Você está na página 1de 16

A SIRENE

Edição nÚmero 5 - agosto


PARA NÃO ESQUECER

Atingidos?
“ Eu tinha um açougue em Bento Rodrigues, era minha
principal fonte de renda. Perdi minha casa, meu esta-
belecimento comercial e toda minha mercadoria. Hoje
estou em Mariana e recebo o cartão. Mas não recebi
adiantamento da indenização.”
Agnaldo Silva

“Eu gasto mil e duzentos reais só de taxi todo mês para


resolver o problema de saúde que a minha filha desen-
volveu em decorrência da poeira de rejeito que tomou
conta de Barra Longa. Não recebi adiantamento de in-
denização.”
Simone Silva
2 A SIRENE Agosto de 2016

EDITORIAL
Em nove meses, desde o rompimento da barragem
Todas/os merecem ser acolhidas/os!
de Fundão, a luta por direitos ainda é marcada por Acolher é estender as mãos quando o outro mais precisa,
indefinições e insegurança. mais do que nunca, o
possibilitando que novos caminhos sejam construídos.
espírito da união, da luta coletiva, mostra-se essencial.
É o que reforça Espedito Silva, atingido de Bento
A verdadeira acolhida acontece quando olhamos para o
Rodrigues, em seu depoimento sobre as mudanças lado e nos deparamos com as histórias, as necessidades,
na vida dos pequenos comerciantes atingidos. o olhar do outro sobre a vida e compreendemos e respei-
A definição sobre quem deve ser considerado tamos as diferenças.
atingido ainda é uma disputa, o que dificulta o Acolher significa respeitar e, se possível, entender. Signi-
entendimento e a luta pelos direitos. A suspensão do fica estar cada vez mais junto.
“Acordão”, discutida na edição anterior, trouxe novas E este gesto tão importante e grandioso possibilita o
inseguranças e o receio de que esse debate pode exercício do amor fraterno
continuar sem a participação coletiva. Nesta edição,
buscamos contribuições para melhor compreensão
sobre essa grande controvérsia.
Pratique essa ideia. Acolha!
A possível construção do “dique” S4 nas terras de
Bento Rodrigues amplia a insegurança sobre o direito
à propriedade e à manutenção das memórias. Em
mais uma matéria sobre o tema, buscamos esclarecer
de que forma essa proposta poderá afetar Bento
Rodrigues e toda a bacia do rio doce.
CUIDADO
As comunidades buscam manter suas tradições para
se fortalecerem. Em mariana, o direito à propriedade Não assine nada:
é reforçado pelos atingidos de Bento Rodrigues com
muita persistência. Em Barra Longa, a marujada  Se tiver dúvidas sobre o conteúdo.
reforça as tradições populares e a relação da cidade  Se precisar de ajuda de um advogado ou qual-
com o rio, atingido pelo rejeito.
As aflições de Barra Longa dialogam também com
quer outro especialista.
a primeira edição do A Sirene, “Viver tem sido uma  Se alguém disser que “todo mundo já assinou,
Barra”, e reforça outras dimensões da nossa luta como só falta você”.
atingidos: a presença latente da morte (no soneto de  Se você quiser consultar algum familiar antes.
Sérgio Papagaio), os problemas de saúde decorrentes
do rompimento da barragem de Fundão e a luta pelo
 Se alguém disser que “se não assinar, não terá
direito de trabalhar. mais direito”.
Por tudo isso, torna-se cada vez mais urgente a
necessidade de assumirmos uma postura ativa
Atenção!
 Se alguém tentar fazer você assinar qualquer
na reconstrução do nosso modo de vida, como
protagonistas de nossas própria luta e com o coisa, procure o ministério Público ou a Comis-
direito de escolher quem poderá nos ajudar nessa são dos Atingidos.
caminhada. Nesse sentido, trazemos um texto com  O tempo para analisar e questionar qualquer
esclarecimentos sobre assessorias técnicas, direito
pelo qual também precisamos lutar.
documento é seu!
A história de isabella, uma criança de 8 anos,
moradora de Pedras, fecha essa edição lembrando-nos Leve essa mensagema todos os outros atingidos!
o valor da natureza, tão intrinsecamente relacionada
à vivência de todos nós, que reivindicamos o cheiro
das matas e frescor dos rios tão presentes nas nossas
memórias.

EXPEDIENTE
Realização: Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão/mariana | Apoio: #UmminutodeSirene, UFOP, Arquidiocese de mariana,
movimento dos Atingidos por Barragens (mAB) | Editor: milton Sena | Colaboradores: Adelaide dias Novaes, Ana Elisa Novais, Antônio
geraldo dos Santos, Cristiano José Sales, Elke Pena, Espedito Lucas da Silva, Felipe Pires, Fernanda tropia, genival Pascoal (geninho Bravo),
Juçara Brittes, Lucas de godoy, isabella Walter, Lucimar muniz, Luiza geoffroy, manoel marcos muniz, marília mesquita, marlene Agostinha,
mônica dos Santos, Sérgio Papagaio, Silvany diniz, Simone maria da Silva, Stênio Lima | Fotografia: Ana Elisa Novais, Lucas de godoy,
Rui Souza, Stênio Lima | Projeto Gráfico/Diagramação: Larissa Pinto, marilia mesquita, Silmara Filgueiras, Stênio Lima | Revisão: Ana Elisa
Novais, Elke Pena, giovani duarte | Agradecimentos: débora Rosa, Pe. geraldo martins, ministério Público de minas gerais, gEdEm (grupo
de Estudo sobre discurso e memória), gEStA (grupo de Estudos em temáticas Ambientais) | Impressão: Sempre Editora | Tiragem: 2.000
exemplares | Contato: jornalasirene@gmail.com.
Agosto de 2016 A SIRENE 3

Agenda
Informes Julho
07 – A Samarco informou que assinou com o Ministério Público de Minas Gerais, Termo de Compromisso Preliminar,
tendo como objetivo a adoção de medidas emergenciais que visam à preservação do Patrimônio Cultural sacro existente nas
localidades de Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira, afetadas pelo rompimento da Barragem de Fundão. Dentre as obriga-
ções foi instituída a reserva técnica, localizada em Mariana, espaço físico destinado para recebimento e guarda do acervo do
material resgatado em campo. O espaço passa por adequações. Este acervo conta hoje com mais de 700 (setecentas) peças,
estando programada para dezembro uma exposição com itens.

21 - Foi acordado entre a Comissão dos Atingidos, os atingidos e a Samarco Mineração S.A o auxílio para pagamento das
contas de luz dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Para efetivação deste acordo, os inquilinos residentes
em casas alugadas pela Samarco deverão apresentar, a partir do dia 08/08/15, as contas de luz dos meses de agosto/setem-
bro/outubro de 2015 e também as contas de abril/maio/junho de 2016, assim como o termo de transferência da titularidade
das contas em nome do titular do cartão chefe de família. É necessária a presença do titular do cartão Policard. A diferença
média do gasto com energia elétrica será paga retroativo a março /2016.

Agosto
01, 15, 29
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Pedras – 17:00 h – Escritório dos Atingidos.

01, 08, 10, 22, 25


Reunião Interna da Comissão dos Atingidos – 18:00 h – Escritório dos Atingidos.

02, 09, 16, 23, 30


Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues – 18:00 h – Escritório dos Atingidos.

03, 10, 17, 24, 31


Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu – 18:00 h – Escritório dos Atingidos.

O4
Reunião Pública Geral dos Atingidos de Mariana/Samarco/Ministério Público – 18:00 h Centro de Convenções.

18
Assembleia Pública Geral dos Atingidos de Mariana/Ministério Público – 18:00 h Centro de Convenções.
Reunião Pública Geral da Comissão dos Atingidos de Mariana/Comunidades Atingidas de Bento/Paracatu e demais
localidades – 19:00 h Centro de Convenções.

25
Reunião Pública Geral dos Atingidos de Mariana/Samarco/Ministério Público – 18:00 h Centro de Convenções.
4 A SIRENE Agosto de 2016

DIQUE? O QUE É?
DIQUE S4 -
Diques, assim como barragens, são estruturas para conter água. O
termo tem origem na palavra holandesa “dijk”, que se refere ao lugar COMUNIDADE
onde esses recursos são muito usados para controlar inundações. A
principal diferença entre diques e represas é que os primeiros nor- O que o dique S4 irá alagar? Somente casas e ruínas? Ou
malmente são estruturas mais simples, geralmente construídas com também memórias? Ninguém será arbitrariamente pri-
terra e rochas. vado da sua propriedade? Como vamos acessar o Bento?
Por ser um suporte de tamanho considerável, a escolha da posição de Participar das decisões acerca do futuro é um direito, e,
um dique visa ao menor custo de construção e à maior capacidade de antes de tomar qualquer decisão, devem-se conhecer ou-
represamento. O solo abaixo da estrutura precisa ser resistente, para tras alternativas.
suportar seu peso, e pouco permeável, para impedir a passagem da
água por baixo da estrutura. “A construção do dique S4, para mim, tem outros motivos
A construção de um dique tem como resultado o represamento da além de conter rejeitos que ainda restam da barragem de
água e, portanto, o alagamento de uma área. No caso de Bento Ro- Fundão. Pela quantidade de lama que ainda existe, penso
drigues, o dique S4 irá alagar propriedades particulares, e o tamanho que ele é insuficiente para remendar todos os problemas
da área alagada ainda não é claro para os atingidos. que possam vir com o período chuvoso que se aproxima.
“A Samarco pretende, ainda, construir outros três diques dentro do A empresa tem que encontrar outro meio para solucionar
Rio Gualaxo do Norte até o Município de Barra Longa para reter os seu problema. Não podem ferir ainda mais os sentimen-
rejeitos trazidos para a calha do rio por erosão em seguida à ocorrên- tos das pessoas. Já sofreram demais por ter perdido seu
cia de chuvas, operação essa ainda não autorizada.” Relatório Final lares.” Antônio Geraldo dos Santos
- Comissão Extraordinária das Barragens/Belo Horizonte 2015/2016 “Para mim, não podemos admitir que a cena do crime seja
“Durante o início das obras do Dique S4 (abertura de acessos para encoberta com a água e rejeito. As únicas prova e garantia
sondagens), foi mapeada a existência de trechos de muros na região que temos são as ruínas e as casas que sobraram. A cons-
do Bento com significativo valor cultural (muros arqueológicos). A trução do dique S4 é inadmissível neste momento. Não
necessidade de levantamento das peças desses muros gerou a para- conseguimos assimilar a perda que tivemos e tão cedo
lisação temporária das obras de construção do Dique S4.” Trecho do eles já querem tomar o que é nosso, aquilo que levamos
Parecer do Comitê Interfederativo. gerações para construir. Querem nos furtar. Estão usando
“(...) foi solicitado à Samarco apresentar os estudos de alternativas a forma mais covarde para fazer isso: quando dizem que
ao S4 de forma detalhada e justificada, com foco nas características a única solução é a construção do dique S4, querem nos
estruturais além de locacionais.” Nota Técnica IBAMA, 29 de Junho por contra a parede, quando na verdade acho que querem
2016 é tirar o que é nosso.” Antônio Geraldo dos Santos

Foto: Dique S3
Agosto de 2016 A SIRENE 5

- Problema ou solução?
CONFIANÇA POR Antônio Geraldo dos Santos,
Cristiano José Sales, Lucimar Muniz
“(...) Devido à inação da empresa para retirada do rejeito
e Manuel Marcos Muniz Com apoio de
acumulado nas margens dos cursos d’água, observou-se, ainda Felipe Pires, Isabella Walter, MAB e
durante a última visita técnica, que a água do Rio Gualaxo do Stênio Lima
Norte continua turva, mesmo após ter sido limpa pelo dique S3,
piorando sua turbidez ao longo do caminho, pelo carreamento
da lama.” Relatório Final - Comissão Extraordinária das
Barragens/Belo Horizonte 2015/2016
“A empresa tem a proposta dela para o dique e dá várias garantias
de como tudo será feito. Mas, depois de 9 meses do rompimento
da barragem, podemos confiar plenamente no discurso dela?
Quem garante que não haverá alteamento do dique S4 após um
tempo, com o argumento de que sem altear ele não vai resolver o
problema de descida da lama? Se ele for alteado, vai alagar uma
área maior ainda da comunidade de Bento Rodrigues. Há muito
mais coisa em jogo: provas do crime, cultura, história.” MAB
“Em relação à construção do dique, quem irá fiscalizar o dique
S4? Os mesmos órgãos ambientais que deveriam fiscalizar a
barragem que se rompeu? Se o dique S3 não foi suficiente, o
dique S4 será? Quem garante a segurança de um dique feito
às pressas? Todas as comunidades devem ficar atentas a essa
questão, porque, se os diques não forem seguros, será mais
transtorno para as comunidades rio abaixo, como Ponte do
Gama, Paracatu, Pedras, Campinas, Gesteira etc.” MAB
6 A SIRENE Agosto de 2016

Direito de entender
Por Milton Sena e Antônio geraldo dos Santos
Com apoio de Adelaide Dias, Felipe Pires, Isabella Walter e Marília Mesquita

Assessoria Técnica é o serviço de profissionais de confiança, com co-


nhecimentos especializados para dar apoio a uma ou mais pessoas na
hora de tomar decisões. Por exemplo, imagine que você vai comprar
um carro usado. Você vai à concessionária e pede a um atendente que
lhe indique um modelo de acordo com seus costumes e necessidades.
Para se decidir, você leva o carro a um mecânico de sua confiança. Ao
responder suas dúvidas, o mecânico, nesse caso, está fazendo o papel
de uma assessoria técnica.
Pensando no caso dos atingidos pelo rompimento da barragem de


Fundão, a assessoria técnica coletiva é um direito exigido pela Ação
Civil Pública de 10 de dezembro de 2015. Ao ser contratada, irá
acompanhar e garantir uma participação com segurança em etapas
como: escolha do terreno de reassentamento, cadastro socioeconô-
mico, definição do valor das indenizações, desenvolvimento de pro-
jetos de reconstrução, recuperação ambiental de área degradadas,
apoio psicológico, preservação do patrimônio cultural, entre outros.

A Samarco não tem qualquer gerência


sobre a assistência técnica; a assistência
técnica é para a parte autora do processo,
não para os réus do processo. A empresa
deve apenas custear esses valores.
É importante frisar que o dinheiro da
assistência técnica não vai ser retirado
do dinheiro das indenizações. isso
não vai gerar qualquer prejuízo para
os atingidos.”
Guilherme de Sá Meneghin
Promotor de Justiça do ministério Público de minas gerais

A assessoria técnica, com uma formação


que compreende várias áreas, tem o
propósito de ajudar os atingidos a fazer
a leitura daquilo que a empresa está
propondo, através de um grupo de
confiança dos atingidos.”
Padre Geraldo Martins
Coordenador Arquidiocesano de Pastoral
Agosto de 2016 A SIRENE 7

Segurança
Manoel Marcos Muniz, conhecido como Marquinhos, morou
desde os 6 anos de idade em Bento Rodrigues, terra natal de
seu pai, seu Neco. Por 29 anos e 10 meses trabalhou na Samar-
co Mineração até se desligar no dia 04 de novembro de 2014.
A partir de um bate-papo cheio de inquietações ele descreve o
cotidiano de uma empresa movida por rígidas regras de segu-
rança que lhe garantiam a sensação de trabalhar em um am-

até que
biente protegido.
“A realização de APR (Análise Preliminar de Risco), de DDS
(Diálogo diário de Segurança), de tagueamentos que são o blo-
queio de equipamentos para manutenção, de exames toxicoló-
gicos, de simulações com portas de emergências, de descrições
de riscos e pontos de encontros, de treinamentos e cursos de
reciclagem era comum em minha rotina.
Não se admitia a improvisação de ferramentas ou equipamen-
tos, e exxigia-se a troca ou a manutenção imediata dos itens
que não se encontravam em conformidade com as normas de

ponto?
segurança da empresa.
Eu trabalhei em uma empresa que tem um trânsito interno com
velocidade controlada. Que faz cumprir procedimentos como
a utilização de óculos de segurança, botas, capacete, protetor
auricular, luvas, máscaras, que realiza SIPATs (Semana Inter-
na de Prevenção de Acidentes), com todos os funcionários, in-
cluindo os terceirizados. Que construiu credibilidade nacional
e internacional junto ao mercado, conquistando selos de quali-
dade e prêmios de excelência na área. A severidade da empresa
em relação à segurança se resume em uma frase emblemática:
acidente com vítima é inadmissível.
No dia 05 de novembro de 2015, um ano e um dia após meu
desligamento e início do processo de aposentadoria, eu vi a
minha terra, Bento Rodrigues, ser destruída pelo rompimento
da Barragem de Fundão, pertencente à mesma empresa em que
eu vivenciei rotinas de procedimentos de segurança interna.
Ao ver a confiança e o respeito pela empresa na qual trabalhei
se desfazerem, eu me pergunto: por que uma empresa que visa
tanto à segurança conviveu durante anos com uma barragem
A Samarco instalou esta sirene no que tinha risco eminente de se romper? Por que uma empresa
distrito de Paracatu de Baixo depois reconhecida por seus selos de qualidade e prêmios de excelên-
do rompimento da barragem. A foto cia não prioriza as leis de Barragens?
foi feita em abril de 2016. Hoje, agosto Com tanta segurança interna, por que não havia sirene em
de 2016, a Sirene não está mais lá. Bento?

Por Marcos Muniz


Com apoio Ana Elisa Novais, Silvany
Diniz E Stênio Lima
8 A SIRENE Agosto de 2016

SAMARCO MINERAÇÃO Profa. Raquel Oliveira - GESTA – Grupo de Estudos


em Temáticas Ambientais – UFMG
O termo de transação e de Ajustamento de Condu-
ta (ttAC), firmado em março deste ano e conforme O conceito que a Samarco realiza parece uma simplifi-
discussão com as autoridades públicas competentes, cação das noções de deslocamento físico e deslocamen-
criou critérios para definir os impactados. [Ver crité- to econômico do Ressetlement Handbook da interna-
rios no texto do ttAC (Acordão), disponível em www. tional Finance Corporation (iFC), que é um braço do
cbhdoce.org.br]. tiveram direito ao adiantamento de grupo Banco mundial. mas o conceito de habitação
indenização as pessoas que tiveram perda de imóvel regular do iFC é complicado porque as áreas rurais e
(R$20 mil), casa com toda a mobília incluída, e perda urbanas estão conectadas na vida das pessoas. Uma fa-
de familiar (R$ 100 mil), segundo critérios definidos mília pode precisar morar temporariamente na cidade,
no termo de Ajustamento de Conduta (tAC) firma- por questões de acesso a serviços de saúde e educação,
do com o ministério Público de minas gerais no dia ou pode dividir seus dias entre a casa na roça e na cida-
23 de dezembro de 2015. Os direitos variam para cada de. Como determinar o que é habitação regular? deslo-
tipo de impacto. Um programa de cadastramento dos cado físico não é aquele que perdeu habitação regular,
impactados abrangerá todo o território impactado em mas aquele que sofreu realocação física decorrente da
minas gerais e no Espírito Santo e será finalizado até impossibilidade de manter antigas formas de vida. Na
o final deste ano. O cadastro nesta fase é fundamental minha opinião, essa concepção é limitada, mas o modo
para o mapeamento de necessidades, levantamento de como tem sido operacionalizada pela mineradora pode
informações para realização de futuras ações para mi- reduzir ainda mais o direito dos atingidos.
tigar os impactos causados pelo rompimento da barra-

ATIN
gem de Fundão.

Por Antonio Geraldo Santos, Genival Pascoal, Lucimar Muniz


Com Apoio de: Ana Elisa Novais, Elke Pena, Silmara Filgueiras

Prof. Willian Menezes Profa. Andrea Zhouri – GESTA – Grupo de Estudos


Departamento de Letras - UFOP em Temáticas Ambientais – UFMG
GEDEM (Grupo de Estudos sobre Discurso e Memória)
muitas pessoas que não perderam casa ou emprego,
Atingidos e impactados são termos que, por vezes, mas perderam terrenos, plantações, criações, pasto
podem ser trocados um pelo outro, entretanto, não para gado, perderam com isso muitos trabalhos e ti-
são termos iguais; em casos concretos nem sempre veram também suas vidas alteradas de diversas formas
um pode ser trocado pelo outro sem alguma perda de pelo rompimento da barragem. Assim, deveriam ser
sentido. O caso do rompimento da barragem é um de- indenizadas imediatamente. A definição de quem vai
les. O atingido é um sujeito de direitos – um cidadão ser incluído e quem será deixado de fora não deveria
– que sofreu perda (material, psicológica, simbólica, se tornar uma disputa entre os atingidos. Um levan-
ambiental etc.) em decorrência de um fenômeno ex- tamento a partir da perspectiva dos atingidos seria
terno e cujo responsável é um outro sujeito (no caso essencial. direitos não deveriam ser negociados dessa
a mineradora). Apesar de todas as perdas, não perde- forma, externa à realidade das pessoas envolvidas, que
ram a condição de sujeitos de direitos. Assim, o termo traz sofrimentos e perdas adicionais às vítimas.
impactados, quando aplicado aos atingidos, parece ser
insuficiente para dar conta dos direitos porque repre-
sentam, ao mesmo tempo, uma dimensão mais fluida
em termos da definição de direitos e ressarcimentos.
Agosto de 2016 A SIRENE 9

Profa. Rita de Cássia Liberato – Professora do Depar- MAB (Movimento do Atingidos por Barragens)
tamento de Ciências Sociais da PUC Minas.
Eduardo Gontijo – Graduando em Ciências Sociais Os critérios para definição de quem é atingido de-
pela PUC Minas vem ser construídos pelas próprias famílias e de-
vem estar claros para todos, de forma a garantir
O termo “atingidos” é usado para designar pessoas ou que todos os atingidos sejam reconhecidos como
comunidades abrangidas, acertadas, acometidas, afeta- tais. O que vemos em mariana, Barra Longa e
das ou impactadas por fenômenos naturais (tempesta- ao longo do Rio doce é justamente o contrário.
des, enchentes, deslizamentos, etc.) ou decorrentes de Os atingidos não construíram os critérios e não
ações antrópicas (produzidas pelos seres humanos), têm clareza sobre eles. Alguns critérios adota-
como construções de barragens, alteração de cursos de dos, inclusive, não correspondem à realidade das
rios, construção de estradas, incêndios, rompimento de famílias. Há muitas dúvidas de por que algumas
barragens, etc. A expressão impactado/as, empregado famílias receberam cartão e outras não, por que
pela Samarco, reduz as perdas e, por extensão, o sofri- algumas famílias receberam R$20 mil e outras
mento, pois as pessoas podem ser impactadas por infor- R$10mil. Em toda a bacia do Rio doce há muitas
mações, notícias, etc. famílias que ainda não receberam nada.

GIDO
Um conceito em disputa
Decreto Presidencial 7.342/2012 atingidos dependam economicamente, em virtude da
www.planalto.gov.br ruptura de vínculo com áreas do polígono do empre-
endimento;
Art. 2o - O cadastro socioeconômico previsto no arti- V - prejuízos comprovados às atividades produtivas
go 1o deverá contemplar os integrantes de populações locais, com inviabilização de estabelecimento;
sujeitas aos seguintes impactos: Vi - inviabilização do acesso ou de atividade de mane-
i - perda de propriedade ou da posse de imóvel locali- jo dos recursos naturais e pesqueiros localizados nas
zado no polígono do empreendimento; áreas do polígono do empreendimento, incluindo as
ii - perda da capacidade produtiva das terras de par- terras de domínio público e uso coletivo, afetando a
cela remanescente de imóvel que faça limite com o po- renda, a subsistência e o modo de vida de populações;
lígono do empreendimento e por ele tenha sido par- e
cialmente atingido; Vii - prejuízos comprovados às atividades produtivas
iii - perda de áreas de exercício da atividade pesqueira locais a jusante e a montante do reservatório, afetando
e dos recursos pesqueiros, inviabilizando a atividade a renda, a subsistência e o modo de vida de popula-
extrativa ou produtiva; ções.
iV - perda de fontes de renda e trabalho das quais os
10 A SIRENE Agosto de 2016

Mãos que não querem parar


Por Espedito lucas Silva, Iracema Pereira de Oliveira, Valéria Souza,
comerciantes de Barra Longa
Com apoio de Ana Elisa Novaes, Juçara Brittes, Larissa Pinto, MAB,
Silvany Diniz
ESPEDITO
Eu perdi uma parte do mel que pro-
duzia na minha casa em Bento Rodri-
gues. Eu mesmo fazia minhas caixas
e dava manutenção, o que barateava
os custos. Eu vendia no atacado, aqui
em Mariana, e vendia para Mel San-
ta Bárbara também. Eu perdi todos os
materiais da apuração do mel mais as
vinte e cinco colmeias produtivas. Eu
perdi mais ou menos meio a meio das
colmeias. Depois de muita burocracia
eu consegui pegar as que sobraram no
Bento, e elas nem estavam na área de
risco. Mas eu peguei a liberação com a
Defesa Civil e levei tudo sozinho. Hoje
tá muito difícil apurar o mel. Tenho
que fazer isso em Fonseca, em casa de
favores, por causa das máquinas que
eu não tenho mais. Se juntar o geral, o
meu trabalho mais o cartão da Samarco, dá mais ou menos a mesma coisa. Mas aumentou a dificuldade, porque eu produzia
na minha casa e agora, tenho que andar cinquenta quilômetros. Também, o custo de vida aqui em Mariana é muito mais caro.
Lá eu trabalhava de pedreiro de dia e, à tarde, apurava o mel. Como eu faço isso aqui hoje? Hoje eu não consigo trabalhar
de pedreiro. Mas, na verdade, o que eu sofro é sair da rotina. Eu consigo, com ou sem a Samarco, me manter. Mas a minha
preocupação não é comigo. Eu tô na luta é porque tem gente que perdeu tudo. Não é o eu, é a comunidade. Nós hoje estamos
recuados. Eu queria deixar uma mensagem pra mantermos sempre a união e não abrirmos mão dos direitos. Manter sempre
a esperança e a luta pra conseguir os objetivos em conjunto.

IRACEMA
Em Paracatu, eu tinha minha sorveteria.
Tinha fila e mais fila. Eu tinha ganhado
uma receita bem natural de uma amiga,
com leite tirado da vaca, fruta colhida
no quintal. É segredo nosso! Fiz o pri-
meiro pote de sorvete, vendi tudo. De-
pois a venda se repetiu e foi dando lucro.
Aí comprei meu primeiro freezer e fui
ampliando o negócio. Quando teve o de-
sastre, eu tinha comprado um grande es-
toque para a sorveteria, com o dinheiro
das vendas do feriado de finados. Nem
deu tempo de fazer o sorvete. Perdemos
tudo: casa, criacão, horta e a obra para
ampliação da sorveteria. A Samarco me
propôs alugar um ponto pra eu retomar
a sorveteria em Mariana, mas, aqui, tem
muita concorrência, os ingredientes ca-
ros e todos artificiais. Não tem como dar
certo. Então, de comerciante, eu passei a ganhar 20% do salário mínimo. Foi difícil perder tudo. Não só a sorveteria, mas
minha máquina de costura também. Ela era especial: com as costuras consegui comprar meu primeiro freezer para guardar o
sorvete caseiro que eu fazia. Eu ganhei uma máquina nova de uma jornalista. Com ela ganho uns trocados fazendo pequenos
consertos. Não sou mal-agradecida, mas o sentimento é diferente.
Agosto de 2016 A SIRENE 11

VALÉRIA
Eu mexia com cabelo desde nova,e
quando me tornei maior de idade, fi-
chei na Vix. Trabalhei lá por seis mêses
como sinaleira na barragem que estou-
rou. Já saí de lá fichando na Manserv. E
mexia com cabelo também. Depois de
uns anos, saí da Manserv e fiquei traba-
lhando só com cabelo. E comecei fazer
pão também pra vender. Hoje eu só tra-
balho com cabelo. Eu perdi tudo, tudo
mesmo. Eu ia na casa das pessoas ou as
pessoas iam lá em casa. Dos materiais de
fazer pão, perdi as formas: eu assava o
pão no fogão de lenha. Aqui não dá pra
fazer, porque gasta muito gás, demora
mais, não fica tão bom, não compensa.
Quando a barragem estorou, eu fiquei
morando em hotel e Luciane Carneiro,
me chamou pra trabalhar lá no salão dela. Foi um momento bom, com movimento de final de ano, uma ajuda e tanto. Aí eles
alugaram minha casa, eu mudei pra cá, pro salão da Ana Lúcia. E tô aqui, só mexendo com cabelo. Lá no Bento eu ganhava
menos, mas fazia mais com o dinheiro do que o que eu faço aqui. Aqui o gasto é muito maior. Tudo aqui a gente tem que
comprar. Eu quero voltar pro meu lugar, sair da cidade, voltar pro Bento.

COMERCIANTES DE BARRA LONGA


Nós, os comerciantes da Rua Venâncio Lino Mol, da tar a loja para que voltássemos o mais rápido possível, mas
cidade de Barra Longa/MG, estamos passando por não recebemos o retorno favorável. Estamos trabalhando
momentos difíceis desde o rompimento da Barragem em outro ponto comercial longe dos outros comércios e em
de Fundão, da mineradora Samarco. Estamos indig- uma loja que não oferece espaço suficiente para uma boa
nados com tanto descaso da empresa com relação à exposição das mercadorias o que vem ocasionando perdas
nossa situação que ainda não foi solucionada. Estamos nas vendas e perdas de mercadorias. Gostaríamos que a
fora do nosso estabelecimento desde a data da tragé- empresa Samarco tivesse mais sensibilidade para conosco e
dia e até hoje não obtivemos uma resposta de quando conseguisse solucionar nossos problemas.
voltaremos ao normal. Já procuramos os responsáveis Loja Opção, Isabela Calçados, Priscila Presentes
pelo comércio e apresentamos o orçamento para mon-
12 A SIRENE Agosto de 2016

De fora pra
Em gesteira pelo menos trabalhamos
muito com a cultura. A gente fazia a
Folia de Reis lá. Hoje parou tudo, por-
que espalhou o pessoal todo. Os mais
velhos estão morrendo, e os mais no-
vos não querem mexer com essas coi-

dentro
sas. mas eu tenho vontade de tá vol-
tando. tudo de novo. dançando lá,
cantando Folia de Reis. tô aposentan-
do. E, se deus quiser, quando aposen-
tar, eu vou voltar a mexer.
Em Barra Longa os marujos de Nossa
Senhora Aparecida têm mais de 100
Por Simone Silva anos, vieram com os escravos e é pas-
Com apoio de ana Elisa novais, Marília mesquita sado de pai para filho. Hoje o mestre é
e Silvany Dinis. o Zé; e antes era o pai dele, e foi o avô


dele que passou para o pai, e o pai de-
Meu patrão pois pra ele e para o Antônio, que é fa-
lecido. marujo vem de marinheiro, e a
O navio chegou no mar folia tem dança e canto. É para a Santa
Hoje o remo tá quebrado d’Água e é diferente do Congado, que
é para Nossa Senhora do Rosário.
Eu não posso navegar Em 1979, com a enchente que deu em
Hoje o remo tá quebrado Barra Longa, nós perdemos tudo. Na
casa em que ficavam os pertences, foi
Eu não posso navegar” tudo embora. Aí nós reunimos tudo
(Canção do Marujo) de novo, foi juntando. A márcia foi
quem montou tudo pra nós de novo
na época, e a gente foi reerguendo.
Hoje estamos aí. Agora somos eu e o
Zé. mas para nós tornou muito difí-
cil. Roupa e calçado são muito caros e,
pra gente sair avacalhado, a gente não
vai sair. mas pra nós é muito impor-
tante e pra cultura da cidade é muito
importante. mas é coisa que a gente
mesmo dá jeito. A gente sempre que
comprou, que procurou as costureiras
pra fazer as roupas.
Só que eu tô no marujo já tem 40
anos. mas eu sou um dos que não era
da família. Sou um que veio de fora e
encaixou lá dentro.
(José mauro marra, 59 anos)
Agosto de 2016 A SIRENE 13

Acolhida, esperança e resistência


Falar sobre a festa do nosso pa- uma capela emprestada, toma-
droeiro, São Bento, este ano é mos as ruas que não eram as
muito difícil, pois era um mo- nossas com uma imagem doa-
mento aguardado com muita da por irmãos de outra comu-
ansiedade e alegria por todos, nidade. Chorei e agradeci du-
onde a comunidade se envol- rante todo o trajeto, pois, se não
via nos preparativos com muito fosse a intercessão de São Ben-
empenho e ansiedade para que to junto a Deus todo poderoso,
tudo saísse perfeito. não estaríamos nem em outra
Este ano, porém, foi um mo- Capela, nem em outras ruas ce-
mento de mais reflexão. Por lebrando o nosso glorioso São
termos perdido todas as nossas Bento. Este ano não foi somen-
referências, principalmente a te celebrar São Bento, mas tam-
nossa Capela, a imagem de São bém de agradecer a vida.
Bento e tudo mais, pedimos a Obrigada São Bento!
Deus coragem para prosseguir Mônica dos Santos
e celebramos com muita fé em

Além da festa em Mariana, no dia 30 de


julho, São Bento também foi celebrado no
território arrasado pelo rejeito, com procissão,
celebração, queima de fogos e o hasteamento
da bandeira do padroeiro. Uma festa marcada
por união e perseverança dos ex-moradores de
Bento Rodrigues.

A festa de São Bento, celebrada em Bento Rodrigues, foi março, provocou as primeiras reflexões e cobranças à Sa-
um momento importante na nossa luta pelo direito à pro- marco a respeito do direito ao sepultamento na comuni-
priedade. Junto a esse acontecimento, é também simbólico dade de origem. Rafael Silva faleceu em junho, às véspe-
o sepultamento de Suely da Conceição Sobreira, em 28 de ras da festa junina da escola local, outra festa que também
julho. Essa data foi a primeira vez em que todos consegui- era bastante aguardada por todos. A partir da notícia da
ram entrar em suas terras, tendo acesso digno via estrada morte da criança, escola e voluntários se organizaram para
original, fato insistentemente cobrado por todos desde de- enriquecer a festa ofertada às crianças e a seus familiares.
zembro quando a empresa se apropriou da área. A morte A festa de São Bento e o sepultamento no território de
de Suely foi a terceira ocorrida desde o rompimento da bar- Bento Rodrigues são formas de continuar uma tradição e
ragem. Apesar de momentos de extrema tristeza, cada uma de mostrar a quem pertence aquele chão e o que deve ser
dessas mortes teve um papel importante em nossa luta. O feito dele. Manifestações de esperança, resistência e força.
primeiro falecido, Adilio Monteiro (o Mudo), ocorrido em Lucimar Muniz
14 A SIRENE Agosto de 2016

A
com aPoio dE larissa Pinto, lucas dE
godoy E stÊnio lima

A morte vive: em Bento e toda bacia


morreu José, Antônio, Pedro e maria
morreu o grande sonho que existia

Morte
morre mato, bicho e peixe d’água fria

A morte coexiste ao corpo que sumiu


Na proporção da esperança que partiu
morre Paracatu deixando tristeza e dor

Vive
morre o gualaxo que a morte carregou

morre Pedras, Barreto, mandioca e gesteira


O povo sofre os males desta maldita poeira
E vive o medo de germano na cordilheira
comPosiçÃo dEsErgio PaPagaio,
morador dE Barra longa morrem assim todos os planos do velho e da criança
morre por fim o Carmo e o doce da minha infância
Resta a certeza de que a morte vive nesta instância

Lição do Rato
Um rato olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua havia pego a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a
esposa abrindo um pacote. Pensou logo no tipo de comida que mulher...
haveria ali. Ao descobrir que era ratoeira ficou aterrorizado.
O fazendeiro a levou imediatamente ao hospital. Ela voltou
Correu ao pátio da fazenda advertindo a todos: com febre. todo mundo sabe que para alimentar alguém com
- Há ratoeira na casa, ratoeira na casa! febre, nada melhor que uma canja de galinha. O fazendeiro
A galinha: pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal.
Como a doença da mulher continuava, os amigos e vizinhos
- desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande vieram visitá-la. Para alimentá-los, o fazendeiro matou o porco.
problema para o senhor, mas não me prejudica em nada, não A mulher não melhorou e acabou morrendo.
me incomoda.
muita gente veio para o funeral. O fazendeiro então sacrificou
O rato foi até o porco e: a vaca, para alimentar todo aquele povo.
- Há ratoeira na casa, ratoeira! moral da História: Na próxima vez que você ouvir dizer que
- desculpe-me Sr. Rato, mas não há nada que eu possa fazer, alguém está diante de um problema e acreditar que o problema
a não ser orar. Fique tranquilo que o Sr. será lembrado nas não lhe diz respeito, lembre que quando há uma ratoeira na
minhas orações. casa, toda fazenda corre risco.
O rato dirigiu-se à vaca e:
- Há ratoeira na casa, O problema de um irmão é problema de todos!
- O que ? Ratoeira ? Por acaso estou em perigo? Acho que não! JUNTOS SOMOS FORTES!
Então o rato voltou para casa abatido, para encarar a ratoeira.
Naquela noite, ouviu-se um barulho, como o da ratoeira Sugestão de maria José Sena e marilene tavares, ex-moradora
pegando sua vítima.. A mulher do fazendeiro correu para ver de Ponte do gama, hoje mora em Passagem de mariana.
o que havia pego. No escuro, ela não percebeu que a ratoeira
Agosto de 2016 A SIRENE 15

O que perdi além da vida?


Por Jacqueline Aparecida Dutra
Com apoio de Elke Pena, Stênio Lima e Valcileno Souza
O AMOR verdade que acharam seu marido?” Fui
“Estávamos casados há dois anos. Juntos muito assediada pela imprensa, mas não
eram seis. Eu e o Vando nos conhecemos dei entrevista no começo.
desde criança. Ficamos afastados por
muitos anos. Ele se casou, teve dois fi- OS DIREITOS
lhos do primeiro casamento. Se separou, “Nossos direitos... o valor financeiro
19 vidas levadas diretamente teve um outro relacionamento e outra não tinha jeito, eles (a Samarco e a in-
pelo rompimento da barragem filha. depois de tudo isso nos encontra- tegral) tinham que liberar. A parte de
da Samarco. mos de novo. atendimento mesmo, de estar interessa-
Ele era brincalhão. Era a alegria da tur- do no meu bem-estar, eles não me de-
14 trabalhadores diretos ou ma. Quando a gente se reúne não tem ram apoio. Um funcionário da Samarco,
terceirizados. como não falar dele. Ele que fazia as a psicóloga e a assistente social tiveram
13 viúvas. palhaçadas, ele que agitava todo mun- na minha casa dois meses depois. E nem
do para fazer festa. todo mundo sentiu voltaram mais lá.
muito isso. A gente senta na mesa e pen- Eu perdi meu marido. A gente não teve
sa “está faltando alguma coisa aqui”. nenhum apoio. Ninguém veio na mi-
A enfermeira Jacqueline Aparecida Eu perdi um companheiro. muitas vezes nha porta saber sobre a minha situação.
dutra é uma delas. Perdeu o marido, eu vou à Belo Horizonte levar o Leonar- Nem quiseram saber se era só ele que
Vando dos Santos, para a força da
do para algum exame, ou algo assim... O trabalhava, o que está acontecendo ou o
lama. Não perdeu, no entanto, a
luta pela justiça e a garra em seguir Vando já tinha avisado na empresa quan- que não está. A gente não teve nenhum
na criação dos filhos. Leonardo, o do eu saí do hospital, depois da gravidez, apoio. No primeiro mês da morte dele foi
mais novo, não chegou a conhecer que ele não iria trabalhar quando eu fos- muito complicado. Até a integral libe-
o pai. Ficou órfão aos quatro meses. se levar o Leonardo para tratar. Então rar alguma coisa dependemos de ajuda
A história que Jacqueline conta se ele me acompanhava nisso. Ele estava lá da família e amigos, em especial o casal
assemelha a de outras mulheres que
toda hora que eu precisava. Ele estava lá. Elaine e Valdinei . Fora isso,nada. deu a
perderam seus companheiros e não
tiveram o mínimo amparo psicológico É difícil precisar ir pra Belo Horizonte e entender que eles enxergavam só os bens
por parte das empresas contratantes. ele não estar aqui. É um apoio que a gen- materiais. O resto não chegava.
te perde”. As outras viúvas estão na mesma situa-
ção. Ninguém teve a visita da Samarco
O RECONHECIMENTO para saber o que estava acontecendo.
“Alguns corpos foram muito longe. O Nós contratamos advogados. Os advoga-
corpo do Samuel estava a 100km daqui. dos são em comum da maioria. Estamos
Eles confundiram o corpo do Samuel unidas, temos um grupo e quando dá
com o de Vando por causa da barba. No
nos encontramos. Na audiência do dia
dia 9 de novembro, fui até lá, falei para
31 de maio com o ministério Público,
o pessoal do imL que não era. disseram
que eu quando tentavam resolver o pagamen-
estava em trauma e pessoas em trauma to da indenização, convocaram todas as
não querem aceitar. meu marido esta- partes interessadas para tentar negociais.
va desaparecido. Não tinha como não Fomos discutir o que eles estavam que-
reconhecer. O irmão dele também não rendo. E é um absurdo.
reconheceu ele como irmão, pois estava “Você perdeu uma vida, mas o que além
muito diferente. Não tinha a cicatriz que disso você perdeu¿” Ninguém te pergun-
ele tinha na testa. ta isso.
O próximo passo foi tirar a digital. No
dia seguinte, disseram que era o corpo
FUTURO
do Vando. Achei impossível não reco-
nhecer o corpo do meu marido. Quaren- Eu tento não pensar no futuro. Pensar
ta minutos depois eles me ligam e falam no agora, no que eu vou fazer hoje. Eu
que houve uma dúvida e que seria feita tenho que dar um passo de cada vez. O
uma contra-prova da digital... 20 dias tratamento do Leonardo é uma coisa de-
depois eles disseram que não era ele. morada. Não pode parar o tratamento
É incrível como sai a informação. Antes para não regredir. Então, eu vivo o hoje.
que eu soubesse do resultado da digital Não vou pensar no futuro se eu tenho
a imprensa já estava me ligando “Ah, é muita coisa para fazer agora”.
Quantas Isabellas não
podem mais pescar?

Por Isabella Gonçalves Assis, Marlene Agostinha


Com apoio de Luíza Geoffroy e Lucas de Godoy

“gualaxo”, em tupi guarani, significa “os que comem como Em casa, a vida livre de isabella deixa de queixo caído
as garças”. Esse é o nome de um rio que nasce na Serra do qualquer menino da capital: anda de bicicleta, sobe em pé
Espinhaço e rasga os mares de morros de minas gerais em de fruta, rola com os cachorros, pisa na terra, vai pro rio,
direção ao Espírito Santo. Leva rocha, leva ouro, leva peixe, pesc… Não. Não pesca mais.
leva ao doce, leva ao mar. “traíra, Cará, Bagre, Lambari, tinha de tudo!”. O rompi-
Antes do Rio gualaxo se misturar com o Ribeirão do Car- mento da Barragem de Fundão e a lama de rejeito que des-
mo ele traça uma rota que era zona proibida no século ceu o Rio gualaxo lamberam as margens de Pedras, mata-
XViii. Conhecida como Zona da mata, pela exuberância ram os peixes de isabella, fizeram desaparecer as Capivaras,
da natureza que ali soava abundante, a região era reduto de as garças, o Lobo guará…Não restou pedra sob pedra.
pássaros raros, árvores frondosas, solo perfeito para roça, “meu programa preferido é pescar!” domingo era o dia
rio regado de peixe, mata de lobo, capivara e jacu. mais esperado por isabella, que saía com a mãe e o pai para
No meio desse caminho está Pedras, subdistrito de maria- pescar no Rio gualaxo. Ela refaz o ritual: escolhe sua vara
na onde mora a família de isabella, que tem 08 anos, tranças predileta, pega linha reserva, pede pro tio as minhocas de
grossas, expressão leve, sorriso seguro e olhos atentos. Lá isca, pega o saco de arroz para guardar os peixes. Sai de casa
de fora vem a voz dela, que traz a lenha coletada com a mãe e cadê o rio?
ali por perto. de short e chinelo, nem teve tempo de sentir “Era só colocar o anzol que o peixe vinha rapidinho. Não
o frio que sopra forte nessa época do ano por essas bandas. tinha coisa melhor do que esperar o peixe fisgar o anzol e
Em Pedras não vemos mais muitas crianças pela rua. Lá depois voltar pra casa com o saco de arroz cheio de peixe
também não tem escola. Para ir à aula, isabella acorda às pra minha avó e minha mãe cozinhar”.
05:30 da manhã, toma um café reforçado e aguarda o ôni- desde o rompimento da Barragem, isabela não comeu mais
bus que vai para a escola de Águas Claras, onde ela passa peixe. desde aquele dia, a vida não foi mais mesma. Pedras
as manhãs de segunda a sexta entre brincadeiras e livros de sem o rio, é como igreja sem altar, casa sem telhado. Pedras
terror. é o Rio. isabella e o Rio. isabella é o Rio

Você também pode gostar