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O sexo e sua insensata verdade; Cf. Badiou: “o destino subjetivo da sexuação submete o
sujeito a uma verdade insensata” (Le siècle; at. cit.;). Cf. ainda Bento Prado Jt. ‘Erro,
ilusão, loucura’, ed. 34, 2004).
Quando Freud fala de sentido está em jogo sobretudo uma ideia de sentido como curso
do processo psíquico, como encadeamento lógico do discurso, cuja reconstrução só pode
ser feita a posteriori; trata-se aqui de uma noção de verdade que é, pelo menos até certo
ponto, performativa, quer dizer, importa não sua correspondência a um estado de coisas
previamente dito, mas sua incidência no sentido de instaurar uma reestruturação do estado
de coisas (Iannini, s.a., p. 5; ‘ Quando uma isca de falsidade fisga uma carpa de verdade:
Comentário sobre o trabalho de Frederico Feu de Carvalho sobre Wittgenstein e a
psicanálise’;).
“o positivismo lógico procede desta exigência que um texto tenha um sentido apreensível
(...), que um certo número de enunciados filosóficos se achem de alguma forma
desvalorizados a princípio pelo fato de que eles não dêem nenhum resultado apreensível
quanto à busca do sentido” (LACAN, S XVIII, 1971, p. 54).
No limite, a exigência tão ordinária para a filosofia de uma linha de continuidade entre
verdade e sentido coincide com o rechaço do sexual, com a recusa de que a verdade do
sexo seja insensata. Escreve admiravelmente Badiou: “o destino subjetivo da sexuação
submete o sujeito a uma verdade insensata” (BADIOU, 2005, p.117). (idem, p. 5).
Isto justifica em alguma medida a eleição por parte de Lacan de uma referência a
linguística de Saussure, na qual se confere a maior importância ao valor diferencial e a
arbitrariedade do signo [significante];
Cf. Miller, Silet, p. 327: “nada decide o sentido senão a satisfação”; [Conferir lição 22: o
objeto a como consistência topológica;]
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A necessidade sentida por Freud de uma teoria do pai porque ‘no centro da linguagem há
o vazio de referência’; - Cf. Totem e tabu: teoria do pai como ponto de estabilização do
gozo inerte na linguagem;
É esse vazio central, fundante, que nos coloca a impossibilidade, implícita desde o
Projeto, de pensar que o aparelho psíquico poderia alcançar a identidade de percepção de
sua satisfação primeira, sem resto (cf. p.) – da impossibilidade do simbólico abarcar a
totalidade do real; há sempre um excesso pulsional contra o qual o aparelho é sem defesa.
Cf. Seção X do Projeto para uma diferenciação entre pulsão, quantidades e vontade;
Que critérios o aparelho poderá utilizar para diferenciar entre percepção (atual) e memória
(alucinada)?
O organismo humano é predestinado a uma falsa realidade;
A loucura como tal não deixa de ter suas especificidades; não obstante, as relações entre
esse modelo apresentado no Projeto e a locuura, apesar de delicadas, são inegavelmente
estreitas (p. 64).
A solução proposta por Freud ainda no projeto: se muitos de nós não são psicóticos é
porque alguma instância conseguiu inibir o curso do processo primário; (o ‘eu’). Esta
inibição é tornada possível caso ocorra um ‘emprego correto dos ‘signos de realidade’.
Por sua vez, estes signos de realidade seriam fornecidos quando ocorre eliminação de
excitação no sistema ω. O emprego correto daqueles signos dependeria da ocorrência do
objeto no mundo externo. Parece haver uma circularidade no argumento de Freud,
relativo ao signo de realidade fornecido pelo sistema ω (consciência) e a função inibitória
do eu. Com efeito, apenas a inibição dos processos primários pelo eu permite um emprego
correto dos signos de realidade fornecidos por ω. Mas a ocorrência só é capaz de fornecer
esses signos caso a quantidade esteja reduzida a um mínimo. Ora, Freud não cansou de
afirmar a precariedade do eu, e Lacan emendou: não apenas o eu é precário, mas ‘a
realidade é precária’ (SVII, p. 48). (p_.);
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A colisão da Frase por Antônio Teixeira
A dificuldade que experimenta o psicótico em subjetivar a verdade pela via da ficção >
os efeitos da ausência dessa modulação ficcional da palavra > o rompimento do suporte
ficcional da palavra;
Nota. Cf. Ram Mandil; ‘O novo nas psicoses’: “Nosso desafio é não apenas o de pensar
as psicoses fora da perspectiva segregacionista como também de pensá-la fora da
abordagem deficitária, inclusive aquela que considera a forclusão do Nome-do-Pai
como uma deficiência no nível do significante”.
Os objetos que se inscrevem como variáveis são assim, as instancias da verdade, que
transformam a função proposicional numa proposição (p. 123).
Segundo propõe Morel, se o sujeito, como falta-a-ser, é susceptível de ser pensado como
o próprio furo da função assinalada, a variável x seria o argumento que o representa na
relação com o gozo que a frase determina (p. 124).
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Forclusão generalizada: como é possível não ser louco? Por Antonio Teixeira.
A consciência nada mais é, vista pela lente freudiana, do que um operador contingente
encarregado de realizar, de maneira essencialmente precária, o teste de realidade para o
sujeito, tarefa na qual, aliás, ela fracassa com bastante frequência (p. 50).
Aos olhos de Freud, existe conflito quando há oposição entre a exigência pulsional e
a consideração da realidade pelo sujeito (p. 51). – [Cf. Formulações sobre os dois
princípios; e, Perda da realidade na neurose e na psicose; ]
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Dos conceitos freudianos, talvez seja esse (o de pulsão) o que nos confronte mais
diretamente com o que nos chega do campo da biologia, instalada que está precisamente
sobre a fronteira entre o somático e o psíquico, entre as palavras e os corpos (p. 112).
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A linguagem é sempre poética; apenas pelo simples fato de termos um eu, fazemos poesia
sem saber. A prosa não passa de uma poesia que opera como se fosse (fait semblant)
escrito, argumentação, informação, denotação;
Estamos acostumados a considerar a psicose em termos de déficit. Somos persuadidos de
que, em relação a nós, falta alguma coisa ao psicótico. Talvez seja saudável inverter a
questão e nos perguntarmos o que nos falta, a nós, para sermos psicóticos.
A psicose está sempre no texto, ou seja, ela não está exatamente na referência.
A psicose é um ensaio de rigor. Neste sentido, eu diria que sou psicótico. Eu sou psicótico
pela simples razão de que sempre tentei ser rigoroso. (Lacan, Conferences et entretiens
dans les universités nord-américaines. Silicet 6/7, Seuil, Paris, 1976, p. 9).
[...] a psicose e a lógica tem em comum algo que pode nos chamar a atenção: elas não se
recusam a tomar apoio algum na intuição comum, no senso comum, elas anulam a nossa
rotina, para extrair da linguagem entidades inéditas. Tanto uma como outro se
fundamentam na inexistência, ou seja, elas se estabelecem sobre a falha de toda pré-
compreensão. Há uma diferença, contudo, entre psicose e lógica. Se admitirmos que um
delírio psicótico sempre comporta um ponto isolado de certeza que representa o papel
lógico do axioma; a posição do axioma em lógica será justamente exclusiva da certeza
(p. 80).
Chamo delírio uma montagem de linguagem que não tem correlato de realidade, ou seja,
a que nada corresponde na intuição. Chamo delírio uma montagem de linguagem
construída sobre um vazio e digo: todo mundo delira. Esse ponto de vista do delírio
generalizado é na realidade algo saudável, porque ele nos restitui uma profunda
humanidade do psicótico; o que faz do psicótico sujeito, ou seja, o fato de ele ser
totalmente um ser na linguagem, e isso porquanto a referência como tal sempre falta a
linguagem. Esse uso (o da linguagem como um aparelho para referir) é para ser colocado
no registro do que Lacan chamou de discurso do mestre; aquele que diz o que deve ser
feito (p. 81).
(Obs. Dado que a linguagem se constitui como um péssimo aparelho para referir,
porquanto o discurso jamais encontra externamente seu referente último, poderíamos
inferir que toda compreensão se funda, em última medida, sobre uma pré-compreensão,
um preconceito (prejudgé) com valor axiomático.)
Confundimos continuamente a linguagem corrente com uma denotação que funcionaria
verdadeiramente. Essa análise lógica da linguagem não começou por outra coisa senão
por se interrogar o fato de que, com a linguagem, podemos visar nada como se fosse
alguma coisa. As entidades que são evocadas na linguagem não têm correlato de
realidade. Quando Lacan formula que a verdade tem estrutura de ficção, é no sentido de
que ela não tem estrutura de correspondência, que a verdade não é exatidão, porque se ela
fosse exatidão não haveria verdade, quer dizer que a verdade não tem estrutura de
correspondência ou de adequação, que a verdade não é verificada pela referência. A
verdade é verificada pela coerência, o saber do qual se trata não é um saber referencial,
mas um saber textual. O saber textual como tal, que não é um saber de referência, mas
um saber das articulações internas do texto, é sempre delirante.
A posição de Lacan é, desde o início de seu ensino a de Hegel, ou seja, a de que a palavra
é o assassinato da coisa. Essa metáfora que comporta a barra sobre a coisa e o seu
assassinato e a criação que é correlata a isso: a própria ficção. Mas o ensino de Lacan nos
permite ir mais longe. Essa metáfora comporta a evacuação, a anulação, o assassinato da
coisa, e, nesse lugar vazio, temos a partir da palavra, a criação correlativa dos objetos.
Tais objetos são filhos da palavra, são esses nossos objetos que não terão outro estatuto
de existência senão suas consistências lógicas. Basta um nada, uma variação de
significante, para que os objetos que se acredita serem os mais constituídos no mundo,
percam sua consistência lógica (p. 83).
(Obs. Os objetos que a atitude natural supõe constituídos no mundo podem, sob o golpe
da mudança de um significante, perder sua consistência. A própria realidade perceptiva
que deriva dessa atitude natural, encontra-se, por seu estatuto de ficção, ameaçada de
desmoronamento, assim como a crença fundamental de que nos fala Merleau-Ponty se
acha constantemente ameaçada pela possibilidade da descrença ou da dúvida.)
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