***

O texto teria de tratar da “presença alemã na cidade de Pelotas”, mas a ideia, desde o momento
do convite, não era produzir um artigo nos moldes tradicionais, e sim um escrito que qualquer
pessoa, até mesmo as de poucas letras, fosse capaz de compreender. Apoiado a um axioma de
origem alemã que diz “Aller Anfang ist Scher” que traduzido seria algo como: “todo começo
é difícil”, no caso deste texto ocorreu o contrário, o início do texto fluiu naturalmente, pois o
tema faz parte da minha memória, meu cotidiano, de minhas pesquisas e leituras e foi escrito
com pouca consulta bibliográfica (a minha memória para datas é uma calamidade), mas confesso
que não encontrei nenhum axioma que desse suporte para finalizar uma tarefa com galhardia.
Baseio-me em outro axioma de origem alemã que diz “Das Rad der Zeit Hälf nieman auf” que
traduzido seria algo como: É impossível parar o tempo, então vamos às explicações.

Para falar da presença alemã na cidade de Pelotas devemos citar os vultos de origem alemã que
por aqui viveram ou por ela passaram como os viajantes dos três últimos séculos, bem como de
outros que por aqui até hoje aportam nas mais diversas atividades; falar de que o seu “modo
do ser alemão” ajudou a moldar o pelotense mais contemporâneo, das suas fortes casas de
comércios, de suas indústrias, dos que se tornaram políticos de destaque na sua época, da sua
cultura modificando o meio em que os mesmos estavam estabelecidos, principalmente o rural,
da sua gastronomia que está enraizada na culinária Pelotense, na passagem do Zeppelin Graf, no
quebra-quebra das casas comerciais e na igreja queimada, que teve muitos motivos ainda a serem
estudados, das misteriosas passagens subterrâneas que os alemães teriam para se comunicar às
escondidas dos brasileiros ou talvez um tema polêmico que surgiu de uma brincadeira entre
amigos e tornou-se uma prova de um marco histórico como a montagem da famosa foto do
dirigível alemão Zeppelin passando por sobre a Praça Coronel Pedro Osório no ano de 1934 e
tantos outros assuntos que enriqueceriam a presença alemã na cidade de Pelotas nos dois últimos
séculos. Por que não segui este caminho bem mais fácil e em formato acadêmico e que com
certeza teria uma melhor aceitação? Relatarei na sequência um fato histórico que talvez me ajude
a ser mais bem compreendido15. Volto às minhas justificativas.

349
Como coloquei anteriormente, a leitura, o contato físico e visual com os livros me fascina, o ter
frequentado livrarias e sebos de um modo silencioso e por muitas vezes por passar despercebido
nos locais só ouvia relatos de fatos históricos que não batiam com o que eu lia, mas não os
questionava. Quando comecei a interagir mais com pessoas do meio literário e junto a isso
começou a passar por meus olhos dados não apenas falados, mas escritos, e que iam contrários
à história que eu encontrava nos livros e publicações mais antigas. Neste momento, as minhas
leituras passaram a ser mais seletivas quanto aos assuntos de minha preferência (já citados) e
neles comecei a encontrar vários dados considerados como oficiais que talvez não fossem tão
oficiais assim, isso falando de várias localidades, não apenas de Pelotas. Infelizmente a parte
financeira não me ajudava e muito dos itens só vi e desejei ter, mas não consegui adquirir. Por
tudo que foi exposto até aqui, formei uma opinião muito clara que coloco para meus amigos mais
próximos e esta opinião é de que uma boa parte da “história oficial” da cidade de Pelotas está
por ser reescrita. E quando coloco tal afirmativa, a mesma abrange desde os primeiros tempos do
povoamento, passando por seu modo de viver, até chegar à resistência inicial e que até os dias de
hoje perduram em parte, que é a de aceitar as etnias vindas após o início do povoamento, em seu
meio, apesar de que em muitos textos tal fato é abordado de maneira diferente. Não esqueçam
as minhas origens para ser tão enfático nesta afirmação.

Usando o pensamento do Dr. Edilberto Luiz Hammes, onde o mesmo fala sobre a resistência
às novas descobertas históricas de um determinado local, faço o meu resumo: “parece que tem
uma força oculta que faz com que a história dita oficial se mantenha mesmo quando dados
novos surjam contrariando a história dita oficial. Serão forças ocultas ou são as forças ainda
do passado, aqui representadas por pessoas orgulhosas do passado da nossa Princesa do Sul e
que acreditam que as mesmas não devam ser vasculhadas; não convém serem mexidas para não
desfazer mitos, histórias inexistentes, ou criadas entre outros motivos?”. Coloquei uma nota sobre
as diferentes datas de aniversário da cidade de Pelotas, para basear as minhas ponderações, de
fácil comprovação e com dados que podemos considerar como recentes, mas os assuntos a serem
esclarecidos são muitos e bem mais relevantes.

Temos uma nova leva de historiadores e pesquisadores dos mais diversos setores culturais
buscando dados e publicando livros, textos em jornais e meios de comunicação virtuais. Gostaria,
então, de deixar outra frase de origem alemã que diz: “Bose Beispiele verderben gute Sitten”, que
traduzida significa algo como: “maus exemplos corrompem bons costumes”, como conselho para
historiadores e pesquisadores. Acho que a minha mensagem deixei registrada, mas gostaria de
deixar bem claro que nenhuma etnia é melhor ou pior que outra em qualquer sentido, mas que
sim: elas são diferentes e assim têm que ser tratadas, respeitadas, resgatadas e mantidas vivas.

Notas do pesquisador
2
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os alemães no Brasil tiveram um importante papel no processo de
diversificação da cultura, na urbanização e industrialização, tendo influenciado em grande parte a arquitetura das cidades e a
paisagem físico-social Brasileira. O imigrante alemão trouxe a religião protestante, contribuiu para o desenvolvimento urbano
e da agricultura familiar, bem como introduziu no país a criação de suínos e criou a primeira cooperativa de Crédito Brasileira
(Caixa de Economias e empréstimos Amstad), na Localidade de Linha Imperial, Município de Nova Petrópolis/RS, que hoje é o
Banco Sicredi, espalhado por quase todo o Rio Grande do Sul, não importando o potencial financeiro da cidade, pois é uma
de suas principais (senão a principal) metas servir os produtores rurais, como foi quando da criação da Cooperativa de Crédito
Brasileira.
3
“A respeito da história oficial que se repete geração após geração, parece muito difícil mudar, dando a impressão de haver uma
força estranha que não nos deixa mudar fatos históricos que são descobertos mais recentemente e que, muitas vezes, chegam a
desmentir o que havia sido escrito. Não tenho explicação para isso, mas que existe uma força estranha, sem dúvida existe. Mas
mesmo que isso aconteça, acho que devemos publicar. Calar é pior... Essa sorte que disseste ter tido, a de encontrar material que

350
modifica um pouco a história e em parte a história dos germânicos em Pelotas e que parece que a sociedade da época encobriu
e os historiadores de hoje não se interessam em abordar, deve ser divulgada, mesmo que hoje, não seja aceita. Mas, citando as
fontes, porque não trazê-las a público?”.
4
Há muitos anos leio principalmente sobre imigração alemã, italiana, missões jesuíticas, Rio Grande antigo e sobre J. F. de
Assis Brasil. Aproveito a listagem de minhas preferências literárias para colocar que sou o resultado da miscigenação de nosso
estado. Nas minhas origens, carrego o sangue português, o sangue espanhol, o sangue italiano e o sangue alemão. Além do
contato com a literatura tenho feito muitas viagens a passeio que sempre têm o destino (ou viagens de negócios onde “forço”
um atalho): lugares onde a presença alemã possa me trazer novos dados e conhecimentos. São cidades, localidades e, entre
eles, pontes, passos, travessas, rios, etc., os quais formaram na minha personalidade uma maneira de pensar a vida parecido com
a que têm “os alemães: esta gente esquisita” (não sei se para melhor ou pior, mas que estes tais alemães são diferentes, são).
Nestes locais, sempre procurei conversar com religiosos (capuchinhos, jesuítas, luteranos e católicos), pois em uma simplificação
do caráter de um alemão podemos colocar como base a fé, trabalho, cultura, respeito ao próximo e à vida, aos seus e tudo
que o cerca. Sempre a fé em primeiro lugar... Visitando igrejas, templos, cemitérios e principalmente conversando com os
religiosos fica fácil perceber as particularidades de cada localidade com muita riqueza de detalhes e normalmente em uma
conversa informal e prazerosa. E quanto a Pelotas, tema principal do texto, o que conheço? Meus pais e avós eram da colônia
de Pelotas, hoje cidade de Morro Redondo. Desde jovem, participei da vida entre imigrantes, na sua terceira ou quarta geração.
Mesmo morando em Pelotas, as férias e fins de semana eram passados entre eles e com eles participava desde as brincadeiras
até os serviços braçais. Quanto à história da cidade em si, na parte que trata sobre etnia alemã? Devo confessar que tenho
muitas dúvidas sobre o que realmente aconteceu. A história alemã na cidade de Pelotas ainda está por ser escrita, assim como
a de outras etnias que foram “abafadas pela colonização portuguesa e os interesses dos charqueadores”, segundo meu ponto
de vista.
5
Alemanha é a região conhecida e já documentada antes de 100 d.C. Desde o século X, os territórios alemães formaram a
parte central do Sacro Império Romano, que durou até 1806. No século XVI, as regiões do norte da Alemanha tornaram-se o
centro da Reforma Protestante. A definição de Estado-Nação para a Alemanha é recente, o país foi unificado pela primeira vez
durante a Guerra Franco-Prusiana em 1871. Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha que tinha sofrido diversas unificações
e divisões voltou a ser dividida em Alemanha Ocidental (BRD) e Alemanha Oriental (DDR); e Berlim virou Berlim Ocidental e
Berlim Oriental. A Reunificação aconteceu em 3 de outubro de 1990 e se mantém até hoje.
6
O texto começou a sair do meu controle e do seu objetivo e o “bom senso alemão” pede para parar, não abusar, pois já
passei do aceitável, mas o “bom senso Brasileiro” ordena-me que eu insista que não mostrei de maneira clara a “maneira de
ser Alemã”. Como sou Brasileiro, continuarei: como já coloquei anteriormente, o alemão tem sua vida pautada na fé, trabalho,
cultura e respeito à vida, aos seus e tudo que o cerca, sendo que este modo de encarar a vida sempre pautada na disciplina.
Também vem do berço a necessidade de aprender a tocar um instrumento, praticar um esporte ou apenas cantar. Claro que
nem todos conseguem tocar um instrumento ou cantar com qualidade, mas aí já é outra história e nada que uma boa cerveja
não ajude. Ludwig Von Beethoven, Richard Wagner, Wolfgang Amadeus Mozart, Johan Sebastian Bach, Friedrich Nietzche,
Arthur Schopenhauer, Richard Strauss, Johann Wolfgang Von Goethe, Thomas Mann,… chega de citar nomes, mas estas
personalidades, que falam por si só, colocam a Alemanha como, se não a principal, uma das principais nações no contexto
intelectual e cultural, no seu mais amplo campo de abrangência. Claro que não só por estes expoentes e tantos mais outros não
citados, que tornam a Alemanha um país de “gente diferente”. A Alemanha, ou melhor, os alemães são considerados em todo o
mundo civilizado como diligentes, disciplinados, muito organizados e altamente eficientes. Por outro lado, estas mesmas regras,
que não são criadas ou regulamentadas e como se baseiam demais nesta maneira de ser tornam-se pouco capazes de resolver
informalmente situações, principalmente, no nível pessoal. Mas continuo afirmando que esta “gente é muito estranha”. O que
intriga esta “Alemanha” capaz de produzir gênios e ter uma conduta baseada na retidão de caráter, desvia-se de uma maneira
assustadora em determinadas tomadas de posição. No ano de 1933, no dia 10 de maio, foram queimadas em praça pública, em
várias cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães inconvenientes ao regime político da época. Também é a Alemanha
o principal país nas duas grandes guerras mundiais, além de ter sido conivente com o regime que Adolf Hitler implantou. Resta
o consolo de ver que a impressa alemã não deixa de destacar estes fatos, para que tais fatos não aconteçam mais.
7
Em conversas onde o assunto eram os cactos, foi colocado que eles mantinham na Alemanha viveiros com as espécies de
cactos que não encontramos mais no seu habitat natural (o nosso) e que eles tinham vontade de trazer estas espécies para
reintroduzi-las ao seu habitat natural. Bem, por que falei deste assunto? Veio à memória o fato que estas viagens já se faziam
há muitos anos e daí surgiu a curiosidade de determinar há quanto tempo os alemães encontram-se entre nós.
8
Tal fato foi descrito em relato de um viajante de origem germânica. Aqui pode ocorrer uma controvérsia, pois sabemos que
o Padre Roque Gonçalves foi assassinado no dia 15 de novembro de 1628, por instigação do cacique renegado Nheçu. Na
realidade, listei três povoados em 1632, mas até 1634 foram 12 e os coloco na conta do Padre Gonçalves, pois o mesmo já
tinha dado início a estes povoados e o percurso de anos até ser considerada “oficial”, nada tira o crédito deste visionário.
Os dados que constam na história como data em que os alemães marcaram a presença no Rio Grande do Sul é a de 1717,
procedente da província da Baviera. Em 1737, o Rei da Espanha permitiu (?!) que em cada leva de missionários, um quarto
poderia ser de origem alemã. Na época, os jesuítas alemães eram muito estimados não somente pela confiabilidade, como pelo
que realizavam mais do que quaisquer outros, no que diz respeito à cultura das Reduções paraguaias. Voltando novamente ao
ano de 1717, entre cada leva de 60 irmãos leigos que viajavam para as Missões jesuítas, 11 teriam que ser de origem alemã e
normalmente eram da província da Baviera. Ainda poderíamos falar dos Mercenários do Imperador (Brummer) que vieram para
combater o ditador argentino Manuel Rosas que em muito contribuíram com a presença alemã, pois dos contratados, apenas

351
80 foram à batalha. O restante se espalhou pelo sul do Brasil e desenvolveu as mais diversas atividades desde as mais simples
até as mais nobres; entre estes fujões, que por final se mostraram de muita valia, encontra-se o nosso já conhecido Koseritz.
Ladrões, marginais e outros indivíduos de má índole também vieram, aliás, eram em grande número, mas vamos deixar eles de
lado. Não satisfeito ainda com esta data continuei com as investigações. Como escrevi já outras vezes, “esta gente esquisita”
não para de surpreender. O jornalista e historiador Dieter Bohnke, relativiza essa data, afirmando que os primeiros alemães
desembarcaram em 1500, entre eles o cozinheiro de Pedro Álvares Cabral. Fiquei imaginando o cardápio a bordo quando da
viagem de descobrimento de Pedro Álvares Cabral. Continuarei minhas pesquisas para tentar saber o nome deste “alemão”
enxerido no descobrimento do Brasil.
9
Heimat`s Lied: “Agora Adeus, minha querida pátria, / Querida pátria, adeus! / Seguimos agora por mares desconhecidos, /
Querida pátria, Adeus! / Seguimos agora por mares desconhecidos, querida pátria, adeus! / E assim eu com animo alegre / Como
se canta quando se emigra: Querida pátria, adeus!”.
10
Quando a imigração alemã chegou, encontrou um problema a mais além dos já citados: como praticar a sua fé! A mesma
fé que já colocamos como um dos pilares da maneira de ser “Alemã”. A primeira medida que os imigrantes alemães tomaram,
após a sua instalação no seu lote e plantação da primeira lavoura, era a de construir um local sacro: a Igreja. Num primeiro
momento, também eram locais provisórios, mas assim que a colônia estava devidamente instalada e em produção, a construção
da igreja definitiva era providenciada e normalmente eram belas construções, sendo que muitas se mantêm até hoje. Um fato
curioso observado nas colônias da região de Santa Maria do Herval: em determinadas localidades, onde os imigrantes ainda
não tinham condições, eram em pequeno número e, parte eram católicos e outra parte luteranos, os mesmos chegavam a um
acordo de construir uma igreja que servisse tanto para os rituais Católicos como para os rituais Luteranos, sempre tomando
o cuidado de que as características das mesmas não ferissem os princípios da outra. Normalmente meia hora para tapar
ou destapar imagens, trocar bíblias, guias litúrgicos, hóstias e outros símbolos eram o suficiente para que a mesma casa
servisse duas crenças, sempre observando o respeito de uma religião para com a outra. No Parque do Imigrante, na cidade de
Nova Petrópolis/RS há uma igreja com estas características, devidamente restaurada e que merece ser visitada. Crenças não
eram discutidas, como deve ser. A exceção de tal afirmação se dá através do episódio dos “Muckers”, do qual saíram várias
publicações, reportagens, filmes e dissertações, sendo que a maioria com abordagens diferentes. Quanto mais estudo sobre o
assunto, menos o compreendo e acredito que jamais se chegará a uma compreensão do que realmente aconteceu nos pés do
Morro de Ferrabráz. Este triste episódio ocorreu entre os anos de 1868 e 1874 na região da cidade de São Leopoldo/RS. É bom
frisar que os compromissos morais que a vida exigia das famílias de imigrantes alemães eram cumpridos rigorosamente por eles.
Assim, o batizado, a confirmação, o casamento e a morte tinham cada um o seu próprio ritual e eram datas jamais esquecidas,
seja pela alegria ou pela tristeza. O batismo era um grande acontecimento para a família, e quando não tinha a igreja ou a
mesma ficava muito afastada, eram praticados em casa, o que era plenamente aceito. Já a confirmação era considerada como
um momento mágico e de profundo significado, pois o pastor declara de forma solene “a partir de hoje, tu vales para igreja
como um adulto”, meninos em geral com 14-15 anos de idade e as meninas com 12-13 anos. Normalmente, a confirmação
se dava pela parte da manhã e aí já era interessante ser dentro de um templo religioso. O casamento tinha que ser respeitado
quanto à moralidade, à religiosidade e como um belo motivo para uma melhor integração entre os moradores da localidade.
A festa tinha que ser farta quanto à culinária, onde as mulheres se uniam para um bem servir. Não era raro ocorrerem festas
de casamento com duração de até três dias. Já a morte era tratada meio que no improviso, (como a morte normalmente não
marca horário, se justifica) sendo que na maioria das vezes o corpo era velado na casa do próprio defunto (em alguns lugares
ainda são, ou por pedido antes da morte do defunto ou por falta de condições financeiras da família e este fato pós-morte não
ocorre apenas com a etnia alemã) e num segundo momento, quando a colônia já estava estabelecida no salão paroquial ou
no salão de festa que normalmente são construídas próximas à igreja e o cemitério. Outro fato marcante entre os imigrantes
alemães provenientes da Pomerânia era o casamento com as noivas vestidas de preto; este não era fato que só ocorria entre
os Pomeranos como os moradores da nossa região costumam afirmar, pois estes casamentos com as noivas vestidas de preto
também ocorriam nas famílias oriundas de outros locais da Alemanha. Muitas hipóteses são defendidas sobre este costume,
mas o mesmo ocorria devido às condições econômicas. Os tecidos eram caros e considerando que o traje feminino preto veste
bem as mulheres, o mesmo poderia ser usado para o casamento e em alguns casos era usado até a morte da noiva. Os mesmos
serviam para os cultos religiosos, enterros, eventos solenes, festas de casamentos, festas da colheita (quando as mesmas eram
fartas), e até mesmo como mortalha, quando o vestido ainda permitia tapar todo o corpo. Os vestidos eram pretos, mas as
noivas sempre utilizavam um detalhe branco no vestido, sobre um seio, na altura da cintura ou na cabeça. Pelas minhas mãos,
passou uma foto de uma noiva vestida completamente de preto, sinal que a família estava de luto. Envergonho-me de dizer
que a perdi e que até hoje não consigo explicar tal fato para o amigo que gentilmente tinha me emprestado pra a reproduzir.
Perdi uma foto que acredito ser raríssima, talvez única. Voltando à divisão da igreja por duas religiões diferentes e o respeito
entre elas, me vem à memória uma reportagem que saiu na Zero Hora, de autoria da jornalista Joice Bacelo em que a mesma
retrata uma situação atípica na localidade de Solidez, no interior de Canguçu, onde negros e brancos não se misturam. Tal
fato se deu devido a um confronto corporal onde os germânicos decidiram impedir a entrada dos negros na igreja, que no
caso é a igreja Luterana, no que não muda em nada o fato. Bem, como solução o pastor criou uma segunda igreja, com o seu
devido cemitério, distante aproximadamente 1 km da primeira. O que surgiu de rixa virou tradição, mantida desde 1927 até os
dias de hoje. O que mais chama a atenção neste fato é que as cerca de 200 famílias do local convivem em perfeita harmonia
e historicamente os descendentes de Pomeranos e descendentes dos Quilombolas do local, não apresentam nenhum problema
de preconceito entre as etnias, muito pelo contrário. No local, comi uma bela fatia de cuca feita por uma alegre mulher negra.
Situei os imigrantes alemães no seu contexto histórico e já em terras Rio-Grandenses, me passei falando sobre os mesmo nas
missões Jesuíticas, no descobrimento do Brasil onde achei um “alemãozinho enxerido” cozinhando para Pedro Álvares Cabral,
falei sobre fé, trabalho, cultura, respeito ao próximo e ao que o cerca, fatos curiosos... Uma colcha de retalhos e a vontade de

352
continuar falando sobre esta “gente estranha” é muito intensa, pois me vem à memória muitos fatos lidos, vivenciados e que
me foram relatados ao longo dos anos por pessoas que viveram a história recente, enfim mais dados descritos sobre esta “gente
diferente”, mas agora tem que aflorar o meu “bom senso alemão” e voltar ao tema principal do texto. “A presença Alemã na
cidade de Pelotas nos dois últimos séculos”.
11
Cidade! Saí do campo, que é uma história à parte e que, em certos rincões, ainda hoje são mantidas pessoas que, se não
estão sobre escravidão na acepção da palavra, são locais onde muito pouco se alterou durante o passar do tempo e são várias
as etnias em regime de semi-escravidão. E nesta conta entra até o orgulhoso campeiro de fundo de campo e estes rincões são
encontrados muito próximos a nós, mas não vamos mexer com assunto tão delicado. São situações que presenciei e não gosto
de recordar, apesar de ser uma parte de nossa história viva.
12
Lendo-se o relato de um artigo do pesquisador Adão Monquelat, chega-se facilmente a esta conclusão.
13
Comecei a falar em imigração alemã e terminei falando no charque da nossa região, mas não me arrependo destes escorregões
na maneira de me comunicar, pois se a imigração fosse concretizada, e provavelmente seria a imigração alemã a ser escolhida
para substituir a mão de obra escrava, hoje teríamos como um dos culpados pela derrocada da indústria saladeiril em nossa
região a mão de obra alemã, o que não seria uma verdade, mas que passaria a ser pelo que se conhece da história oficial de
Pelotas.
14
Gostaria de falar mais sobre o Sr. Carlos Rheingantz, mas ao começar a ler o livro do Dr. Edilberto Luiz Hammes, A imigração
alemã para São Lourenço do Sul, dei-me conta que, na realidade, praticamente desconheço as atividades, o ser humano e o que
fez o mesmo nas suas idas e vindas, em seus negócios feitos e não feitos, sujeito amado por uns e odiado por outros. Então
me calo sobre o Sr. Carlos Rheingantz.
15
Fato: “O começo do povoamento do Centro Urbano da Freguesia de Pelotas, como foi denominada na resolução de consulta
da mesa de consciência e ordens, expedida no palácio do Rio de Janeiro, em 31 de Janeiro de 1812, com a Rubrica de sua
Alteza Real.” Texto oficial e claro. A data de aniversário da cidade de Pelotas é 31 de Janeiro e ponto final. Então por que se
comemora o aniversário da cidade de Pelotas em 7 de Julho de 1812? Tem-se como a data de 7 de Julho sendo a data oficial
do aniversário da Cidade de Pelotas em homenagem ao São Francisco de Paula, Padroeiro da cidade de Pelotas. Como Assim?
Confesso que fui criado na Religião Católica, mas um católico um tanto resistente quanto às atividades da igreja e que me
tornou um ignorante quanto aos assuntos da Igreja Católica, apesar de estudar a sua história, entre outras religiões. Como
ignorante confesso: resolvi pesquisar quem foi São Francisco de Paula e encontrei que o mesmo nasceu no ano de 1416, em
Paula, Região da Calábria, na Itália e faleceu no dia 02 de Abril de 1507, dia em que se comemora a sua festa e não no dia 7
de Julho. Achei que tinha encontrado o caminho, mas parece que fui pelo caminho errado. Reiniciamos: a data de 7 de Julho
de 1812 foi “escolhida” por João Simões Lopes Neto, quando do começo da elaboração da Revista do 1o Centenário de Pelotas.
Tal data foi escolhida visto que era de conhecimento do mesmo que em 7 de julho de 1812, foi criada a freguesia de Pelotas,
que inicialmente chamou-se São Francisco de Paula, o que não estava correta. Tal fato já foi esclarecido por historiadores e
não cabe um alongamento deste tema, mas aproveito mais uma vez para me alongar em um assunto que até em um primeiro
momento não caberia neste texto. Tem-se que o nome São Francisco de Paula foi uma imposição da igreja da época para
invocar o nome do Santo, que dizem, fez o milagre de livrar os moradores da região da presença Espanhola que por aqui não
era bem vista. Não consegui chegar a documentos que o provem, mas há fortes indícios de que a linha territorial que dividia
os limites Portugueses e Espanhóis, antes da mesma ter o seu território demarcado como o conhecemos hoje, andou passando
por terras próximas da hoje conhecida cidade de Canguçu em um desses muitos acordos feitos e desfeitos por Portugueses e
Espanhóis. Por isso o medo dos moradores destes pagos de que ocorresse uma troca de etnia dominante. A imaginação me leva
a pensar de como seria hoje em dia o Rio Grande do Sul se os Espanhóis tivessem chegado e ficado com o território de Pelotas
e adjacências. Não! Melhor não levar a imaginação para este lado.

353
Figura 1

354
Figura 2 Figura 3

Pesquisa, seleção de imagens e notas: Sérgio Schwanz.

Figura 1: Circular da Diretoria Geral de Estatística, datada de 31 de Junho de 1895, na qual o Diretor
Raul Ávila Pompéia pede informações sobre o andamento da imigração no Estado do Piauí. Fonte: do-
cumento original. Acervo do autor.
Figuras 2 e 3: Respectivamente, frente e verso de Circular da Sociedade de Imigração de Porto Alegre,
datada de 30 de Abril de 1885, onde consta uma troca de informação entre Carl Von Koseritz e o Depu-
tado Sr. Dr. Guilherme Spielberg sobre a imigração alemã. Fonte: documento original. Acervo do autor.

355
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333. Professora e seus primeiros alunos, na Escola Estadual Fernando Treptow, ano de 1969. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de
Almeida. 334. Família posando em frente ao chafariz da Praça Domingos Rodrigues. Ao fundo, os armazéns do Porto. Década de 1970. Acervo Família Pinto de Almeida.
Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 335. Menino posando em um dos cavalos, outrora alugados para passeio, na antiga Praça Júlio de Castilhos, atual Parque
Dom Antônio Zattera. Meados da década de 1990. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 336. Detalhe de antigo mini-zoológico
da Praça Júlio de Castilhos, atual Parque Dom Antônio Zattera. Detalhe da jaula dos macacos, animais cuja presença tornou o logradouro conhecido também, popular-
mente, pelo nome de “Praça dos Macacos”. Década de 1960. Acervo Família Pinto de Almeida. Colaboração de Guilherme Pinto de Almeida. 337. Retrato de esposa. Ano
de 1906. Atelier de Baptista Lhullier. Acervo Clara Aires Romarini (in memoriam)/ Janaína Vergas da Silva Rangel. Colaboração de Janaína Vergas da Silva Rangel.
338. Retrato de marido. Ano de 1906. Atelier de Baptista Lhullier. Acervo Francisco Romarini (in memoriam)/ Janaína Vergas da Silva Rangel. Colaboração de Janaína
Vergas da Silva Rangel. 339. Casamento de uma imigrante italiana e um imigrante português, que aqui constituíram família. Ano de 1927. Estúdio Lhullier. Acervo
Ibrantina Aires Vergas (in memoriam) & Joaquim Oliveira Vergas (in memoriam)/ Janaína Vergas da Silva Rangel. Colaboração de Janaína Vergas da Silva Rangel.
340. Moça e seu bebê, em pose na Praça Cel. Pedro Osório, ano de 1930. Acervo Ibrantina Aires Vergas (in memoriam)/ Janaína Vergas da Silva Rangel. Colaboração
de Janaína Vergas da Silva Rangel.
339 340 341 342 343 344

349 350 351 352

341. Foto de cavalheiro nos canteiros de uma praça, em Pelotas. Início do Século XX. Acervo Henrique Ricardo Haag (in memoriam)/ Jonia Haag Tavares. Contribuição
de Jonia Haag Tavares. 342. Lembrança do Carnaval de 1926. Acervo José Ricardo Haag (in memoriam)/ Jonia Haag Tavares. ContrIbuição de Jonia Haag Tavares. 343.
Três moças em passeio na Rua XV de Novembro. Julho de 1956. Acervo/Contribuição de Jonia Haag Tavares. 344. Menino e bebê sobre carro na Rua Sete de Setem-
bro, quase esquina Rua Alberto Rosa, no 1º do ano de 1957. Vista em direção ao centro da cidade. Acervo/Contribuição de Jonia Haag Tavares. 345. Quatro meninos
devidamente preparados para o Carnaval de 1962. Acervo/Contribuição de Jonia Haag Tavares. 346. Menino em frente à Escola Álvaro Berchon, no Passo das Pedras,
município de Pelotas. Atualmente território de Capão do Leão. Ano de 1965. Acervo/Contribuição de Jonia Haag Tavares. 347. “Grupo de senhores em uma confraterni-
zação, consumindo vinho”. Meados do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa. Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira. 348. Menina de descen-
dência alemã em pose na janela de sua residência. Ano de 1949. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 349. Crianças de família de origem alemã, em visita a
parentes, na localidade da Barbuda, próximo da Av. 25 de Julho. Final da década de 1940. Acervo/ContrIbuição de Leni Dittgen de Oliveira. 350. Família de descendentes
de alemães em pose, junto ao chalé de madeira da família. Foto por ocasião da formatura do Jardim da Infância do filho mais velho. Final da década de 1940. Acervo/
Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 351. “Grupo familiar reunido em frente a um bambuzal, em trajes domingueiros, provavelmente celebrando algum evento”.
Meados do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa. Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira. 352. “Grupo efetuando o preparo de doces”. Meados
do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa. Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira.
353 354 355

360 361 362

353. “Grupo familiar reunido à sombra de uma árvore durante a realização de um piquenique”. Meados do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa.
Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira. 354. Moças durante Parada Atlética na Av. Bento Gonçalves, ano de 1963. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira.
355. Colegas de curso de Magistério. Dezembro de 1965. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 356. “Grupo de crianças durante uma brincadeira de ‘roda’”.
Meados do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa. Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira. 357. União Gaúcha João Simões Lopes Neto e Grupo
Pericón (Uruguai), Palco da Rádio Cultura de Pelotas, em Outubro de 1961. Acervo/ContrIbuição de Leni Dittgen de Oliveira. 358. Jovem moça e seu cavalo na sede da
União Gaúcha João Simões Lopes Neto, agosto de 1962. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 359. Dançarinos da União Gaúcha João Simões Lopes Neto no
interior do Clube Caixeiral, 1962. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 360. Dançarinos da União Gaúcha João Simões Lopes Neto no interior da Bibliotheca
Pública Pelotense. Década de 1960. Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira.
356 357 358 359

363 364 365

361. Primeira Ronda Tradicionalista “Brink” no Teatro do Colégio Gonzaga. O apresentador Peri Cunha anuncia a União Gaúcha JSLN, na noite de 15 de abril de 1962.
Acervo/Contribuição de Leni Dittgen de Oliveira. 362. Visão outonal da porção superior da Fonte das Nereidas, emoldurada por árvore. Década de 1990. Fotografia de
Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 363. Detalhe da porção superior da fachada da Estação Ferroviária, quando em estado de abandono. Década de 1990.
Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 364. Ruínas de pequena embarcação à beira do Canal São Gonçalo, com o antigo Frigorífico Anglo ao
fundo. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 365. Pontes sobre o Canal São Gonçalo, vistas desde a ruína de uma embarca-
ção. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira.
366. Vista parcial do antigo Solar dos Jesuítas, vendo-se o seu característico mirante. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira.
367. Detalhe do frontispício do antigo Banco do Brasil, à Praça Cel. Pedro Osório, esquina Praça 7 de Julho, vendo-se o seu relógio, uma voluta e a parte inferior da
sacada. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 368. Praça Cel. Pedro Osório. Detalhe de uma das amazonas da Fonte das
Nereidas. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 369. Trilhos nas proximidades da Estação Ferroviária, quase integralmente
obliterados pela vegetação. Década de 1990. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira. 370. Vista parcial da cidade na direção leste, desde a
proximidade da esquina com a Rua Gal. Osório. Ao centro, a Praça 7 de Julho e a Rua Lobo da Costa. Fotografia de Luís Rubira. Acervo/Contribuição de Luís Rubira.
371. Família Bojunga, reunida no interior da residência da família, antigo Palacete do Barão de Itapitocaí, atual edifício do Colégio Estadual Monsenhor Queiroz. Ano de 1937.
Acervo/Contribuição de Paulo Luiz Vianna Bojunga.

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373 374 375 376


372. Jovem membro dos Bojunga, no pátio da antiga residência da família, à Rua Miguel Barcellos, entre Rua Santa Cruz e Rua Félix da Cunha. Acervo/Contribuição de
Paulo Luiz Vianna Bojunga. 373. Caricaturesco folião do Carnaval de 1957. Acervo/Contribuição de Paulo Luiz Vianna Bojunga. 374. Foliões fantasiados, em pose na
Praça Cel. Pedro Osório. Carnaval de 1957. Acervo/Contribuição de Paulo Luiz Vianna Bojunga. 375. Desfile da Banda Marcial do Colégio Gonzaga. Av. Bento Gonçalves,
ano de 1955. Acervo/Contribuição de Paulo Luiz Vianna Bojunga. 376. Carnaval na Colônia de Pescadores Z3. Década de 1960. Acervo Família Freitas. Colaboração
Renata Freitas. 377. Casal em passeio no centro da cidade, década de 1950. Acervo/Colaboração de Rubens Lima (filho). 378. Dona Zizica e ‘Seu’ Hilário, exímios
doceiros e confeiteiros de Pelotas, durante as décadas de 1940 e 1950. S/d. Acervo/Colaboração de Rubens Lima (filho). 379. Gaúcho em pose, com chimarrão e chaleira
em punho. Década de 1970. Acervo Rui Barbosa Ávila (in memoriam). Colaboração de Tiago Klug. 380. Moça em fantasia de carnaval, com pandeiro. S/d. Foto artística,
colorizada. Acervo/ Colaboração de Tiago Klug. 381. Recém-casados. S/d. Fotografia de Ildefonso Robles. Acervo/Colaboração de Tiago Klug.

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382. “Grupo familiar sobre um carro de bois”. Meados do século XX. Acervo Museu e Espaço Cultural da Etnia Francesa. Colaboração de Fábio Vergara Cerqueira.
383. Fotografia de menina, em estúdio. Final do Séc. XIX. Acervo/Colaboração de Tiago Klug. 384. Retrato de casal. Foto artística, colorizada. Década de 1970. Acervo
Helmuth Klug (in memoriam) e Adair Klug. Colaboração de Tiago Klug. 385. Noiva. S/d. Fotografia Studio Del Fiol. Acervo/Colaboração de Tiago Klug. 386. Ban-
da “Amantes do Luar”, muito requisitada nos bailes de Pelotas e região. S/d. Acervo/ Colaboração de Vinícius Centeno Araújo. 387. Idem. Década de 1980. Acervo/
Colaboração de Vinícius Centeno Araújo. 388. Imigrantes alemães residentes na região de Pelotas. Década de 1930. Acervo Helmuth Klug (in memoriam) e Adair Klug.
Colaboração de Tiago Klug.
Caderno 14

CARTÕES POSTAIS:
IMAGENS QUE ENCANTAM, BELA MODA QUE SEDUZ
1
Graduado em História pela
Universidade Católica de
Pelotas (UCPel, 1986), Mestre
Eduardo Arriada1 em História pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio
Elomar Tambara2 Grande do Sul (PUCRS, 1991)
e Doutor em Educação pela
PUCRS (2007). Professor do
Departamento de Fundamentos
da Educação da FAE/UFPel.
Monsieur Auguste Leau, Paris. É autor de Pelotas, gênese
Não se esqueça de me dizer se tem recebido todos os bilhetes postais e desenvolvimento urbano
que lhe tenho mandado, e aceite um abraço do seu amor. (1780-1835) (Pelotas: Armazém
Pelotas, 13/05/1903. Literário, 1994), e de A educação
secundária na Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul:
a desoficialização do ensino
público (Jundiaí: Paco Editorial,
2011).
Graduado em Ciências Sociais
Introdução
2

pela Universidade Federal do


Rio Grande do Sul (UFRGS,
O objetivo deste texto é analisar o cartão postal como documento iconográfico que de diversas 1978), Mestre em Sociologia
formas e maneiras contribui para instituir uma certa “ideia” da cidade de Pelotas. Produzido pelas pela UFRGS (1981) e Doutor em
casas editoriais locais, e em alguns casos por outras casas editoriais, suas imagens perpetuam Educação pela UFRGS (1991). É
Professor do Departamento de
algumas cenas, ocultam outras, esquecem de muitas, mas nem por isso deixam de ser um Fundamentos da Educação, FAE/
documento relevante, apesar de reconhecermos os seus limites. O que querem mostrar? O que UFPel. É autor de Positivismo e
Educação (Pelotas: Editora da
as lentes desses fotógrafos realmente procuravam realçar? Imagens de casebres, atividades de UFPel, 1995), e de Bosquejo de
operários, cenas que remetem à pobreza e miséria são extremamente raras nesses cartões. um ostensor do repertório de
textos escolares utilizados no
ensino primário e secundário no
O corpus aqui discutido compõe-se de diversos cartões postais produzidos pelas seguintes casas século XIX no Brasil (Pelotas:
editoriais: Meira, Strauch, Albino Isaacsson, Americana, Universal, A. Ribeiro, A Miscelânea, José Seiva Publicações, 2003).
Regina, Casa Krahe, Globo etc. No geral, as diversas coleções de postais procuram veicular uma
ideia de progresso, de uma modernidade que se constrói. O recorte selecionado prende-se ao
surgimento dos primeiros cartões postais em Pelotas até o ano de 1930, quando a “febre” da
cartofilia arrefeceu.

O cartão postal foi idealizado como um padrão de correspondência diminuto, cuja prerrogativa
era possibilitar a escrita de uma mensagem breve e curta. Em seus primórdios, os postais estavam
sob a tutela e controle do Estado, mas já no século XIX, esse novo suporte estava livre do
monopólio estatal. Inicialmente, os cartões foram confeccionados usando-se técnicas artesanais
de impressão que remetiam à tradição das estampas e gravuras, como a ponta-seca, o buril e a
litografia, o que os tornava um artigo de consumo caro. Com o desenvolvimento dos processos
de reprodução de imagens derivados da fotografia, especialmente a fotolitogravura, a fototipia
e a cromofototipia, esses avanços tecnológicos possibilitaram uma diminuição dos custos de
produção e a popularização de seu uso.

Ao contrário dos magníficos e sedutores cartões postais ilustrados, os primeiros bilhetes postais
não tinham glamour, faltava tudo, eram meros objetos de troca de correspondência, despojados
das ilustrações. Nada mais eram do que realmente anunciavam, ou seja, bilhetes postais, simples
cartões selados, cumpriam o papel das cartas, no formato de um pequeno retângulo (8,5 mm X
12 mm), constando no anverso apenas o local para o nome do destinatário e o endereço, com
o valor da postagem previamente impressa, e no verso, um espaço diminuto para a mensagem.
Prático, econômico e singelo, constava somente o básico e essencial para noticiar pequenos fatos
do cotidiano: nascimentos, cumprimentos natalinos, informes sucintos de acidentes, tragédias,
mortes etc. Eventualmente, declarações de amor e/ou rompimento de uma relação. Nesses primeiros
bilhetes postais, a essência era ser um veículo de correspondência, rápido, sucinto, objetivo e de
baixo custo. No geral constava no verso: “bilhete postal” (neste lado só se escreve o endereço), e a
estampa impressa do selo. No anverso, nada, um imenso vazio para ser vencido pela escrita.

A ideia do cartão postal era realmente simples. Um pequeno retângulo de papelão fino, destinado
a circular pelo correio sem envelope, tendo uma das faces destinada ao endereço do destinatário,
na qual se encontrava impresso o selo postal, reservando-se a outra para mensagem. O porte do
cartão, inferior ao das cartas comuns, e a dispensa do uso do envelope tornavam a correspondência
mais fácil e mais barata.

Em relação ao seu surgimento, embora existam diversas opiniões, a grande maioria dos
pesquisadores (MIRANDA, 1985; WILLOUGHBY, 1993; GORBERG, 2002; VASQUEZ, 2002;
GEDODETTI & CORNEJO, 2004) indicam três versões:

1) Aquela que atribui ao cidadão norte-americano H. L. Lipman, que juntamente com J. P.


Charlton patentearam em 17/12/1861 o chamado “Lipman’s Postal Card”. Entretanto não se tem
conhecimento de nenhum exemplar desse cartão.

2) A atribuída ao Diretor dos Correios da Confederação da Alemanha do Norte, Heinrich Von


Stephan, por ter lançado a ideia e a sugestão na Conferência Postal Germano-austríaca, em 1865.

3) Por fim, temos aquela que credita a Emmanuel Hermann, professor de Economia Política da
Academia Militar Wiener Neustadt (Império Austro-Húngaro), que segundo carta publicada no
“Die Neue Freie Presse”, de 29/01/1869, propôs sua adoção sob o título: “Uma nova forma de
correspondência pelo Correio”.

Essa ideia acabou reverberando no Brasil e, por proposta do Ministro da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, foi instituído o cartão postal pelo Decreto nº 7695, de 28/04/1880. A impressão

368
dos mesmos ficou sob a responsabilidade do Estado. Eram de três cores: vermelha, para
correspondência urbana; azul, para correspondência entre as diversas Províncias e laranja, para
correspondência internacional.

Embora com uma trajetória curta em relação ao seu aparecimento, rapidamente fica estabelecido
um padrão geral para o tamanho dos cartões postais. Ao adotar em novembro de 1899, as
seguintes medidas (9 X 14 mm), a Inglaterra acabou criando um paradigma para as demais
nações. Esse tamanho universalmente reconhecido permitiu o aparecimento dos primeiros álbuns,
gerando como consequência, o colecionismo.

Outra mudança foi a permissão de constar no verso do cartão, imagens, o que antes estava vedado.
Agora era permitido que uma parte fosse exclusividade das ilustrações, sem a obrigatoriedade
dessa divisão ser equitativa. Percebendo o quanto de consumo e logicamente de lucro que essa
mania podia render, as autoridades públicas capitulam frente à nova realidade. O primeiro país a
autorizar esse procedimento foi a Inglaterra no ano de 1902, logo seguido pela França e Império
Austro-Húngaro, em 1904. Em 1906, os países membros da recém-criada União Postal Universal
permitiram que todo verso fosse usado pela imagem, e o anverso na sua parte esquerda seria para
a mensagem, e a parte direita para o selo e endereço. Cada vez mais se valoriza o iconográfico
em detrimento do epistolar. As imagens falam.

Os primeiros cartões postais com imagens possuíam uma estética inspirada no estilo Art
Nouveau, com alegorias florais, minuciosas vinhetas artisticamente trabalhadas. No universo da
cartofilia são conhecidos como cartões “Gruss aus…”, expressão alemã, invariavelmente inscrita
nos primeiros postais, que significa “Saudações de…”, traduzido nos diversos países como:
“Lembranças de”; “Recordações de”; “Souvenir de”; “Greetings from”; “Saluti da”; “Recuerdos
de”; etc. (GERODETTI; CORNEJO, 2004, p. 242).

O contexto pelotense e o “que a cidade lê”


Nas primeiras décadas do século XX, a cidade de Pelotas demonstrava uma ativa e efervescente
vida cultural. Cafés, livrarias, teatros, clubes e quiosques revelavam que a mesma acompanhava
(sempre que possível) o frenesi da Belle Époque. A iluminação e meios modernos de transporte
(caso do bonde), entre outras novidades, mudavam a configuração e o anterior jeito de cidade
acanhada e interiorana. Viviam a intensa modernização, e isso era sentido e pensado pelos
intelectuais da urbe. Entre tantos que, com sua pena deixaram sulcos para a posteridade, João
Simões Lopes Neto se avulta.

Com certa temeridade, ousaríamos afirmar que o artigo publicado nas páginas do periódico
A Opinião Pública de 14/11/1913 – “Assuntos do município. O que a cidade lê”, seja de sua
lavra. A ironia, a finesse no trato da matéria, as sutis sugestões, o conhecimento do tema, a
leveza da arguição, são marcas indeléveis do capitão. Além do mais, outros indícios corroboram
essa possibilidade, quais sejam: primeiro, quando da publicação dessa matéria, o autor estava
atuando nesse jornal, tanto como colaborador, como redator; tendo inclusive quatro dias após
essa matéria, em 18/11/1913, publicado o texto “Mercenário-herói! Prostituta excelsa”, esse
último assinado João S.L. Neto. Na opinião de Sica Diniz: “são desses tempos as suas melhores
e mais importantes matérias jornalísticas”3. Segundo, anteriormente o autor vinha publicando
“Inquéritos em contraste”, “urbaníssima seção que saiu das prensas de A Opinião Pública de
junho a agosto”4, isso no ano de 1913. A marca indelével permaneceu, pois nesse artigo de 14 de
novembro, esse termo volta com força, “inquérito em vista”.

369
Vejamos do que trata o texto:

O que lê a nossa cidade? Se fôssemos tomar a série o velho chavão acaciano – que
a imprensa é a toalha com que a civilização enxuga o rosto cada manhã – teríamos
então que quanto mais jornais em uma terra, mais civilização... e no caso, Pelotas
teria retrocedido porque ela hoje conta muito menos jornais do que já teve em outras
épocas; e mais remotamente ainda, que não teve nenhuma folha... e os lugares, por
ai além, que hoje ainda não tem... a velha Pelotas e esses lugares novos, ainda sem
imprensa, seriam sem apelação nem agravo condenados como ignorantes e atrasados
e selvagens: e a verdade não é essa. Decididamente: sua excelência o Conselheiro
Acácio é uma besta! Encastelada, sentenciosa, grave: porém... besta! Mas ponhamos
de parte a profundez acaciana que levar-nos-ia a abismos e distâncias enormes e
para o inquérito em vista [grifo nosso], atenhamo-nos ao extrato de indagatório
pelas livrarias locais.
Propriamente – livraria – não temos nenhuma: temos casas que vendem livros e
conjuntamente artigos de escritório e papelaria, além de umas coisas esquisitas para
o ramo, tais como pílulas anti-dispépticas, sarnífugos, móveis, piorras e bolas de
borracha... Conveniências comerciais, dir-no-hão. Muito bem! Concordamos nós,
sem mais pio. Mas todas elas denominam-se e tem nas respectivas tabuletas os
letreiros característicos: Livraria Americana, Livraria Universal, Livraria Comercial e
Livraria Bazar.
Leitor, já agora não recues e deposita lá alguma cousa de mais interessante para a
tua memória.
LIVRARIA AMERICANA. Tem a honra de ser a decana na espécie: data de 1871.
Fundada pela firma de Carlos Pinto & C., veio passando a de Carlos Pinto & C.,
Succ., de Pintos & C., e atualmente Pinto & C. Durante longos anos funcionou à
rua Andrade Neves nº 603; agora tem a sua sede à rua 15 de Novembro nº 657.
Teve filial em Porto Alegre, há pouco tempo traspassada à outra firma; mantém
ainda uma filial em Rio Grande. É a Livraria Americana a editora do magnífico
Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul, organizado por Alfredo
Ferreira Rodrigues, trabalho esse que faz honra ao nosso próprio Estado. O primeiro
trabalho editado por essa casa foi, parece-nos, isto por 1880, um livro de Silvio
Romero, Últimos Harpejos. Surgiu o livro e Valentim Magalhães, recém-saído da
Academia de São Paulo, cai-lhe em cima. O truculento mestre Silvio deu o desespero,
e crítica e troco transformaram-se em metralha de doestos. Além destes e raros
outros, espaçadamente, é hoje a editora da “Biblioteca Econômica”, de estimados
autores nacionais e estrangeiros e cuja aceitação tem sido auspiciosa. É também sua
a edição de várias obras de direito, do reputado profissional Augusto Uflacker. Tem
a Livraria Americana grande oficina de obras; emprega 40 pessoas, metade mulheres.
LIVRARIA UNIVERSAL. Foi fundada em 1887 pelos irmãos Echenique, Carlos e
Guilherme. Era isso pelo tempo de acesa propaganda republicana. A livraria hoje à
rua 15 de Novembro, 551, funciona num grande prédio térreo, de muitas portas,
sito na mesma, então rua de S. Miguel, hoje com os números 629 a 633, onde agora
ostenta um sobrado de feição dada a pretensões arquiteturais. Ali reunia-se a corte
dos “históricos, indígenas e adventícios”; discutia-se, doutrinava-se; por vezes a
demagogia rubra propunha a conveniência urgente de ser enforcado o último rei
com as tripas do último padre! Bons tempos!... A casa progrediu; instalou filial no
Rio Grande e ao depois em Porto Alegre. Com pequenas modificações, temporárias,
a rubrica Echenique apareceu sempre na sua constituição. Tem diversas edições,
de propriedade exclusiva advinda da compra dos manuscritos, quase todos de
bibliografia rio-grandense. Entre essas, destacam-se: Rio Grande do Sul de Alfredo
Varela; Carta Geográfica do RGS por Cunha Lopes e Nunes de Azevedo; Recordações

370
Gaúchas de Araújo Filho; Vocabulário Rio-Grandense de Romaguera Correa; A
Vegetação do Rio Grande do Sul pelo prof. C.A.M. Lindmann; Cancioneiro Guasca,
Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de J. Simões Lopes Neto; Auras do Sul de
Lobo da Costa; Cacos de Garrafas de Augusto Sá; Cambista Portátil de R. De Abreu;
Missões Orientais por H. Veloso da Silveira; Escrituração Mercantil de Pompílio L.
da Fontoura; Guia de Foot-Ball de Octaciano Oliveira, além de outras que por certo
escaparam-nos à memória e também muitas reimpressões de literatura estrangeira.
A sua bem montada seção de obras gira em constante atividade. A matriz emprega
26 auxiliares, nas várias seções. Atualmente estão separadas as casas de Porto Alegre
e Pelotas-Rio Grande. Estas obedecem à direção dos Srs. Martin Echenique e Alberto
E. Leite; aquela é de propriedade do Sr. Carlos Echenique.
LIVRARIA COMERCIAL. Foi em 1896 que Francisco Meira, antigo empregado da firma
Echenique, assentou em fundar esta casa, formando então a razão de Souza Lima
& Meira. Falecendo pouco tempo depois o sócio Lima, passou a firma a Francisco
Meira e depois Meira & C. Muito pouco tem editado; ao que sabemos, apenas um
livro de versos “Céu e Lar”, de João Mendonça e a comédia “Viúva Pitorra” de
Serafim Bemol, esta esgotada. Mantém a maior oficina de obras, local, emprega 64
pessoas, sendo 22 mulheres. Funciona à rua Andrade Neves nº 606 e tem filial no
Rio Grande.
LIVRARIA BAZAR. É filial da Casa Krahe & C., de Porto Alegre; tem apenas cerca de
um ano de funcionamento.
Até aqui os fornecedores. Agora: quem lê? Os colégios primários e secundários,
particulares; as aulas municipais e estaduais; as cinco escolas superiores; as pessoas
das chamadas profissões liberais, e mais uma grossa falange de apreciadores dos livros.
E, o que se lê? De tudo: desde a carta de A.B.C. até a “Enciclopédia” de Larousse,
desde a tabuada do Backer até os “Logaritmos” de Galet, desde a Despedida de João
Brandão, até a Biblioteca Internacional de Obras Célebres. É fácil de compreender que
a literatura didática tem a primazia na saída das prateleiras. João de Deus, Hilário,
Clemente Pinto, Souza Lobo, João Maia, Bibiano e não sei mais quantos e quantos
livros adotados, mestres invocados: as gramáticas de João Ribeiro, Pereira, Halbout;
os dicionários, os livros traduzidos e os traduzíveis e mais toda uma avalanche de
expositores de regras e exceções, algarismos, fórmulas, medidas, que vão subindo,
emaranhando-se, complicando-se, quanto mais se aperfeiçoam, dizem...
Entre os expositores rápidos de línguas, bate o record o Berlitz. Em literatura são
mais procurados, dos nacionais, Coelho Neto, Alcides Maya, Euclides da Cunha;
tendo quase sem exceção, todos os nossos escritores exemplares – lidos – nesta ou
naquela estante.
Dos portugueses Eça de Queiroz, numa ponta magnífica; Fialho de Almeida; ainda
Camilo, e sempre o “Eurico”, de A. Herculano, e Guerra Junqueiro com a “Morte de
D. João”, “Os simples”, “Pátria” e Pinheiro Chagas com o “D. Jayme”. As traduções –
portuguesas – têm todas garantida aceitação através das “coleções” ou “bibliotecas”
baratas, de 1$ o exemplar. Assim são inúmeros os autores conhecidos.
Do francês traduzido, lê-se tudo; extensa por demais seria a nomenclatura a registrar;
do inglês, também, muito, sobretudo Walter Scott; do alemão, algum pouco. Dos
espanhóis, à frente, Blasco Ibanez, e d’Annunzio, dentre italianos, sem falar de
Mantegazza, que tem uma mais curiosa – que confessada – leitura...
Têm também muita procura as coleções de manuais técnicos, as monografias
especiais, as agendas, os livros de medicina prática, com o “Chernoviz”, velho de
guerra, à frente. Nos últimos tempos vai em crescendo a procura dos livros sobre
agricultura em suas variadas modalidades.
As “encomendas” de livros formam a mais variada catalogação. Até o cinema há sido

371
incentivo de leitura: que o digam os que venderam o “Quo Vadis”, “Os Miseráveis” etc.,
para refrescar a memória dos “mirone”, das espaventosas fitas adrede anunciadas.
Batemos agora a seara dos almanaques. Que variedade e que freguesia! O Anuário
do RGS sustenta a vanguarda, e logo o Almanaque Literário e Estatístico do RGS de
Alfredo F. Rodrigues; e cresce de ano para ano a cotação do Almanaque Brasileiro
de Garnier. Depois o Hachette, o Bertrand, o das Senhoras, e outro, e outro, e outro,
Vermont, Pour Rire etc. E seguem-se as revistas, jornais de moda, “Careta”, “Fon-
Fon”, “Malho”, “La Hacienda”, “Caras y Caretas”, e ainda uma bateria numerosa
de exemplares da fauna e flora deleterante... É bom não esquecer Sherlock Holmes
& Comp. Por fim... por fim, há ainda uma certa literatura de trás da prateleira,
uns livrinhos manhosos e brejeiros, apimentados, patifões, que , quantos chegam,
quantos se vão...
Agora, às contas. Não sei se a cidade lê tudo o que as suas casas fornecedoras lhe
oferecem; é certo mesmo que valiosa parte dos livros recebidos, já importados, já
encomendados, é distribuída para o fornecimento do interior do Estado; mas seja
como for, é sugestiva e positivamente digna de atenção a quantia que as livrarias
locais anualmente vendem, de livros, ou mais propriamente, de leitura: essa quantia
é superior a 300.000$.
Talvez que nas Európicas, em cidades de população igual e mesmo maior, talvez
que....

Leitor, fiquemos por aqui.

Os cartões postais invadem o espaço pelotense


A beleza estética, um forte apelo visual e a diversidade de imagens em preto/branco e/ou a cores,
logo despertam o interesse em guardar os cartões postais como lembranças. Outros possuem
o prazer de enviar cartões postais que retratem os lugares onde moram, ou que por ventura
tenham visitado. Em seguida, temos as trocas, muitas delas entre aficionados, que no geral não
se conhecem pessoalmente. Ao natural uma diversidade de pessoas, entre elas muitas mulheres,
rende-se à nova mania.

Os primeiros cartões postais com imagens da cidade datam do final do século XIX e são
extremamente raros e cobiçados. Conhecemos um da série “Süd-Amerika”, lançados por Albert
Aust, de Hamburgo, Alemanha. Essa coleção contempla algumas cidades do Brasil. O cartão
que retrata a cidade de Pelotas é o número 150 e reproduz uma parte da Praça Coronel Pedro
Osório, visto pela rua Félix da Cunha. Sabemos de outro com data de postagem de 08/10/1899,
endereçado a Porto Alegre. Utilizando o mesmo clichê, os Editores Warncke & Dörken Suces.,
de Pelotas, lançam o mesmo cartão. Temos ciência de um deles com data de circulação de
31/04/1899, além de mais outro com data de 24/10/1900. Essa empresa, nas páginas da imprensa
de Pelotas, anunciava esse fato: “Cartões Postais. Na ferragem Warncke, Dorken & C., Suces.,
estão à venda lindíssimos cartões postais, tendo na face a vista, muito bem tomada, do lado leste
da praça da República e de um trecho da rua Félix da Cunha”. 5

A nova moda atingia com força a sociedade pelotense e a imprensa abria suas páginas para esse fato:

(...) cartões postais ilustrados. Agora que no nosso Estado já existem diversas edições
de cartões ilustrados (para não falar noutras, as das livrarias Americanas e Rio-
Grandense), não é extemporâneo dar aos leitores amadores da filatelia a notícia

372
que inaugura esta seção, que muito útil pode ser para um meio como o nosso,
onde tantos distintos colecionadores das várias fórmulas de franquia postal existem.
Na Europa reina atualmente grande entusiasmo pelas coleções de cartões postais
ilustrados. Trabalha por isso com grande atividade a imaginação dos industriais,
que procuram salientar-se por qualquer novidade nesse gênero (Correio Mercantil,
Pelotas, 20/08/1901).

Podemos comprovar essa prática, ao analisarmos diversos cartões enviados de Pelotas, para a
própria cidade, como para o resto do mundo, particularmente entre os anos de 1902 e 1908.
“Lilita. Com prazer retribuo a visita de teu cartão postal e envio abraços para ti e Mirta. Henriqueta”
[cartão enviado para a Senhorita Manoela Leite, na cidade de Pelotas]. Em outro consta: “Pelotas,
26-7-1904. Muito agradeço teu delicado postal, envio a ti e a tua família sinceras saudações, tua
amiga Thusnelda Lang” [cartão enviado para Sr. Mimi Kremer (Drogaria Bojunga, desta cidade)].
Outro exemplo: “Ill. Sr. Alcibiades Silveira de Souza. Rua Fagundes V. São Paulo. Grato pelo postal
recebido. Em vista de ter muitas vistas de São Paulo passo a permuta a um meu amigo que manda
dizer que em vista de não ter postaes de Bagé e Jaguarão, que esperasse uns dias que vai mandar
vir os postaes. O endereço do meu amigo, Pedro Prietto, rua 15 de Novembro 933, Pelotas, Brazil.
Att. Valdemar Fernandes”.

Podemos observar que embora presente a troca de correspondências, muitas delas têm muito mais
o propósito do colecionismo, do que necessariamente troca de mensagens sobre seus universos
particulares. Vejamos: “Sabendo que V. S. coleciona cartões postaes, envio-vos este esperando
ser correspondido. Saudações Marcos J. F. de Moraes. Brazil, Rio Grande do Sul, Pelotas, rua 15 de
Novembro, 314A” [cartão enviado para Manoel Ramirez, rua Victoria, 38, Lisbôa]. Em outro consta:
“Querida amiguinha Conceição. Como me dissestes que colecionavas postaes envio-te este para
tua mimosa coleção. Tua amiguinha sincera, Brasilia Drummond. Quero resposta urgente” [cartão
enviado para Conceição Ribas Salles, rua Gonçalves Chaves 103, n/cidade. 18/03/1904]. Em cartão
da Meira (nº 15), vemos essa prática presente: “Monsieur Auguste Leau, Paris. Não se esqueça de
me dizer se tem recebido todos os bilhetes postais que lhe tenho mandado, e aceite um abraço
do seu amor. Pelotas, 13/05/1903”. Um verdadeiro frenesi tomava conta das pessoas. Diversas
notícias publicadas nos jornais locais atestam esse fato:

Cartões postais. É extraordinário o consumo de cartões postais em Pelotas, onde


a bela moda pegou, criando fortes raízes. Hoje em dia, toda a senhorita gentil ou
rapaz de bom gosto não procura outro meio de correspondência que não seja o
cartão postal ilustrado, que digamos de passagem, veio suplantar essas inquisitoriais
folhas de papel de luxo e de fantasia, cujas laudas eram cobertas pela caligrafia
entre bocejos e chapas sovadas. O cartão postal veio acabar com isto. Facilita-nos
o cumprimento da cortesia em duas linhas traçadas sem artifício. Daí o dispêndio
que se faz, hoje em dia, em todo o universo, dessas interessantes cartolinas. Aqui,
como já aludimos, não há mãos a medir nas livrarias. Os stocks vendem-se como
por encanto. É anunciar-se o recebimento de uma fatura e os cartões desaparecem
em poucas horas das prateleiras. Ainda agora a Livraria Universal, dos nossos amigos
Srs. Echenique Irmãos & C., receberam um esplêndido sortimento desses cartões,
verdadeiramente chics e última novidade no gênero, que, certamente, vão ter
pronto consumo. Ao ler isto, certo que os colecionadores de bom gosto correrão
à Universal, onde terão ensejo de sortirem-se de lindos postais (Correio Mercantil,
Pelotas, 04/08/1905).

Há um permanente, instigante e frenético troca-troca, como podemos ver: “Pelotas, 31/01/1905.


Recebi teu apreciado postal de 26, ficando ciente do conteúdo. Quanto ao que dizes de pensar

373
que eu não queria permutar mais contigo, tenho a dizer-te que terei muito prazer em ajudar-te a
colecionar, com o meu fraco auxílio. Saudações de teu amigo A. Alvim Braga”. Numa ponta desse
mesmo cartão, uma pequena explicação: “E os postaes!!! Calculava isso mesmo, que tivessem se
extraviado” [Enviado para Antônio André Pinto, rua Gonçalves Chaves, 172, nesta cidade].

Coleções dos mais diferentes tipos são montadas. Meticulosamente ordenadas, fazem a alegria de
muitos. Os temas variam de cidades, países, esportes, fauna e flora, guerras, meio de transportes,
erotismo. Uma troca constante de correspondência por meio dos cartões postais ilustrados tem
por finalidade ampliar as coleções. “Ill. Sr. João Augusto Missen, Pelotas. Desejo que a este dês
um lugar em teu álbum. Ton ami, Armando Barcellos Fagundes, 07/04/1905”. Escritos em diversas
línguas, o tom era o mesmo, o desejo de trocar cartões. “Junho, 10.1903. Messieur. Salutation.
Je échange aussi carte postale de tous de pays. Adresse. Carlos Portella. Brasil, Rio Grande do Sul.
Pelotas. [Meira, nº 20]”. “Monsieur François Lallement. Rue Meslay 25. Paris. Recebi seu cartão e
os reclames, que coloquei em lugar conveniente. Recomendações. Seu amigo Caetano Gotuzzo,
Pelotas, 15/07/1914. [Hotel Aliança]”. Outro exemplo: “En virtud do vuestro anuncio en la Revista
Universal (Lectures pour Tours) tomo la libertad de suplicar lo el cambio de postales (vistas). Puedo
garantir-le la mayor puntualidad en la permuta. Pelotas, 31 Mayo 1904. Ovídeo Almeida. Pelotas.
Est. Rio Grande do Sul. Brazil. [L. Pelotense, Hotel Aliança]”.

Mesmo tendo arrefecido um pouco a “mania” de adquirir cartões por meio de correspondência,
o ato de colecionar ainda tinha eco na década de 1910, mas uma mudança sutil começa a ser
estabelecida, agora grande parte dos cartões adquiridos entre 1910/1920, permanecem “virgens”,
ou seja, compram os cartões pela sua beleza estética e com a finalidade precípua de fazer parte
de uma coleção. Eventualmente a antiga prática permanecia: “Pelotas, 11/08/1915. Tenho em meu
poder seu apreciado cartão de 24/04/1915, que muito lhe agradeço. Peço me desculpe por ainda
não ter respondido o que não o fiz porque diziam que o Sr. já estava em viagem para cá. Raimundo
Silva” [Mensagem enviada para Osvaldo Maciel , Hamburg, Alemanha].

Outro aspecto a ser salientado é um uso intensivo, dinâmico e diversificado de línguas. Afora o
português, prepondera o francês, seguido do alemão, e logo após o inglês e o espanhol. Uma forte
presença temos na figura de A. Perret, que de Pelotas envia diversos cartões paisagísticos para os
mais diversos cantos da terra, por exemplo, o cartão Meira nº 9, é remetido em 13/08/1902 para
Joseph Matzhe, Landskron (Bohême), Áustria, com a seguinte mensagem: “Merci, des deux belles
cartes”. Outro postal:

Chère cousine.
Je te remerci pour ta belle carte, j’aime bien de connaître la ville où je suis née. Nous
vous souhaitons pour la troisieme fois une très bonne anné. Je suis toujours la meme
fidéle. Pelotas le 30 Janvier, 1913, Lucie.

Outro postal: “J’accepte l’échange des cartes. Toujours timbre coté vue. Je vous désire une bonne
année. Armando L. Costa. Rua A. Neves 247, Pelotas, Brèsil. 20/01/1905” [Postal da Edição Meira
nº 34, enviado para Novara, Itália].

Latente estava também, tanto nas lentes dos fotógrafos como de seus habitantes, o mostrar a
cidade, revelando aos outros o que ela tem de melhor, como vemos em cartão enviado para Luis
de Arede Coelho, Correio de Agueda (Mourisca).

Prezado tio.
Envio-vos este para encetar correspondência convosco, fazendo assim conhecerdes
edifícios que havia esta bela Princesa do Sul que assim se chama Pelotas. Como
vedes é este o hospital da Sta. Casa que passa por ser o primeiro neste Estado. E

374
razão tem para asseverarem isso, pois que nele encontra-se a par da higiene, os mais
aperfeiçoados instrumentos cirúrgicos. Nós todos felizmente vamos gozando saúde.
Espero que respondais para assim eu cumprir o prometido. Sem mais recomendações
dos de casa à titia, primos e queira aceitar um saudoso abraço de vosso sobrinho
Almeida, 01/11/1904.

Ou este outro: “Pelotas, 20 de abril de 1913. Recebi a sua carta de 20 de março passado, agora
estou aqui em Pelotas por um dia para ver a xarqueada do Sr. Tamboringay perto da cidade. O
tempo faz muito bom. Há também uma muito boa companhia lyrica italiana e hontem a noite foi
na “Aigoletto”, que esteve muito bom. Lembranças, Thomaz. [L. Americana, nº 8]”.

O colecionismo reverbera no mercado, são constantes os anúncios sobre venda de álbuns e


cartões postais, como verificamos nesta notícia: “Sempre novidades. Álbuns para cartões postais.
Lindos álbuns para cartões postais com capa de luxo próprios para presente, grande variedade
e preços sem competência. Cartões postais com vistas de Pelotas, uma coleção com 22 vistas...
2$000. Coleções de cartões postais fantasia, colossal sortimento recebeu a Livraria Americana”
(Correio Mercantil, Pelotas, 01/07/1903).

Embora abalizadas pesquisas (GORBERG, 2002; VASQUEZ, 2002; GERODETTI & CORNEJO,
2004) apontem como os mais antigos cartões efetivamente circulados no Brasil, os da Casa
Editorial alemã de Albert Aust, com sua série “SÜD AMERIKA”, postados nos últimos anos da
década de 1890, reproduzindo “clichês” do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Pará. Salientamos um
acréscimo ao rol dessas cidades contempladas, possuímos em nossa coleção, cartões com imagens
de Porto Alegre e Pelotas. Outro dado que deve ser ressaltado é que nesse mesmo período, a
Livraria Rio-Grandense de Ricardo Strauch, localizada em Rio Grande, tinha no mercado uma
série denominada “Lembranças do Rio Grande do Sul”. Um desses cartões que pertence ao nosso
acervo, consta a postagem de 14 de setembro de 1898, assim como outro dessa mesma série,
datado de 08 de abril de 1898, reproduzido por Gorberg (2002, p. 16).

Memória iconográfica do passado, vestígios para o historiador


Muitos fotógrafos brasileiros como Marc Ferrez, Guilherme Gaensly, R. Lindmann, J. F. Olivier,
Teixeira, produziram imagens que foram reproduzidas em diversas séries de cartões postais.
Do mesmo modo, diversos fotógrafos anônimos, pois seus nomes não ficaram registrados nas
estampas desses cartões, assim como ilustradores, tipógrafos, esmeraram-se ao máximo para
fixar em belas molduras (cartões), toda uma arquitetura espacial, seja de um mundo urbano, ou
mesmo rural: ruas, prédios, atividades econômicas, transportes, tipos humanos, praças etc.

As grandes coleções de cartões postais podem auxiliar os pesquisadores em seus trabalhos,


revelando um detalhe, esclarecendo um pormenor, dirimindo dúvidas. Diversas áreas do
conhecimento vêm “beber” nessa fonte, sejam historiadores, arquitetos, sociólogos, paisagistas,
museólogos, e uma infinidade de outros profissionais.

De maneira peculiar, em certos períodos históricos esse tipo de documento era pouco valorizado.
Gilberto Freyre (1978) frisava que, de longa data, os pesquisadores já percebiam a importância
dos anúncios de jornal, como testemunho de valor informativo ou sugestivo. Mas se perguntava:
“Será que se pode dizer o mesmo, ou quase o mesmo, do cartão postal?”. Para ele, ainda não
constava que houvesse sido realizado ou publicado estudo sobre assunto “aparentemente tão
frívolo ou insignificante”. Também notava que esses cartões guardados por colecionadores
se mostravam mais resistentes, que as simples cartas, à chamada ação destruidora do tempo.

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Levantava hipóteses sobre essa sobrevivência. “Por que sobrevivem eles às cartas? Graças
precisamente às suas vistas coloridas”. (FREYRE, 1978, p. 151).

As nuances, modificações, alterações, transformações da zona urbana da cidade de Pelotas,


consciente ou inconscientemente foram captadas pelas lentes de diversos fotógrafos. Hoje esses
atos registrados nos cartões postais são documentos basilares para pensarmos como deu-se a
modernidade nessa cidade.

O cartão postal foi, no fim do século XIX e primeiras décadas do XX, uma verdadeira instituição.
Grande parte das correspondências pessoais, não era em carta fechada, muito menos lacrada, mas
em postal aberto. O brasileiro passou a corresponder-se com o mundo.

As diversas casas editoriais


Nosso intuito é caracterizar as diversas casas editoriais que editaram cartões postais com imagens
paisagísticas da cidade de Pelotas, indiferente se os mesmos foram impressos em Pelotas ou fora da
mesma. Quanto ao recorte temporal, procuramos analisar mais especificamente a produção editorial
compreendida entre o final do século XIX (primeiros cartões editados), até a década de 1930.

Para este estudo, os cartões analisados são basicamente os da coleção de Arriada. Eventualmente
nos valemos de outras coleções, no caso, de Flávio Azambuja Kremer, Fausto José Leitão
Domingues, Nelson Nobre, Marcelo Degani, Leonardo Barbosa Lopes e João Reguffe.

A possibilidade de examinar um conjunto de postais faculta entender que essa coleção (ou
coleções), entreteceu ao longo do tempo a malha imperceptível da memória. São verdadeiros
tesouros, joias raras, apenas encontrados por “rastreadores” competentes. Disputados por
colecionadores, atingem valores expressivos nos sites de venda. Hoje são realmente considerados
documentos, sendo que no passado eram meros objetos de entretenimento. Le Goff (1992) nota
essa sutil mudança de perspectiva, ao salientar que não apenas os “Álbuns de família”, imagens
do passado dispostas em ordem cronológica, ordem das estações da memória social, evocam e
transmitem a recordação dos acontecimentos. Agora, “às fotografias tiradas pessoalmente junta-
se a compra de postais. Tanto as fotos quanto os postais constituem os novos arquivos familiares,
a iconoteca da memória familiar” (LE GOFF, 1992, p. 466).

Livraria Rio-Grandense de Ricardo Strauch

Casa comercial estabelecida em 1887, na cidade de Rio Grande, com direção de Ricardo Strauch.
Seu início foi penoso, contou inclusive com a colaboração da Livraria Evangélica, mas as
dificuldades eram enormes. Embora não mais contando com o apoio da Livraria Evangélica,
“Strauch suportou só o peso da luta diária para defender a existência do novo negócio e fazê-lo
progredir” (MONTE DOMECQ, 1916, p. 370).

A Livraria Rio-Grandense contava com duas seções, uma de livraria e outra de papelaria, além
de uma excelente oficina de tipografia e litografia, assim como uma seção de encadernação.
Rivalizando com os melhores estabelecimentos comerciais similares do Estado, recebeu medalha
de ouro na Exposição do Rio de Janeiro em 1908. O estabelecimento funcionava em “esplêndido
prédio” especialmente construído para esse fim, na rua Marechal Floriano 161 e 163. Mantinha
constantes relações comerciais com a Alemanha, efetuando suas compras de livros pela Casa
Theodor Thomas, de papel em Coblentz, pela Casa M. Mayer.

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Em 1896, abre filial em Pelotas com a denominação de Livraria Pelotense. Conforme notícia
veiculada na imprensa da época: “Livraria Pelotense. O Sr. R. Strauch nos comunica que abriu,
nesta cidade, à rua General Osório nº 162, a Livraria Pelotense, filial da Livraria Rio-Grandense,
que tem no Rio Grande. Como gerente da nova livraria e assinando o nome do proprietário, por
procuração, está o Sr. Gustavo Vogel” (A Opinião Pública, Pelotas, 22/10/1896).

Em ambas as cidades (Rio Grande e Pelotas), seus cartões postais tipo Gruss, ou seja, “Lembranças”,
estão entre os primeiros cartões publicados em nosso Estado. Alguns deles foram editados no
século XIX. Essa primeira série, denominada “Lembranças do Rio Grande do Sul”, são litogravuras.
Essa coleção retrata o contexto geral do Rio Grande do Sul. Até o momento, foi possível localizar
quatro cartões dessa coleção. São os seguintes:

1) Lembranças do Rio Grande do Sul. Constando as seguintes imagens: Porto do Rio Grande;
Igreja Bom Fim; Estação Central; Quartel General; Hospital da Caridade; rua D. Pedro II; Parque
(Coleção ARRIADA).

2) Lembranças do Rio Grande do Sul. Constando as seguintes imagens: No Sertão; Na Roça; Mato
Virgem; Fazendeiro; Onça. (GERODETTI: CORNEJO, 2004, p. 04).

3) Lembranças do Rio Grande do Sul. Constando as seguintes imagens (aquarelas): Forra da


Barra; Nova Colônia; Casa de Imigrantes; Crioula. (GERODETTI: CORNEJO, 2004, p. 13).

4) Lembranças do Rio Grande do Sul. Constando as seguintes imagens (aquarelas): Xarqueada;


Cavalos na Campanha; Campos dos Bugres (Coleção ARRIADA).

Embora não tratem especificamente de Pelotas, algumas dessas imagens são representativas da região.

Nos anos seguintes, há uma acentuada produção de diversos cartões (não mais aquarelas),
alguns em preto e branco, outros coloridos, muitos com dupla imagem. No geral são cartões
paisagísticos, isto é, reproduzem cenas do mundo urbano (prédios, praças, meios de transporte,
estabelecimentos comerciais etc.) e rural (vida no campo etc.).

Dessa casa editorial, ou seja, com a denominação de Livraria Pelotense/R. Strauch & Cia, temos
conhecimento de cinco cartões postais. São cartões editados entre 1900/1902, identificados
como “Lembranças de Pelotas”. Essa coleção reproduz em cada cartão duas imagens da cidade,
ambas posicionadas na parte superior do cartão, sendo as mesmas emolduradas. Os cartões são
em preto e branco, sem numeração. São os seguintes: 1. Clube Comercial/Praça 7 de Setembro;
2. Rua 15 de Novembro/rua General Osório; 3. Intendência de Pelotas/rua 15 de Novembro; 4.
Hotel Aliança; 5. Rua 15 de Novembro/Fábrica de cerveja Ritter & Irmão.

Com imagem da região de Pelotas temos conhecimento do seguinte cartão: Retiro (Rio Grande
do Sul), colorido. No reverso: R. Strauch, Liv., Rio-Grandense, Rio Grande.

Livraria Pelotense de Albino Isaacsson

A Livraria Pelotense nasce vinculada à firma de Ricardo Strauch. Em Rio Grande, sua denominação
é Livraria Rio-Grandense. Em Pelotas, recebe o nome de Livraria Pelotense. Conforme visto,
começa a funcionar em 1896, na rua General Osório. Primeiro sob a orientação de Gustavo Vogel,
assumindo depois Albino Isaacsson. Em 1902, Ricardo Strauch transfere ao seu genro Albino
Isaacsson, os direitos sobre essa livraria. O mesmo não apenas dá continuidade às atividades
desenvolvidas pelo antigo proprietário, como dinamiza ainda mais os seus negócios.

377
Em Pelotas, funcionou primeiramente na rua General Osório, e posteriormente na rua 15 de
Novembro, nº 224, quase esquina da rua Voluntários da Pátria. Em um singelo prédio de dois
andares, na parte inferior funcionava a livraria. Com duas largas portas voltadas para a rua e
uma vitrine onde as mercadorias estavam expostas, possuía um toldo que possibilitava certa
proteção aos transeuntes, o que com certeza a tornava convidativa, demonstrando um aspecto
acolhedor. Uma parada para admirar os objetos expostos na vitrine se fazia quase obrigatória. Seu
espaço interno era seguidamente visitado pela população pelotense, e, um dos seus mais assíduos
frequentadores, era Alberto Coelho da Cunha.

Contando com excelente e completo maquinário, podia executar as mais diversas e sutis atividades
tipográficas. Seus cartões postais são de altíssima qualidade gráfica, além de uma sensibilidade
profunda na captação dos ângulos das imagens.

Em 1903, com a razão social de Livraria Pelotense, Albino Isaacsson, lança uma série (com o
mesmo nome: Lembranças de Pelotas). São treze cartões numerados, com uma única imagem em
cada um deles, série em preto e branco. Fazemos o seguinte registro, dessa coleção localizamos
tanto cartões numerados como sem numeração. Nesse modo, fica difícil saber a numeração
correta. Quando não foi possível essa identificação, acrescentamos o sinal de interrogação. São
os seguintes: Número 1: Porto; Número 2: Estação da Estrada de Ferro – “Southern Brazilian
Rio Grande do Sul”; Número 3 (?): Mercado; Número 4: Fábrica de Cerveja de Carlos Ritter &
Irmão; Número 5 (?): Fábrica de Calçados; Número 6 (?): Lembrança de São Lourenço; Número 7:
Hotel Aliança – Pátio interior; Número 8: rua Andrade Neves – Edifício do Congresso Português;
Número 9 (?): Moinho Pelotense de Paulino T. da Costa Leite; Número 10 (?): Beneficência
Portuguesa; Número 11 (?): Beneficência Portuguesa; Número 12 (?): Escritório Plotino Duarte.
Número 13 (?): rua 15 de Novembro.

Em 1906, com o mesmo título “Lembranças de Pelotas”, lança uma nova coleção, agora todos
numerados e coloridos. São os seguintes: Número 1: Praça da República; Número 2: Praça da
República; Número 3: rua Félix da Cunha; Número 4: Clube Caixeiral; Número 5: rua Marechal
Floriano; Número 6: Mercado; Número 7: Santa Casa de Misericórdia; Número 8: rua 15 de
Novembro, esq. 7 de Setembro; Número 9: rua Andrade Neves; Número 10: rua Marechal Floriano;
Número 11: Praça da República; Número 12: rua 15 de Novembro.

Em 1914, ao falecer seu proprietário, a livraria acaba fechando as portas.

Livraria Americana

Embora conhecida como Livraria Americana, a razão social é Carlos Pinto. Uma das mais fortes
casas editorias do Rio Grande do Sul na produção de cartões postais (além de livros). Estabelecida
em Pelotas em 1871, num primeiro momento funcionou na rua Andrade Neves (nº 603), mais
tarde transfere sua loja para a rua 15 de Novembro. Abre filiais em Porto Alegre (1879) e Rio
Grande (1885). Em Rio Grande contou com a atuação de Alfredo Ferreira Rodrigues, fazendo o
nome dessa livraria ser referência em todo o país, em particular pela publicação do Almanaque
Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul que foi editado de 1889 até 1917, ininterruptamente.

Em diversos momentos de sua trajetória, a razão social da Livraria Americana é alterada, como
é o caso em 1901. “Os Srs. Carlos Pinto & C. Sucessores, firma representada há muitos anos
pelos Srs. J. P. de Souza Pinto e Eleutério Pereira Pinto, proprietários da Livraria Americana e
sócios capitalistas do Bazar Musical, nos participam que associaram aos ditos estabelecimentos seus
antigos interessados Srs. João Francisco da Fontoura e Joaquim M. Mascarenhas, sob a gerência do
Sr. Fontoura e com a firma Pintos & C., ao cargo da qual fica o ativo e passivo da extinta firma”6.

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Os primeiros cartões dessa firma foram emitidos em 1900 e retratavam vultos da história do Rio
Grande do Sul. A imprensa local dava ampla divulgação: “Cartões Postais. A conceituada Livraria
Americana acaba de prestar mais um importante serviço ao público, encetando uma série de
cartões postais, com o retrato dos homens notáveis do Rio Grande. O primeiro dessa série, que
ontem recebemos, traz o retrato do ilustre chefe do partido republicano, Dr. Júlio de Castilhos”
(Diário Popular, Pelotas, 22/09/1900).

Talvez os cartões postais dessa editora, em especial a série numerada, sejam os mais belos, raros e
valiosos. Essa série numerada de cartões foi editada entre os anos de 1903 a 1907. São 26 postais
numerados, com dupla e tripla imagem, apenas o número 22 com imagem única. Os primeiros
vinte retratam a cidade de Pelotas, os seis últimos, ou seja, do número 21 a 26, retratam São José
do Norte e Rio Grande.

Deste modo, temos: Número 1: um chalé na entrada do passo do Salso/entrada do passo do Salso;
Número 2: as pedras e o rio Piratini/ponte de Piratini; Número 3: telégrafo nacional/estação da
estrada de ferro; Número 4: rua Félix da Cunha (da rua 7 de Setembro à Benjamin Constant)/
rua Félix da Cunha (da rua Gal. Neto à praça da Igreja)/rua Félix da Cunha(frente à praça da
República); Número 5: Sta C. Caridade/Asilo de Mendigos/Beneficência Portuguesa; Número 6:
Bibliotheca Pública/Liceu; Número 7: Praça da República (exterior)/Praça da República (interior);
Número 8: Igreja Matriz/rua Gal. Victorino (da rua 16 à praça da Igreja)/rua Gal. Victorino
(da rua 16 à praça da República): Número 9: Ponte da rua 7 de Abril/Caixa d’agua; Número
10: Porto de Pelotas (estaleiro)/Porto de Pelotas (Praça São Domingos)/Porto de Pelotas (lado
do sul); Número 11: Livraria Americana/Bazar Musical/rua 15 de Novembro; Número 12: rua
Gal. Osório/rua Gal. Osório/rua Andrade Neves; Número 13: Intendência Municipal/Mercado;
Número 14: vista de Pelotas (lado oeste)/rua Mal. Floriano; Número 15: Fábrica de Chapéus – C.
G. Rheingantz/Fábrica de Cerveja – Ritter; Número 16: Fábrica de Farinhas/Fábrica de Cerveja
– Haertel; Número 17: Quinta na Cascata. Arrabaldes (três imagens); Número 18: Quinta na
Cascata. Arrabaldes/Cascata. Arrabaldes; Número 19: Palmeiras/Uma Quinta. Arrabaldes; Número
20: Clube Comercial/rua Gal. Neto; Número 21: Barra: Vista Geral/São José do Norte: Vista Geral;
Número 22: Praça Tamandaré e Igreja do Salvador; Número 23: Cais/Cais/Cais e Igreja do Carmo;
Número 24: Alfândega/Mercado/Doca; Número 25: Livraria Americana/rua Mal. Floriano/rua
Mal. Floriano; Número 26: Igreja Bonfim/Praça Alfredo Barboza.

Ainda nesse período foram lançados diversos cartões em preto e branco, com apenas uma
imagem, com o nome genérico de “Coleção da Livraria Americana”. Temos conhecimento de
apenas dois desses cartões relativos à Pelotas: Pelotas/Porto de Embarque; e Pelotas/rua Félix da
Cunha, frente Praça República.

Sob a chancela da razão social, Carlos Pinto & Cia, a Livraria Americana editou diversos cartões
que retratam a cidade de Rio Grande e Porto Alegre.

A Livraria Americana usava ostensivamente as páginas dos diários locais para divulgar a chegada
de novos cartões. “O mais extraordinário sortimento de Cartões Postais. Verdadeiras novidades
nunca vistas. Venda diária e constante de novidades em postais. A 100, 200, 300 e 400 réis.
Todas as semanas. Nova exposição de novidades. Na Livraria Americana” (A Opinião Pública,
Pelotas, 01/08/1904).

Em 1916, passando por dificuldades financeiras, a firma vai à falência, sendo seu acervo adquirido
pela Livraria Universal Echenique. Noticiava em suas páginas a imprensa de Pelotas: “Falência
Pinto & C.. Os liquidatários da massa falida de Pinto & C. aceitam propostas para compra do
acervo da mesma massa, constante das existências do estabelecimento denominado – Livraria

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Americana – nesta cidade e sua filial no Rio Grande, compreendendo mercadorias, máquinas,
utensílios, móveis, instalações, direitos editoriais e autorais sobre obras literárias ou outras, e tudo
quanto compõe o ativo, de acordo com os inventários que podem ser examinados no cartório
do escrivão Antão de Assunção. As propostas devem ser apresentadas ao Banco da Província
nesta cidade, em cartas lacradas, e serão abertas no dia 28 de fevereiro, às 15 horas, perante os
interessados presentes. Os liquidatários. Banco da Província, Banco Pelotense” (A Opinião Pública,
Pelotas, 02/02/1917).

Editora Meira

Estabelecimento gráfico criado em 1896, conforme notícia veiculada na imprensa local: “Sabemos
que o nosso amigo Sr. Francisco de Paulo Meira, antigo empregado da Livraria Universal, vai
brevemente estabelecer nesta cidade um importante estabelecimento para venda de livros, papel e
objetos de escritório. A nova casa terá uma bem montada oficina tipográfica e de encadernação”7.

Poucos dias depois, o jornal A Opinião Pública publicava em suas páginas a relevância dessa nova
livraria: “Livraria Comercial. Com esta denominação, breve será aberta à concorrência pública,
nesta cidade, uma nova e bem montada livraria, propriedade dos Sr. José Luiz de Souza Lima
e Francisco Meira, sob a firma de Souza Lima & Meira. Essa livraria, que começará a funcionar
com os melhoramentos mais aperfeiçoados da arte tipográfica e cromolitografia, será localizada
no prédio quase reconstruído à rua Andrade Neves, onde foi a fotografia Amoretty, e do qual é
proprietário o Sr. Francisco de Brito Gouvêa8.

Em 1900 Francisco Meira assume a responsabilidade da empresa. A participação do mesmo na


Exposição Estadual de 1901, ocorrida em Porto Alegre, levou-o a lançar no ano seguinte, ou seja,
em 1902, uma série de cartões postais retratando a cidade de Pelotas, eventualmente os arredores,
ou até mesmo vistas de cidades vizinhas. Posteriormente abre filial na cidade de Rio Grande. A partir
de 1907, muda a razão social da empresa, passando agora a denominar-se Meira & Cia.

O mais antigo cartão postal dessa casa editorial data de 1900, ainda com a razão social de Souza
Lima & Meira – Livraria Comercial. Reproduz parte da rua Andrade Neves, 116, onde aparece
a fachada da Livraria Comercial. Esse cartão é colorizado e faz parte do Laboratório de Acervo
Digital (UCPel).

Entre 1902 e 1904, lança no mercado uma série de 70 cartões numerados. Até o presente momento,
apenas não temos conhecimento do cartão número 64. Muitos cartões dessa série reproduzem
imagens da cidade de Rio Grande, assim como os arredores de Pelotas. Eventualmente alguns
cartões dessa série (provavelmente por lapso), acabaram sendo lançados sem constar a numeração,
outros sem as inscrições, às vezes sem a referência da casa editorial, o que acaba dificultando
saber se determinado cartão é o que falta para a série. Os indícios constantes nos cartões (tipo de
imagem, modelo de letra, qualidade gráfica, postagem etc.), nos permitem saber serem dessa casa
editorial, assim como serem dessa série numerada. Mas não necessariamente qual a sua numeração.
Por exclusão, deduzimos ser dos poucos números em aberto. Caso por exemplo dos cartões de
número 43 e 44. Essas variáveis (com falhas), a título de exemplo reproduziremos no texto.

Assim dessa primeira série numerada temos: Número 1: rua Marechal Floriano; Número 2: rua XV
de Novembro; Número 3: rua Félix da Cunha; Número 4: Igreja Matriz; Número 5: rua Marechal
Floriano; Número 6: Praça da República; Número 7: rua XV de Novembro; Número 8: Congresso
Português; Número 9: Estação da E. de Ferro; Número 10: Penitenciária; Número 11: Hospital
da Misericórdia; Número 12: Hidráulica Pelotense; Número 13: carreteiros em descanso; Número
14: carreta de bois; Número 15: Intendência e Bibliotheca Pública; Número 16: Regatas; Número

380
17: festa gaúcha; Número 18: recepção do Ministro Alemão – Barão von Jreutler (1); Número
19: recepção do Ministro Alemão – Barão von Jreutler (2); Número 20: carreta de bois; Número
21: Beneficência Portuguesa; Número 22: Avenida do Parque (Sousa Soares); Número 23: Clube
Comercial; Número 24: Mercado; Número 25: Praça da República (Lago); Número 26: Estação
Piratini (O Passo); Número 27: Parque Pelotense; Número 28: Estação Piratini (as pedras no
Passo); Número 29: Charqueada (varais); Número 30: Charqueada (enfardação); Número 31:
Charqueada (vista geral); Número 32: Cascata no Arroio Andrada; Número 33: Margem do Arroio
Andrada; Número 34: Parque Pelotense; Número 35: Pelotas (vista pela Praça Constituição);
Número 36: Parque Pelotense (inauguração da Capela); Número 37: Retiro; Número 38: Parque
Pelotense; Número 39: Parque Pelotense; Número 40: Parque Pelotense; Número 41: Parque
Pelotense; Número 42: Parque Pelotense; Número 43(?): Prédio da Casa Bancária de Plotino
Amaro Duarte (rua Andrade Neves 169. Esq. General Neto); Número 44(?): Xavier & Irmão; Número
45: Ginásio Gonzaga; Número 46: Bibliotheca Pública Pelotense; Número 47: desembarque de
gado; Número 48: Mercado; Número 49: Bibliotheca e Intendência Municipal; Número 50: Igreja
Matriz; Número 51: Praça da República; Número 52: Clube Caixeiral (em construção); Número
53: ponte de pedra e Fábrica de Cerveja Ritter; Número 54: Alfândega (Rio Grande); Número 55:
Estação Central (Rio Grande); Número 56: Igreja do Salvador (Rio Grande); Número 57: Praça da
República; Número 58: rua 15 de Novembro; Número 59: rua Marechal Floriano (Rio Grande);
Número 60: Fábrica de Charutos Poock & C. (Rio Grande); Número 61: Beneficência Portuguesa
(Rio Grande); Número 62: rua Marechal Floriano (Rio Grande); Número 63: rua Riachuelo (Rio
Grande); Número 64(?); Número 65: Intendência Municipal (Rio Grande); Número 66: Cais – Rua
Riachuelo (Rio Grande); Número 67: Pelotas (E. Teodósio); Número 68: Hidráulica; Número 69:
Ponte da E. de F. sobre o Rio S. Gonçalo; Número 70: tropa em pastoreio.

Dessa série, alguns cartões são colorizados: 24, 25, 27, 43, 48, 49, 50, 51, 57, e 69. Os mesmos
começam a ser lançados no mercado no ano de 1903, conforme noticiava a imprensa da época:
“Cartões postais: a Livraria Comercial está vendendo uma nova coleção de bilhetes postais de sua
edição com vistas coloridas de pontos desta cidade”9. Alguns deles foram editados em preto e
branco, e colorizados, temos conhecimento de: 43, 49, 50, 51, 57, 69.

Com qualificado grupo de tipógrafos, um parque gráfico moderno e atualizado, com fotógrafos
argutamente registrando diversos aspectos da cidade, e tendo a sensibilidade de mostrar nuances de
um mundo que começava a desaparecer (mundo rural), os diversos cartões da Meira, com elevado
requinte gráfico, descortinam quase todos os cantos, recantos, becos, ruas, praças, prédios e tipos
sociais de uma cidade que se modifica rapidamente. Em permanente contato com o mundo exterior,
acompanhavam os avanços técnicos e as mais recentes novidades eram logo incorporadas à sua
matriz. Em nota publicada em jornal, a Livraria Comercial anunciava a todos: “Tipografia. Estando
esta nova casa com o seu esplêndido material trabalhando, desde já, aceita encomendas de qualquer
trabalho tipográfico, pois, além de possuir o que há de melhor em tipos, dispõe de pessoal habilitado.
Dispondo a nossa casa de ativos correspondentes em França, Alemanha, Inglaterra, Suíça e Norte
América, acha-se em condições de satisfazer aos nossos fregueses as melhores vantagens, garantindo-
lhes que a nova Livraria Comercial vende barato. A concorrência estabelece a barateza”10.

Rotineiramente nas páginas dos jornais eram veiculadas notas sobre a venda de cartões postais
dos mais diversos tipos: “Livraria Comercial. Bilhetes Postais. Deslumbrante sortimento. Variedade
enorme. Acaba de chegar a mais elegante e a mais variada coleção de cartões bromuro, preto
e colorido, cromo, crayon imitação oleografia, sépia, etc., etc., composta de postais para todos
os gostos. Flores, paisagens coloridas, frutas, tipos de mulheres elegantes, formosas crianças em
grupos e cabeças, cenas interessantes em coleções e cartões avulsos, art nouveau etc. Preços 100,
200 e 300 rs. Grande e permanente exposição. Aviso: não se dão amostras”11.

381
Entre os anos de 1903 e 1906, novos cartões são produzidos. Com a razão social F. Meira,
são os seguintes: Livraria Comercial (fachada); Oficinas da Livraria Comercial; Livraria Comercial
(parte interna). Razão social Edição Meira: Hotel Aliança; Praça das Carretas e Circo de Touros;
Santa Casa. Com a razão social Livraria Comercial temos: Ginásio Gonzaga (colorizado); com
números: 08.03410: Fábrica de Sabão e Velas – Serraria a vapor Ribas & Silva; 07.10629: Santa
Casa (colorizado); 07.26953: Fábrica Aliança Leite, Nunes & Irmão; 07.5467: rua Andrade Neves;
07.5468: Ginásio Gonzaga; 07.5469: Intendência Municipal; 07.5470: Capela N.S. da Luz;
07.5471: Clube Comercial; 07.5472: Clube Caixeiral; 07.5473: Fábrica Ritter e Arroio S. Bárbara.

Na década de 1910, com a razão social Meira & Cia, outra série é lançada. Sua numeração é no
anverso. Conhecemos: Números 3200: Ginásio Gonzaga; 3201: Tipos Populares (Dominguinhos);
3202: Capela da Luz; 3203: Ponte da Estrada de Ferro; 3204: Estação Cerrito e Arroio Piratini;
3205: Caixa D’água; 3206: rua General Osório; 3207: Praça Floriano Peixoto; 3208: Igreja do
Redentor; 3209: rua Marechal Floriano; 3210: Mercado Público?12; 3211: Ginásio Pelotense;
3212: rua 15 de Novembro; 3213: ponte sobre o Arroio Piratini?13; 3214: Praça da República;
3215: Estação da Estrada de Ferro; 3216: ponte da rua 7 de Abril; 3217: Clube Comercial; 3218:
Escola de Agronomia e Veterinária; 3219: rua General Osório; 3220: rua Andrade Neves; 3221:
Estação da Estrada de Ferro (desembarque)?; 3222: Praça da Constituição; 3223: Centro de Alfafa
(zona rural); 3224: Beneficência Portuguesa; 3225 (?); 3226: Fábrica Ritter e Arroio S. Bárbara;
3227: Clube Caixeiral. É bem possível existirem outros. Esse é o quadro do conhecimento atual
que temos.

Livraria Universal

A inauguração da livraria ocorre na noite de 7 de dezembro de 1887, em prédio localizado na


rua 15 de Novembro, entre General Neto e 7 de Setembro. Em peculiar reportagem do jornal
A Opinião Pública, era registrado que essa casa editorial fora fundada pelos irmãos Echenique,
Carlos e Guilherme. Era isso pelo tempo da acesa propaganda republicana14. Ao findar o ano de
1893, transferem o estabelecimento para o prédio especialmente construído para essa finalidade,
ou seja, um grande empório comercial de livros, passando a funcionar na confluência das ruas 15
de Novembro com 7 de Setembro. A sede estava situada num ponto nevrálgico da vida cultural
da cidade.

A casa progrediu; continua a notícia, instalou filial no Rio Grande e depois em Porto Alegre. Com
pequenas modificações temporárias, a rubrica Echenique apareceu sempre na sua constituição.
Tem diversas edições, de propriedade exclusiva advinda da compra dos manuscritos, quase todos
de bibliografia rio-grandense (...). A sua bem montada seção de obras gira em constante atividade.
A matriz emprega 26 auxiliares, nas várias seções. Atualmente estão separadas as casas de Porto
Alegre e Pelotas-Rio Grande. Estas obedecem à direção dos Srs. Martins Echenique e Alberto E.
Leite; aquela é de propriedade do Sr. Carlos Echenique15.

Suas oficinas estavam divididas em seções de tipografia, impressão, douração, pautação e


encadernação. Em 1922, foram instaladas máquinas modernas de imprimir, coser a fio, grampear
e dobrar, permitindo ampliar vantajosamente a capacidade produtora da seção industrial. De
acordo com reclames publicados na imprensa local (jornais e almanaques), suas oficinas a vapor
estavam aparelhadas para os mais diversos tipos de serviço, seja em livros em branco, escriturações
oficiais e comerciais, álbuns para desenho, para pintura, para música. Imprimiam com a “maior
presteza” elegantes participações de casamento, cartões de visita, programa para bailes, menus
para banquetes, cartões postais etc.

382
Em 1934, conforme notícia publicada no jornal A Opinião Pública, enquanto livraria encerra as
suas atividades, permanecendo apenas o funcionamento das oficinas tipográficas: “Liquidação da
Livraria Universal. Os Srs. Echenique & Cia., proprietários da Livraria Universal, resolveram fechar
a sua seção de varejo, à rua 15 de Novembro, esquina 7 de Setembro, pois na próxima semana
transferirão o saldo existente para as oficinas à rua Gomes Carneiro, defronte à Beneficência
Portuguesa. A mesma firma continua a receber encomendas de trabalhos gráficos, livros em
branco etc.16

Em relação à edição de cartões postais, constatamos que os primeiros cartões postais lançados
foram em 1901, mas não retratam Pelotas, mas sim Porto Alegre: Exposição Estadual realizada
na capital e a Escola de Engenharia, Artes e Ofícios de Porto Alegre.

Entre 1906 e 1908, lança uma coleção de excelentes cartões, tanto no aspecto artístico, como
gráfico. Conhecemos 11, todos em preto e branco: rua S. Miguel; Intendência Municipal; Praça
da República; rua General Neto/Clube Comercial; Beneficência Portuguesa; Matriz; Mercado; rua
Andrade Neves; Porto de Embarque; rua Félix da Cunha; Caridade (Santa Casa).

Nos anos de 1915/1917, lança uma série numerada, da qual temos ciência de 27 números. A
qualidade gráfica permanece boa e os cartões possuem um leve brilho acentuado nas legendas.
Conhecemos os seguintes: Número 1: Mercado; Número 2: Praça da República; Número 3:
Intendência; Número 7: Praça da República (chafariz e C. Caixeiral)?; Número 8: rua 15 de
Novembro (trecho Praça República); Número 9: Banco Pelotense; Número 10: Teatro 7 de Abril;
Número 11: Catedral; Número 12: rua General Osório; Número 13: L. Universal (prédio próprio
– Pessoal das off.); Número 14: Mercado (rua Andrade Neves); Número 15: Tiro 31 (parada na
Praça da República); Número 16: Praça da República (canteiros); Número 17: Praça da República
(chafariz e C. Caixeiral); Número 18: entrada do Parque Pelotense; Número 19: entrada do
Parque Pelotense (outro ângulo); Número 20: Praça da República (lago); Número 22: Praça da
República; Número 23: pavilhão do Sport Club Pelotas; Número 24: batismo da Bandeira dos
Escoteiros; Número 25: Sport Club Pelotas (inauguração do campo); Número 26: Parada Militar
no prado Pelotense em 14 de julho; Número 27: S. C. Pelotas (pavilhão para o povo).

Por fim, lança no mercado outra coleção numerada com mais de 200 cartões, o número mais alto
de que temos conhecimento é o 224. O primeiro número dessa coleção que temos notícia é o de
número 100. Em razão desse fato, e por nunca termos visto nas diversas coleções pesquisadas
nenhum cartão abaixo dessa numeração, trabalhamos com a hipótese de ser continuação da
série acima arrolada. Provavelmente ao perderem o controle de quais números lançados, optaram
por seguirem editando a partir do 100. Essa coleção tem início em 1919, conforme datação de
exemplares circulados. A qualidade gráfica das imagens deixa a desejar, assim como o papel
empregado para a fabricação, o que evidencia uma popularização do cartão postal. Talvez um
dos motivos seja baratear os preços e atingir um grande público. Embora monocromados, diversas
cores são utilizadas para cada cartão, assim temos: azul claro, azul escuro, marrom, verde, preto,
bege e cinza. Conhecemos os seguintes números: 100, 101, 102, 104, 107, 112, 117, 123, 127,
140, 162, 163, 164, 165, 167, 177, 179, 182, 193, 195, 196, 196a, 202, 209, 213, 214, 219,
221, 223 e 224.

Casa Filial Krahe & Cia.

Firma estabelecida em Porto Alegre na rua General Vitorino, inicialmente denominada


Estabelecimento Tipográfico de Germano Gundlach & Cia. Conhecida e afamada por editar
durante muitos anos o famoso Anuário do Rio Grande do Sul17, dirigido por Graciano Alves
de Azambuja, com a razão social de Gundlach & Cia. Muitos dos livros impressos por essa

383
firma eram em alemão e francês. Fabricava, ainda, circulares, contas, recibos, relatórios, convites,
cartões postais etc. Posteriormente a razão social muda para Krahe & Cia. Manteve uma linha
editorial de livros instrutivos e importava em grande escala. Além de livros, papéis, artigos para
escritório, pianos, brinquedos, objetos de arte e miudezas.

Em Pelotas, a Casa Krahe foi estabelecida em 1912, localizando-se na rua XV de Novembro 637,
prédio de esquina com a rua General Neto. Funcionava aqui como Livraria Bazar. Ocupava a parte
térrea do imponente sobrado existente na época. Na década de 1970, esse local foi demolido,
sendo construída a agência do Banrisul. Em relação à publicação de cartões postais relativos a
Pelotas, lança no mercado primeiramente uma coleção colorida. São cartões de elevada qualidade
gráfica e plastificados. Editados nos anos de 1913/1915, não são numerados e parte de sua
distribuição e venda era realizada por Antônio André Pinto. Temos conhecimento dos seguintes:
Praça da República, Pelotas – vista do Porto, Intendência, rua 15 de Novembro (entre 7 de
Setembro e General Neto), rua 15 de Novembro (entre Neto e Voluntários), Praça da República
(chafariz), Club Caixeiral, Santa Casa.

Em 1920, é editada uma nova série, porém, em preto e branco. Em relação à série colorida, eles
perdem em qualidade, embora ainda mantenham um razoável projeto gráfico. Do mesmo modo
que a série colorida, são cartões sem numeração. Sabemos dos seguintes: Mercado Público, rua
Andrade Neves, Liceu e Universidade, Pelotas Pitoresco (Arroio Santa Bárbara), Praça da República
(lago), Teatro 7 de Abril, edifício do Banco Pelotense, Praça da República, Pavilhão do Tênis
Sport Club Pelotas, Sport Club Pelotas, Sport Club Pelotas (campo), Igreja do Redentor, Praça da
República (ao fundo Club Caixeiral), Entrada do Parque Souza Soares, Farol do Estreito (Lagoa
dos Patos), Farol de Itapuã18, Intendência Municipal, edifício do Banco Nacional do Comércio,
Bibliotheca Pública, rua 15 de Novembro, Santa Casa de Misericórdia, Pelotas Pitoresco (ponte
de pedra).

No ano de 1925 encerra suas atividades comerciais em Pelotas19.

Casa A Miscelânea

Muito pouco sabemos dessa casa editorial. Sua matriz era em Porto Alegre, com filiais em diversas
cidades. Seu proprietário era S. Leonetti. Em Pelotas sua sede estava localizada na rua 15 de
Novembro, entre as ruas Sete de Setembro e General Neto. Seus cartões eram impressos na
capital. A Miscelânea editou cartões que retrataram diversas cidades do Rio Grande do Sul.
Algumas de suas séries ultrapassaram mais de 100 cartões (caso de Porto Alegre). A cidade de
Pelotas teve duas séries de 12 cartões, uma colorida e outra em preto e branco, em ambas as
séries as imagens são as mesmas. Foram editados entre 1910 e 1912.

Estão representadas as seguintes imagens: Número 1: Asilo de órfãs; Número 2: ponte do Ramal;
Número 3: estrada de Ferro; Número 4: Ginásio Pelotense; Número 5: Hidráulica Pelotense
(reservatório); Número 6: Praça Marechal Floriano Peixoto; Número 7: rua 15 de Novembro;
Número 8: Intendência Municipal e Liceu de Agronomia; Número 9: Porto, Cais e Praça Domingos
Rodrigues; Número 10: Capela de N. Senhora da Luz; Número 11: ponte da rua 7 de Abril (sobre
o Rio S. Bárbara); Número 12: Capela do Redentor.

Ainda em 1910, edita alguns cartões coloridos, identificados por letras em vermelho, porém sem
numeração. Conhecemos quatro desses cartões, todos retratando o Parque Pelotense: entrada
principal do Parque Pelotense; parte do jardim exterior; avenida principal do Parque Pelotense;
uma vista da Pelotas Granja (Parque Pelotense).

384
Nos anos de 1918, lança outra série numerada (coloridos): Número 1: Praça da República (lago);
Número 2: Praça da República (lago); Número 3: Praça da República (ilha); Número 4: Praça
da República (rua 15 de Novembro); Número 5: Praça da República (Club Caixeiral); Número
6: Santa Casa de Misericórdia e Reservatório Hidráulico; Número 7: Arroio Sta. Bárbara e Praça
Floriano Peixoto. Não temos conhecimento de outros números.

Editora José Regina

Outra casa editorial foi a Editora José Regina, que emitiu diversos cartões com imagens de
Pelotas, além de outras cidades do Rio Grande do Sul como, por exemplo, Porto Alegre, Rio
Grande e Bagé. A maior parte desses cartões era impresso na Itália, pelo estabelecimento Dalle
Nogare & Armetti – Milano. Dessa casa editorial temos o seguinte conhecimento: são cartões de
um azul esverdeado forte, de alta qualidade gráfica, muitos desses privilegiam, além dos prédios,
diversos movimentos de agrupamentos humanos, como manifestações, atos públicos, recepções
etc. Foram lançados na década de 1920. Alguns cartões são panorâmicos, ou seja, são cartões
com dimensões maiores (28 mm x 9mm).

A série de cartões que retratam Pelotas é a seguinte: Número 1: Catedral; Número 2: rua General
Neto; Número 3: Santa Casa de Caridade; Número 4: S. Excia. Remva. O Bispo frente da Catedral;
Número 5: Estação da Estrada de Ferro; Número 6: Igreja da Luz; Número 7: Pedreiras granito
no Capão do Leão; Número 8: Capão do Leão; Número 9: Intendência Municipal; Número 10:
Mercado Central; Número 11: Igreja do Redentor; Número 12: Bibliotheca Pública; Número 13:
trecho da Praça da República (28 mm x 9mm); Número 14: Praça 15 de Novembro; Número
15: trecho da Praça Marechal Floriano; Número 16: trecho da rua 15 de Novembro; Número
17: Praça da República; Número 18: Theatro Guarany; Número 19: Cemitério Católico (28mm x
9mm); Número 20: panorama de Pelotas (31mm x 9mm).

A. Ribeiro

Casa editorial do Rio de Janeiro que editou magníficas coleções de postais, principalmente do
Rio. Relativo a Pelotas foram lançados alguns a partir de 1913. Essa datação foi possível tendo
como base o funcionamento da casa. Quando da edição de cartões com imagens de Pelotas,
a firma estava estabelecida na rua Ambrosina 25. São belos postais, todos de um azul claro,
levemente fosco. A distribuição em Pelotas estava sob a responsabilidade de Antônio André Pinto.

Segundo Elysio de Oliveira Belchior, A. Ribeiro iniciou suas atividades por volta de 1902, estando
datados deste ano exemplares portadores da numeração mais baixa e impressos em papel
acetinado. A 15 de julho de 1905 anunciava comprar “clichés” de vistas do Rio de Janeiro, em
sua fábrica, à rua Senador Alencar, 25 (São Cristóvão), seu primeiro endereço. Posteriormente
transferiu-se para a Travessa Ambrosina, 1, depois 25, mais tarde promovida a rua. Através de
exame de amostra com cerca de 50% de exemplares de seus cartões postais, remetidos pelo
correio, pode-se balizar a época em que prevalece cada um dos endereços: rua Senador Alencar,
1903/4; Travessa Ambrosina, 1, 1906/7; Tr. Ambrosina, 25, 1910 e rua Ambrosina, 25, além de
1913. Muitas das fotos por A. Ribeiro publicadas encontram-se estampadas em outros anônimos
cartões e, por conta alheia, os imprimia de várias cidades do País20.

Relativos a Pelotas conhecemos os seguintes: Santa Casa de Misericórdia; rua Marechal Floriano;
Praça da República (podemos ver o Mercado, Intendência e Bibliotheca); Praça da República
(prédios da Félix da Cunha); Theatro 7 de Abril; Porto de Pelotas; Praça da República (monumento);
rua 15 de Novembro.

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Livraria do Globo

Estabelecimento gráfico criado em 1883 na cidade de Porto Alegre, pelo imigrante português
Laudelino Pinheiro Barcelos. Sua razão social era L.P. Barcellos & Cia., depois com o ingresso de
José Bertaso, passa a denominar-se Barcellos, Bertaso & Cia. As suas vendas se estendem a quase
todo o Estado, sendo ela a casa que fornece livros, tinta, papel, máquinas de escrever, objetos de
escritório, impressos de toda classe etc.

Logo essa casa editorial será das mais fortes de todo o Estado. Em 1920, abre a filial em Pelotas,
estabelecendo-se numa das principais ruas, com a fachada principal voltada para a 15 de Novembro
573, existindo outra entrada pela Andrade Neves 462 (oficinas). Esse local hoje é ocupado pela
Galeria Central. A direção da Livraria do Globo em Pelotas ficou sob a responsabilidade de José
L. Meira e Higino Machado, sendo que este, desde a juventude, exerceu a sua atividade como
auxiliar da firma, tendo sido, por muitos anos, subgerente da filial de Santa Maria.

Durante certo período (anos 50), a administração da filial de Pelotas era de responsabilidade de
Paulo Bertaso, sendo gerente da Livraria, Simão Isaacsson.

Com moderno parque tipográfico executava os mais diversos serviços. A filial em Pelotas estava dotada
de todos os aperfeiçoamentos necessários à impressão e encadernação de qualquer espécie de obras
literárias, recreativas ou científicas, e ainda a rápida e perfeita fabricação de toda classe de “clichés”.

Muda-se depois para a rua Marechal Floriano, atuando primeiramente à direita (direção Praça –
Andrade Neves), sendo que no andar inferior ficava a papelaria e no superior a venda de livros.
Por questões estruturais do prédio, transfere-se para o outro lado da rua, último local onde a
mesma funcionou até o fechamento.

Em relação a postais, edita duas séries de cartões. Em 1920 lança no mercado uma série não numerada
e identificada pelas letras em vermelho na descrição da imagem. Dessa coleção conhecemos: Colégio
São José; Bairro Simões Lopes; Praça da República (face da Intendência); Praça da República (face
rua Félix da Cunha); Asilo de Mendigos; Colégio São Francisco e Asilo de Órfãs; Beneficência
Portuguesa; Ginásio Gonzaga; Estação; rua General Osório; Bibliotheca e Intendência; Mercado
Central; Santa Casa de Misericórdia; Theatro Guarany; Frigorífico; Banco Pelotense; Parque Souza
Soares; rua 15 de Novembro; Catedral; rua Marechal Floriano; Club Comercial.

Entre 1926/1928, lança outra série de cartões. As identificações dos locais, agora não mais em
vermelho, mas em preto e outros em dourado. Conhecemos quatro desses cartões, e todos tratam
de aspectos diversos da Praça Coronel Pedro Osório.

Outras casas editoriais

Neste texto procuramos sucintamente caracterizar as principais casas editorias que imprimiram
cartões postais. Mesmo não sendo possível historiar todas (embora seu papel fundamental na
história gráfica da cidade), não podemos deixar de mencionar nem que seja de forma breve, a
relevância de outras edições.

A Santa Casa de Misericórdia edita uma série numerada de dez postais, os quais retratam essa
instituição tanto por fora, como por dentro. São cartões da década de 1910.

O Ginásio Gonzaga edita duas séries de postais, ambas em preto e branco: uma na década de 10,
da qual conhecemos quatro cartões, e outra na década de 20, com 11 cartões.

386
A Édition de la Mission de Propagande edita, nas primeiras décadas do século XX, três postais:
rua Félix da Cunha; Intendência Municipal; Un Faubourg de Pelotas. Esse último apresenta uma
bela vista da ponte de pedra no arroio de Santa Bárbara.

A gráfica do Parque Souza Soares edita alguns cartões, todos alusivos ao Parque Souza Soares.
São editados em diversas cores: marrom, vermelho, azul, e preto/branco.

Temos ainda as séries da Coleção Brasiliana21: cartões editados sob a responsabilidade de João Simões
Lopes Neto. A primeira série data de outubro de 1906, sendo 25 cartões numerados (o número 20
possui uma variante). A denominação dessa série é a seguinte: Coleção Brasiliana de vulgarização
dos fastos da história nacional em 12 séries de 25 ilustrações22. São postais ricamente ilustrados e
coloridos, retratando particularmente símbolos representativos da história do Brasil. A primeira série
foi editada pelo Estabelecimento Gráfico Chapon, sob a responsabilidade de Eduardo Chapon.

A segunda série, também formada por 25 cartões, não alcança a qualidade gráfica da primeira
série. Foram impressos em 1908. É constituída principalmente pela reprodução de quadros com
motivos da história pátria, além de apresentar também estátuas e monumentos. O cartão de
número 25 reproduz a imagem de São Francisco de Paula (Pelotas). Por equívoco tipográfico,
repete-se o número 13 duas vezes, ou seja, o cartão com a imagem da Estátua de José Bonifácio,
assim como o cartão A Batalha de Campo Grande (quadro de Pedro Américo), acabaram contando
como de número 13. As reproduções fotográficas dessas imagens foram executadas por Brisolara.
Não se tem comprovação de qual gráfica teria impresso essa série. Consideramos as ponderações
de Flávio Azambuja Kremer, ou seja: “tudo leva a crer que os postais tenham sido criados no
mesmo salão de artes gráficas do talentoso francês Eduardo Chapon. Tal hipótese de minha parte
baseia-se no papel do anverso e do verso do postal, como, também, no tipo de letras empregadas
pela tipografia, principalmente no verso do documento”23. A essas perquirições, acrescentamos
outra: o tipo de traçado para a escrita é idêntico em ambas as séries.

Há uma diversidade de outros cartões feitos pelas mais variadas casas editoriais, além de cartões
sem identificação, que em muitos casos são firmas comerciais que aproveitam esse suporte para
divulgar suas empresas. O que podemos afirmar é que esse universo todo começa a despertar
interesse, curiosidade e paixão. Aos poucos vão sendo recuperados e estudados, permitindo
descortinar facetas de certos períodos (no geral o da belle époque). Sobre esses aspectos, Belchior
(1986) escrevia que os anos fugiram rápidos, os gostos modificaram-se, a sociedade tão segura
de si debateu-se em crises e tais relíquias, desprezadas por seus próprios donos, ou herdeiros
desinteressados, muitas vezes tiveram como destino fatal a cesta de papéis usados, ou algum
desvão da casa, onde permaneceram, anos a fio, sujeitas aos ultrajes do tempo ou à voracidade
de insetos e roedores. Quantas, conservando a única imagem de algum fato ou lugar que se foi,
não se transformaram em tristes ruínas de papel.24

Considerações finais
Impossível tentativa de enraizamento, o postal parece revelar o minucioso trabalho que incide na
conquista da paisagem pelo olhar do viajante. A conjunção que se estabelece entre o texto e a
imagem, sublinha a atitude deliberada do remetente em persuadir o destinatário a compartilhar,
ao seu modo, o gosto da viagem. De uma maneira ou de outra, o cartão procura estabelecer uma
comunicação entre ausentes e assim restituir uma distância25.

Inicialmente, os cartões eram confeccionados usando-se técnicas artesanais de impressão que


remetiam à tradição das estampas e gravuras. O desenvolvimento dos processos de reprodução

387
de imagens derivados da fotografia possibilitou uma qualidade gráfica superior e, ao mesmo
tempo, um aumento das tiragens e a diminuição dos custos de produção, contribuindo para sua
popularização. Contudo, no avançar do século esse tipo de documento foi perdendo vitalidade
e seu uso findou-se. Foi substituído sem pena ou consideração pelo telégrafo, telefone, e nos
dias atuais pelo correio eletrônico. Ao mesmo tempo que perdeu a sua razão de ser, não foi
somente esquecido, foi destruído. Dos milhões de cartões editados, sobraram apenas alguns,
restos, resquícios de uma era mágica.

Ontem como hoje, a vida pulsa nas ruas, nas casas de comércio, nas praças, nos prédios. A
imaginação e a fantasia encontram formas de burlar os poderes invisíveis e institucionalizados.
Há sempre um pouco de teatralidade nas figuras e cenas aparentemente estáticas dos cartões
postais. Ficam cristalizadas cenas de um tempo perdido. Cada gesto que a fotografia petrificou
engloba um cotidiano de cheiros e sons, de palavras e sonhos, de utopias e frustrações.

Embora tenhamos plena consciência da importância deste trabalho, sabemos também que
enormes lacunas serão apontadas em estudos futuros. Esta é uma tentativa de começar um
certo “mapeamento” das casas editoriais que dedicaram-se a emitir cartões postais de Pelotas.
Esses singelos e precários suportes de imagens foram no passado objeto de veneração e motivo
de colecionismo, com as novas tecnologias acabaram relegados ao esquecimento. Talvez com
dedicação, empenho e certa dose de paixão, possamos constituir, num futuro próximo, acervos
relevantes que possibilitem pesquisas mais aprofundadas e exaustivas.

A diversidade de registros fotográficos assumiu a condição de fonte importante de estudo da


sociedade contemporânea. A fotografia como um produto cultural transformou-se em objeto de
estudos de semiólogos, antropólogos, sociólogos, historiadores etc.

A fotografia registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo presente que logo se
torna passado. Os álbuns de família são um exemplo de como esse suporte material da imagem
serve de registro da memória. Rever fotos significa relembrar, rememorar ou mesmo “ver” um
passado desconhecido.

É preciso entender que a fotografia é apenas uma representação do real. Existe sempre um
sujeito por trás da máquina fotográfica. E também a manipulação da fotografia por ele, apesar
da aparente neutralidade da imagem produzida pelo aparelho mecânico. A escolha do espaço,
das pessoas em determinadas posturas, a luminosidade, o destaque a determinados ângulos das
pessoas ou dos objetos ficam a critério do fotógrafo. É sempre necessário perguntar o que está
sendo fotografado, a fim de compreender por que e para que algumas fotografias foram feitas.
Uma foto é sempre produzida com determinada intenção, existem objetivos e há arbitrariedade
na captação das imagens.

Referências
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08/11/1991.
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_____. Idem, “Livraria Universal”. In: Diário Popular, Pelotas, 11/02/2005.
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Notas do pesquisador
3
DINIZ, C. João Simões Lopes Neto: uma biografia. Porto Alegre: AGE/UCPEL, 2003, p. 217.
4
Idem, p. 219.
5
A Opinião Pública, Pelotas, 08/03/1899.
6
Livraria Americana. A Opinião Pública, 04/03/1901.
7
Nova Livraria. Diário Popular, Pelotas, 16/07/1896.
8
Livraria Comercial. A Opinião Pública, Pelotas, 19/09/1896.
9
Correio Mercantil, Pelotas, 09/08/1903.
10
A Opinião Pública, Pelotas, 23/12/1896.
11
Livraria Comercial. Correio Mercantil, Pelotas, 05/07/1904.
Infelizmente o reverso desse cartão encontra-se danificado, não possibilitando a leitura da numeração, por exclusão arrolamos
12

num dos números que falta.


13
Mesmo caso.
14
“Assuntos do Município. O que a cidade lê”. A Opinião Pública, Pelotas, 14/11/1913.
15
Idem.
16
A Opinião Pública, Pelotas, 23/05/1934.
17
Teve início em 1884 (Anuário da Província do Rio Grande do Sul), em 1899 a razão social passa a ser Gundlach & Krahe,
Livreiros, para em 1900, constituir-se apenas Khahe e Cia, sucessores de Gundlach & Krahe.
18
Mantivemos na coleção, pela razão de a Casa Krahe ter escrito no verso: Pelotas – Farol de Itapuã.
19
KREMER, F. “Antigas livrarias e suas fantásticas coleções de postais – Casa Krahe em Pelotas”. In: Diário Popular, Pelotas,
19/02/2005.
20
BELCHIOR, E. In: BERGER, P. O Rio de Ontem no Cartão postal (1900-1930). 2ª edição. Rio de Janeiro: Rio Arte, 1986, p. 10.
21
Sob o tema, pode ser consultado: SPALDING, W. Uma obra desconhecida de Simões Lopes Neto. In: Correio do Povo,
Porto Alegre, 16/03/1965; REVERBEL, C. “Coleção Brasiliana (1ª série)”. In: Correio do Povo (Letras & Livros), Porto Alegre,
10/07/1982; DINIZ, Carlos Francisco Sica. “A Coleção Brasiliana”. In: Diário da Manhã, Pelotas, 24/11/1996.
22
Apenas duas séries das 12 planejadas foram editadas.
23
KREMER, F. “Apontamentos e dados históricos da Coleção Brasiliana “2ª série””. (Folheto), s/d.
24
BELCHIOR, E. “Introdução”. In: BERGER, P. O Rio de ontem no cartão postal (1910-1930). 2ª edição revista e ampliada. Rio
de Janeiro: Rio Arte, 1986, p. VIII.
25
SCHAPOCHNIK, N. “Cartões postais, álbuns de família e ícones da intimidade”. In: SEVCENKO, N. República: da Belle Époque
à Era do Rádio. História da Vida Privada no Brasil. Tomo 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 424.

390
Figura 1

Figura 6

Figura 2

Figura 7
Figura 12

Figura 3

Figura 8
Figura 13

Figura 4

Figura 9 Figura 14

Figura 10 Figura 15

Figura 5

Figura 11 Figura 16

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Figura 17 Figura 22

Figura 18
Figura 23
Figura 27

Figura 19
Figura 24
Figura 28

Figura 29

Figura 20 Figura 25 Figura 30

Figura 21 Figura 26 Figura 31

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Figura 32

Figura 33

Figura 34 Figura 38

Figura 35 Figura 39

Figura 36 Figura 40 Figura 42

Figura 37 Figura 41 Figura 43

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Figura 44

Figura 45 Figura 49

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Figura 50

Figura 47

Figura 51

Figura 48

Figura 52

394
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Eduardo Arriada.

Figura 1: Cartão de felicitações de ano novo. Livraria Americana de Pintos & C. Ano de 1905. Fonte: Original.
Acervo Eduardo Arriada.
Figura 2: Cartão de felicitações de ano novo. Livraria Universal de Echenique Irmãos & C. Ano de 1908. Fonte:
Idem.
Figura 3: Cartão de felicitações de ano novo. Livraria Comercial de Francisco Meira. Ano de 1902. Fonte: Idem.
Figura 4: Reclame da Livraria Rio Grandense de R. Strauch. Fonte: Idem.
Figura 5: Reclame da Livraria Comercial de Francisco Meira. Fonte: Idem.
Figura 6: Reclame Livraria Universal de Echenique Irmãos & C.. Fonte: Idem.
Figura 7: Primitivo Bilhete Postal. Endereçado à “Revma. Irmã Paula do Asilo de Órfãs” (Nossa Senhora da
Conceição, de Pelotas). Datado no reverso de 18 de janeiro de 1905. Fonte: Idem.
Figura 8: Primitivo Bilhete Postal. Endereçado a “Frederico G. Kremer”, remetido por seu filho “Arno, de Santa
Cruz”, em 15 de julho de 1916. Fonte: Idem.
Figura 9: Primitivo Bilhete Postal circulado na data de 15 de março de 1887. Fonte: Idem.
Figura 10: Pelotas. Jardim Public. Série “Süd-Amerika” [nº 150]. Editada por Albert Aust, de Hamburgo, Ale-
manha. Um dos primeiros cartões postais editados com imagens de Pelotas. Fonte: Idem.
Figura 11: Pelotas. Jardim Público. Editado por Warncke & Dörken Suc., Pelotas. Postado em 31 de abril de
1899. Fonte: Idem.
Figura 12: Idem. (Verso). Fonte: Idem.
Figura 13: Pelotas. Jardim Público. Editado por Warncke & Dörken Suc., Pelotas. Remetido em 24 de outubro
de 1900. Fonte: Original. Acervo Eduardo Arriada. Fonte: Idem.
Figura 14: Cartão Postal colorido da Livraria Rio-Grandense de R. Strauch. Série Lembranças do Rio Grande
do Sul. No canto superior esquerdo, a representação de uma Charqueada. Remetido por “H. C. Bojunga” em
18 de março de 1907. Fonte: Idem.
Figura 15: Cartão Postal dupla imagem da Livraria Pelotense, de R. Strauch & Co. Série Lembranças de Pelotas.
Intendência Municipal/ Rua 15 de Novembro. Remetido em 17 de fevereiro de 1905. Fonte: Idem.
Figura 16: Idem. IbIdem. Clube Comercial/ Praça 7 de Setembro. Remetido em 10 de maio de 1904. Fonte:
Idem.
Figura 17: Cartão Postal colorizado da Livraria Pelotense de Albino Isaacson. Série Lembrança de Pelotas. Rua
Marechal Floriano. Fonte: Idem.
Figura 18: Cartão Postal colorizado da Livraria Pelotense de Albino Isaacson. Série Lembrança de Pelotas Nº 2.
Praça da República. Fonte: Idem.
Figura 19: Cartão Postal da Livraria Pelotense de Albino Isaacson. Série Lembrança de Pelotas Nº 4. Fábrica de
Cerveja de Carlos Ritter & Irmão. Remetido em 18 de janeiro de 1904. Fonte: Idem.
Figura 20: Cartão Postal de Boas Festas (e feliz ano novo 1903) da Livraria Comercial de Francisco Meira.
Fonte: Idem.
Figura 21: Cartão Postal da Livraria Comercial de Francisco Meira. Série numerada (Nº 11). Hospital de Mise-
ricórdia. Remetido em 29 de maio de 1902. Fonte: Idem.
Figura 22: Idem. Nº 15. Intendência e Bibliotheca Pública. Remetido em 13 de maio de 1903. Fonte: Idem.
Figura 23: IbIdem. Nº 27. Parque Pelotense. Colorizado. Fonte: Idem.
Figura 24: IbIdem. Nº 47. Desembarque de Gado – Ramal. Fonte: Idem.
Figura 25: IbIdem. (Série com a numeração no verso). Nº 3202. Capela N. S. da Luz. Remetido em 18 de julho
de 1914. Fonte: Idem.
Figura 26: IbIdem. (Cartão sem numeração). Praça das Carretas e Circo de Touros. Fonte: Idem.

395
Figura 27: Cartão Postal “Coleção da Livraria Americana”, de Carlos Pinto. Sem numeração. “Rua Félix da
Cunha frente Praça República”. Fonte: Idem.
Figura 28: Idem. Série numerada. Nº 5. Santa Casa de Caridade/ Asilo de Mendigos/ Beneficência Portuguesa.
Postado em 12 de abril de 1904. Fonte: Idem.
Figura 29: Idem. IbIdem. Nº 16. Fábrica de Farinhas/ Fábrica de Cerveja - Haertel. Postado em 18 de março de
1904. Fonte: Idem.
Figura 30: IbIdem. IbIdem. Nº 17. Quinta na Cascata. Arrabaldes (três diferentes vistas). Postado em 31 de
janeiro de 1905. Fonte: Idem.
Figura 31: Cartão Postal da Livraria Universal de Echenique, Irmãos & C. Exposição Estadual - Porto Alegre
1901. Um dos primeiros cartões editados pela Livraria Universal. Fonte: Idem.
Figura 32: Idem. Série sem numeração. Rua General Netto [grafado “Netta”] - Clube Comercial. Fonte: Idem.
Figura 33: IbIdem. IbIdem. Porto de Embarque. Fonte: Idem.
Figura 34: IbIdem. Série numerada. Nº 214. Rua Andrade Neves. Fonte: Idem.
Figura 35: Cartão Postal da Casa A Miscelânea. Série colorizada. Nº 3. Estrada de Ferro. Estação de Pelotas.
Fonte: Idem.
Figura 36: Idem. Série monocromática. Nº 9. Porto, Cais e Praça Domingos Rodrigues. Fonte: Idem.
Figura 37: Idem. Nova série numerada de cartões colorizados, editados por volta de 1918. N. 4. Praça da Re-
pública - Rua 15 de Novembro. Bonde Elétrico. Fonte: Idem.
Figura 38: Cartão Postal da Casa Krahe, filial de Pelotas. Série sem numeração. Mercado Público. Fonte: Idem.
Figura 39: Idem. IbIdem. Colorizado. Clube Caixeiral. Fonte: Idem.
Figura 40: IbIdem. IbIdem. IbIdem. IbIdem. (Verso). Fonte: Idem.
Figura 41: Cartão Postal da Casa Editora José Regina. Série numerada. Nº 12. Bibliotheca Pública Pelotense.
Fonte: Idem.
Figura 42: Cartão Postal da Livraria do Globo, filial de Pelotas. Série sem numeração. Theatro Guarany. Fonte:
Idem.
Figura 43: Idem. IbIdem. Praça da República. Fonte: Original. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 44: Cartão Postal da casa editorial A. Ribeiro. Rua Marechal Floriano. Fonte: Original. Acervo Eduardo
Arriada.
Figura 45: Idem. Santa Casa de Misericórdia. Fonte: Idem.
Figura 46: Idem. IbIdem (Verso). Remetido em 17 de março de 1919. Fonte: Idem.
Figura 47: Cartão Postal editado pela Gráfica do Parque Souza Soares. “Entrada do ‘Parque Souza Soares’ e,
Pelotas (Brasil), onde se acha instalada a fábrica do Peitoral de Cambará, o popular e eficaz remédio das tosses,
bronquites, rouquidões, etc.”. Fonte: Idem.
Figura 48: Cartão Postal “Edition de la Mission brésilienne de propagande”. “Un Faubourg de Pelotas”. Fonte:
Idem.
Figura 49: Coleção “Brasiliana” de Vulgarização dos Fastos da História Nacional organizada por João Simões
Lopes Neto. Série 1ª. Nº 22. “Coluna Comemorativa de Domingos J. de Almeida ereta na cidade de Pelotas,
1885. O primeiro monumento no Brasil, publicamente consagrado ao ideal republicano, durante o regime
monárquico”. Impresso no Estabelecimento Gráfico “Chapon”, de Pelotas. Fonte: Idem.
Figura 50: Coleção “Brasiliana” de Vulgarização dos Fastos da História Nacional organizada por João Simões
Lopes Neto. Série 1ª. Nº 13. Fonte: Idem.
Figura 51: Idem. IbIdem. IbIdem. IbIdem. (Verso). Fonte: Idem.
Figura 52: Idem. Série 2ª. Nº 25. Imagem de São Francisco de Paula. Impresso no Estabelecimento Gráfico
“Chapon”, de Pelotas. Fonte: Idem.

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389 390 391

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389. Vista interna da cúpula principal da Catedral Metropolitana São Francisco de Paula. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 390. Vista geral
noturna do Mercado Público Central durante a realização da 41.ª Feira do Livro, ali sediada no ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Eduardo Beleske. 391.
Declamação de poetas do projeto “Poesia no Bar” no interior do Restaurante “Madre Mia”. Rua Santa Cruz, entre Ruas Gal. Netto e Voluntários da Pátria. Acervo/Cola-
boração/Fotografia de Camila Hein. 392. O escritor, tradutor, jornalista, professor e desenhista, Aldyr Garcia Schlee, autor do projeto da camisa “canarinho”, tradicional
indumentária da Seleção Brasileira de Futebol, em sessão de autógrafos do uniforme. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 393. Historiador,
poeta, escritor e professor Mario Osorio Magalhães (in memoriam), dedicado amante da Princesa do Sul. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 394. “Travessia
da Pelota”, reconstituição histórica realizada por ocasião do bicentenário da cidade, convertida em evento cultural anual de 7 de julho. Ano de 2013. Acervo/Colabo-
ração/Fotografia de Rafael Marin Amaral. 395. Representação teatral, em frente à Bibliotheca Pública Pelotense. Atividade integrante do III Agosto Negro, promovido
em Pelotas pelo Coletivo Negada. Agosto de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 396. Atriz pelotense Glória Menezes, caracterizada como Maude,
comemora seu aniversário de 75 anos de idade e 50 de carreira brindando ao fim da peça “Ensina-me a Viver”, no interior do Theatro Guarany em Pelotas. Acervo/Cola-
boração/Fotografia de Paulo Rossi.
392 393 394 395

399 400 401 402

397. Artistas do Grupo Tholl, nome fantasia da OPTC- Oficina Permanente de Técnicas Circenses, e seu diretor, João Bachilli, s/d. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Nauro Júnior. 398. Protagonista do “Tchêatro do Bebé”, José Ricardo de Almeida, o popular Bebé. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 399. Os cantores,
compositores e escritores Kleiton Ramil e Kledir Ramil, entre artistas do Grupo Tholl: parceria premiada no projeto “Par ou Ímpar”. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior. 400. Reunião do grupo musical Almôndegas, ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 401. O exímio cavaquinista e
compositor Avendano Jr., discípulo dileto de Waldir Azevedo, em ação durante as filmagens de “O Liberdade”, documentário premiado, realizado em 2011 pela Moviola
Filmes, que, além de outros músicos de Choro e o próprio gênero, homenageia “Avendano Jr. e o Regional”, bem como seu palco desde 1974, o bar Liberdade. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 402. Roberval Silva, cavaquinista do grupo “Avendano Jr e O Regional” no interior do Theatro Guarany, durante filmagem para
o documentário “O Liberdade”. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
403. Cantor e compositor Marco Gottinari, durante apresentação no Theatro Guarany. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 404. Músico Dija
Vaz, compositor e intérprete bageense radicado em Pelotas, em apresentação no projeto “Arte Daqui”. Ano de 2005. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 405.
Rapper Zudizilla Luz, da cena hip-hop pelotense, durante o evento Primavera Cultura Livre. Parque da Baronesa, ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila
Hein. 406. Disco-jóquei DJ Micha CNR em ação durante o festival Grito do Rock. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 407. Grupo percus-
sivo Alabê Ôni, “de raiz africana no sangue, na cultura e na espiritualidade”, em apresentação no largo da Praça 7 de Julho, junto ao Mercado Central. Julho de 2014.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 408. Apresentação musical na Praça Cel. Pedro Osório, junto à Fonte das Nereidas, durante o 2º Pelotas Jazz Festival,
idealizado, viabilizado e organizado pela produtora Gaia Cultura & Arte. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 409. Chegada do Papai Noel e
sua ‘turma’, em uma das alamedas da Praça Cel. Pedro Osório. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul Garré. 410. Detalhe do músico Sergio Espírito Santo
Ferret Filho, o popular “Serginho da Vassoura”, alcunha que faz referência ao seu “Vassourolão”, o original instrumento de cordas, engendrado a partir de uma vassoura
de piaçava. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein.

403 404 405 406

411 412 413


411. Registro de uma das edições do projeto Piquenique Cultural, realizada na Praça da Rodoviária. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 412. Rua Almirante
Tamandaré quase esquina Rua Andrade Neves, local de onde se contempla um dos mais belos pores do sol da cidade. Público do projeto “Sofá Na Rua”, de apresentações
musicais ao ar livre. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rael Castro. 413. Rua Lobo da Costa em frente ao Theatro Guarany durante o 3º Festival Manuel
Padeiro de Cinema e Animação, promovido pela Gaia Cultura & Arte. Abril de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul Garré. 414. Vista noturna da Rua Lobo da
Costa, na direção leste, desde a proximidade da esquina com a Rua Félix da Cunha, durante o 3º Festival Manuel Padeiro. Abril de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Juliana Charnaud. 415. Gravação do premiado curta-metragem “Marcovaldo”, de autoria da Moviola Filmes. Acervo/Colaboração/Fotografia de Cintia Langie. 416.
Varais de charque e aguadeiro. Gravações do filme “O Tempo e o Vento” em Pelotas. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 417. Passarela do
Samba. Carnaval de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.

407 408 409 410

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418 419 420

421 422 423 424

418. Carnaval. O estilista e figurinista Pompílio Neves de Freitas e Gilberto Amaro do Nascimento, o Giba-Giba, tocando sopapo sobre carro alegórico da Unidos do
Fragata. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 419. Detalhe do Carnaval 2014, realizado no Porto de Pelotas. Vista desde o palco, durante a apresentação da
banda Xavabanda. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral. 420. Idem. Passagem do bloco carnavalesco Bafo da Onça. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Rafael Marin Amaral. 421. Dançarinos do grupo Trem do Sul, ligado à cultura hip-hop. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Ítalo Santana. 422. Trabalho
artístico executado na proximidade da ponte Pelotas-Rio Grande, sobre o Canal São Gonçalo. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 423. Vista de grafite
executado no concreto da estrutura da Ponte da BR-392. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 424. Detalhe de representação teatral realizada no Balneário
dos Prazeres (Barro Duro). Atividade integrante do III Agosto Negro, promovido em Pelotas pelo Coletivo Negada. Agosto de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Camila Hein.
ENTRE A OPULÊNCIA ARISTOCRÁTICA E O MARTÍRIO
DOS ESCRAVOS: OS SETORES MÉDIOS URBANOS
EM PELOTAS NO SÉCULO XIX (EVIDÊNCIAS DA
ARQUEOLOGIA HISTÓRICA E DA CULTURA MATERIAL) 1
Graduada em História pela
Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 2003), Mestre em Memória
Social e Patrimônio Cultural pela
Luciana da Silva Peixoto1 UFPel (2009). Arqueóloga do
Laboratório de Ensino e Pesquisa
Fábio Vergara Cerqueira2 em Antropologia e Arqueologia
(LEPAARQ/UFPel). É autora de
Museo Etnográfico de Colonia
Maciel: memoria italodescendiente
y diversidad cultural (Montevideo:
Ediciones Cruz del Sur, 2013) e
Arqueologia em campo: usos e
Preâmbulo significados atribuídos à antiga
Enfermaria Militar de Jaguarão-RS
Diversos autores têm, há muitas décadas, escrito sobre a história de Pelotas. Em caráter (Pelotas: Editora da UFPel, 2012).
2
Graduado em História pela
acadêmico ou literário, esses autores se esforçam para resgatar e tornar públicos os fatos Universidade Federal do Rio Grande
e os acontecimentos que sucederam desde os primórdios da fundação da Freguesia de do Sul (UFRGS, 1989), Doutor em
São Francisco de Paula. Uma história de “opulência e cultura” nas palavras de Mario Antropologia Social/Arqueologia
Clássica pela Universidade de São
Osorio Magalhães, ou de “barro e sangue” nas de Ester Gutierrez, mas acima de tudo, Paulo (USP, 2001), com estágio de
uma história que invariavelmente provoca de um lado o orgulho por seu passado glorioso pesquisa doutoral na Escola Francesa
de Arqueologia de Atenas (EfA,
e, de outro, o desconforto pelo martírio da escravidão. 1997-1998). Professor Associado do
Departamento de História da UFPel.
E são muitas essas histórias: dos charqueadores, dos estancieiros, dos negros, dos Bolsista Fundação Humboldt em
Arqueologia Clássica (2014-2017) e
imigrantes, do proletariado, das guerras, dos heróis, da cultura, da economia, da sociedade, Professor Visitante do Instituto de
da arquitetura, da indústria, do comércio, da agropecuária, e mais uma infinidade Arqueologia Clássica da Universidade
de temas, comuns às pesquisas científicas das mais diversas áreas do conhecimento. de Heidelberg (2014-2017). É
organizador de Saberes e Poderes no
Histórias que estão nos documentos, nos livros, nos jornais, mas também nas memórias, Mundo Antigo. Estudos ibero-latino-
na tradição, na poesia, na literatura e até na ficção. E são todas essas histórias que, americanas (Editora da Universidade
juntas, formam e fortalecem a identidade da cidade e de cada um de seus cidadãos. Mas, de Coimbra, 2013) e de Ensaios sobre
Plutarco. Leituras latino-americanas
em geral, falta uma história: a história das coisas, dos objetos do dia-a-dia. (Pelotas: Editora da UFPel, 2010)..
Pelotas se destacou no cenário rio-grandense na segunda metade do século XIX. A riqueza
econômica e cultural deste período, propiciada pela indústria do charque, tornou a cidade
uma referência, com destaque também no plano nacional. Apesar de sua formação tardia,
a cidade teve um rápido desenvolvimento econômico e urbano, o que possibilitou o seu
desenvolvimento social e cultural, rivalizando com grandes centros da época.

No entanto, durante o século XX, especialmente a partir da segunda década, o


crescimento econômico da cidade sofreu enorme retração. O surgimento dos frigoríficos,
no início do século, fez declinar a indústria do charque, já abalada desde 1888 pelo fim
do regime escravista. A economia a partir daí voltou-se para a produção agrícola que se
desenvolveu em dois níveis: as grandes plantações de arroz, concentradas na região da
planície, e a agricultura colonial, concentrada na região serrana e impulsionada pelos
núcleos coloniais de imigração.

A partir da metade do século XX a economia do município se diversificou com o


incremento das indústrias, principalmente a indústria de conservas, abastecidas pela
produção colonial e pelo desenvolvimento do comércio, que acabaria por definir o novo
perfil da cidade: um polo comercial e de prestação de serviços da região sul.3 Contudo,
a economia nunca mais alcançaria os padrões do século anterior. O eixo produtivo do
estado havia se deslocado para a região norte, causando uma estagnação na região sul
que se faz sentir até os dias de hoje.

No entanto, uma vocação nascida nos tempos de “opulência” econômica tornou-se, no


século XXI, uma das bases para a retomada do seu crescimento: a cultura, que em seus
mais variados aspectos vem se configurando como um elemento fundamental de incentivo
a novos empreendimentos, sejam eles econômicos, sociais ou intelectuais. Programas de
desenvolvimento e fomento desencadeados em âmbito nacional têm encontrado em
Pelotas um campo fértil para seu desenvolvimento e despertado o interesse das novas
gerações, que fazem um movimento de volta ao passado em busca de sua história.

A partir de 2002 a restauração de diversos prédios históricos do centro urbano


trouxe um novo ânimo, uma nova consciência com relação ao patrimônio. E não
só ao patrimônio edificado, aos monumentos, às artes, mas também ao patrimônio
imaterial, nas suas mais diversas formas. A partir deste momento começou a efervescer,
principalmente no meio acadêmico, uma grande quantidade de ideias, propostas e
projetos que vêm mudando o cenário cultural da cidade.

É neste momento que ocorrem as primeiras pesquisas na área da Arqueologia Histórica


e Urbana em Pelotas. Para atuar nas áreas de desenvolvimento do Monumenta4, o
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia (LEPAARQ), da
Universidade Federal de Pelotas, deu início a um amplo projeto de pesquisas arqueológicas
voltado ao salvamento e acompanhamento arqueológico no centro histórico da cidade.

As atividades do projeto tiveram início com o acompanhamento arqueológico das


obras de restauro da Casa 8 e do Chafariz das Nereidas, localizados, respectivamente,
no entorno e no centro da Praça Coronel Pedro Osório. A partir dessas intervenções,
o projeto tomou um caráter permanente e estendeu sua atuação para uma área mais
ampla, dentro do núcleo urbano e também para o espaço periférico, abrangendo a
antiga ocupação charqueadora, assim como áreas industriais e rurais.

O acervo arqueológico proveniente das escavações no centro urbano de Pelotas é


bastante diversificado, evidenciando diferentes tipos de materiais como louças

408
inglesas e portuguesas, azulejos franceses, tijolos e telhas, garrafas de vidro e grés
de diferentes tipos de líquidos (como perfumes, remédios, bebidas e tinta), grande
quantidade e variedade de ossos de várias espécies animais, metais, entre outros.

A documentação arqueológica5 referente ao centro urbano de Pelotas, gerada a partir das


atividades de campo e de laboratório, possibilitou uma série de inferências a respeito do
desenvolvimento urbano, principalmente no que se refere à ocupação do solo, e suscitou
uma série de questionamentos relativos às relações econômicas, sociais e culturais da
sociedade pelotense do século XIX.

Nos últimos 10 anos, os estudos de arqueologia histórica e mais especificamente de


arqueologia urbana deram visibilidade, através da cultura material, a uma parcela antes
não destacada da história da sociedade pelotense do século XIX.

A arqueologia urbana, uma especialidade da arqueologia histórica, preocupa-se em


compreender o processo de formação do espaço urbano. Para isso, é preciso passar
a considerar não apenas cada sítio arqueológico, mas “considerar a cidade como um
sítio, cujos artefatos possuem formas e técnicas próprias que correspondem a ideias da
sociedade que os produziu”6 e consumiu.

Na arqueologia, a análise do espaço urbano pode ser feita pela leitura dos vestígios de
superfície, da estratigrafia do solo e da cultura material exumada nos processos de escavação.
A possibilidade de se realizarem escavações na área central urbana de Pelotas contribuiu
significativamente para a ampliação das pesquisas arqueológicas, na medida em que estas
escavações revelaram uma grande quantidade de vestígios materiais direta ou indiretamente
relacionados às estruturas conservadas sobre o solo. A partir da leitura estratigráfica, estes
vestígios foram classificados genericamente como pertencentes a dois tipos de depósitos
arqueológicos: lixeiras domésticas e lixeiras coletivas.

A identificação na área central urbana da cidade, especificamente na Praça Cel. Pedro


Osório e adjacências imediatas, de uma grande “lixeira coletiva”, datada do século XIX,
e de vestígios dos processos de melhorias urbanas como, por exemplo, a canalização de
esgotos, trouxe novos elementos para se pensar o processo de urbanização deste espaço.

O conjunto dos materiais arqueológicos históricos conservados no LEPAARQ/UFPel e


exumados em cinco sítios do centro urbano de Pelotas – Casa 8, Casa 2, Praça Coronel
Pedro Osório, Largo Edmar Fetter e Casa da Banha – nos permite analisar diversos aspectos
da vida diária e dos hábitos de consumo, não de uma unidade doméstica específica, mas
do conjunto das edificações do centro urbano e, desta forma, fazer uma releitura da
história da cidade tendo como base a cultura material.

***

No século XIX, Pelotas teve um crescimento bastante rápido em função da economia


charqueadora. Da instalação do primeiro núcleo fabril de produção de charque até a
elevação à condição de freguesia em 1812 passaram-se apenas 33 anos.

A nova condição exigiu o estabelecimento de um núcleo urbano onde se localizou a


igreja e a partir do qual a cidade se desenvolveu. Deste primeiro núcleo sobraram poucos
vestígios, talvez o mais importante seja o seu desenho, organizado em plano quadriculado
com ruas paralelas e transversais semelhante a um tabuleiro de xadrez. Sabe-se que ainda

409
sobrevive na atual rua Major Cícero uma pequena casa, em estilo colonial, que segundo
depoimento verbal de Orail Barcelos (em 21/05/09), “é o prédio mais antigo de Pelotas, é
de 1812, ela ainda está original. Fica na Major Cícero, quase esquina Anchieta”.

O crescimento acelerado fez surgir, logo em 1832, a necessidade de expansão desse


primeiro núcleo. A cidade crescia em população e em riqueza e criava condições materiais
para sua sobrevivência. Entre elas, estão os prédios e os objetos de uso cotidiano. Mesmo
que transformada muito rapidamente, essa materialidade deixa vestígios, que são os
testemunhos dos processos sociais, econômicos e culturais que os produziram.

Tomando como referência a periodização sugerida por Mario Osorio Magalhães (1993),
temos que nos deter aqui em uma reflexão. Magalhães indica 1835, ano em que foi
deflagrada a Revolução Farroupilha e também em que Pelotas foi elevada à condição de
cidade, como o marco para o final do período de formação urbana. Isso significaria dizer
que, até 1835, houve apenas um processo espacial e demográfico de concentração da
população resultando na formação de um núcleo urbano.

O que se observa é que exatamente neste período Pelotas começava o seu processo de
urbanização indicado por mudanças comportamentais que decorrem do impacto das
cidades, da vida urbana, sobre a sociedade. No entanto, esse processo foi repentinamente
interrompido, para ser retomado somente 10 anos mais tarde. Infelizmente, as informações
arqueológicas para este período são ainda bastante incipientes. Até o momento, apenas
dois sítios relacionados a este período foram escavados, os sítios Casa 2 e Casa da Banha.

A Casa 2 foi construída para um dos mais ricos habitantes da cidade, José Vieira Viana, no
final da década de 1820. As escavações do pátio revelaram duas situações interessantes.
Numa metade do pátio, um acúmulo de grande quantidade de detritos cerâmicos, que
interpretamos como um aterramento e nivelamento do solo, prévio à construção do
prédio. Porém, em vez da louça europeia, de importação inglesa, que invadiu as cidades
brasileiras a partir da abertura dos portos em 1808, o conjunto de fragmentos cerâmicos
que compunha os materiais usados para este aterramento era formado por fragmentos
de cerâmica simples construtiva e restos de utensílios em cerâmica neobrasileira7, em
sua maioria telhas, tijolos, tijoleiras, tinas e vasilhas. Isto nos indica que, nesta fase
inicial de urbanização, que se estenderia até 1835, a cidade ainda não havia se inserido
como consumidora no mercado de escala internacional protagonizado pela Inglaterra.
Na outra metade do pátio, a escavação trouxe uma informação ainda mais importante:
as estruturas de uma caieira, unidade fabril voltada ao aproveitamento de restos ósseos
excedentes da indústria saladeiril, usados na produção de cal de origem animal, que,
sabe-se, era inclusive exportado (Figura 1).

Observe-se que se situava no coração do núcleo urbano nascente e que a estrutura


identificada parece ser apenas a parte de um complexo mais amplo, pois paredes que
compunham a mesma se estendiam para as outras direções. Tudo indica que esta caieira,
cronologicamente, anteceda o aterramento e construção da casa e que, portanto, seja
expressão do primeiro ciclo econômico charqueador e, particularmente, da expansão
deste núcleo ao longo da década de 1820.

A Casa da Banha representa uma unidade comercial, provavelmente desde seu início.
Construída no princípio da década de 1830, teve uma ocupação intensa e diversificada,
observada através da leitura estratigráfica, que revela uma grande interferência no solo
durante todo o período de sua ocupação. A cultura material resgatada neste sítio não

410
contribuiu muito para pensarmos as relações econômicas e comerciais da época. No
entanto, de certa forma, ela corrobora a hipótese de que até a primeira metade da
década de 1830, a população pelotense não havia se inserido no mercado de escala
internacional, mantendo um estilo de vida característico do período colonial. Isto está,
de certa forma, expresso na tipologia de um dos poucos objetos exumados na sua
escavação, que remonta ao período de sua construção: um prato de servir de cerâmica
neobrasileira.

O período seguinte (1835-1845) foi marcado pela Revolução Farroupilha. A pouca


documentação relativa a este período nos informa, apenas e de maneira genérica, que a
cidade ficou quase deserta, as fábricas de charque foram fechadas, o comércio estagnou e
alguns prédios foram tomados pelas tropas e transformados em quartéis, ora farroupilhas
ora imperiais, como por exemplo, o Theatro Sete de Abril e a Casa da Banha, construídos
havia anos antes.

No campo da arqueologia também são poucas as informações referentes a esse episódio,


não tendo sido identificados até o momento vestígios arqueológicos significativos. Nas
escavações realizadas no sítio Casa da Banha foram resgatados projéteis de pistola que
podem estar relacionados às batalhas travadas pelas tropas legalistas e farroupilhas na
disputa pelo controle da cidade, porém essa relação ainda aguarda confirmação pela
análise do material.

O término da revolução permitiu a retomada das atividades econômicas não só em Pelotas,


mas em todo o Rio Grande do Sul. Segundo Magalhães8, os acordos feitos pela província e
pelo governo central favoreceram o desenvolvimento político e econômico de toda a região.
A retomada da produção do charque voltou a aquecer a economia. O gado xucro deixou de
existir, provocando uma valorização da carne, que agora só podia ser adquirida através da
compra e não mais pela preia. Os fazendeiros, proprietários de grandes rebanhos, passaram
a organizar a estância, cercando seus limites, e a aprimorar os rebanhos, importando
reprodutores bovinos e equinos. Essas transformações imprimiram características muito
mais empresariais à estância, provocando o enriquecimento dos estancieiros e, também,
mudanças sociais que alteraram as relações entre estes e seus peões.

O enriquecimento incentivou os estancieiros a estabelecer residência na cidade e a


participar da vida social e política, inerentes aos centros urbanos, seguindo a tendência
dos charqueadores que haviam dado início a este processo, algumas décadas antes. Com
isso, passaram também a adquirir novos comportamentos de consumo, que são percebidos
em primeiro lugar pela arquitetura das casas, que incorporou elementos importados da
Europa, e em segundo lugar pela aquisição de móveis e utensílios representativos de seu
status econômico.

Este período de retomada do crescimento, identificado por Magalhães como sendo entre
os anos de 1845 e 1860, foi marcado especialmente pelo surgimento de instituições e
aparelhos urbanos que indicam o início do processo de efetiva urbanização. Lembramos
que até 1860 foi construído o Mercado Público (1847-53), instalada a iluminação
pública a azeite, rapidamente substituída em 1853 pelo hidrogênio líquido, construída
a primeira ponte de pedra sobre o Santa Bárbara (1847 / 1857), fundada a Santa Casa
de Misericórdia (1847), fundado o hospital da Beneficência Portuguesa (1857) e criado
o cemitério da Santa Casa (1855), no Fragata. Em 1856 começou a funcionar a primeira
graxeira a vapor, caracterizando o avanço no processo de fabricação do charque. Em
1858 a cidade expandiu-se em direção ao norte, formando o Bairro da Luz.

411
Todas essas transformações são, na verdade, produtos de mudanças nas relações
comportamentais e sociais que ocorrem na sociedade, como resultado de pessoas
morando em cidades; ao mesmo tempo, é a partir delas que se desencadeiam novas
transformações.

O registro arqueológico fornece elementos importantes para pensarmos as transformações


ocorridas neste período. Os sítios Casa 8, Praça Coronel Pedro Osório e Largo Edmar
Fetter compõem-se de uma “lixeira coletiva” formada no período de meio século, entre
aproximadamente 1830 e 1880. Se, por um lado, a estratigrafia desta “lixeira coletiva”
não nos permitiu uma periodização das camadas arqueológicas, por ser constantemente
remexida, por outro, a abundância e a “riqueza” do material permitem que, a um só
tempo, tenhamos informações do conjunto da população que a formou e dos mais
variados hábitos da vida cotidiana. A datação da “lixeira” tem como base inicial a
construção da Casa 2 (1830), e como data final a construção da Casa 8 (1878).

***

As louças históricas
Considerando o grande volume, variedade formal e funcional, diversidade de técnicas,
estilos e épocas, as louças se destacam como evidência de base para uma interpretação
da Pelotas da época a partir da cultura material. Visando a desenvolver um olhar mais
sistemático e a proporcionar ao leitor uma visualização desta diversidade, organizamos
um Catálogo de Louças Históricas9, com peças integrais ou fragmentárias representativas
dos sítios trabalhados pelo LEPAARQ no Centro Histórico de Pelotas.

Pela análise destas louças, exumadas nos cinco sítios estudados, observamos que grande
parte das peças que formam o extrato arqueológico começou a ser produzida na Europa
entre os anos de 1750 e 1824. Considerando o tempo de disseminação no mercado nesta
época, avaliamos que estas louças tenham entrado no mercado nacional até meados da
década de 1830. Sabendo-se, pela documentação arqueológica, que até este período a
cidade não havia se inserido no mercado de escala internacional, e que, no período entre
1835 e aproximadamente 1845, as atividades econômicas e sociais da cidade sofreram
sensível redução, concluímos que essas louças foram adquiridas, em sua grande maioria,
a partir da segunda metade da década de 1840.

É exatamente este o momento que serve de marco sinalizador para a retomada do


crescimento e do desenvolvimento econômico de Pelotas. Assim, podemos sugerir que
foi a partir da segunda metade da década de 1840 que Pelotas se inseriu efetivamente
no mercado de consumo de escala internacional.

Cabe ressaltar que, com isso, não estamos sugerindo que em período anterior não houvesse
o consumo de produtos provenientes de centros como São Paulo e Rio de Janeiro ou
mesmo da Europa. Sabemos, principalmente por fontes escritas (documentos e relatos
de viajantes), que, antes de 1835, Pelotas já contava com um número considerável
de prédios (públicos, particulares e comerciais) e se destacava no cenário econômico
do Rio Grande do Sul. Sabemos também que seus habitantes eram caracterizados por
viajantes como elegantes, amáveis e ricos, e que esta riqueza se traduzia em belas casas
e em utensílios que podiam lhes proporcionar conforto10. É visível, no entanto, que o

412
processo de incorporação de novas mobílias, ornamentos e utensílios, propiciado pela
intensificação do contato da sociedade brasileira com a Europa e com uma infinidade
de itens industrializados europeus, que criaram um mundo material totalmente diferente
do período colonial e à semelhança da burguesia europeia, foi mais lento em Pelotas
que no centro do país, e que, até meados da década de 1840, foi restrito a uma parcela
da população. Prospecções assistemáticas, realizadas às margens do arroio Pelotas e
próximas às residências sede de unidades charqueadoras, evidenciaram fragmentos de
louça bastante requintada e cara (como peças com cenas de caça, vinculada ao espírito
aristocrático inglês), que provavelmente já eram consumidas no final da primeira fase de
urbanização pelos grupos elitários.

O que sugerimos é que somente a partir de 1840-45 houve uma disseminação desses
produtos de importação no mercado local, permitindo que um número maior de pessoas
tivesse acesso a eles, seu consumo extrapolando os limites da elite charqueadora.

Verificamos, a partir daí, que houve um grande consumo de louças relacionadas ao


serviço de jantar, principalmente de pratos rasos. A maior parte dessa louça é dos tipos
transfer printing11 (Catálogo12 1) e shell edged13 (Cat. 2), consideradas entre as mais
baratas para este período14. Aparecem ainda relacionadas a este período: louças brancas
(Cat. 3), faixas e frisos (Cat. 4), pintadas a mão combinado com carimbada (Cat. 5), louça
creamware (Cat. 6) e louça ironstone (Cat. 7).

Assim, concluímos que não tenham sido adquiridas pelas camadas mais ricas da
população. Isto sugere que neste momento já se formavam setores médios na sociedade de
Pelotas, formados provavelmente por comerciantes, prestadores de serviços (preceptores,
fotógrafos, tipógrafos), proprietários de pequenas oficinas (alfaiates, chapeleiros) e
profissionais liberais (médicos, advogados), em condições de adquirir produtos que se
assemelhavam em forma e função aos produtos usados pela elite.

Lembremos aqui a consideração feita por Symanski de que assim como as elites buscavam
copiar a burguesia europeia, através do consumo, também eram copiadas pelos segmentos
médios e baixos da população livre, os quais começaram a ter acesso a uma razoável
variedade de produtos industrializados. Para este mesmo período encontramos peças
relacionadas ao consumo de chá.

Ressaltamos que o consumo de chá só foi popularizado no Brasil a partir da segunda


metade do século XIX. Este fato é importante na medida em que uma quantidade
significativa de peças relacionadas ao consumo deste produto está incluída em uma
categoria de louças que, a princípio, foi usada a partir da década de 1840. Apesar
de as louças desse conjunto não estarem entre as mais caras, percebe-se que houve
uma preocupação dos seus consumidores em adquirir objetos que demonstrassem sua
inserção ao novo estilo de vida que se configurava (Cat. 8 a 15).

O período seguinte, entre 1860 e 1890, foi identificado por Magalhães como sendo o
período de expansão e auge da economia pelotense e, por consequência também, seu
auge social, cultural e urbanístico.

Vestígios dessa expansão ficaram gravados na paisagem da cidade através de um


representativo conjunto arquitetônico oriundo do final do século XIX e início do
século XX. A riqueza do período se refletiu, sobretudo, no plano urbanístico. As elites
charqueadoras e estancieiras edificaram nos arredores da atual Praça Cel. Pedro Osório,
ou nas ruas circunvizinhas, ricos palacetes cujas fachadas ostentavam seu status social

413
e cultural. Como vimos, já havia em Pelotas, antes de 1860, algumas belas casas, mas
foi a partir desta década que surgiram as construções mais ricas, caracterizadas por um
estilo arquitetônico próprio que misturava o neo-renascentista com detalhes do barroco
e adaptações locais.

A partir da década de 1870 foram tomadas diversas iniciativas com o objetivo de melhorar
as condições de vida da população e de tornar a cidade mais “moderna”. A Praça Cel.
Pedro Osório foi drenada e seu interior foi ajardinado e arborizado. A água do arroio
Moreira foi canalizada até o centro da cidade. Na área urbana, foi feito o assentamento
da canalização d’água nas ruas mais povoadas, as quais se situavam entre a praça D.
Pedro II (atual Praça Cel. Pedro Osório) e o largo da Igreja. Foi construída uma caixa
d’água e encomendados os chafarizes. Na Praça Coronel Pedro Osório, em 25 de junho
de 1873, foi colocado o primeiro chafariz, conhecido hoje como Fonte das Nereidas. Os
demais foram situados em outras praças da cidade.

Entre os finais da década de 1870 e inícios da década de 1880, foram construídos o


prédio da atual Prefeitura Municipal, a Bibliotheca Pública, a Casa 8, a Casa 6, e foram
executadas as reformas da Casa 2 e do Theatro Sete de Abril. O espaço urbano delimitado
pela Praça Coronel Pedro Osório se consolidou como um espaço nobre e comercial da
cidade, onde foram erguidas as principais edificações. A população de Pelotas passou de
9.055 moradores, em 1858, para 41.591, em 1890.

Estas transformações são, ao mesmo tempo, causa e consequência das mudanças nas
relações comportamentais características da urbanização. Este forte movimento de
urbanização e europeização urbana foi impulsionado pelo grande progresso da indústria
charqueadora. Os charqueadores e estancieiros passaram a investir grande parte da sua
riqueza na modernização da cidade. Construíram praças, remodelaram teatros, fundaram
clubes sociais.

Era de se esperar que também no ambiente doméstico houvesse mudanças. Neste


sentido, a cultura material nos traz algumas informações. Observamos que no estrato
arqueológico analisado encontra-se uma quantidade considerável de louças que deixaram
de ser produzidas entre 1825 e 1860, portanto, objetos fora de “moda” que certamente
foram substituídos por outros, melhores ou mais “bonitos”, “modernos”. Pode-se pensar
que houve uma renovação dos utensílios domésticos, usados até então, e a aquisição de
outros.

Há um fator importante a ser considerado aqui. Por estarmos tratando com louças, temos
que levar em consideração a sua facilidade de quebra. Peças que são mais intensamente
utilizadas, como o caso de pratos e xícaras, estão mais sujeitos à quebra e por isso têm
maior necessidade de reposição. Ainda assim, no contexto do nosso sítio, e levando em
consideração todas as variáveis analisadas, supomos que houve um grande consumo
proporcionado pelas condições econômicas favoráveis da sociedade, pela oferta dos
produtos no mercado e, acima de tudo, impulsionado pela necessidade de ostentar essa
condição econômica.

A análise dos vestígios arqueológicos indica que, até 1880, período de fechamento do
depósito arqueológico (em razão da definitiva urbanização da praça e entorno), várias
peças que tinham começado sua fabricação na Europa a partir de 1875 já estavam sendo
consumidas aqui (Cat. 16). Esta constatação revela grande rapidez da disseminação dos
produtos no mercado neste momento, considerando os meios de transporte da época.

414
Observando a coleção do sítio arqueológico Casa 8, podemos ter uma ideia mais clara da
representatividade das louças em relação aos seus períodos de início e final de produção.
Da mesma forma que percebemos a presença de uma grande quantidade de louças com
final de produção entre 1825 e 1860, vemos também a presença de louças que tiveram
o início de produção neste mesmo período. Isso revela que houve um intenso consumo,
que pode sugerir um processo acelerado de descarte de peças “antigas” e a aquisição de
peças novas, além da entrada de novos grupos consumidores no mercado local, verificada
pelo crescimento demográfico de cerca de 450% em trinta anos (entre 1858 e 1890).

Por esse motivo, consideramos que tanto as louças que tiveram sua produção iniciada
entre 1825 e 1860, quanto as que deixaram de ser produzidas neste período, estão
diretamente relacionadas ao período econômico de expansão e auge.

Neste grupo, a maior incidência é de louças com decoração pintada a mão livre, que
tiveram o período de início de fabricação entre 1830-40 e deixaram de ser produzidas
em 1860. O conjunto das louças selecionadas para esse período está distribuído da
seguinte forma:

- Serviço de chá e café: 2 pires, 3 xícaras, 1 jarra e 1 prato médio (Cat. 17 a 20).

- Serviço de jantar: 1 malga, 1 tampa de prato de serviço, 1 prato fundo, 3 pratos rasos,
1 travessa e 1 prato de servir (Cat. 21 a 25).

- Hábitos de higiene e toalete: 1 urinol, 1 bacia e 1 pote de toalete (Cat. 26 a 28).

Observando este grupo de louças percebemos em primeiro lugar se tratar de produtos


com preços acessíveis e até baratos. Muitas louças com decoração pintada a mão, no
princípio mais caras, e que foram produzidas entre os anos de 1830-60 (portanto, um
período curto, se considerarmos os meios de distribuição da época), representam neste
contexto a velocidade da disseminação de produtos no mercado e também o alto nível
de consumo exercido por alguns setores urbanos da sociedade da época.

Ao compararmos os dados quantitativos da amostra com os dados históricos, em uma


perspectiva diacrônica, percebemos que estes se colocam em acordo no que se refere
à periodização das etapas de desenvolvimento, confirmando o modelo interpretativo da
cronologia do desenvolvimento de Pelotas estabelecido por Mario Osorio Magalhães (1993).

***

A urbanização dos modos de vida


A urbanização é, essencialmente, um processo social, relacionado a mudanças de
comportamento e estilo de vida, de pessoas ou de grupos, provocadas pelo impacto da
vida em cidade na sociedade. Essas mudanças muito raramente são percebidas ao longo
do seu processo, necessitando de certo afastamento para serem avaliadas.

A observação nos permite dizer que o impacto causado pelas cidades vai provocar maior
ou menor grau de transformação, dependendo da posição de cada pessoa ou de cada
grupo dentro da cidade. Essa posição é determinada por uma conjunção de fatores, que
podem ser de ordem social, cultural ou econômica. No entanto, ela não é fixa, e pode

415
ser alterada pelo processo de urbanização. A identificação dos lugares das pessoas e dos
grupos no momento anterior à urbanização é fundamental para podermos analisar o
grau do impacto que este processo irá causar.

Partindo deste pressuposto, entendemos que é necessário “marcar as posições da cidade”


antes de caracterizar a urbanização dos modos de vida.

Em Pelotas, assim como em todo o Brasil, até o início da segunda metade do século XIX,
predominava ainda o modo de vida colonial. Numa perspectiva social este modo de vida
está caracterizado pelo modelo dicotômico charqueador/estancieiro - escravo.

Os senhores, charqueadores ou estancieiros, eram os detentores da riqueza e do poder. As


mulheres, com raras exceções, não tinham grande participação na vida social, econômica
ou cultural. Participavam mais ativamente da vida religiosa.

As casas das charqueadas ou das fazendas não dispunham de muitos móveis e utensílios.
Muitos desses objetos eram fabricados nas próprias residências. A vida social e cultural
era limitada aos eventos religiosos que obrigavam as famílias a se deslocarem aos núcleos
urbanos mais próximos.

A partir da formação do núcleo urbano, este modelo começa a ser substituído. Muitos
charqueadores transferem suas residências para a cidade e, aos poucos, ela vai tomando
forma. A concentração urbana atrai não só os senhores e seus escravos, mas também
muitas outras pessoas, que vêm em busca de novas oportunidades, “capitalistas” do
centro do país e de origem portuguesa, mas também imigrantes de origens variadas,
como franceses, italianos, alemães (entre os quais filhos de imigrantes já estabelecidos
em outras regiões da província), poloneses, bascos franceses e espanhóis, muitos inclusive
vindos do vizinho Uruguai, identificados como “orientais”. A cidade passa a abrigar
comerciantes, prestadores de serviços, funcionários do governo, profissionais liberais,
professores e artesãos especializados, entre outros. Na vida em cidade, a dicotomia
charqueador/estancieiro - escravo deixa de ser hegemônica e exclusiva nas relações
sociais, compartilhando espaço no cotidiano com outras relações sociais, resultantes
do ingresso de grupos sociais novos, com outros traços identitários, resultantes de seus
engajamentos profissionais ou origens étnicas variadas.

Estes grupos ocuparam assim espaços próprios, reconhecidos pela coletividade, na


paisagem urbana, eventualmente deixando registros materiais para a posteridade. Essa
nova realidade foi aos poucos criando novas formas de sociabilidade que, por sua vez,
exigiram um novo aparato material. São frequentes os jantares, as reuniões, os passeios.
Esta convivência social resultou na aquisição de novos costumes, como o café e o chá.

O conjunto de louças relacionadas ao serviço de chá e café possibilita que reflitamos sobre
estes dois hábitos, que têm simbologias diferentes. O consumo do café, após as refeições
principais e nas refeições secundárias, era bastante comum, e geralmente feito em xícaras e
canecas. O chá, por outro lado, esteve, até a metade do século XIX, associado à exibição de
status. Por ser um produto de alto custo, era consumido basicamente pela elite15. As xícaras,
pires e bules encontrados na amostra sugerem que houve uma preocupação maior com a
aquisição de louças de chá, já que estas certamente não seriam usadas apenas pelo grupo
familiar, mas sim em reuniões sociais que envolviam a recepção de visitas. O consumo de
chá, por ser geralmente feito nestas ocasiões, fora do ambiente da cozinha, necessitava de
um aparato maior. Era servido em bules e exigia o uso do pires como aparador da xícara.
A presença de peças provenientes de serviços de chá com louça de custo médio indica que

416
os setores urbanos médios pretendiam igualmente aparentar status social pela incorporação
deste novo costume e respectivo aparelho doméstico, além de reproduzirem em seu cotidiano
práticas de sociabilidade importadas, num primeiro momento, pelas elites charqueadoras. No
caso de Pelotas, a cultura do chá associou-se, nas horas de lazer, à cultura do doce.

As mudanças de comportamento podem ser observadas também pela presença de peças


relacionadas aos hábitos de higiene e toalete. Considerando que este conjunto de louças,
mais baratas em relação à porcelana, era consumido pelos setores médios da população,
conclui-se que este setor passou a ter maior acesso ao mercado de consumo, podendo
dispor de produtos de melhor qualidade (dentro do seu padrão aquisitivo) que, além de
proporcionar maior conforto, exibia sua condição econômica.

A presença das malgas no conjunto das louças da categoria de alimentação pode indicar
tanto o consumo de sopas, mais comum, quanto o consumo de chá. Ao observarmos
os seus padrões decorativos, percebemos que estes estão mais relacionados aos padões
decorativos das peças do serviço de chá e café, o que poderia colocá-las nesta categoria.

Porém, a pesquisa realizada com os ossos, exumados deste mesmo sítio, colaborou com
informações importantes sobre os hábitos alimentares da sociedade pelotense do século
XIX. A análise desse material, integrada a pesquisas de fontes literárias variadas, tais como
livros de culinária publicados na época, relatos de viajantes, cronistas ou naturalistas, e
até mesmo a literatura ficcional contemporânea, possibilitou concluir que a dieta desta
população era baseada em uma variedade de métodos de preparação da carne, como
ensopados, sopas, assados, preparados com arroz, entre outros16. Diante da confirmação
do hábito do consumo de sopas e considerando a ausência de um número expressivo
de pratos fundos, concluímos que as malgas também estavam sendo usadas para essa
finalidade, ou seja, sorver caldos, sopas e alimentos pastosos. A grande diferença dos
padrões decorativos entre as malgas pode indicar que estas peças estejam relacionadas a
diferentes períodos de uso ou diferentes grupos.

A presença de pratos de servir demonstra que as refeições estavam sendo servidas fora do
ambiente da cozinha e contavam com uma variedade de tipos de alimentos sólidos e pastosos
(sopas e ensopados). Mais uma vez, o estudo da coleção osteológica nos ajuda a entender
que era necessário um conjunto variado de peças que desse conta de servir os alimentos
à mesa, para o consumo, uma vez que a alimentação era baseada em uma diversidade de
modos de preparo da carne, combinada a uma composição de iguarias. No entanto, como é
comum nos registros arqueológicos históricos, o prato raso é a forma predominante.

O grande consumo de louças, sugerido para o período entre 1860 e 1890, é acompanhado
principalmente por produtos de grés. O estudo deste material identificou que durante quase
todo século XIX diversos produtos, de vários países, envasados em garrafas de grés, entraram
no mercado brasileiro. Entre as bebidas, um dos produtos mais consumidos aqui, envasados
em grés, foi a genebra, espécie de rum, seguida pelas cervejas (Fig. 2). Além de demonstrar o
relacionamento comercial do Brasil com vários países da Europa, como Holanda, Alemanha
e Inglaterra, demonstra que o consumo de bebidas alcoólicas era um hábito comum. O grés
foi encontrado inclusive na forma de manilhas e tubulações, evidenciando uso de material
moderno nas técnicas construtivas do final do século XIX. O material foi usado ainda para
pequenos frascos tinteiros, apontando uma atividade de escrita, que pode estar relacionada ao
trabalho, à educação, à cultura ou às artes. Como exemplo dos cuidados de si, encontraram-se
ainda recipientes em grés para produtos cosméticos usados para fixar e modular o penteado.

417
A presença de objetos de vidro também pode nos informar sobre os hábitos do grupo.
Neste caso, foram encontrados, associados às louças, diversos frascos de perfume, taças,
frascos de remédios, além de garrafas de diversas formas e funções (Figuras 3, 4 e 5). A
presença desses objetos nos informa sobre comportamentos relativos aos cuidados de si,
como higiene, saúde, estética, assim como sociabilidade e consumo de bebidas.

Ainda no final do século XIX, desenvolveu-se em Pelotas um grande número de atividades


sociais vinculadas ao lazer, que deram um grande impulso ao consumo e ao modo de
vida urbano. O grande período de entressafra das charqueadas permitia que a classe
charqueadora e também os segmentos médios se dedicassem a formas variadas de lazer
e sociabilidade (frequentação de parques e teatros, o carnaval, o Bal Masqué), o que
estimulava a criação de novas formas de consumo na cidade.

Os saraus, bailes e banquetes se tornaram frequentes. Um grande número de sociedades


recreativas foi criado, como iniciativa dos mais variados setores sociais. Ocorriam
atividades culturais as mais variadas. O comércio teve grande desenvolvimento e passou
a contar com grandes armazéns que ofereciam os mais diversos produtos de outros
estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, e também do exterior, como mantimentos,
móveis, ferramentas, louças, quadros, moda, livros, folhetins, figurinos e magazines.
Estes produtos eram consumidos pela sociedade pelotense e também revendidos pelos
mascates e caixeiros por todo o sul da província.

***

É possível perceber que mudanças complexas no estilo de vida da população ocorreram neste
período. O crescimento demográfico impulsionado pelas condições favoráveis da economia
charqueadora se fazia sentir principalmente nos setores médios, formados por uma diversidade
de profissionais liberais e por comerciantes. Certamente a emulação das elites pelos segmentos
médios da população, assim como da burguesia européia pela elite, esteve presente ao longo
de todo este período, fazendo com que constantemente novos hábitos e costumes fossem
incorporados, estimulando o consumo de novos produtos. A dinâmica social da vida da segunda
metade do século XIX não pode mais ser reduzida a um modelo dicotômico senhor / escravo,
pois o tecido social incorporou grupos os mais variados em suas faixas médias, que participaram
de forma determinante deste processo de “modernização urbana”.

A retórica histórica predominante costuma ofuscar o papel dos setores médios na


segunda metade do século XIX, em favor da imagem de uma cidade retaliada entre a elite
charqueadora/estancieira e a mão de obra escrava. Uns, pelo gosto por alimentar o mito
de um passado aristocrático, outros, pela intenção de delatar a crueldade do sistema
escravista sobre o qual se ergueu a riqueza da cidade, chegam, todos, de qualquer modo,
ao mesmo resultado: a obliteração do papel dos setores médios para a compreensão da
dinâmica urbana vivida por Pelotas na segunda metade do século XIX. Abafado seja pela
história ufanista, seja pela história denúncia, o historiador deve procurar nortear-se por
seu compromisso com a historicidade. Ora, entre a opulência aristocrática e o martírio
dos escravos, a arqueologia histórica evidencia, pela materialidade das coisas, o vigor dos
setores médios ascendentes, que deixaram sua marca na urbanidade que se configurou,
descolando-se do modelo colonial vigente até as vésperas da Revolução Farroupilha.
A cultura material trazida à luz pelos arqueólogos, na área central de Pelotas, mostra
como será sempre inapropriado um modelo interpretativo da história local que exclua a
importância de setores médios urbanos a partir da metade do século XIX.

418
Notas do pesquisador
3
MOURA, R. & SCHLEE, A. 100 Imagens da Arquitetura Pelotense. 2ª Ed. Pelotas: Palloti, 2002, p. 26.
4
Programa do Governo Federal, desenvolvido ao longo da primeira década do século XXI, financiado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento e coordenado em escala nacional pelo IPHAN/MinC, que visou à recuperação de importantes centros históricos.
5
A documentação arqueológica é composta pela cultura material, pelos dados relativos ao sítio recolhidos em campo, como desenhos
de perfil estratigráfico, mapas de localização e distribuição de fragmentos, fotografias, registros de edificações etc., e também pelos
dados produzidos em laboratório, como relatórios, artigos, catálogos e outros.
6
THIESEN, B. As paisagens da cidade: arqueologia da área central de Porto Alegre do século XIX. Dissertação de Mestrado: Porto Alegre:
PUCRS, 1999.
7
Inicialmente os arqueólogos usavam o termo “cerâmica iberoamericana”, querendo designar a cerâmica não importada, de produção
local, que resultava da hibridação de traços técnicos e formais das cerâmicas de tradição européia e tradição indígena. Posteriormente,
ao se verificar que a complexidade deste processo artesanal de hibridação incluía o elemento de origem africana, adotou-se o termo
“neobrasileira”. Hoje, alguns arqueólogos preferem falar de “cerâmicas locais e regionais”, considerando-se que a forma como estas
diferentes tradições se associam reflete traços locais. Esta produção local e regional predominou até a entrada forte da faiança fina
inglesa, que se deu após a abertura dos portos, em 1808, apesar de que estas produções nacionais nunca foram abandonadas,
atendendo demandas de diversas ordens, sobretudo para recipientes destinados ao armazenamento de alimentos e líquidos, e para o
uso rotineiro na cozinha.
8
MAGALHÃES, M. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860-
1890). Pelotas: Ed. UFPel: Co-edição Livraria Mundial, 1993.
9
Ao longo do texto, as louças citadas integram o catálogo e são referidas pela abreviação “Cat.”; já as referências a outras formas de
cultura material, como estruturas, vidros e grés, ao não integrarem o catálogo, são referidas como figuras, e identificadas ao longo do
texto pela abreviação “Fig.”
10
IbIdem, p. 32-53.
11
Processo mecânico de decoração de impressão por transferência. Utilizado a partir de 1750 pelos ceramistas ingleses.
12
A partir daqui, usa-se a abreviação “Cat”.
13
Padrão caracterizado pela presença de linhas curtas em relevo ou moldadas perpendiculares à borda e ao longo desta. Estas linhas
imitam o formato de escamas de peixe ou de bordas de conchas. As peças que apresentam decoração apenas pintada, porém sem
incisões e relevo moldado, ou com incisões e relevo, mas sem pintura, também são consideradas como pertencentes ao padrão Shell
edged por alguns autores, uma vez que representam o motivo inspirado na forma das conchas.
14
SYMANSKI, L. Espaço Privado e Vida Material em Porto Alegre no Século XIX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 172 (Coleção
Arqueologia 5).
15
Idem, p. 227.
16
NOBRE, C. Catálogo de Material Arqueofaunístico da Residência Conselheiro Maciel. Monografia. Pelotas: UFPel, 2003, 72p.

419
Figura 1

Figura 6 Figura 11

Figura 2

Figura 7 Figura 12

Figura 8
Figura 3

Figura 13

Figura 4 Figura 9

Figura 14

Figura 10

Figura 5
Figura 15

420
Figura 16

Figura 17

Figura 20 Figura 23

Figura 18

Figura 21
Figura 19

Figura 22

Figura 24

421
Figura 25

Figura 26 Figura 30

Figura 31

Figura 27

Figura 32

Figura 28

Figura 29
Figura 33

422
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Fábio Vergara Cerqueira e Luciana da Silva Peixoto.

Figura 1: Estrutura exumada - sítio Casa 2.


Figura 2: Garrafas e tinteiros de grés do acervo – sítio Casa 8.
Figura 3: Frasco de perfume - sítio Praça Cel. Pedro Osório.
Figura 4: Garrafas de vidro para diversos fins - sítio Casa 8.
Figura 5: Taça de vidro - sítio Praça Cel. Pedro Osório.

CATÁLOGO DE LOUÇAS HISTÓRICAS (Figuras 6 a 33) - Descrição:


Figura 6: Sítio: Largo Edmar Fetter. Inv: 53.04. Forma/Função: Prato raso – Serviço de jantar. Descrição:
Louça decorada pela técnica de pintura mecânica – transfer printing –, com tema cena chinesa no estilo
chinoiserie, padrão willow, na cor azul.
Figura 7: Sítio: Casa 8 Inv: 14.34. Forma/Função: Prato raso – Serviço de jantar. Descrição: Louça deco-
rada pela técnica de alteração de superfície, combinada com pintura à mão livre, padrão shell edged na
cor azul, produzida no período de 1780 a 1900. Bibliografia: PEIXOTO, 2003, Cat. 75
Figura 8: Sítio: Casa 2 Inv: 18.05.385. Forma/Função: Prato fundo – Serviço de jantar. Descrição: Louça
whiteware, decorada pela técnica de alteração de superfície em padrão royal rim, produzida no período
de 1820 a 1850.
Figura 9: Sítio: Casa 8. Inv: 14.13.105. Forma/Função: Prato raso – Serviço de jantar. Descrição: Louça
decorada pela técnica de pintura manual com impressão, padrão faixas e friso, no estilo faixa larga com
friso colorido, na cor azul, produzida no período de 1790 ao início do séc. XX.
Figura 10: Sítio: Casa 8. Inv: 14.12.059. Forma/Função: Malga – Serviço de jantar. Descrição: Louça de-
corada pelas técnicas de pintura manual à mão livre e pintura manual com impressão, padrão carimbada
combinado com spater, com tema floral, nas cores verde, marrom e lilás, produzida no período de 1820
à década de 1860.
Figura 11: Sítio: Praça Cel. Pedro Osório. Inv: 36.2572. Forma/Função: Prato raso – Serviço de jantar.
Descrição: Louça creamware, produzida no período de 1750 a 1810.
Figura 12: Sítio: Praça Cel. Pedro Osório. Inv: 36.1226. Forma/Função: Tampa de sopeira – Serviço de
jantar. Descrição: Louça ironstone, decorada pela técnica de alteração de superfície, produzida a partir
de 1815.
Figura 13: Sítio: Casa 8. Inv: 14.34.014. Forma/Função: Bule – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
decorada pela técnica de pintura mecânica por transferência – transfer printing –, com tema floral e
borda linear, na cor azul, produzida no período de 1820 a 1891. Selo pintado com a inscrição “Souza &
Irmãos – Pelotas”.
Figura 14: Sítio: Casa 8. Inv: 14.32.036. Forma/Função: Bule – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
decorada pela técnica de pintura mecânica – transfer printing –, com tema cena chinesa no estilo chi-
noiserie, na cor azul, produzida no período de 1783 a 1873.
Figura 15: Sítio: Casa 8. Inv: 14.48. Forma/Função: Xícara – Serviço de chá e café. Descrição: Louça deco-
rada pela técnica de pintura mecânica – transfer printing –, com tema cena chinesa no estilo chinoiserie,
padrão brosley, na cor azul, produzida a partir de 1780.
Figura 16: Sítio: Casa 8 . Inv: 14.18.540. Forma/Função: Bule (bico) – Serviço de chá e café. Descrição:
Louça decorada pela técnica de pintura mecânica – transfer printing –, com tema floral no estilo sheet
floral, na cor marrom, produzida no período de 1795 a 1867.
Figura 17: Sítio: Casa 8. Inv: 14.31.067. Forma/Função: Pires – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
pearlware, decorada pela técnica de pintura manual com impressão, padrão faixas e friso na cor verde,
produzida no período de 1790 ao início do séc. XIX (1820/1840).
Figura 18: Sítio: Casa 8. Inv: 14.18.456. Forma/Função: Xícara – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
pearlware, decorada pela técnica de pintura manual com impressão, padrão faixas e friso na cor verde,
produzida no período de 1790 ao início do séc. XIX (1820/1840).

423
Figura 19: Sítio: Praça Cel. Pedro Osório. Inv: 36.2617. Forma/Função: Xícara – Serviço de chá e café.
Descrição: Louça sem decoração, whiteware, produzida a partir de 1820 até os dias atuais.
Figura 20: Sítio: Casa 8. Inv: 14.18.445. Forma/Função: Pires – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
decorada pela técnica de alteração de superfície combinada com pintura à mão livre, padrão shell edged,
na cor azul escuro, produzida no período de 1775 a 1860.
Figura 21: Sítio: Casa 8. Inv: 14.18.538. Forma/Função: Prato fundo – Serviço de jantar. Descrição: Louça
decorada pela técnica de pintura manual com impressão, padrão faixas e friso, estilo frisos na borda, na
cor azul, produzida no último quartel do séc. XIX. Dimensões: Ø borda 24 cm x Ø base 10 cm x h 4 cm.
Figura 22: Sítio Casa 8. Inv: 14.34.031. Forma/Função: Jarra/Leiteira – Serviço de chá e café. Descrição:
Louça decorada pela técnica de pintura manual à mão livre, com tema floral em estilo peasant, nas cores
verde, vermelho e azul, com friso dourado na borda, produzida no período de 1830 a 1860. Dimensões:
Ø borda 10 cm x Ø base. 9,5 cm x h 15,5 cm.
Figura 23: Sítio: Largo Edmar Fetter. Inv: 53.13. Forma/Função: Prato médio – Serviço de chá e café.
Descrição: Louça decorada pela técnica de pintura manual à mão livre com tema floral em estilo peasant
na cor vermelha, produzida no período de 1840 a 1860.
Figura 24: Sítio: Casa 8. Nº de Inventário: 14.12.076. Forma/Função: Xícara – Serviço de chá e café.
Descrição: Louça decorada pela técnica de pintura manual à mão livre, com tema floral em estilo sprig,
nas cores verde, vermelho, amarelo e azul, produzida no período de 1840 a 1860. Dimensões: Ø borda
9,5 cm x h 6 cm.
Figura 25: Sítio: Casa 8. Inv: 14.15.111. Forma/Função: Xícara – Serviço de chá e café. Descrição: Louça
decorada pela técnica de pintura manual à mão livre, com tema floral combinando os estilos peasant e
sprig, nas cores verde, vermelho e preto, produzida no período de 1840 a 1860. Dimensões: Ø borda 10
cm x Ø base 5 cm x h 6 cm.
Figura 26: Sítio: Casa 8. Nº de Inventário: 14.18.449. Forma/Função: Malga – Serviço de jantar. Descri-
ção: Louça decorada pela técnica de pintura manual à mão livre combinada com pintura manual com
impressão padrão carimbada com tema floral, nas cores verde, vermelho, preto e azul escuro, produzida
no período de 1840 a 1860. Dimensões: Ø borda 12,5 cm x Ø base 6,5 cm x h 7 cm.
Figura 27: Sítio: Casa 8. Inv: 14.34.086. Forma/Função: Terrina – Serviço de jantar. Descrição: Louça
decorada pela técnica de alteração de superfície, padrão Gótico, produzida no período de 1840 a 1850.
Dimensões: c 31 cm x l 26 cm x h 7 cm.
Figura 28: X - Sítio: Casa 8. Inv: 14.34.082. Forma/Função: Tampa de terrina – Serviço de jantar. Des-
crição: Louça decorada pela técnica de alteração de superfície, padrão Gótico, produzida no período de
1840 a 1850. Dimensões: c 23 cm x l 23 cm x h 14 cm.
Figura 29: Sítio: Casa 8. Inv: 14.31.102. Forma/Função: Prato de servir – Serviço de jantar. Descrição:
Louça decorada pela técnica de alteração de superfície, padrão shell edged, combinada com pintura à
mão livre, na cor verde, produzida no período de 1775 a 1860. Dimensões: c 34 cm x l 27,5 cm x h 3,5 cm.
Figura 30: Sítio: Praça Cel. Pedro Osório. Inv: 36.1031. Forma/Função: Prato raso – Serviço de jantar.
Descrição: Louça decorada pela técnica de alteração de superfície combinada com pintura à mão livre,
padrão shell edged na cor vermelha, produzida no período de 1775 a 1860.
Figura 31: Sítio: Casa 8. Inv: 14.18.451. Forma/Função: Urinol / Vaso noturno. Descrição: Louça decorada
pela técnica de pintura manual à mão livre, com tema floral em estilo peasant, nas cores verde, vermelho
e amarelo, produzida no período de 1830 a 1860.
Figura 32: Sítio: Casa 8. Nº de Inventário: 14.18.524. Forma/Função: Bacia. Descrição: Louça decorada
pela técnica de pintura manual à mão livre, com tema floral em estilo peasant, nas cores verde, vermelho
e azul, produzida no período de 1830 a 1860.
Figura 33: Sítio: Casa 8. Inv: 14.12.064 Forma/Função: Pote de toalete. Descrição: Louça decorada pelas
técnicas de pintura manual à mão livre e pintura manual com impressão carimbada, com tema floral, nas
cores, verde, rosa, azul e lilás, produzida no período de 1845 a 1860.

424
425
425 426 427 428

433 434 435

425. Detalhe das proximidades da Estação Férrea. Ano de 2011. Parte posterior. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 426. “Estrada de Ferro”. Ano de 2005.
Acervo/Colaboração de Carmen Jacira Ferreira Tavares. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). 427. Detalhe de mobiliário urbano: bicicletário. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Fábio Caetano. 428. Antigo Banco do Brasil, com torres do Mercado Central, ao fundo. Detalhe. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio
Caetano. 429. Detalhe do Grande Hotel: cúpula. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 430. Vista parcial do atracadouro “Quadrado”. Zona do
Porto. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 431. Artístico e expressivo grafite e senhora transeunte. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
432. Músico entre bolhas de sabão, durante atividade cultural acadêmico da UFPel, paralela ao Dia do Patrimônio 2013, realizada no terraço do edifício da Associação
Comercial de Pelotas. Agosto de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein.
429 430 431 432

436 437 438 439

433. A Princesa e o Plebeu. Interior do Café Aquários. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 434. “Descartável”. Ano de 2010. Acervo/Colaboração de Carmen
Jacira Ferreira Tavares. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). 435. “Vira lata”. Acervo/Colaboração de Carmen Jacira Ferreira Tavares. Fotografia de Vilmar Tavares
(in memoriam). 436. Ladrilhos hidráulicos e pedestres no Calçadão. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 437. Vista da Praça 7 de Julho desde
o interior do antigo Liceu de Agronomia. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 438. Espetáculo de luz, som e movimento da Fonte das
Nereidas, especialmente preparado para o Natal de 2013, tendo sido prestigiado por numeroso público. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.
439. Ruína de chaminé, remanescente no complexo do antigo Frigorífico Anglo, à beira do Canal São Gonçalo. Agosto de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana
Charnaud.
440. Cão de rua estendido, descansando sobre os trilhos desativados na Zona do Porto, próximo da Praça Domingos Rodrigues. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul
Garré. 441. Detalhe das Ruínas da Antiga Cervejaria Sul-Riograndense, futuras instalações do Mercosul Multicultural da Universidade Federal de Pelotas. Face pela Rua
José do Patrocínio. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul Garré. 442. Detalhe do edifício da antiga Fábrica Fiação & Tecidos Pelotense, que ora abriga
a Cervejaria Original Bier. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul Garré. 443. Arte e confraternização em frente ao Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas.
Rua Alberto Rosa, esquina Rua Conde de Porto Alegre. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 444. Artistas de rua no Calçadão da Rua Sete de
Setembro esquina Rua Andrade Neves. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 445. “Dama da praça”. Praça Cel. Pedro Osório. Acervo/Colaboração
de Carmen Jacira Ferreira Tavares. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). 446. Paralelepípedos, pedestres e guarda-chuvas. Praça 7 de Julho. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.

440 441 442

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447. Flagrante do momento exato do falecimento do morador de rua conhecido popularmente como “Saddam”, ironicamente ocorrido em frente ao prédio da Asso-
ciação Comercial de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 448. Vista parcial do interior do Café Aquários, vendo-se o tradicional balcão do
‘cafezinho’. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 449. Café Aquários: morador de rua observa a sociedade do outro lado do vidro. Ano de 2012.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 450. Banda de Música da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada, em desfile pela Av. Bento Gonçalves, no dia da
pátria de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 451. Cavaleiros ‘farroupilhas’ em desfile na Avenida Bento Gonçalves. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Fábio Caetano. 452. O fotógrafo Edgar Conceição Borges, com sua máquina ‘lambe-lambe’ e o popular “cavalinho”, com os quais trabalhou desde a década de 1970,
tirando retratos de crianças na Praça Cel. Pedro Osório. Ano de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 453. Moradora de rua no centro da cidade. Ano
de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.

443 444 445 446

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430
431
O CULTIVO DO ARROZ: A IMPRENSA LOCAL
E O DESENVOLVIMENTO DESTA CULTURA
EM PELOTAS DO SÉCULO XIX AO XXI

Gabriela Brum Rosselli1

O cultivo do arroz em Pelotas obteve papel de destaque para a economia local no início do século
XX. A queda na estrutura econômica da indústria saladeril fez com que o arroz, já há alguns
anos lavrado artesanalmente, ganhasse a dedicação de algumas indústrias e principalmente do
conhecido “Rei do Arroz”, o coronel Osório. No ano de 1903 inicia-se o desenvolvimento do arroz
na região, manualmente produzido desde meados de 1832.

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a adotar a cultura arrozeira. O periódico Correio
Mercantil, em edição de 11 de outubro de 1900, noticiando sobre o cultivo do arroz em Pelotas,
dizia que a maior riqueza do estado, naquele momento, era a agricultura, suscitando seu
desenvolvimento e persuadindo a opção da produção do arroz, que ganhava pouca atenção por
parte dos agricultores. A notícia tentava fomentar o plantio do arroz, que era importado em
grande escala, quando, ao contrário, poderia ser exportado, evitando a retirada anual da grande
soma de capitais para estrangeiros. O jornal tratava a economia do arroz como uma fonte de
riqueza particular, expondo que a cidade possuía terras que serviriam perfeitamente para aceitá-
lo e essas em grande quantidade em todos os municípios do estado.

Quantitativamente a notícia no jornal abordava que a produção do arroz era de 40.000 sacos
por ano, porém, teríamos a possibilidade de elevar consideravelmente este número se houvesse
dedicação e interesse pela cultura. A exemplo das repúblicas vizinhas, Pelotas deveria ocupar-
se da cultura dos campos, pois as terras eram propícias para este feito. Almejando uma renda
vantajosa para a região, seria necessário o dispêndio de esforços e despesas no preparo da cultura 1
Graduada em História pela
do cereal, que deveriam ser drenados e regados por meio de açudes, que além de facilitar o Universidade Federal de Pelotas
(UFPel, 2014).
cultivo era uma forma fácil de transportá-lo.
No ano de 1901, a colheita no município de Santo Ângelo, localizado no Rio Grande do Sul, sofreu
com secas que assolaram toda a região e aniquilaram quase completamente os arrozais naquele
município. A redução foi de 20 ou 30 alqueires, comparada com períodos anteriores quando
colhiam proporções de 200 a 350. Já Rio Pardo, neste mesmo ano, obtivera bons resultados do
cultivo deste cereal, em decorrência do preparo de novas terras para a agricultura.

Foi então que em 30 de março de 1904, o jornal Correio Mercantil, lançou informes sobre o
progresso local do arroz, o qual trazia apontamentos sobre o importante estabelecimento dos
ilustres e esforçados industrialistas Frederico Carlos e Ernesto Augusto Lang, sócios do agricultor
Maximiliano Saenger, empresa que teria sido fundada no ano anterior. O local de plantação era
do terreno de propriedade do senhor Alberto Rosa onde existia uma extensão de 60 hectares
de terra lavrada, com máquinas vindas dos Estados Unidos e localizava-se à margem do Arroio
Pelotas. Dizia a matéria:

O nosso amigo Sr. Capitão Pedro Uhalt, em nome dos Srs. F. C. Lang & C., convidou-
nos para assistirmos, hoje, à ceifa do grande arrozal sito em campo de propriedade do
nosso amigo Sr. Coronel Alberto Rosa, à margem do Arroio Pelotas, e onde, conforme
em tempo noticiamos, aquela firma, em sociedade com o operoso agricultor Sr.
Maximiano Saenger, fez importante plantação dessa excelente gramínea. Sabemos
que, desde ontem, começou ali o serviço da séga, feito por máquinas americanas
recentemente importadas. O Sr. Capitão Uhalt convidou para o ato os demais colegas
da imprensa (Diário Popular, 03/10/1904).

O arroz já era cultivado em larga escala em vários municípios do norte do estado sendo
considerado de qualidade superior ao que era importado por ter suas partículas alimentícias
mais adequadas. Em notícia sobre a inauguração do extenso arrozal que enriquecia a margem do
Arroio Pelotas, em terrenos pertencentes à antiga Charqueada do senhor Manoel Raphael Vieira
da Cunha, descreve a animação e entusiasmo do espetáculo que era a plantação do agricultor
Maximiliano Saenger. Explica como funcionavam as máquinas americanas que eram puxadas a
quatro cavalos, funcionando com rapidez cortando as hastes do arroz com afiadas navalhas e
levando-as posteriormente às lonas para serem atadas em feixes, jogados à margem do caminho,
obtendo resultado completo. O trabalho desta máquina, que ocupa um homem em suas costas
para fazer a descarga dos feixes e outro guiando os animais, equivalia pelo esforço de numerosos
hábeis segadores.

A água para regar era levantada do Arroio Pelotas, na altura de dois metros, operando um
motor de 26 cavalos. O agricultor fazia a plantação de 120 sacos de arroz para em breve serem
colhidos 10.000 sacos que, após serem cortados, eram postos a secar e trilhados, prontos para
serem descascados e polidos, para serem oferecidos ao consumo. Os senhores Lang & C. já
cogitavam em adquirir os aparelhos necessários para que o arroz saísse de seu estabelecimento
perfeitamente beneficiado e pensavam em alargar a área do seu plantio para terrenos em
condições nas proximidades.

As terras ali eram bastante férteis, havendo trechos de terreno em que o arroz floresceu sem
maiores cuidados, plantados já tarde. Maximiliano Saenger, ativo e operoso encarregado do
trabalho agrícola, para obter esses resultados (que, embora animadores, apenas seriam completos
em nova experiência) teve de realizar ali uma soma de serviços indispensáveis, entre os quais a
canalização da água do Arroio Pelotas. Para isso foram abertos extensos córregos em todo o
terreno, alimentados pela água em abundância, onde uma poderosa bomba captava a vala - 450
metros de extensão - aberta ao nível do arroio Pelotas. A referida bomba tinha o diâmetro de 20
centímetros e despejava 5.000 litros de água por minuto.

434
Em nota do Diário Popular, de maio de 1904, era apresentada a carta referente a assuntos do
estado sobre o arroz colhido, esta enviada ao Diário do Rio Grande do Diretor da Repartição de
Estatísticas Comercial do Brasil. A carta, intitulada “A carga do Juanita” informava que este navio
a vapor havia levado para o Rio da Prata um carregamento de arroz em casca, o que destacaria a
importância daquele embarque pelo auspicioso desenvolvimento da exportação do arroz, o qual
vincularia o comércio desse estado com as Repúblicas vizinhas do Prata. Disseminava também
algum estranhamento pelos exportadores preferirem levar o arroz aos mercados estrangeiros,
quando podiam com maior vantagem vendê-lo dentro do país, onde os direitos de entrega do
arroz tinham sido elevados ao dobro naquele mesmo ano. A intenção era chamar a atenção dos
exportadores para este fato e aconselhá-los a procurar os mercados dos outros estados brasileiros.

Esta cultura do arroz estaria aproveitando terrenos impróprios para outras plantações, como
banhados ou terrenos fracos pela cultura do milho e do fumo. O jornal Correio Mercantil de
julho de 1907, a fim de obter culturas regulares, aponta que um dos maiores defeitos no cultivo
do arroz nacional era não fazer uma seleção de sementes a serem plantadas. Desta forma,
mesmo com todo o cuidado que estivesse dispensado aos arrozais, este havia sempre de sentir a
desigualdade tanto no desenvolvimento das plantas como no crescimento e amadurecimento das
espigas. Ainda indicava que para a exploração de mais de uma qualidade de arroz, as culturas
deveriam ser feitas afastadas umas das outras. Assim, teriam dados seguros para basearem-se
sobre as qualidades que melhores resultados ofereceriam.

Percebendo a cessação do ciclo da carne, o coronel Pedro Osório interessou-se por este novo
empreendimento, o cultivo do arroz, que vinha desenvolvendo-se rapidamente naquela época.
Com a ajuda do engenheiro agrimensor Gabriel Gastal, investiu na plantação nas terras de sua
casa no Cascalho, em 1907. O preparo da terra para o recebimento da semente constitui um
dos mais importantes fatores no cultivo do arroz. O periódico Correio Mercantil de 1908 trás
algumas publicações de interesse aos agricultores, sobre a preparação do solo, a plantação e a
colheita, comparando a outros países como a China, o Japão, a Itália, entre outros. Neste mesmo
ano, o senhor Roberto Schmockel, criou uma máquina de beneficiar arroz. Esta produzia arroz
semelhante ao beneficiado na Europa, além de ocupar pouco espaço e seu preço ser inferior a
outros existentes.

Em uma de suas notícias, o Diário Popular comenta ter recebido uma amostra do grão colhido
pelo senhor Ildefonso Simões Lopes, que presidiu o primeiro Congresso Rural do Estado. O arroz
era da espécie Carolina e foi beneficiado no engenho de Santa Ignacia, estando inteiro e parelho,
deixando a impressão de notável avanço no beneficiamento do cereal.

É improvável pensar a história do arroz em Pelotas sem relacionar este considerável desenvolvimento
ao nome do coronel Pedro Osório. Em 9 de junho de 1898 o jornal Diário Popular, em matéria
principal, homenageia o Coronel pelo seu quadragésimo quarto aniversário e apresenta seu
prestígio sobre alguns importantes feitos deste personagem para a cidade e região. Tratando-se
sobre sua imagem precedente, o jornal diz:

Nestas condições, o Diário Popular, interpretando o pensamento do grande partido


republicano deste município e traduzindo o sentimento geral da população, cujos
interesses servem com ardor, entende de seu dever prestar modesta, mas sincera ho-
menagem, ao incomparável amigo e decidido patriota, que tantos títulos recomendam
a admiração partidária e a estima pública (...). Desde 1888, ainda no brilhante período
da propaganda, em que o distinto patrício filiou-se ao partido republicano, contam-
-se, dia a dia, os seus inestimáveis serviços, a par dos proveitosos conselhos do seu
admirável bom senso, dentro da agremiação partidária (Diário Popular, 06/09/1898).

435
Tendo afeição pela rizicultura, desde 1907, o coronel da Guarda Nacional obteve alteroso sucesso
na cultura do arroz e passou a ser reconhecido mundialmente. Com aptidão para comandar, foi
chefe do Partido Republicano em Pelotas e corroborou para levar Getúlio Vargas ao poder, sendo
membro da Junta Revolucionária em 1930. O Coronel tornou-se uma referência em Pelotas,
recebendo o seu nome a principal praça da cidade e um monumento em homenagem à sua
memória, esculpido por Antônio Caringi.

Em 1909 Pedro Osório organizou a primeira sociedade para iniciar o desenvolvimento dessa
promissora cultura, ainda no Cascalho, tendo como firma Osório & Schild. Desde então, o Coronel
foi efetuando a constituição de outras sociedades com o mesmo propósito, conseguindo tornar-
se o maior produtor do cereal no país. O jornal trás a listagem das firmas que, em plantação de
grande escala, levaram o Coronel Pedro Osório a ser conhecido como o “Rei do Arroz”, exibindo
o quadro em ordem cronológica com o local e as organizações:

1907 – Cascalho – Pedro Luiz da Rocha Osório


1909 – Cascalho – Osório & Schild
1909 – Cascalho – Osório & Borba
1910 – Cotovelo – Osório & Simões
1910 – Retiro – Osório & Schild
1911 – Retiro – Osório, Schild &Kruger
1911 – Cascalho – Pedro Luiz da Rocha Osório
1917 – Graça – Osório, Vasconcellos & Osório
1917 – Liscano – Osório, Ribas & Vasconcellos
1917 – Arroio Grande – Osório, Kruger & Lemos
1918 – Cerrito – Osório, Vasconcellos & Brisolara
1921 – Tapes – Pedro Luiz da Rocha Osório
1921 – Feitoria – Osório, Magalhães, Vieira & C. (Diário Popular, 07/08/1939).

Tendo estas lavouras produzido um resultado satisfatório, em apenas um ano, de 200.000 sacos
de arroz em casca. Na sequência, em 30 de maio de 1913, o Correio Mercantil traz a notícia
de que naquele ano em Pelotas teria atingido a 67,20 quilos. Porém, para infelicidade dos
agricultores, estas organizações de engenhos se tornaram insuficientes. Foi então que o Coronel
Pedro Osório encontrou a solução com a fundação do grande “Engenho São Gonçalo”, o qual
se localizava às margens do Rio São Gonçalo próximo ao seu estabelecimento de charqueada.

O jornal Opinião Pública mostra que o cálculo das safras de 1910 para 1911, estava distribuído da
seguinte maneira: Minas Gerais com 300.000 mil sacos; São Paulo, 200.000 mil; Rio Grande do
Sul, 100.000 mil; Rio de Janeiro, 40.000 mil; Santa Catarina, 12.000 mil. Depois de beneficiado o
produto, esta produção totalizou 334.189 toneladas. Com isto, podemos perceber a importância
que tem a safra do arroz para a economia do país. Em Pelotas, magnífico centro do progresso
agrícola, berço da primeira Associação Rural do estado, de ano para ano crescia a produção de
arroz. No ano de 1912, de acordo com o relatório do senhor Cypriano Barcellos, intendente
municipal, verificava-se uma produção muito significante de sacos de arroz, alcançando à
colheita de 105.069 sacos até o ano de 1919.

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No ano de 1914, o Senhor João Simões Lopes aparece na matéria de colaboração do jornal
Correio Mercantil, pelo envio do livro de sua autoria, intitulado “Cultura do Arroz”, colocando
que a publicação seria um manual necessário a todos que se dedicavam à plantação. Em seu livro
o autor cita até mesmo todos os instrumentos preciosos para a cultura do arroz, assim como
os valores e as casas de comércio onde eram vendidos, além de diversas gravuras dos materiais
agrários, modelos de galpões, instalações e o trabalho na lavoura. Em nota de 1915, o mesmo
jornal observa que os plantadores da região tinham a preferência às vendas para a exportação, que
pagavam melhores preços devido à escassez das colheitas no estado de São Paulo. Desta forma
tornava-se difícil a compra local de um saco do cereal, não se achava por menos de 38$000,
preço altíssimo se comparado à época que ainda não havia plantações na cidade, quando o arroz
era importado, custando cerca de 15$.

Em 1915, havia no Rio Grande do Sul uma área de 42.500 hectares de terras com lavouras de
arroz, que produziam 108.000 toneladas. Em 1917, a área citada recebia um acréscimo de 4.260
hectares, entretanto baixava a produção e o valor. Em apontamento, o jornal Opinião Pública de
1916, explana sobre o plantio do arroz nos estados do sul do Brasil ter ganhado grande intensidade.

No ano de 1917, a colheita do arroz se mostrava muito significativa. As colheitas das plantações
do Vaccacahy e Salso, pertencentes à Sociedade Agrícola Gabrielense, estabelecida no município
de São Gabriel, após seu término a quantidade de arroz colhido foi 27.000 sacos e 50 quilos.
Uma grande parte de arroz colhido já estaria armazenada nos depósitos da cidade, que a empresa
possuía junto ao engenho. Para poder atender às grandes encomendas de arroz que seria
exportado para as repúblicas Argentina e Oriental, o engenho trabalhava dia e noite. O senhor
José Manoel de Moraes, criador e agricultor em Alegrete, colheria em seu engenho de quatro
hectares 100 sacos de arroz, tendo plantado apenas 15, o que representava magnífico resultado.
A irrigação da área cultivada teria sido feita naturalmente, sem o auxílio de máquinas, com o
aproveitamento de uma vertente.

Em 1918, a situação melhorou, sendo 57.000 hectares plantados que produziram 114.030
toneladas de arroz. E no ano seguinte no Rio Grande do Sul, numa área de 60.000 hectares,
colheram-se 132.000 toneladas. Tratando-se sobre a exportação do arroz em 1921, o Diário
Popular relata que foi bastante auspiciosa. Dos mercados do exterior, foram maiores consumidores
os de Buenos Aires, Montevidéu e Hamburgo. Na estatística do Boletim Comercial, a exportação
global de arroz de Pelotas, no ano de 1920, atingiu 10.347.807 quilos.

Meados de 1930, o problema na agricultura encontrava-se na baixa do custo de produção. No


arroz, já há vinte anos, se via a necessidade em depreciar a produção, pensou-se até mesmo
detalhes insignificantes no preparo do solo, na qualidade ou quantidade da semente e na
adubação, que poderiam trazer diferenças consideráveis. No jornal Opinião Pública de 1936,
uma notícia informa que o arroz brasileiro não temia confronto com os melhores do mundo. A
produção se desenvolvia tanto em qualidade como em quantidade. O Brasil haveria reconquistado
os mercados perdidos após a guerra, em consequência da insanidade de algumas firmas que
misturavam materiais indevidos com o arroz para obter maiores lucros. O castigo foi sofrido,
porém, levou o brasileiro a cultivar o arroz com maior cuidado.

No ano de 1939, produtores e exportadores de arroz se mostram descontentes por ter sido criada
uma taxa de 1$000 sobre cada saco de arroz exportado para praças nacionais e estrangeiras
- chamada “taxa de sacrifícios” - dificultando a conquista de novos mercados. Esta taxa foi
submetida pelo secretário da Agricultura, Ataliba Paz, e seria atribuída para formar um fundo
para garantir os juros dos prováveis prejuízos da operação de crédito, avaliada pelo estado, que
o Instituto do Arroz pretendia realizar com o Banco do Brasil para proteger os rizicultores. O

437
projeto não foi bem recebido tanto pelos rizicultores quanto pelos exportadores. Em entrevista
para o Diário Popular, diz o sócio da firma pelotense Fetter & Cia, Manoel Aires:

Para o arroz beneficiado a ser exportado para o território nacional é razoável a


taxa embora um pouco elevada, de vez que se destina ela a amparar os produtores,
mas para o arroz ser exportado para o estrangeiro julgo, como disse, prejudicial. Já
há certa dificuldade de colocar o nosso arroz nos mercados platinos e isso porque
sofremos a concorrência de alguns países europeus, notadamente da Itália e Egito,
que na safra passada foram fortes concorrentes. Além disso, a produção de arroz
na Argentina vem sendo intensificada de ano para ano, o que representa, também,
sério obstáculo ao aumento de nossa exportação (...). Ora, assim sendo, parece-me
que deveriam ser criadas todas as facilidades para a colocação do nosso produto no
estrangeiro. O taxa de sacrifício só vem dificultar essa colocação. Por isso, julgo-a
de momento ao menos, perfeitamente desaconselhável (Diário Popular, 10/051939).

Percebendo os malefícios que traria a “taxa de sacrifício”, o Instituto do Arroz decide suspendê-la.
Em nota enviada pelo representante do Instituto em Pelotas, João Abrantes, membro destacado
da firma Vva. Pedro Osório e Cia., é declarada a notícia.

***

Economicamente nosso estado é um dos que mais produzem e exportam essa cultura no Brasil,
além das feiras que, hoje, movimentam mercado, economia e sociedade. É uma sapiência que vem
há muito tempo sendo estudada e desenvolvida em nossas terras, foi expandindo-se e chamando
a atenção de pessoas de todo o mundo. Atualmente a marca reconhecida como líder do mercado
nacional no processamento e comércio do arroz é a Josapar, empresa que foi fundada no início
do século XX em Pelotas. O investimento no cereal pela empresa começou na década de 1970.
Por sua aptidão para os negócios e comércio, Joaquim de Oliveira, ao vir de sua terra natal –
Portugal - para Pelotas ainda quando a cultura do arroz estava em fase de experimento, sem
demora adaptou-se e construiu uma associação com seu cunhado.

Joaquim de Oliveira e Abílio Moraes montaram um armazém que ficou conhecido como grupo
Josapar e o empreendimento gerou tantos lucros que cresceu para uma rede de supermercados.
Esta reconhecida rede, intitulada “Real”, foi vendida e o rendimento colhido foi aplicado no
comércio do arroz. Hoje em dia, nesta empresa que atinge apressurado crescimento, o produto
que possui a maior vantagem de vendas para o grupo Josapar é o arroz, conhecido por sua marca
“Tio João”, a qual ilustra um afável português em suas embalagens.

***

O presente texto procurar mostrar o quanto o cultivo de arroz em nossa cidade, após o charque,
proporcionou grandes feitos e o quanto alguns jornais colaboram para escrever esta história.
Afinal, “A nação brasileira nasce e cresce com a imprensa. Uma explica a outra. Amadurecem
juntas” (LUCA & MARTINS, 2008, p. 08), sendo que foi em 1808 que a imprensa surgiu no Brasil,
com a chegada da família Real e a instauração da Imprensa Régia, e o “jornalismo encontrou na
realidade política brasileira das primeiras décadas do século XIX uma fonte para exercer sobre ela
uma extraordinária influência e se desenvolver” (LOPES, 2006, p. 33).

Assim, como pode ser constatado nas notícias retiradas de nossa imprensa local, o cultivo do

438
arroz em nossa cidade, assim como a cultura do charque, proporcionou o desenvolvimento
econômico e comercial da Pérola do Sul. O desenvolvimento econômico trouxe consigo inovações
no setor maquinário e também na forma de cultivo além de obras de canalização para irrigação
do arroz, engenhos e casas de comércio, ademais, grandes nomes de arrozeiros levaram o nome
de nossa cidade ao reconhecimento internacional.

É uma das riquezas que nos deve encher de orgulho, com a qual aos poucos fomos vencendo
a importação do arroz estrangeiro. Em visita aos nossos arrozais em 1914, um dos maiores
especialista da cultura do arroz, para sua época, Novello de Novelli, diretor da Estação Risocola
de Vercelli, Itália, disse em seu relatório:

Temos visto, em plantações modernas, instalações que satisfazem a todas as


exigências da delicada operação do preparo do arroz, como o do engenho do
Cascalho, do Coronel Pedro Osório, (...) onde o arroz preparado muito se aproxima
do que é trabalhado na Itália. A indústria rio-grandense tem feito em poucos anos
progressos surpreendentes, e são dignos de louvores os homens cheios de iniciativa
que se consagram a essa indústria e que com tão boa vontade afrontam todos os
sacrifícios (Diário Popular, 28/05/1921).

Referências
ABUCHAIM, V. O Tropeiro que se fez rei. Porto Alegre: Gráfica Mosca Ltda, 2013.
LOPES, A. Traços da política: representações do mundo político na imprensa ilustrada e humorística
pelotense do século XIX. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
LOPES NETO, J. S. “A Cultura do arroz”. Manual. Bibliotheca Pública Pelotense (663.18/S593c).
LUCA, T.; MARTINS, A. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
RIBEIRO, J. “Os grãos dourados de Tio João: Grupo Josapar abre pela primeira vez as portas da
Companhia para a imprensa e conta os detalhes do investimento milionário na linha de arroz Premim”.
In:Http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agronegocios/os-graos-dourados-de-tio-joao.
(Acesso em 13/10/2014).
TACQUES, J. O arroz no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1935.

Jornais
A Reacção, Pelotas/RS, 1914.
Correio Mercantil, Pelotas/RS, 1899, 1900, 1901, 1903, 1904, 1905, 1907, 1908, 1913, 1914, 1915,
1930.
Diário Popular, Pelotas/RS, 1898, 1904, 1906, 1909, 1913, 1915, 1916, 1917, 1918, 1920, 1921, 1922,
1939, 1941, 1973.
O Dia, Pelotas/RS, 1916.
O Rebate, Pelotas/RS, 1915.
Opinião Pública, Pelotas/RS 1911, 1917, 1936.

439
Figura 6

Figura 7

Figura 1

Figura 8

Figura 9 Figura 12

Figura 2

Figura 13

Figura 3

Figura 4 Figura 10 Figura 14

Figura 5 Figura 11

440
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Gabriela Brum Rosselli.

Figura 1: Capa da obra “Cultura do Arroz” de João Simões Lopes. Pelotas: 1914. Fonte: Acervo Bibliothe-
ca Pública Pelotense.
Figura 2: Página ante-rosto do livro “Cultura do Arroz” de João Simões Lopes, com imagem, dedicatória
e assinatura do autor. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 3: Cultura do Arroz de 1914. Caminhão de carga “mulag” de 4000 quilos. Fonte: Acervo Biblio-
theca Pública Pelotense.
Figura 4: Cultura do Arroz de 1914. Trator “Hart Parr” arando com 3 corpos de 5 discos cada um. Fonte:
Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 5: Cultura do Arroz de 1914. Trator “Oruga” arando com o arado de “Mogul” de 8 ferros. Fonte:
Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 6: Cultura do Arroz de 1914. Semeadora de discos. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 7: Cultura do Arroz de 1914. Rolo compressor, articulado. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública
Pelotense.
Figura 8: Cultura do Arroz de 1914. Rolo compressor em ação. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelo-
tense.
Figura 9: Cultura do Arroz de 1914. Arado “J. Deere” de 1 ferro. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pe-
lotense.
Figura 10: Cultura do Arroz de 1914. Semeador portátil “Cyclone”. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública
Pelotense.
Figura 11: Cultura do Arroz de 1914. 10 semeadoras “Miranda Colonial”. Fonte: Acervo Bibliotheca Pú-
blica Pelotense.
Figura 12: Cultura do Arroz de 1914. Transporte em carroças. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelo-
tense.
Figura 13: Cultura do Arroz de 1914. Interior de um celeiro higiênico – vê-se o arroz a granel. Fonte:
Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 14: Cultura do Arroz de 1914. Exterior de um celeiro com um secador mecânico ao lado – vê-se
de passagem um caminhão “Oppel” transportando lenha. Fonte: Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

441
454 455 456

461 462 463

454. Vista de um artístico tapete de serragem colorida, elaborado para a procissão católica de Corpus Christi. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
455. Festa de Iemanjá. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 456. Oferendas às margens da Lagoa dos Patos. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Camila Hein. 457. Culto de religião afro-brasileira. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 458. Agricultor e produtor de vinho Laudelino Nar-
dello prova uma de suas garrafas. Colônia de Pelotas 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi. 459. Engraxates trabalhando junto à vitrine do Café Aquários.
Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 460. Criança observa o entardecer. Zona da Balsa. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.
461. Menina e seu varal no Pontal da Barra, antes da remoção das famílias. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.
457 458 459 460

464 465 466

462. Detalhe da Zona da Balsa. Agosto de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 463. Operários trabalhando na reforma de uma pequena igreja
na Zona da Balsa. Agosto de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 464. Detalhe da fachada da Federação Sul-Riograndense de Umbanda e Cultos
Afro-brasileiros. Balneário dos Prazeres (Barro Duro). Agosto de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 465. Poluição visual de propaganda eleitoral
nos canteiros no extremo leste da Av. Bento Gonçalves. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 466. Vista aérea do Terminal Rodoviário de Pelotas
durante a enchente de 2004. Av. Pres. João Goulart, Bairro Fragata. Acervo/Colaboração de Bruno Madrid e Elizabeth Anderson Madrid Francisco / Fotografia de Chico
Madrid (in memoriam).
467 468 469

474 475 476

467. Terminal Rodoviário de Pelotas. Perspectiva da seção de embarque e desembarque, à noite. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 468. Vista
da passagem de um trem de cargas na ferrovia Pelotas-Rio Grande. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 469. Detalhe do estado de abandono da parte
posterior da Estação Ferroviária, em maio de 2012. Atualmente em processo de revitalização. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 470. Flagrante do III
Festival Internacional SESC de Música. Cão observando a fila formada em direção ao Theatro Guarany. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 471. Apenados
do Presídio Regional de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 472. Detalhe da Av. Saldanha Marinho. Almoxarifado municipal emoldurado pelas
tipuanas, plantadas na década de 1890. Julho de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 473. Movimento das obras de duplicação da BR-116, entre
Pelotas e a capital do estado. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 474. Começo da remoção dos trêileres irregulares, pela Prefeitura Municipal.
470 471 472 473

477 478 479 480

Avenida Bento Gonçalves, quase esquina Rua Mal. Deodoro. Meados de março de 2014. Acervo Prefeitura Municipal de Pelotas. Colaboração/Fotografia de Rafael Marin
Amaral. 475. Remoção de comércio irregular nos canteiros da Av. Duque de Caxias, Bairro Fragata. Ano de 2014. Acervo Prefeitura Municipal de Pelotas. Colaboração/
Fotografia de Eduardo Beleske. 476. Fenadoce 2014. Formiga mascote e Centro Histórico cenográfico. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 477. Detalhe
de uma Feira Livre de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 478. Vista do interior da Bibliotheca Pública Pelotense, desde o patamar da escadaria, em
um dia normal. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 479. Aeroporto Internacional de Pelotas. Registro do primeiro voo Pelotas-Porto Alegre, com a
recente reativação da linha pela empresa Azul Linhas Aéreas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 480. Mortandade de peixes no Arroio Moreira. Ano de
2007. Acervo/Colaboração de Bruno Madrid e Elizabeth Anderson Madrid Francisco / Fotografia de Chico Madrid (in memoriam).
O ENSINO PRIMÁRIO EM PELOTAS (1912-1980)

Vanessa Teixeira Barrozo1

Introdução
Nas primeiras décadas do século XX, o processo de escolarização da sociedade brasileira atingia certos
patamares elevados em relação ao contexto educacional do século XIX. Segundo Nagle (2001), em
1922 estavam matriculados 1.030.752 alunos nas escolas primárias, representando 29% da população
escolar. Esses índices estavam intrinsecamente vinculados as propostas governamentais, principalmente
as dos governos estaduais, mas com parcela significativa de participação das autoridades municipais
e da iniciativa particular. Em 1933, a matrícula no ensino primário no Brasil atingia o efetivo de
1.918.090 alunos, assim distribuídos: 63,46 % na rede estadual, 19,97 % na rede municipal e 16,55%
na rede particular (SOUZA, 2008, p. 48). No alvorecer do século XX, muitas coisas eram distintas do
ensino atual, outras, contudo, continuam muito semelhantes aos dias de hoje.

Quais as permanências e mutações no ensino escolar de Pelotas ao longo do século, ou, mais
precisamente, entre 1912-2012? Quais componentes da cultura escolar deixaram mais fortemente
gravados na memória da escola os seus elementos constitutivos? Em contrapartida, quais componentes
basicamente foram esquecidos? Ou ainda, quais se metamorfosearam, mesclaram-se, transformando-
se e adaptando-se ao longo dos anos? Entre os aspectos dessa cultura escolar, procuramos
1
Graduada em Museologia pela
principalmente ressaltar as práticas escolares, as disciplinas escolares e o uso dos manuais. Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL, 2010), Mestre em
O estabelecimento da República, não apenas alterou a forma de governo, como implementou Educação pela UFPel (2013) e
Doutoranda em Educação pela
novas mentalidades. Cada vez mais o ideário liberal e modernizante se fazia presente, ocupando a UFPel. Professora do Curso de
educação um papel relevante, em especial a escola primária. Destinada pelo principio constitucional Museologia da Universidade
da “obrigatoriedade”, tinha o papel de difundir os saberes elementares (ler, escrever e contar), os Federal do Rio Grande do Sul.
O presente texto foi elaborado
rudimentos das ciências (geografia, física, química, etc.), e o cultivo do civismo (instrução moral e com o auxílio do professor
cívica, ginástica, higiene). Eduardo Arriada.
Os elementos da modernização cada vez mais estavam atuantes: num primeiro momento, nas principais
capitais e cidades maiores, e em seguida espraiavam-se por cidades de porte médio, o caso de Pelotas, e
com certeza de diversas outras cidades do Brasil. Modernidade que se refletia num acentuado processo
de urbanização, aparecimento de indústrias, crescimento populacional, surgimento de bairros, abertura
e/ou alargamento de ruas, ajardinamento das cidades (praças, arborização, jardins públicos), iluminação
elétrica, meios de transportes públicos, proletarização de parcela da população, entre outras iniciativas.
Paralelo a esse processo, a escola caracterizava-se como um dos elementos essenciais.

Nos primeiros anos do regime republicano no Brasil, a escola cumpriu o desiderato de ser porta
voz dessas novas políticas. Os professores, assim como os alunos eram agentes propagadores de
um ideário calcado no positivismo, onde ordem e progresso eram lema e bandeira. Os diversos
governos, tanto na esfera federal, estadual, como municipal, por meio de dispositivos legais
incorporavam as ideias liberais, ou seja, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, e a
laicidade do mesmo. Introdução de novos métodos de ensino, como o método intuitivo; a criação
de estabelecimentos próprios para o ensino, no caso os grupos escolares; o serviço de inspeção
técnica nas escolas, surgindo a figura do inspetor de ensino, etc.

Assim a escola, para os republicanos, cumpria o papel de viabilidade da instauração da nova


ordem, agente preponderante para alavancar o progresso, e superar as mazelas do analfabetismo,
pobreza e miserabilidade de grande parte da população brasileira. Na sociedade excludente que
vigorava nos fins do século XIX e início do século XX, ou melhor dizendo (crítica construída
particularmente pelos elementos mais radicais das hordas republicanas), sociedade monárquica,
o acesso a educação era apanágio de poucos. Como consequência, a escola passa a ser uma
arma para debelar e superar as amarras do nosso atraso para então caminharmos céleres na
senda do progresso. Mas, ao mesmo tempo, passa a ser considerada “arma perigosa”, exigindo a
redefinição de seu estatuto como instrumento de dominação (CARVALHO, 1989).

A estruturação e desenvolvimento da educação brasileira até os anos de 1930 foi caracterizada pelos
pesquisadores (NAGLE, 1978; CARVALHO, 1989; GHIRALDELLI, 1994), podendo ser representada
por dois movimentos culturais e educacionais dirigidos por intelectuais das classes dirigentes do
país. Esses movimentos foram denominados “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”.

O primeiro, ou seja, o entusiasmo pode temporalmente ser enquadrado entre os anos finais
do império e primeiros anos do regime republicano, período que poderíamos datar entre 1886
e 1920. Recorte temporal caracterizado por profundas transformações na sociedade brasileira:
expansão da lavoura cafeeira e domínio da elite latifundiária paulista; remodelação da estrutura
econômica (melhores instalações portuárias, ampliação da malha ferroviária, crescimento urbano,
proletarização das massas, modernização do país, incorporação de valores culturais europeus,
etc.). Centrava-se na preocupação da expansão da rede escolar e superação do analfabetismo.

O segundo, ou seja, o otimismo pedagógico, pode, no recorte temporal, ser situado entre os anos de
1920 e 1930. Buscava por sua vez, a melhoria das condições didáticas e pedagógicas da rede escolar.
Imbricados em muitos momentos, esses dois movimentos condensavam expectativas diversas de controle
e modernização social, cuja formulação mais acabada ocorreu no âmbito do nacionalismo. Assim cabia
a educação, o papel de “dar forma ao país amorfo, de transformar os habitantes em povo, de vitalizar
o organismo nacional, de construir a nação. Nele se forjava projeto político autoritário: educar era obra
de moldagem de um povo, matéria informe e plasmável, conforme os anseios de Ordem e Progresso de
um grupo que se auto-investia como elite com autoridade para promovê-los” (CARVALHO, 1989, p. 9).

Com o advento do regime republicano, a reorganização do Estado relativo à educação, ganha outros
aspectos. Um deles é a necessidade de um processo de escolarização de grande parte da população.

452
No Brasil vários pesquisadores (VIDAL, 1998, 2005; PERES & TAMBARA, 2003; FARIA FILHO,
2003), têm investigado os processos de escolarização, tanto no século XIX, como no XX. Do
mesmo modo seus estudos analisam como ocorriam as práticas de ensino-aprendizagem, quais
textos didáticos eram utilizados, que métodos eram adotados.

Dentro de uma concepção cultural, a modernidade opera modificações profundas. Primeiramente


temos um processo de laicização, emancipando a forma de pensar da sociedade, sobretudo da elite
esclarecida, de uma cosmovisão religiosa; num segundo momento, um processo de racionalização,
produzindo uma revolução profunda nos saberes que se organizam sob o primado da razão.

O século XIX, e as primeiras décadas do século XX, sob certos aspectos estão impregnados pelas
ideias de secularização e laicidade. O domínio do Estado se impõe com mais força. “A educação
das classes populares e, mais concretamente, a instrução e formação sistemática de seus filhos na
escola nacional, fazem parte, na segunda metade do século XIX e em princípios do século XX, das
medidas gerais do bom governo” (VARELA & ALVAREZ-URIA, 1992, p. 88).

Desse modo, podemos perceber que a escola moderna nasce como uma “máquina de educar”,
uma tecnologia de controle e aculturamento. Ainda que nem todos considerem adequado para
o século XIX a metáfora industrial ou tecnológica para falar da escola, não obstante, todos
compartilham o fato de considerá-la um artefato ou invenção humana para dominar e enclausurar
a natureza infantil (PINEAU; DUSSEL; CARUSO, 2007, p. 22).

Segregados do mundo, quando são levados para essas instituições, os meninos vão aos poucos descobrindo
a realidade do isolamento, as hostilidades dos colegas. A permanência na escola, as severidades e
ameaças dos professores, marcavam a suas personalidades para o resto da vida. As minúcias com que
são elaborados os calendários escolares, os programas, os horários, as atividades, são exemplos mais do
que evidentes de que um dos papéis desempenhado pelas instituições escolares é normatizar e regular
o processo educativo. Com base nisso se estabeleciam os ritmos da escola. Essas novas instituições
representam uma relação permeada de controle, distribuição do tempo e usos diferenciados dos espaços
escolares, onde se executam as atividades com regularidade assustadora e em etapas bem delimitadas.
Por exemplo: horário para ingresso, horário para sair, horário marcado de cada aula, intervalos regulados
entre uma aula e outra, horário para recreio, etc. (FRAGO, 1995; FOUCAULT, 1984).

O ensino e a aprendizagem do controle do tempo estão intimamente vinculados com a construção


das idades sociais, em especial das crianças e dos jovens. As representações e as práticas dos jovens
se prendem a uma raiz histórica – a modernidade – que se expressa na justificação e legitimidade
da vigilância e supervisão dos tempos, dos ritmos e dos conteúdos ensinados. Estrutura-se uma
“cultura escolar” que divide e disciplina o tempo na escola, tendo um papel crucial na implantação
de novos métodos didáticos, estabelecimento de minuciosos programas, adoção de diversos
materiais didáticos e pedagógicos. Essa nova escola submete professores e alunos a um modelo de
educação altamente especializado no controle e disciplinamento de “corpos e espíritos”, a regras e
ritos, a chamadas e exames (JULIA, 2001).

No Rio Grande do Sul, assim como em Pelotas, o domínio do Partido Republicano Rio-grandense
era quase incontestável. A ideologia positivista impregnava suas lideranças. Existe um consenso
entre os pesquisadores (TORRES, 1957; LINS, 1967; TAMBARA, 1998) de que a forma pela qual o
positivismo estruturou-se no Rio Grande do Sul apresentou características muito pontuais. Isso é
decorrência da adaptação do ideário comtiano, a uma justaposição das ideias de Júlio de Castilhos,
mentor e idealizador de um projeto modernizador para o Rio Grande do Sul. Essa adaptação dos
ideais de Comte na estrutura político-administrativa do estado apresenta algumas singularidades,
o que levou diversos estudiosos a denominar de “castilhismo” esse modelo político.

453
Em termos políticos, no Rio Grande do Sul, a partir do final do século XIX até a revolução de
30, temos basicamente um partido hegemônico, o PRR (Partido Republicano Rio-Grandense).
Sua característica fundamental era a obediência “cega”, ao seu líder, no caso, Júlio de Castilhos,
posteriormente, Borges de Medeiros.

Para Rodriguez, o aspecto fundamental desse modelo era:

O castilhismo como uma filosofia política que inspirando-se no positivismo, substitui


a idéia liberal de equilíbrio entre as diferentes ordem de interesses, como elemento
fundamental na organização da sociedade pela idéia de moralização dos indivíduos
através da tutela do Estado (RODRIGUEZ, 1980, p. 8).

Em relação à educação, o PRR, em seu programa, deixava a sua proposta bem clara: liberdade
de ensino pela suspensão do ensino oficial superior e secundário; liberdade de profissões, pela
supressão dos privilégios escolásticos ou acadêmicos; liberdade, laicidade e gratuidade de ensino
primário. Em termos práticos, a ideia mestra era a da “liberdade de ensino”.

A proposta educacional dos governantes rio-grandenses influenciados pelo positivismo assume


princípios educacionais voltados para a formação da cidadania, da formação moral regeneradora,
do projeto de inserção social dos trabalhadores, e da formação enciclopédica da população. Neste
modelo de modernidade a educação assumiu uma posição decisiva. Devia ser universal, gratuita e
leiga, colaborar para o fim dos privilégios de raça e crença, e preparar trabalhadores disciplinados
e cidadãos obedientes (VIOLA, 1998).

Em várias cidades brasileiras as autoridades municipais tentavam acompanhar os discursos e


práticas estabelecidas nos grandes centros, assim sendo, Pelotas buscava estar de acordo com os
movimentos, dispositivos e novas determinações em relação à educação. No tocante a renovação
pedagógica, a introdução de novos métodos de ensino, em especial a adoção do método intuitivo;
a reconfiguração do espaço escolar, isto é, construção de prédios adequados para o ensino, bem
como o fornecimento de mobiliário e material didático; introdução de um novo currículo, indo
além do simples: “ler, contar, escrever”, agora novas disciplinas eram introduzidas: lição de coisas,
música, educação física, educação cívica, entre outras.

Pelotas e o Ensino Primário


Acompanhando essa discussão, na administração do Intendente Municipal, Cipriano Correa
Barcelos, é sancionado o seguinte Regulamento, constante de 18 artigos. Alguns artigos são
suficientes para demonstrar essa busca pela eficiência, organização e ordem:

Aprovou-se o novo Regulamento, pelo Ato n. 642, de 24 de janeiro:

Art. 1o. O ensino ministrado pelo Município será livre, leigo e gratuito, constituindo
dois cursos: o primário e o técnico de profissões elementares. Art. 2o. O primeiro,
para crianças de ambos os sexos, de 7 a 15 anos, compreenderá: leitura, caligrafia,
contar e calcular, noções de geografia universal, do Brasil e do Estado, lições de
coisas, elementos de música e canto, desenho e ginástica. Art. 4o. Será utilizado
de preferência o método intuitivo, tornando-se o livro um simples instrumento ou
auxiliar. § único. A instrução moral e a educação cívica serão atendidas no mais
elevado grau. Art. 17 o. Aos professores incumbe: a) fazer funcionar as aulas com a
máxima regularidade, mantendo nelas ordem, disciplina e asseio (Relatório de 1912,
p. 6-7).

454
O próprio regulamento salientava ainda que todas as aulas estavam dotadas de superior mobiliário
vindo dos Estados Unidos.

Existia grande expectativas em relação ao papel e as finalidades da escola primária. A elas cabia
moldar o caráter das crianças, incutindo-lhes virtudes morais, normas de civilidade, respeito aos
superiores. A escola primária cumpria ou deveria cumprir todo um ideário republicano, veiculando
valores e princípios cívicos.

Na década de 1910, que podemos denominar “década republicana”, regido por um discurso
relativo à educação que pregava o laicismo, a obrigatoriedade, e a gratuidade, ou seja, uma escola
imbuída de um ideário público, são criados os primeiros grupos escolares, instituições de ensino que
substituem as escolas unitárias, regidas por um só professor. Esse novo modelo estava alicerçado em
experiências europeias e norte-americanas, compreendendo uma organização didático-pedagógica
mais racional, e adequando-se ao processo de expansão do ensino primário nos núcleos urbanos.
Estruturava-se num prédio com diversas salas e vários professores, uma organização dos alunos
por níveis de adiantamento, divisão do trabalho docente, atribuindo a cada professor uma classe, e
adotando a correspondência entre classe, série e sala de aula (SOUZA, 2008, p. 41).

Antes da efetivação dessa nova estrutura educacional, a realidade da cidade de Pelotas, em relação
ao ensino primário, e sob a égide do poder municipal, estava estruturada do seguinte modo:

Quadro nº 1: Mapa Escolar - Curso primário: aulas municipais.

(Fonte: Relatório de 1912).

455
Havia ainda três aulas rurais no município. Embora a primeira década do século XX, não seja o
momento ápice de uma educação voltada para o meio rural, ela existe. Será, porém nas duas
décadas seguintes que teremos uma acentuada expansão do ensino no meio rural, decorrência
de um processo de municipalização da educação. Tais medidas terão forte impacto sobre as
comunidades rurais, principalmente naquelas caracterizadas por uma rede de ensino comunitário.

Paulatinamente o ensino ministrado nas escolas paroquiais vai sendo substituído por um ensino
de cunho público. Tal processo conhecido como “nacionalização do ensino”, representou,
em alguns casos, um retrocesso em termos educacionais. Comunidades com altos índices de
alfabetização viram o analfabetismo recrudescer. A política de nacionalização constitui uma das
questões polêmicas que na área de história da educação está por merecer análises mais acuradas.

Quadro nº 2: Mapa Escolar - Aulas rurais.

Fonte: Relatório de 1912).

Existia na zona urbana, quatro escolas masculinas, com 230 meninos matriculados, e 11 escolas
mistas, com 271 meninos e 365 meninas, totalizando 636 matriculados nas escolas mistas. Na
zona rural tínhamos 79 meninos e 6 meninas. No total eram 18 escolas, com 580 meninos e 371
meninas, perfazendo a totalidade de 951 crianças matriculadas (Relatório de 1912).

O poder municipal na figura de seus primeiros Intendentes e alicerçados na máquina governamental


dos governos republicanos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, pautavam suas “práxis”
em relação ao Governo Federal, pela seguinte proposição, “do prévio acordo com os governos
dos Estados”, ou seja, em diversas esferas de intervenção do poder central (aqui incluída a
educação), a competência para legislar em relação a educação primária deveria pautar-se por
certos princípios:

Sem dúvida, aos Estados competem o governo das escolas e a livre administração
do ensino público primário, mas nada impede que o Governo Federal venha em
auxílio daqueles que mais se empenham na nobilíssima tarefa de eliminar do país
o seu mal inveterado e crônico, a sua grande chaga, sempre viva, cujo período de
cicatrização não se pode precisar – o analfabetismo. (Documentos parlamentares:
apud: TAMBARA, 1995, p. 176).

Foi na administração de Cipriano Barcelos em 1911, estabelecido o regime das subvenções,


assumindo parcialmente a responsabilidade e controle das aulas isoladas particulares. Contexto
que precedeu a municipalização dessas aulas isoladas. Embora o município não estabelecesse aulas
novas, ampliava com o seu auxílio financeiro a capacidade de matrícula dos cursos que o recebiam,
abrindo nelas um certo número de vagas gratuitas, para serem preenchidas por alunos sem recursos.

Em 1913, ainda no período de Cipriano Barcelos, o governo do Estado mandava estabelecer na


cidade dois colégios elementares, cuja inauguração ocorreu em 17 de junho, o Colégio Elementar
Cassiano do Nascimento, e em 14 de julho, o Colégio Elementar Félix da Cunha.

Um ano após a sua inauguração, o Colégio Elementar Cassiano do Nascimento, estava estabelecido
em amplo edifício instalado na Rua XV de Novembro. Constava sua matrícula de 368 alunos,

456
tendo como Diretor, Bemvindo P. De Salles, e os seguintes professores: 1º seção (1º classe): Alice
M. D’Ávila e Luiza A. Dos Santos; (2º classe): Maurício Rodrigues Filho. 2º seção (1º classe): Maria
Clementina F. Ponzi; (2º classe): Maria Antônia de Sá Mendes; 3º seção (1º classe): Euforosina
E. da Porciúncula; (2º classe): Bemvindo P. De Salles. Outras matérias, Luiza Alves dos Santos e
Henrique Frederico Wetzel, desenho.

Em 1922, sua diretora era D. Genny de Oliveira e Souza, e ministravam aulas os seguintes
professores: Dolores Fontoura Coelho, Otília Lopes, Maria C. Furtado Ponz, Joaquina dos
Anjos Petrucci, Helena Pillmann, Alice Moraes d’Ávila, e Maurício Rodrigues Filho. As classes
de trabalhos manuais, solfejo e ginástica são dirigidas por Elisabeth de Souza e Wanda Weise.
O número de alunos de ambos os sexos é bastante elevado, tendo atingido o ano findo a 335
(Álbum de Pelotas, 1922).

O educandário Félix da Cunha funcionava no prédio da Rua Gonçalves Chaves esquina da Rua
Barão de Butuí. Sua primeira diretora foi Maria Delfina Caminha. Em 1914 contava com 550
alunos matriculados. Nos anos de 1920 era dirigido pela professora Ana Veloso da Silveira, e
o corpo docente estava assim constituído: Eufrosina E. da Porciúncula, Braulinda Fernandes,
Adelaíde Torres Araújo de Aguiar, Maria da Glória Duarte Fortes, Joaquina dos Anjos Petrucci,
Maria da Glória Pancinha, Vitalina Teixeira, Ondina Cunha e Eugenia Brinco. No ano de 1922
atingia a matrícula de 569 alunos.

Salientamos também o Ginásio Brasileiro fundado em 1917, por João Crisóstomo de Freitas.
Localizava-se na Rua Marechal Floriano, ministrava tanto o primário como o secundário, além
de preparar os alunos para ingresso nas escolas superiores contava com internato. Anexas
funcionavam uma Escola Noturna de Comércio, e aulas de Cultura Doméstica, dirigidas por
Ubaldina B. de Freitas, esposa de João Crisóstomo de Freitas (Álbum de Pelotas, 1922).

Essas novas demandas, e no intuito de qualificar o ensino em Pelotas, no ano de 1920, o


Intendente Municipal Pedro Luís Osório, inicia a construção de edifícios escolares adequados, ou
seja, os grupos escolares. A criação desse modelo de escola logo foi percebido pelas autoridades
públicas como algo novo, moderno e eficiente. Em seu relatório, o Intendente Augusto Simões
Lopes, assim se referia: “a criação recente dos grupos escolares modificou, por completo, a
posição municipal em relação ao ensino público. Este saiu fora dos estreitos limites das primeiras
letras e tende alcançar um objetivo mais alto – educar integralmente – contribuindo, destarte,
para elevar o nível intelectual de nossa população” (Relatório de 1926, p. 72).

Em 1925, ao realizar o censo escolar, temos os seguintes dados em relação ao ensino primário: 135
cursos, sendo 27 municipais, 14 estaduais e 94 particulares, dos quais 22 recebem subvenção do
Estado. O número de professores relacionados é de 303. A localização das aulas é a seguinte: no
1º distrito, 75, sendo 19 municipais, 9 estaduais e 47 particulares; no 2º, 16, sendo 2 municipais,
2 estaduais e 12 particulares; no 3º, 6, sendo uma estadual e 5 particulares; no 4º, 12, sendo 3
municipais, 1 estadual e 8 particulares; no 5º, 4, sendo todas particulares; no 6º, 19, sendo 2
municipais e 17 particulares; no 7º, 16, sendo uma municipal, uma estadual e 14 particulares
(Relatório de 1925, p. 32).

Assim percebemos com bastante clareza que o projeto educacional em relação ao ensino primário
era bastante ambicioso, buscava fazer da escola primária uma instituição eminentemente
republicana, comprometida com o novo regime e com um discurso permeado de valores cívico-
pedagógico.

No final do século XIX e primeiras décadas do século XX, os republicanos procuraram implantar
um sistema público de ensino considerado moderno, cujos princípios, instituições e organização

457
administrativa e pedagógica servissem de modelo e motivassem a reorganização do ensino
público em outros estados brasileiros. Para a constituição desse moderno “aparelho de ensino”,
os republicanos, particularmente os paulistas, incorporaram boa parte dos elementos implicados
na modernização educacional em circulação nos países considerados civilizados. À educação
popular foi atribuído o importante papel de formação do cidadão republicano, da consolidação
do novo regime e de promoção do desenvolvimento social e econômico.

Em meados do século XX, os grupos escolares haviam se tornado a modalidade de escola primária
predominante no país, acompanhando o processo de urbanização e democratização do ensino
público. No entanto, a participação de outros tipos de escolas primárias nesse processo não pode
ser menosprezada, uma vez que, particularmente as escolas isoladas instaladas na zona rural
e bairros populares, foram responsáveis pela escolarização de um significativo contingente da
população brasileira (SOUZA, 1998, p. 2008).

Visando atender essas novas necessidades atribuídas a escola, ou seja, o ler, o escrever e o contar
não bastavam mais, agora era fundamental o ensino de: leitura, linguagem escrita, caligrafia,
aritmética, geografia, ciências físicas e naturais e noções de higiene, instrução cívica e moral,
ginástica e exercícios militares, música, desenho, geometria e trabalhos manuais.

Esses aspectos tiveram um impacto na estrutura educacional de Pelotas. Passando a existir uma
elevada matrícula de alunos, particularmente nos dois grandes colégios elementares (mantidos
pelo Estado): Félix da Cunha e Cassiano do Nascimento. O primeiro dirigido por Ana Veloso da
Silveira, e o segundo por Genny de Oliveira e Souza. O anexo abaixo discrimina o número de
alunos/alunas desses dois educandários (Relatório de 1921, p. 29).

Quadro nº 3. Alunos /alunas matriculadas no ano de 1921. Anexo nº 6, Relatório de 1921.

458
Quadro nº 4. Professores do Félix da Cunha e Cassiano do Nascimento.
Anexo nº 6, Relatório de 1921.

O discurso das autoridades municipais acompanhava no geral o que acontecia no resto do país. A
instrução é, relatava o Intendente Municipal em seu Relatório de 1923, certamente, “um dos nossos
grandes problemas; impossível é organizar uma pátria forte e consciente de seu destino, sem, antes
de mais nada, educar-lhe o povo, dando-lhe, com a alfabetização, o recurso suficiente para que
do seu espírito, já iluminado, venha a contribuir eficiente, a dedicação e o interesse pelas coisas
públicas. Os processos pedagógicos modernos nos orientam solidamente o rumo a tomar. Dois são
os requisitos indispensáveis à escola moderna: prédios absolutamente sanitários e exames periódicos
pelas autoridades. Já mandei construir prédios escolares, dando-lhes os respectivos regulamentos de
inspeção e estudos”. (Relatório de 1923, p. 37).

A escola em geral, ou um determinado nível educativo, assim como, certas instituições, sob
qualquer modelo de educação, adota uma posição e uma orientação seletiva frente à cultura,
que se concretiza, precisamente no currículo que transmite. O sistema educativo serve a interesses
concretos e eles se refletem nesse currículo. Esse sistema se compõe de diversos níveis e finalidades
distintas que se evidenciam em currículos diferentes. (SACRISTÁN, 1996, p. 18). A complexidade
mesma dos currículos modernos de ensino obrigatório é um reflexo da multiplicidade de fins a que
se refere a escolarização. E isso é um fato substancial, a existência mesma da instituição escolar, em
consequência, a análise do currículo é uma condição para conhecer e analisar o que é uma escola.

Essa estrutura será alterada pela constituição de 1934, que estabelecia para as escolas primárias do
país a obrigatoriedade do ensino da educação física, da educação moral e cívica e dos trabalhos
manuais. Em relação aos aspectos didáticos, um conjunto de inovações foram instituídas como
programas com base em centros de interesse, métodos de projeto ou outras formas de integração
das matérias, a utilização de atividades diversificadas, a realização de excursões, a prática das
atividades agrícolas e outras ações que rompiam com a rotina da sala de aula (SOUZA, 2008, p. 80).

Verifica-se, assim, que a escola primária ampliou seu raio de ação, transformando-se num órgão de
educação integral, embora continue a incluir entre suas finalidades fundamentais o ensino das técnicas
elementares da cultura (ler, escrever e contar). Esta nova concepção de escola primária, aliada à renovação
dos métodos e processos educativos, imposta pelo progresso crescente das ciências pedagógicas, imprimiu
diretrizes mais amplas e seguras à organização e aos fins da educação popular. (SANTOS, 1944).

No período dos anos de 1940, o contexto educacional de Pelotas estava estruturado do seguinte modo:

459
Quadro nº 5. Ensino primário. Fonte: Pelotas em dados estatísticos, 1948, p. 8.

O relatório da Prefeitura de Pelotas, apresentado ao Governador do Estado, informava os seguintes


aspectos sobre a educação primária:

Durante os exercícios de 1946 e 1947, foram criadas e reabertas, por este Governo,
mais dezenove escolas primárias que, somadas às 51 já existentes, perfazem o total
de 70 escolas, com uma matrícula geral de 4.612 alunos, em 1946 e 5.200 em 1947,
índice do progresso crescente deste Município, no terreno educacional. Cumpre-nos
ressaltar que, além das escolas mantidas por este Governo, ainda a Prefeitura auxilia,
de modo indireto, outras instituições particulares, cedendo-lhes professores que são
remunerados pelos cofres municipais. Assim, a Diretoria de Educação tem cedidos 16
professores, de ambos os sexos, que estão servindo junto aos cursos da Biblioteca
Pública, Orfanato Espirita D. Conceição, Círculo Operário Pelotense, Escola Vicentina,
Escola Vila Santa Teresinha, Escola 1º de Maio, etc.” (Relatório de 1947, p. 17).

Por sua vez, foi possível ter o seguinte diagnóstico para os anos de 1950. De acordo com dados
do IBGE, os resultados do recenseamento desse período revelavam a seguinte realidade de Pelotas
quanto ao nível de instrução geral (pessoas presentes de cinco anos e mais): Sabem ler e escrever:
75.932 (59,49%); Não sabem ler e escrever: 33.763 (26,45%); Sem declaração: 17.946 (14,06%).

O contexto do ensino primário era o seguinte: pessoas presentes de 5 a 14 anos recenseadas em


1950: 26.869; Unidades escolares do ensino primário fundamental comum: 167; Matrícula geral
no ensino primário fundamental comum: 12.713. (Pelotas: IBGE, 1955: 13).

Novos conceitos relativos à escola primária vinham tomando forma no país desde os anos 50.
Subdivididos em certas áreas do conhecimento, estavam assim contempladas: Língua Pátria,
Matemática, Estudos Sociais, Ciências, Saúde, Educação Física e Iniciação Artística. Esse modelo
foi concebido nos marcos de uma escolaridade básica.

De maneira sucinta, essa caracterização sofrerá nova alteração com a Lei 5692/71, que estabelece o
ensino de 1o grau, a partir da integração do primário e ginásio. Estabelece a escolaridade obrigatória
no país. A implantação do 1o grau, destinado à formação da criança e do pré-adolescente, se
fez a partir da eliminação dos exames de admissão e pela ampliação (indiscriminada) das séries
nos grupos escolares aproveitando a rede física instalada e ajustando a estrutura administrativa
e pedagógica. Uma nova nomenclatura se impôs com a eliminação de denominações usuais na
época como escola isolada, grupo escolar, ginásio e equivalentes (SOUZA, 2008).

Nos anos 80 o fracasso do ensino de 1o grau foi denunciado tendo em vista os altos índices de
evasão e repetência que se verificava na 1a, 2a e 5a séries e também pela evidente desintegração
entre 1a a 4a e 5a a 8a série. A descontinuidade entre esses dois segmentos permanece indicando
que a escola fundamental de 8 anos de duração compreende um grande desafio, não apenas
da perspectiva política da garantia da democratização do ensino - acesso e permanência - mas,
sobretudo, da necessidade de configuração de uma outra cultura escolar.

460
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462
Figura 3

Figura 1 Figura 2

Figura 4

Pesquisa, seleção de imagens e notas: Eduardo Arriada e Vanessa Teixeira Barrozo.

Figura 1: Capa da Cartilha “50 Lições Ruraes” para ser utilizada na Instrução Primária do Município
de Pelotas (1929). Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 2: Capa da publicação “Programas de Ensino para as Escolas Primárias do Município” de Pe-
lotas (1945). Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 3: Capa do Caderno de Música de Maria Cecília de Lemos Dias (1947). Fonte: Acervo Eduardo
Arriada.
Figura 4: Alunos do Gymnasio Gonzaga durante a aula de Gymnastica Sueca no pátio da escola.
Fonte: Acervo Eduardo Arriada.

463
481 482 483 484

489 490 491

481. Detalhe da pequena fonte à entrada do Casarão nº 06, restaurado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 482. Detalhe da estatuaria da Fonte das
Nereidas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 483. Idem. Pássaro descansando sobre o monumento. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.
484. Detalhe de estátua fúnebre em um mausoléu do Cemitério São Francisco de Paula. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 485. Detalhe de estátua do
patrimônio arquitetônico de Pelotas. Índia. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 486. Detalhe de estátua que encima a platibanda da Escola Estadual Nossa
Senhora de Lourdes, na Rua Gal. Osório, entre Rua Tiradentes e Rua Lobo da Costa. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 487. Detalhe do alto da platIbanda
da Bibliotheca Pública Pelotense. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 488. Vista da torre do Mercado Público Central, iluminada, ao entardecer. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
485 486 487 488

492 493 494 495

489. Detalhe de uma das sacadas do Casarão nº 06, restaurado, à Praça Cel. Pedro Osório. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 490. Alguns dos artísticos
vitrais da Catedral Metropolitana de São Francisco de Paula. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 491. Detalhe dos camarotes do Theatro Guarany.
Janeiro de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 492. Perspectiva desde uma das entradas da ponte ferroviária sobre o Canal São Gonçalo. Ano de
2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabrício Marcon. 493. Detalhe de grafite em uma das aberturas de antiga construção abandonada. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 494. Detalhe de ruína das adegas da antiga fábrica Cervejaria Sul-Riograndense, futuro centro Mercosul Multicultural, da
Universidade Federal de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório. 495. Vista do Residencial Montevideo, um dos muitos condomínios do tipo,
construídos recentemente na cidade. Fevereiro de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral.
496 497 498 499 500

501 502 503

496. Detalhe da torre do antigo “Castelinho da XV”, em arruinamento. Rua XV de Novembro, esquina Rua Conde de Porto Alegre. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fo-
tografia de Fábio Caetano. 497. Detalhe do Moinho Pelotense. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 498. Vista do interior de um antiquário.
Maio de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud. 499. Detalhe da face leste do Mercado Central, desde o interior do sebo “GN Sebo”, quando ainda ali
localizado. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Renata Freitas. 500. Interior da antiga casa de espetáculos “Rainbow”, na Rua Anchieta, esquina com a Rua
Dr. Amarante. Acervo/Colaboração/Fotografia de Renata Freitas. 501. Antiga placa indicativa de logradouros, de ferro forjado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro
Júnior. 502. Remoção de trêileres irregulares na Av. Antônio Augusto de Assumpção, Praia do Laranjal, pela Prefeitura Municipal. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Eduardo Beleske. 503. Trapiche da Praia do Laranjal, antes de ser reformado. Julho de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud.
O ENSINO SECUNDÁRIO:
FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DAS ELITES (1912-1970)

Eduardo Arriada1

Introdução

Na opinião de diversos estudiosos (COMPÈRE, 1985; DALLABRIDA, 2001; LUC, 2011), o


ensino secundário vem tendo visibilidade nas avaliações dos sistemas nacionais de ensino e
nas discussões sobre a democratização da educação e o acesso ao ensino superior. No mundo
ocidental, até meados do século XX, esse nível de escolarização era dirigido especialmente
aos adolescentes das classes abastadas e do sexo masculino. Com a massificação do ensino
secundário colocada em marcha nas últimas décadas, verificam-se ainda relevantes exclusões
e desigualdades escolares vinculadas a diferenças sociais. Constata-se também que o ensino
secundário apresenta historicamente mais permanências do que inovações na sua cultura escolar,
fato ligado, em boa medida, à deficiência na formação docente. Desde o último quartel do
oitocentos, o ensino secundário no mundo ocidental passou por processos de modernização, que
envolveram a afirmação do vernáculo, das línguas modernas e dos conhecimentos científicos, a 1
Graduado em História pela
seriação do currículo, o controle e autorregulação dos alunos, e a incrementação da formação de Universidade Católica de Pelotas
professores. Essa conformação da cultura escolar do ensino secundário desdobra-se na primeira (UCPel, 1986), Mestre em História
metade do século XX e esteve vinculada à consolidação do estado nacional. pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS, 1991) e Doutor em
O ensino secundário sempre foi considerado o nível de escolarização propedêutico dirigido às Educação pela PUCRS (2007).
elites que ambicionavam ingressar nos cursos superiores. As mais representativas escolas de Professor do Departamento de
Fundamentos da Educação da
estudos médios dos países ocidentais foram os antigos colégios do Antigo Regime, e, a partir FAE/UFPel. É autor de A educação
do século XIX, os Lycées na França, os Gymnasium na Alemanha, e as Grammar Schools na secundária na Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul: a
Inglaterra. Os currículos desses estabelecimentos foram, em grande parte, herdeiros da tradição desoficialização do ensino público.
pedagógica clássico-humanista, estabelecida e disseminada sobremaneira pelos jesuítas e, Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
posteriormente, reinventada pelo estado educador. Os estudantes secundaristas brasileiros
durante a Primeira República e até mesmo parte dos anos 1930 e 1940, receberam, nos poucos
ginásios e colégios, uma educação esmerada, disciplinada, centrada numa formação literária em
detrimento de uma formação mais científica. O latim, o francês, o inglês, a história e a literatura,
eram preponderantes. Esse modelo avesso a um aprofundamento maior e sem preocupação
com um conhecimento mais prático e útil, acabava oferecendo uma formação erudita, mas
desvinculada da realidade, constituindo nessa perspectiva um forte divisor de distinção social. Até
os dias atuais essa tradição deixa raízes.

Para compreender esse processo de democratização e de modernização do ensino secundário


em Pelotas, os estudos da história da educação são importantes e necessários pelo fato de
proporcionarem olhares temporais sobre essas questões.

Pelotas no final do século XIX e início do século XX


Foi nas cidades que a economia de mercado se realizou, tornando-se o local privilegiado de
uma série de processos ao mesmo tempo econômicos, sociais, políticos, educacionais, culturais
e ideológicos de afirmação e consolidação do capitalismo. Em outras palavras, a emergência da
urbanização associada ao capitalismo representou muito mais que inovações na organização
da produção, inaugurando novas formas de comportamentos e novos valores. A organização
do espaço urbano oferecia à burguesia emergente, novas oportunidades de investimentos de
capitais. Os terrenos se valorizavam, particularmente naquelas que eram consideradas as zonas
nobres da cidade, onde as elites de preferência fixavam suas residências: inicialmente nas ruas XV
de Novembro e Andrade Neves.

A riqueza provocada pelas charqueadas no século XIX gerou em Pelotas uma concentração de capitais
que possibilitou a construção de vários prédios, tais como: Santa Casa de Misericórdia, Theatro
Sete de Abril, Bibliotheca Pública, Intendência Municipal, belos palacetes de charqueadores2, e
diversos prédios com finalidades educativas, caso do prédio do Ginásio Pelotense, do Ginásio
Gonzaga, e do Colégio São José. Os diversos relatos de viajantes são unânimes ao descrever
o crescimento e pujança de Pelotas. Os subúrbios da cidade, relatava Augusto Pinho (1869),
“têm bonitas chácaras com formosas casas de vivenda, muitos estabelecimentos de charqueadas,
curtumes, lavanderias de lã, fábricas de queimar ossos, de secar e salgar línguas, que é no que
consiste o assaz considerável comércio de Pelotas”. E complementava opinando sobre a educação:

(...) há não poucos colégios de instrução primária e mesmos alguns de secundária,


porém notei que as suas frequências eram em número muito diminuto para a
população da cidade. Seria muito acertado que o governo brasileiro, à maneira de
alguns Estados da Europa, decretasse o ensino obrigatório, pois que a instrução do
povo é a grandeza da nação” (PINHO, 1872, p. 50).

O relato de Augusto Pinho não se esgota nesta rápida e ligeira notícia. Refere-se o autor sobre a
simpatia das senhoras, os jornais que circulavam, os clubes, os espaços de lazer, etc. Nesse final de
século, a cidade já contava com 2.861 prédios no perímetro urbano, dos quais 117 sobrados. Sua
população já ultrapassava 20.000 habitantes (ARRIADA, 1994, p. 155).

Na “Notícia histórica e descritiva do Rio Grande do Sul”, organizada por Alfredo Ferreira Rodrigues,
salienta que, na cidade de Pelotas, o movimento industrial tem tomado grande desenvolvimento,
contando-se por algumas centenas as fábricas em grande e pequena escala, nas quais se explora o
fabrico de um sem número de produtos diversos, ocupando o primeiro lugar, como indústrias que

472
já atingiram uma notável perfeição, rivalizando com os artigos importados, as fábricas de chapéus,
sabonetes, carros, móveis e couros. De chapéus contam-se três fábricas importantes, além de outras em
pequena escala, sendo para notar que o chapéu, tanto de feltro como de pelo, é todo manufaturado
no lugar.

A maior de todas é a Fábrica de Chapéus Pelotense, de C. G. Rheingantz, Cordeiro & Wiener Sucessor,
fundada em 1881, com o capital atual de 600:000$000. É movida a vapor e ocupa 220 operários. A
produção anual é orçada em 800:000$000.

A fábrica de Eduardo da Silva Carvalho, fundada em 1873, tem o capital de 180:000$000. Trabalha a
vapor e emprega 40 operários. A produção monta anualmente a cerca de 300:000$000.

A fábrica de Bammann & Maia Sucessor conta 30 operários, tem o capital de 150:000$000 e produz
anualmente 250:000$000. É movida a braço.

Fábricas de sabonetes contam-se três: Domingos José de Oliveira, Lang & C., e Fraeb, Nieckele & C. A
primeira também prepara perfumarias. Também se fazem em grande escala, em algumas dezenas de
fábricas, velas de sebo e sabão comum, pela facilidade de obter-se a matéria-prima, das charqueadas.

A fabricação de móveis e de carros, de que se conta crescido número de oficinas, tem tomado um
extraordinário incremento. Os seus produtos, em elegância, luxo, gosto e solidez, rivalizam com os do
estrangeiro.

O preparo de couros curtidos e envernizados faz-se ai em excelentes condições e em grande escala. Há


três fábricas de primeira ordem. A de Cardoso & Sieburger, fundada em 1871, prepara anualmente de
4.000 a 5.000 couros envernizados e de 8.000 a 10.000 curtidos diversos. É movida a vapor por um
motor de 10 cavalos e conta de 30 a 40 operários.

Além desses três grandes curtumes, existem em ação, espalhados nos subúrbios, de 70 a 80, de
menores proporções, que produzem anualmente de 500 a 600 mil couros, no valor aproximado de
9.000 contos.

A fábrica a vapor de Farinhas Pelotense, de Paulino Teixeira da Costa Leite, fundada em 1875, tem
em giro um capital de 500:000$000. Em 1892 foi-lhe agregada uma fábrica de massas alimentícias
e em 1895 uma serraria a vapor, exclusivamente para o preparo de caixas para acondicionamento de
massas.

O moinho de vastas proporções, montado com maquinismos aperfeiçoados, sistema Carter automático
de cilindros é todo iluminado a luz elétrica. Dispõe de um motor de 120 cavalos, que dá movimento
as máquinas das 3 seções. Emprega 50 operários.

A fábrica Trabalho e Perseverança, de Maia & C., fundada em 1893, com 180:000$000 de capital,
produz farinha de trigo, massas alimentícias, sêmolas e semolinas. Emprega 28 operários.

Há duas fábricas de calçado a vapor, além de grande número de pequenas oficinas. A de Júlio Silva &
C., fundada em 1892, com o capital de 150:000$000, faz toda a classe de calçados. Emprega de 150
a 200 operários. A de Rebelo & C., fundada em 1891, tem 45:000$000 de capital. Produz por ano
mais de 20.000 pares de calçado de todas as qualidades. Conta de 35 a 40 operários.

A Livraria Americana, de Carlos Pinto & C. Sucessores, fundada em 1871, com o capital em giro de
200:000$000, possui oficinas de grandes proporções, de tipografia, litografia, encadernação, confete,
cartonagem e fábrica de livros em branco, as mais importantes do Estado. Tem 28 máquinas diversas,
movidas por um motor a gás, sistema Otto, da força de 2 cavalos. A produção anual das oficinas é de
360:000$000. Emprega 42 operários. Tem casas filiais no Rio Grande e em Porto Alegre.

473
Existem ainda na cidade e subúrbios 2 destilações, diversas fábricas de cerveja, sendo uma em grande
escala, grandes fábricas de fumo, uma de papel de embrulho, etc. (RODRIGUES, 1896, p. 39-42).

Em depoimento jornalístico, Paula Alves da Fonseca, recordava diversos aspectos da “Pelotas


urbana, comercial e industrial dos primeiros anos”3, na qual a iluminação pública era “escassa e
a gás”. “Os lampiões de rua, que a imprensa chamava combustores, eram acessos ao anoitecer,
por empregados da Companhia de Gás”. Quanto ao calçamento, poucas ruas gozavam desse
benefício. Os transportes públicos eram os “bondes puxados por muares, os carros de praça
tirados por dois cavalos, as jardineiras que também podiam levar pequenas cargas, e os animais
de montaria”. As linhas de bonde iam ao Porto, à zona da Luz e ao Fragata, com um ramal que
entrava no Parque Souza Soares. O transporte para fora do município era proporcionado pelas
diligências, pela rede férrea, e ainda pelos vapores da Companhia Costeira Lloyd, com destino
a Porto Alegre, Jaguarão e Santa Vitória do Palmar “havia o Mirim e o Juncal, vaporzinhos de
rodas e fundo chato”.

Continuando com as suas reminiscências, Francisco Alves da Fonseca recordava diversos aspectos
da cidade, e passa a registrar as lembranças do “tempo de escola”:

Classe acadêmica aqui não havia na primeira década do século vinte. Medicina
estudava-se na Bahia ou no Rio; poucos iam à Faculdade de Porto Alegre. Direito
estudava-se no Rio ou em São Paulo. Os farmacêuticos, na sua maior parte, eram
práticos. Muitos dentistas trouxeram diploma de escolas europeias. Alguns barbeiros
também extraíam dentes. Daí o conselho português que algumas gramáticas trazem
entre os exemplos de anacoluto: “Quem lhe dói o dente vá ao barbeiro”. A Agronomia
ainda não criara nome.

Em seguida recorda o contexto do ensino secundário, narrando a localização e o funcionamento


dos principais colégios no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX:

O curso secundário contava com o Ateneu Pelotense e com o Ginásio Gonzaga. O


Ginásio Pelotense abriu em outubro de 1902. O Ateneu ficava na Osório, esquina da
Sete de Setembro, o Gonzaga, onde ainda está, mas em prédio térreo; o Pelotense
funcionava no prédio onde hoje se acha o Colégio Estadual “Dom João Braga”.
Frequentei o Pelotense no curso primário, num sobrado fronteiro ao “Dom João
Braga”.

Quanto aos educandários femininos, relata o de Madame Gastal e o Externato Pelotense, sob
a direção de D. Idalina Calero. De memória arrolava diversos mestres das escolas públicas, “a
que o povo chamava colégios régios”: Alberto Fróis, Elísio dos Santos, Maria Antônia Mendes,
Eduardo Borges. Os irmãos Rodrigues4 lecionavam no Ateneu Pelotense. Recordava que embora
não tivesse frequentado o Ginásio Gonzaga, lembrava de alguns de seus professores: Pe. Bucker,
Pe. Adalberto, Pe. Schule, Pe. Scheneider. Do Pelotense recordava de: Francisco Araújo, Alfredo
Araújo, Cunha Ramos, Carlos André Laquintinie, Hermenegildo Bicker, João Afonso Correia de
Almeida, Frederico Trebbi, Hipólito Cabeda, Gregório Iruzum, Manuel Serafim Gomes de Freitas,
Paulo Hugo Fuchs, R. Steinfurth.

O horário de funcionamento ocorria nos turnos da manhã e tarde. Na quarta série, eram matérias
de estudo obrigatório (além da matemática, do desenho e da história universal) seis línguas:
português, francês, inglês, latim, alemão e grego. Até 1910, quem completasse os seis anos de
curso ginasial recebia o diploma de bacharel em Ciências e Letras, diploma que lhe abriria as
portas de qualquer faculdade, sem as apreensões dos exames vestibulares.

474
Percebe-se que nas primeiras décadas do século XX ocorre uma expansão no processo
de municipalização da educação. Tais medidas terão forte impacto sobre o mundo rural,
principalmente nas zonas caracterizadas por um ensino comunitário. Paralelamente o ensino nas
escolas paroquiais vai sendo substituído por um ensino de caráter estatal. Em decorrência dessas
políticas, acentua-se cada vez mais o estabelecimento de internatos na zona urbana de Pelotas,
passando a mesma a ser um forte centro receptor de pessoas oriundas do mundo rural, assim
como da zona da campanha. Deste modo passa a ser prática comum diversas famílias da zona sul
do Estado enviarem seus filhos para os internatos na cidade grande.

O estabelecimento de alguns educandários em Pelotas, contendo internatos, possibilitou atender uma


clientela advinda das zonas rurais. Diversos estancieiros, buscando propiciar uma “boa educação” aos
seus filhos, enviavam os mesmos para os colégios que possuíam internatos5. O Colégio São José de
Pelotas será o destino de muitas moças de famílias da zona sul do Estado (Figura 1).

O internato impunha uma educação altamente disciplinada, cerceadora de qualquer iniciativa que
questionasse os princípios organizativos da Congregação. Os altos muros e a vigilância constante não
permitiam um espaço de liberdade às alunas, ao contrário, todo movimento era controlado, saídas
e entradas não eram permitidas sem autorização. Os regimentos eram minuciosos em detalhar esse
controle, conforme rezavam determinados artigos: “Art. 44. As pensionistas estão constantemente
sob a vigilância das professoras, tanto nos recreios e passeios, como nos trabalhos escolares”. Além
de estabelecerem com anterioridade certas normas: “Art. 51. Não se aceitam alunas que tenham
sido eliminadas de outros colégios”. O requinte do disciplinamento atingia até a fiscalização das
correspondências e das leituras, podendo certas obras serem parcialmente censuradas.

No início do século XX, a municipalidade, tanto na figura do Intendente Cipriano Correa Barcelos,
como depois com seu sucessor, José Barbosa Gonçalves6, entre diversas preocupações, tinha a
educação como um dos pontos essenciais para o progresso e desenvolvimento da cidade.

Em 1911, de acordo com o recenseamento mandado executar pelo Intendente José Barbosa
Gonçalves, a população do município era de 62.701 habitantes; a zona urbana estava constituída
de 36.243 habitantes e a zona rural, 26.027.

Por sua vez, José Barbosa Gonçalves salientava:

O problema do ensino – sempre de magna importância, e que é um dos mais valiosos


coeficientes da civilização – embora ainda não tenha alcançado entre nós a sua mais
perfeita solução, tem, contudo despertado o máximo interesse e tem sido atendido,
o mais possível, na medida das nossas forças. O município conta atualmente com
18 escolas municipais, sendo 15 urbanas e 3 rurais, e com 40 escolas estaduais, 9 do
sexo masculino, 6 do feminino e 25 mistas. O ensino secundário é ministrado por dois
ginásios, além de vários colégios, que apresentam no seu corpo docente profissionais
de reconhecido mérito e competência. Além desses ginásios e colégios, como um
atestado irrefragável da marcha ascendente que seguimos, Pelotas apresenta
hoje vários institutos de ensino superior, que a honram sobremaneira. O Liceu de
Agronomia, a Academia de Comércio, as Faculdades de Odontologia e Farmácia
confirmam de sobejo o nosso acerto. O próprio ensino técnico e profissional mereceu
a proveitosa atenção do ilustre Dr. José Barbosa Gonçalves, que deixou delineado o
plano para a fundação de uma escola desse gênero, chegando mesmo a iniciar os
trabalhos para a sua realização (Almanaque de Pelotas, 1913, p. 47).

Nessas primeiras décadas do século XX, a cidade sofreu uma série de transformações decorrentes
da consolidação de relações capitalistas. O ciclo do charque e posteriormente o processo de

475
substituição da mão de obra escrava pelo trabalho assalariado propiciou uma grande concentração
de capitais que se refletiram na incipiente, mas, gradual industrialização e urbanização de Pelotas.

Novas formas de socialização florescem, as ruas passam a serem espaços privilegiados de


circulação e contato. As autoridades públicas cada vez mais se ocupam de organizar esses novos
espaços. Medidas higienistas fazem parte do cotidiano, tais como: saneamento básico, rede de
esgotos, vacinação obrigatória, calçamento das ruas, afastamento das casas de carnes para fora
do perímetro urbano, proibição da circulação de animais soltos, etc. Esse conjunto de medidas
indica novas relações de trabalho, de convívio, por muitos denominado “modernização”. Pelotas
acompanha as reformas que ocorrem na capital federal, assim como as novidades europeias.

Em publicação dirigida ao grande público, particularmente de fora do país, o livro de Monte


Domecq, editado em Barcelona, relatava, em relação a Pelotas, que existem no município 20
escolas públicas estaduais, sendo os alunos matriculados: 874 masculinos e 951 femininos. As
aulas subvencionadas ensinam 864 alunos e 576 alunas e as aulas particulares 1.827 alunos e
959 alunas (MONTE DOMECQ, 1912, p. 186).

Para 1912, o Relatório apresentava o seguinte quadro:

Quadro nº 1: Relatório de 1912 (Anexo nº 2 B).

Acervo: Eduardo Arriada.

Quando da administração do Estado em 1912, Carlos Barbosa Gonçalves então Presidente


(denominação da época), apresenta um minucioso Relatório, organizado pelo Secretário dos

476
Negócios do interior e exterior, Protásio Antônio Alves. Em relação à cidade de Pelotas temos os
seguintes dados arrolados:

Quadro nº 2: Movimento das escolas públicas (1911-1912). Fonte: Relatório de Carlos Barbosa
Gonçalves 1912, p. 266. (Anexos).

Acervo: Eduardo Arriada.

De acordo com o Relatório, tínhamos em relação às escolas públicas, 19 urbanas e 24 rurais, com
41 professores, sendo 27 concursados.

Quadro nº 3: População Escolar (1911-1912).

Fonte: Relatório de Carlos Barbosa Gonçalves 1912, p. 266 (Anexos).

Quadro nº 4: Escolas municipais, subvencionadas e particulares (1911-1912).

Fonte: Relatório de Carlos Barbosa Gonçalves 1912, p. 266 (Anexos).

Embora o Estado tivesse uma preocupação com a educação, acabava sua atuação relativa aos
municípios sendo ínfima. Essa “ausência” do poder público possibilitava um papel ativo por parte
da iniciativa particular.

Pela sua relevância em relação a aspectos culturais e educacionais, salientamos a contribuição


teuta para o processo educacional de Pelotas.7 Nesta cidade, tivemos diversas instituições escolares
estabelecidas pelos teuto-brasileiros. De 1898, a Deutsche Schule in Pelotas (Colégio Alemão de
Pelotas), originária da Comunidade Luterana de São João fundada por Edward Wihelmy. O Colégio
Alemão de Pelotas funcionava, em 1906, com sede própria na Rua Félix da Cunha, 763, no centro
da cidade. De acordo com o Relatório da Intendência de Pelotas do ano de 1910, dita instituição era
dirigida por André Gaille, constituindo-se em um Colégio misto, com curso primário e secundário,
em regime de externato, contando com 106 alunos matriculados. No ensino secundário estavam
matriculados 18 alunos. Integravam o corpo docente os seguintes professores: J. A. C. de Almeida,
Rudi Schaefer8, H. Ohdrogge, D. G. Ahn (Relatório de 1911: Anexo 7a).

477
Em 1920, o colégio muda a denominação, passando o nome para “Colégio Internacional”, sob
a direção de Reinhard Heuer9. Conforme informações da senhora Johanna Hofmeister, de 92
anos, aluna do Colégio nos anos de 1916 a 1920, temos o seguinte registro do professor Heuer:
“Estudei lá cinco anos. Tinha ótimos professores. Nunca tive professores tão bons. Tinha Herr
Heuer. Ele mesmo escreveu uma gramática em alemão. Nunca vi gramática melhor que essa”
(FONSECA, 2006, p. 28).

Em Pelotas, no bairro Três Vendas, por iniciativa da comunidade Evangélica Martin Lutero, temos
a criação, em 28 de novembro de 1914, da Associação de Cultura teuto-brasileira de Três Vendas.
Entre outras finalidades, a Associação buscava “manter o quanto possível no centro de Três Vendas
uma escola que ensinar-se-ia a língua brasileira como também a língua alemã”. Originando-se dessa
iniciativa a Deutscher Schulverein in Três Vendas (Escola Teuto-Brasileira de Três Vendas).

Durante 20 anos, a escola funcionou nas casas das famílias da comunidade Evangélica Martin Lutero.
Com a construção da Igreja “Martin Lutero”, em 1934, seu funcionamento deu-se em prédio contínuo
ao da igreja.

Um dos aspectos mais salientes do ensino secundário nas primeiras décadas do século XX foi seu
caráter altamente seletivo, limitando-se o governo federal a gerir o Colégio Pedro II. Por sua vez, os
Estados e Municípios muito pouco se dedicavam a esse nível de ensino, priorizando os investimentos
no ensino primário e normal.

Poucos eram os estabelecimentos secundários no país, e em menor número ainda aqueles que
estavam equiparados. Além disso, tanto as escolas públicas quanto as particulares eram pagas e caras.
A seletividade dos alunos ocorria por meio de rigorosos exames orais e escritos.

Outro aspecto revelador dessa realidade é que não existia uma real articulação entre o ensino primário
e o secundário. Funcionavam como duas instâncias separadas. Essa descontinuidade ocorria tanto em
termos pedagógicos, curriculares, bem como no cotidiano escolar. Posteriormente foi criado o exame
de admissão, que na prática acabava efetivando a barreira e o nível10 de acesso de muitos estudantes.

Com um vasto currículo escolar, distribuído ao longo dos anos (em geral de 5 a 6 anos), os estudantes
cursavam diversas disciplinas, como podemos observar no Colégio Português: “(...) o curso Ginasial
abrange as seguintes matérias: religião, português, francês, inglês, alemão, latim, matemática, geografia,
corografia do Brasil, história universal e do Brasil, física e química, história natural e desenho. Sob a
denominação de matemática estão compreendidas a aritmética (teoria e prática), álgebra, geometria
plana e no espaço, e trigonometria” (Estatutos do Colégio Português, 1918, p. 06) [Figura 2].

Outra instituição de relevância em Pelotas, o Ginásio Gonzaga (Figura 3), apresentava o seguinte
programa: a) religião; b) português; c) francês; d) inglês; e) matemática; f) geografia; g) história; h)
física; i) química; j) história natural; k) desenho; l) ginástica. (Ginásio Gonzaga, 1938). Essa instituição
teve início em 1894, com 60 alunos matriculados, para já em 1922 atingir 476 alunos matriculados.
Em 1905 foi equiparado ao Ginásio Nacional Pedro II.

Outro educandário de destaque em Pelotas foi o Colégio Pelotense. Iniciativa da maçonaria local,
capitaneada pelas Lojas Rio Branco, Lealdade e Antunes Ribas, buscavam estabelecer um educandário que
propiciasse um ensino primário e secundário, desvinculado das questões religiosas. Uma forte liderança
de membros da maçonaria estava envolvida, estabelecendo uma comissão para organizar e efetivar
essa possibilidade. Comissão assim constituída: Francisco José Rodrigues de Araújo (Presidente), Carlos
Ferreira Ramos, Silvestre da Fontoura Galvão, Ildefonso Badia, Fernando Rönhelt, Felisberto Cunha,
Emílio Laquintinie, João José César, César Dias e Francisco Simões Lopes (HISTÓRICO, 1952, p. 07).

478
Em 24 de outubro de 1902, criam um estabelecimento de ensino, com internato e externato, aberto a
todos que desejassem frequentá-lo, sem qualquer injunção filosófica ou religiosa e sem preconceitos
raciais de qualquer espécie. Na rua Dr. Miguel Barcelos, na antiga residência do Barão de Itapitocai,
instalaram provisoriamente a nova escola. Recebe a denominação de Ginásio Pelotense, tendo como
primeiro diretor Charles Dupont (HISTÓRICO, 1952, p. 07).

Uma das questões mais reivindicadas era a luta pela equiparação. Requerida a 6 de agosto de 1925,
foi ela iniciada por despacho do Departamento Nacional do Ensino. O grande problema é que, até
a presente data, a equiparação só podia ser concedida aos estabelecimentos de ensino secundário
oficialmente mantidos pelos Estados. Contudo pela promulgação do Decreto nº 5.474, de 11 de
junho de 1928, ficam possibilitados da equiparação os “ginásios” municipais desde que preencham as
condições previstas em lei:

O Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores, em nome do Presidente da


República. Resolve, de acordo com o parecer do Conselho Nacional de Ensino e
na conformidade do Decreto nº 16.782 A, de 13 de janeiro de 1925, conceder ao
Ginásio Pelotense, no Estado do Rio Grande do Sul, equiparação ao Colégio Pedro
II. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1929 (Relatório de 1929, p. 32).

O Colégio Pelotense (Figura 4) perpetuou uma aura de relatos memorialísticos, em particular nas
comemorações do seu cinquentenário. O Professor Tancredo Amaral Braga, assim se pronunciava:

No Ginásio Pelotense, como então se chamava, fiz todo o curso de humanidades,


desde o curso preliminar, por todas as etapas até a conquista do laurel, que era, na
época conferido, o diploma de bacharel em ciências e letras, em 1910, título este
que ainda conservo e guardo como a gema mais cara do diadema, constituído pelas
minhas preciosidades (...). Dou o meu testemunho que, no Ginásio, hoje Colégio
Municipal Pelotense, a formação intelectual dos seus alunos foi sempre, e é, a melhor
e a mais respeitada. Basta que se diga que na época em que eu fiz o meu curso de
humanidades, curso de seis anos, com estudo metódico e sistematizado de todas as
disciplinas, que constituem os chamados “preparatórios” necessários ao ingresso em
qualquer curso superior, medicina, direito, engenharia e outros, não se exigia, após
a conquista do grau de bacharel em ciências e letras, qualquer exame vestibular ou
de habilitação. Terminando o curso, todos quantos se destinavam as academias,
obtinham matrícula no curso escolhido (BRAGA, 1952, p. 4-5).

Embora mantivesse na lembrança o nome de diversos professores que marcaram a sua trajetória,
tais como: João Afonso Correia de Almeida, Carlos André Laquintinie, Manoel Serafim Gomes
de Freitas, Fernando Pimentel, Albuquerque Barros, Antônio Gomes da Silva, Eduardo Wilhelmy,
e outros, dois deles, entre uma plêiade de notáveis professores, permaneciam cintilantes em
sua memória: Gregório Romeu Iruzum, “nome que eu declino com a expressão maior da minha
admiração e do meu respeito”, “professor completo, mestre incomparável e de cultura polimorfa”,
concluindo, que o mesmo “viveu a vida do Pelotense, fazendo dela a sua própria vida”; o outro
educador foi Francisco José Rodrigues de Araújo, “idealizador e principal fundador e diretor
por largos anos (...) é a figura excepcional e remarcada de homem de ciência”. Para Tancredo
Amaral Braga, o Professor Araújo dominava com facilidade qualquer disciplina, embora a sua
especialidade fosse o estudo e o ensino das ciências naturais, deixando inclusive publicada uma
“notável obra sobre botânica” (BRAGA, 1952, p. 12-13).

Como decorrência de políticas mais amplas, temos em 1924, a criação da Associação Brasileira de
Educação (ABE), suas principais lideranças eram: Edgar Süssekind de Mendonça, Delgado de Carvalho,
Levi Carneiro, Branca Fialho, Francisco Venâncio Filho, etc. Entre outras preocupações, a ABE tinha

479
como pressuposto o estabelecimento de diversas associações estaduais, buscando um amplo debate
que contribuísse efetivamente com o melhoramento da educação nacional. Exercendo uma forte
sedução por todo o país, propugnavam novos métodos, centrados na atividade do aluno, sendo vistos,
desse modo, como mais eficientes do que os antigos na consecução do programa de “organização
nacional pela organização da cultura” (CARVALHO, 1998, p. 68).

Em Pelotas, a fundação da seção pelotense da Associação Brasileira de Educação, ocorre dois anos
após, ou seja, em 1926. A criação em Pelotas teve participação ativa de Joaquim Luís Osório, advogado
e com amplo envolvimento no contexto educacional de Pelotas, exercendo nesse período o cargo de
diretor administrativo do Ginásio Pelotense, sendo logo após eleito Deputado Federal.

Em 24 de outubro de 1926, no educandário Ginásio Pelotense realiza-se uma Assembleia com o intuito
de criação de uma seção local da ABE. Diversas lideranças locais participam, tal como é o caso de:
Joaquim Luís Osório, Guilherme Echenique, Miguel de Souza Soares, Joaquim Alves da Fonseca, Manoel
Luís Osório, Pedro Luís da Rocha Osório, Fernando Luís Osório, Jorge Salis Goulart, entre outros.

Tendo como modelo a ABE do Rio de Janeiro, estabelecem em Pelotas a Associação Pelotense de
Educação, criando do mesmo modo diversas comissões. Para ensino primário, foram nomeados os
seguintes: João Brum de Azeredo, Francisco Paula Alves da Fonseca, Maria da Glória Pancinha,
Maurício Rodrigues, José Fernandes Duval Júnior. Para o ensino secundário: Luís Carlos Massot,
Manoel Luís Osório, Gregório Romeu Iruzum, Antero Moreira Leivas, Cássio Tamborindegny. Ensino
profissional: Álvaro Simões Lopes, Fernando Luís Osório, Maciel Moreira, Silvia Filipposi, Sílvio da
Cunha Echenique. Ensino técnico e superior: Edmundo Berchon des Essarts, Miguel de Souza Soares,
João da Costa Goulart, Heráclito Brusque, Ernesto Ronna. Ensino artístico: Milton de Lemos, Francisco
Rheingantz, Leopoldo Gotuzzo, Noemia Dias, Silvino Braz Derengowski. Comissão de educação física
e higiene: Pedro Luís Osório, Balbino Mascarenhas, Victor Russomano, Paulo Gastal. Comissão de
moral e cívica: João Py Crespo, José Dias da Costa, Jorge Salis Goulart, Luís Assumpção, Alcibíades de
Oliveira. Comissão da infância abandonada: Júlio de Albuquerque Barros, Artur Brusque, Baldomiro
Trápaga, Manoel Simões Lopes, Edgar Maciel de Sá.

Dentro desse contexto, diversos profissionais da educação se articulam e criam, em 14 de outubro


de 1929, a Associação sul-rio-grandense de professores. Essa associação nasce da necessidade de
congregar o magistério pelotense, assim como regular a profissão e garantir as condições de trabalho
de seus associados. Em dezembro desse ano, estava assim constituído o Conselho Diretor: Presidente:
Joaquim Alves da Fonseca; Vice-Presidente: Genny de Souza Seabra; José Grünvald, Helena Iruzum
Passos, Helena Pillmann, Emílio Martins Boeckel, entre outros. No discurso de inauguração proferido
pela Professora Santura Lemos, explicitado fica o papel que buscavam desempenhar:

Meus senhores! Minhas Senhoras! Quis a bondade, a extrema benevolência de


alguns colegas incumbir-me da honrosa missão de inaugurar a “Associação sul-rio-
grandense de professores”. Não ides ouvir a voz eloquente e arrebatadora que estais
habituados a ouvir em reuniões desta natureza, e sim palavra tímida e inexperiente,
porém, não menos sincera e amiga, de uma colega, cuja única ambição é servir a
sua classe e trabalhar, na medida de suas forças, pelo progresso e engrandecimento
de sua pátria. Faz hoje precisamente um ano que, nesta mesma sala (...) surgiu
pela primeira vez, a ideia luminosa de fundar-se uma associação de professores,
cujo principal fim seria estreitar os laços de amizade entre os elementos que se
dedicam ao magistério no nosso Estado (...). Agora, tenho a satisfação de afirmar
que, graças aos esforços e à dedicação de um grupo de abnegados professores,
entre os quais seja-me permitido declinar os nomes de Genny de Souza Seabra e
Joaquim Alves da Fonseca, dois nomes conhecidos no magistério, essa ideia foi
avante até converter-se na formosa realidade do dia de hoje (...). A novel associação

480
tem por objetivos o aperfeiçoamento da instrução e da educação no Rio Grande
do Sul, introduzindo métodos e processos novos, adotando outros já usados em
alguns países, criando bibliotecas, gabinetes e laboratórios pedagógicos; realizando
palestras, promovendo congressos e caravanas de professores, tratando, enfim de
todas as questões que, direta ou indiretamente se relacionam com o ensino (Discurso
proferido em 15/10/1929).

Nos anos de 1930, quando o movimento revolucionário passa a controlar o Brasil, foi nomeado
Ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos, católico e antiliberal. Uma entre diversas
medidas foi atender os enunciados da Encíclica Papal “Divini Illius Magistri”, de 1922, que
reconheciam os direitos da Igreja anteriores aos direitos do Estado em matéria educacional.
Em relação ao ensino secundário, Francisco Campos reforçava o dispositivo da Reforma Federal
Luís Alves/Rocha Vaz, de 1925, desautorizando o modelo propedêutico ministrado nos cursos
parcelados de preparatórios, herança do Império, substituindo-o pelo modelo formador, seriado
e articulado, em cursos regulares com duração de cinco anos (Ginasial), e mais dois anos de
preparação para o ensino superior (Complementar).

Ao descrever Pelotas no ano de 1930, Souza Brandão caracteriza alguns aspectos. Avaliou a
população em 55.000 habitantes, e 9.160 prédios. Em sua opinião, a cidade era constituída
dos serviços básicos essenciais, ou seja, abastecimento de água, rede de esgotos e iluminação
compatíveis com o seu desenvolvimento, ou em suas palavras: “de conformidade com os preceitos
modernos”. Está convenientemente aparelhada para desenvolver sua vida comercial, por dispor
de todos os meios de comunicação. Apresentava condições de receber os visitantes, por dispor
de bons hotéis, assim como, de diversas casas de pensões. O transporte era realizado por meio de
bondes elétricos e automóveis, salienta o autor, que mesmo assim, ainda eram utilizados “carros
tirados por animais” (BRANDÃO, 1930, p. 128).

Havia um acentuado discurso e ações por parte dos Intendentes Municipais nesse período. Em
particular na administração de Ildefonso Simões Lopes. Não bastava projetar, fazer, era preciso dar
viabilidade as diversas obras. Era necessário acompanhar as mudanças impostas (ou inadiáveis), da
modernidade. Urbanizar, ajardinar, iluminar, construir eram termos usados a exaustão. Diversas e
novas obras descaracterizavam a cidade. Novas configurações, novos espaços eram conquistados
em nome do novo, da transformação. A educação funcionava como porta voz dessas alterações,
prédios escolares higienizados, crianças uniformizadas, em ordem, em disciplina, caracterizam
essas modificações.

Em relação à educação, de uma população total do município, calculada em 92.000 habitantes,


a população escolar encontrava-se em torno de 15.640, com matrícula de 10.067, e frequência
de 8.491 (BRANDÃO, 1930, p. 334).

É nesse contexto que a sociedade pelotense reivindicava o estabelecimento de uma escola complementar.
Na administração de João Py Crespo foi inaugurada, em 29 de junho de 1929, a Escola Complementar
de Pelotas. Sua primeira sede funcionou na Rua XV de Novembro, esquina da Rua Uruguai, tendo como
primeiro diretor o Professor Emílio Martins Böeckel, responsável, em 1934, pela criação do Curso de
Aplicação, que visava aperfeiçoar a Escola Complementar. Seu corpo docente estava assim constituído:
Eva Rosa dos Santos, Hilda Boher Weber, Noêmia Dias Aguiar, Zulmira Lemos, João Fahrion e Roberto
Müller. Nesse ano de 1929, a matrícula atingiu o número de 89 alunos. A instituição ainda ocupou
os prédios localizados na Rua Santa Cruz esquina General Neto, de 1932 a 1933; entre 1933 a 1941
funcionou na Rua General Osório esquina Dr. Cassiano do Nascimento.

A Escola Complementar vinha desempenhando no quadro cultural de Pelotas, uma posição de


destaque, quando o governo fez construir um edifício amplo e moderno, até aí tolhidos por falta

481
de ambiente adequado. Deu-se a inauguração do atual prédio em 07 de maio de 1942, por ocasião
da visita do General Cordeiro de Farias, então Interventor Federal do Rio Grande do Sul, que se fazia
acompanhar do Dr. Coelho e Souza, secretário de Educação. Tendo como Diretora Maria da Glória
Pancinha de Sá, esse educandário passa a chamar-se Escola Complementar Assis Brasil. Em junho
de 1962, recebe a denominação de Instituto de Educação Assis Brasil (Ver Figura 5).

Nos anos de 1930, ainda temos a criação do Colégio Santa Margarida, fundado em 26 de junho
de 1934, pela Igreja Episcopal Anglicana. Estava localizado na Rua General Vitorino (hoje Félix
da Cunha), esquina D. Pedro II. No ano de 1944, contava com Jardim de Infância, Primário,
Admissão e Ginásio. Tinha internato apenas para as meninas, o externato embora misto, só
aceitava meninos até os 11 anos de idade. Nesse ano sua Diretora era a Professora Cândida da
Rocha Leão; Vice-Diretora, Gladys Rhein; Secretária, Maria Aurea Taveira Bastos; Inspetor, Raul
Azambuja. Corpo docente do curso secundário: Francisco de Paula Alves da Fonseca, Hugo Vieira
da Cunha, Rafael Alves Caldelas, Apody Almeida de Oliveira, Ceslau Maria de Biezanko, Luís
Ferreira Brum, Gladys Rhein, Iracema Boeckel, Maria Luiza Pereira Lima, Elisabeth Gastal, Dulce
Boeckel, Hermelinda Schenkel, Lucy Sá Lucas, Maria Rousselet, Odete Teixeira.

As condições de vida das internas eram relativamente rígidas, como podemos observar pela
disciplina interna: 1º as alunas só poderão receber visitas de pessoas expressamente indicadas à
Diretora pelos pais ou responsáveis; 2º salvo casos especiais, as internas só receberão as visitas
autorizadas as quartas-feiras, das 17 às 18 horas; 3º as alunas só poderão receber cartas, recados
ou pacotes por intermédio da Diretora; 4º toda e qualquer comunicação dos pais ao Ginásio
deve ser feita pessoalmente ou por escrito; 5º não é permitido as alunas trazerem romances ou
revistas para o Ginásio sem o prévio conhecimento e licença da Diretora; 6º todas as internas
devem assistir ao ofício religioso da Igreja, aos domingos, como importante complemento de sua
educação cristã (Cf. Ginásio Santa Margarida, 1944).

As reformas estabelecidas por Gustavo Capanema, também conhecidas por Leis Orgânicas do
Ensino, na parte relativa à educação secundária tinham como “finalidade formar as individualidades
condutoras”. Vigente por duas décadas, a reforma Capanema deixou marcas profundas na estrutura
educacional do país. A expansão acelerada do ensino médio nas décadas de 1940 a 1960 possibilitou
a consolidação de um imaginário de excelência escolar cultivado nos ginásios e colégios.

Uma das últimas instituições estabelecidas em Pelotas a deixar uma grata lembrança foi o Colégio
Diocesano, fundado em 7 de setembro de 1956, numa luta constante, em parte capitaneada pelo Bispo
Dom Antônio Zattera. Estava localizado na Rua Barroso, entre Gomes Carneiro e Três de Maio. Seu
primeiro diretor foi o Padre Carlos Johannes. Em março de 1957, tinham início às aulas, com cinquenta
e sete alunos. No ano de 1960, já funcionando com as quatro séries ginasiais, a matrícula subia a cento e
setenta e quatro alunos. A maior parte de seus docentes era oriunda da Faculdade de Filosofia. Em 1960,
assume a direção a Professora Alice Flora Lorea. Foi o primeiro estabelecimento educacional de Pelotas
(quiçá do Brasil), a implementar um uso permanente e amplo de câmeras e aparelhos receptores de
imagem em todas as salas de aula. Essa modernização, com o uso da tecnologia televisiva foi inaugurado
em junho de 1970. Nesse ano, o Colégio Diocesano contava com vinte e duas salas de aula, amplas,
arejadas, mobiliadas e na parte superior de cada sala havia um aparelho de televisão. Funcionava em três
turnos e abrigava 2.178 alunos (ROCHA, 1970; HAMMES, 2005).

As representações nostálgicas erigidas em torno de uma escola asséptica, ordeira, frequentada


por alunos disciplinados, estudiosos e afáveis, na pertinente observação de Rosa Fátima de Souza
(2008, p. 194), tendem a desvanecer os conflitos cotidianos, o comportamento repreensível, a
indiferença pelos estudos, as dificuldades de aprendizagem dos alunos, a “cola”, os altos índices
de abandono escolar, a repetência. Os dispositivos disciplinares encarregavam-se da punição dos

482
recalcitrantes, dos desobedientes e incorrigíveis. Boa parte da disciplina escolar era assegurada
pelo sistema de avaliação.

Referências
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ensino público. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
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CORSETTI, B. Instituições Formadoras de Professores no Rio Grande do Sul. Volume 2. Pelotas: Editora da
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_____. Pelotas: gênese e desenvolvimento urbano (1780-1835). Pelotas: Armazém Literário, 1994.
BRAGA, T. Colégio Municipal Pelotense (Comemoração do 50º aniversário de sua fundação). Pelotas:
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BRANDÃO, S. Rio Grande do Sul: a terra, o homem e o trabalho. Rio de Janeiro: Graphica Sauer, 1930.
CARDOSO, S. Associação sul-riograndense de professores: um nicho de desenvolvimento de classe docente
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escrever: estudos de história da leitura e da escrita no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
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SOUZA, R. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX (ensino primário e
secundário no Brasil). São Paulo: Cortez Editora, 2008.

Notas do pesquisador
2
Diversas dessas antigas habitações hoje exercem uma nova função, caso, por exemplo, do Clube Comercial, do Parque da
Baronesa, e da Casa de Cultura Adail Bento da Costa. No passado foram moradias de prósperos charqueadores.
3
O autor se refere às primeiras décadas do século XX. Depoimento prestado ao Diário Popular em agosto de 1972, numa série
de três artigos com o nome de “Reminiscências e Contrastes”.
4
Referência a Alfredo Ferreira Rodrigues, organizador e idealizador do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul,
que foi publicado entre 1889 e 1917. Assim como o seu irmão Alberto Ferreira Rodrigues, que por sua vez dirigia o Almanaque
Popular Brasileiro, editado entre 1894 e 1908. O primeiro foi editado pela Livraria Americana de Carlos Pinto, o segundo foi
editado pela Livraria Universal de Guilherme Echenique.
5
Os meninos geralmente eram encaminhados para o internato do Gonzaga, instituição dirigida pelos jesuítas. As meninas por
sua vez eram encaminhadas para o internato do São José.
6
Ocupou o cargo de Intendente Municipal em duas ocasiões: a primeira em 1892, a segunda em 1908.
7
Este trecho sobre a participação dos teuto-brasileiros é um recorte de um texto maior publicado na Alemanha. (PERES &
ARRIADA, 2011).
8
Localizamos a seguinte obra em uso na cidade de Pelotas: Primeiro livro de leitura para uso das escolas teuto-brasileiras. 7a
edição. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1935.
9
Publicou diversas obras, entre outras: Rotermunds Fibel für Deutsche Schulen in Brasilien. São Leopoldo: Rotermund, 1924;
Cartilha moderna. São Leopoldo: Rotermund, 1920; Deutsche Sprachschule. São Leopoldo: Rotermund, 1916 [Obs: Dessa obra
foi possível localizar um exemplar utilizado em Pelotas com as seguintes anotações: Kurt Nagelschmidt, Pelotas, 25/09/1918].
10
Alusão à obra do sociólogo Edmond Goblot, que escreveu A barreira e o nível: estudo sociológico da burguesia francesa na
passagem do século, livro publicado em 1925.

484
Figura 1

Figura 4

Figura 2

Figura 3 Figura 5

Pesquisa, seleção de imagens e notas: Eduardo Arriada e Vanessa Teixeira Barrozo.

Figura 1: Escola Normal São José. Ano de 1951. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 2: Capa dos Estatutos do Colégio Português, 1918. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 3: Cartão Postal com a fachada do Colégio Gonzaga. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 4: Fachada do Colégio Municipal Pelotense. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 5: Jornal “Complementarista”, periódico do Instituto de Educação Assis Brasil. Ano 1º. Nº 1. Fonte:
Acervo Eduardo Arriada.

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487
504 505 506

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504. Vista da Lagoa dos Patos, desde a proximidade do Pontal da Barra do Canal São Gonçalo. Fevereiro de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud.
505. Senhor caminhando na praia do Pontal da Barra, próximo ao trapiche, quando a presença de pescadores ali ainda era tolerada. Ano de 2006. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Renata Freitas. 506. Trapiche da Praia do Laranjal, já reformado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas).
507. Lua cheia no trapiche da Praia do Laranjal. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi. 508. Guarita de salva-vidas na areia da Praia do Laranjal.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 509. Queima de fogos do Réveillon 2011 na Praia do Laranjal, vista desde o trapiche. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Daniel Giannechini.
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510. Praia do Laranjal à noite. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 511. Entardecer na Lagoa dos Patos. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre
Neutzling. 512. Pássaro descansando sobre barco na Lagoa dos Patos. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 513. Pesca na Lagoa dos Patos. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior 514. Pescador lançando suas redes na Lagoa dos Patos. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 515. Detalhe
da beira da lagoa, na Colônia Z3 de pescadores. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 516. Paisagem da lagoa. Colônia Z3. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Alexandre Neutzling. 517. Esportista náutico de ‘Prancha a Vela’ (ou Windsurf). Lagoa dos Patos. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
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518. “Colônia Z3 ao amanhecer”. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 519. Pescadores em abrigo na lagoa. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior. 520. Vista parcial da orla da Praia do Laranjal. À direita, o Centro Comercial Mar de Dentro. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Fábio Caetano. 521. Pesca do Camarão. Safra de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 522. Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. Ano de 2010.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 523. Vista parcial da orla da Praia do Laranjal, desde a lagoa. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
O ENSINO SUPERIOR: DA FUNDAÇÃO DO LICEU DE
AGRONOMIA E VETERINÁRIA (1883) À CRIAÇÃO DA
UCPel (1960) E DA UFPel (1969)

Elomar Tambara1

Introdução
Na história da escrita e da leitura popular há um formato que foi muito difundido, particularmente
ao final do século XIX e início do século XX – O Almanaque. Embora este gênero venha de muito antes, 1
Graduado em Ciências
é neste período que o mesmo atingiu seu apogeu, particularmente no Brasil, quando circulavam cerca Sociais pela Universidade
de uma centena de “almanachs” com destaque em nível nacional para os almanaques Laemmert e Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS, 1978), Mestre em
Garnier e no Rio Grande do Sul com os almanaques organizados por Graciano Azambuja e por Alfredo Sociologia pela UFRGS (1981)
Ferreira Rodrigues e, mais localmente, o Almanaque de Pelotas, organizado por Florentino Paradeda. e Doutor em Educação pela
UFRGS (1991). É Professor do
Departamento de Fundamentos
Este sucesso editorial caracteriza o que comumente, e por vezes pejorativamente, se denomina da Educação, FAE/UFPel.
“cultura de almanaque”. Entretanto, é preciso ter presente o papel fundamental que este tipo de É autor de Positivismo e
Educação. Pelotas: Editora da
leitura desempenhou na formação da sociedade brasileira no sentido de configurar uma especial UFPel, 1995, e de Bosquejo de
compleição cultural, educacional, política e cívica dos leitores. É pertinente reconhecer que a apreensão um ostensor do repertório de
do conteúdo ocorria independente de classe social atingindo indistintamente tanto a elite como o textos escolares utilizados no
ensino primário e secundário no
público “menos favorecido”, pois era um artefato de leitura de forte circulação e permanência em século XIX no Brasil (Pelotas:
variados ambientes. De maneira que o texto para estes periódicos requerem especificidades que fogem Seiva Publicações, 2003). O
presente texto foi escrito com
em muito à rigidez acadêmica de um artigo destinado a uma revista científica, por exemplo. Há uma a colaboração do professor
clara intencionalidade em propiciar informações em uma linguagem que se aproxime o máximo Eduardo Arriada.
possível do senso comum sem abandonar a correção histórica que é indispensável em qualquer texto
desta natureza. Esta natureza torna o texto muito mais descritivo do que analítico. Este último
aspecto fica como um atributo mais do leitor na medida em que ele se utiliza das informações como
subsídios para análise. Na prática e ao longo do tempo, os almanaques acabaram constituindo-se
fundamentalmente em fontes de pesquisa.

O presente texto tentará apresentar basicamente estas características “almanaqueanas” analisando


a configuração do ensino superior na cidade de Pelotas. Tal aspecto por vezes aproxima-se de um
verdadeiro “culto à personalidade”, mas que pela natureza dos fatos não se pode furtar. Delimita-se
esta gênese da fundação do Liceu de Agronomia e Veterinária até a criação das Universidades Católica
(1960) e Federal (1969).

A Agronomia
Em 1883 foi decretada a fundação de uma Escola de Veterinária e Agricultura, sendo escolhida a
cidade de Pelotas para sede do estabelecimento.

A Câmara Municipal ofereceu para tal fim o edifício da Escola Maciel com o terreno adjacente,
condicionalmente cedido pela Bibliotheca Pública, e outro terreno na Praça então denominada
Henrique d’Ávila (atual Cipriano Barcelos), concessão esta confirmada pela lei provincial nº 1424 de
29 de dezembro de 1883.

Assim escrevia Alberto Coelho da Cunha, uma das primeiras narrativas sobre essa instituição, hoje
centenária. Salientava diversos aspectos de sua formação inicial. Tendo a Câmara Municipal recebido o
edifício com todos os seus acessórios em 26 de janeiro de 1888, resolveu no mesmo fundar um “Liceu
de Artes e Ofícios”, para o que, depois de organizados os respectivos estatutos, foi a sua administração
entregue a uma delegação de nove membros, previamente eleitos, presidida pelo Conselheiro Francisco
Antunes Maciel, da qual faria parte como inspetor técnico dos aparelhos o lente de alemão Dr. José
Cipriano Nunes Vieira.

As aulas do curso preparatório, bem como as do primeiro ano do curso geral, foram inauguradas no
dia 14 de março do mesmo ano, com 25 alunos e 40 matriculados, sendo: 7 em francês, 5 em alemão,
9 em escrituração mercantil, 8 em desenho, 11 em ginástica.

Com o estabelecimento da República, a junta municipal composta por Possidônio Mâncio da Cunha,
José Gonçalves Chaves e Edmundo Berchon dês Essarts assumem a responsabilidade do curso.

Segundo Soares Sobrinho (s/d), nesta época estrutura-se, com maior organicidade, o currículo, com
a seguinte disposição: 1º ano (curso preparatório): 1ª cadeira: matemáticas elementares; 2º cadeira:
geografia, especialmente do Brasil; 3ª cadeira: francês, 4ª cadeira: português e 5ª cadeira: agricultura
(noções gerais). 2º ano (curso superior): 1ª cadeira: agricultura (agrologia e estudo de culturas); 2ª
cadeira: física (noções gerais, hidrostática, acústica, ótica, luz e calor); 3ª cadeira: química (geral e
mineral) e 4ª cadeira: botânica. 3º ano: 1ª cadeira: agricultura (zootenia e estudo de máquinas); 2ª
cadeira: física (eletricidade e meteorologia); 3ª cadeira: química (orgânica e analítica) e 4ª cadeira:
zoologia. 4º ano: 1ª cadeira: horticulrua, leitaria, viticultura; 2ª cadeira: mineralogia e geologia; 3ª
cadeira: química industrial e 4ª cadeira: economia política e industrial.

O regulamento estabelecido em 1895, e confirmado pelo de 1899, determinava as seguintes cadeiras


(nomenclatura da época) para o curso anexo e superior. Curso anexo: aritmética e álgebra; geometria
e trigonometria; geografia, especialmente do Brasil; francês; português e desenho. O curso superior

494
de três anos abrangia as seguintes cadeiras: 1º ano: noções gerais de mecânica e agrimensura; física
e meteorologia; química mineral; botânica e agricultura propriamente dita. 2º ano: química orgânica
e analítica; zoologia e zootécnica; engenharia rural; mineralogia e geologia. 3º ano: química agrícola;
horticultura, viticultura e leitaria; tecnologia agrícola e economia rural.

Em todos os anos havia obrigatória aula de desenho. Em relação aos exercícios, o ensino era dividido
em teórico e prático, aquele ministrado na respectiva cadeira por meio de preleções e exemplos, e no
respectivo gabinete, laboratório ou lugar apropriado, por meio de experiências executadas pelos alunos.
Para o estudo prático havia diversos compartimentos em que se divide o edifício da escola, de vasto e
completo laboratório de química e diversos gabinetes de física, de mineralogia, de botânica e de zoologia.

Os primeiros alunos diplomados foram Vitor Leivas e José Vaz Bento em 1895. A segunda turma foi
composta de Leonardo Brasil Collares, José e Antônio Martins e Amintas Maciel, em 1901.

Na administração de Nunes Vieira, foi editada a Revista Agrícola. Fundada pela diretoria e corpo
docente do Liceu, foi em 31 de janeiro de 1897 distribuído o seu primeiro número. Essa redação foi
confiada a quatro lentes: Guilherme Minssen, Francisco Rodrigues de Araújo, Emílio Leão e José Vaz
Bento, sob a presidência do Diretor, Nunes Vieira.

No ano de 1909, o Liceu passa a denominar-se Escola de Agronomia e Veterinária. Com a aprovação
de um novo regulamento, foi o curso ordenado da seguinte forma: 1º ano: o estudo da mecânica –
concepção geral, estatística, dinâmica e mecânica dos líquidos; da física – física molecular, noções de
astronomia e meteorologia; e o da química – inorgânica, geologia e mineralogia. O 2º ano: mecânica
aplicada – materiais de construção, resistência dos materiais, hidráulica agrícola, motores e máquinas;
química industrial e biologia – botânica e noções de zoologia. 3º ano: agricultura – prática e cultura
das plantas convenientes ao clima e condições econômicas do Estado; veterinária – anatomia e
psicologia, patologia e noções de zootecnia, e agrimensura, como legislação agrícola e economia rural.

Em 1926, a denominação passa a ser Escola de Agronomia e Veterinária Eliseu Maciel. As autoridades
locais externavam a importância da cidade em contar com uma Escola de Agronomia e Veterinária Em
relatório do mesmo ano, o Intendente Municipal Augusto Simões Lopes mencionava: “Pelotas é um
centro ideal para o estudo da agronomia, como bem observou o nosso eminente Diretor Dr. Rodrigues
de Araújo. Poucos se encontram no Brasil que se lhe equiparem. É sede de frigoríficos e charqueadas,
de fábricas diversas; possui grandes empresas agrícolas; tem a grande e a pequena propriedade rural;
rebanhos seletos de várias raças; indústrias rurais florescentes; vastos e magníficos pomares; extensas
plantações de árvores florestais; fábricas de adubos, cola etc.” (Escola de Agronomia e Veterinária
Eliseu Maciel, 1928, p. 32).

Em março de 1959, contando com as presenças do Presidente e Vice-Presidente da República,


Juscelino Kubitscheck e João Goulart, além do Governador do Estado, Leonel Brizola, essa instituição
passa a funcionar no distrito do Capão do Leão.

Em 1960, faz parte da Universidade Rural do Sul. Em 1967, estando vinculada ao Ministério da
Agricultura, passa para o Ministério de Educação e Cultura, para finalmente em 1969, ser incorporada
à recém-criada Universidade Federal de Pelotas.

Um dos elementos que propiciou o aparecimento de novos estabelecimentos de ensino de nível


superior foi essencialmente de caráter externo à comunidade pelotense, que foi a reforma de ensino
promulgada pelo Ministro Rivadavia Correa em 1911.

Com fortes matizes positivistas esta reforma institucionaliza na República um dos ideais tão caros aos
positivistas – a liberdade de ensino. Somente na esteira desta cosmovisão em relação à educação é

495
que se pode compreender como em um núcleo populacional relativamente reduzido, com recursos
humanos bastante escassos e com estrutura física acanhada, pudesse grassar e frutificar a ideia de se
criar mais estabelecimentos de ensino em nível superior. Tal aspecto ressalta o nível de percepção da
realidade histórica e de análise de conjuntura realizada pelos pioneiros. Esta ousadia está associada ao
grau de abnegação pessoal e profissional que muitos deles apresentavam, principalmente nos primeiros
anos do empreendimento. Pois, sem um vínculo com o setor estatal, como preceituava a liberdade
de ensino propugnada pelo positivismo clássico, a manutenção das novas faculdades que estavam se
estabelecendo precisava depender de suas próprias forças, o que por si só era um desafio hercúleo.

De modo que ainda em 1911 observa-se a movimentação da comunidade pelotense em prol da


criação de novas instituições de ensino superior. Este movimento teve seu foco principal no seio
da Congregação do Ginásio Pelotense, instituição à época que estava sob a administração da
maçonaria pelotense.

Tal vinculação, sem dúvida, contribuiu para estabelecer um forte respaldo à iniciativa, embora em
pouco tempo, vai implicar em importante crise institucional.

De qualquer modo, sob a influência do médico Francisco José Rodrigues de Araújo, professor do
Ginásio, constitui-se o movimento que vai resultar na criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia
e da Faculdade de Direito. As duas estabelecidas como faculdade livres.

Odontologia
A Faculdade de Farmácia e Odontologia foi oficialmente instalada em 21 de setembro de 1911.
Sua organização ocorreu no âmbito da Congregação do Ginásio Pelotense e que se aproveita da
brecha jurídica propiciada pela Lei Rivadavia Correa.

Esta Lei Orgânica representa o ápice da influência positivista em âmbito nacional no Brasil. Em
síntese defende a ideia de liberdade e de desoficialização do ensino. Este novo instrumento
jurídico autorizava a abertura de cursos, inclusive os superiores, sem um controle jurídico e
burocrático efetuado pelo Governo Federal. Em termos práticos terminava com o sistema de
equiparações sob o controle do Estado vigente desde o Império. E, sob certas interpretações,
extinguia também a necessidade de aprovação nos exames preparatórios, ficando o ingresso de
alunos no ensino superior apenas dependendo de regras específicas de cada instituição de ensino,
independendo inclusive do grau de escolaridade. Era a instituição oficial, no caso do ensino
superior, das Faculdades Livres.

No seio da Congregação do Ginásio Pelotense o que havia era a ideia de se criar uma universidade
na cidade. Aspecto pioneiro, tendo presente que a primeira Universidade no Brasil foi instalada no
Rio de Janeiro apenas na década de 20. No caso da criação do curso de Farmácia e Odontologia
deve-se destacar a participação dos professores: Francisco José Rodrigues de Araújo, Manuel
Serafim Gomes de Freitas, Pedro Luís Osório, Álvaro Eston, Antônio Guerreiro de Almeida e Pedro
Batista Gomes de Freitas.

Foi constituída, portanto, numa perspectiva tipicamente positivista que privilegiava a autonomia
política, econômica e financeira das instituições. Desta maneira logo se observou a dificuldade
desta estrutura de ensino em termos de Brasil. De tal modo que a Reforma Rivadavia Correa foi
substituída, em 1915, pela Reforma Carlos Maximiliano, que reoficializa o ensino superior no país.
Entretanto, a questão das Faculdades Livres instaladas na vigência da lei anterior transformou-se
numa dor de cabeça para o governo e para as mesmas. Pragmaticamente elas prosseguiram sua

496
atuação continuando a manter-se com o pagamento de mensalidades, da ação de beneméritos e
de doações da comunidade.

Chama a atenção na atuação da Faculdade de Farmácia e Odontologia o caráter extensionista


que a mesma desenvolvia já nas primeiras turmas. Isto decorria de um lado pela necessidade de
um aprendizado prático do alunado, mas também de uma atitude filantrópica que grassava na
instituição.

Assim, pioneiramente estrutura-se uma clínica infantil e que trabalhava em conjunto com o
inspetor das aulas municipais, com um programa tanto curativo quanto de divulgação de boas
condutas em relação à “defesa do aparelho dentário”. Esta clínica seguia o mesmo formato da
estabelecida em período noturno e que tinha o propósito de atender o operariado “que assim
não se vê privado dos cuidados higiênicos tão imprescindíveis à boca”. É importante salientar
que este era um serviço propiciado à comunidade infantil das escolas públicas e ao operariado
de forma gratuita, e no caso da clínica noturna demandou fortes investimentos na parte elétrica
da mesma, para que se adaptasse a este turno de atendimento e, no caso das crianças, montou-
se inclusive um ambulatório ambulante para atender nas escolas. Neste sentido preceitua o
Guia do Estudante publicado em 1915 “A Faculdade manterá um ou mais gabinetes de clínica
dentária e outros de prótese dentária, destinados a prestar assistência gratuita a todas as pessoas
reconhecidamente pobres, que o queiram”. E prescrevia ainda que “é interditado aos alunos
receber dinheiro dos doentes que lhes são confiados e cuidá-los fora da faculdade”.

Não se deve esquecer que o curso era privado e dependia fundamentalmente da contribuição
dos alunos. A tabela de emolumentos para quem cursava a faculdade demandava uma situação
financeira relativamente privilegiada, como pode-se apreender pela tabela abaixo:

EMOLUMENTOS
A Faculdade cobrará os seguintes emolumentos:

Em 1914 ocorreu grave crise com forte repercussão na impressa da cidade e gerou a existência
de dois cursos, sendo que ambos se consideravam como legítimos representantes da faculdade
fundada em 21 de setembro de 1911.

497
De um lado estavam professores que saíram do Ginásio Pelotense e se instalaram à rua Marechal
Floriano e que, segundo os mesmos, nunca suspenderam a sua Congregação e declaravam via
jornais da cidade que “não havendo em época alguma abandonado os seus respectivos cargos, se
conservavam na plenitude de seus direitos como catedráticos e substitutos”. Este grupo instalou-
se com a Faculdade de Odontologia de Pelotas e manteve seus trabalhos até 1920.

De outro lado também havia nota nos jornais da Comissão Diretora do Ginásio Pelotense que “julga
seu dever acrescentar sobre a afirmativa que fez de estar funcionando naquele estabelecimento
de ensino a Faculdade de Farmácia e Odontologia fundada em 21 de setembro de 1911”. O
principal fator de discórdia dizia respeito ao grau de autonomia da faculdade em relação à
maçonaria. Diferentemente da Faculdade de Direito que se desligou do Ginásio Pelotense já no
segundo ano de funcionamento, a Faculdade de Farmácia e Odontologia teve um lado mais
vinculado a esta instituição até os primeiros anos da década de 20, passando ao poder do estado
em 1949 – quando foi incorporado pela Universidade do Rio Grande do Sul.

É importante ter presente que tanto a Faculdade de Direito como a de Farmácia e Odontologia
funcionavam como “faculdade livres” nas quais conforme publicou o Guia do Estudante em
1915: “a frequência dos alunos não é obrigatória, podendo, porém, os professores fazer as
sabatinas que julgarem necessárias, estabelecendo médias nos graus dados”.

No quadro seguinte o leitor poderá ter uma clara ideia dos conteúdos ministrados nos dois cursos
como também dos professores responsáveis pelas disciplinas:

CURSO DE FARMÁCIA

498
CURSO DE ODONTOLOGIA

Não há dúvidas de que a criação de instituições de ensino superior na cidade estava associada à
perspectiva de atender às demandas da elite regional que reivindicava a existência de faculdades
capazes de formar seus quadros na própria cidade.

Embora se propale a inserção feminina nos cursos superiores, particularmente no de Farmácia


e Odontologia, pelo menos nas primeiras décadas esta assertiva não é verdadeira. Assim por
exemplo em 1929, segundo o Censo Escolar realizado pela Intendência, a comunidade discente
era praticamente branca e masculina. Pois, de um total de 65 alunos matriculados nas três
escolas superiores, 64 eram brancos e um “misto” e não havia pretos. Como também deste total,
62 eram do sexo masculino e apenas 3 mulheres frequentavam estes cursos. Nesta estatística
chama a atenção ainda a relação aluno/professor que era bastante baixa pois 32 professores
atendiam estes 65 alunos. Esta era uma situação preocupante para instituições de caráter privado
que dependiam, em muito, de recursos oriundos dos alunos para sobreviver.

De modo que se observa que as instituições públicas eram frequentemente incitadas a colaborar com
os diversos cursos superiores da cidade. Tal aspecto está associado com o arrefecimento da ortodoxia
positivista, o que permitiu, por exemplo, que a Faculdade de Farmácia e Odontologia fosse, em 1924,
reconhecida como entidade de utilidade pública. Tal prerrogativa facilitou a concessão de isenção de
impostos, tributos e taxas bem como a concessão de outros benefícios da prefeitura como ocorreu,
por exemplo, com a doação de área da edilidade para a construção do prédio próprio da Faculdade de
Direito. O que rendeu a ampliação e melhoria da infraestrutura com o aporte da União.

Em 1949, por ocasião da transformação da Universidade de Porto Alegre, criada pelo decreto
nº 5.758 de 28 de novembro de 1934, do Governo do Estado, em Universidade do Rio Grande
do Sul, houve a incorporação das Faculdades de Direito e Odontologia pela URGS e o Curso de
Farmácia acabou sendo extinto.

A criação da Universidade de Porto Alegre, gestada durante a administração do Governador


Flores da Cunha, estava imbuída de uma orientação filosófica prevalecente no regime político
estadual, consagradora da liberdade profissional, sendo uma necessidade inadiável de aspiração da
sociedade sul-rio-grandense. Em seus momentos iniciais, certas arrestas e disputas permaneceram
latentes com a Secretaria da Educação e Saúde, então sob a direção de Otelo Rosa. Embora
tenha melhorado a atuação e o papel da Universidade nos anos seguintes, certas animosidades
ainda permaneciam. Com a gestão de Coelho de Souza, que substitui Otelo Rosa, a ação da Reitoria
e da Universidade como organismo foi meramente formal, nominal e sem maior expressão. Esse
contexto refere-se à emergência da ideia de universidade e à centralização da oferta de ensino superior

499
na capital do estado. Entre 1934 e 1936, este processo estabelece a criação da Universidade de
Porto Alegre (UPA), que reúne as faculdades pré-existentes. Amplia-se depois essa medida, buscando
regionalizar a Universidade, fato que ocorre com o estabelecimento da Universidade do Rio Grande
do Sul (URGS), incorporando unidades de ensino superior do interior, e culminando com o processo
de federalização da instituição, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1950. Pela
constituição votada pelos constituintes de 1947, no Ato das disposições constitucionais transitórias,
o nome da Universidade de Porto Alegre passa a ser Universidade do Rio Grande do Sul. A finalidade
dessa norma foi possibilitar a congregação numa única Universidade dos diversos institutos, das
faculdades isoladas, tanto da capital como do interior do estado. Desse modo, estabeleceu que
ficariam incorporadas à Universidade do Rio Grande do Sul as Faculdades de Direito e Odontologia de
Pelotas, e as Faculdades de Farmácia de Santa Maria.

Outra consequência da federalização da Universidade do Rio Grande do Sul foi o fortalecimento do


processo de interiorização do ensino superior e autonomização das unidades do interior em relação à
capital. Temos o caso de Santa Maria, criada em 1960, com a incorporação das Faculdades de Farmácia
e Medicina já existentes e da fundação das Faculdades de Odontologia, Politécnica, Agronomia,
Veterinária, Belas Artes, Filosofia, Serviço Social e Escola Superior de Economia Doméstica.

Em Pelotas, temos como decorrência do Decreto-Lei 750 de 1969, a criação da Universidade


Federal de Pelotas, pela junção dos seguintes cursos: Agronomia, Direito, Odontologia, Veterinária,
Ciências Domésticas e o Instituto de Sociologia e Política.

Faculdade de Direito
A ideia primeira em relação à criação de uma Faculdade de Direito está vinculada às pretensões
que Francisco José Rodrigues de Araújo, professor e médico, tinha de criar uma universidade na
cidade. Como acima afirmamos, esta era uma ideia acalentada em muitas regiões do Brasil, mas
que por um motivo ou outro somente vai concretizar-se com a criação da Universidade do Brasil
em 1920. De qualquer forma esta ideia arrojada, como dito, gestada no interior da congregação
do Ginásio Pelotense, teve a receptividade de uma série de próceres pelotenses dentre os quais
se destacam: José Júlio de Albuquerque Barros e Fernando Luís Osório, ambos que há pouco
tempo haviam concluído sua formação acadêmica, 1908 e 1907 respectivamente, e com a idade
aproximada de 25 anos abraçaram o projeto de maneira desprendida e audaciosa, trabalhando
encarecidamente para um desiderato positivo.

De modo que em 12 de setembro de 1912 a Faculdade de Direito de Pelotas foi oficialmente


fundada e coube ao prof. José Júlio de Albuquerque Barros a incumbência de ser o primeiro
diretor, delegando-se a Fernando Luís Osório o encargo de proferir a primeira aula na Faculdade.

Em 1917 diplomou-se a primeira turma composta dos bacharelandos Luís França Pinto, Otávio
Petrez e Tancredo do Amaral Braga. Pelo número de formandos pode-se observar a dificuldade
de manter a instituição, mesmo cobrando dos alunos uma mensalidade expressiva.

A novel instituição dependia fundamentalmente, para a sua manutenção, do trabalho desapegado


de autoridades jurídicas da cidade que emprestavam seu prestígio à mesma, como foram os casos
de Luís Mello Guimarães e Esperidão de Lima, que exerciam então a função de Juiz de Comarca
concomitante à de professores da Faculdade. Ambos já figuras de destaque no mundo jurídico,
que ascenderam a desembargadores do Superior Tribunal do Estado e que consolidaram sua
carreira acadêmica como professores da Faculdade de Direito de Porto Alegre.

500
Por muito tempo, uma das questões que dificultou a consolidação da instituição foi a ausência
de uma estrutura física condizente de apoio. De início funcionou nas dependências do Ginásio
Pelotense. Posteriormente peregrinou por alguns prédios particulares e terminou por ocupar
espaço na Bibliotheca Pública Pelotense.

Foi durante a gestão de Francisco Carlos de Araújo Brusque que começou um movimento mais
consistente em relação à construção de um prédio adequado para a Faculdade. Essa iniciativa
teve forte desenvolvimento na gestão do prof. José Francisco Dias da Costa, que teve o grande
mérito de congregar forte e variada gama de colaboradores tanto da área privada como pública.

De maneira que ao final da década de 20 a instituição recebeu da Intendência Municipal, na


gestão de Augusto Simões Lopes, um auxílio de 150 contos de réis, que somado ao valor de uma
casa que a instituição já possuía e com donativos privados de toda ordem construiu-se o edifício
situado no terreno entre as ruas Ruy Barbosa (Félix da Cunha) e General Vitorino (Anchieta) e de
frente para a rua Três de Maio. Sendo o mesmo inaugurado em 11 de agosto de 1929.

Registra-se que nesta época a doutrina positivista hegemônica por toda República Velha no Rio Grande
do Sul, através do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), já não exercia o controle ortodoxo sobre
as gestões dos executivos municipais que inibiam a atuação dos entes públicos no ensino superior.
Com a Revolução de 30 o Brasil passa a apresentar uma nova perspectiva na relação Estado-sociedade
com a implantação de um caráter tipicamente intervencionista e controlador do Estado em relação às
instituições de ensino. Processo este que tem seu desiderato legal, com a Reforma Francisco Campos,
que modificou o Reconhecimento pelo Estado das Instituições de ensino.

O trabalho de reconhecimento da faculdade coube ao professor Bruno de Mendonça Lima, que já


em 1931 havia sido eleito para o cargo de diretor e que vai permanecer no mesmo por longo tempo.
Um primeiro marco decisivo neste reconhecimento foi a concessão, em 1936, de Inspeção Federal
Permanente, o que legitimava a atuação da faculdade em âmbito legal e sendo nomeado para o
cargo Ildefonso Simões Lopes Filho. De qualquer forma, a faculdade particular sem uma instituição
mantenedora na retaguarda enfrentava muitas dificuldades em sua manutenção e a alternativa era a
estatização da mesma.

Essa ocasião se propiciou em 1947 com a “redemocratização” do país, e a faculdade soube


aproveitar a situação. Por ocasião da elaboração da constituição do Estado do Rio Grande do
Sul o prof. Joaquim Duval, catedrático de Direito Administrativo da Faculdade, apresentou uma
emenda “que transformava a Universidade de Porto Alegre em Universidade do Rio Grande do
Sul, desde que satisfeitas as exigências da legislação em vigor, as faculdades de Direito, de
Farmácia e Odontologia, da cidade de Pelotas, e a Faculdade de Farmácia de Santa Maria”.

Sendo estas incorporadas pela Lei Estadual em 1948 e efetivada em Março de 1949 e posteriormente
referendado por Lei Federal em 1950. Deste então, com a estadualização, as condições de
funcionamento da faculdade efetivamente passam às condições dos diversos estabelecimentos
de educação existentes à época até ser incorporada à Universidade Federal de Pelotas em 1969.

Este período transcorreu com pequenas transformações entre as quais merece distinção a criação
na Universidade do Rio Grande do Sul, por iniciativa da Unesco e da Faculdade de Direito de
Pelotas, do Instituto de Sociologia e Política (ISP) em 1957, sendo que a direção do mesmo foi
designada ao prof. Mozart Victor Russomano, tendo como secretário geral o professor José Pio
de Lima Antunes (diretor da faculdade de Agronomia), solenemente instalada em 1958.

501
Faculdade de Medicina
Em 1953, através da Sociedade de Medicina de Pelotas, inicia-se o processo de criação de um
curso de medicina na cidade. Havia desde logo a ideia de um curso com características de ser,
quando possível, federalizado.

As condições precárias, particularmente em termos de corpo docente, dificultaram a concretização


dessa proposta. No ano seguinte, foi fundado o Ipesse (Instituto de Ensino Superior de Sul do
Estado), sob a presidência do Dr. Franklin Olivé Leite, com o objetivo de agilizar a criação da
faculdade que recebeu forte e decisivo impulso do poder público municipal, com a doação do
prédio do Instituto de Higiene, antigo palacete Ritter, para nele ser instalado o curso de medicina.

Este processo acelerou-se com a solicitação de D. Antônio Zattera à Sociedade de Medicina


para a criação da Faculdade Católica de Medicina e, de certa forma, a Sociedade se dividiu, pois
entendiam alguns de seus membros que sem uma instituição por detrás, como, por exemplo, o
Estado ou a Mitra Diocesana, não haveria condições de criar a faculdade.

De qualquer forma, o grupo que defendia a criação de uma instituição “leiga” acelerou seu
trabalho e em 1958, na Bibliotheca Pública Pelotense, foi fundada a Faculdade, mas somente em
1962 foi preenchido o corpo docente com os cargos de professor catedrático, sendo neste mesmo
ano escolhido como primeiro diretor o professor Naum Keiserman.

O professor Naum Keiserman colocou como objetivo primordial obter a autorização e


reconhecimento pelo Ministério da Educação. Em 11 de maio de 1963 ocorreu a aula inaugural
do curso, sendo que a primeira turma formou-se em 1971. Em 1977 a faculdade incorporou-se
à Universidade Federal de Pelotas.

O movimento Católico
A década de 1930 é rica em movimentos sociais vinculados à ocupação de espaço ideológico,
mormente em relação a organizações sócias que visavam neutralizar movimentos como os comunistas,
integralistas etc. A Igreja Católica, particularmente em função do movimento “Ação Social” e da
consolidação de seus “Círculos de Cultura” intensifica o processo de ocupação de espaço na área do
ensino. Neste período, o da República Velha, a mesma já havia consolidado sua hegemonia no ensino
privado secundário e, lenta e paulatinamente, passou a investir no ensino superior.

Pelotas não foi contrária a este movimento, sendo que em 1937 se estrutura o curso de Ciências
Econômicas, sob a orientação dos Irmãos da Congregação das Escolas Cristãs – Irmãos Lassalistas.
A Faculdade recebeu sua estruturação em 1945 para atender às prescrições decorrentes da
Reforma Francisco Campos e foi reconhecida pelo MEC em 1948. A partir de 1955 passou à
Mitra Diocesana de Pelotas que o transferiu para a rua Félix da Cunha 412.

Entretanto, em termos de ensino superior confessional católico, é somente na década de 1950 que
se tem um forte movimento de estruturação mais orgânica com a atuação enérgica e decisiva do
bispo metropolitano D. Antônio Zattera. De modo que sob a égide da Mitra Diocesana de Pelotas
a Igreja Católica passa a fundar suas faculdades na região. Note que a maioria das dioceses, ao
ingressar neste movimento, delegou a organização e manutenção de estabelecimentos de ensino
superior a congregações religiosas católicas especializadas na atividade como, por exemplo, as
dioceses de Porto Alegre e Rio de Janeiro com os Irmãos Maristas e a Companhia de Jesus,
respectivamente.

502
Tal decisão implicou na condução de um processo mais paroquial devido, principalmente,
à ausência de um corpo docente na cidade consentâneo com as exigências do MEC para o
reconhecimento dos respectivos cursos, o que obrigou a Mitra a realizar um esforço extraordinário
na cooptação de profissionais de fora para atuarem em Pelotas.

Em 1953 a Faculdade de Filosofia de Pelotas é autorizada a funcionar com os seguintes cursos:


Filosofia, Letras Clássicas, Letras Neolatinas, Letras anglo-germânicas e Geografia e História.
Obtendo o reconhecimento pelo MEC em 1955.

Em 1956 é autorizado a funcionar o curso de Pedagogia e Didática, sendo reconhecido pelo MEC em
1958. Neste ano é autorizado o funcionamento do Curso de Jornalismo, começando a atuar em 1960.

Em 1960 são autorizados a funcionar os cursos de Ciências Sociais, Matemática, Física e Histórica
Natural. E a partir deste corpo de instituições de ensino, a Universidade Católica de Pelotas foi
criada e instalada em outubro de 1960.

Considerações finais
Para Florestan Fernandes (1979), como decorrência de uma dependência cultural em relação
às nações mais desenvolvidas, mantivemos no Brasil a conexão básica da escola superior como
transplantação de conhecimentos. Por um lado, embora os papéis intelectuais dos profissionais
liberais diminuíssem de importância como fator sociocultural do pensamento criador, eles
sofreram os efeitos diretos da concentração urbana. Além de se diferenciarem, pulverizaram-
se em diferentes direções, aumentaram rapidamente, numa escala ascendente. Além disso, a
desagregação do sistema escravagista e senhorial não interferiu na alta concentração da renda,
do prestígio social e do poder. Apenas os velhos privilégios se desnivelaram socialmente, aos
poucos, intensificando a gradual ascensão das classes médias em formação às profissões liberais
e aos papéis intelectuais políticos, burocráticos ou técnicos que elas abriram.

Assim, as transformações estruturais da sociedade como um todo, associadas à transição para o século
XX e à expansão do regime de classes, não repercutiram no antigo padrão de escola superior.

Em seguida, quando a ideia de universidade passou a prevalecer, principalmente depois de


1930, de forma mais complexa e tortuosa, as escolas superiores agregadas entre si, mantidas e
fortalecidas sua estrutura tradicional e suas tendências autárquicas pela conglomeração, passaram
a ser chamadas de “universidades”.

Em suma, deste processo todo o que se observa é que a gênese do ensino superior em Pelotas percorreu
duas trilhas distintas, uma primeira representada pela Faculdade de Agronomia que, desde seu início,
vinculou-se a instituições públicas, no caso o município de Pelotas, e a outra representada pelas
outras instituições que representaram o esforço tipicamente privado em sua geração e que, no caso
das faculdades de Odontologia, Direito e Medicina em que a ocasião se fez favorável, optaram pela
estatização. Deste caminho privado, há ainda o que trilhou pela opção privada tendo como entidade
mantenedora a Mitra Diocesana.

Nunca é demais reconhecer o trabalho de doação de inúmeros próceres que, com seu trabalho e
dedicação, propiciaram a criação do que é hoje o pungente polo de ensino superior da cidade de Pelotas.

503
Referências
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Republicano. Tomo III, v. 4. Economia e Cultura (1930-1964). História Geral da Civilização Brasileira.
São Paulo: Difel/Difusão Editorial S. A., 1984.
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anno de 1901. Pelotas: Editores Echenique Irmãos & Cia. / Livraria Universal, 1900.
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_____. A Universidade Temporã. 2a edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.
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Rio-Grandense. Quarta Série. Porto Alegre: UFRGS, 1960.
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1928.
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1979.
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à ditadura militar (1930-1985). Volume 4. Passo Fundo: Méritos Editora, 2007.
RIBEIRO, D. A Universidade necessária. 4a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. 11a edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
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Brasileira Contemporânea: organização e funcionamento. 3a edição. São Paulo: McGraw-Hill, 1978.
SOARES SOBRINHO, J. “Histórico da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel”. Texto datilografado, s/d.
TAMBARA, E. A Educação no Rio Grande do Sul sob o castilhismo. Tese de Doutorado. Porto Alegre:
UFRGS, 1991.

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Figura 1 Figura 4

Figura 2 Figura 5

Figura 6 Figura 7

Figura 3

Figura 8

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Figura 9

Figura 13

Figura 10

Figura 16

Figura 11

Figura 14

Figura 15

Figura 12

506
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Eduardo Arriada.

Figura 1: Capa da obra “Guia Acadêmica – Faculdade de Pharmacia e Odontologia. 1911-1916”. Pelotas: Typ.
da Livraria Universal, 1915. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 2: Guia Acadêmica de 1915. Alunos e corpo docente. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 3: Ministro Simões Lopes. Fonte: Revista “Illustração Pelotense” - Ano III, agosto 1921. Fonte: Acervo
Eduardo Arriada.
Figura 4: Guia Acadêmica de 1915. Laboratório odontológico. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 5: Idem. Gabinete odontológico. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 6: IbIdem. Sala de Aula. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 7: Edifício da Faculdade de Direito, em construção. Fonte: Relatório da Intendência Municipal de Pelotas
- Ano de 1928 (Gestão Augusto Simões Lopes,). Pelotas: Typ Diário Popular, 1928. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 8: Observatório meteorológico da Escola de Agronomia e Veterinária “Eliseu Maciel”. Fonte: Idem.
Figura 9: Quadro de Formatura da Faculdade de Direito. Fonte: Revista “Illustração Pelotense” - Ano II, feve-
reiro de 1920. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 10: Faculdade de Farmácia e Odontologia. Quadro de 1919. Fonte: Revista “Illustração Pelotense” - Ano
II, janeiro de 1920. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 11: Um grupo de alunos da faculdade de Direito de Pelotas no ano de 1921 – Fonte: Revista “Illustra-
ção Pelotense” - Ano IV, dezembro de 1922. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 12: Graduandos de Farmácia. Ano de 1920. Fonte: Revista “Illustração Pelotense” - Ano III, fevereiro
de 1921. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 13: Corpo docente da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Pelotas. Fonte: Revista “Illustração
Pelotense” - Ano II, setembro de 1920. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 14: Dom Antonio Zattera. (In: POERSCH, Léo. Universidade Católica de Pelotas. Edição comemorativa
do 10º aniversário. Pelotas: Gráfica UCPel, 1970). Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 15: Prédio da Reitoria da Universidade Católica de Pelotas. In: Idem. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 16: Dom Antonio Zattera em seu gabinete. (In: POERSCH, Léo. Universidade Católica de Pelotas. Edição
comemorativa do 10º aniversário. Pelotas: Gráfica UCPel, 1970). Fonte: Acervo Eduardo Arriada.

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531 532 533

524. Embarcação no Arroio Pelotas, sob a lua cheia. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 525. Vista geral ao amanhecer do tradicional
Katanga’s Bar, nas “Doquinhas” de Pelotas. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Emerson Ferreira. 526. Vista da ponte de concreto desativada, sobre o Canal
São Gonçalo, em direção à cidade de Rio Grande. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 527. Vista das duas pontes rodoviárias de concreto sobre o
Canal São Gonçalo, desde uma de suas margens. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral. 528. Barragem-Eclusa do Canal São Gonçalo, em operação
desde março de 1977. Vista parcial. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 529. Vista geral da cidade, sob um arco-íris, desde o ângulo sudoeste.
Janeiro de 2009. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabrício Marcon. 530. Vista parcial da Zona do Porto desde o alto da antiga fábrica de massas Cotada S. A., futuro
Centro de Engenharias e sede do setor de TV do Centro de Educação a Distância da Universidade Federal de Pelotas. Outubro de 2009. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Fabrício Marcon.
527 528 529 530

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531. Vista parcial da cidade, na direção sul. Em primeiro plano, a cobertura da Prefeitura Municipal. Ao centro, em diagonal, a Rua XV de Novembro. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Fábio Caetano. 532. Vista parcial do centro da cidade, na direção norte, com a Rua XV de Novembro ao centro. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabrício
Marcon. 533. Vista da Rua Gonçalves Chaves, desde a proximidade da esquina com a Rua Uruguai, na direção sul. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caeta-
no. 534. Edificações históricas do Primeiro Loteamento, à Praça José Bonifácio, entre Rua Félix da Cunha e Rua Anchieta, face norte. Em primeiro plano, na esquina, a
residência de solteira de Yolanda Pereira, atualmente a Pró-Reitoria de Administração e de Planejamento do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-
-Grandense, Campus Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 535. Panorama da Rua Anchieta, desde a Av. Bento Gonçalves. Vista na direção sul. Ano
de 2006. Acervo/Colaboração/Fotografia de Renata Freitas. 536. Antiga charqueada, restaurada, nas margens do Arroio Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul
Garré. 537. Vista da Lagoa dos Patos apanhada do ‘Barro Duro’. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul Garré.
538. Vista outonal da lateral da Catedral Anglicana do Redentor, face voltada para o interior do terreno. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel
Giannechini. 539. Igreja Luterana São João, na Rua Dr. Amarante, esquina Rua XV de Novembro. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 540. Vista aérea
parcial da cidade, obtida de um drone (veículo aéreo não tripulado, remotamente controlado) equipado. Ao centro, a Catedral Metropolitana São Francisco de Paula.
Vista na direção oeste. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 541. Idem. Ao centro, o Colégio Gonzaga. Vista na direção
noroeste. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 542. Vista parcial da cidade desde o alto do inacabado edifício Praça XV.
Tomada na direção sul. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 543. Idem. Tomada na direção norte. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro
Júnior. 544. Vista parcial do centro da cidade, desde ângulo leste, próximo ao Canal do Arroio Pepino. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.

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545. Vista aérea parcial da cidade, obtida de um drone equipado. Tomada na direção sul, desde a Av. Bento Gonçalves. Em primeiro plano, o quartel da Brigada Militar.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 546. Idem. Panorama da Praça 20 de Setembro, com o centro da cidade ao fundo.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 547. IbIdem. Panorama da Av. Fernando Osório e Bairro Três Vendas. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 548. IbIdem. Panorama da Av. Dom Joaquim Ferreira de Mello. Tomada na direção leste.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 549. IbIdem. Construção de conjunto habitacional próximo à Av. Ferreira Vianna.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas).

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550. Vista aérea da Praia do Laranjal, obtida de um drone equipado. Balneários Santo Antônio e Valverde. Em primeiro plano, o chafariz “Velas ao Vento”, inaugurado
em dezembro de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 551. Idem. Panorama do Balneário dos Prazeres. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 552. Panorama das pontes de concreto sobre o canal São Gonçalo. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 553. Vista aérea da construção de um condomínio residencial nas proximidades da Praia do Laranjal, em etapa inicial,
obtida de um drone equipado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 554. Vista aérea do Arroio Pelotas e seu encontro
com o Canal São Gonçalo. Ano 2000. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 555. Vista parcial do Arroio Pelotas, em uma de suas curvas, onde foi traçado
o loteamento Marina Ilha Verde. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 556. Vista aérea do encontro das águas do Arroio Pelotas no Canal São Gonçalo e o
deságue deste na Lagoa dos Patos, ao fundo. Ano 2000. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.

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557. Vista aérea do Pontal da Barra do Canal São Gonçalo, obtida de um drone equipado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera
Pelotas). 558. Entardecer na proximidade do trapiche da Praia do Laranjal. Vista obtida de um drone equipado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva
Carvalho (Fly Camera Pelotas). 559. Vista aérea parcial do ‘Barro Duro’, obtida de um drone equipado Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly
Camera Pelotas). 560. Vista geral do Centro Comercial Shopping Zona Norte, localizado no início da Av. Fernando Osório, trecho conhecido como “Curva da Morte”.
Fotografia obtida de um drone equipado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 561. Vista aérea noturna da Praia do
Laranjal, obtida de um drone equipado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas).

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PELOTAS, “CENTRO DE OUTRA HISTÓRIA”
DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (1960-2012)

Diego Queijo1

No fim do século XX e começo do século XXI, Pelotas está viva: o ambiente é de ampla produção
cultural e artística. A cidade mostra-se com sua estrutura singular ao unir, no Sul do Brasil,
estruturas físicas do passado, a tecnologia do presente como suporte, e o pensamento moderno
(fruto, dentre outras coisas, da globalização) para projetar o futuro.

O circuito universitário, com fluxo de estudantes a cada quatro ou seis anos, fomenta o constante
movimento de ideias e torna a cidade polo de mentes criativas. O resultado dessa mistura é
bastante visível na música feita e apresentada no município. A partir dos anos 60, Pelotas produziu
seus próprios artistas e conferiu o trabalho de alguns dos principais nomes à música nacional. O
Sul do Brasil foi palco para praticamente todas manifestações sonoras contemporâneas.

Em seu ensaio A estética do frio (1992), o músico, compositor e escritor pelotense Vitor Ramil,
reflete sobre o diálogo entre as produções locais e seu contexto social com as dos principais centros
culturais do país. O ensaio foi apresentado no Théâtre Saint-Gervais em Genebra, Suíça, em 2003,
no qual ele observa: “Somos a confluência de três culturas, encontro de frialdade e tropicalidade.
Qual é a base da nossa criação e da nossa identidade se não essa? Não estamos à margem de um
centro, mas no centro de uma outra história”. Somos globais. Somos brasileiros. Somos gaúchos. E
estamos, também, no centro de várias outras histórias da música popular brasileira2.

A propagação da cultura pop e sua chegada em Pelotas


Até os anos 1950 Pelotas tornara-se conhecida, por exemplo, pela diversidade da programação
1
Graduado em Jornalismo pela
Universidade Católica de Pelotas
teatral, e a partir dos anos 60 a música popular passa a atrair cada vez mais pessoas às casas (UCPel, 2013). Repórter do jornal
de espetáculos. O desenvolvimento da tecnologia na época resultou em facilidades para gravar, Diário Popular.
distribuir e propagar canções e nomes de artistas. A criação de emissoras e veículos, como rádios e
jornais, e a popularização da televisão, contribuiram para o som chegar aos mais distantes rincões
do país. Com isso, ocorre um boom da música pop no Brasil.

No começo da década de 60, as novidades musicais chegavam aos olhos e ouvidos dos pelotenses
através das rádios e da coluna “Diário nos discos”, escrita pelo jornalista Ayres Pastorino.
Publicada aos domingos no Diário Popular, a proposta era apresentar a lista de compactos e
LPs mais vendidos, além de comentários sobre lançamentos, artistas e novidades da indústria do
entretenimento. Naquele começo de década, o colunista anunciava como rei e rainha do disco no
país o cantor Cauby Peixoto e a cantora Elizeth Cardoso. O excêntrico cantor viria apresentar-se
diversas vezes na cidade e seu LP, lançado em 59, trazia a canção “Maldição”, na qual um dos
autores era o enigmático pelotense cuja história começaria a ser (re)descoberta a partir de 2008:
João Adelino Leal Brito (Britinho). Já Elizeth Cardoso foi uma das maiores intérpretes brasileiras
do choro e do samba. Em Pelotas estes ritmos eram populares a ponto de fazer-se uma tentativa,
naqueles anos, de gravar em LP as músicas do carnaval da cidade ‒ uma das maiores festas do
Sul do Brasil. Por razões não esclarecidas o projeto não continuou, e o primeiro disco só seria
lançado no fim da década.

A cultura do samba, da música negra, tão presente na história do desenvolvimento de Pelotas,


trouxe à cidade, em 1960, um dos maiores sambistas do país: no sábado, 28 de julho, o cantor
José Bispo, mais conhecido pelo nome artístico como Jamelão, apresentou-se no Clube Cultura
Fica Ahí. Sua passagem pela tradicional entidade social fez muito sucesso. Ele visitou emissoras
de rádio e lojas de discos, autografou agendas, revistas, jornais e até cédulas de dinheiro para
promover o LP O samba é bom assim (1959). Aos poucos, encontros com músicos de fora se
tornariam mais frequentes e as marcas provocadas por essas “trocas” de informação contribuiriam
para a pluralidade da identidade artística local.

Durante os anos 60 poucos traduziram os anseios da época tão bem quanto os membros do
grupo inglês The Beatles. Jovens, modernos, e – claro – populares, o quarteto ajudou a provocar
revoluções estéticas e culturais no ocidente. Com o crescente sucesso a partir de 1962, a banda
virou febre no hemisfério Norte e seus reflexos não demorariam a aportar por aqui. De outra
parte, novos artistas começavam a surgir e arejar as paradas de sucesso. Em 1961, por exemplo, o
jornalista Pastorino mencionava o começo da carreira daquela que seria reconhecida, mais tarde,
como uma das principais – se não a principal – voz da música brasileira: “Elis Regina, broto
sensação da Rádio Gaúcha começou a vender bem o primeiro LP, intitulado Viva a brotolândia”.
O primeiro disco dos Beatles também não tardou e foi lançado no Brasil em março de 1964,
batizado de Beatlemania. Cenas semelhantes do fanatismo provocado pelos garotos de Liverpool
seriam vistas pelas ruas de Pelotas dois anos depois.

A revolução comportamental foi televisionada. No livro Noites tropicais (2008), o paulista Nelson
Motta comenta a entrada da música na programação das tardes de domingo da TV Record:

A emissora já vinha fazendo sucesso com “O fino”, com as novas estrelas da MPB,
como Elis Regina, Jair Rodrigues e Wilson Simonal, e os musicais estavam na moda.
Nada mais natural para a Record do que dobrar a parada, lançando um programa
de “música jovem” e popular para competir com “O fino”. Uma ideia audaciosa da
nova agência de publicidade de João Carlos Magaldi, Carlito Maia e Carlos Prosperi,
que acompanhavam atenta e entusiasmadamente a revolução dos Beatles e do rock
na Inglaterra e nos Estados Unidos, a vertiginosa transformação no comportamento
dos jovens e sua crescente influência na sociedade e no mercado consumidor. E
achavam que Roberto Carlos tinha carisma e potência para se tornar um superstar e
que a hora era boa para dar aos jovens brasileiros a sua própria música, sua moda,
sua dança e seus Beatles. O seu programa de televisão3.

518
O primeiro programa foi ao ar em agosto de 1965. Um ano depois, em dezembro de 1966,
Roberto Carlos, que já era considerado símbolo desse movimento chamado de Jovem Guarda (o
“rei do iê iê iê”), chegava a Pelotas para duas apresentações em um mesmo dia. A primeira às 21h
no ginásio do Colégio Pelotense, e a segunda às 23h, no ginásio da AABB. A “Robertomania”
estava oficialmente instaurada.

Ao chegar na cidade, o cantor foi perseguido pela população e desfilou em um Calhambeque,


da rua da Luz pela Andrade Neves até a general Neto e a Osório, antes de se hospedar no Hotel
Curi. Pelotas “parou” e o jornalista Henrique dos Santos e o fotógrafo Wilson Lima registraram
o momento. “Coisas que a gente pensava que só aconteciam mesmo nos programas de TV
[o famoso “Jovem Guarda” de domingos pela TV Record] ou pelas rodas de Rio e São Paulo,
sucederam ante nossos olhos perplexamente provincianos e desacostumados da nova ‘onda de
originalidade’”. Aspectos peculiares da personalidade de Roberto também mencionados como sua
“simpatia” e o fato de trocar de roupa seis vezes em apenas seis horas. Em entrevista ao Diário
Popular, “no meio de um maço de umas quarenta folhas, papeizinhos, cadernetas e livros de
autógrafos” ele ria da quantidade de fãs e elogiava a calorosa recepção do público.

A nova onda musical também foi apropriada pelos músicos locais. Pouco depois surgiram bandas
de baile inspiradas na nascente do rock, cuja Jovem Guarda, naquele momento, era a referência.
Em texto publicado nos anos 2000 na internet, o músico e jornalista Rodrigo Dmart menciona
bandas como Santos e Os Lobos enquanto exemplos da época a atingir bastante popularidade
na região. No fim da década, Os Lobos também participariam, como banda de apoio de vários
cantores, de um festival que marcou época na cidade.

Samba Jovem e o primeiro LP de Pelotas


A segunda metade da década de 1960 ficou conhecida no país como “A era dos festivais”. No
livro Uma noite em 67, os autores Renato Terra e Ricardo Calil comentam sobre a magnitude das
competições musicais que lançaram dezenas de artistas e centenas de canções. Entre as estrelas
estava o cantor Chico Buarque de Hollanda.

O cantor e compositor carioca apresentou-se em Pelotas no começo da carreira, em 1966, logo


após vencer o Festival de Música Popular Brasileira com A Banda. Acompanhado somente de voz
e violão, Chico encantou a plateia do Theatro Guarany. No ano seguinte, ao defender Roda viva,
ele ainda seria consagrado vencedor do III Festival da Record, considerado o auge do período.

Entre 65 e 72 ocorreram 14 concursos realizados por quatro emissoras de TV no país. Nesse meio
tempo Pelotas absorvia os ideais e as músicas dos jovens do eixo Rio-São Paulo. Os anseios da
juventude da época culminaram na criação de um festival local chamado “Samba Jovem”.

Na noite de sábado, 27 de setembro de 1969, o Guarany estava lotado. A finalíssima do 2º Samba


Jovem ganhava as ruas adjacentes do Theatro e as páginas do Diário Popular. O público formado
por hordas de jovens estudantes e famílias inteiras gritava em meio ao espetáculo. Ao longo dos
dois meses seguintes à final do Festival, o Estúdio 2 da Rádio da Universidade Católica de Pelotas
(RU) recebeu os artistas participantes do evento para registrar – de maneira quase artesanal – a
expressão artística dos jovens daquele momento. Quarenta e três anos depois, em 2012, o Diário
Popular fez uma reportagem sobre o assunto.

A história do primeiro LP de Pelotas foi marcada pela emoção de alguns de seus protagonistas.
“Foi no fim dos anos 60 e tudo estava acontecendo naquela década”, contou o músico Solon

519
Silva, participante das três edições do festival. De acordo com ele, a ideia de organizar um festival
competitivo na cidade nasceu das mentes do jornalista Deogar Soares e do professor fundador
da RU, José Cunha. O primeiro Samba Jovem ocorreu em 1968, influenciado pelo movimento
nacional dos festivais, logo após a inauguração da rádio, no ano anterior. “[O Teatro do colégio
Gonzaga] não cabia de tanta gente. Eram tantas torcidas com faixas que era preciso fechar as
portas de entrada do teatro”, relembrou Cunha. De acordo com Solon, o caráter popular do
evento foi fundamental para a adesão do público. “Ele teve muitos méritos e um deles foi tirar do
anonimato artistas das vilas da cidade. Músicos de todas as classes sociais tiveram a oportunidade
de participar. De membros da elite a pés-de-chinelo.”

O disco foi patrocinado pela Pepsi-cola e pela prefeitura, sendo composto por dez faixas. O
resultado do concurso foi publicado na edição do Diário Popular de 30 de setembro de 1969.
“Lamento de um cavaquinho”, de autoria de Vera Marques e com Solon no cavaco, foi a vencedora.
As fitas masters das gravações foram destruídas em 1988 durante um incêndio nas dependências
da RU. Sobre a confecção do disco, Solon relembra o processo. “O técnico de gravação, Hélio
Schelling, era um gênio. Ele distribuía microfones pelo estúdio captando tudo e gravando ao
vivo”. “Os músicos gravavam todos juntos, quase sem mixagem, naqueles enormes gravadores
Akai de rolo”, completa Cunha.

O LP também foi importante por guardar em suas ranhuras uma relíquia: o primeiro registro
musical da dupla pelotense Kleiton e Kledir, cujas músicas nas próximas décadas ultrapassariam
fronteiras. Em 2012, o Diário Popular disponibilizou ainda em seu website o download das
músicas do disco. No estúdio do curso de Produção Fonográfica da Universidade Católica de
Pelotas, o produtor Lauro Maia e o coordenador Fernando Silveira Filho capturaram o áudio para
a digitalização.

Censura: o fim e o começo de uma nova era


O regime militar instaurado em 1964 durou 21 anos. Neste período os brasileiros foram governados
por militares. Uma das políticas era suprimir liberdades civis. Ao abordar o assunto, o professor
Cunha resume o momento como de muito trabalho, preocupação e controle. Em reportagem
publicada em 2008, Cunha menciona para a jornalista Cíntia Piegas, do Diário Popular, um caso
de tensão: em 1969 a canção “De como a esperança cresce constante e desproporcionalmente”,
letra de Paulo Renato Moraes e música de Solon Silva, para ser incluída entre as finalistas,
precisou ser explicada. “Dissemos que era uma crítica à ida do homem à lua: ‘... e o pobre aqui
na terra seguirá vivendo na esperança de um dia juntar um dinheirinho e pegar a mulher e as
crianças e ir para lá [lua], para sua vida melhorar’”.

A 3ª edição do Samba Jovem quase não foi realizada. Em 1970, com o Guarany lotado, o
Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) tentou barrar o evento, pois as músicas não
haviam sido liberadas pela censura. “No dia da final, nós recebemos a visita de um agente da
Polícia Federal dizendo que não haveria espetáculo. Nos pegaram de surpresa, às seis e meia
da tarde.” Mas na última hora um comandante endossou a ordem. “As pessoas que dizem que
(durante a ditadura) os tempos eram melhores, não tentaram se expressar com liberdade na
época”, comentou Solon Silva ao Diário Popular em 2012.

Mesmo com restrições cada vez maiores à liberdade artística - em 1973, por exemplo, a Secretaria
de Turismo do município chegou a reunir as escolas de samba para tratar da censura prévia no
Carnaval - Pelotas se mantinha na rota dos movimentos musicais brasileiros. No livro Noites
Tropicais, Motta fala sobre o período e utiliza como exemplo o momento da carreira de Chico

520
Buarque: “Cada vez mais gente gostava mais de Chico, que respondia com mais e melhores
músicas e letras. Amadurecido no sofrimento, ele reagia ao sufoco e à repressão explodindo de
criatividade, usando a linguagem como arma e arte, como truque e verdade ao mesmo tempo”4.

Foi nesse clima que em setembro de 73 Chico Buarque chegava novamente ao palco do Guarany,
desta vez acompanhado do MPB-4. A apresentação durou uma hora e meia. Ao fim do espetáculo, foi
concedida entrevista coletiva na qual ele abordou obstáculos para a classe, o futuro e a onda de discos
importados no mercado. “Nós, compositores, não temos condições de fazer mais e melhor música
do que fazemos. Não basta gritarem os jornais ‘chega de música estrangeira, viva a música brasileira’.
Faltam, isto sim, condições para se fazer música brasileira, difundir o que se pensa e produz.”

Naquela noite também foram apresentados temas inéditos da peça de teatro escrita com Ruy
Guerra, Calabar. “Antes da peça tentei gravar um disco e não foi possível porque não tinham
músicas aprovadas no número suficiente. De outra parte, as canções da peça foram aprovadas,
então farei este ano o LP Calabar, e deixarei para 1974 meu trabalho de compositor”. Nota:
em 74 a Polícia Federal proibiu o espetáculo. Ainda no mesmo assunto, concluiu: “estamos
mandando o recado mutilado, copidescado, sob restrições de toda a espécie.”

Um respiro para a música brasileira (e gaúcha)


Em 1973, dois dos nomes mais inventivos da nova música mostraram aos pelotenses suas
criações. Em março Os Mutantes – já sem Rita Lee – tocaram na cidade. A passagem do grupo
é lembrada por Arnaldo Baptista durante uma entrevista inclusa no documentário Lóki (2009).
A manchete do Diário Popular após o show estampava: “Mutantes apresentaram rock aos
adolescentes pelotenses.” Em entrevista ao jornal, Arnaldo explicou-se: “a música do espetáculo
é, pode-se dizer, música de estúdio ao vivo, só que apresentada em palcos graças aos recursos
técnicos oferecidos pelo aparelhamento sonoro de que dispõe, como o mellotron, que possibilita
até a reprodução do som de violinos e violoncelos”. Naquele momento o grupo passava por uma
reformulação e ingressava na fase de rock progressivo. De acordo com Carlos Calado, autor do
livro A divina comédia dos Mutantes (2012), a banda apresentou parte de seu repertório inédito
formado por canções que dariam origem mais tarde ao álbum O A e o Z.

Em junho do mesmo ano, outro nome da cena jovem na época dava o ar da graça no Sul. A turnê do
grupo Os Novos Baianos aterrissava em plena segunda-feira no palco do teatro do Colégio Gonzaga.
Com a fusão de vários ritmos musicais como bossa nova, frevo, choro e rock, a apresentação foi
considerada um sucesso. No ano anterior os baianos haviam lançado o disco considerado pela revista
Rolling Stone Brasil, em 2007, como o maior da história da música brasileira: Acabou Chorare.

No meio dessa renovação surge na cidade a gênese do conjunto Almôndegas. Um marco na


história do cancioneiro gaúcho. Formado por Kleiton e Kledir Ramil, Gilnei Souza, Pery Souza
(posteriormente substituído por João Baptista) e Quico Castro Neves (substituído por Zé Flávio),
o primeiro LP, homônimo, foi lançado em 1975. O segundo, Aqui, trouxe a faixa “Canção da
meia-noite”, inclusa na novela Saramandaia, da Rede Globo.

Depois vieram os discos Gaudêncio Sete Luas (1977), Alhos com Bugalhos (1977) e Circo de
Marionetes (1978). Ao longo da carreira, o grupo compôs sucessos como “Haragana”, “Até Não
Mais” e “Clô”. A mistura de regionalismo com o pop foi marca do grupo até o fim, em 1979. A
influência da banda seria ouvida em muitos trabalhos posteriores e a importância mencionada
por diversos artistas nas décadas seguintes.

521
Avenida da libertação
Com o fim da ditadura nos anos 80 e a abertura política, a juventude pelotense precisava de
um local para “libertar-se”. O local escolhido: Teatro Avenida ‒ um antigo cinema construído
com a típica arquitetura dos anos 20. Em 2004 o local estava fechado há quase dez anos e
seria reaberto. O jornalista do Diário Popular, Roberto Ribeiro, entrevistou o proprietário, Jorge
Oliveira, e lembrou um pouco a trajetória da casa, que acompanhou o surgimento do rock
nacional e abrigou adeptos do novo movimento. “Quem quisesse ver, ouvir e se embalar ao som
de Barão Vermelho (à época ainda com Cazuza), Legião Urbana, Kid Abelha, Léo Jaime, Lobão e
os Ronaldos, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, entre outros, tinha que ir até lá.”

A casa abriu em 1985. Ano da redemocratização e do primeiro Rock in Rio. A primeira atração
foi Sargentelli e suas Mulatas. Depois, apresentam-se “músicos do Conservatório, balé de Dicléa
Ferreira de Souza e, fechando a noite, Miúcha Buarque de Hollanda”. Em junho ocorreu o
lançamento do segundo disco dos Paralamas do Sucesso, O passo do Lui. Naquele ano e nos
seguintes, muitas bandas visitaram o local. O show de Gilberto Gil não saiu da memória do
empresário. “Todo o equipamento do espetáculo foi despachado por engano para Buenos Aires,
assim mesmo ele fez o show com aparelhagem alugada do Paulo Velasco. Não reclamou um só
minuto e ainda botou o público, que não era muito grande, para dançar”.

Outro destaque foram os Titãs, em novembro de 1986. A banda fazia o lançamento de Cabeça
dinossauro, “para muitos era o melhor disco daquela geração”, mas o fracasso foi total. “Pouco
mais de 300 pessoas, nem o mezanino foi aberto. Quatro anos depois a revanche. Já sem Arnaldo
Antunes em suas fileiras os Titãs fazem o show que entra para a história do Avenida como o de
maior público. Mais de 4,5 mil pessoas superlotaram as dependências da casa”, escreveu Ribeiro.

Mesmo com tantos artistas de obras respeitáveis subindo ao palco do Teatro, poucas se comparam à
de Raul Seixas. Em 16 de junho de 1989, Raulzito já era quase uma lenda, com 44 anos e 21 discos
gravados. A chegada do “pai do rock brasileiro” ocorreu ao lado do ex-líder da banda Camisa de
Vênus, Marcelo Nova. A dupla desfilou sucessos como “Sociedade alternativa” e “Rock das aranhas”.
Com uma banda fantástica e um Raul bastante debilitado, o público “conduziu” o espetáculo ao
cantar cada trecho de suas músicas (quase dois meses depois, o rock nacional ficaria órfão com a
perda de um de seus mais populares compositores). O show foi um dos últimos da turnê do disco
A Panela do Diabo. O Teatro ainda receberia muitos outros nomes até fechar as portas nos anos 90,
ser reaberto em 2004, e encerrar novamente as atividades pouco tempo depois.

Pelotas, América do Sul


Mesmo antes da popularização da internet, a cidade se firmava diante da diversidade cultural ao
receber nomes de vários lugares do país e do mundo. A década de 80 começou com a presença
do “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga, e seu filho Gonzaguinha. “Gonzagão” foi uma das mentes mais
importantes da música brasileira. Autor de canções como “Asa branca” e “Juazeiro”, o “velho
lua”, levou o som das festas nordestinas e as tristezas do sertão ao ginásio do Pelotense como
parte da turnê A vida do viajante.

Em 1986 a primeira edição da Festa Nacional do Doce (Fenadoce) lotou a praia do Laranjal
com shows de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, RPM, Jorge Ben, Bebeto Alves, Raul Elwanger e
Renato Borghetti, e Lulu Santos. A organização da festa anunciava metade da potência sonora
do Rock in Rio: 50 mil watts. O show de Jorge Ben foi considerado a grande atração do evento.
O conjunto local de samba Sal de Fruta abriu a apresentação.

522
Se a música chegava de fora, ela também saía de Pelotas. Os anos 80 foram marcados pelo sucesso
de Kleiton e Kledir. O êxito do primeiro LP foi imediato. No livro Ouvindo estrelas, o produtor Marco
Mazzola relembra o encontro com eles e admite não ter acreditado nos dois – de primeira – devido
ao “forte” sotaque gaúcho. Mas a suspeita não se confirmou. “Deu pra ti foi um sucesso nacional e
trazia uma nova linguagem, até então desconhecida no Brasil – o típico gauchês urbano”.

A dupla lançou vários discos, o que lhes rendeu disco de ouro e shows por EUA, Europa e América
Latina. Gravaram em Los Angeles, Nova York, Lisboa, Paris, Miami e Buenos Aires. Suas composições
logo foram regravadas por Nara Leão, Caetano Veloso, Ivan Lins, Belchior, Emilio Santiago, entre
outros. Fora do Brasil, suas músicas ganharam versões de artistas como os argentinos Mercedes
Sosa e Fito Paez, a cantora portuguesa Eugenia Mello e Castro, e a japonesa Chie.

De acordo com o jornalista pelotense e fundador da banda Doidivanas, Rodrigo Dmart, o boom
da música nativista nos anos 1980 contribuiu para a proliferação de festivais gauchescos em
todo o estado. Os colégios de Pelotas criaram festivais como o Charqueada da Canção (Gonzaga)
e Festival Interestudantil (Santa Margarida). Diante da agitação, Dmart menciona o surgimento
de músicos como seus irmãos Joca e Negrinho Martins, o cantor e compositor Basílio Conceição,
o baterista Tony McCarthy, o flautista Gil Soares, grupo Quintal de Clorofila, Regina Bainy,
Glênio Coelho, Kininho Dornelles, Greice Morelli, Javier Mendez, Keke (Ernesto Martinez), Hélio
Mandeco, Jucá de Leon, Sílvio Castro, Celso Krause e grupo Cambará.

Toda esta inquietação culminou na realização, em 88, da primeira edição de um dos mais
importantes festivais já ocorridos na cidade: o LatinoMúsica. “Simplesmente, Pelotas se tornou o
foco de atenção da música e da cultura latino-americana,” relembra. De quarta a domingo a cidade
foi palco para Chico Buarque, Tânia Libertad (Peru), Emma Junaro e Fernando Cabrera (Bolívia),
Namandu (Paraguai), Napalé (Chile), Larbanois y Carrero (Uruguai) e Músicos Populares da Argentina
(MPA), entre outros. Ao longo dos cinco dias ocorreram discussões, palestras, painéis, oficinas e
apresentações. O apresentador oficial desta primeira edição foi o cantor nativista, compositor e
poeta pelotense, Leopoldo Rassier, cujo álbum Não podemo se entregá pros home, lançado em
1986, fez bastante sucesso no Sul do país. Apresentou-se também Pedro Di Ázz e seu grupo,
formado por Eduardo Mattos (Edu da Matta, Caboclo) e a cantora uruguaia Maria Célia Boffano. O
trio gravou em 87 no Uruguai uma fita chamada Somando en el viento. O encerramento ficou por
conta de Chico Buarque. Considerado um dos maiores compositores da língua portuguesa, lotou o
ginásio do Pelotense. Ficou conhecida a história da “pelada” ocorrida no Parque Tênis Clube. Ele e
sua equipe técnica e de músicos – entre eles o pianista, ex-marido de Elis Regina, César Camargo
Mariano – fizeram uma partida com uniformes do Pelotas e do Brasil de Pelotas.

Em novembro de 1989, o projeto coletivo de Eduardo Mattos chamado Bando de Sandino era notícia
no Diário Popular ao lançar o LP Gibi como um dos melhores projetos independentes do país no ano.
Compositor de mão cheia, Mattos também realizaria parcerias com diversos músicos e atuaria como
produtor musical de vários artistas, além de lançar outros discos nos anos 90 e 2000. Um dos nomes da
nova MPB nos anos 2010, a cantora carioca Júlia Vargas gravaria em seu CD de estreia a música Pedra
das lavadeiras, de autoria de Mattos. Júlia participaria também de shows com Milton Nascimento.

O cantor ícone do movimento mineiro Clube da Esquina, por sua vez, esteve na “cidade do doce”
em 1989, com show marcado para dezembro. Porém, no dia, o evento foi cancelado. Devido ao
diabetes, Nascimento precisou ser internado na Santa Casa, de onde saiu no dia sete de dezembro.

Latinociberdeliapop
Em 1990 a Fenadoce incluiu outros nomes de peso no recheio da programação cultural. Ao
longo de nove dias apresentaram-se Wando, Capital Inicial, Evandro Mesquita, Beto Barbosa,

523
Nenhum de Nós, Gonzaguinha, Sivuca com Renato Borghetti e Oswaldinho, Djavan e a estrela
considerada uma das mais poderosas vozes da América Latina: Mercedes Sosa. No fim da festa,
Sosa participou do lançamento da segunda edição do LatinoMúsica.

A promessa era repetir o sucesso da primeira edição e intensificar o intercâmbio no continente


americano, transcendendo o encontro artístico-cultural para um movimento político-social.
Artistas brasileiros e da Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, Equador, Paraguai e Uruguai participaram.
Ocorreram shows dos gaúchos Jazz Fusion, Luís Carlos Borges, Sílvio Castro, Vítor Hugo, Dico
Keiber, Tambo do Bando, Bando de Sandino e Giba-giba. As atrações nacionais foram Luiz
Melodia & Banda, Belchior, Fernando Brandt & Tavinho Moura e Arthur Moreira Lima & Elomar.
De língua espanhola participaram os argentinos Antonio Tarragó-ros e Marcelo Boccanera, os
uruguaios Labarnois Carrero e Hector Numa Moraes, o chileno Renato Pavez, os bolivianos Emma
Junaro e Luiz Rico, os paraguaios do Grupo Namandu, os equatorianos Benjamin Puertas &
Jhamil Bueno, e a cubana Anabel Lopez.

Entrevistado pelo Diário Popular o pelotense Giba-giba ganhara, recentemente, o Musicanto de


Santa Rosa, e seu nome já ultrapassava as fronteiras do estado. “A América Latina precisa descobrir
a sua latinidade, e uma das formas é a cultura transformada em música, poesia, conversa e reflexão.
Um conjunto de detalhes que faz com que comece a ser efetivada a integração dos povos”, disse.
Considerado um dos mais ativos artistas gaúchos, suas composições possuíam forte cunho social.
“O enfoque da realidade é o filtro do povo. É daí que sai a experiência poética, a discussão do
negro, do índio e do operário”. Mesmo com o sucesso, esta foi a última edição do festival.

No começo da década de 1990, entre vários destaques da cena pop rock local, um dos principais
era a Procurado Vulgo, vencedora do Circuito de Rock promovido pela RBS TV. Eles chegaram
a gravar um EP. Outro nome foi a banda Pós Antes, também com disco. A chegada da MTV
no Brasil propagou a mudança comportamental e de postura inerente ao grunge americano, e
influenciou também na estética musical dos artistas nacionais e locais. Neste cenário, surgem
bandas como The Men-TZ, Caso Contrário, Divergentes, Attro, entre outras.

A semente da pluralidade e da mistura de ritmos locais com o rock contemporâneo foi plantada, em
Pelotas, na “noite brasileira mais internacional do ano”. Em 1996 o palco do Engenho Santa Inácia
recebia o recifense Chico Science e sua Nação Zumbi na turnê do disco Afrociberdelia. Science foi um
dos mais inquietos artistas brasileiros e promoveu revolução comparada com a dos Mutantes nos anos
60, à época, ao misturar maracatu com rock, funk e hip-hop. Menos de três meses depois da passagem
pela cidade, um acidente de carro tiraria precocemente a vida de Chico, então com 31 anos.

A MTV ajudou a divulgar o cenário da época, e também a ressuscitar a carreira de alguns grupos.
Em agosto de 1997 a turnê multi platinada do Acústico MTV dos Titãs aportava no ginásio da AABB
em única apresentação no estado. A banda veio acompanhada de uma Orquestra de Câmara. No
mesmo ano, Kleiton e Kledir lançavam a coletânea Dois, após sete anos separados. Na época, o
Governo do Estado concedeu à dupla a medalha de embaixadores culturais do Rio Grande do Sul.

As vozes femininas também dominaram o ambiente como Alanis Morissette e Shakira. A cantora
colombiana, que depois alcançaria o status de celebridade internacional, apresentou as músicas
Pies descalzos, na Associação Rural de Pelotas. No mesmo ano, a compositora pelotense Luciana
Pestano surge com seu primeiro CD. A música “Vá Embora” virou hit e ganhou clipe veiculado
em canais como MTV e Multishow. Ela ainda participou de um álbum do líder dos Paralamas do
Sucesso, Herbert Vianna, além de cantar ao lado de Zeca Baleiro e abrir shows de Cássia Eller.
Em 2008 divulgou o disco Tigra. Entre outras compositoras na cidade, a pedritense Lara Rossato
também lançou seu CD Doce (2010).

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Na segunda metade da década de 90 surge a Doidivanas. Projeto de fusão do rock com
regionalismos gaúcho e latino-americano. O grupo lançou quatro álbuns – Liber Pampa (1998),
Doidivanas & Libório (1999), Viagem ao Sul da Terra (2002) e Nosotros (2008).

O choro dos boêmios


Em 2011 o lançamento do longa-metragem O Liberdade, pela produtora pelotense Moviola
Filmes, registrou a cena do choro na cidade. O documentário ganhou reconhecimento em festivais
nacionais e internacionais. O filme foi uma homenagem ao gênero musical e ao grupo Avendano
Jr. e o Regional.

A história de Avendano com o autor de “Brasileirinho”, aliás, é curiosa. Em 71 ele escreveu uma
carta a Valdir Azevedo, falando da sua profunda admiração. Como resposta o pelotense recebeu
agradecimentos e algumas “dicas” de técnicas musicais. A partir daí os dois tornam-se amigos.
Azevedo chegou a gravar uma música de autoria de Avendano, “Assim traduzi você”, em seu LP
Minhas mãos, meu cavaquinho. Em 1980 Valdir de Azevedo morreu e em 1983 Avendano foi o
único gaúcho a participar – no Teatro Nacional de Brasília – de um festival em homenagem ao
famoso cavaquinista. Um ano depois ele e Germano Pinho lançaram o disco Falta você, cujas
vendagens ultrapassaram as mil cópias.

O Liberdade retratou ainda outros exímios músicos como Aloim Soares (violão 7 cordas), Toinha
(cavaquinho), Nogueira (surdo) e Renato da Flauta, Soninha Porto, Possidônio Tavares, Egbert
Parada, entre outros, além de dançarinos e frequentadores fiéis do bar para chegar perto da
essência do reduto do choro. Mas a narrativa é voltada à figura de Avendano, que faleceu seis
meses após o lançamento do filme.

Pé no chão e a alma no mundo


Os anos 2000 marcariam a consagração da carreira do pelotense Vitor Ramil. Do primeiro, Estrela,
estrela (1981) até Délibab (2010), foram nove álbuns. Com o último, ganhou o Prêmio da Música
Brasileira de melhor cantor na categoria Música Regional, e o Açorianos, no qual arrebatou
quatro troféus. O show de Délibáb circulou por Brasil, Argentina, Uruguai, França e Portugal. Ao
longo da carreira, Vitor colecionou parcerias com nomes como o argentino ex-Serú Girán, Pedro
Aznar, o uruguaio vencedor – inclusive – de um Oscar, Jorge Drexler, e artistas nacionais como
Lenine, Ney Matogrosso, Marcos Suzano e Caetano Veloso. Além de ser regravado por Gal Costa,
Zizi Possi e Mercedes Sosa.

Entre os anos 2000 e 2012, Pelotas continuou produzindo artistas e dialogando com a música pop
contemporânea. A cidade recebeu praticamente todos os nomes da chamada Música Popular Gaúcha
(MPG), como Nei Lisboa, Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Gelson Oliveira e Totonho Vileroy.
O mesmo ocorreu com os integrantes da leva do rock gaúcho como Engenheiros do Hawaii, Cidadão
Quem, TNT, Cachorro Grande, Comunidade Nin-jitsu, Acústicos e Valvulados, Nei Van Soria, Wander
Wildner, Júpiter Maçã (Apple ou Flávio Basso), Bidê ou Balde, Graforréia Xilarônica, Apanhador Só,
Cartolas, Tequila Baby, Superguidis e Pata de Elefante. Muitas outras atrações nacionais também
passaram pela cidade, como Rita Lee, Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Lobão. Em 2004 a banda
Los Hermanos, sensação na época, apresentou Ventura em show lotado no Guarany.

Em 2000 os irmãos Danilo e Solano Ferreira lançaram com a Freak Brotherz as demos Freak
songs e Tudo ao contrário (2005), e o CD Dentro da ideia (2007). O grupo apresentou seu som em

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cidades como Florianópolis, Curitiba e no estado de Rondônia, dividindo palco com Barão Vermelho,
Charlie Brown Jr., Raimundos e até com os ingleses do Iron Maiden. Em 2003, outra banda liderada
por irmãos, a Farenait, de Bruno e Stefano Rosa venceu a etapa Zona Sul de um festival estadual
promovido pela radio Atlântida e lançou dois CDs. A banda Nação Suburbana também despontou no
cenário local e regional, além da Psico Say Canniggia, dos irmãos Leandro e Thiago D’Avila.

A internet, por sua vez, encurtou distâncias e diminuiu caminhos, mudando a relação entre artistas
e gravadoras. Assim, criou-se um link direto entre obra e público. A globalização multiplicou as
mudanças. Em Pelotas as festas da Dj Helô, com repertório eclético mas essencialmente brasileiro,
fizeram muito sucesso. Sendo a música língua universal, algumas bandas optaram ainda por passar
suas mensagens em inglês ou espanhol. Uma delas foi a Pimenta Buena. Em 2007 ela captou o sabor
do rock latino produzido em países como Argentina e Uruguai e lançou-se no sul do Brasil.

Em 2008 a música latina ganhava uma de suas noites de glória com show da uruguaia No Te Va
Gustar no Theatro Sete de Abril, mas pelo menos três músicos também fizeram shows memoráveis
no período, como os uruguaios Daniel Viglietti e Pepe Guerra, e o argentino Kolla Yupanqui.

Nos 2000 o poeta jaguarense Martim César participou como letrista de pelo menos seis CDs. Entre
eles, Caminhos de si (2004), com Helio Ramires e Paulo Timm, e Canções de A(r)mar e Desa(r)
mar (2006), com Ricardo Fragoso e Cardo Peixoto. Participaram também nomes como Gil Soares,
Leonardo Oxley, Ana Mascarenhas, Maria Conceição, Helio Mandeco, Pardal e Jucá de Leon.

O rock pelotense também teve seus representantes no começo dos anos 2010 tocando em lugares
como o bar João Gilberto e o Galpão do Rock. Para se ter uma ideia na quantidade de grupos do
gênero surgidos na cidade, em 2012 uma comunidade na rede social Facebook catalogava mais
de 200 conjuntos desde a década de 90. A Canastra Suja foi uma delas. Nascida em 2006, lançou
dois CDs, Três minutos pra água ferver (2010) e Máquina Loucura (2013). A Vade Retrô lançou CD
em 2011 e um compacto em vinil em 2012. Compondo em inglês, a The Raves publicou músicas
na internet e foi uma das vencedoras de um concurso da Coca-Cola.

É preciso lembrar ainda que em 2009 Kleiton e Kledir homenagearam a cidade natal no disco
Autorretrato. Em maio de 2012, ano do Bicentenário da cidade, a prefeitura organizou um
concurso para selecionar a música tema do evento. Para o vencedor, Marco Aurélio Nascimento,
ex-membro d’Os Lobos, foi um orgulho ver sua música campeã. “Perante todos os ótimos
compositores pelotenses, é uma alegria enorme saber que minha música fará parte desta
comemoração”, disse.

Mas foi em 2008 que a história de um dos maiores compositores e pianistas pelotenses passou
a ser estudada com mais profundidade. João Leal Brito, “Britinho”, nasceu na Princesa do Sul
em 1917, e morreu no Rio em 1966, depois de gravar 75 álbuns. Entre suas participações mais
intrigantes está aquela do primeiro registro em estúdio do pai da Bossa Nova, João Gilberto. O
pouco conhecido disco de 78 r.p.m. traz Britinho ao piano acompanhando João seis anos antes
do lançamento de “Chega de saudade” (“um minuto e 59 segundos que mudaram tudo”, de
acordo com o escritor Ruy Castro no livro Chega de Saudade).

Desde 2008 a trajetória do pelotense e de seu irmão, o também músico Rubens Leal Brito, é parte do
estudo do pesquisador de História da UFPel Vinícius Veleda. Entre os artistas que gravaram músicas
de Britinho, como “Noite chuvosa” e “Biquínis e borboletas” estão Wilson Simonal, Dalva de Andrade,
Tânia Maria, Altemar Dutra, Agnaldo Rayol, Cauby Peixoto, Maysa, Elza Soares, entre outros.

A partir de 2010, músicos como Solon Silva, Serginho da Vassoura, Dija Vaz, Celso Krause, Marco
Gottinari, Marquinhos Brasil, Leandro Maia e Gabriela Lima (Gru) lançaram os próprios CDs. As

526
batidas do rap e do hip-hop ganharam o vasto e rico mundo da internet através de figuras como
Zudizilla e Pok Sombra. No fim de 2012, Juliano Guerra, natural de Canguçu, e o grupo Musa
Híbrida soltaram seus primeiros trabalhos.

A cidade abriga, atualmente, mostras como o Festival Internacional Sesc de Música, o Pelotas
Jazz Festival e até o Sofá na Rua, criado por estudantes e membros da rede de coletivos Fora do
Eixo. Assim, com música na internet, nos discos, nos cinemas e nas esquinas, Pelotas continua
rumo a mais um centenário.

Referências
ALEXANDRE, R. Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar: 50 causos e memórias do rock brasileiro
(1993-2008). Porto Alegre: Arquipélago editorial, 2013.
ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro: Sonora Editora, 2013.
BARCINSKI, A. Pavões Misteriosos: 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil. São Paulo: Três estrelas,
2014.
CALADO, C. A divina comédia dos Mutantes. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2012.
CASTRO, R. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das letras,
1990.
FORASTIERI, A. O dia em que o rock morreu. Porto alegre: Arquipélago editorial, 2014.
MAZZOLA, M. Ouvindo Estrelas: a luta, a ousadia e a glória de um dos maiores produtores musicais do
Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.
MELLO, Z. Música com Z: artigos, reportagens e entrevistas (1957-2014). São Paulo: Editora 34, 2014.
MOTTA, N. Noites Tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
RUSSELL, J. The Beatles: gravações comentadas & discografia completa. Tradução Candombá. São Paulo:
Larousse do Brasil, 2009.
TERRA, R.; CALIL, R. Uma noite em 67. São Paulo: Planeta, 2013.
VENTURA, Z. 1968 – O ano que não terminou. 3ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.
VILARINO, R. A MPB em movimento: música, festivais e censura. 4ª ed. São Paulo: Olho d’água, 1999.

Filmografia

Vinícius (Direção: Miguel Faria Jr, 2006).


Titãs – A vida até parece uma festa (Direção: Branco Mello, 2008).
Kleiton e Kledir – Autorretrato (Direção: Edson Erdmann, 2009).
Coração Vagabundo (Direção: Fernando Grostein Andrade, 2009).
Lóki – Arnaldo Baptista (Direção: Paulo Henrique Fontenelle, 2009).
Délibab Documental (Direção: César Custodio, 2010).
O Liberdade (Direção: Cíntia Langie e Rafael Andreazza, 2011).
Raul: o início, o fim e o meio (Direção: Walter Carvalho, 2012).
Mais uma canção (Direção: Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, 2013).

527
Sites
www.kleitonekledir.com.br
www.vitorramil.com.br
avendanojunior.musicblog.com.br
imaginaconteudo.wordpress.com
www.lucianapestano.com
www.diariopopular.com.br

Notas do pesquisador
2
Agradecimentos especiais [às pessoas que foram fundamentais na elaboração do presente texto]: Ana Cláudia Dias, Bruno
Rosa, Caboclo, Carlos Queiroz, Cíntia Piegas, Daniel Barbier, Jarbas Tomaschewski, Jô Folha, José Cunha, Luis Rubira, Magrão,
Matheus Thofehrn, Maicon Rodrigues, Max Cirne, Moizes Vasconcellos, Pablo Rodrigues, Pacheco, Patrícia Brandão, Paulo
Rossi, Rafael Peduzzi, Roberto Ribeiro, Rodrigo Dmart, Ruan Libardoni, Sérgio Cabral, Solano Ferreira, Solon Silva, Teresa Cunha
e Vinicius Veleda.
3
MOTTA, Nelson. Noites Tropicais, p. 89.
4
Idem, p. 271.

528
Figura 1
Figura 8

Figura 2
Figura 5 Figura 9

Figura 3

Figura 4
Figura 6

Figura 10

Figura 7

529
Figura 11
Figura 15

Figura 12 Figura 16

Figura 17

Figura 13

Figura 18

Figura 14
Figura 19

530
Pesquisa, seleção de imagens e notas: Diego Queijo e Guilherme P. de Almeida.

Figura 1: Detalhe da Coluna “Diário nos Discos”, escrita pelo jornalista Ayres Pastorino, destacando a
visita do sambista Jamelão à loja de música Casa Beiro. Fonte: Reprodução. Jornal Diário Popular, 14
de agosto de 1960. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 2: Público da primeira edição do Festival Samba Jovem. Teatro do Colégio São José, 1968.
Fonte: Fotógrafo desconhecido. Acervo RU (Rádio Universidade Católica de Pelotas).

Figura 3: Público da segunda edição do Festival Samba Jovem. Teatro do Colégio Gonzaga, 1969.
Fonte: Fotógrafo desconhecido. Acervo RU (Rádio Universidade Católica de Pelotas).

Figura 4: Público da terceira edição do Festival Samba Jovem. Theatro Guarany, 1970. Fonte: Fotó-
grafo desconhecido. Acervo RU (Rádio Universidade Católica de Pelotas).

Figura 5: Entrevista com a banda Mutantes. Fonte: Reprodução. Diário Popular, 29 de março de
1973. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 6: Fotografia dos Mutantes no Teatro Guarany, durante entrevista. Fonte: Reprodução. Diário
Popular, 29 de março de 1973. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 7: Fotografia do grupo Novos Baianos. Teatro do Colégio Gonzaga. Fonte: Reprodução. Diário
Popular, 19 de junho de 1973. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 8: Chamada para concerto de Gonzaguinha e Gonzagão no Ginásio do Colégio Pelotense.


Fonte: Reprodução. Diário Popular, 28 de novembro de 1980. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 9: A cantora Baby Consuelo com o então prefeito Bernardo de Souza, ilustrando matéria que
confirmava “tudo ‘ok’ para a Fenadoce”, em sua primeira edição. Fonte: Reprodução. Diário Popular,
17 de janeiro de 1986. Fotografia de Edson da Vara. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 10: Fotografia do público da 1ª Fenadoce. A reportagem destacou a numerosa afluência, não
obstante o mau tempo. Fonte: Reprodução. Diário Popular, 18 de janeiro de 1986 Fotografia de Edson
da Vara. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 11: Chamada para o concerto de Raul Seixas e Marcelo Nova no Teatro Avenida. Fonte: Repro-
dução. Diário Popular, 16 de junho de 1989. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 12: Notícia do internamento de Milton Nascimento em Pelotas, pouco antes de sua apresen-
tação, que sofreu adiamento. Fonte: Reprodução. Diário Popular, 07 de dezembro de 1989. Acervo
Bibliotheca Pública Pelotense.

Figura 13: Cartaz anunciando as atrações musicais da 3ª Fenadoce, realizada em novembro de 1990.
Dentre elas, Mercedes Sosa, Gonzaguinha, Sivuca e Djavan.

Figura 14: Chico Buarque, fardado com o uniforme do Esporte Clube Pelotas, durante descontraído
partida de futebol no Parque Tênis Clube, s/d. Fonte: Fotógrafo desconhecido. Acervo Memorial do
Theatro Sete de Abril.

Figura 15: Giba Giba no palco do 2° Latinomúsica. Fonte: Fotografia de Janine Tomberg. Acervo
Memorial do Theatro Sete de Abril.

Figura 16: Neives Meirelles Batista, o mestre Batista. Carnavalesco, músico e sambista, luthier de
instrumentos percussivos e mestre Griô. Na fotografia, ao lado das dezenas de sopapos que ajudou a
confeccionar, através de oficinas abertas ao público ministradas no Colégio Pelotense, em auxílio ao
Projeto Cabobu, ano de 1999. Fonte: Fotógrafo desconhecido. Acervo Diego Queijo.

531
Figura 17: O músico pelotense Celso Krause, guitarrista, compositor e professor de música, em intensa
atividade desde 1980. Fonte: Fotografia de Paulo Rossi. Acervo Paulo Rossi.

Figura 18: Banda Sapo, grupo de rock instrumental pelotense caracterizado por experimentações
formais em música. Na fotografia, o baixista Renato “Chaveiro” Lima, o baterista Eduardo “Dudú
Maneiro” Almeida e o guitarrista Guilherme Tavares, prestes a apresentarem-se no Bar Hollywood,
em junho de 1994. Ao centro, em primeiro plano, Rubira “Gordão”, músico e organizador, desde os
anos 1990, de muitos festivais de rock, em Pelotas e região. Fonte: Acervo Eduardo Pinto de Almeida.

Figura 19: Músicos pelotenses: cantora Ana Mascarenhas em estúdio, acompanhada do violonista
Egbert Parada, do flautista Gil Soares, do percussionista Jucá de Leon, s/d. Fonte: Fotógrafo desco-
nhecido. Acervo Diego Queijo.

532
533
562 563 564

569 570 571

562. Bibliotheca Pública Pelotense e Prefeitura Municipal. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 563. Theatro Guarany. Ano de 2013.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling. 564. Carruagem fúnebre saindo para exposição no Dia do Patrimônio, ano de 2014. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Renata Freitas. 565. Perspectiva interna do telhado do Mercado Público Central, antes de ser reformado. Ano de 2006. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Daniel Giannechini. 566. Restauração do Mercado Público Central (2008-2012), em etapa adiantada. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
567. Fachada norte do Mercado Central, poucos meses antes de ser reinaugurado. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 568. Vista da janela da
torre metálica do Mercado Central, na direção leste. Junho de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
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569. Mesa de doces. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 570. Porção superior do frontispício da Capela São João Batista da Santa Casa de Misericórdia.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 571. Fachada norte do hospital Santa Casa de Misericórdia, ao entardecer. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro
Júnior. 572. Caixa d’água metálica da Praça Piratinino de Almeida, restaurada (2010-2011). Março de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral.
573. Obras da Estação Férrea, em processo de revitalização atualmente. Acervo/Colaboração/Fotografia de Andressa Machado. 574. Antigo palacete da família Ritter,
sede da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 575. Antigo “castelo” da família
Simões Lopes, atualmente em estado de deterioração avançada. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini.
576. Campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas. Vista desde o Canal São Gonçalo. Ano de 2006. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 577. Antiga
Hidráulica Municipal, às margens do Arroio Moreira. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 578. Detalhe de saleta com bancos revestidos de azulejos
decorados, da Charqueada Santa Rita, atual “Pousada do Charme”. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 579. Museu da Baronesa. Bairro Areal. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 580. Janelas da “Casa nº 01”, a “Casa do Torres”, na Rua Major Cícero, nº 201. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
581. Catedral Metropolitana de São Francisco de Paula e Praça José Bonifácio, ao anoitecer. Outubro de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
582. Porões do Casarão nº 08 da Praça Cel. Pedro Osório, após o restauro (2009-2012). Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.

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583. Vista de um dos forros de estuque do Casarão nº 08, após o restauro (2009-2012). Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório. 584. Casarões históricos
do entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Vista noturna, na proximidade da esquina da Rua Félix da Cunha com Rua Lobo da Costa. Julho de 2012. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Alexandre Neutzling. 585. Vista noturna da Prefeitura Municipal. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 586. Interior da
BIbliotheca Pública Pelotense. Pavimento superior. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 587. Theatro Sete de Abril, pouco depois de ser fechado para
reforma, em 2010. A reforma, nos moldes do IPHAN, se estende até os dias atuais. Fotografia de maio de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabrício Marcon.
588. Detalhe da Fonte das Nereidas. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 589. Vista do “redondo” da Praça Cel. Pedro Osório. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.

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ALGUMAS MEMÓRIAS DE PELOTAS:
A HISTÓRIA CONTADA POR QUEM VIVEU

Ana Isabel Pereira Corrêa1

Em dois séculos de existência, há muitas histórias pra contar. Algumas serão narradas por mais um
século, outras não. O fato é que as histórias só podem ser lembradas se forem contadas. Há sempre o
que contar, porém diante de um gravador algumas pessoas são modestas ou se intimidam. Ou talvez
simplesmente não queiram lembrar. A memória da cidade é um grande mosaico onde cada indivíduo
soma a sua peça. Para que não fiquem lacunas na linha do tempo é necessário, cada vez mais, que
cada pessoa, grupo ou família conte as suas histórias.

Na tentativa de resgatar algumas peças desse mosaico, o Almanaque do Bicentenário deu-me a tarefa
de buscar voluntários que pudessem, através de suas histórias de vida, contribuir para a narrativa de
um tempo que se transformou. Após um primeiro contato com alguns possíveis narradores, ficou
evidente que havia muito mais histórias do que este espaço comportaria. Ainda assim resolvemos
optar pelo recorte de alguns registros, mesmo que de maneira simples, pois de outra forma cairiam
no limbo do esquecimento, como tantos outros. Pelo caminho houve aqueles que preferiram se calar,
alguns desencontros e também relatos impublicáveis - na opinião dos próprios narradores.

Os depoimentos foram realizados no decorrer do ano de 2014. O curto espaço de tempo impediu o
aprofundamento merecido de alguns relatos, porém a história ainda é escrita, enquanto é contada e
recontada. Apesar de haver, entre os entrevistados, sujeitos de diferentes idades, ocupações e classes
1
Graduada em Artes Visuais
sociais, que por sua vez optaram por temas diversos em suas narrativas, é preciso esclarecer que os pela Universidade Federal
temas não alcançam, e nem poderiam alcançar, a pluralidade de identidades que Pelotas comporta. de Pelotas (UFPel, 2008),
Portanto, aqui não se busca esgotar a transcrição da história oral sobre a cidade, mas ao revés, Graduanda em Jornalismo
pela UFPEL. Atua na área
provocar a memória dos que nela se reconhecerem e a autoria daqueles que têm muitas e outras de Assessoria de Produção
histórias para contar. Cultural e Comunicação.
Havia no Mercado Público até o início dos anos de 1950, um tipo de comércio especializado em
entregas chamado Mensageria2. Lugar onde os funcionários ou mensageiros eram, quase em sua
totalidade, meninos com idade entre 8 e 11 anos. Quem narra esta história é Adalberto da Silva
Chagas3 ou “Seu Beto” do Theatro Guarany, como é conhecido.

Por volta de 1940, Seu Beto lembra que havia duas mensagerias no Mercado, sendo que ele prestou
serviço como mensageiro para ambas. Chamavam-se Aliança e Veloz, respectivamente localizadas
uma na torre da esquina da Andrade Neves com Tiradentes e a outra ao lado do portão de entrada
na rua XV de Novembro. Nesta época, diz ele, era comum as senhoras chegarem cedo no Mercado
para as compras, e, já na chegada, passavam na mensageria e ‘alugavam’ um mensageiro que iria lhes
acompanhar, carregando os produtos até o destino final. Além disso, alguns produtos, como a maçã
importada, ficavam guardados em lugares distantes e era papel do mensageiro buscá-los e entregá-los
na casa de quem houvesse encomendado.

***

Em 1970, iniciou-se uma campanha de solidariedade em Pelotas que movimentou a comunidade por
alguns anos, sempre no dia oito de agosto. Tratava-se de levantar arrecadações para as entidades do
CEAP (Conselho de Entidades Assistenciais de Pelotas). O projeto, chamado “12 horas beneficentes”
foi uma iniciativa do comunicador Clayton Rocha4 com a ajuda de sua amiga Norma Estone Gastal.
Um palanque na praça Coronel Pedro Osório servia de palco para a transmissão, capitaneada por
Clayton e veiculada por todas as rádios da cidade, das 7h às 19h. O radialista conta que certa vez,
lá pelo meio da tarde, já estava ficando afônico depois de falar por tantas horas, quando surgiram
algumas senhoras simpáticas carregando uma gemada feita especialmente para ele, salvando da
exaustão a voz do locutor.

Clayton lembra que o projeto teve várias edições ao longo da década e mobilizou grande parte da
cidade, além de convidados ilustres como Ruy Carlos Ostermann, Cândido Norberto e Mário Quintana.
Eram disponibilizadas urnas em vários locais e caminhões que circulavam para arrecadar doações das
mais diversas, de alimentos a móveis. Em uma das edições o gerente da Caixa Econômica Federal,
onde eram abertas as urnas com as doações em dinheiro, ligou para Rocha ao encerrar a contagem
com uma afirmação: “Quem menos pode é quem mais ajuda”. Havia na ocasião a soma de 30.000
cruzeiros em notas de um. Ou seja, os cidadãos mais humildes foram os que ofereceram o maior
volume de recursos.

***

A pelotense Maria Rachel Ribeiro de Mello teve, em 1952, sua vida radiofonizada no auditório da Rádio
Nacional no Rio de Janeiro, recebendo a medalha de ouro de honra ao mérito da Esso do Brasil por sua,
já então, reconhecida obra e pela importância de seu trabalho na educação. Em abril de 1965, foi-lhe
concedido o título de Cidadã Pelotense. O projeto que realizou foi grandioso e inovador, um complexo
centro de estudo. Buscava amparar especialmente as filhas de produtores rurais e, para que estas jovens
tivessem a oportunidade de estudar e ter uma vivência urbana amparada, sem que configurasse como
um asilo, os pais ou responsáveis faziam doação de parte da produção gerada em suas propriedades.

Nascida em 1890, Dona Rachel já buscava seu ideal de educadora no final dos anos de 1920, quando
atuava como Professora de Trabalhos Manuais na Escola Santa Terezinha na Matriz do Porto5. Logo
em seguida criou a Fundação Sociedade de Educação Cristã, com recursos provenientes de campanhas
idealizadas e produzidas por ela. Em 1953, sempre no intuito de promover o ensino cristão aos menos
favorecidos socioeconomicamente, ela seguia incessantemente à procura de apoio para concretizar
o que viria a ser um grande complexo voltado aos filhos e filhas do meio rural. Já em meados da

542
década de 50, segundo Fernandes6, contabilizavam mais de 300 matrículas na estrutura que contava
com a Escola Rural Santo Antônio, Minha Casa Rural (internato para filhas de pequenos agricultores),
o Ambulatório Santo Antônio, construído a partir de uma parceria com o Serviço Social da Indústria
(SESI), a Escola Normal Regional Imaculada Conceição e logo em seguida a Capela Santo Antônio, com
o auxílio da Congregação das Irmãs Missionárias, oriundas de Campinas/SP. Nos anos que se seguiram,
D. Rachel concluiu a expansão de seu projeto, implementando um posto de puericultura e a “Casa da
estagiária”, uma extensão da “Minha Casa Rural” para as moças que concluíam o ensino normal.

Renato Mello Varoto7, sobrinho de Dona Rachel, lembra de vê-la inquieta a cada demolição da qual
tomasse conhecimento. Varoto conta que ela buscava os proprietários ou responsáveis e incansável
argumentava em favor de seu projeto, arrecadando materiais de toda ordem. Até mesmo algumas grades
do antigo e pomposo Banco Pelotense ela arrebatou para a construção do complexo educacional.

***

Ary Rodrigues Alcântara, prefeito de Pelotas no período de 1973-76, foi o protagonista de um episódio
chamado por alguns de versão local do “dia do fico”8. Alegando pressão por falta de apoio político
o prefeito teria declarado, extraoficialmente, sua intenção de renúncia. Varoto lembra que a ameaça
sem precedentes mobilizou grande parte da sociedade da época. Homens e mulheres que, de alguma
forma, detinham poder e influência política, movimentaram-se no intuito de convencê-lo a desistir da
ideia de afastamento do cargo. Contam alguns que por muitas horas Ary recebeu distintas visitas em
sua casa, localizada à rua Benjamim Constant, onde vizinhos e curiosos lotaram a calçada enquanto
aguardavam um posicionamento. Segundo relato de Clayton Rocha, que respondia pela comunicação
social do município à época, o então governador do Rio Grande do Sul, Sinval Guazzelli, promoveu uma
interiorização do governo do estado em Pelotas pelo período de dois ou três dias. Ao findar este período,
o prefeito Ary teria feito esta ameaça de renúncia e em seguida se isolado em sua casa na Cascata, interior
da cidade. Com este cenário, nomes representativos da sociedade, como reitores das universidades,
lideranças políticas, presidentes e diretores de associações, assumiram o desafio e reuniram-se no salão
nobre da prefeitura para argumentar a favor da permanência do prefeito em seu cargo.

Por fim a ação foi bem sucedida. A reunião pôde sensibilizar Ary Alcântara, que voltou atrás em seu
desejo de renúncia, resolvendo permanecer como chefe do executivo municipal, ficando assim este
episódio conhecido como “o dia do fico”.

***

Um evento anual que certamente marcou a cidade foi a chamada semana da pátria, que movimentava
toda a comunidade, especialmente nos anos de regime militar, lembra o professor Renato Varoto.
Vários estudantes desta época compartilham a opinião de que os desfiles na avenida Bento Gonçalves
configuravam uma grande comunhão, principalmente para os jovens que viviam e estudavam em
diferentes regiões da cidade. Há relatos de que muitos namoros iniciaram durante estes eventos.
Após o encerramento dos desfiles, o público circulava pelo canteiro central da avenida que ficava
lotado de bancas onde eram comercializados gêneros alimentícios. Varoto ressalta que essa espécie de
quermesse foi organizada ao longo dos anos e havia comidas dos mais variados tipos, produzidas em
sua maioria por entidades filantrópicas.

Algo que marcou a passagem deste evento foi a conduta extremamente rigorosa de uma figura sempre
presente, o professor Aphody Almeida de Oliveira9. Em relação à plateia que ocupava as arquibancadas
diante do altar da pátria, diz-se que ele chegava a interromper a execução do hino nacional quando
identificava alguém sentado, usando chapéu ou até mesmo conversando, tudo em nome do respeito

543
à solenidade do momento. O professor Renato Varoto lembra que Almeida era símbolo de exigência
cívica e moral na vida dos estudantes naqueles anos de regime militar, porém em alguns despertava a
ousadia, acarretando em provocações públicas e questionamentos sobre sua vida particular.

***

Ousadia também sempre foi o mote das chamadas passeatas do Gato Pelado10. O evento, organizado
pela comunidade do Colégio Pelotense, sempre no mês de outubro em celebração à data de
fundação, tinha como carro chefe a expressão crítica dos alunos, levada às ruas. Grande parte dos
entrevistados citou a passeata como um momento marcante do ano na vida da cidade. Havia uma
grande mobilização por parte dos estudantes, especialmente os vinculados ao grêmio estudantil, e a
participação massiva de toda a comunidade discente. A confecção de cartazes e quadros, que tinham
seu conteúdo debatido entre os organizadores, começava algum tempo antes, comumente no período
de férias. O escritor e desenhista Aldyr Garcia Sclhee conta que, antes mesmo de ser estudante do
Pelotense, criou, a pedido de um amigo, algumas caricaturas, entre elas a do então diretor Alcides de
Mendonça Lima. Naquele ano o desenhista, que ainda vivia em Jaguarão, estava de férias em Pelotas
ao fazer o desenho que serviria para a produção de um quadro para a passeata do Gato Pelado de
1949. Schlee narra que a charge foi alterada por dois integrantes do grêmio, que terminaram sendo
expulsos do colégio pelo feito. No ano seguinte, em 1950, já estudante do colégio, Schlee produziu
mais de 80 cartazes para o evento, sendo que em alguns ele fazia o desenho base, o qual era ampliado
e pintado pelos colegas.

Algo marcante na passeata do Gato Pelado, símbolo do Colégio Pelotense, e que aparece nos diversos
depoimentos, é a rixa que sempre existiu com o Colégio Gonzaga, representado pela Galinha Gorda11.
Na raiz dessa oposição está a origem de cada um dos educandários, um laico e o outro religioso.
A trajetória da passeata do Pelotense era pensada, segundo os depoimentos, especialmente para a
provocação diante do Colégio Gonzaga - tida como o momento ápice do percurso. Os relatos deixam
claro que não havia nenhum tipo de violência, tratando-se apenas de provocação pela crítica e, acima
de tudo, de diversão.

***

A travessia do Canal São Gonçalo só podia ser feita, até o início dos anos de 1960, de duas maneiras:
pela balsa ou pelo trem. A estrada da balsa, ainda existente, era o caminho possível para se dirigir
ao sul, saindo de Pelotas. Antônio Mazza Leite12 lembra que durante o verão era comum os jovens
fazerem a viagem diária até a praia do Cassino, no município de Rio Grande. Acontece que os horários
de travessia da balsa eram bastante limitados. Ele conta que algumas vezes perdiam a última balsa
da noite e tinham que esperar até a manhã do dia seguinte. Seu Beto, por sua vez, lembra que no
início dos anos de 1950 havia “três camionetes ou limousines, espécie de carros de praça, que faziam
a viagem até Rio Grande, com travessia pela balsa, localizada na continuação da rua Tiradentes, o
chamado caminho da balsa”. O ponto onde essas camionetes ficavam ele não soube precisar, mas
garante que era no entorno da Praça Coronel Pedro Osório. Ele conta que a viagem até a cidade
vizinha de trem nem sempre era conveniente, tendo em vista que a presença de fumaça no interior
dos vagões deixava as vestes cobertas de fuligem na maioria das vezes.

***

544
Em 1945, Luis Teixeira de Lima Jr., funcionário do Banco da Província e conhecido como Lima,
entra na sociedade “Cine Pelotas Ltda”. Segundo lembra Seu Beto, compunham a sociedade outros
quatro senhores: Paulo, Gilberto Zambrano, Shimmer e Braga. A “Cine Pelotas Ltda” responderia pela
programação diária de cinema do Guarany, do Sete de Abril e do São Rafael. Em 1957, o Sr. Lima
contratou Seu Beto, que depois de ocupar-se de diferentes tarefas no Theatro Guarany (onde trabalha
até hoje) chegou à gerência do estabelecimento. Nesta época, fazia viagens programadas à capital
para a aquisição de fitas, que seriam exibidas temporariamente nas telas gestionadas pela empresa.
Os filmes eram selecionados pelo nome e sinopse, o que certa feita gerou uma tremenda confusão.
Seu Beto conta que o transtorno ocorreu em função de um longa-metragem do tipo “Western”,
chamado em português: “Escreveu seu nome à bala”. Aconteceu que a tradução do título foi feita
indiscriminadamente, pois, no longa, o protagonista disparou apenas três tiros, dos quais um matou
uma cabra, outro feriu um cachorro e o último foi para o alto. Algumas pessoas queriam receber o
bilhete de volta, pois se sentiram enganadas. Na época foi uma situação constrangedora, mas hoje,
cinquenta anos depois, ele ri ao contar.

***

Na história a seguir aparecem algumas memórias que revelam hábitos por muitos já esquecidos. O
senhor Ramão Costa13 cresceu na antiga rua 3 do bairro Brasília, hoje rua Urbano Garcia, e de lá saía
junto com sua família em direção ao cemitério em Dia de Finados. O Cemitério São Francisco de Paula
tinha, na época (início dos anos de 1960), uma característica bem peculiar, segundo Ramão: “onde
hoje está a parte nova do cemitério (túmultos verticais) havia alguns chalés e seus moradores eram
os cultivadores de flores”. As floriculturas formavam um grande jardim na entrada do cemitério, e, ao
chegar, as pessoas compravam as flores que, naquele momento, eram colhidas.

Outra memória diz respeito aos velórios realizados nas residências, normalmente a do próprio falecido
ou falecida. Ramão conta que havia uma peça de bronze em forma de mão, que era colocada à porta
da casa onde estava acontecendo o velório. Essa escultura chamava-se fumo e por ela passavam fitas
nas cores pretas e roxas. A mão de bronze afixada à porta da casa alertava tanto os que se dirigiam
ao velório quanto aos passantes desavisados. Ramão lembra que, ao perceber o fumo, era hábito
atravessar a rua para não passar diante da casa ou benzer-se ao passar diante da porta, e que os
senhores costumassem tirar o chapéu em sinal de respeito.

***

Rejane Vieira Costa foi “Miss Brasil” e a segunda colocada no concurso “Miss Universo” em 1972.
A moça cresceu no município e quando se inscreveu no “Miss Pelotas”, primeira etapa do concurso
de beleza, trabalhava na loja de calçados Procópio, no centro da cidade. Filha de pai militar, ela
morava com a família na Granja da Brigada. Na memória de Ramão Castro, também filho de soldado
e frequentador da Granja, ainda nos anos 60 havia uma charrete sob a responsabilidade do soldado
Natorff, que levava a lavagem para os porcos criados na chácara. Era comum, então, que os jovens
e as crianças, inclusive a futura miss Rejane, tivessem de fazer essa viagem na charrete do soldado
Natorff. Saudada em Pelotas como a grande campeã, como lembra Clayton Rocha, a miss recebeu o
título de Cinderela por seu antigo emprego na loja de calçados. Na década seguinte, já distante de
Pelotas, ela assume o sobrenome de casada e, como Rejane Goulart, inicia a carreira como atriz de
novela, atividade na qual permaneceu até o fim da vida.

***

545
A memória de Rubinho14 revela uma cidade onde a presença dos negros, apesar de massiva, enfrentou
os hábitos de segregação e precisou desenvolver sociedades paralelas. Na tentativa de contemplar o
convívio social, a comunidade negra uniu-se na criação de alternativas de comunicação e vida social,
com jornais para ela dirigidos15, e associações culturais, como no caso dos clubes Fica Ahí, Chove Não
Molha e Depois da Chuva16. Rubinho cresceu dentro do Fica Ahí e conta que a juventude negra, nos
anos de 1950, tinha o seu próprio núcleo social e não aspirava frequentar outros grupos. Ele relata
que os jovens promoviam bailes, participavam de torneios esportivos e reuniões dentro da comunidade
negra, promovidos pelos clubes de Pelotas, de Rio Grande e de Porto Alegre. Além disso, lembra que
havia uma cultura no que diz respeito à ocupação de espaços públicos. Na praça Coronel Pedro Osório
era comum a permanência dos jovens nos finais de semana, e após a sessão de cinema havia uma
separação naturalizada. Segundo ele, os negros ocupavam o lado da praça na rua XV, enquanto os
brancos ficavam em frente ao Theatro Sete de Abril, pela Floriano.

Rubinho estudou no Colégio Pelotense em 1958, onde a minoria era formada por negros. Ele recorda
que além de conviver com o preconceito velado da maioria, ainda eram ‘execrados’ pela própria
comunidade negra, que dizia que eles queriam ser brancos. Diversas vezes, meninas brancas que eram
colegas na escola não cruzavam olhares com os negros ao frequentar outros espaços, como o cinema
por exemplo. Por outro lado, ele e seu amigo Paulo Renato Gomes Moraes ouviam um programa na
rádio, o picUp do picapau, de Walter Silva (Rádio Bandeirantes de SP). Foi então que eles dois, “o
Banha” e Joaquim Luiz (médico já falecido) ouviram desafinado de João Gilberto, quando ninguém
em Pelotas ainda tinha noticia sobre a bossa nova (“isso é bossa nova isso é muito natural...”).

Havia também, no início dos anos de 1950, uma atividade coletiva comum: a de fazer excursão para
o Laranjal. Ainda não existia a ponte e a travessia era feita por uma balsa. O caminho seguia até o
Balneário dos Prazeres, popularmente chamado de Barro Duro. Rubinho conta que a excursão era no
caminhão do Seu Loro, que pegava as pessoas de casa em casa, começando por volta de 5 horas da
manhã, e que as crianças mal podiam dormir de tão eufóricas que ficavam. Ele narra a prática como
um dia em comunidade, não exclusiva dos negros, mas sim de pobres - isto porque aqueles que
tinham melhores condições econômicas dirigiam-se para a praia do Cassino, em Rio Grande - o que
configurava uma viagem mais cara.

***

A memória dos bares e restaurantes é narrada com o auxílio de Antônio Mazza Leite. Ele relembra
a existência de vários estabelecimentos em Pelotas e as histórias que os envolvem. Destes, um local
no centro da cidade possui uma história bem curiosa, a saber, o Bavária - bar inaugurado em 12 de
maio de 1957 e ainda em atividade17. Nesta época o Frigorífico Anglo18, localizado na zona portuária,
mantinha funcionários ingleses morando em Pelotas. Nos anos de 1950 alguns destes viviam em
uma casa para solteiros, no início da rua XV e conta-se que era comum viajarem aos finais de
semana para Porto Alegre, onde haviam adotado um bar chamado Rembrandt. Em meados daquela
década, quatro destes jovens ingleses uniram-se ao alemão Erico Fensterseifer, também morador
de Pelotas, para financiar um Pub nos seus moldes, poupar a viagem até a capital e compartilhar a
cultura do chopp e a culinária de suas regiões. O bar foi criado com dois ambientes, isso porque seus
fundadores o fizeram justamente para ter um lugar a seu gosto para beber, e, portanto, apenas um
dos ambientes era aberto ao público, o segundo permanecendo privativo nos anos seguintes. Os que
acompanharam os primeiros anos do Bavária contam que além do chopp, algumas exclusividades
culinárias conquistaram o público rapidamente. Porém Antônio lembra que o lugar privilegiava os
clientes que buscavam um lugar para beber e uma das formas de selecionar o público eram os altos
preços de bebidas não alcoólicas, o que afastava os mais jovens e as muitas moças da época. Com o
sucesso do bar, o segundo ambiente terminou por ser disponibilizado para o público em geral.

546
Dos lugares que deixaram de existir, por assim dizer, um em especial marcou a vida de muitos
pelotenses: a Padaria e Confeitaria Nogueira, que encerrou suas atividades possivelmente em 1982,
depois de muitas décadas de pleno funcionamento à rua XV de Novembro. À parte a história da
própria confeitaria, Antônio lembra-se de um senhor chamado João, conhecido como Joãozinho da
Nogueira. Ele era funcionário da Confeitaria há muito tempo e, simpático e inventivo, conquistava a
clientela nos anos de 1960. Era ele o responsável pela produção do delicioso “queque” ou bolo inglês.
Foi também ele que bolou o slogan: “Confeitaria Nogueira, os doces que mais viajam no Brasil”, e
elaborou as caixas para viagem, impedindo que os doces estragassem no transporte. Joãozinho era a
alma da Nogueira naqueles anos, conhecido “boa praça”, contribuiu decisivamente para a fama que
a confeitaria conquistou nesta época.

Havia outra confeitaria na rua XV de Novembro, em frente à Praça Coronel Pedro Osório, chamada
Confeitaria Brasil, igualmente extinta há alguns anos. Também ali se produziam queques e empadinhas,
ambos com fama até mesmo fora da cidade. Conta-se ainda que o lugar era frequentado, quase que
em sua totalidade, pelos mais abastados financeiramente.

Ainda na rua XV de Novembro, um restaurante apresentava-se de forma peculiar: o Ribatejo. O


estabelecimento visto da calçada era uma fruteira, lembra Antônio. Os desavisados poderiam facilmente
desconhecer a presença de um restaurante naquele endereço, entre as ruas Sete de Setembro e
Marechal Floriano. Entrava-se pela fruteira, que vendia também sucos naturais e chegava-se ao salão
amplo, no fundo, onde havia inclusive uma adega bem robusta.

A Taberna do Willy era o ponto de encontro dos jovens e adultos nas décadas de 1950 e 1960. Era
nela habitual a presença dos mais moços na saída do cinema, e à noite frequentada por um público
mais maduro. Localizada à rua XV de Novembro, entre Sete de Setembro e General Neto, estava
estrategicamente posicionada quando chegava a época do carnaval. Dizem que os blocos e baterias
das escolas de samba, durante os desfiles, cantavam e tocavam com mais vigor ao passarem por ali.

Nas madrugadas de Pelotas, era referência o Restaurante do Gago, localizado à rua Marechal Floriano,
entre General Osório e Marechal Deodoro. Funcionava como um lugar 24 horas, pois servia de paradouro
para o ônibus que fazia a viagem de Porto Alegre para Montevidéu. O coletivo passava por ali por volta
das duas horas da madrugada e era sempre um acontecimento. O Recreio Pelotense, também conhecido
como “fim de noite” ou “bife sujo” era o concorrente do Gago na madrugada. Localizado na esquina
das ruas Doutor Cassiano e Andrade Neves, servia uma sopa que era muito conhecida pelo fato de o
garçom, que lá trabalhava, sempre carregar o prato com o dedo dentro do caldo, o que, segundo os
frequentadores, não interferia no sucesso do prato - e talvez até ajudasse a promovê-lo.

***

Pelotense nascido em 1919, Eddy Sampaio Espellet19deixou a cidade aos 14 anos para seguir carreira
na Marinha do Brasil, onde se tornou Almirante-de-Esquadra. O mediador desta história é Paulo
Gastal Neto20. Ele conta que Eddy narrou com emoção um episódio marcante do qual foi testemunha:
a invasão de Zeca Neto em Pelotas21. No dia 29 de outubro de 1923, seu pai que era “maragato”
acordou o filho logo cedo e foram aguardar a “tropa do general” passar diante de sua casa. Ele diz que
morava na rua Andrade Neves entre Voluntários da Pátria e Doutor Cassiano e que a tropa desfilou
por esta rua, desde a Avenida Bento Gonçalves. Apesar de ter apenas quatro anos de idade, guardou
na lembrança a imagem do velho de barba branca vestindo um “poncho” e montado em um cavalo
zaino que desfilava diante da tropa. E que o resto é a História quem conta.

547
O semanário pelotense A Alvorada era feito por e para negros desde o início do século XX. Nos anos
de 1950, Rubens Lima comprou o título do editorial do então proprietário Djalma Penny. Rubens não
escrevia, apenas administrava. Seu filho Rubinho conta que o pai cursou a escola apenas até a terceira
série do primário, mas era um grande empreendedor e soube transformar o jornal em um negócio
lucrativo, recebendo, inclusive, certificação de jornalista pela atividade desenvolvida. O novo proprietário
criou estratégias para que o jornal ampliasse seu público. Passou a fazer a entrega do impresso pelo
correio e com isso, além de poupar no pagamento dos entregadores, proporcionou a entrega em outras
localidades e adquiriu novas assinaturas. Outro momento importante foi a criação de um concurso de
beleza, o Miss Alvorada. A competição contava com premiação e era definida por voto popular, cuja
cédula vinha impressa em uma página do jornal. Isso fazia com que os interessados em eleger a moça
mais bela adquirissem mais de um exemplar. Além disso, Lima criou colunas de fofoca: eram elas a
“Pesquei” e “As comadres” (Eudoxia & Micaela), que literalmente contavam fofocas e eram assinadas por
personagens fictícios. Rubinho narra que seu pai jamais revelou quem escrevia as colunas.

No mesmo período, o eminente empresário Rubens Lima fazia parte da diretoria do Clube Cultural
Fica Ahí. Até então a sede do clube era em um prédio alugado, o que gerava despesas e impedia
algumas ações. Rubens ajudou na aquisição de um terreno à rua Marechal Deodoro, ao lado de sua
casa, onde viria a ser construída a sede própria do Clube. A construção da sede, lembra Rubinho, só
foi possível porque os sócios se empenharam em mutirões, realizados aos finais de semana. Ao ser
concluída a construção do prédio, que ainda hoje sedia o Clube, Lima foi responsável por mais um
importante passo na história da associação: a vinda de artistas renomados do centro do país, como
Ângela Maria, Dolores Duran, Nora Ney, Blecaute, Jamelão, Carmélia Alves, Carmem Costa entre
outros, como é possível verificar nas páginas do jornal A Alvorada.

A Fábrica de Papel Linheiras, ficava à beira do arroio Santa Bárbara, no final da rua Uruguai. Mesmo
distante, conta-se que, ao entardecer, o cheiro insuportável do digestor tomava toda a cidade. Eram
comuns as brincadeiras relativas à origem do odor, lembra Ramão Costa, que também relata que a
partir dos anos de 1960 a fábrica ainda funcionou por muito tempo sem mais fazer a decomposição
do papel, trabalhando com processo de reciclagem, o que encerrou aquilo que era considerado
insalubre pela população.

***

Em 1980 Yolanda Pereira, a Miss Universo pelotense, foi homenageada pela passagem dos 50 anos de
seu título. Quem organizou o baile com pompas foi seu fã e amigo pessoal Clayton Rocha. Ele conta
que à época Yolanda, apesar de não viver no município, era participante ativa do debate “Pelotas 13
horas”, programa diário apresentado por Rocha onde ela participava por telefone.

Na mesa de debate do “13h” também surgiu a ideia do projeto Luso Grande do Sul – 500 anos do
Brasil, iniciativa de Clayton e Paulo Gastal Neto, que resultou numa ampla parceria e intercâmbio
entre países de língua portuguesa. Criou-se assim uma rede de 500 rádios envolvendo sete países que
falam português. O projeto contou com a participação das Universidades Federal de Pelotas (UFPel),
Católica de Pelotas (UCPel) e Universidade de Aveiro, além do Itamaraty e da empresa aérea Varig e
teve duração entre os anos de 1996 até 2000.

Referências
ENTREVISTA com Adalberto da Silva Chagas, concedida em 18/7/2014 e 24/9/2014.
_____ com Aldyr Garcia Sclhee, em 5/8/2014.

548
_____ com Antonio Carlos Mazza Leite, em 9/9/2014.
_____ com Clayton Rocha, em 1/8/2014; 6/8/2014; 22/8/2014; 28/8/2014.
_____ com Eddy Sampaio Espellet, em 16/3/2009.
_____ com Paulo Gastal Neto, em 22/8/2014.
_____ com Ramão Costa, em 13/8/2014.
_____ com Renato Mello Varoto, em 5/8/2014.
_____ com Rubens Ricardo Machado Lima, em 13/9/2014.

Notas do pesquisador
2
A imagem no volume 2 do Almanaque do Bicentenário de Pelotas (p. 277, Fig. 362) mostra os jovens funcionários da mensageria
David, por volta de 1910.
3
Seu Beto, como é conhecido, nasceu em 1932 na várzea, onde morou até meados de 1950. No final da década de 1930,
trabalhava no centro da cidade entregando jornais. Em seguida, para aumentar sua renda, ao terminar a entrega diária, seguia
para o Mercado Central onde trabalhava como mensageiro. Os mensageiros acompanhavam as Senhoras “com um balaio em
cada braço enquanto elas faziam as compras. Depois levavam até as residências”, conta ele.
4
Clayton Rocha é jornalista e Bacharel em Direito. Criador do Debate Pelotas 13 horas em 6 de novembro de 1978, 2º debate
diário de rádio mais antigo do Brasil (o 1º é Sala de redação da Rádio Gaúcha de Porto Alegre/RS), ainda veiculado pela Rádio
Universidade (R.U.) – Universidade Católica de Pelotas (UCPel). O Salão Amarelo no Palácio do Comércio (Associação Comercial
de Pelotas), local aonde o debate “13 horas” é gerado desde o ano 2000 foi declarado Patrimônio Cultural da Cidade. Clayton
conta que o salão tem as cores amarelo e branco, por serem as cores do Vaticano. Além da R.U. ser uma transmissora ligada
a uma entidade católica, o próprio comunicador tem uma profunda ligação com o Vaticano, constando em seu currículo, e
também do programa, várias transmissões realizadas a partir daquele país, na cobertura de eventos ligados ao papado religioso.
Para maiores informações, consultar: http://www.pelotas13horas.com.br/
5
Informação da Escola de Ensino Médio Imaculada Conceição.
6
Tese de doutorado de Eliana da Fonseca Fernandes pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) sobre
a Escola Normal Regional Imaculada Conceição.
7
Renato Luiz Mello Varoto é advogado, escritor e professor aposentado. Faz parte da Academia Sul-Brasileira de Letras. Cresceu
em Pelotas, onde ainda vive e faz parte da programação diária da Radio Universidade (R.U. da UCPel). Morou grande parte da
juventude com suas tias, Rachel e Sylvia Mello, ambas com larga história junto ao ensino de Pelotas e região. Sylvia Mello foi a
primeira delegada da então 5ª DE (Delegacia de Educação), hoje 5ª CRE (Coordenadoria Regional de Educação) no ano de 1939,
cargo no qual permaneceu por duas décadas e que futuramente seria ocupado por Renato Varoto.
8
O ato conhecido como “Dia do Fico”, ocorrido às vésperas da proclamação da independência do Brasil e do qual o personagem
principal, que optou por ficar, atendia pelo nome Pedro de Alcântara ou Dom Pedro I, teria sua versão pelotense, protagonizada
pelo então chefe do executivo, coincidentemente de mesmo sobrenome, Ary Alcântara.
9
O professor Aphody Almeida de Oliveira foi presidente do Núcleo Municipal da Liga de Defesa Nacional (LDN/Pel) nos anos de
1950-52 e 1954-1980, segundo consta no site da própria instituição.
10
Sobre a origem dos apelidos dos estudantes do Colégio Pelotense e Colégio Gonzaga, antes Ginásio Pelotense (GP – Gato
Pelado) e Ginásio Gonzaga (GG – Galinha Gorda), indica-se o trabalho de Amaral: As passeatas estudantis: aspectos da cultura
escolar e urbana. In: <http://www.uff.br/emdialogo/sites/default/files/GT02-1998--Int1.pdf.>
11
Ver AMARAL, G. Gatos Pelados x Galinhas Gordas: desdobramentos da educação laica e da educação católica na cidade de Pelotas
(décadas de 1930 a 1960), 2003.
12
Antônio Carlos Mazza Leite é advogado e exerceu atividade empresarial na cidade por grande parte da vida. Esteve na
presidência do Centro de Pesquisas da Agroindústria CEPAI, do Centro das Indústrias de Pelotas – CIPEL e a dirigiu a Federação
das Indústrias do Rio Grande do Sul - FIERGS. Atualmente, além do exercício da advocacia, é Presidente do Instituto João
Simões Lopes Neto, desde 2011.
13
Ramão Costa é técnico em Eletrônica e Telecomunicações e Oficial da reserva do Exército. Organizador e mentor do Mercado
das Pulgas de Pelotas. Memorialista, colecionador e pesquisador, mantém o Espaço Blau Nunes em um galpão junto à sua
casa. Colaborador na pesquisa da rota de aviação da Latécoère Aéropostale, hoje Air-France, empresa que a partir dos anos de
1920 contribuiu para a comunicação intercontinental. A Aéropostale tinha em sua rota, além de algumas capitais brasileiras, a
cidade de Pelotas, onde pousava a caminho de Buenos Aires, na Argentina. 

549
14
Rubens Ricardo Machado Lima, o Rubinho, é pesquisador autodidata, pesquisa artes em geral, e em especial música e cinema.
Filho de Rubens Lima, cresceu em Pelotas, onde seu pai foi presidente do Clube Cultural Fica Ahí e Proprietário do semanário
A Alvorada, ambos na década de 1950. Trabalhou por mais de duas décadas na SUSEPE, onde coordenou projetos de educação
e cultura junto ao sistema penitenciário. Vive em Porto Alegre/RS desde os anos de 1960 e autodenomina-se “contador de
histórias”.
15
As referências aqui tratam apenas sobre o jornal A Alvorada e mais especificamente sobre o período em que este foi comandado
por Rubens Lima, durante os anos de 1950.
16
Essas associações têm origem nos Cordões especificamente voltados aos negros. São eles: Depois da Chuva (19/2/1916),
Chove Não Molha (26/2/1919), Fica Ahí P’ra Ir Dizendo (27/01/1921), Quem Ri de Nós tem Paixão (1921) e Está Tudo Certo
(1931) e a Liga de Futebol Independente José do Patrocínio. Indica-se a dissertação de Fernanda Oliveira da Silva: Os negros,
a constituição de espaços para os seus e o entrelaçamento desses espaços: associações e identidades negras em Pelotas (1820-1943).
Porto Alegre: PUCRS, 2011.
17
O Bavária ainda está em atividade no mesmo local onde foi inaugurado, na rua Sete de Setembro entre as ruas XV de Novembro
e Andrade Neves. Alguns anos após sua abertura, Erico Fensterseifer passou a ser proprietário exclusivo. Posteriormente em
1979 foi adquirido pelo funcionário que começou como garçom, passou a gerente e depois proprietário, Max Buchweitz, que
faleceu em 1998 e deixou de herança a seu filho Max Francisco Buchweitz, que já trabalhava no estabelecimento desde 1988.
Desde lá já teve diversos proprietários, todos mantendo o cardápio e a cultura do chopp.
18
A pesquisa de Neuza Regina Janke aponta para a década de 1940 a inauguração do Frigorífico Anglo e a consequente presença
na cidade de alguns funcionários ingleses. Ver: Entre os valores do Patrão e os da Nação, como fica o Operário? – O Frigorífico Anglo
em Pelotas – 1940-1970. Porto Alegre: PUCRS, 1999.
19
Eddy Sampaio Espellet foi Chefe do Estado Maior da Armada no governo do presidente Ernesto Geisel e responsável direto
pela instalação do 5º Distrito Naval em Rio Grande/RS. Seu avô materno, Alfredo Sampaio, foi o criador do Bazar Bule Monstro.
Este se tornaria um dos mais conhecidos estabelecimentos comerciais de Pelotas na primeira metade do século XX, já nas mãos
de outro proprietário, Afonso Peres Bernardes.
20
Paulo Gastal Neto é radialista, repórter da Rádio Universidade Católica de Pelotas/RS há mais de 25 anos. Entrevistou o
Almirante Espellet no Rio de Janeiro em 2009, cerca de um ano antes de seu falecimento.
21
Cf. o volume 2 do Almanaque do Bicentenário de Pelotas, p. 134-135, Fig. 187-198.

550
Figura 1 Figura 4

Figura 2 Figura 5

Figura 3 Figura 6

Pesquisa e seleção de imagens: Ana Isabel Pereira Corrêa.


Notas: Ana Isabel Pereira Corrêa e Guilherme P. de Almeida.

Figura 1: Construção da sede própria do Clube Cultural Fica Ahí Pra ir Dizendo, realizada entre 1º de janeiro
de 1953, data da colocação da pedra fundamental, e 14 de fevereiro de 1954, data de sua inauguração so-
lene. Registro de um dos mutirões de final de semana realizados, vendo-se, à direita, sem camisa e escorado
em uma coluna, o célebre “Boto”, exímio e referencial tocador de sopapo. Sua execução deste instrumento
persiste na memória do povo pelotense, dada sua inigualável técnica, notadamente vibrante, enérgica e
precisa. Fonte: Acervo Rubens Ricardo Machado Lima.
Figura 2: Rubens Lima posando com seu elegante GM modelo “Buick Roadmaster 1949”, na Cascata,
década de 1950. Presidente do Clube Fica Ahí à época da aquisição da sede definitiva, Rubens foi um dos
primeiros e únicos negros a conquistar seu próprio carro, naqueles tempos. Fonte: Acervo Rubens Ricardo
Machado Lima.
Figura 3: Registro da visita da cantora Nora Ney ao Clube Fica Ahí. A cantora foi uma das maiores intérpre-
tes do samba-canção de sua época. Ao seu lado direito, o presidente Rubens Lima. Fonte: Acervo Rubens
Ricardo Machado Lima.
Figura 4: Maria Rachel Ribeiro de Mello, em abril de 1965, recebendo o título de Cidadã Pelotense. Fonte:
Acervo Renato Luiz Mello Varoto.
Figura 5: Sylvia Mello, a primeira delegada da então 5ª Delegacia de Educação (atual 5ª Coordenadoria Re-
gional de Educação), reunida com alguns políticos, dentre eles Leonel de Moura Brizola, s/d. Fonte: Acervo
Renato Luiz Mello Varoto.
Figura 6: Vista da entrada do Theatro Guarany desde o foyer. Ao centro, a silhueta de Adalberto Chagas, o
“Seu Beto do Guarany”. Registro do ano de 2011, ocasião do aniversário de 90 anos. Fotografia de Nauro
Júnior. Fonte: Acervo Nauro Júnior.
551
590 591 592

597 598 599

590. Amanhecer no interior da zona colonial de Pelotas. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem). 591. Coqueiro Jerivá, parte
da flora característica pelotense. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto. 592. Cardeal descansa sobre plátano. Praia do Laranjal. Ano de 2014. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem). 593. Colheita do morango na zona colonial. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 594. Fauna
típica: (Aramus guarauma). Do tupi “Guaraúna”, que significa “pássaro preto do brejo”. Acervo/Colaboração/Fotografia de Pablo RIbeiro (Rastro Imagem). 595. Peão
aparando a crina de um cavalo. Ano de 2006. Acervo/Colaboração de Bruno Madrid e Elizabeth Anderson Madrid Francisco / Fotografia de Chico Madrid (in memoriam).
596. Figueira e cavaleiro. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
593 594 595 596

600 601 602 603

597. Gado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano. 598. Pé de arroz e silhueta de peão. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 599. Ramo de
pessegueiro florido na Colônia Santa Maria. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Giovana Kleinicke. 600. Flora típica: Flor de Tuna (Cereus hildmannianus)
na Colônia de Pelotas: abre às 23h e fecha às 10h. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Giovana Kleinicke. 601. Bromélias nativas na mata da Colônia Z3.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas). 602. Morangas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 603. Detalhe de
córrego no Templo das Águas, na Colônia São Manoel. Ano de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem).
604 605 606

607 608 609

604. Cachoeira do Imigrante, na Colônia Maciel. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein. 605. Arroio Valdez, afluente do Arroio Pelotas. Zona Colonial. Ano de
2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem). 606. Fauna típica: Pica-Pau do Campo (Colaptes campestris), flagrado na Zona Colonial.
Ano de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Giovana Kleinicke. 607. Tucano flagrado no distrito do Quilombo. Ano de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gio-
vana Kleinicke. 608. Anfíbio típico da região. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem). 609. Fauna típica: (Lycalopex gymnocercus), vulgo
Graxaim. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem).
FUTEBOL, UMA PAIXÃO:
PELOTAS, FARROUPILHA, BRASIL DE PELOTAS
(E ICONOGRAFIA DOS TIMES AMADORES)

Duda Keiber1
Paulo Gastal Neto2
Ewaldo Poeta3
Fabrício Barcelos Cardoso4

Introdução, por Duda Keiber


Parafraseando o artilheiro e filósofo Dadá Maravilha, futebol é futebol e vice-versa. Creio que esta
seja a mais complexa definição do futebol, este esporte tão passional e mágico, repleto de heróis e
traidores, de histórias e sonhos entre quatro linhas... Uma batalha campal sem espadas, onde a grande
conquista é o grito de gol.

O sul do estado gaúcho foi agraciado com esta arte-esportiva inglesa com a fundação do clube
mais antigo do Brasil, o Sport Club Rio Grande, de Rio Grande/RS (19.07.1900). Naquela época,
o futebol, ainda de regras complexas e bolas importadas, começava a se expandir por todo país,
com o surgimento de diversos times nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Em Pelotas,
as entidades futebolísticas começam a surgir em 1908, com a fundação do Esporte Clube Pelotas 1
Coordenador geral do Almanaque
do Bicentenário de Pelotas.
(11.10.1908), o 16º clube a surgir no Brasil. Depois vieram o Grêmio Esportivo Brasil, fundado em 2
Ex-Presidente do E. C. Pelotas.
7.09.1911, e, mais tarde, o Grêmio Atlético Farroupilha, fundado em 26.04.1926. 3
Presidente do Conselho
Deliberativo do G. A. Farroupilha.
Mas a institucionalização do futebol, em Pelotas, assim como em todo Brasil, surge porque este 4
Jornalista editor-executivo do
esporte, identidade nacional, enraizou-se, popularizado, no cotidiano social. Outrora praticado pela Diário de São Paulo e torcedor do
G. E. Brasil.
elite, o futebol passou a ser praticado em campos de todos os tipos, em todos os lugares. Aqui, esta
habilidosa manha tupiniquim de conduzir a bola nasce nas calçadas e ruelas, ecoa pelas praças e
escolas entre os dribles de crianças, anda na lama das vilas, nos campinhos da colônia e nos gramados
sintéticos de galpões, através do futebol amador. Do couro da bola ao coração, o futebol, então,
começa a frequentar estádios, se vestir de cores e de símbolos, cantar hinos de nações, projetar ídolos
eternos e invadir a tarde das famílias quase todos os domingos.

De andar por tantos cantos, de pé em pé, o esporte de Charles Miller estigmatizou o Brasil como
pátria de chuteiras, país do futebol. Em Pelotas, esta particular cidade do litoral sul, da paixão pelo
futebol brotaram clubes e insígnias idolatradas na Avenida, no Fragata e na Baixada, com personagens
fantásticos, clássicos memoráveis e grandes conquistas (e outras quase conquistas) que seguem vivas
na memória de cada torcedor Áureo-cerúleo, Fantasma e Xavante.

E por ser esta paixão inenarrável, o projeto Almanaque do Bicentenário de Pelotas convidou três torcedores
apaixonados para relatarem, a sua maneira, o seu amor pelo clube pelotense do seu coração. Ao escolhê-
los, o projeto abriu mão de todos os outros apaixonados torcedores e suas histórias idiossincráticas por
acreditar que a expressão de um contempla, sob certo espectro, a alma de todos. Assim, os fanáticos
Paulo Gastal Neto (E. C. Pelotas), Coronel Poeta (G. A. Farroupilha) e Fabrício Barcelos Cardoso (G. E.
Brasil) expressam, com amor e pertencimento, mensagens que lincam suas vidas com a história dos
seus times. Além disso, uma ampla iconografia do futebol amador em Pelotas completa o capítulo mais
esportivo deste Almanaque. Partindo das linhas dos gramados para as margens das páginas, coloca-se
escudos e chuteiras na história da cidade e celebra-se, na diversidade de cores e e mascotes, um ponto
em comum entre todos pelotenses e brasileiros: o amor pelo futebol.

***

“MINHA PAIXÃO PELO LOBO”, por Paulo Gastal Neto


(Esporte Clube Pelotas, o Áureo-Cerúleo. Fundado em 1908)

Antigamente, lá pelos anos sessenta, existia o tal Livro do Bebê. Era uma espécie de diário
no qual as mães iam relatando o desenvolver do neném, desde o nascimento até quase a
adolescência. Aquelas “mães corujas” seguiam em frente, cruzavam os tempos de juventude
da criança e chegavam, em alguns casos, até quase a fase adulta. Eram fotos e textos relatados
cronologicamente e com muita emoção e carinho. Recordo-me que, logo que fui alfabetizado,
uma das minhas leituras favoritas era um trecho do meu próprio Livro do Bebê. A parte que eu
mais gostava, e sentia um orgulho imenso, era a passagem que a minha mãe relatava sobre a
minha primeira ida a um estádio de futebol. Foi um jogo do Pelotas na Boca do Lobo. O relato
era mais ou menos assim: “ontem o Paulinho foi ao jogo do Pelotas com o papai. Gostou muito.
Comeu um pastel. O Pelotas ganhou do Cruzeiro por 1 a 0. Eles voltaram muito contentes para
casa e o Paulinho repetia... Pelotas... Pelotas...!”. Isso foi em 1966. Eu tinha quatro anos apenas.
Portanto já se vão quarenta e oito anos de memórias do Esporte Clube Pelotas e da Boca do Lobo
que me seguem no dia-a-dia.

Assim como escreveu Paulo de Mello Aleixo no Livro do Centenário: “uma das minhas primeiras
lembranças é de um treino do Pelotas, onde fui assistir meu pai que atuava pelos aspirantes...”. É assim.
Poucos sabem como é isso, penso. Estar no estádio do Lobão, assistindo a um jogo do Áureo-Cerúleo é
um ato quase tão sagrado para mim quanto aqueles cuidados da mãe para com o seu bebê. O orgulho,
no meu entender, é semelhante ao sentimento “dela” para com a sua própria dedicação ao filho. O
sentimento é literalmente este e só o percebe no seu interior, aquele que foi deliberadamente compelido

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pelas veias paternas, a amar as cores do Pelotas, o azul e o amarelo. O amarelo do sol, que representa a
vida, irradiando o céu azul infinito que nos eterniza. E assim fui criado. No seio Áureo-Cerúleo.

Nunca esqueço o meu olhar de admiração, quase perplexidade, por Francisco Azevedo, quando meu
pai me dizia repetidas vezes segurando a minha mão e apontando-o: “esse senhor estava no time do
Pelotas que foi Campeão Gaúcho em 1930”. Depois, com o tempo, observei que, no salão de honras do
estádio, lá estava a foto dele no time vencedor: “Chico, Tutu (seu irmão que também conheci), Coi, Grant,
Hermes, Bordini, Floriano, Tristão, Marcial, Mário Reis e Torres”. Aquela relação de proximidade para
mim era inebriante. Eu ficava “mirando” o Chico. Fitando-o. Repetia ainda em tenra idade a escalação
daquele time sem que ninguém entendesse o que eu falava pelos corredores da minha casa na rua XV
de Novembro. Pois Chico e Tutu faziam parte da minha vida e aquilo me nutria de orgulho. O motivo:
tinham sido eles os campeões estaduais pelo “meu” Pelotas. Tocá-los, um afago da mão dele na minha,
revigorava meu orgulho e me colocava diretamente ligado à história do clube que eu amava, pensava eu.

Mais tarde, já como profissional da comunicação, mais percepções da minha paixão pelo Pelotas e seus
redutos, seus cantos, seus detalhes. Nas minhas andanças como radialista tive a oportunidade de estar
em alguns dos grandes palcos do futebol, espalhados pelo mundo afora. Lá estava eu no charmoso
Parc dês Princes, em Paris, onde presenciei Brasil 4 x 1 Chile, na Copa de 1998. Extasiado. Na mesma
“Cidade Luz” visitei o moderno Saint Denis que me fez compreender a nova ordem e então entender
o futebol moderno. Em Barcelona e Madri, tive a oportunidade de pisar nos gramados do Camp Nou,
do Santiago Bernabeu e do Vincent Calderón respectivamente. Tocar o solo sagrado daqueles templos
me fez viajar num sonho e agradecer a Deus pela oportunidade de ali estar. Depois a Alemanha e o
maravilhoso estádio de Köln num jogo histórico entre República Tcheca x Gana, na Copa de 2006.
Encontro de raças. Europa e África e eu ali escolhido como testemunha. Emoção pura. Tudo lindo
e plástico. Adoro estádios. É meu destino favorito quando chego a uma cidade. Sentir a atmosfera
estando ele cheio ou vazio. Aqui no Brasil inúmeras vezes no simbólico Maracanã, onde assisti a jogos
memoráveis como um Brasil x Argentina, nos anos 80, com Maradona de um lado e Zico de outro.
São, todos estes, estádios onde se assiste a jogos, que se vibra com a atmosfera... dos outros.

No estádio do Pelotas não é assim. Nele o que menos me importa é o jogo. Ali eu me renovo de amor.
Ali eu sou o protagonista das minhas próprias emoções. Ali eu fico de costas para o campo e revejo
o filme da minha existência. Sei onde cada um está. Caminho pelo estádio revendo cada rosto que
faz parte da minha vida. Não tiro os olhos do garotinho com a camiseta surrada, levado pelo seu pai,
e que corre ao longo da tela sem nem perceber o que acontece à sua volta. Percebo que nele está
nascendo a nova célula que vai manter viva a minha energia.

Num canto dela, choro, reservadamente, a recordar o escrito da minha mãe lá no meu Livro do Bebê!
Foi ali que me soltei há 48 anos, talvez também correndo ao longo do alambrado. No “meu estádio”,
eu me satisfaço com o êxtase de uma vitória impossível. Minha reflexão é imediata e tenho a plena
certeza que talvez só eu possa sentir aquela emoção. Penso, olho para o infinito e me vem à mente
o gol de Flávio Minuano no último minuto de um Bra-Pel perdido, até então, quando ninguém mais
acreditava. Elevo uma prece e afirmo ao céu azul, que faz parte do meu coração: “nem uma masmorra
eterna me tirará essa imagem do pensamento”.

Passo em sonho pela velha arquibancada amarela e sinto o abraço forte, emocionado do meu pai,
seu sorriso e suas lágrimas, após uma virada heroica de 4 a 3 sobre o Rio Grande. Pouco sei o que
aconteceu na época, não era o Real Madri nem o Barcelona o adversário, mas aquele abraço, no
último degrau, eu carregarei comigo para sempre, até quando a eternidade chegar. Talvez pense nele
todos os dias para revigorar a caminhada da vida, necessária e impelida a todos nós.

Esse é o sentimento de ser Pelotas. Vida dentro da alma.

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Pediram-me aqui para expressar o sentimento de ser Pelotas. Ser Pelotas é estar ligado a cada passo
emocional da sua vida. Comigo foi assim. O leite, os pais, os irmãos, a família, os amigos, a escola
e o Pelotas. Ele é intrínseco à minha existência. Desde que me lembro, eu o vivo, esta aqui dentro
do meu peito. É como o ar, como o céu e o sol. Não o dissocio de nada. Em tudo o que penso e
faço, lá está o Pelotas.

No futebol, a vitória ou a derrota é o que menos importa.

O que realmente interessa é que ali na Boca do Lobo, ao lado do Pelotas, eu descobri, um dia, o quão
é grande fazer parte de um time, um segundo que seja da sua vida. O amor pelo Áureo-Cerúleo é a
descoberta da verdadeira sinceridade da alma. Como sentenciou o grande e eterno Valmurio:

“Salve o Pelotas. Quem não te ama, nunca sentiu emoção!”. Ponto!

***

“LUTAR SEMPRE, DESISTIR NUNCA”, por Ewaldo José Lebarbenchon Poeta


(Grêmio Atlético Farroupilha, o Tricolor Fragatense. Fundado em 1926)

Neste momento histórico e evocativo, as gloriosas trajetórias do Grêmio Atlético 9º Regimento de


Infantaria – Campeão por 100 anos – título memorável e inédito conquistado em 1935, no 1º
Centenário da Revolução Farroupilha, e a do atual Grêmio Atlético Farroupilha, herdeiro das conquistas,
da competitividade e do elevado sentimento de ética esportiva, juntam-se indissoluvelmente, sob a
égide dos princípios maiores que regem o Pavilhão Tricolor.

Reverenciemos esta pujante história do tricolor fragatense ao ouvir a voz do passado chegando
ao presente e se projetando para o futuro, dando passagem ao vento da saudade, do amor, do
reconhecimento e de gratidão às nossas raízes.

Amigo torcedor, para compreender a vida é preciso olhar para trás, mas para vivê-la, é preciso
contemplar o futuro.

E o futuro depende daqueles que acreditam na beleza de seus sonhos.

Sonhe sempre, nunca esquecendo que “quando Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” - sabiamente
afirmado pelo imortal poeta português Fernando Pessoa.

Prezado amigo torcedor, os gênios inspiradores do Grêmio Atlético Farroupilha iluminaram e guiaram
nossos fundadores, que deixaram um legado de trabalho, de dedicação, de conquistas esportivas, de
capacidade realizadora, de destemor e de impulso criativo, que fizeram de nosso Clube de Antanho
uma sentinela imbatível, cujo lema é Lutar sempre, desistir nunca.

De pé, bravos e autênticos tricolores, porque o espírito que animou as gerações de ontem está vivo,
redivivo, como artífices, como construtores da epopeia dos campeões Farroupilhas de 1935, dos
campeões do Sesquicentenário da cidade de Pelotas, dos campeões Regionais, do 1º Centenário
da Revolução Farroupilha, dos campeões de basquete, vôlei de praia, de tênis e de esgrima no
Sesquicentenário da cidade de Pelotas.

Que o espírito que animou estas gerações, construtores da grandeza e da consolidação de nosso clube,
paire novamente sobre o Grêmio Atlético Farroupilha, para abrir as portas de seu renascimento.

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“CADA DOR É UM RECOMEÇO”, por Fabrício Barcelos Cardoso
(Grêmio Esportivo Brasil ou Brasil de Pelotas, o Xavante Rubro-Negro. Fundado 1911)

De todas as dores catalogadas pela humanidade, só duas despertam uma sensação de paz: a saudade
e a obsessão pelo Xavante. Não há aqui nenhum louvor masoquista, pois dor, mesmo quando vizinha
do prazer, sempre dói. Nos domingos em que o Brasil de Pelotas não joga, por exemplo, me vejo imerso
num vazio capaz de me fazer compreender o nada, aquela singularidade que precedeu o Big Bang.

É de dores assim que se forja um xavante.

Aliás, talvez a nossa dor até leve certa vantagem sobre a saudade, porque esta sempre se nutre de algo
que foi bom e já não consegue mais ser. O Xavante, ao contrário, faz de cada dor um recomeço. Para
cada infortúnio de domingo, há sempre uma segunda-feira para renovar os devaneios.

Para gente da nossa argamassa, o recomeço é um combustível para a vida.

Meu Brasil de Pelotas, um avermelhado moço de 103 anos, prova como uma paixão artesanal tem
força para sobreviver num cenário onde as pessoas buscam alívio não nas pequenas afinidades, mas na
esterilidade do gosto das multidões. Apesar da necessidade dos grandes de Porto Alegre de ter público
(não confundir com torcida) no interior, para sustentar suas aspirações continentais, cá estamos nós,
convictos em nossa utopia. O coração xavante insiste em se divertir no meio, enquanto a massa só
enxerga sentido no fim.

Não sei precisar quando esta dor gostosa passou a morar em mim. Acho que xavante é algo genético,
inarredável como uma orientação sexual. Não há pastor que cure. Mas recordo bem o dia em que
abracei o sacerdócio. Meu pai é um dos raros xavantes de gestos comedidos. Ama o clube sem escalar
alambrados. Morávamos em Porto Alegre, lá pelo fim dos anos 70. No exercício da curiosidade de guri,
trepei na janela para ver os colorados comemorando talvez um nacional, não lembro ao certo. Meu
pai, vendo em mim assanhamentos imaginários, fez uma pergunta, em tom de súplica:

- Tchê, filho, tu não é xavante?

Desde lá, não faço outra coisa a não ser responder-lhe sim, a cada dor que sentimos juntos nos
domingos de infortúnio.

Lembro de uma tarde de desgraça num destes potreiros da Segunda Divisão, se não me engano,
vivida contra o São Paulo de Rio Grande. Havia escutado a partida ladeado por uns amigos, fazendo
contorcionismos atrás do melhor sinal. Voltei para casa naquele estado emocional que precede o
suicídio. Fui resgatado da letargia pelo abraço do meu filho, então com 11 anos:

- Pai, é uma pena que o amor não traga a vitória.

Respirei densamente. E disse-lhe que toda vez que a vida desaguar numa encruzilhada entre o amor
e a vitória, que prefira o primeiro: o amor.

Foi uma orientação inútil.

Há três gerações, nossa família só faz transformar dores em recomeço.

***

Habita minha lembrança um sábado de maio de 1998, quando o Cléber (ainda sem o Gaúcho no
nome) e o Taílson fizeram o Grêmio tombar dentro do Olímpico. Enquanto o Lazaroni, o Guilherme e

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o Beto Cachaça eram demitidos, um exultante deslocamento humano rumava de volta a Pelotas. Era
início de noite, tipo 20h. Dezenas de ônibus em comboio escoltavam a delegação rubro-negra. Ali,
naquele posto da Polícia Rodoviária da Vila Princesa, já havia xavantes à beira da BR-116, acenando,
num prenúncio da madrugada eterna que viria pela frente.

Quando o ônibus xavante cruzava a avenida Bento Gonçalves, perto do nosso salão de festas, a Boca do
Lobo, um formigueiro em vermelho e preto saiu em procissão até a João Pessoa. Era lá, no nosso estádio,
que estava reservada a maior surpresa da noite: uma Baixada mais cheia do que em dia de Bra-Pel.

Ao divisar as arquibancadas acarpetadas de gente que, a despeito da madrugada fria de outono, havia
saído de casa para celebrar o triunfo na capital, nosso então diretor de futebol, Cláudio Montanelli,
indagou, com os olhos úmidos:

– O que esperam de nós, estas pessoas?

Montanelli é versado como poucos nesta arte de ser xavante. Fez a pergunta por pura retórica, no
auge de uma emoção profunda.

Todo rubro-negro sabe que este amor não precisa ser explicado.

Basta ser sentido.

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Figura 1

Figura 2

Figura 8

Figura 3

Figura 7 Figura 9

Figura 4

Figura 5 Figura 10

Figura 6
Figura 11

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Figura 12

Figura 23

Figura 13 Figura 18 Figura 24

Figura 19 Figura 25
Figura 14

Figura 15 Figura 20
Figura 26

Figura 16 Figura 21
Figura 27

Figura 17 Figura 22

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Pesquisa, seleção de imagens e notas: Guilherme P. de Almeida e Paulo Gastal Neto.

Figura 1: Time do Grêmio Sportivo Ideal, um dos primeiro clubes de futebol de Pelotas, em pose
no campo do Esporte Clube Pelotas. Década de 1920. Detalhe de um antigo Cartão Postal. Acervo
Eduardo Arriada.
Figura 2: Vista do estádio do Sport Club Rio Branco, outro pioneiro clube de futebol pelotense.
Ao fundo, o seu pavilhão em madeira. Localizava-se no Bairro Simões Lopes, contíguo ao primeiro
estádio do Grêmio Esportivo Brasil. Fonte: Almanach de Pelotas para o ano de 1918, de Florentino
Paradeda. Acervo Guilherme P. de Almeida.
Figura 3: Registro do ato de inauguração oficial do campo do Esporte Clube Pelotas, à Avenida Bento
Gonçalves, em outubro de 1908. Cartão Postal. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 4: Vista parcial do estádio do Esporte Clube Pelotas, tendo em destaque o “pavilhão para o
povo”, em madeira. Oposto a este havia um pavilhão para a elite, dotado de camarotes. Cartão Postal.
Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 5: Time do Esporte Clube Pelotas, tricampeão citadino no ano de 1958, o do Cinquentenário
do clube. Fonte: Acervo Esporte Clube Pelotas.
Figura 6: Cena do jantar oferecido em comemoração ao Cinquentenário do Esporte Clube Pelotas.
Nas mesas, os atletas futebolistas. Ao centro, Bedeuzinho, célebre craque áureo-cerúleo. Fonte: Acer-
vo Esporte Clube Pelotas.
Figura 7: Paulo Gastal Júnior, que seria presidente do Pelotas em 1976, no Baile do Cinquentenário
do clube em 1958, ao lado da futura esposa, Norma Stone Gastal. Fonte: Acervo Paulo Gastal Neto.
Figura 8: Vista aérea do atual Parque Dom Antônio Zattera e do Estádio “Boca do Lobo”. Década de
1980. Cartão Postal. Fonte: Acervo Eduardo Arriada.
Figura 9: Pavilhão original, em madeira, do Grêmio Esportivo Brasil, no primeiro endereço do clube, o
Bairro Simões Lopes. Fonte: Almanach de Pelotas para o ano de 1918, de Florentino Paradeda. Acervo
Guilherme P. de Almeida.
Figura 10: Concentração rubro-negra na Estância do Sr. “Sunça” Farias, na Marambaia às vésperas
de um clássico Bra-Pel. Ano de 1952. Fonte: Coluna “Lembranças que Lembram”, de Carlos Marino
Louzada. Segundo Caderno do jornal Diário da Manhã, de 07 de novembro de 1999. Acervo Custódio
Lopes Valente.
Figura 11: Lançamento da Pedra Fundamental do novo e definitivo endereço do Grêmio Esportivo
Brasil, em outubro de 1939. O Estádio Bento Freitas foi inaugurado oficialmente em maio de 1943.
Fonte: Acervo José Gomes/ Pelotas Memória.
Figura 12: Equipe do Grêmio Esportivo Brasil tricampeã do campeonato citadino no ano de 1954.
Fonte: Acervo Grêmio Esportivo Brasil.
Figura 13: Joaquim Gilberto da Silva, ou Joaquinzinho, o jogador do Grêmio Esportivo Brasil cogita-
do para negociação com o jovem talento do time do Santos Futebol Clube paulista - um Pelé de 16
anos - quando da excursão deste clube em Pelotas, em março de 1957. A tratativa, não concretizada,
deu-se no saguão do Grande Hotel de Pelotas.
Figura 14: Vista aérea do Estádio Bento Freitas. Década de 1980. Cartão Postal. Fonte: Acervo Edu-
ardo Arriada.
Figura 15: Retrato de Sezefredo Ernesto da Costa, o lendário Cardeal. Natural de Santa Vitória, Car-
deal marcou época no futebol pelotense nas décadas de 1930 e 1940, especialmente na primeira de
suas duas passagens pelo Grêmio Atlético Farroupilha Defendeu ainda o Fluminense-RJ, o Nacional
do Uruguai, bem como a Seleção Brasileira (1937). Seu apelido se deve à cor encarnada de seu gorro,
com o qual costumava jogar.
Figura 16: Equipe do 9º Regimento, Campeã Gaúcha de 1935, ano de centenário da Revolução Far-
roupilha; fato que, seis anos mais tarde, seria a inspiração para a troca de nome para Grêmio Atlético
Farroupilha, o popular “Fantasma do Fragata”. Cardeal é o segundo, da esquerda para a direita.
Figura 17: Obras de ampliação e modernização do Estádio Nicolau Fico, do Grêmio Atlético Farroupi-
lha. Ano de 1958. Fonte: Revista dos Esportes, nº 105 (30 de Abril de 1958). Acervo Eduardo Arriada.

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Breve iconografia do futebol amador:
Figura 18: Jogadores de futebol do Sport Club Gonzaga, do Ginásio Gonzaga. Fonte: “Lembrança do
Ginásio Gonzaga” (ano de 1929). Acervo Guilherme P. de Almeida.
Figura 19: Equipe de futebol do Ginásio Pelotense. Década de 1940. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 20: Equipe do Juventus, junto a sua madrinha. Década de 1950. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 21? Equipe Vila Hilda Futebol Club, que juntamente com o Corinthians Futebol Club, igual-
mente fundado em abril de 1950 em Pelotas, foi pioneiro do futebol feminino no Rio Grande do Sul
e no Brasil. Eram formados por jovens de 13 a 18 anos, moradoras dos Bairros Fragata e Santa Tere-
zinha, respectivamente. Fonte: Acervo Pelotas Memória.
Figura 22: Equipe do Bangú Atlético Clube. Ano de 1954. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 23: Equipe do América Futebol Clube. Ano de 1956. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 24: Equipe do Clube Santa Fé. Ano de 1960. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 25: Equipe do Anglo Futebol Clube. S/d. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.
Figura 26: Equipe do Fiação e Tecidos Pelotense, conhecido como “Fiateci”. Ano de 1965. Fonte:
Acervo Sérgio Osorio.
Figura 27: Equipe do Peñarol, de Pelotas. Ano de 1974. Fonte: Acervo Sérgio Osorio.

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610. Torcida do Grêmio Esportivo Brasil em sua casa, o Estádio Bento Freitas, estendendo grande bandeira. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 611. Detalhe
da torcida do G. E. Brasil. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 612. O atacante Cláudio Millar (in memoriam), jogador icônico do G. E. Brasil comemorando
um gol, junto à torcida (jogo entre Brasil x Ipiranga). Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi. 613. Festa da torcida “Xavante”. Ano de 2008. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi. 614. Registro do trágico acidente ocorrido com o ônIbus do G. E. Brasil em janeiro de 2009, que vitimou fatalmente alguns
atletas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 615. Agitação das torcidas antes de mais um clássico “Bra-Far”. Ano de 2004. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Nauro Júnior. 616. Fachada do Estádio Nicolau Fico, do Grêmio Atlético Farroupilha, “Fantasma do Fragata”. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
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617. Disputa de bola num clássico “Bra-Pel”, no Estádio Bento Freitas. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 618. Vista geral do Estádio Boca do
Lobo, do Esporte Clube Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Moizés Vasconcelos. 619. Torcida áureo-cerúlea, estendendo grande bandeira. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 620. Esporte Clube Pelotas: comemoração de gol junto à torcida. Outubro de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Moizés
Vasconcelos. 621. O icônico Sandro Sotilli, alcunhado “Sotigol” ou “Alemão Matador”, atacante que marcou história no “Lobão”. É, atualmente, o maior artilheiro da his-
tória do Campeonato Gaúcho. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 622. Detalhe da torcida áureo-cerúlea. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
623. Bra-Pel: co-irmãos convivendo em paz. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
624. Detalhe da torcida do G. A. Farroupilha, no Estádio Nicolau Fico, vendo-se o desenho do distintivo sobre uma das arquibancadas. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Nauro Júnior. 625. Guilherme da Silva Dias, o popular “Trem”, torcedor símbolo do Farroupilha. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 626. Outra vista
da torcida do G. A. Farroupilha. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 627. Detalhe da Parada Gay de Pelotas, realizada na Av. Bento Gonçalves. Ano de
2004. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 628. Idem. Ano de 2003. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior. 629. Grande Prêmio Princesa do
Sul, no Hipódromo da Tablada. Ano de 2008. Acervo/Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi. 630. Remadores percorrendo o Canal São Gonçalo. Ano de 2010. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 631. Embarcação no Canal Santa Bárbara. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud.

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632. Iate navegando no Arroio Pelotas, com a cidade ao fundo. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Daniel Giannechini. 633. Comemoração do aniversário
de 104 anos do alfaiate aposentado Renalto Palombo, o popular “Seu Palombo”, no interior do Café Aquários. Agosto de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro
Júnior. 634. Carnaval 2006 na Praia do Laranjal. Desfile da Banda da Lagoa. Acervo/Colaboração/Fotografia de Moizés Vasconcelos. 635. Grupo de ciclistas “Pedal
Curticeira”, posando em frente ao Theatro Sete de Abril. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Leandro Karam. 636. Nadador acrobata do Arroio Pelotas. Ano
de 2009. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.

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A PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL EM PELOTAS:
UM OLHAR SOBRE A SUA TRAJETÓRIA (1955-2014)

Ana Lúcia Costa de Oliveira1


Aline Montagna da Silveira2

A preservação, restauração e revitalização dos sítios e dos núcleos históricos têm sido, nos últimos 1
Graduada em Artes pela Escola
anos, dos temas mais estudados, analisados e debatidos. Esses estudos têm abordado a questão de Belas Artes D. Carmen Trápaga
da preservação e da valorização dos conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, não só no âmbito Simões (1972), Graduada em
Arquitetura e Urbanismo pela
do acervo edificado desses núcleos, mas também dentro de uma complexidade maior, que busca Universidade do Vale do Rio dos
relacionar esses bens com a população que neles habita, com as atividades que nos mesmos se Sinos (UNISINOS, 1977), Mestre
em Arquitetura e Urbanismo
desenvolvem, enfim com todo o contexto urbano-social. pela Escola de Engenharia de
São Carlos/USP (1986), Doutora
Em Pelotas, a preservação do patrimônio cultural teve uma de suas primeiras iniciativas na década de em Planejamento Urbano e
Regional pelo PROPUR (UFRGS,
1950, quando foi realizado o tombamento federal do Obelisco Republicano. O Obelisco Republicano 2012). Professora Associada do
foi concebido com uma intenção predeterminada (homenagear os ideais republicanos, em especial Departamento de Arquitetura
um de seus líderes na cidade, Domingos José de Almeida). O Obelisco está inserido em um conjunto e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UFPel
de bens que Françoise Choay definiu como monumento, ou seja, “tudo o que for edificado por uma e Coordenadora do Núcleo de
comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem Estudos de Arquitetura Brasileira
acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças” (CHOAY, 2001, p. 18). (NEAB) da FAUrb-UFPel.
2
Graduada em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade
O Obelisco foi edificado com o propósito de rememorar um acontecimento. Em um momento Federal de Pelotas (UFPel, 1994),
posterior, foi reconhecido como um testemunho histórico importante para a memória nacional, Mestre em Educação pela UFPel
e tombado no âmbito federal, pela então Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2001) e Doutora em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade
(DPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan). de São Paulo (FAU/USP, 2009).
Professora Adjunta da Faculdade
O Diário Popular noticiou a inscrição da obra no Livro do Tombo Histórico, relatando o comunicado de Arquitetura e Urbanismo e
Colaboradora do Núcleo de Estudos
feito por Henrique Carlos de Morais, perito em Belas Artes do Patrimônio Histórico e Artístico de Arquitetura Brasileira (NEAB) da
Nacional, ao prefeito municipal3. A importância da obra foi destacada pela imprensa, que publicava FAUrb-UFPel.
que “o monumento foi erigido em 1884, por iniciativa do Dr. Álvaro Chaves, em pleno regime
monárquico, e é o único em todo o país, consagrado aos ideais republicanos” (Diário Popular,
08/01/1956, p. 3).

O reconhecimento da obra aparece nos registros da época, onde Morais destacava que a obra em
homenagem aos republicanos fora erguida em período monárquico, e consagrada à memória de
Domingos José de Almeida4.

A partir dessa iniciativa em relação à preservação patrimonial em Pelotas, o ensaio a seguir busca
refletir sobre momentos importantes dessa trajetória, tecendo uma teia de informações a partir de
experiências vivenciadas ao longo das últimas décadas.

***

Desde meados do século XX, principalmente no pós-guerra, medidas legislativas e regulamentações


específicas têm sido adotadas em muitos países, assim como resoluções e documentos com
recomendações são elaboradas e divulgadas por organismos intergovernamentais internacionais,
como a UNESCO, o ICOMOS, a OEA e o Conselho da Europa. Esses documentos, denominados de
cartas patrimoniais, regem ações de preservação, que são assinados por vários países, entre eles o
Brasil. Entre os que se tornaram mais difundidos e reconhecidos está a Carta de Veneza, promovida
pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios Históricos (ICOMOS).

A Carta de Veneza foi elaborada durante o II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos
Monumentos Históricos, ocorrido em maio de 1964, cujo tema foi a Conservação do Patrimônio
Monumental e Ambiental no Mundo. Nesse encontro estiveram presentes mais de setecentos
profissionais da área, que se reuniram para redigir uma Carta Internacional de Restauração de
Monumentos, seguindo os princípios estabelecidos em 1957, em Paris. A Carta de Veneza permanece
até hoje como o documento-base do ICOMOS (KÜHL, 2010). Em seu primeiro artigo define que:

A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem


como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de
uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só
às grandes criações mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o
tempo, uma significação cultural (Carta de Veneza, 1964).

Nos anos seguintes à publicação da Carta, os países que participaram do congresso promoveram
reuniões internas para estabelecer linhas de conduta e normas locais, seguindo as indicações
estabelecidas em Veneza. No Brasil, destacaram-se dois documentos, que delinearam a política de
preservação para o território nacional: as resoluções acordadas na reunião dos governadores, cujo
resultado foi chamado de “Compromisso de Brasília” (1970)5; e a reunião que complementou a
anterior, denominada “Compromisso de Salvador”(1971)6.

Os Compromissos de Brasília e de Salvador repercutiram pelo país na década de 1970, como se pode
perceber nos acontecimentos que marcaram a trajetória da preservação em Pelotas. Nos primeiros
anos desta década o Teatro Sete de Abril (Figura 01) foi tombado no âmbito federal7 e no seu final,
em dezembro de 1977, o conjunto arquitetônico formado pelas casas localizadas na Praça Coronel
Pedro Osório números 2, 6 e 8 (Figura 02), foi inscrito no Livro Belas Artes e no Livro Arqueológico,
Etnográfico e Paisagístico8.

578
A reunião da Caravana do IAB-RS em Pelotas
Nesse mesmo período um acontecimento importante marcava a trajetória da preservação patrimonial
da cidade. A Comissão de Patrimônio Histórico Cultural, do Departamento do Rio Grande do Sul
do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/RS) comunicava na imprensa local a realização de um
“ato cívico de divulgação do patrimônio cultural rio-grandense” (Diário Popular, 19/04/1978, p. 2).

O encontro ocorreu em Pelotas, no Conservatório de Música, no dia 21 de abril de 1978. A abertura


foi realizada com uma palestra do arquiteto Demétrio Ribeiro (presidente do IAB). A programação
do evento incluía uma exposição de fotografias, a mostra de um audiovisual sobre a “Arquitetura no
espaço sul-rio-grandense” e a divulgação de uma Carta de Princípios do IAB/RS, denominada Carta
de Pelotas (Figura 03). Estavam envolvidos com o evento, além de Demétrio Ribeiro, Júlio Nicolau
Barros Curtis e Luiz Carlos Felizardo, responsáveis pela elaboração do audiovisual e das fotografias.
O documento resultante desta reunião teve como mote a denúncia em relação à dilapidação do
Patrimônio Ambiental Urbano nas cidades gaúchas.

A Carta de Pelotas, firmada em 21 de abril de 1978 pelos arquitetos do Rio Grande do Sul, fazia
parte de um movimento mais amplo, que buscava a documentação e o registro do patrimônio
ambiental urbano, bem como o esclarecimento público sobre a importância de preservar esses
acervos. Nessa perspectiva, além do documento resultante - a Carta de Pelotas - a proposta do
grupo de arquitetos contemplava a conscientização sobre a preservação patrimonial e a divulgação
das discussões contemporâneas sobre o tema.

Consoante com as recomendações e discussões da sua época, a Carta de Pelotas citava documentos
internacionais importantes no âmbito da preservação: a Carta de Veneza (1964), as Normas de
Quito (1967), a Declaração de Amsterdam (1975) e as Recomendações de Nairóbi (1976)9. Ou seja,
trazia à tona a discussão atual sobre a temática do patrimônio.

No artigo publicado no Correio do Povo (Figura 04), denominado Em defesa do patrimônio ambiental
urbano, Julio de Curtis destacava a intenção do grupo, que contemplava

uma série de excursões cívico-culturais de maneira a cobrir, com estudos e informações, as diversas
regiões de civilização material homogênea, em nosso estado. Pelotas, Piratini, Rio Grande e São José
do Norte foram os núcleos escolhidos para teste do modelo itinerante de catequese preservacionista
que se pretende deflagrar (Correio do Povo, 23/04/1978, p. 17) (grifo nosso).

A Carta de Pelotas
A Carta de Pelotas de 1978 (ou carta de princípios do IAB-RS) foi redigida em partes: um preâmbulo,
onde os autores apresentam seus propósitos; o corpo da carta, com cinco tópicos; e a finalização
do documento.

A repercussão do documento nas ações de preservação do patrimônio gaúcho pode ser percebida
nos anos seguintes. A primeira recomendação da carta tratava da divulgação dos documentos que
orientavam as condutas de preservação na época, no âmbito internacional (citados anteriormente), federal
(Compromissos de Brasília e de Salvador, comentados anteriormente) e estadual (Carta Cultural de São
Miguel das Missões). A própria matéria veiculada no Correio do Povo já trazia diversos temas importantes
retirados dos documentos internacionais, bem como suas recomendações. A publicação posterior do
texto, patrocinada pela Assembleia Legislativa do Estado, reforçava essa intenção, especialmente no
trecho em que o presidente do IAB-RS, Telmo Borba Magadan, ressaltava que o material fora impresso
(Figura 05) para “ser amplamente distribuído em nossas escolas” (IAB/RS, 1978).

579
O segundo tópico apresentado tratava da “necessidade de criação e imediato funcionamento a nível
[sic] da administração estadual, de um Sistema Permanente de Proteção do Patrimônio Cultural Rio-
grandense como, aliás, de longa data e por vários documentos, vem sendo insistentemente proposto”
(Idem). O Rio Grande do Sul possuía, desde 1954, órgãos voltados à preservação do patrimônio,
através da Divisão de Cultura da Secretaria de Educação (1954) e da Diretoria de Patrimônio Histórico
e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (1964), criada dentro dessa mesma Diretoria. Mas as ações
voltadas à preservação do patrimônio arquitetônico e urbano tomaram corpo somente em 1979,
com a criação da Coordenadoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (CPHAE). Nas décadas
seguintes iniciaram-se os processos de tombamento no âmbito estadual. A CPHAE foi transformada
em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado em 1990 (IPHAE, 2014). Em Pelotas, o
primeiro bem tombado pelo Estado foi a Casa da Banha (1999)10.

O terceiro tema tratado pela Carta de Pelotas ressaltava a necessidade de que se realizassem,
com urgência, inventários e cadastros do patrimônio arquitetônico passível de preservação nos
municípios. E no quarto tópico destacava a importância de que este acervo fosse reconhecido em
duas instâncias: pelas lideranças da comunidade e pela juventude. Salientava, então, o lema da
Carta de Pelotas: “Só se preserva o que se ama e só se ama o que se conhece” (IAB/RS, 1978).

A proteção do patrimônio cultural de Pelotas na década de 1980


Os anos seguintes à publicação da Carta de Pelotas foram importantes para a preservação do
patrimônio cultural. No âmbito local, além da realização do primeiro inventário do patrimônio
cultural edificado da cidade, foi criado o Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB)11,
órgão vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUrb) Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), ambos em 1983.

O primeiro inventário do patrimônio cultural de Pelotas foi realizado através de um convênio


entre a Prefeitura Municipal de Pelotas (PMP) e a FAUrb-UFPel, sob a orientação da Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN). A área estudada compreendeu o
sítio do 1º loteamento urbano de Pelotas, nas imediações da Catedral São Francisco de Paula (Figura
06). As edificações elencadas foram aquelas construídas no período entre 1830 e 1930. O trabalho
estabeleceu categorias para classificar as edificações quanto ao período e à linguagem formal dos
bens inventariados (OLIVEIRA, FUÃO e PATELLA, 1983). No âmbito regional, a experiência de
Pelotas serviu de subsídio para a realização do Inventário do Patrimônio Arquitetônico da cidade
de Jaguarão (IPACJ), realizado através de um convênio entre a Prefeitura Municipal de Jaguarão,
a FAUrb-UFPel e a SPHAN/Pró-Memória (10ª DR). Esse inventário, realizado em 1987, possibilitou
a realização do Programa de Revitalização Integrada de Jaguarão (PRIJ) pela equipe do NEAB, no
qual foram definidos os graus de descaracterização12 das obras.

A abordagem do inventário de 1983 estava pautada no registro da paisagem cultural que formava
a região estudada. Nessa perspectiva, os bens monumentais (que de certa forma já estavam
consagrados como patrimônio e não estavam sujeitos à demolição) não foram o motivador do
trabalho. O que se buscava era registrar e documentar os bens que configuravam essa paisagem, ou
seja, o que se denominava de “arquitetura de acompanhamento”13.

Essa preocupação com a documentação e salvaguarda da paisagem urbana tinha seus motivos. A
primeira legislação que contemplava a questão da preservação do patrimônio edificado em Pelotas
- o II Plano Diretor - foi elaborada na década de 1980, e tratava da temática ao estabelecer quatro
zonas de preservação ambiental na cidade: Paisagística Cultural, Paisagística Natural, Permanente
Legal e Permanente Ecológica (PELOTAS, 1980). Mas, ao mesmo tempo em que determinava essas

580
zonas de preservação, o documento incentivava a verticalização das construções na área central da
cidade (1º e 2º loteamentos, implantados em 1815 e 1834, respectivamente), onde se encontrava o
maior número de remanescentes de obras do último quartel do século XIX e das primeiras décadas
do século XX (Figura 07).

A participação do NEAB na discussão sobre a preservação patrimonial ocorria em duas instâncias,


tanto no âmbito local como regional, fosse através da realização de estudos e pesquisas sobre a
arquitetura e o urbanismo de Pelotas e da região, ou através da presença em discussões sobre a
temática. Um desses exemplos foi a participação da coordenação do NEAB no III Encontro de
Faculdades de Arquitetura do Rio Grande do Sul, cuja temática foi “Preservação de Bens Culturais no
Rio Grande do Sul”, promovido pela Unisinos em 1985 (ação essa que se insere nas recomendações
indicadas pela Carta de Pelotas).

Nesse meio tempo, as discussões sobre a preservação patrimonial eram ampliadas, e a SPHAN/Pró-
Memória tombava outro monumento importante da cidade, representativo da arquitetura industrial,
inscrevendo-o no Livro Belas Artes: a Caixa d’Água da praça Piratinino de Almeida (Figura 08)14.

Com o intuito de proteger os bens tombados no âmbito federal e garantir a sua ambiência e
visibilidade, a SPHAN regulamentou a área de entorno dos bens tombados da praça Coronel
Pedro Osório, através da Portaria nº 009, de 05 de setembro de 1986 (Figura 09). Este documento
determinava as especificações a serem observadas para quaisquer construções (inclusive reformas e
acréscimos) nesta área.

A portaria prevê a setorização da área de vizinhança em quatro categorias: no Setor 1, as novas


edificações não poderão ultrapassar a altura máxima de dois pavimentos (7 metros), contados
da soleira ao teto do segundo pavimento; nos Setores 2, 3, 4, as novas edificações não poderão
ultrapassar a altura máxima de quatro pavimentos (13 metros), contados da soleira ao teto do último
pavimento. Estabelece ainda que as novas edificações deverão observar os alinhamentos existentes
na área definida pela portaria. Esta poligonal de proteção estabelece limitações de gabarito, mas
não impede a substituição das preexistências culturais. Dessa forma, foi possível a demolição do
antigo Hotel Nogarô, edificação de dois pavimentos com características art déco (Figura 10).

Nos anos 80, o legislativo municipal criou a Lei no 2708/1982, que tratava da proteção do Patrimônio
Histórico e Cultural do Município de Pelotas. Nesse documento, além dos procedimentos necessários
para efetivação do processo de tombamento, estava prevista a criação do Conselho Municipal do
Patrimônio Histórico e Cultural (COMPHIC), ao qual competia “cadastrar, apreciar e proceder o
tombamento provisório, dentre outras atribuições” (LEI NO 2.708, Pelotas, 1982).

Desde sua criação até 1987, o COMPHIC realizou o tombamento provisório de doze edificações
(RINALDI, 1995). Os bens tombados pelo COMPHIC foram o Clube Comercial, a Prefeitura
Municipal de Pelotas, o Mercado Central, o Solar da Baronesa, a antiga Escola de Belas Artes D.
Carmen Trápaga Simões (Figura 11, 12, 13 e 14), o SANEP e Conservatório de Música, o Obelisco
Republicano, a antiga Escola Elizeu Maciel (Figuras 15 e 16), o Grande Hotel, o Sobrado do Barão
da Conceição, o Jockey Clube de Pelotas e o Casarão dos Mendonça (Figura 17).

No ano de 1987 foi realizado o Inventário do Patrimônio Histórico de Pelotas – PMP15 que arrolou
um número significativo de edificações de valor patrimonial na área urbana de Pelotas, passíveis
de tombamento. Esse fato ocasionou uma reação contrária por parte dos proprietários de imóveis
da cidade; da noite para o dia, vários casarões foram demolidos, e seus proprietários recorreram no
nível administrativo e judiciário. O poder público, fragilizado e despreparado, não conseguiu conter
esses atos depredativos da época (RINALDI, 1995).

581
O inventário de 1987 contemplava a descrição das fachadas principais das edificações voltadas
para a via pública. Como o anterior, caracterizava-se como um inventário de reconhecimento, que
consistia na identificação do patrimônio a ser listado. Nesse caso específico, foram descritos os
elementos externos de ornamentação das fachadas. A população local interpretou que a preservação
desses bens justificava-se somente pela presença desses elementos, e buscou meios para retirá-los
das edificações, descaracterizando-as e ocasionando perdas significativas desses bens.

Em 2006 o COMPHIC foi substituído pelo CONCULT (Conselho de Cultura de Pelotas), através da
Lei no 5223/2006 e, em 2009, foi promulgada a Lei no 5662/2009, que estabeleceu um programa
de captação de recursos para incentivar a produção cultural no município, o PROCULTURA. Do
COMPHIC ao CONCULT, foram realizados estudos, pesquisas e inventários que possibilitaram a
elaboração de legislações de preservação do patrimônio cultural do município de Pelotas.

A preservação da paisagem cultural:


a criação das Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural
No final da década de 1990 foi elaborado um dossiê, através de uma ação conjunta entre Prefeitura
Municipal de Pelotas e a UFPel, cujo resultado foi publicado (Figura 18) com o título de Patrimônio
Cultural, Cidade e Inventário (ROIG e POLIDORI, 1999). Este estudo discutia as questões de
preservação do patrimônio cultural de Pelotas, caracterizando a paisagem urbana e definindo zonas
de preservação do patrimônio cultural (Figura 19). Nestas zonas, arrolava os bens cadastrados de
valor cultural: no Sítio do 1º Loteamento, 536 prédios; no Sítio do 2º Loteamento, 358 prédios; no
Sítio da Caieira (Figuras 20 a 27), 8 prédios e no Sítio do Porto, 10 prédios.

Esses estudos subsidiaram duas leis, uma estadual e uma municipal: as leis nº 10499/2000 e nº
4568/2000, respectivamente. Esses documentos definiram as zonas de preservação do patrimônio
cultural da cidade (ZPPCs). No âmbito municipal, essa legislação valorizava a trajetória da preservação
na cidade, resgatando os inventários anteriormente realizados, e vinculando a listagem do último
inventário ao documento legal.

A legislação garantia a proteção das fachadas e da volumetria dos bens integrantes do Inventário do
Patrimônio Histórico e Cultural de Pelotas (IPHC). Além da proteção da edificação em si, determinava
limitações aos imóveis confrontantes pelas laterais dos bens inventariados, indicando que as novas
construções deveriam manter a compatibilidade volumétrica e tipológica com as preexistências
culturais (Figura 22).

O III Plano Diretor de Pelotas


O tema da preservação foi retomado nas discussões do III Plano Diretor de Pelotas (PELOTAS,
2008). Neste documento, a preservação do patrimônio cultural foi retomada em muitas proposições,
principalmente com a ideia de proteger áreas significativas da cidade, em contrapartida à proteção
de edificações isoladas. Nesse sentido, o documento estabeleceu Áreas Especiais de Interesse do
Ambiente Cultural (AEIACs)16 e Focos de Especial Interesse Cultural (FEICs)17.

O Plano Diretor indicava ainda a importância de inventariar a arquitetura protomoderna (ou art
déco), produzida a partir da década de 1930, preocupação que se tornou objeto de estudo recente
do grupo de pesquisa Arquitetura e Urbanismo Moderno, vinculado ao NEAB (GONSALES et al.,
2013; SILVEIRA et al., 2013).

582
Encaminhamentos
Este ensaio buscou apresentar uma parte da trajetória do patrimônio cultural de Pelotas. A partir
do olhar das autoras, e da vivência desses fatos, pretendeu-se compreender o reconhecimento da
comunidade pelotense em relação ao seu patrimônio nessas décadas, valorizando-o e preservando-o
para as gerações futuras. Essa trajetória foi marcada pela perda de alguns bens significativos para a
memória local18, desaparecidos da paisagem urbana nas últimas décadas (Figuras 27 a 33).

Nessa perspectiva, percebeu-se o amadurecimento em relação à temática da preservação patrimonial


na cidade de Pelotas. Um fato que se constata nessa trajetória pode ser visto na valorização dos
bens que representam a memória local. Nesse sentido, buscou-se registrar um pouco deste percurso,
que partiu da preservação de monumentos consagrados e isolados na década de 1955, e chegou ao
registro e preservação da história dos trabalhadores que construíram o patrimônio local, através do
reconhecimento da herança cultural africana na cidade, temática do 2º Dia do Patrimônio Cultural
de Pelotas, realizado em 2014.

Referências
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e artístico nacional.
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Patrimônio Edificado - ArquiMemória. Salvador: IAB-BA, 2013, v.4.
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_____; SEIBT, M. Programa de Revitalização Integrada de Jaguarão. Pelotas: Editora Universitária
UFPel, 2005.
PELOTAS. Lei nº 2.565, de 26 de agosto de 1980. Institui o II Plano Diretor de Pelotas.

583
_____. Lei no 4.568, de 7 de Julho de 2000. Declara área da cidade como Zonas de Preservação do
Patrimônio Cultural de Pelotas – ZPPCs -, lista seus bens integrantes e dá outras providências.
_____. Lei nº 5.502, de 11 de setembro de 2008. Institui o Plano Diretor Municipal e estabelece as
diretrizes e proposições de ordenamento e desenvolvimento territorial no Município de Pelotas, e
dá outras providências. _____. Lei no 2.708, de 10 de maio de 1982. Dispõe sobre a proteção do
patrimônio histórico e cultural do município de Pelotas, e dá outras providências.
_____. Lei no 5.223, de 26 de abril de 2006. Dispõe sobre a reestruturação do Conselho Municipal de
Cultura (Concult) e dá outras providências.
_____. Lei no 5.662, de 30 de dezembro de 2009. Institui no âmbito municipal o “Programa Municipal
de Incentivo à Cultura – Procultura”, e dá outras providências.
RINALDI, C. Tombamento – um dos instrumentos da preservação do patrimônio cultural. Monografia.
Pelotas: UCPel, 1995.
RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 11.499, de 06 de julho de 2000. Declara integrantes do patrimônio
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ROIG, C. Futuro sem pretérito? As demolições do patrimônio edificado de Pelotas. Monografia. Pelotas,
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_____; POLIDORI, M. (Coords.). Patrimônio Cultural, Cidade e Inventário – Um Caminho Possível para
a Preservação. Pelotas: PET/FAUrb/UFPel, 1999.
SILVEIRA, A. et al. “A arquitetura moderna em Pelotas: inventário, conhecimento e preservação”. In:
Caderno de Resumos, 7º Seminário Internacional em Memória e Patrimônio. Pelotas: PPGMP/ICH/
UFPel, 2013, p. 255–258.

Notas do pesquisador
3
O tombamento foi efetivado em dezembro de 1955. Processo nº 0531-T-55, Livro do Tombo Histórico, Inscrição nº 312,
volume 1, folha 32.
4
A documentação que subsidiou o processo de tombamento, organizada por Henrique de Morais, consta do acervo do
CDOV – Centro de Documentação de Obras Valiosas, da Bibliotheca Pública Pelotense.
5
O Compromisso de Brasília (1970) estabeleceu uma série de recomendações ao nível nacional, com medidas legais e
técnicas. Enfatizava que os estados e municípios deveriam criar seus órgãos específicos para auxiliar na ação federal, não
só nas ações de preservação, mas também na fiscalização do comércio de obras de arte antigas. Ressaltava que deveriam
ser criados cursos em todos os níveis de técnicos especializados e destacava a importância da preservação dos acervos
nacionais, entre outras recomendações.
6
O Compromisso de Salvador (1971) seguiu o de Brasília, atendo-se mais às questões legais e financeiras ligadas à
preservação de bens culturais. Orientava quanto aos meios de obtenção de verba para o financiamento das obras, tratava
da participação dos estudantes em levantamentos e fomentava o aprimoramento dos cursos especializados na área.
7
O Theatro Sete de Abril localiza-se na praça Coronel Pedro Osório nº 159. O tombamento ocorreu em 11 de julho de
1972, a partir do Processo nº 0640-T-61. O bem foi inscrito em dois Livros do Tombo. No Livro Belas Artes inscrição nº
501-A, volume 1, folha 091 e no Livro Histórico inscrição nº 438-A, volume 1, folha 072.
8
O conjunto arquitetônico dos casarões 2, 6 e 8 foi documentado no processo nº 0925-T-75, e teve seu tombamento
concluído através das inscrições nos dois livros citados anteriormente (inscrição nº 526, volume 1, folha 097 e inscrição
nº 070, volume 1, folha 016, respectivamente).
9
O texto integral deste documento, assim como das demais cartas patrimoniais, pode ser acessado no sítio do Instituto
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Disponível em http://portal.iphan.gov.br. (Acesso em 23/07/2014).
10
A Casa da Banha localiza-se na praça Coronel Pedro Osório, nº 100/102, esquina Félix da Cunha. O imóvel foi inscrito no
Livro de Tombo Histórico, inscrição nº 83, em 28 de junho de 1999 (Processo de tombamento nº 1869-1100-Sedac 96/1).
11
O NEAB tem como objetivo propor projetos e programas de ensino, de pesquisa e de extensão que possibilitem a
reflexão sobre a teoria, a história e o projeto da arquitetura e da cidade, com ênfase na preservação do patrimônio cultural
da região geoeducacional da UFPel.

584
12
O grau de descaracterização é um critério que leva em consideração o estado de integridade da construção em relação
à sua forma original, ou seja, quando mais distanciado da forma original, mais descaracterizado encontra-se o edifício
(OLIVEIRA e SEIBT, 2005; JANTZEN et al., 2013).
13
Entende-se por arquitetura de acompanhamento a obra que “não mostra as mesmas características dos edifícios
de destaque, mas seu valor como arquitetura no conjunto é justamente esse: compor um ‘cenário’ para o edifício de
destaque” (JANTZEN, 1998).
14
A Caixa d’Água localiza-se no antigo Largo da Caridade, em frente à Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. O tombamento
foi realizado a partir da inscrição nº 561, volume 2, folha 007, em dezenove de julho de 1984 (Processo 1064-T-82).
15
“Este documento, após analisar cerca de 10.000 prédios, cadastrou 1.189 considerados importantes para a manutenção
da identidade da paisagem urbana de Pelotas, sendo que 330 foram tombados provisoriamente. (...) 57 foram demolidos
entre 1987 e 1997” (ROIG; 1997, p. 29)
16
As Áreas Especiais de Interesse do Ambiente Cultural (AEIACs) são ZPPC, Zona Norte, Parque Linear Avenida Domingos
de Almeida, Parque Linear Arroio Pepino, Parque Linear Avenida Dom Joaquim e Avenida República do Líbano, Parque
Linear Bairro Fragata, Entorno da Rodoviária, Hipódromo, Cohab Fragata, Cohab Tablada, Sítio Charqueador.
17
Os FEICs são Zona Portuária, Praça Coronel Pedro Osório, Calçadão, Praça Cipriano de Barcellos, Estação Férrea, Praça
Piratinino de Almeida, Catedral São Francisco de Paula, Avenida Bento Gonçalves e Parque Dom Antônio Zattera, Canalete
da rua General Argolo, Patrimônio do Século XX, Igreja Nossa Senhora da Luz, Cohabpel, Antigos Engenhos, Parque da
Baronesa, Casas Açorianas, Cohab Areal, Obelisco Republicano, Cacimba da Nação, Fábrica de Chapéus, Faculdade de
Medicina e Quartel do 9º BIM, Charqueadas, Engenho Pedro Osório e Vila Operária.
18
Sobre esse tema ver ROIG, 1997.

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Figura 1

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Figura 3

Seleção de imagens: Ana Lúcia C. de Oliveira, Aline M. da Silveira e Guilherme P. de Almeida.


Notas: Ana Lúcia Costa de Oliveira e Aline Montagna da Silveira

Figura 1: Fotomontagem da fachada do Theatro Sete de Abril em três momentos: conforme desenho
original de 1916, e o ‘antes’ e o ‘depois’ da intervenção de restauro que retirou os elementos que
ocultavam os três vitrais originais da edificação. Fontes (respectivamente): Postal. Acervo Núcleo de
Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB) (FAUrb-UFPel)./ (Slide). Fotógrafo: Netto. Acervo NEAB./
Fotógrafo: Nauro Júnior. Acervo Nauro Júnior.
Figura 2: Vista aérea do conjunto arquitetônico dos casarões 02, 06 e 08. Década de 1980. Fonte:
(Slide). Fotógrafo: Netto. Acervo NEAB.
Figura 3: Carta de Pelotas, conforme veiculada no jornal Correio do Povo, de 23 de abril de 1978.
Fonte: Acervo NEAB.
Figura 4: Detalhe do artigo do professor Nicolau B. de Curtis “Em defesa do Patrimônio Ambiental
Urbano”, conforme publicado na página 17 do Jornal Correio do Povo, de 23 de abril de 1978. Fonte:
Acervo NEAB.
Figura 5: Capa da publicação “Patrimônio Ambiental Urbano”, que trazia ao final a Carta de Pelotas.
Fonte: Acervo NEAB.
Figura 6: Planta de Pelotas de 1815, com a área do Primeiro Loteamento. Em detalhe, parte restante
da residência do Charqueador Torres, situada à Rua Major Cícero de Góes Monteiro N.º 201, entre
as Ruas Félix da Cunha e Padre Anchieta. Fotografia do ano de 1977. Fonte: Acervo NEAB/ “Formas

589
Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de Oliveira.
(UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo NEAB.
Figura 7: Vista aérea da Praça Cel. Pedro Osório. Década de 1980. Fonte: (Excerto de Slide) Fotógrafo:
Netto. Acervo NEAB.
Figura 8: Caixa d’Água metálica da Praça Piratinino de Almeida. Fonte: “Patrimônio Cultural, Cidade
e Inventário” (ROIG e POLIDORI, 1999). Acervo NEAB.
Figura 9: Definição do entorno dos monumentos tombados. Praça Coronel Pedro Osório, Pelotas - RS.
Poligonal de entorno definida pela Portaria nº 009, de setembro de 1986, do Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Na figura observa-se o traçado da poligonal de tombamento,
os quatro setores estabelecidos pela portaria e os bens tombados no âmbito federal (Theatro Sete
de Abril e Conjunto Arquitetônico dos Casarões 02, 06 e 08). Fonte: Cf. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO,
1986. Desenho: Acad. Carolina Ritter, a partir da descrição do documento. Acervo NEAB.
Figura 10: Praça Cel. Pedro Osório entre Rua Barão de Butuí e Rua Princesa Isabel. Sobrados gemina-
dos, antes da construção do Hotel Nogarô./ O antigo Hotel Nogarô, que substituiu um dos sobrados
(demolido). Fotomontagem. Fontes (respectivamente): Acervo NEAB/ Acervo Ana Lúcia Alt.
Figura 11: Vista aérea do Mercado Central. Década de 1980. (Excerto de Slide) Fonte: Acervo NEAB.
Figura 12: Detalhe do Solar da Baronesa dos Três Cerros, ainda com as janelas originais, de vergas
ogivais. Fonte: Publicação “Patrimônio Ambiental Urbano” (197?). Acervo NEAB.
Figura 13: Antiga Escola de Belas Artes D. Cármen Trápaga Simões, localizada na Rua Marechal Flo-
riano nº 177 e 179. Vista da esquina das ruas Marechal Floriano e Barão de Santa Tecla, na década de
1980. Na fachada, intervenções ligadas a manifestações da comunidade acadêmica em reinvindicação
à vinda do Instituto de Letras e Artes (ILA) do Campus Capão do Leão para a cidade. Fonte: Acervo
NEAB.
Figura 14: Escola de Belas Artes. Vista interna da edificação na década de 1980, antes da colocação
da nova cobertura sobre o pátio. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 15: Antiga Escola Eliseu Maciel, na Praça 7 de Julho, nº 180. Vista da esquina das ruas Lobo
da Costa e Andrade Neves, antes da construção do calçadão da Rua Andrade Neves, bem como da
edificação do “Shopping Praça XV”. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 16: Travessa Conde de Piratiny, uma das vielas que liga a Praça Cel. Pedro Osório e a Rua An-
drade Neves. À direita, o Lyceu Rio-Grandense (lateral norte). À esquerda, as antigas edificações que
ocupavam o quarteirão entre as travessas Ismael Soares e Conde de Piratiny, anteriores à construção
do “Shopping Praça XV”. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 17: Antigo Casarão da família Mendonça, à Rua Gonçalves Chaves nº 702, esquina Rua Sete
de Setembro, atualmente em adiantado processo de arruinamento. Fotografia do ano de 1977. Fonte:
“Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de
Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 18: Capa da publicação “Patrimônio Cultural, Cidade e Inventário” (ROIG e POLIDORI, 1999).
Fonte: Acervo NEAB.
Figura 19: Mapa das Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural (ZPPCs), conforme a publicação
“Patrimônio Cultural, Cidade e Inventário”. O conjunto da caieira era formado por um casarão, um
sobrado e três fornos (atualmente, resta apenas uma pequena parte do casarão). A importância da
Caieira Carpena para a construção da cidade (através da produção de cal utilizada na construção civil)
justificou a nomenclatura do sítio onde estava localizada a antiga fábrica. Fonte: Acervo NEAB.
Figura 20: Ruínas da antiga Caieira Carpena. Fachada do casarão, localizado pela Rua Barão de Mauá.
Ano de 1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”,
de Ana Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia
Costa de Oliveira.
Figura 21: Idem. Piso de alguns dos compartimentos do “casarão da caieira”, em tijolo e mármore
argamassados. Ano de 1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade
de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo
Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 22: IbIdem. “Sobrado da caieira”. À esquerda, o compartimento que recebia as canalizações
vindas das torres. À direita, o galpão, cujas paredes estruturavam-se sobre contrafortes de tijolos. Ano
de 1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana

590
Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia Costa de
Oliveira.
Figura 23: IbIdem. Vista da frente do sobrado, aparecendo uma das entradas para o forno, sob a
escada. Ano de 1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de
Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo
Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 24: IbIdem. Vista interna da saída de um dos fornos, sob a escada. Ano de 1977. Fonte:
“Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de
Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 25: IbIdem. Em primeiro plano, um dos fornos da caieira. Em segundo plano, uma casa de
porta e janela, antiga residência do Sr. José de Faria. Ao fundo, vê-se a ponte ferroviária sobre o canal
São Gonçalo. Ano de 1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade
de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo
Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 26: IbIdem. Vista parcial do sobrado. Ao fundo, a entrada para a segunda torre, que ficava
ao lado dessa edificação. A primeira torre ligava-se diretamente ao piso térreo do sobrado. Ano de
1977. Fonte: “Formas Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana
Lúcia Costa de Oliveira. (UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia Costa de
Oliveira.
Figura 27: Vista interna da porção superior da segunda torre de um dos fornos, cujos tijolos en-
contravam-se vitrificados, apresentando uma coloração esverdeada. Ano de 1977. Fonte: “Formas
Arquitetônicas Residenciais em Estilo Colonial na Cidade de Pelotas”, de Ana Lúcia Costa de Oliveira.
(UNISINOS, 1977). Fotógrafo: Titino de Medeiros. Acervo Ana Lúcia Costa de Oliveira.
Figura 28: Casa dos azulejos. Conjunto de residências localizadas na Rua Santos Dumont, entre Sete
de Setembro e Marechal Floriano (frente oeste). Era formado por uma casa de corredor lateral (direita)
e outra de porta e janela (esquerda), ambas revestidas com azulejos. Fotografia da década de 1980.
Fonte: Acervo do NEAB.
Figura 29: Casa dos azulejos. Detalhe dos dois tipos diferentes de azulejos que revestiam a fachada
principal da edificação. Fotografia da década de 1980. Fonte: Acervo do NEAB.
Figura 30: Vista geral do antigo Entreposto de Leite, construído na Praça 20 de Setembro em 1928.
Registro do dia imediatamente anterior à sua demolição. Fonte: Fotografia de Ana Lúcia Costa de
Oliveira. Acervo do NEAB.
Figura 31: Antigo palacete da Baronesa do Arroio Grande, à esquina da Rua Andrade Neves com Rua
Dom Pedro II. Fonte: Álbum de Pelotas no Centenário da Independência (CARRICONDE, 1922). Acervo
NEAB.
Figura 32: Idem. Vista interna, em meio ao processo de demolição. Fonte: (Slide) Fotografia de Ana
Lúcia Costa de Oliveira. Acervo NEAB.
Figura 33: IbIdem. Detalhe das esquadrias, já em processo de demolição. Fonte: (Slide) Fotografia de
Ana Lúcia Costa de Oliveira. Acervo NEAB.
Figura 34: IbIdem. Detalhe do entrepiso, mostrando a estrutura de madeira, tijolos e o revestimento
com ladrilhos hidráulicos. Fonte: (Slide) Fotografia de Ana Lúcia Costa de Oliveira. Acervo NEAB.
Figura 35: Prof.ª Ana Lúcia Costa de Oliveira realizando levantamento fotográfico nos porões da an-
tiga Vila Augusta, originalmente o palacete de Carlos Ritter e sua família, atual sede da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Fonte: Acervo do NEAB.

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Figura PB1. Réplica de uma Pelota de couro, produzida pelo Parque Gaúcho (Gramado-RS), para a travessia
simbólica do Arroio Pelotas, comemorativa do bicentenário da cidade. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB2. Detalhe do interior da cúpula-mor da Catedral Metropolitana São Francisco de Paula, decorada
com as pinturas de Aldo Locatelli e de Emílio Sessa. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Alexandre Neutzling.
Figura PB3. Vista geral do Carnaval 2014, o primeiro realizado na zona do Porto, junto à Praça Domingos
Rodrigues e Rua Conde de Porto Alegre. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral.
Figura PB4. Detalhe de foliona. Carnaval de 2009. Acervo/Colaboração/Fotografia de Moizés Vasconcelos.
Figura PB5. Detalhe de foliona destaque, em carro alegórico. Carnaval de 2009. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Moizés Vasconcelos.
Figura PB6. Artistas do Grupo Tholl, trupe circense pelotense. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Nauro Júnior.
Figura PB7. Theatro Sete de Abril. Vista desde o palco, durante um concerto de Vitor Ramil. Ano de 2008.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB8. Vista desde o então nominado Palco Geraldo Flach, do Theatro Guarany, durante os
agradecimentos de fim de concerto do Yamandu Costa Trio no encerramento do segundo dia do 2º Pelotas
Jazz Festival. Noite do dia 10 de maio de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
Figura PB9. Vista geral do concerto de Toninho Horta & Orquestra Fantasma, no Palco Geraldo Flach, do
Theatro Guarany, ocorrido no terceiro e último dia do 2º Pelotas Jazz Festival. Noite do dia 11 de maio de
2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
Figura PB10. Aspecto noturno outonal da Praça José Bonifácio, tendo ao centro o monumento ao
político homônimo e, ao fundo, a Catedral Metropolitana São Francisco de Paula. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Raul Garré.
Figura PB11. Rua Benjamin Constant, entre Rua Alberto Rosa e Rua Alm. Barroso. Detalhe de gradil do
antigo casarão da família Ribas, sede atual da Escola Estadual Félix da Cunha. Ano de 2005. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Valder Valeirão.
Figura PB12. Crepúsculo sobre a Catedral Metropolitana São Francisco de Paula. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura PB13. Silhueta da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus e edificações adjacentes sob o céu
poente. Zona do Porto. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB14. Vergalhões e esperas dos pilares do inacabado edifício do centro comercial Praça XV, com
paisagem urbana de fundo, ao cair da tarde. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB15. Lateral da Bibliotheca Pública Pelotense, refletida na vidraça do Banco HSBC, no entorno da
Praça Cel. Pedro Osório. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB16. Detalhe do antigo Banco do Brasil, no entorno da Praça Cel. Pedro Osório, prédio em
franco abandono, apesar dos rumores recentes de possíveis novos usos. Sua cúpula teve extraviado o seu
lanternim, já há algum tempo. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Luiz Paiva Carapeto.
Figura PB17. Fim de tarde no tradicional Calçadão da Rua Sete de Setembro. Ano de 2010. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi.
Figura PB18. “Menina e o dia nas margens do Canal São Gonçalo”. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Daniel Giannechini.
Figura PB19. “Bicicletas enamoradas”. Praia do Laranjal. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Luiz Paiva Carapeto.
Figura PB20. Detalhe de bueiro e paralelepípedos no cruzamento da Rua Benjamin Constant com Rua
Gonçalves Chaves. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Valder Valeirão.
Figura PB21. Vista primaveril de trecho do canteiro central da Av. Domingos de Almeida. Ano de 2009.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB22. Casal de namorados nas “Doquinhas”, Porto da cidade. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Fábio Caetano.
Figura PB23. Diversão infantil. Pontal da Barra do Canal São Gonçalo. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Juliana Charnaud.
Figura PB24. Pequeno infante, caracterizado como São Francisco de Paula, santo padroeiro da cidade,
caminhando sobre os tapetes de serragem de uma procissão de Corpus Christi. Ano de 2003. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB25. Um dos muitos viadutos construídos recentemente, como parte das obras ligadas à duplicação do
Contorno de Pelotas, entre a BR-116 e a BR-392. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug.
Figura PB26. Estátua sobre um dos casarões históricos da Praça Cel. Pedro Osório “observa” o entorno. Ano
de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB27. Detalhe do frontão da platibanda do Theatro Guarany, vendo-se a escultura de índio guarani,
que a encima. Ano de 2005. Acervo/Colaboração/Fotografia de Valder Valeirão.
Figura PB28. Detalhe do Chafariz dos Três Meninos, no Calçadão da Rua Andrade Neves. Ano de 2011.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB29. Detalhe das Musas na bacia superior da Fonte das Nereidas. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB30. Complexo do antigo Frigorífico Anglo, junto ao Canal São Gonçalo, já com a inscrição “ANGLO”
substituída por “UFPEL” em sua fachada, após a aquisição pela Universidade Federal de Pelotas, transação
ocorrida entre os anos de 2005 e 2006. Atualmente sedia o Campus Porto da instituição, onde fica ainda o
Gabinete do Reitor. Fotografia do ano de 2006. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Fábio Cateano.
Figura PB31. Gradil e ladrilhos hidráulicos do Casarão nº 06 da Praça Cel. Pedro Osório. Detalhe. Ano de
2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB32. Cafezinho do Café Aquários, servido sobre o tradicional balcão. Ano de 2007. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB33. Detalhe de fachada de uma antiga residência da área central, que traz grafitada a inscrição:
“Tanta kasa sem gente. Tanta gente sem kasa”. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein.
Figura PB34. Detalhe das ruínas da antiga Cervejaria Sul Rio-Grandense, futuro Mercosul Multicultural da
UFPel. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.
Figura PB35. Lagoa dos Patos desde o ‘Barro Duro”. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Raul
Garré.
Figura PB36. Pescador costura sua rede na Colônia Z3. Acervo/Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi.
Figura PB37. Paisagem da Praia do Laranjal . Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio
Caetano.
Figura PB38. Paisagem da Colônia de Pescadores Z3. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva
Carvalho.
Figura PB39. Embarcações na Colônia de Pescadores Z3. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Luiz Paiva Carapeto.
Figura PB40. Pesca na Lagoa dos Patos. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB41. Trapiche da Praia do Laranjal, reformado, ao amanhecer. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB42. Calçadão da Praia do Laranjal. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral.
Figura PB43. Chafariz “Velas ao Vento” à Av. Antônio Augusto de Assumpção. Praia do Laranjal. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Rafael Marin Amaral.
Figura PB44. Pesca às margens do Arroio Pelotas. Ao fundo, uma escuna com turistas em passeio. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi.

608
Figura PB45. Futebol pelotense: paixão. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB46. Vista parcial de uma das fachadas do edifício do antigo Frigorífico Anglo, que atualmente
sedia o Campus Anglo da Universidade Federal de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Valder
Valeirão.
Figura PB47. Detalhe de colunas jônicas do edifício do antigo Banco da Província, atual agência principal
do banco Itaú na cidade. Ano de 2005. Acervo/Colaboração/Fotografia de Valder Valeirão.
Figura PB48. Centro Histórico de Pelotas. Vista desde o alto de um dos edifícios no entorno da Praça Cel.
Pedro Osório, na direção leste, vendo-se em primeiro plano os Casarões 02, 06 e 08, todos restaurados e
em uso. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Juliana Charnaud.
Figura PB49. Trecho da Rua Lobo da Costa, entre Rua Félix da Cunha e Rua Gonçalves Chaves. Vista na
direção oeste, com a Prefeitura Municipal ao fundo. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio
Caetano.
Figura PB50. Vista parcial da cidade desde o alto do edifício inacabado do Centro Comercial Praça XV, na
direção nordeste. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB51. Vista panorâmica do atracadouro “Quadrado” e Canal São Gonçalo. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB52. Vista noturna do Porto de Pelotas, na direção leste. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Daniel Giannechini.
Figura PB53. Detalhe da Prefeitura Municipal e da Bibliotheca Pública Pelotense. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB54. Estância da Graça. Margem esquerda do Arroio Pelotas. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB55. Torre do Mercado Central, com sua iluminação decorativa. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Luiz Paiva Carapeto.
Figura PB56. Vista parcial da Rua Andrade Neves, na direção norte. Trecho do Calçadão. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB57. Mercado Central restaurado. Vista geral. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Rafael Marin Amaral.
Figura PB58. Fonte das Nereidas ao entardecer. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre
Neutzling.
Figura PB59. Antigo Grande Hotel de Pelotas, enquadrado por edifícios em altura. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB60. Transeunte passando em frente ao Theatro Sete de Abril, interditado. Ano de 2011. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB61. Prefeitura Municipal e Bibliotheca Pública Pelotense. Vista noturna. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB62. Vista noturna da Caixa d’Água metálica da Praça Piratinino de Almeida, restaurada. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura PB63. Entorno da Praça Cel. Pedro Osório. Vista em direção ao Mercado Central, desde o interior
de um de seus canteiros. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura PB64. Vista do interior da Catedral Metropolitana São Francisco de Paula, em direção ao altar,
obtida de um drone (veículo aéreo não tripulado, remotamente controlado) equipado. Ano de 2014.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas).
Figura PB65. O colorido da hera da Catedral Anglicana do Redentor, a “Igreja Cabeluda”. Ano de 2011.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB66. Casarão nº 08 da Praça Cel. Pedro Osório esquina Rua Barão de Butuí. Ano de 2013.
Restaurado. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.

609
Figura PB67. Pátio principal do Casarão nº 08, voltado para a Praça Cel. Pedro Osório. Ano de 2013.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.
Figura PB68. Detalhe de umas das salas do restaurado Casarão nº 08 da Praça Cel. Pedro Osório, dotada de
claraboia para iluminação. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.
Figura PB69. Ruínas de um dos antigos edifícios do complexo da extinta Cervejaria Sul Riograndense, já
em meio ao canteiro das obras do futuro Mercosul Multicultural da Universidade Federal de Pelotas. Ano
de 2014. . Acervo/Colaboração/Fotografia de Rodrigo Osório.
Figura PB70. Restauradora trabalhando em um dos forros de estuque da Sala de Música do Casarão nº 08
da Praça Cel. Pedro Osório. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB71. Mesa de doces tradicionais. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB72. Panorama urbano de Pelotas ao pôr do sol. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Alexandre Neutzling.
Figura PB73. Vista parcial noturna da cidade, desde o alto do edifício inacabado Praça XV, na direção
leste. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB74. Panorama da Praça Cel. Pedro Osório e arredores. Vista noturna. Ano de 2012. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB75. Ciclista no canteiro central da Praça 20 de Setembro, em meio a cerração. Acervo/ Colaboração
de Carmen Jacira Ferreira Tavares. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam).
Figura PB76. Cavalgada da Costa doce de passagem pelo município. Ano de 2000. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB77. Tropeiros conduzindo gado. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB78. Carros de bois na Colônia São Manoel. Ano de 2007. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Giovana Kleinicke.
Figura PB79. Figueira na Zona Rural. Ano de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB80. Agricultor realizando a poda durante a floração de pessegueiros na Colônia. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Paulo Rossi.
Figura PB81. O Pêssego. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB82. Plantação de arroz. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PA83. Colheita do arroz. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB84. Paisagem da Colônia de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia de Camila Hein.
Figura PB85. “Pequena cascata no Distrito do Quilombo”. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Giovana Kleinicke.
Figura PB86. Capivaras correndo no banhado. Acervo/ Colaboração de Bruno Madrid e Elizabeth Anderson
Madrid Francisco / Fotografia de Chico Madrid (in memoriam).
Figura PB87. Geada cobrindo plantação na Colônia. Distrito do Quilombo. Ano de 2007. Acervo/ Colaboração
de Bruno Madrid e Elizabeth Anderson Madrid Francisco / Fotografia de Chico Madrid (in memoriam)
Figura PB88. Menino em rua de terra batida na Zona da Balsa. Ano de 2010. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Juliana Charnaud.
Figura PB89. Antiga Charqueada do Barão de Jarau. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Nauro Júnior.
Figura PB90. Capivaras ‘se beijando’. Zona Rural. Ano de 2008. Acervo/ Colaboração de Bruno Madrid e
Elizabeth Anderson Madrid Francisco / Fotografia de Chico Madrid (in memoriam)
Figura PB91. Fauna típica da região. Sapo sobre tronco de árvore. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Gustavo Fonseca (Rastro Imagem).

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Figura PB92. ‘Mercado das Pulgas’ de Pelotas. Realizado aos sábados em torno do Mercado Central, na
Praça 7 de Julho, desde maio de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Marcelo Freda Soares.
Figura PB93. Detalhe do Casarão nº 02 da Praça Cel. Pedro Osório. Vista desde o gradil do portão lateral
do Theatro Guarany. Ano de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB94. Escadarias do edifício da Associação Comercial de Pelotas. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Nauro Júnior.
Figura PB95. João de Barro e a Princesa do Sul, ao fundo. Ano de 2012. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Nauro Júnior.
Figura PB96. Transeunte caminha pela Praça Cel. Pedro Osório em dia chuvoso. Ano de 2013. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Nauro Júnior.
Figura PB97. Telhados. Vista desde o terraço do Casarão nº 02 da Praça Cel. Pedro Osório, na direção leste.
Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura PB98. Lhaneza da paisagem dos arredores de Pelotas, desde a ponte sobre o Canal São Gonçalo.
Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem).
Figura PB99. Colônia portuguesa de Pelotas. Descendentes em trajes típicos na tradicional Festa de
Queijos & Vinhos do Centro Português 1º de Dezembro. Ano de 2003. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Nauro Júnior.
Figura PB100. “Borboleta da espécie Junonia evarete, comum na fauna pelotense”. Acervo/Colaboração/
Fotografia de Gustavo Fonseca (Rastro Imagem).

611
A CIDADE SEM FIOS

Trecho da Rua Andrade Neves, entre a Rua Sete de Setembro e Rua Gal. Netto. Face voltada para a direção Leste.

Trecho da Rua Andrade Neves, entre a Rua Mal. Floriano e Rua Sete de Setembro. Face voltada para a direção Leste.

Trecho da Rua Andrade Neves, entre a Rua Mal. Floriano e Rua Sete de Setembro. Face voltada para a direção Oeste.

Trecho da Rua Andrade Neves, entre a Rua Sete de Setembro e Rua Gal. Netto. Face voltada para a direção Oeste.

Trabalho de Rafael Barros de digitalização sobre fotos. Propõe uma nova visão do Centro Urbano de Pelotas sem a poluição visual dos fios
elétricos e telefônicos e mostra, sob uma ótica inédita, as fachadas com suas placas em 2014.
Trecho da Rua Mal. Floriano, entre Rua XV de Novembro e Rua Andrade Neves. Face voltada para a direção Norte

Trecho da Rua Mal. Floriano, entre Rua XV de Novembro e Rua Andrade Neves. Face voltada para a direção Sul.

Trecho da Rua Voluntários da Pátria, entre Rua Anchieta e Rua XV de Novembro. Face voltada para a direção Norte.

Trecho da Rua Voluntários da Pátria, entre Rua Anchieta e Rua XV de Novembro. Face voltada para a direção Sul.
637 638 639

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637. Antigo Portão da Villa Mozart, na Av. São Francisco de Paula. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 638. Parquímetro instalado na Rua Dr.
Cassiano do Nascimento, quase esquina Rua Andrade Neves. Os primeiros 45 equipamentos do tipo foram inaugurados em agosto de 2013. Fotografia do ano de 2014.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 639. Ponte de madeira no ‘Barro Duro’, próximo à Colônia de Pescadores Z3. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Tiago Klug. 640. Monumento “A Pelota”, inaugurado em 27 de abril de 2014 no prolongamento da Av. Bento Gonçalves, em frente ao Terminal Rodoviário. Oferecido
pelo Rotary Club de Pelotas. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 641. Monumento “Ao Colono”, na Praça 1º de Maio (Praça do Colono). Ano
de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 642. Fachada da “Casa nº 1 da cidade” ou “Casa do Torres”, à Rua Major Cícero, nº 201, em péssimo estado de
conservação. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 643. Chafariz dos Dois Meninos, na Praça Cipriano Barcelos, em franco e duradouro estado
de abandono. Atualmente, o logradouro aguarda o início de prospecção arqueológica e posterior revitalização, através de projeto já encaminhado ao IPHAN. Ano de
640 641 642 643

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2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 644. Detalhe do Obelisco Republicano, erigido no Areal em 20 de Setembro de 1884. A placa, encimada pelo barrete
frígio e sobre o símbolo do aperto de mãos traz a inscrição: “Os Republicanos de Pelotas recomendam aos viandantes a memória de Domingos de Almeida”. Ano de 2014.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 645. Vista geral do monumento Obelisco Republicano. Bairro Areal. Ano de 2014. Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago
Klug. 646. Detalhe da fachada lateral do Instituto de Menores Dom Antônio Zattera, com a célebre inscrição“...Ele não pesa, é meu irmão”. Bairro Areal. Ano de 2014.
Acervo/Colaboração/Fotografia de Tiago Klug. 647. Vista geral das instalações da empresa Josapar (Joaquim Oliveira S. A. Participações), na BR-116, Bairro Vila Princesa.
Ano de 2014. Fotografia de Felipe Campal. 648. Instalações da empresa Companytec Automação e Controle Ltda., na Av. Ferreira Viana, Bairro Areal. Ano de 2014. Acervo
Companytec Automação e Controle Ltda. 649. Vista parcial das instalações da empresa Biri Refrigerantes, na Av. Fernando Osório, Bairro Três Vendas. Acervo Biri Refri-
gerantes. 650. Detalhe da linha de produção dos refrigerantes Biri. Acervo Biri Refrigerantes.
A HISTÓRIA POR DETRÁS DA HISTÓRIA: NOTA
SOBRE O ALMANAQUE DO BICENTENÁRIO DE PELOTAS

Duda Keiber1

Hoje, deitado dentro da geodésica, observando o claro céu, fiquei pensando se realmente o homem
já havia criado a cápsula do tempo. Na minha cabeça, ela parece um ovo de metal dourado com
uma portinhola lateral, por onde se coloca o vivente, viajante temporal. Lá dentro, ele digita o dia, o
ano (talvez até as horas e os minutos) e o lugar pra onde ele quer ir, aperta o play e zap... a cápsula
viaja no tempo e pousa mansamente, como um filhote de albatroz, em alguma praia do futuro ou
ruela do passado.

Eu vi um desses no céu e pensei que fosse o homem do futuro. Então concluí que se houvesse
homem do futuro, ele já teria chegado há muiiiiiiiiiito tempo. Afinal de contas, o futuro é um
campo longínquo do qual tudo se espera...

***

O ano era 2010. O mês, talvez, setembro. Eu e o Nando andávamos pela Félix da Cunha... A Revista
do 1º Centenário, de Simões, nos foi apresentada e a ideia de uma revista para o bicentenário surgiu
concomitantemente a mim e ao Nanduka, enquanto andávamos, na nossa harmônica mania de
concluir juntos vários pensamentos.

Claro manito! Uma revista sobre os 200 anos de Pelotas!


1
Coordenador geral do
Dividimos a ideia com nosso negro-irmão Alexandre Mattos, no nosso singelo escritóriozinho no Almanaque do Bicentenário
calçadão da Andrade Neves. Navegávamos, como ainda navegamos, nas mesmas naves de sonhos. de Pelotas.
Conversávamos sempre alegremente, entre metáforas e sacadas, em nosso processo criativo de
trabalhar jogando videogame. Fomos, juntos, tirando a revista do plano das ideias... a revista,
então, virou primeiramente um livro. Depois, um almanaque, repleto de informações e imagens em
3 volumes, cuja temática, Pelotas, era tão ampla quanto apaixonante.

Naquela época, precisávamos encontrar quem encabeçaria aquela desafiadora ideia de colocar a cidade
que amamos em um livro. Quem seria a ponte entre nosso desejo e a pesquisa, entre o nosso objetivo
e o mundo real? Então o Nando indicou um amigo antigo que fizera teatro com ele e que voltara há
pouco pra Pelotas. Ligado à filosofia e à UFPel, Luís Rubira era o cara, pois seu trabalho dentro da
Universidade e seu contato com toda gama de pesquisadores certamente nos levaria ao êxito.

***

Rubira desceu do Rex Hotel e nos cumprimentou. Conversamos caminhando, pela XV, pro almoço.
Andando aos passos do Nando, fiquei ouvindo historietas do que a vida lhes deu em comum, “os
tempos do teatro”. Depois da audição de irmão mais jovem, dei ao Rubira uma cópia xerox da
Revista simoniana de 1912... ela e seus fascículos seriam nosso ponto de partida pro Almanaque do
Bicentenário de Pelotas, aquela ideia fascinante da qual falamos tarde adentro, até o último café...

Coincidentemente, naquele mesmo momento, em outra ponta da cidade, um jovem pesquisador


chamado Guilherme Pinto de Almeida trabalhava no resgate virtual da mesma Revista do 1º Centenário,
que era uma raridade acessível a poucos colecionadores. Interessante é que Guilherme, assim como
a gente, sabia que aquele trabalho de João Simões Lopes Neto deveria ser melhor conhecido pela
comunidade pelotense. Mas no nosso caso, no caso do projeto Almanaque, seguindo o conselho de
Simões em 1912, realizaríamos uma pesquisa “escoimada” para conhecer melhor não só as belezas da
cidade de Pelotas, mas também suas cicatrizes, seus detalhes e seus personagens pós-1912.

Obviamente que Guilherme, o Onça, veio trabalhar conosco. Ele, Rubira, e a gama de dezenas de
pesquisadores. Então foram milhares de minutos sobre fotos e diversos fatos, num árduo trabalho
de reconhecimento da nossa Princesa do Sul, repleto de verdades antes nunca ditas, mitos a serem
quebrados e detalhes... Sob a coordenação editorial do Rubira e iconográfica do Guilherme, aos
poucos, os 3 volumes foram surgindo... sob a bênção de Beatriz Araujo e o talento do mestre-
amigo Valder Valeirão, um volume de cada vez, e os nossos planos foram virando papel, matéria,
significado e significância. Duzentos anos em páginas brancas e pretas, como as cores das mãos
que construíram esta cidade.

E agora, vendo os livros prontos sobre a mesa, entendo a preocupação de Simões Lopes. Preservar
e contar... ele, naquele tempo, já sabia que sua missão era difícil, assim como foi a nossa, pois
há muito mais a contar do que já fora contado... há ainda muito a se descobrir e preservar nesta
Pelotas, tão bela e tão secreta. O Almanaque do Bicentenário de Pelotas poderia ter cem volumes,
mas nossa colaboração, foram estes primeiros 3.

O que Simões fez sozinho em 1912, nós precisamos de muitas mãos para fazer agora. Por isso eu
creio que existe um Simões em cada um de nós, em cada pesquisador, em cada pessoa que doou
gentilmente seu labor e sua história... talvez em cada patrocinador haja a empresa vitoriosa que
Simões não teve... Um Simões em cada um que participou, de alguma maneira, para que este
projeto se realizasse.

***

Então, de vez em quando, eu fico imaginando o livro dos 300 anos de Pelotas, como se eu pudesse
viajar no tempo e acessar, no futuro, o que Simões fez no 1º centenário da cidade e a Gaia Cultura e

620
Arte fez, agora, no 2º. No tricentenário talvez nem existam mais livros, só chips e nanocomputadores
ultramodernos... Os textos serão projetados holograficamente e o conhecimento comercializado e
descarregado de pen drives direto no telencéfalo humano... Quem sabe existirá carros voadores e
robôs verossímeis pseudo-humanos (e vai ter um que é o próprio Simões Lopes, com bigode e tudo,
fazendo cigarros pra humanidade eternamente fumante)...

Pode ser também que neste exato instante, num futuro bem distante dos anos 10 mil, algum
maluco aperte o derradeiro parafuso de uma intrigante cápsula do tempo... talvez. Mas o certo é
que, enquanto houver humanidade, haverá uma história a ser contada...

***

A cápsula do tempo
em movimento
entre a memória e o sonho.

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651. Início da montagem das estruturas de palco do 3º Pelotas Jazz Festival. Equipe da produtora realizadora Gaia Cultura & Arte. Na esquina da Rua Félix da
Cunha com Rua Lobo da Costa, foram montados um domo geodésico (para servir aos bastidores e apoio) e o chamando “ Palco TIM Music”, voltado para a
“Rua do Jazz” (trecho da Rua Lobo da Costa entre a Rua Félix da Cunha e Rua Gonçalves Chaves). Dia 17 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival.
Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 652. O músico Naná Vasconcelos seguido de multidão em “cortejo percussivo” na Praça Cel Pedro Osório, após
ministrar oficina de percussão no interior da Bibliotheca Pública Pelotense, atividade inicial do 3º Pelotas Jazz Festival. Dia 20 de novembro de 2014, Dia
da Consciência Negra. Acervo Prefeitura Municipal de Pelotas. Fotografia de Valéria Cunha. 653. Aspecto da ‘Rua do Jazz’ durante o primeiro concerto do
3º Pelotas Jazz Festival, do acordeonista francês Richard Galliano. Entardecer do dia 20 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/
Fotografia de Felipe Campal. 654. Idem. Ibidem. Vista de o Palco TIM Music. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
655. Apresentação de João Bosco & Quinteto no palco do Theatro Guarany, encerrando o primeiro dia de apresentações do 3º Pelotas Jazz Festival. Noite do
dia 20 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 656. Esquina da Rua Félix da Cunha com Rua Lobo da
Costa durante 3º Pelotas Jazz Festival. Público, Casarão Histórico, Domo Geodésico e Palco Tim durante a apresentação do grupo Trio Corrente, no entardecer
do segundo dia do 3º Pelotas Jazz Festival. Dia 21 de Novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
657. O músico Egberto Gismonti recebe os aplausos do público, após a magistral apresentação que encerrou o segundo dia do 3º Pelotas Jazz Festival.
Theatro Guarany. Noite do dia 21 de Novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 658. O músico Naná
Vasconcelos sendo ovacionado, após mágica e espiritual apresentação no palco do Theatro Guarany, ao entardecer do terceiro e último dia do 3º Pelotas
Jazz Festival. Dia 22 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal. 659. ‘Autorretrato’ no estilo “selfie” da
equipe da Gaia Cultura & Arte, idealizadora, produtora e realizadora do 3º Pelotas Jazz Festival, com o público da Rua do Jazz ao fundo, momentos antes
do concerto derradeiro de encerramento. Noite do dia 22 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
660. Hermeto Pascoal ao piano durante o concerto de encerramento do 3º Pelotas Jazz Festival. Noite do dia 22 de novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz
Festival. Colaboração/Fotografia de Felipe Campal.
NOTAS INTRODUTÓRIAS À ICONOGRAFIA DO
ALMANAQUE DO BICENTENÁRIO DE PELOTAS - VOL 3

Guilherme Pinto de Almeida1

Caro leitor, neste terceiro volume, os desafios multiplicaram-se - o que era previsível. Tratando-se de
Pelotas, complementar a iconografia da “Linha do Tempo”, desde o sesquicentenário até a atualidade,
contemplando, dentre as numerosas fotografias e imagens disponíveis, fatos julgados merecedores de
atenção é, por si só, uma tarefa mais homérica do que o tomo de um livro poderia encerrar, por mais
espessa venha a ser sua lombada. Além disso, os Cadernos do Bicentenário, os quais contêm imagens que
remetem a um recorte temporal anterior ao da referida Linha do Tempo, desta feita, contam com um
“álbum comunitário”. Tudo isto a ser organizado e aprontado no diminuto espaço de alguns meses. O
desfecho? Com trabalho firme, preponderaram a satisfação e o compromisso com a conclusão a contento
deste ousado projeto, dedicado com muito carinho aos pelotenses do presente e do futuro, e aos do
passado, com gratidão pela pregnância da beleza urbana legada.
As anotações infra contidas mencionam inúmeras pessoas e instituições que ajudaram nessa tarefa.
Ao disponibilizarem seus acervos, confirmaram a acolhida e o interesse crescentes pelo Almanaque do
Bicentenário de Pelotas, verificados especialmente desde o lançamento do segundo volume, em maio deste
ano, na Bibliotheca Pública Pelotense.
Dois colaboradores são responsáveis por grande número das imagens deste volume. Em consolidação à
parceria exitosa ocorrida no volume anterior, foi novamente imprescindível a pessoa do Historiador, Prof.
Dr. Eduardo Arriada, figura à qual a memória iconográfica de Pelotas é inconsciente e feliz devedora.
Assinalável também o importante auxílio da Historiadora Leni Dittgen de Oliveira, amante da história
Pelotas, ativa militante da preservação de sua memória, e dona gentil de documental acervo. Há aqueles
cuja contribuição, se não tão numerosa, é preciosa e substancial, como a da Prof.ª Dr.ª Aline Montagna da
Silveira, quem gentilmente nos possibilitou a reprodução, dentre outras, do conjunto de quatro raríssimas
imagens dos chafarizes da antiga Companhia Hidráulica Pelotense, apanhadas ainda no século XIX.
1
Graduando em Arquitetura
Fica aqui expresso o profundo agradecimento a eles, bem como a todos os demais cooperadores com a e Urbanismo pela UFPEL.
iconografia deste tomo, por terem vasculhado seus álbuns familiares e coleções particulares, atendendo Pesquisador.
à convocação feita após o lançamento do segundo volume. Esta cooperação, majoritariamente dada por
correio eletrônico, permitiu a formação de um retrato ímpar de Pelotas, a partir das memórias e histórias de
seus habitantes. Com isto, quiçá seja possível compreender um pouco mais do “todo”, a partir da unidade
constitutiva da bela Princesa do Sul.
Felizmente ainda, para os registros iconográficos do terceiro milênio, contribuíram muitos talentos da
fotografia local, em atenção ao convite de Duda Keiber. Estes artistas mostraram-se sensíveis, solícitos e
generosos, enriquecendo consideravelmente a presente publicação. Pela divisão desta que foi uma das tarefas
mais árduas deste livro, a seleção da iconografia recente, fica o agradecimento a Duda Keiber e Valder
Valeirão. Um obrigado também à historiadora Gabriela Rosselli, cujo promissor talento e imenso carinho pela
Princesa do Sul constituíram valiosa ajuda nesta reta final, no tocante às imagens relativas aos artigos.
Enfim, conforme já dito, sabia-se que a pretensão desta iconografia, bem como da obra Almanaque do
Bicentenário de Pelotas jamais poderia ser a de dar uma palavra definitiva sobre a imensa e rica história desta
cidade. Trata-se de um esforço de contribuição e de tributo, movido por sincero amor a esta cidade, fruto de
intensa dedicação, em celebração ao seu bicentenário. Este foi o espírito de trabalho de toda a equipe.
*
Em face de ser este o último volume previsto para esta publicação, é indispensável expressar a profunda
gratidão ao amigo Luis Rubira, por sua fundamental ajuda ao longo de todo este processo de trabalho, em
verdadeira parceria. Muito obrigado por toda a hospitalidade da ‘Maison Rubira’. Igualmente fica gravada
a gratidão para com toda a equipe envolvida, em especial a Nando Keiber, Duda Keiber, Luis Rubira,
Alexandre Mattos, Valder Valeirão:

Obrigado, de coração, por tudo! Sobretudo, pela amizade.

Legendas e referências das imagens ampliadas em página dupla, ampliadas em página simples e
demais imagens em destaque, por ordem de aparição.
Figura da página 1. Detalhe da Fonte das Nereidas, o chafariz da Praça Cel. Pedro Osório. Vista ao
anoitecer. Ano do Bicentenário. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura das páginas 2 e 3. Detalhe da porção superior da Fonte das Nereidas e suas musas, com a
exuberância de jacarandás-mimosos enflorescidos e um límpido pano azul celeste, ao fundo. Ano de 2009.
Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Luiz Paiva Carapeto.
Figura das páginas 4 e 5. Pé de arroz e silhueta de peão. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.
Figura das páginas 6 e 7. Vista noturna do Mercado Central durante a realização da 41.ª Feira do Livro,
excepcionalmente ali sediada no ano de 2013. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura das páginas 8 e 9. Theatro Sete de Abril. Vista interna, desde o palco, durante um concerto do
músico Vitor Ramil. Ano de 2008. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.
Figura da página 11. Perspectiva desde uma das entradas da ponte ferroviária sobre o Canal São Gonçalo
(excerto). Ano de 2008. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Fabrício Marcon.
Figura da página 12. Escadarias do edifício da Associação Comercial de Pelotas. Acervo/ Colaboração/
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura da página 14. Bibliotheca Pública Pelotense. Detalhe de corrimão, em ferro forjado e madeira.
Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Fábio Caetano.
Figura das páginas 16 e 17. “Pelotas Iluminada”. Vista geral da Praça Cel. Pedro Osório e entorno, por
ocasião da reinauguração da Fonte das Nereidas, após restauro pelo Programa Monumenta, do governo
federal. Evento que contou com a presença do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil. Dia 17 de junho de
2003. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Paulo Rossi.
Figura das páginas 26 e 27. Entorno da Praça Cel. Pedro Osório, face Sul. Vista desde a proximidade

628
da esquina com a Rua Anchieta, na direção oeste, ao cair da noite. Em primeiro plano, veículos de época
estacionados. Ao fundo, o Rex Hotel, o antigo edifício Torre Eiffel e o antigo Banco Pelotense. Década de
1960 (data aproximada). Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 28. Torre do Mercado Central, logo após o incêndio de 04 de setembro de 1969,
incólume entre o restante da estrutura metálica avariada. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 33. Registro da exibição em Pelotas do grupo acrobático alemão Zugspitz Artisten,
ocorrida nos dias 14, 15 e 16 de maio de 1957. O grupo era composto dos artistas Alex Schack, Siegward
Bach, Rudi Berg e Miss Sylvia. Seu nome era uma referência ao monte Zugspitz, o mais alto da Alemanha,
e palco de uma de suas primeiras e mais notáveis façanhas. Nesta fotografia, gentilmente cedida por Ana
Lúcia Alt, vê-se um dos artistas acrobatas, sobre um suporte colocado no topo do Edifício Del Grande,
empunhando a Bandeira Nacional, em saudação ao público. A inscrição “Guaspari” em seu uniforme faz
referência à firma “Roupas Guaspari”, patrocinadora da turnê regional do espetáculo. Acervo de Adriano
Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana Lúcia Alt.
Figura das páginas 34 e 35. Detalhe do frontão da platibanda do Theatro Guarany, vendo-se a escultura
de índio guarani, que a encima. Ano de 2005. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Valder Valeirão.
Figura da página 48. . Outro registro da exibição em Pelotas do grupo acrobático alemão Zugspitz
Artisten, em maio do ano de 1957 (ver legenda da figura da página 33). À época em que esteve em Pelotas,
o grupo contava oito anos de atuação, e já gozava de fama internacional. Nesta vertiginosa fotografia,
é feita a travessia do alto do Rex Hotel para o Edifício Del Grande, ao lado do Theatro Sete de Abril. As
proezas acrobáticas do grupo (as quais incluíam a travessia do cabo de aço também sobre uma motocicleta)
continuam bem vivas na memória de muitos pelotenses, ao som dos gritos de “Cuidado, Alex!”. Acervo de
Adriano Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana Lúcia Alt.
Figura da página 49. Mais um flagrante de uma das acrobacias dos Zugspitz Artisten, aqui realizadas
em maio de 1957 (ver legenda das figuras das páginas 33 e 48). O jornal Diário Popular de 10 de maio
de 1957 noticiara que se encontrava em Pelotas o Sr. Maximilian Von Haercken (sic), empresário dos
‘Artistas Zugspitz’, tratando das respectivas licenças para o espetáculo, junto à Prefeitura Municipal. Os
acrobatas procediam diretamente da Capital do Estado, onde haviam acabado de exibir seus feitos, e
rumariam depois à cidade de Rio Grande, para espetáculos nos dias 18 e 19 seguintes. Para Pelotas, a ideia
inicial, ainda segundo o periódico, era fazer-se a travessia entre o Grande Hotel e o Edifício Del Grande.
As fotografias conhecidas parecem confirmar que, ao fim, foram escolhidos o Rex Hotel e o Edifício Del
Grande, possivelmente pela viabilidade, mais favorável. Nesta fotografia, o registro da travessia de um dos
equilibristas, auxiliado por uma vara, desde o alto do Edifício Del Grande em direção ao Rex Hotel (sentido
oposto ao da figura da página 48). Acervo de Adriano Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana
Lúcia Alt. Acervo de Adriano Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana Lúcia Alt.
Figura das páginas 54 e 55. Aspecto da zona central de Pelotas no início da década de 1970, período de
intensificação do fluxo de pessoas e veículos. Fonte da Imagem: Folheto “Quatro Anos de Transformação
em Pelotas” (Prefeitura Municipal de Pelotas, 1972). Acervo Guilherme Pinto de Almeida
Figura da página 72 e 73. Panorama da área central, apanhado nas proximidades da esquina da Rua Santa
Cruz com Rua Barão de Butuí. Vista na direção noroeste. Década de 1960 (data aproximada). Foto-Cartão
Fotografia de “Foto Elste” (Fotografia de Luís Alberto Elste). Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 77. Movimento no entorno do Mercado Central. Vista desde o interior da antiga Praça
da República. Meados da década de 1910 (data aproximada). Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 79. Funcionário trabalhando na restauração do Mercado Público Central (2008-2012),
já em etapa adiantada. Acervo/Colaboração/Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura das páginas 100 e 101. Panorama da porção oeste da Praça Cel. Pedro Osório e entorno imediato.
Vista na direção sudoeste. Entre os jardins, vê-se um poste de lâmpadas de mercúrio, adotadas para
iluminação pública no início da década de 1970. Fotografia da década de 1980. Acervo Eduardo Arriada.
Figura das páginas 106 e 107. Tropeiros conduzindo gado. Ano de 2013. Acervo/ Colaboração/ Fotografia
de Nauro Júnior.
Figura das páginas 132 e 133. Entorno da Praça 07 de Julho. Antigos prédios e antigas funções: Liceu,
Prefeitura Municipal, abrigo de ônibus, Secretaria de Finanças. Década de 1990. Acervo Núcleo de Estudos
de Arquitetura Brasileira - NEAB (FAURB-UFPel).

629
Figura das páginas 136 e 137. Militar e menino em atracadouro no Canal São Gonçalo. Ao fundo, a
ponte ferroviária. Acervo Eduardo Arriada.
Figura das páginas 154 e 155. Vista aérea parcial, desde a zona norte, mirando na direção sul. Ao centro, o
eixo da Rua Andrade Neves. Década de 1960. Cartão Postal “Foto-Postal Colombo”. Acervo Eduardo Arriada.
Figura das páginas 160 e 161. Detalhe das Nereidas, que emprestam nome à fonte d’art principal da
cidade. Nesta imagem ficam evidentes as pérolas entrelaçadas em suas cabeleiras, que as caracterizam. Ano
de 2010. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura da página 185. Praça Cipriano Barcelos. Vista parcial da parte central, destacando-se o chafariz.
Década de 1960. Cartão Postal “Foto-Postal Colombo”. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 189. Detalhe das proximidades da Estação Férrea. Porção posterior do complexo. Ano
de 2011. Acervo/Colaboração/Fotografia de Fábio Caetano.
Figura das páginas 206 e 207. Panorama da porção oeste da então Praça da República (atual Praça Cel.
Pedro Osório) reformada, com o Mercado Público Central, igualmente reformado, ao fundo. Fotografia
capaz de destacar a labirintiforme beleza de seus jardins. Década de 1910. Cartão Postal. Acervo Eduardo
Arriada.
Figura das páginas 208 e 209 (Capa dos Cadernos do Bicentenário). Movimento da Praça 07 de Julho.
Vista desde a esquina da Rua Andrade Neves com Rua Lobo da Costa, na direção leste. Ao centro e ao
fundo, o antigo Banco do Brasil. À esquerda, a antiga Escola de Agronomia Eliseu Maciel, atual sede dos
Conselhos Superiores da Universidade Federal de Pelotas. À direita, o Mercado Público Central. Década de
1930. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura das páginas 216 e 217. Panorama de trecho da atual Praça Cel. Pedro Osório e entorno. Vista
desde uma das sacadas do Grande Hotel de Pelotas, na direção noroeste. Acervo Museu Histórico Visconde
de São Leopoldo (São Leopoldo-RS). Reprodução digital gentilmente cedida por seu atual Diretor, Márcio
Linck.
Figura das páginas 222 e 223. “Briga no Bonde”: protesto violento, promovido por populares insatisfeitos
com o aumento do preço dos bilhetes de passagem. Nesta época, o operador do sistema de bondes na
cidade era a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, após a aquisição pela empresa American &
Foreign Power (Amforp), uma divisão do conglomerado estadunidense Electric Bond & Share (Ebasco). Ano
de 1930. Referência Bibliográfica: “The Tramways of Pelotas, Rio Grande do Sul state, Brazil” (MORRISON,
Allen). (Disponível em http://www.tramz.com/br/ps/ps.html. Acessado em 11 de novembro de 2014).
Acervo Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (São Leopoldo-RS). Reprodução digital gentilmente
cedida por seu atual Diretor, Márcio Linck.
Figura da página 235. Populares posam em frente à Fonte das Nereidas, a qual se apresenta em sua base
original e ainda com o gradil metálico que a cercava, impedindo livre acesso à água. À esquerda, vê-se um
funcionário da manutenção da praça, empunhando um ancinho. Note-se que as quatro figuras eqüestres,
ou amazonas, encontravam-se colocadas sobre a bandeja principal, mais próximas do corpo da fonte.
Conformação discreta em relação ao arranjo dos dias atuais, que lhe confere monumentalidade. Final do
século XIX. Acervo Bibliotheca Riograndense (Reprodução digital gentilmente cedida pela Prof.ª Dr.ª Arq.ª e
Urb.ª Aline Montagna da Silveira para a presente publicação).
Figura da página 239. Vista do Porto de Pelotas, destacando-se o chafariz da Companhia Hidráulica
Pelotense, ali alocado, ainda no ponto original de instalação: o prolongamento da então Rua São Domingos
(atual Rua Benjamin Constant), junto à Praça Domingos Rodrigues. Um dos quatro chafarizes importados
da França na década de 1870, é conhecido popularmente como Chafariz das Três Meninas, apesar de
na verdade apresentar as figuras de dois meninos e uma menina. Foi transferido para o local atual, o
cruzamento da Rua Andrade Neves com a Rua Sete de Setembro, em dezembro de 1981 (ver Figura 90),
antes mesmo da construção do Calçadão. Final do século XIX. Referências Bibliográficas: SILVEIRA, Aline
Montagna da. “De fontes e aguadeiros à penas d’água: reflexões sobre o sistema de abastecimento de água
e as transformações da arquitetura residencial do final do século XIX em Pelotas – RS”. São Paulo: USP,
2009. 340 p. Tese (Doutorado). / XAVIER, Janaína Silva. Chafarizes e caixa d’água de Pelotas: elementos
de modernidade do primeiro sistema de abastecimento (1871). 2006. Monografia (Especialização em
Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos). Instituto de Artes e Design, Universidade Federal de
Pelotas. Acervo Bibliotheca Riograndense (Reprodução digital gentilmente cedida pela Prof.ª Dr.ª Arq.ª e
Urb.ª Aline Montagna da Silveira para a presente publicação).

630
Figura das páginas 240 e 241. Theatro Guarany e Rua Lobo da Costa. Vista na direção leste. Década de
1960. Cartão Postal “Foto-Postal Colombo”. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 259. Detalhe de fotografia inédita da Antiga Praça da Matriz, ainda com seu chafariz.
Vista desde a atual Rua Miguel Barcellos. Final do século XIX (data estimada). Acervo Paulo Luiz Vianna
Bojunga. Original fotográfico gentil e especialmente cedido para a presente publicação.
Figura das páginas 264 e 265. Antiga Praça da Matriz (atual Praça José Bonifácio). A Igreja Matriz de
São Francisco de Paula de Pelotas e seu largo, dotado de um chafariz da Companhia Hidráulica Pelotense.
Final do século XIX. Acervo Bibliotheca Riograndense (Reprodução digital gentilmente cedida pela Prof.ª
Dr.ª Arq.ª e Urb.ª Aline Montagna da Silveira para a presente publicação).
Figura das páginas 288 e 289. Chegada de dois automóveis, em exposição no entorno da atual Praça
Cel. Osório, evento que causou flagrante “sensação” de diversos populares, curiosos (ver figuras 192 e 193).
Início da década de 1930 (data aproximada). Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 293. Festa de Iemanjá, a “Rainha do Mar”. Ano de 2011. Acervo/ Colaboração/ Fotografia
de Nauro Júnior. (Excerto).
Figura da página 303. Catedral São Francisco de Paula e Praça José Bonifácio. Início da década de 1930
(data aproximada). Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura das páginas 304 e 305. Carnaval. Rua XV de Novembro, próximo à Prefeitura Municipal. Detalhe
dos passistas “Valentim” (RJ) e Norma Lima, durante desfile da “Academia do Samba”. Década de 1950.
Original fotográfico. Acervo Rubens Ricardo Machado Lima. Colaboração de Ana Isabel Pereira Corrêa.
Figura da página 309. Respectivamente, verso e frente de uma Ação do extinto Banco Pelotense, no valor
de Duzentos Mil Réis, emitida na década de 1920. Impressa na Litografia Guarany, de Pelotas. Acervo
Guilherme Pinto de Almeida.
Figura das páginas 310 e 311. O movimento da Rua Marechal Floriano, desde uma das janelas do Rex
Hotel. Vista na direção oeste. Década de 1950. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras da página 333. Primeira torre do primitivo Mercado Público Central de Pelotas, em alvenaria. O
jornal “O Dia” de 02 de fevereiro de 1916 traz uma interessante exposição de como era vista esta estrutura
pela população, no artigo “Aspectos e impressões do novo Mercado”. Em tom irônico, inicia o jornalista:
“Não há quem não se recorde ainda do mercado antigo, feio e encardido, com as suas baiucas sórdidas
onde a malandragem fazia ponto de ‘rendez-vous’, e aquela exótica torre, no meio, a que o humorismo
popular dera a denominação de torre de Malakoff...”. A comparação, depreciativa, serve de reforço à
qualificação do espaço como “feio e encardido”, “fuliginoso” e “cara-suja”, antes do embelezamento que
veio ao encontro aos melhoramentos de uma cidade que “se embelezava toda”. Seguia ainda, mais adiante:
“Nessa remodelação que o bom gosto e o decoro da cidade impunham, nem a velha torre - mais falada
então que a misteriosa torre de Nesle - foi poupada, e vimo-la cair, com a sua chapeleta de ferro, em forma
de cobertura d’um pagode chinês, e sumir-se para todo o sempre na voragem do nada -, saudosa das
bananas e dos abacaxis que abrigara no seio, para ceder o lugar à torre atual, que, segundo afirmam os
entendidos, venceu a torre inclinada de Pisa e faz empalidecer d’inveja a torre Eiffel!”. Final do século XIX.
Acervo Bibliotheca Riograndense (Reprodução digital gentilmente cedida pela Prof.ª Dr.ª Arq.ª e Urb.ª Aline
Montagna da Silveira para a presente publicação).
Figura da página 341. Panorama desde o alto do Edifício Barão de Jarau, na esquina da Praça Cel. Pedro
Osório com Rua Barão de Butuí. Vista na direção sul. Década de 1970 (data aproximada). Acervo Darcy
Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Reprodução digital
gentilmente cedida por seu idealizador e atual Tesoureiro, Arthur Victória Silva.
Figura das páginas 356 e 357. Antiga “Ponte do Ritter” sobre o Arroio Santa Bárbara, pouco tempo
antes da canalização e desvio de seu leito para a construção de uma barragem, em 1968. É visível o reflexo
de uma das edificações do complexo da antiga Cervejaria Ritter, onde hoje se avista o prédio da Receita
Federal. Década de 1960 (data aproximada). Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 365. Praça Cel. Pedro Osório. Detalhe da Fonte das Nereidas, com pintura de cor clara,
sob céu nublado. Década de 1940. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 397. Engenheiro Kleber Pons Ramil (in memoriam) durante agrimensura do traçado
da futura Av. Dom Joaquim Ferreira de Mello, na zona norte da cidade. Ao fundo, à direita a vegetação

631
existente no complexo do Seminário Diocesano. Ano de 1949. Acervo Vitor Ramil. (Original fotográfico
gentil e especialmente cedido para a presente publicação).
Figura das páginas 398 e 399. Aquarela “Beneficência Portuguesa”, integrante de uma série de oito
lâminas intitulada “Pelotas”, pelo artista francês Dominique Pineau, aqui radicado. Conjunto de desenhos
com elevado valor documental da Pelotas da década de 1880. Pelotas, Juillet 1883. Reprodução digital de
dessin d’après nature original, gentil e especialmente cedida para esta publicação. Acervo Eduardo Arriada.
Figura da página 405. Nascente do Arroio Pelotas. Ano de 2013. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de
Nauro Júnior. (Excerto).
Figura da página 425. Torre do Mercado Central, com sua iluminação decorativa. Ano de 2014. Acervo/
Colaboração/ Fotografia de Luiz Paiva Carapeto.
Figura das páginas 430 e 431. Vista aérea do encontro das águas do Arroio Pelotas com o Canal São
Gonçalo e o deságüe deste na Lagoa dos Patos, ao fundo. Ano 2000. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de
Nauro Júnior.
Figura das páginas 442 e 443. Passarela do Samba. Carnaval de 2013. Acervo/Colaboração/Fotografia
de Felipe Campal.
Figura das páginas 448 e 449. Esquina da Rua Sete de Setembro com Rua XV de Novembro. Casal de
namorados em frente ao Café Aquários, em noite chuvosa. Ano de 2012. Acervo/ Colaboração/ Fotografia
de Nauro Júnior.
Figura das páginas 464 e 465. Paisagem matutinal da Lagoa dos Patos, na Colônia de pescadores Z3. Ano
de 2011. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura da página 469. O agricultor, músico e compositor Marco Gottinari, durante apresentação no
Theatro Guarany. O artista é conhecido pela relação com a natureza, sua maior inspiração, que busca nas
cascatas e na mata nativa do Templo das Águas, sua morada na zona colonial de Pelotas. Ano de 2012.
Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Camila Hein. (Excerto).
Figura das páginas 486 e 487. Colônia Z3 ao alvorecer. Ano de 2010. Acervo/ Colaboração/ Fotografia
de Luiz Paiva Carapeto.
Figura da página 491. Detalhe de pequena embarcação singrando o Canal São Gonçalo. Ano de 2010.
Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Juliana Charnaud. (Excerto).
Figura das páginas 508 e 509. Oferendas às margens da Lagoa dos Patos. Ano de 2013. Acervo/
Colaboração/Fotografia de Camila Hein.
Figura da página 533. Detalhe do músico e compositor Sergio Espírito Santo Ferret Filho, o popular e
inventivo “Serginho da Vassoura”, alcunha que faz referência ao seu “Vassourolão”, original instrumento
de cordas, engendrado a partir de uma vassoura de piaçava. Diariamente, canta seus versos na Praça Cel.
Pedro Osório, numa de suas aleias (próxima da esquina da Rua XV de Novembro com Marechal Floriano),
além de outros palcos/ruas da cidade. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Camila Hein. (Excerto).
Figura das páginas 534 e 535. Vista desde o então chamado Palco Geraldo Flach, do Theatro Guarany,
durante os agradecimentos do concerto de João Donato e grupo, apresentação que encerrou o 2º Pelotas
Jazz Festival. Noite do dia 11 de maio de 2013. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Felipe Campal.
Figura das páginas 552 e 553. Catedral Metropolitana São Francisco de Paula e Praça José Bonifácio, ao
anoitecer. Outubro de 2012 (Ano do Bicentenário). Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Alexandre Neutzling.
Figura da página 557. Representação do tradicional futebol pelotense, com afigura de torcedores empunhando
os distintivos dos três clubes da cidade que desenvolvem o esporte profissionalmente: Esporte Clube Pelotas,
Grêmio Esportivo Brasil e Grêmio Atlético Farroupilha. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.
Figura da página 569. Trapiche da Praia do Laranjal, reformado. Acervo/Colaboração/Fotografia de
Fabiano da Silva Carvalho (Fly Camera Pelotas).
Figura das páginas 574 e 575. Panorâmica da cidade desde seu extremo sul, com o Canal São Gonçalo em
primeiro plano. Vista na direção norte. Ano de 2014. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Eduardo Beleske.
Figura das páginas 592 e 593 (Capa do Caderno Pelotas Bicentenária). Vista parcial noturna da cidade,
desde o alto do edifício inacabado Praça XV, na direção leste. Ano do Bicentenário. Acervo/ Colaboração/

632
Fotografia de Nauro Júnior.
Figura da página 606. “Luzes de Deus”. Registro ímpar de uma tormenta, feito na madrugada de 29 para 30
de dezembro de 1997. Flagrante de uma descarga elétrica sobre a Catedral São Francisco de Paula, capturada
desde a Rua Miguel Barcelos. A fotografia tornou-se imediatamente capa do jornal de maior circulação
estadual, em sua edição de virada de ano. (Excerto). Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.
Figuras das páginas 612 e 613. A Cidade Sem Fios. Trabalho artístico desenvolvido pelo Artista Visual
Rafael Barros. Segundo as palavras do autor, estas imagens representam uma “comparação entre as
percepções de distintos usuários quanto aos atributos formais, qualidade estética, classes econômicas,
ambiente e comportamento de vias comerciais no centro da cidade de Pelotas”.
Figura das páginas 616 e 617. Músico Raul Costa D’Ávila, professor do curso de Música da UFPel, entre
bolhas de sabão, durante atividade cultural acadêmica da Universidade Federal de Pelotas, paralela ao Dia
do Patrimônio 2013. Terraço do edifício da Associação Comercial de Pelotas. Agosto de 2013. Acervo/
Colaboração/ Fotografia de Camila Hein.
Figuras da página 618. Cartaz de uma edição da tradicional Festa da Helô, realizada no ano de 2006, com
design do competente Valder Valeirão, da Nativu Design. Heloísa Helena Duarte, mais conhecida como DJ
Helô, promove há 30 anos concorridas festas, em que ‘coloca para rodar’, através de discos de vinil originais
e CDs, aquilo que gosta de ouvir, o som nacional, encontrando afinidade musical em um público sempre
crescente. Original digital. Acervo Nativu Design. Colaboração de Valder Valeirão.
Figura das páginas 622 e 623. Aspecto do público na Rua do Jazz durante o 3º Pelotas Jazz Festival.
Ao fundo, o concerto de encerramento de Hermeto Pascoal & Grupo, no Palco Tim. Noite do dia 22 de
novembro de 2014. Acervo Pelotas Jazz Festival. Colaboração/ Fotografia de Felipe Campal.
Figura da página 625. Vista geral da Rua do Jazz, desde um dos edifícios no entorno da Praça Cel.
Pedro Osório, na noite de encerramento do 3º Pelotas Jazz Festival. Dia 22 de novembro de 2014. Acervo
Colaboração/ Fotografia de Luiz Paiva Carapeto.
Figura da página 639. Restauradora Cris Rozisky trabalhando em um dos forros de estuque do Casarão
nº 08 da Praça Cel. Pedro Osório. (Sala de Música). Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.

Linha do tempo. Década de 1960.


Figura 1. Cartão Postal. “Foto Postal Colombo”. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 2 e 3. Cartão Postal. “Foto Postal Colombo”. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 4 e 5. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 6. Reprodução digital da página “Pretérita Urbe” (org. Fábio Zündler). Acervo Memorial Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul)
Figura 7. Cartão Postal. “Foto Postal Colombo”. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 8. Original fotográfico. Acervo Aline Montagna da Silveira.
Figuras 9, 10 e 11. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de
Oliveira.
Figuras 12 e 13. Reprodução digital da Página “Retratos da Vida” (Nauro Júnior). Fotografia de Luís
Alberto Elste. Acervo Luís Alberto Elste.
Figura 14, 15 e 16. FI: Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figura 17. A execução do projeto arquitetônico adentrou a década de 1960. Reprodução digital. Fotografia
do ano de 1958. Acervo Sérgio Osorio.
Figura 18. Original fotográfico. Acervo Renato Luiz Mello Varoto.
Figura 19. Original fotográfico. Acervo Guaraci Lucas de Almeida.
Figura 20. Original fotográfico. Acervo Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.
Figura 21. Reprodução. Acervo Custódio Lopes Valente.
Figura 22. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 23. Reprodução digital da página “Pretérita Urbe” (org. Fábio Zündler). Acervo Luiz Felipe Vasques
de Magalhães.

633
Figuras 24, 25, 26 e 27. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Linha do tempo. Década de 1970.
Figura 28. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 29. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 30 e 31. Cartão Postal “Edicard”. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 32, 33, 34 e 35. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 36, 37, 38, 39, 40 e 41. Reprodução digital. Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Capão do
Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva.
Figura 42. Reprodução digital. Acervo Sady Peters.
Figuras 43, 44, 45 e 46. Reprodução digital. Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão.
Colaboração de Arthur Victória Silva.
Figura 47. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54. Reprodução digital de imagem do Folheto “Quatro Anos de
Transformação em Pelotas” (Prefeitura Municipal de Pelotas, 1972). Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figura 55. Reprodução digital de imagem veiculada na Coluna “Lembranças que Lembram”, de Carlos
Marino Louzada (Segundo Caderno do jornal Diário da Manhã). Acervo Custódio Lopes Valente.
Figuras 56, 57, 58, 59 e 60. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 61. Reprodução digital da Página da Associação de Bombeiros de Pelotas (ABomPel). Acervo
Associação de Bombeiros de Pelotas.
Figuras 62, 63, 64, 65, 66 e 67. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 68 e 69. Original fotográfico. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB - FAUrb-
UFPel).
Figura 70. Original fotográfico. Acervo Hélio Freitag Jr.
Figuras 71, 72, 73 e 74. Reprodução digital da Revista Momento (Ano 1. Nº 02. Dezembro de 1976).
Acervo Custódio Lopes Valente.

Linha do tempo. Década de 1980.


Figura 75. Reprodução digital da página “Pretérita Urbe” (org. Fábio Zündler). Acervo Igor Vaz/ Serafim
José Rodrigues Pedrosa.
Figuras 76 e 77. Original fotográfico. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB -
FAUrb-UFPel).
Figuras 78 e 79. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figura 80. Reprodução digital da página “Pretérita Urbe” (org. Fábio Zündler). Acervo Bétto Fagundes
Figuras 81 e 82. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 83, 84, 85, 86, 87, 88 e 89. Reprodução digital. Acervo Tabajara Lucas de Almeida.
Figura 90. Reprodução digital. Acervo Museu SANEP.
Figuras 91 e 92. Reprodução digital. Acervo Tabajara Lucas de Almeida.
Figura 93. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 94 e 95. Original fotográfico. Acervo Hélio Freitag Jr.
Figuras 96 e 97. Original fotográfico. Acervo de Lauro Ferreira (in memoriam). Colaboração de Emerson
Ferreira.
Figura 98. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 99. Original fotográfico. Acervo Hélio Freitag Jr.
Figura 100. Original fotográfico. Acervo de Lauro Ferreira (in memoriam). Colaboração de Emerson Ferreira.
Figura 101. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 102. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória
Figura 103. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 104 e 105. Reprodução digital. Acervo Tabajara Lucas de Almeida.

634
Linha do tempo. Década de 1990.
Figuras 106 a 117. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de
Oliveira.
Figura 118. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 119, 120, 121, 122, 123 e 124. Cartão Postal. Fotografia de Janine Tomberg. Acervo Custódio
Lopes Valente.
Figuras 125, 126, 127 e 128. Reprodução digital. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira
(NEAB - FAUrb-UFPel).
Figuras 129, 130 e 131. Reprodução digital. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). Acervo Hélio
Freitag Jr.
Figura 132. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 133 e 134. Original fotográfico. Fotografia de Custódio Lopes Valente. Acervo Custódio Lopes
Valente.
Figura 135. Reprodução digital. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB - FAUrb-UFPel).
Figura 136. Reprodução digital da página “Pretérita Urbe” (org. Fábio Zündler). Acervo Pretérita Urbe.
Figuras 137 e 138. Reprodução digital. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). Acervo Hélio Freitag
Jr.
Figura 139. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 140. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 141 e 142. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de
Oliveira.
Figura 143. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 144 a 155. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de
Oliveira.
Figura 156. Original fotográfico. Acervo Jonia Haag Tavares.
Figuras 157 e 158. Reprodução digital. Fotografia de Vilmar Tavares (in memoriam). Acervo Hélio Freitag Jr.
Figura 159. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figuras 160 e 161. Acervo/ Colaboração/ Fotografia de Nauro Júnior.

Imagens dos Cadernos do Bicentenário.


Figuras 162, 163 e 164. Reprodução digital. Acervo Alcir Nei Bach.
Figura 165. Reprodução digital. Acervo Osvaldo Andrade.
Figura 166. Reprodução digital. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB - FAUrb-UFPel).
Figuras 167, 168, 169 e 170. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 171 e172. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 173. Reprodução. Acervo Custódio Lopes Valente.
Figura 174. Original fotográfico. Acervo de Adriano Ortiz e Jeni Ortiz (in memoriam). Colaboração de Ana
Lúcia Alt.
Figura 175. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 176. Reprodução digital. Acervo Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB - FAUrb-UFPel).
Figuras 177 e 178. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figura 179. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 180. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figura 181. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 182. Reprodução digital. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e
Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva.
Figura 183. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.

635
Figura 184. Reprodução digital. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense. Colaboração de Cleonice T.
Gonçalves de Morais.
Figura 185. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figura 186. Fotografia, até então inédita, da Antiga Praça da Matriz, ainda com seu chafariz. Vista desde
a atual Rua Miguel Barcellos. Final do século XIX (data estimada). Original fotográfico. Acervo Paulo Luiz
Vianna Bojunga. Colaboração de Paulo Luiz Vianna Bojunga.
Figuras 187 e 188. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 189 e 190. Reprodução digital. Acervo Alcir Nei Bach.
Figuras 191, 192 e 193. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 194, 195 e 196. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figura 197. Reprodução digital. Acervo Sérgio Osorio.
Figuras 198 e 199. Reprodução digital. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico
e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva.
Figura 200. Reprodução digital. Acervo Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.
Colaboração de Luciana Franke e Paulo Franke.
Figura 201. Reprodução fotográfica de Nauro Júnior. Acervo Charqueada São João.
Figura 202. Original fotográfico. Acervo Cíntia Wieth Piegas.
Figura 203. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória. Colaboração de Jonia Haag Tavares.
Figura 204. Original fotográfico. Acervo Cíntia Wieth Piegas.
Figura 205. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figuras 206 e 207. Original fotográfico. Acervo Rubens Ricardo Machado Lima. Colaboração de Ana Isabel
Pereira Corrêa.
Figura 208. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figuras 209, 210, 211, 212 e 213. Cartão Postal. Reprodução digital. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 214. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figuras 215, 216, 217, 218 e 219. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 220. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória.
Figuras 221, 22, 223, 224, 225, 226 e 227. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória. Colaboração
de Jonia Haag Tavares.
Figura 228. Reprodução digital. Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração
de Arthur Victória Silva.
Figura 229. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 230 e 231. Cartão Postal. Reprodução digital. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 232. Reprodução digital (Suplemento da Revista Manchete editado em 1972). Acervo Guilherme
Pinto de Almeida.
Figura 233. Reprodução digital. Acervo Pelotas Memória. Colaboração de Jonia Haag Tavares.
Figuras 234 a 253. Conjunto de fotografias inéditas que compõem um interessante documentário da
cidade de Pelotas na década de 1950. Os originais, de tamanho 3,5cm x 2,5 cm, aproximadamente,
integram o acervo do Historiador Dr. Eduardo Arriada, tendo sido gentil e especialmente cedidos para
reprodução na presente publicação.
Figuras 254 a 258. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figura 259. Reprodução digital da Revista Momento (Ano 1. Nº 02. Dezembro de 1976). Acervo Custódio
Lopes Valente.
Figura 260. Reprodução digital. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 261, 262, 263, 264, 265, 266 e 267. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figuras 268 e 269. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 270. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 271. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figuras 272 e 273. Reprodução digital. Acervo/ Colaboração de Vinícius Porto.

636
Figura 274. Original fotográfico. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 275 e 276. Reprodução digital. Acervo/ Colaboração de Vinícius Porto.
Figura 277. Reprodução digital. Acervo Página Pelotas Antiga (org. Valquíria Pelotas).
Figura 278. Reprodução digital. Acervo Ramão Costa.
Figura 279. Reprodução digital. Acervo Sérgio Osorio.
Figura 280. Reprodução digital. Acervo/ Colaboração de Vinícius Porto.
Figuras 281, 282, 283, 284, 285 e 286. Original fotográfico. Acervo/ Colaboração de Aline Montagna
da Silveira
Figura 287. Reprodução digital. Acervo Bibliotheca Pública Pelotense.
Figura 288. Reprodução digital. Acervo Osvaldo Andrade.
Figura 289. Reprodução digital. Acervo Guilherme Pinto de Almeida.
Figuras 290 e 291. Original fotográfico. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 292. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 293. Original fotográfico. Acervo Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.
Figura 294. Reprodução digital. Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Capão do Leão. Colaboração
de Arthur Victória Silva.
Figura 295. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 296. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figuras 297 e 298. Cartão Postal. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 299. Cartão Postal. Acervo Eduardo Arriada.
Figura 300. Original fotográfico. Fotografia de Leni Dittgen de Oliveira. Acervo Leni Dittgen de Oliveira.
Figura 301. Reprodução digital. Acervo Darcy Moreira dos Santos (in memoriam)/ Instituto Histórico e
Geográfico de Capão do Leão. Colaboração de Arthur Victória Silva.

Seleção de imagens enviadas pela comunidade pelotense especialmente para a presente publicação.
Figuras 302 a 388.
As referências destas figuras encontram-se anotadas em suas respectivas páginas, logo após as legendas.

Linha do tempo. Imagens a partir do ano 2000.


Figuras 389 a 660.
As referências destas figuras encontram-se anotadas em suas respectivas páginas, igualmente.

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Composto com os tipos
Libra SansSerif e Libra SansSerif Light, em
papel couche 170g e impresso no
Parque Gráfico da Pallotti,
Santa Maria, RS.

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