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lj uit i “A lingua dos surdos & transmitida S N a | S cada vez que uma mde surda segura seu bebé em seu peito ¢ sinalza para ole" traci Lea, A lingua de sinais é universal? ma das cren¢as mais recorrentes quando sé fala em lingua de sinais é que ela é uni- versal. Uma vez que essa universalidade esta ancorada na ideia de que toda lingua de sinais é um “cédigo” simplificado apre- endido e transmitido aos surdos de forma geral, é muito comum pensar que todos os surdos falam a mesma lingua em qualquer parte do mundo. Ora, sabemos que nas co- munidades de linguas orais, cada pais, por exemplo, tem sua(s) prépria(s) lingua(s). Embora se possa tragar um his- térico das origens ¢ apontar possiveis parentescos e semelhancas no ni- vel estrutural das linguas humanas (sejam elas orais ou de sinais), alguns fatores favorecem a diversificacao e a mudanca da lingua dentro de uma comunidade linguistica, como, por exemplo, a extens&o e a descontinui- dade territorial, além dos contatos com outras linguas. Com a lingua de sinais nado é diferente: nos Estados Unidos, as sur- dos “falam” a lingua americana de sinais; na Franga, a lingua francesa de TR ups: Que Lincs fssaz sinais; no Japdo, a lingua japonesa de sinais; no Brasil, a lingua brasileira de sinais, e assim por diante. Vejamos abaixo a diferenca do sinal “mae” em 4 diferentes linguas de sinais: Lingua austraana, Lingua americana de sinais ‘de sinais x Retiado e adaptaco de Moore & Levan (S93 381 Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, haverd linguas de sinais. Podemos dizer que o que é universal 6 o impulso dos individu- os para a comunicagao e, no caso dos surdos, esse impulso é sinalizado. A lingua dos surdos nao pode ser considerada universal, dado que nao funciona como um “decalque” ou “rétulo” que possa ser colado e utili- zado por todos os surdos de todas as sociedades de maneira uniforme e sem influéncias de uso. Na pergunta sobre universalidade, esta também implicita uma tendéncia a simplificar a riqueza linguistica, sugerindo que talvez para os surdos fosse mais facil se todos usassem uma lingua tni- ca, uniforme. 0 paralelo é inevitavel: e no caso de nossa lingua oral, essa perspectiva se mantém? Mesmo que, do ponto de vista pratico, tal unifor- midade fosse desejavel, seria possivel a existéncia, nos cinco continentes, de uma lingua que, além de tinica, permanecesse sempre a mesma? A lingua de sinais é artificial? Crenga. A lingua de sinais dos surdos ¢ natural, pois evoluiu como parte de um grupo cultural do povo surdo. Consideram-se “artificiais” as linguas construidas ¢ estabelecidas por um grupo de individuos com algum propé- sito especifice. O esperanto' (lingua oral) e o gestuno (lingua de sinais) sao ‘ Atualmente, a lingua auxiliar planejada mais talada é 0 esperante. O russo Ludwik Lejzer Za- menhof, oftalmologista e filélogo, publicau, em 1887, a versio inicial do idioma, com o objetivo de AUNGLA DE NaS TS exemplos de linguas “artificiais”’, cujo objetivo maior é estabelecer a comu- nicagao internacional. Esse tipo de lingua funciona como uma lingua auxiliar ou franca. O gestuno, também conhecido como lingua de sinais internacia- nai, é, da mesma forma que o esperanto, uma lingua construida, planejada. O nome é de origem italiana e significa “unidade em lingua de sinais”. Foi mencionada pela primeira vez no Congresso Mundial na Federagao Mundial dos Surdos (World Federation of the Deaf- WED) em 1951. Em meados da década de 1970, o comité da Comissdo de Unificacdo de Sinais propunha um sistema padronizado de sinais internacionais, tendo como critéria a sele- go de sinais mais compreensiveis, que facilitassem o aprendizado, a partir da integragao das diversas linguas de sinais. A comunidade surda, de forma geral, nao considera o gestuno uma lingua “real”, uma vez que foi inventa- da e adaptada. Atalmente, entretanto, cursos sao oferecidos, e os adeptos do movimento gestunista divulgam 0s sinais internacionais em conferéncias mundiais dos surdos (Moody, 1987; Supalla & Webb, 1995; Jones, 2001). A lingua de sinais tem gramética? Absolutamente, 0 reconhecimento linguistico tem marca nos estu- dos descritivos do linguista americano William Stokoe em 1960. No to- cante as linguas orais, as investigagées vém acontecendo ha muito mais tempo, jd que em 1660 (ou seja, trezentos anos antes) desenvolveu-se uma “teoria de lingua em que as estruturas e categorias gramaticais po- diam ser associadas a padrées légicos universais de pensamento” (Crystal, 2000: 204), postulada na Gramatica de Port-Royal’. As linguas de sinais, ccriar uma lingua de aprendizagem muito ficil, que funcionasse como lingua franca internacional ‘para os poves de todos os cantos do mundo. Sabe-se, entretanto, que nenhuma nagdo adatou o ‘esperanto como sua lingua, mas registra-se um uso por uma comunicade de mais de 1 milhdo de falantes. A lingua ¢ empregadaem varias situages e os adeptos de movimente esperantista imple- mentam e desenvolvem cursos do esperanto.em alguns sistemas de educagio (Santiago, 1992). 2 Os seguidores do movimento esperantista nao utilizam a termo “artificial”, pois acreditam que hd, sim, aspectos naturais na comunicagio no esperanto, ¢ preferem termos-como lingua- gem plancjada ou auxiliar para defini-lo. Eles argumentam que as linguagens naturais também tém "certa artificialidade”, quando se pensa nas medidas normativas (gram/ticas normativas) que postulam regras para as linguas de uma forma geral. Trata-se de uma questdo conceitual, polémica e em constante debate (Santiago, 1992). Este nome é dado a um grupe de estudiosos do século XVII que seguia as ideias de René Descartes. Port-Royal era um convente, ae sul de Versailles, na Franca. Insatisfeitos com o mé-

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