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Texturas do Sentimento

2
Poesia

Texturas
do
Sentimento

José Cláudio Guimarães


APRESENTAÇÃO

Deixe-se arrebatar!

De repente surge o livro de um autor que você não conhece. Você começa
a ler e gosta. Você continua a ler e se encanta. Você sente que de alguma
forma aquela pessoa conseguiu penetrar em um recanto de sua alma. Algu-
mas portas se abriram por conta de palavras mágicas escritas com a força da
suavidade. Você não tem como recuar. Mas houve uma invasão permitida.
O poeta tocou seu coração e você deixou que ele fluísse para dentro do seu
mundo. Aconteceu de modo sutil, mas determinado.

Quando o poeta envolve você com a textura do sentimento, a reação só pode


ser de entrega. E no meio da entrega você não se pergunta para onde vai.
Você simplesmente permanece no movimento, pois confia nos dizeres que
o arrastam feito correnteza. Esse é o arrebatamento, cuja origem se perde
nos mistérios das noites enluaradas e nas declarações de amor que povoam
o universo do sentir. É o mesmo arrebatamento que nos deixa mais leves e
mais humanos.

Nessa hora, você consegue fazer a única pergunta que lhe ocorre: que po-
eta é esse? No entanto, não há um simples questionamento na pergunta.
Você não quer saber exatamente de onde ele veio. Você quer saber de que
matéria-prima ele foi feito. Você quer saber qual é a fonte. Pois bem, o poeta
sempre existiu. Ele não nasceu hoje com este livro. O que você tem em mãos
é um registro poético. Você vai ler. E a partir dessa leitura o autor surgirá
para você. O nome dele é José Cláudio Guimarães. Deixe-se arrebatar.

Sílvio Ferreira Leite


Escritor e poeta
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pela Editora

Texturas do Sentimento - 1a. Edição Digital

Guimarães, José Cláudio

Campos do Jordão - SP
Editora Campos do Jordão, 2014

74 p.

ISBN 978-1532925801
Às gerações que vieram e às que ainda virão;
aos meus filhos Gabriel e Cibele;
ao meu netinho Davi.
Texturas do Sentimento
Texturas do Sentimento

AMOR ETÉREO

Vá, amor etéreo!

Vá assim, de mansinho,
Como chegou um dia.

Não quero vê-lo partir.

Misture-se ao ar que respiro


E entorpeça os meus sentidos.

Penetre o meu peito rasgado


E anestesie o meu coração.

Ofusque os meus olhos


Como neblina no sol da manhã.

Traga torpor à minha mente


E faça-me ouvir o som do nada.

Esfrie minhas mãos com o seu éter


E torne-as insensíveis ao toque do adeus.

Vá, amor etéreo...


Saia de mansinho e me deixe dormindo!

Mesmo sabendo que, ao despertar,


Ainda terei na boca
O gosto amargo da saudade.

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Texturas do Sentimento

AMO E NÃO NEGO

O meu olhar,
Mesmo no vazio,
Ainda contém
Saudades suas.

Os meus pensamentos,
Mesmo dispersos,
Ainda concentram
A sua essência.

As minhas palavras,
Mesmo perdidas,
Ainda encontram
As minhas poesias.

A minha saudade,
Mesmo contida,
Ainda transborda
Muitas lembranças.

O meu coração,
Mesmo doente,
Ainda resiste
E segue batendo.

E você,
Mesmo sabendo,
Ainda insiste
E faz que não vê.

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Texturas do Sentimento

AMOR PURO, QUASE MATERNO

Essa tua meiguice


Renova meu sentimento
A cada encontro.
Teu amor é puro,
Quase materno.

Teu abraço apertado


Com ternura de anjo
Sempre me acolhe,
Como se atendesse
O meu último desejo.

Os teus beijos doces


Como o mais puro mel,
Gotejam na minha alma
Adoçando o fluido
Que alimenta o meu ser.

Quero sempre sentir


Essa tua meiguice
E esse amor
Sempre puro,
Quase materno.

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Texturas do Sentimento

BOA NOITE

B om seria se o novo dia


O usasse ser diferente
A manhecendo com a Lua.

N ossa estrela da manhã


O scilando em pleno dia
I luminando o próprio sol
T eimando com a natureza
E provando o impossível.

Durma hoje pensando


No amanhã inusitado.

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Texturas do Sentimento

A DEUS

Tenho meus valores


E os guardo para mim,
Pois só eu os tenho.

Tens também os teus


E os guarda para ti,
Pois só tu os tem.

Morrerei pelos meus.


Viverás com os teus.

A Deus levarei os meus.


Adeus tu darás aos teus.

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Texturas do Sentimento

PEDI O QUE PERDI

Sim, eu pedi para voltar,


Mas não me lembro por que
Nem me lembro quando,
Por onde ou para onde.
Só sei que pedi.

Sim, eu pedi para viver,


Mas não me lembro por que
Nem me lembro quando,
Por quem ou com quem.
Só sei que pedi.

Sim, eu pedi para amar,


Mas não me lembro por que
Nem me lembro quando,
Se em outra vida,
Em outros tempos.

Não me lembro por que,


Nem me lembro quando,
Só sei que pedi
O que hoje tenho
E que um dia perdi.

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Texturas do Sentimento

PRIMEIRO BEIJO

Mais uma noite


E, mais uma vez,
A nossa razão
Com toda certeza
Cortaria o desejo.

Porém, decidi
Que não partiria
Sem antes sentir,
Suave que fosse,
Seus lábios nos meus.

Foi quando meus olhos


Romperam o medo
E pediram aos seus
Um sinal qualquer,
Breve que fosse.

E ao ver que seus olhos


Fitavam os meus
Com o mesmo desejo...

Nossos lábios se acharam


E mudos sentiram
O primeiro beijo.

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Texturas do Sentimento

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Texturas do Sentimento

MÚSICA DO CORAÇÃO

A sua voz,
Doce e suave,
Buscava a melodia
Tão suave quanto.

E ambas flutuavam
No pequeno espaço
Entre a sua boca
E o meu ouvido.

Ao fundo,
A verdadeira música
Tentava existir
E resistir,
Mas não conseguia.

Pois a sua voz,


Doce e suave,
Naquele momento,
Era o que mais tocava
O meu coração.

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Texturas do Sentimento

DOCE PLÁGIO

Oi, mãe...

Eu só queria
Registrar,
Publicamente,
Que sinto falta

Do teu “bom-dia”,
Do “vá com Deus”,
Do “não venha tarde”,
Do “se cuide”
E das tuas bênçãos.

Do “durma com Deus”,


Nem me fale!

Poemas de mãe...

Doces plágios!

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Texturas do Sentimento

COMO NOSSO PAI

Quarta, nove de fevereiro,


Lembra-me o fogo da vida,
Das tuas alegres passagens
Que antecederam as cinzas.

Antes de partires daqui,


A velhice tirou-te a memória,
Mas deu-te certa candura
Na maneira de olhar a vida.

A fragilidade ensinou-te
A precisar de amor e afeto,
A tornar-te um ser vencível,
A ser o que sempre fostes,
Embora nunca soubestes.

Eras frágil e não sabias,


Como frágeis foram teus pais,
Como frágeis serão meus filhos.

Nem eu, te confesso, sabia


O que agora sei.

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Texturas do Sentimento

OLHOS DAS ALMAS

Embaralhas as cartas
E tiras o que queres.
Tu sabes,
Eu não vejo,
Mas as almas veem.

Escreves cartas
Para quem queres.
Tu escreves,
Eu não leio,
Mas as almas leem.

Contas aos outros


E falas o que queres.
Tu falas,
Eu não ouço,
Mas as almas ouvem.

Choras aos outros


O que não tens.
Não enxergas,
Eu me calo
E as almas choram.

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Texturas do Sentimento

DESTRUIDOR DE SONHOS

Eu me rendo, destino insistente!


Entrego a minha vida de sonhos
Ao teu caminhar persistente.

Curvo-me à tua cruel valentia,


Que minou as minhas forças,
Noite após noite, dia após dia.

Seguirei os traços da tua escrita,


Por mais que meus olhos rejeitem
Ou perturbem minha alma aflita.

Eu me entrego, desígnio malvado!


Se prometeres ser complacente,
Prometo deixar os desejos de lado.

Mas se o remorso bater à tua porta,


Quero o meu livre-arbítrio de volta,
Mesmo que tarde, pouco me importa.

Um pouco da vida ainda vai me restar


Para amar, sentir, ouvir e sonhar.

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Texturas do Sentimento

DESTINO E PROMESSA

Era uma casinha...


Perto do asfalto, Um anel dourado,
De teto alto, Sem nada gravado,
Feita inteira Gravou os momentos
De madeira. Nos sentimentos.

A chuva caía E houve a promessa,


E mansa escorria Feita sem pressa,
No seu telhado Que o anel lhe faria
Avermelhado. Eterna companhia.

Dentro dela Mas hoje, o destino,


Só ele e ela, Num adeus repentino,
Em comunhão Já mostrou-se cansado
Com a paixão. Desse anel dourado.

Trocavam beijos, E o amor assumido


Sentiam desejos Em momento de encanto,
Entre prazeres Como o anel esquecido,
E doces dizeres. Foi deixado num canto.

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Texturas do Sentimento

ENTRE O CÉU E A TERRA

Traços do teu lindo rosto


Ficaram nas nuvens do céu,
Depois que lá me deixastes,
Após o nosso amor de ontem.

Fiquei sentado em Vênus,


Chão prateado do espaço,
Formando imagens brancas
Retocadas de dourado.

Como somos diferentes...

Eu ainda volitando
No orgasmo estratosférico,
E os traços do teu rosto
Já refletiam no espelho
Rosto de nova maquiagem.

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Texturas do Sentimento

A SAUDADE QUE VOA

O bom da saudade
É ver a ânsia de voltar
Embarcando de avião.

Espero que...
Concorde.

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Texturas do Sentimento

NÃO! ENTENDA!

Não corra,
Deslize.
Não pense,
Intua.
Não beije,
Ensaie.
Não fale,
Sussurre.
Não toque,
Emane.

Não!
Espere...
Não vá...
Entenda...

É apenas uma forma


De sentir o amor,
Antes de fazê-lo.

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UNABOMBER

Faço pólvora dos teus apelos,


Nitroglicerina das tuas vaidades,
Salitre das minhas inverdades,
Estopim dos meus desmazelos.

E imerso, com mil batimentos,


Na fórmula de farto azedume,
Me acendo em teu velho ciúme
E explodo nos meus sentimentos.

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Texturas do Sentimento

CONTRAPONTOS

Vento sutil e suave


Balança folhas,
Escala montanhas,
Leva nuvens brancas
A passear no céu.

Quando se enfurece,
Traz as nuvens negras
Das tempestades,
Se move em tornados
E alimenta furacões.

Contrapontos,
Onde o amor vê
E o ódio prevê.

O coração que ama


Só profetiza bonanças.

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Texturas do Sentimento

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MAREMOTO

Flui a paixão
Sob tua pele
Em fortes ondas.

Maremoto interno,
Sem praia deserta
Pra te arrefecer.

Aflora,
Arrebenta aqui fora
E invade o meu ser!

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Texturas do Sentimento

FORA DO CORPO

Os ruídos da rua
E o clarão da janela
Despertam o meu reviver.

O corpo, sem querer,


Resgata o meu ser
Em movimentos
Desconexos e lentos.

E os meus pensamentos,
Entre as portas abertas
Que o sonho(?) deixou
Ao sair de mansinho...

Procuram sem medo,


No velho enredo,
Extrair o segredo
Do novo caminho.

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Texturas do Sentimento

ESPELHO TEU, ESPELHO MEU

Ando quilômetros
Com o pensamento
Por todos os cantos,
Procurando valores
Que não são meus,
Para transformá-los
Na mais pura poesia.

Encontro nos outros


Minha inspiração,
Fazendo lá
Não sei o quê.

Descubro-me, afinal,
Vendo nos outros,
Aquilo que sou.

Espelho da carne,
Espelho da alma,
Espelho meu...

Existe alguém
Mais cego do que eu?

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Texturas do Sentimento

ABRACE-SE

Não adianta ir para a China,


Pois nossos males interiores
Cruzarão conosco o oceano,
Enfrentarão mil tormentas,
E nós, os nossos tormentos.

Também não adianta ficar,


Se ficarmos apenas olhando
Para o nosso rosto cansado,
Contando marcas no espelho,
Revivendo dores de cicatrizes.

Não adianta querer voltar,


Pois o passado, mesmo recente,
Embora perto de sua memória,
Não mais poderá ser tocado
E muito menos retocado.

Entre dentro do espelho


E se abrace apertado
Como um velho amigo
Que há muito não se vê.

E vençam juntos
Os seus reflexos!

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Texturas do Sentimento

NÃO ME AGRADEÇA

Não me agradeça.
Eu apenas lhe dei um motivo
Pra que hoje
Sua indiferença
Encontrasse uma razão
Sem remorsos.

Não me agradeça.
Eu apenas lhe dei um motivo
Pra que eu também
Pudesse entender
A sua frieza
Sem remorsos.

Não me agradeça.
Eu apenas lhe dei um motivo
Pra que você
Apagasse o passado
Da sua lembrança
Sem remorsos.

Não me agradeça.
Eu apenas lhe dei um motivo
Pra que amanhã
Você possa dizer,
Sem remorsos,
“Eu bem que tentei”.

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Texturas do Sentimento

CINCO SENTIDOS

Hoje vi o amanhecer...

Ouvi pássaros cantando,


O balançar da folhagem.
Senti cheiro de café,
Das folhas de eucalipto.
Vi a bruma se dissipando,
O Sol amarelecendo o céu.
Senti arrepios com a brisa fria,
Com a grama úmida nos pés.
E, distraído,
Surpreendido por um beijo,
Senti, no gosto da sua boca,
O quinto sentido que faltava.

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Texturas do Sentimento

FÊNIX E O POETA

Pássaros e ninhos voaram


Em ventos descomedidos,
Deixando os poetas perdidos,
Entre “penas” que restaram.

Porém, mesmo aturdidos,


Quando os ventos cessaram,
Sentiram-se persuadidos
Por mãos que lhes acenaram.

Das cinzas,(re)nasceram,
Do solo, (re)voaram.

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FRAGRÂNCIA DO ENVELHECER

Envelhecemos.
O corpo sente,
Mas a vivência
Envolve o coração
Como o carvalho
Faz com o vinho rubro,
Que se encorpa imerso
Em suave fragrância.

Nos entorpece,
Nos deixa felizes,
Amantes vorazes,
E muitas vezes
Afoga as mágoas
Das desilusões.

Feche os olhos,
Sinta o buquê
E beba na fonte...

Mas aprecie
Com moderação!

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Texturas do Sentimento

ÊXTASE

Quero deixar-te sem fala,


Sem o menor raciocínio,
Entregue pelo fascínio
Desta paixão sem escala.

Quero teus olhos fechados,


Teus lábios umedecidos,
Teus seios endurecidos
E teus entremeios molhados.

Quero teus loucos gemidos


Pedindo o que sempre foi teu,
Dando o que sempre foi meu
Entre corpos comprimidos.

E no clímax da paixão,
Num êxtase sem recesso,
A única coisa que peço
É o cessar da nossa razão.

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Texturas do Sentimento

LIBERTA!

Escravo é o que sou


Deste velho corpo denso,
Que cerceia o meu voo
E aprisiona minha alma.

Queria poder pôr o sol


Quando bem entendesse
E conhecer as mil noites
Dos quatro cantos da Terra,
Todas elas no mesmo dia.

Poder vigiar o tempo,


Assistir tempestades de longe,
Mergulhar em suas bonanças.

E em meio a esse delírio,


paro e descubro...

Sim, eu posso voar!

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Texturas do Sentimento

ESSÊNCIA DO NOSSO EU

Nossa essência, por certo,


Deve ter o coração aberto
Para o conhecimento velado,
Do transcendente passado,
Das experiências vividas,
Alegrias e mágoas sofridas
Pelo espírito reencarnado.

Se um dia olharmos a flor,


Tentando sentir seu calor
Ao tocá-la devagarinho,
Não será o agudo espinho
Que barrará no caminho
O sentimento interior.

Sem jamais descartar


A experiência da dor,
Sua essência de amor
Guardará cada valor
Até o seu despertar.

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Texturas do Sentimento

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Texturas do Sentimento

CIRCUNSTÂNCIAS

Noite escura
Ao relento.
Sem sol,
Sem vento.
A bruma
Se move
Lentamente
Ao encontro
De perfis
Estáticos.

Eu me cubro
De água,
Em gotas,
Num disfarce
Perfeito!

Eu e você?

Quem sabe?

Ao nascer do Sol
Fugiremos.

Cada um
Para o seu lado,
Pois somos fiéis
Um ao outro,
Quando nos vemos
Na nitidez
Do dia.

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Texturas do Sentimento

DESPERDÍCIO DE INSPIRAÇÃO

Poema aramado
Todo cercado
Com arame farpado.

Imaginação fértil,
Instinto réptil,
Maldade erétil

Mentira e verdade,
Presença e saudade,
Repulsa e afinidade,
Lentidão e velocidade,
Lerdeza e agilidade,
Preguiça e vontade,
Decisão e ambiguidade,
Momento e eternidade,
Paz e ansiedade,
Ódio e amizade,
Diabo e trindade...

... A poesia com maldade...

É extrema distorção
Do amor da criação.

Desperdício, na verdade,
Do dom da inspiração!

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Texturas do Sentimento

ESSÊNCIA DAS RAZÕES

Queres saber a razão das partidas


Daqueles que um dia aqui estiveram?
Queres saber por que cessam as vidas,
Que não estavam amadurecidas,
Sem levar em conta o bem que fizeram?

Tuas respostas estão dentro de ti,


Junto ao teu dom maior de poeta,
Que traz a essência dentro de si,
Nos poemas feitos aqui e ali,
Eterna busca que não se aquieta.

Se a criança nascia,
A flor florescia,
O dia surgia
E o poeta escrevia...

... Da mão do poeta na morte de um dia,


Nascerão outros versos de pura poesia.

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Texturas do Sentimento

QUEM SABE?

Eu sabia,
Tu sabias,
Nós sabíamos.

Já o sábio,
Não sei.

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Texturas do Sentimento


ORGULHO DE POETA

Inconsciente coletivo,
Registro akáshico,
Energia impregnada
E ondas sonoras
Que pairam no ar.

Fazer poema
Está na maneira
Como organizamos
O que extraímos
Da fonte universal.
Meros plágios
De um único autor.

Orgulho de quê?

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Texturas do Sentimento

MEU TEMPO ERRA DIFERENTE

Falamos hoje o que ouvíamos,


Mas parte do que nos diziam
Caiu por terra com a vivência
E o crescimento da ciência.

Não fazíamos o que queríamos,


Mas tudo o que conseguíamos
Envolvia certa competência
Com um toque de inocência.

Pais e filhos,
Filhos e pais...

Teimosias perpetuadas,
Razões aperfeiçoadas,
Experiências impostas
Com fraturas expostas.

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Texturas do Sentimento

ANO NOVO

Que o amor
Nos seja pleno,
Ostensivo,
E a felicidade
Ávida
Como a vida
Nos tem sido.

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Texturas do Sentimento

PÁSCOA

Não é dia de coelho


Ou ovos de chocolate.
É de ver-se no espelho
Encarando seu parelho
E aumentando seu quilate.

De livrar os velhos cegos


Que vagam na escuridão,
Da madrasta escravidão
Imposta pelos seus egos
Em busca de nutrição.

Numa breve reflexão


Do teu êxodo em vida,
Verás terra prometida
Na tua ressurreição.

Feliz Páscoa!

Irmãos,
Ateus,
Judeus,
Cristãos.

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Texturas do Sentimento

MEU PRESÉPIO

Eu queria, neste ano, “Onde foi mesmo que pus


Um Natal diferente. José, Maria, Jesus,
Gaspar, Belchior e Baltazar?”
Sem missas e cultos
De sermões seriados, Paro e penso um instante...
Sem e-mails animados
Com céus estrelados “Aquela caixa dourada,
E endereços ocultos. Com fita prateada
Ainda está na estante?”
Sem a ceia costumeira
Com frango recheado Pego-a com cuidado...
De bacon entremeado
E espumante gelado
Vou até a mesa de centro,
Em taça de cristaleira.
Ponho a caixa e vejo dentro
Tudo o que foi guardado.
Sem sinos tocando,
Sem árvore de Natal
Com neve artificial, Vou tirando ligeiro...
Ponteira de cristal
E luzinhas piscando. Os animais, o celeiro,
O cenário quase inteiro.
Sem ter de comprar Por fim, a esperança...
Aquele último presente
Do distante parente A peça principal,
Que chegou de repente O amor incondicional
E se esqueceu de avisar. De uma simples criança.
Acho que finalmente...
Sem ter de montar
Aquele presépio com luz... Este ano, foi diferente.

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Texturas do Sentimento

APENAS VENHA

Se eu fosse você, viria correndo


E esqueceria essa preocupação tola
De não mais ceder a quem te seduz.

Ninguém ama sem querer


Ou é amada sem perceber.

Se mesmo assim achar que errou,


Ajudarei a consertar depois.

Enquanto isso, apenas venha...

E sinta nós dois.

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Texturas do Sentimento

QUEBRANTO

Ah, eu queria tanto,


Na paz do teu acalanto,
Ver de novo o Sol se pôr,
Pois hoje aqui no meu canto,
Envolto num velho manto
De lã cheirando a bolor...

Luto contra um quebranto


Que já secou o meu pranto
De tanto chorar minha dor.

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Texturas do Sentimento

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Texturas do Sentimento

PRETENSO POETA

Não sou poeta.


Sou uma energia viva
Carregada de sonhos, vivências e emoções,
Que se incorporam à essência do meu ser.
O que escrevo flui dessa essência,
Que me habita, mas não me pertence,
E as palavras que saem do meu coração
Sempre a levam, sem disfarces.
Quando eu disser que te amo,
Verás a verdade chegando
Na velocidade da luz, dos meus olhos,
Antes mesmo de ouvir o som da minha voz.
Quero ter a capacidade
De unir sentimentos dispersos
E transformá-los nas tuas verdades.
Quero perceber, ao primeiro sinal de tristeza,
O teu olhar pedindo o meu abraço
E as tuas primeiras lágrimas
Molhando os meus ombros,
Antes que molhem teu rosto.
Quero escrever sobre os teus sonhos e vitórias,
Sobre os teus questionamentos da vida,
Sobre as tuas descobertas precoces e tardias.

E notarás, um dia,
Que a poesia foi apenas um pretexto
Para que eu pudesse escrever a história da tua vida.

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Texturas do Sentimento

CRETINA ROTINA LATINA


Nasce a manhã, abro os olhos
E, com eles, sem levantar-me,
Visito os cantos do quarto.
Os pensamentos se espreguiçam
Sem o peso da responsabilidade
Sobre os ombros que ainda dormem.
Sinto uma vontade imensa
De voltar meia hora no tempo,
Até quando eu ainda dormia
E minha alma vagava livre,
Sem memória, sem lembranças.
A mente se engata nos sentidos
E minha seletividade auditiva
Extrai do uníssono
O barulho das correntes humanas
Que se arrastam como o próprio dia,
Até que um durma e o outro chegue.
Ações programadas à força,
Pela mesmice do cotidiano,
Fazem com que eu ganhe a rua
Sem saber como cheguei a ela,
Sem nem mesmo lembrar
Da marca da pasta de dentes.
E do “estacionar” ao “entrar”,
Dos “bons-dias” aos “tudo bem”,
Dos cafés aos comentários,
Das cobranças às desculpas,
Da reunião das 9 às 9 reuniões,
Do fast-food ao bicarbonato,
Do segundo tempo aos acréscimos...
E cai a noite...
Mas justo em cima de mim?

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Texturas do Sentimento

ÚLTIMO DESEJO
Desculpe a irreverência
Com o criador do universo,
Mas acho muito perverso
Esse seu modo reverso
De programar a vivência.
Peço a sua clemência
E pergunto, por desconhecimento:
A criança que vem animada,
Dotada de pura inocência,
Vai somando experiência
E ganhando competência
Pra nunca ser comprovada?
Minha mente, talvez enganada,
Tem outra questão bem ousada:
De que vale a consciência
E uma vida bem acertada,
Se no meio da jornada
Sofre a mente, já preparada,
Num corpo já sem consistência?
Peço então à providência
Com certa antecedência:
Após a minha vivência
Neste mundo adverso,
Quero morrer neste verso
De conteúdo extroverso
Imerso na sua essência.

55
Texturas do Sentimento

FRAGRÂNCIA DAS TUAS RAÍZES

Nas raízes da tua rosa


Sinto um gostoso perfume
Junto ao odor de curtume
Da terra que te fez formosa.

Tudo me lembra o teu cheiro,


Nada encobre tua fragrância,
Nem mesmo a exuberância,
Do meu roseiral inteiro!

56
Texturas do Sentimento

SANTA PACIÊNCIA!

Impaciente essa inspiração


Que fica cutucando a gente,
Quando estamos ocupados
Nos escondendo da vida.

Ela não para de chamar,


Perguntando como criança:

− Por que não escuta agora?

E o nosso pensamento
De resposta automática:

− Não vê que sou culpado,


Digo, que estou ocupado?
Deixa de ser criança!

A gente só percebe
A besteira que falou,
Quando a inspiração
Deixa de ser criança
E cresce sozinha,
Perdendo a inocência.

Poeta... quanta displicência!

Tenha a santa paciência!

57
Texturas do Sentimento

INSTINTOS CONTIDOS

Abrigos em nossas mentes


Hospedam velados instintos
Como se fossem indigentes,
Pobres, velhos e famintos.

Impulsos que se dissimulam


Nos limites da estreita razão
São mãos débeis que tremulam
Esmolando pedaços de pão.

Com vozes roucas e cansadas,


Balbuciam palavras repetidas,
Expondo suas bocas desdentadas
E lábios marcados por feridas.

Mas a vida nos fez tão cegos,


Surdos, mudos e insensíveis,
Que a força dos nossos egos
Os deixa sempre invisíveis.

58
Texturas do Sentimento

ETERNO APOGEU

Sufoca-me com teu zelo,


Que saberei não cansar.
Monta meu corpo em pelo
E pode dele fazê-lo
O que o amor imaginar.

Cavalga o meu desejo


E me segura forte no teu,
Pois no crepitar do ensejo,
Mais que um mero lampejo,
Almejo o eterno apogeu.

59
Texturas do Sentimento

OS 22 ARCANOS

O Mago da natureza
Exibe em forma de jogo,
Repousados sobre a mesa,
Terra, água, ar e fogo.

A influente Sacerdotisa,
Símbolo da imortalidade,
Dá à alma que agoniza
A paz da espiritualidade.

Imperatriz e Imperador
Geram e criam seus herdeiros,
E ensinam que a fome e a dor
São sofrimentos passageiros.

Oh, sábio Sumo Sacerdote,


Grande voz do conhecimento,
Antes que o mal nos derrote,
Dá-nos luz e discernimento!

O jovem Enamorado,
Que corta o laço materno,
Busca o amor açorado,
Para que seja eterno.

O Carro conduz, na verdade,


A vontade de seu condutor.
Seu destino é a liberdade.
Seu desejo, o libertador.

A Justiça nos faz entender


Que no peso de cada ação
A balança deve pender
Para o lado da razão.

60
Texturas do Sentimento

O Ermitão se isola do mundo


Para rever o seu próprio eu,
E num mergulho profundo
Percebe o que não percebeu.

A Roda da Fortuna gira


Como um ser em evolução,
Que do passado retira
A herança da geração.

A Força dos nossos instintos,


Que nos faz agir sem pensar,
É caminho de labirintos
Sem saída para encontrar.

O Enforcado nos aponta


O sentido da iniciação.
É quando a fé se confronta
Com a grande transição.

A Morte nos faz renascer


Com a purificação do fogo,
Pois das cinzas vamos crescer
Para a nova etapa do jogo.

A Temperança realizadora
É a força da purificação,
A alquimia que sintetiza
O poder da transformação.

O Diabo traz o oculto,


Que perturba a nossa mente,
Para um confronto adulto
Com o que nos faz impotente.

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Texturas do Sentimento

A Torre destrói padrões,


Quebra a estrutura do ser,
Rompe com as relações,
Para voltar a crescer.

A Estrela é inspiração,
É toda leveza do amor,
É o espírito em ascensão,
É a vida com esplendor.

A Lua nos faz mergulhar


Nas profundezas da dor,
E descobrir ao chorar
A nossa força interior.

O Sol ilumina os caminhos


Da jornada espiritual,
Na qual não estamos sozinhos,
Como num grande ritual.

O Julgamento é necessário
No confronto de valores,
Pois, senão, ao contrário,
De nada valeram as dores.

O Mundo é o fim da jornada,


Que une os lados distantes.
É a premiação almejada.
O fim da busca incessante.

O Louco segue adiante,


Na sua eterna procura.
Um cavaleiro errante
Movido pela aventura.

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Texturas do Sentimento

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Texturas do Sentimento

CARNE

Somos carne, mais do que tudo.

Olho clínico,
Olho mágico,
Olhos que se olham...

Mão que dá,


Mão que tira,
Mãos que se afagam...

Braço que abraça,


Braço que apoia,
Braços que se dão...

Boca que fala,


Boca que canta,
Bocas que se beijam...

Corpo que anda,


Corpo que cai,
Corpos que se unem...

Uma carne temperada,


Às vezes mal passada...

Mas recheada de emoções!

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Texturas do Sentimento

PURÊ(ZA) DE CORAÇÃO

Meu coração,
Ficou tão diferente
Do de antigamente,
Que não há tomógrafo
Que consiga mostrar
Seus novos contornos
Ou mesmo registrar
Cardiograficamente
Essas alterações.

Já meio cansado
De carregar emoções
Em doses alternadas,
Das fortes às sutis,
Das fatais às banais,
Perdeu aquele formato
Dos desenhos de criança.

Mais parece uma batata...


Mas em forma de purê!

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Texturas do Sentimento

CONTAGEM

Um quarto,
À meia luz,
Um só desejo
Em dois corpos.

São três horas


E quatro minutos.

Os cinco sentidos
Unem-se ao sexto,
Após sete doses
De um oito anos.

Até às nove ...


... tomarei mais dez.

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Texturas do Sentimento

O QUE É FAZER AMOR?


Uma vez, quando pequeno,
Durante uma festa na vila,
Um senhor que tava na fila
Da barraca do Nazareno
Olhou pra dona Priscila
E fez um gesto obsceno.
Muito abelhudo, fui lá perto,
Pra poder ficar escutando
O que o velho tava falando
Pra bela mulher do Alberto
E acabei presenciando
Um fato que não era certo.
Baixinho, com voz de tenor,
O senhor falava pra ela
Que no final da novela
Depois do patrocinador
Iria pra casa dela
Pra beijá-la e fazer amor.
Fazer amor? Como? Pensei!
Como é que eles fariam?
Que materiais usariam?
Quais ferramentas, não sei.
Nove meses se passaram
E um bebê me fez entender
O que esse senhor foi fazer
Na casa em que se encontraram.
Sua saída da festança,
Sem que fosse descoberto,
Fez nascer uma criança
E um par de chifres no Alberto.

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Texturas do Sentimento
Texturas do Sentimento

A VOLTA DO POETA

Um poeta morre de velhice De repente, leva um susto


E vai para o céu apressado, E é quase atropelado.
Pois acha que seria tolice Um cometa passa justo
Ver seu corpo sendo enterrado. Na frente do pobre coitado.

Dá adeus à terra densa, Lá de baixo, logo pensa,


Despede-se do cachorro Isso é uma estrela cadente.
E vai atrás da recompensa, Sua luz é mais intensa
Voando por cima do morro. E atende os desejos da gente.

Alegre como a criança Já com saudades da vida,


Que dá seu primeiro passo, E muito desapontado,
Voa rápido na esperança De maneira decidida,
De ver-se logo no espaço. Faz a volta apressado.

Passa pertinho da Lua, Mesmo morto, se consola:


Sua fonte de inspiração, “Sem os desejos da carne,
Para um pouco, flutua, Posso ver jogo de bola
E fica prestando atenção. E curtir meu desencarne”.

Vista da Terra, que diferença! “Escrever poemas com rima


A Lua é muito mais bela. À sombra de um belo carvalho
Mais poética, menos densa, E ficar olhando pra cima
E daqui, só areia amarela? Sem ter de pensar em trabalho.”

Retoma seu voo, frustrado, “Ver de novo a Lua nascendo,


Mas continua a viagem Curtindo, sentado no chão,
Em busca do céu esperado Contando cometas descendo
Ou de uma bela paragem. Até a próxima encarnação.”

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Texturas do Sentimento

O PECADO MORA AO LADO

Olhar pra você é pecado,


E segundo o padre Sião
Da igreja aqui do lado,
Eu seria excomungado
Sem direito a remissão.

Olhar como assanhado,


Segundo o Zé Escrivão
Da cadeia aqui do lado,
Nem com bom advogado
Eu sairia da prisão.

Beijar no muro encostado,


Segundo o guarda Tião
Da guarita aqui do lado,
Me faria ser multado
Sem direito a revisão.

Se eu contasse a verdade,
Que até já fizemos amor,
Não seria só pecador,
Decrépito e contraventor,
E teria de sair da cidade.

Pois o padre é tio dela,


O Tião seu namorado,
E o guarda aqui do lado
Embora seja casado,
Morre de tesão por ela.

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Texturas do Sentimento

MATO E PALHOÇA

Cá estou, sem cansaço...

Longe dessa política imunda,


Sem Fórmula Um ou Faustão,
Sem computador e televisão,
Sem nem pensar na segunda.

Se neste domingo perfeito,


Algum candidato a prefeito
Promover um estardalhaço
Aqui no meu doce regaço...

Caço, laço,
E mato o palhaço.

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Texturas do Sentimento

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Texturas do Sentimento


Heresia à alma gêmea

Não há coisa mais sem graça


Que namoro de alma gêmea.
Quando uma a outra abraça,
Qual é macho, qual é fêmea?

A que é univitelina,
Fruto da mesma centelha,
Tem a igual e triste sina
Da outra que se assemelha.

Beijar sua gêmea idêntica


Não demonstra romantismo.
Pra mim é prova autêntica
Do mais puro narcisismo.

Quero a minha diferente,


Pois alma de igual pra igual
É pra um tipo de gente
Que gosta da vida sem sal.

Prefiro as muitas surpresas


De uma alma inesperada,
Do que todas as certezas
Da gêmea predestinada.

Se achar a minha vagando,


À procura de um amor,
Diga que já estou amando
E fique com ela, por favor.

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José Cláudio Guimarães é publicitário,
nasceu em Santos e mora há 15 anos
em Campos do Jordão. Escreve crôni-
cas e poemas desde 1999 com o pseu-
dônimo Petrus Falcin e jamais pensou
em publicá-los. Agora, incentivado por
parentes e amigos, decidiu fazer esta
pequena coletânea poética.

Todos somos poetas em nossas essências, em nossas almas. Por isso,


com este livro, encorajo todos aqueles que escrevem a fazerem o mes-
mo. Não se preocupem... nada é assim tão nosso. Somos meros cana-
lizadores conscientes da Fonte Única Universal.

Essa concepção do processo de inspiração não desmerece os poetas


e nem os transforma em médiuns inconscientes. Apenas tenta man-
ter a necessária humildade que os mantém em sintonia com a fonte
inspiradora

“Não sou poeta. Sou uma energia viva carregada de sonhos, vivências e emoções
que se incorporam à essência do meu ser. O que escrevo flui dessa essência, que
me habita, mas não me pertence, e as palavras que saem do meu coração, sempre
a levam, sem disfarces.”

Contato: petrusfalcin@gmail.com

© 2016 - José Cláudio Guimarães

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