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Index Purgatorius por Gilson Iannini.

Até que ponto é possível prescindir da dimensão pantomímica do discurso socialmente


aceito? (Cf. Do bom uso da besteira; Antônio Teixeira).

O resíduo da adesão libidinal ao objeto (Cf. A soberania do inútil; Antônio Teixeira).

O sexo e sua insensata verdade; Cf. Badiou: “o destino subjetivo da sexuação submete o
sujeito a uma verdade insensata” (Le siècle; at. cit.;). Cf. ainda Bento Prado Jt. ‘Erro,
ilusão, loucura’, ed. 34, 2004).

Quando Freud fala de sentido está em jogo sobretudo uma ideia de sentido como curso
do processo psíquico, como encadeamento lógico do discurso, cuja reconstrução só pode
ser feita a posteriori; trata-se aqui de uma noção de verdade que é, pelo menos até certo
ponto, performativa, quer dizer, importa não sua correspondência a um estado de coisas
previamente dito, mas sua incidência no sentido de instaurar uma reestruturação do estado
de coisas (Iannini, s.a., p. 5; ‘ Quando uma isca de falsidade fisga uma carpa de verdade:
Comentário sobre o trabalho de Frederico Feu de Carvalho sobre Wittgenstein e a
psicanálise’;).

A questão freudiana central é que a sexualidade pulsional inconsciente rompe com a


dimensão do sentido; nõa há e nem pode haver, uma gramática pulsional (idem, ant.) –

A discussão do regime representativo da linguagem, calçado numa suposta objetividade


do referente, implica a consideração do sistema que daí se deriva, a saber, o sistema de
prescrições e normas que procuram garantir a efetividade do aparelho de linguagem para
referir a realidade. O equívoco presente em tal concepção, que é o alvo da crítica
lacacaniana, é precisamente aquele que consiste em tomar o significante como apto a
representar um significado qualquer (Cf. o capítulo dedicado à Saussure, por Milner, em
‘Périple Structural’, bem como as discussões desenvolvidas por Oswald Ducrot em ‘O
Referente’, cf. op. cit).
O que torna a crítica de Lacan ainda mais precisa e mais certeira, na medida em que
mostra o que está por trás do impulso de pensar a linguagem como sistema de
representação de sentido empírico ou denotativo (Iannini, ‘Index purgatorius’, p. 3, s.a.).

Lacan revelou o telos de sua crítica do sentido, da metalinguagem e do positivismo: a


eugenia da linguagem que lhes é necessariamente correlacionada, sua verdade exterior.
A intolerância a certa indeterminação do sentido, o ódio à ambigüidade inerente às línguas
naturais, etc tem efeito nefandos (idem);

“o positivismo lógico procede desta exigência que um texto tenha um sentido apreensível
(...), que um certo número de enunciados filosóficos se achem de alguma forma
desvalorizados a princípio pelo fato de que eles não dêem nenhum resultado apreensível
quanto à busca do sentido” (LACAN, S XVIII, 1971, p. 54).

No limite, a exigência tão ordinária para a filosofia de uma linha de continuidade entre
verdade e sentido coincide com o rechaço do sexual, com a recusa de que a verdade do
sexo seja insensata. Escreve admiravelmente Badiou: “o destino subjetivo da sexuação
submete o sujeito a uma verdade insensata” (BADIOU, 2005, p.117). (idem, p. 5).

Isto justifica em alguma medida a eleição por parte de Lacan de uma referência a
linguística de Saussure, na qual se confere a maior importância ao valor diferencial e a
arbitrariedade do signo [significante];

Cf. A instância da Letra.: a crítica a ‘ilusão’ do caráter representativo da linguagem e à


‘heresia’ que consiste em pensar o significante como significação reificada.

Cf. Miller, Silet, p. 327: “nada decide o sentido senão a satisfação”; [Conferir lição 22: o
objeto a como consistência topológica;]

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Caro Fliess, há algo... por Gilson Iannini


Uma das perguntas centrais que move o Projeto pode fornecer o fundamento teórico para
a discussão de duas ideias bastante atuais: a forclusão generalizada e a consequente clínica
universal do delírio (p. 59).
Dado que o modelo de funcionamento do aparelho ϕ−ψ−ω, baseia-se na ativação
alucinatória do objeto de desejo e que a condição necessária à distinção entre memória e
percepção é a precária inibição pelo ‘eu’ do curso do curso dos processos psíquicos
primários, “porque não somos todos psicóticos”? (idem).

A coisa freudiana, erigida ao estatuto de conceito a partir de Lacan, deixa um vazio. A


coisa é aquilo que ‘do real primordial (...) padece do significante’. Em torno daquele
vazio, o sujeito se constitui na superfície das palavras, qual o oleiro que cria o vazio ao
criar seu entorno (p. 67). – Cf. Lacan, SIII, da criação ex-nihilo; [‘o homem é o artesão
de seus próprios suportes, p .150]

A necessidade sentida por Freud de uma teoria do pai porque ‘no centro da linguagem há
o vazio de referência’; - Cf. Totem e tabu: teoria do pai como ponto de estabilização do
gozo inerte na linguagem;

É esse vazio central, fundante, que nos coloca a impossibilidade, implícita desde o
Projeto, de pensar que o aparelho psíquico poderia alcançar a identidade de percepção de
sua satisfação primeira, sem resto (cf. p.) – da impossibilidade do simbólico abarcar a
totalidade do real; há sempre um excesso pulsional contra o qual o aparelho é sem defesa.

A barra saussuriana; o hiato dificilmente transponível entre significante e significado; a


coisa freudiana e a interdita identidade de percepção; o pouco que nos resta da realidade;

As bases da teoria psicanalítica do sujeito: o excesso pulsional e a primazia do


inconsciente (as Qs e o processo primário);

Cf. Seção X do Projeto para uma diferenciação entre pulsão, quantidades e vontade;

Que critérios o aparelho poderá utilizar para diferenciar entre percepção (atual) e memória
(alucinada)?
O organismo humano é predestinado a uma falsa realidade;

A loucura como tal não deixa de ter suas especificidades; não obstante, as relações entre
esse modelo apresentado no Projeto e a locuura, apesar de delicadas, são inegavelmente
estreitas (p. 64).

A solução proposta por Freud ainda no projeto: se muitos de nós não são psicóticos é
porque alguma instância conseguiu inibir o curso do processo primário; (o ‘eu’). Esta
inibição é tornada possível caso ocorra um ‘emprego correto dos ‘signos de realidade’.
Por sua vez, estes signos de realidade seriam fornecidos quando ocorre eliminação de
excitação no sistema ω. O emprego correto daqueles signos dependeria da ocorrência do
objeto no mundo externo. Parece haver uma circularidade no argumento de Freud,
relativo ao signo de realidade fornecido pelo sistema ω (consciência) e a função inibitória
do eu. Com efeito, apenas a inibição dos processos primários pelo eu permite um emprego
correto dos signos de realidade fornecidos por ω. Mas a ocorrência só é capaz de fornecer
esses signos caso a quantidade esteja reduzida a um mínimo. Ora, Freud não cansou de
afirmar a precariedade do eu, e Lacan emendou: não apenas o eu é precário, mas ‘a
realidade é precária’ (SVII, p. 48). (p_.);

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A colisão da Frase por Antônio Teixeira

A dificuldade que experimenta o psicótico em subjetivar a verdade pela via da ficção >
os efeitos da ausência dessa modulação ficcional da palavra > o rompimento do suporte
ficcional da palavra;

Nota. Cf. Ram Mandil; ‘O novo nas psicoses’: “Nosso desafio é não apenas o de pensar
as psicoses fora da perspectiva segregacionista como também de pensá-la fora da
abordagem deficitária, inclusive aquela que considera a forclusão do Nome-do-Pai
como uma deficiência no nível do significante”.

Clínica da frase: um dispositivo que nos faculta a possibilidade de pensar os fenômenos


de desencadeamento e de estabilização não mais a partir de uma operação sobre o
significante, mas sobre os modos de enodamento, numa sentença do simbólico, do
imaginário e do Real; [a lógica mínima da sentença: as palavras só possuem significação
no contexto da proposição: trata-se, pois, de uma função proposicional que tem um
‘sentido’, mas não tem um ‘significado’, por não admitir um valor de verdade;
diferenciar a proposição definida como uma frase ou forma linguística que exprime
algo falso ou verdadeiro do esqueleto lógico da proposição ao qual Frege dá o nome
de função e que Russerl preferirá chamar de função proposicional. (p. 123) ].

Os objetos que se inscrevem como variáveis são assim, as instancias da verdade, que
transformam a função proposicional numa proposição (p. 123).

Segundo propõe Morel, se o sujeito, como falta-a-ser, é susceptível de ser pensado como
o próprio furo da função assinalada, a variável x seria o argumento que o representa na
relação com o gozo que a frase determina (p. 124).

Cf. Freud; O inconsciente (1915); capítulo último; ‘Avaliação do inconsciente’; onde


Freud abordará a questão da esquizofrenia.

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Forclusão generalizada: como é possível não ser louco? Por Antonio Teixeira.

A realidade é um defeito na pureza da forclusão generalizada.

A consciência nada mais é, vista pela lente freudiana, do que um operador contingente
encarregado de realizar, de maneira essencialmente precária, o teste de realidade para o
sujeito, tarefa na qual, aliás, ela fracassa com bastante frequência (p. 50).

A consistência lógica do percebido, composto de elementos significantes, depende, tão


logo se produzam transformações entre tais elementos, que não garante qualquer valor de
univocidade, basta pensarmos nos efeitos que a descoberta por Freud, do inconsciente,
gerou na maneira pela qual a filosofia e saberes correlatos concebem o fenômeno da
consciência. O gesto freudiano recolheu seus efeitos pela reorganização da consistência
lógica dada aos termos do discurso sobre a consciência que engendra (p._).
A própria realidade sucumbe aos afeitos da forclusão genelarizada, à medida que a
língua, como sistema puramente diferencial, não se encontra vinculada à identidade
do referente (p. 51).

Aos olhos de Freud, existe conflito quando há oposição entre a exigência pulsional e
a consideração da realidade pelo sujeito (p. 51). – [Cf. Formulações sobre os dois
princípios; e, Perda da realidade na neurose e na psicose; ]

Se na neurose o conflito se dá pelo retorno da exigência pulsional, a qual o sujeito


renunciou em favor da realidade, na psicose o conflito ocorre quando se impõe para o
sujeito, a parte da realidade recusada; há conflito, porquanto é exigida do sujeito a
consideração parcial da realidade que ele recusa. A realidade se a definimos como a
integral dos fatos para um sujeito, depende da convenção normativa estabelecida
pelo discurso. Só existe fato como discurso, não havendo discurso que não seja do
semblante – [Cf. SXVIII; lição de 30/01/1971)

o discurso só permite referir a linguagem à realidade ao coloca-la sob o registro do


significante mestre; Lacan denuncia a presença do mestre no horizonte do discurso
ontológico, nele reconhecendo a referência ao ser como efeito de uma prescrição. O
sujeito integrado na realidade é, com efeito, um sujeito sub judice, mesmo se ele o ignora.
Ele deve admitir, para se servir da linguagem, o gesto normativo suplementar que
institui o laço, de outro modo ausente, entre o significante e o referente: a necessidade de
se acrescentar à estrutura lógica da linguagem, o suplemento ilógico do mandato
normativo que a torne apta a referir; sua consistência lógica se apoia em última instância
sobre a base ilógica do assentimento, o que exige do sujeito a adesão a uma norma que
não demonstra sua razão de ser. Esse ponto do assentimento encerra a possibilidade
virtualmente aberta a todos de uma dispersão radical da realidade, no sentido que ele
escapa a todo cálculo subjetivo. A ordenação do referente pela significante deriva,
portanto, de um princípio que só pode se exercer se não for questionado pelo sujeito.
Trata-se de um princípio que deve ter inquestionavelmente razão por ser a própria
possibilidade de julgamento factual sobre a verdade e o erro. A psicose revela localmente
os efeitos da forclusão generalizada sobre a linguagem sobre a realidade, no sentido
que o psicótico contesta esse princípio de ordenação discursiva do significante que
não se explica (pp. 52-53).
A psicose denuncia no interior da realidade social constituída pelo discurso o avesso
derrisório, pois, sem razão de ser, do ideal normativo que a ordena. A perda da
realidade pelo psicótico resultaria então de sua recusa em aceitar a coesão arbitrária da
realidade imposta pelo significante-mestre. Ela deriva de uma forclusão que incide não
propriamente sobre o significante, posto que o significante mestre seria, pelo menos em
princípio, um significante qualquer, mas sobre a função de comando que lhe deveria ser
atribuída. Na opacidade da injúria revela-se o aspecto arbitrário de uma ordem que
não se deixa tratar pelo sentido (p. 53).

Que tipo de compromisso se estabelece entre a declaração da palavra e o fato da verdade?


Se considerarmos que, sob a óptica da forclusão generalizada, uma declaração qualquer
está apta a figurar como válida, a despeito de seu valor de verdade ou de falsidade, como
responder à questão acima proposta? Dado que, a rigor, ‘a estrutura da linguagem não se
ordena pelo referente’, o que permite a um sujeito atribuir uma realidade factual à
verdade?

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As psicoses e seus destinos – por Ram Mandil

Dos conceitos freudianos, talvez seja esse (o de pulsão) o que nos confronte mais
diretamente com o que nos chega do campo da biologia, instalada que está precisamente
sobre a fronteira entre o somático e o psíquico, entre as palavras e os corpos (p. 112).

O falo é na verdade um semblante, a significação fálica é um efeito da incidência do


Nome-do-Pai, pela qual as respostas do Real adquirem uma significação fálica (idem).

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A psicose no texto de Lacan – por JAM

A linguagem é sempre poética; apenas pelo simples fato de termos um eu, fazemos poesia
sem saber. A prosa não passa de uma poesia que opera como se fosse (fait semblant)
escrito, argumentação, informação, denotação;
Estamos acostumados a considerar a psicose em termos de déficit. Somos persuadidos de
que, em relação a nós, falta alguma coisa ao psicótico. Talvez seja saudável inverter a
questão e nos perguntarmos o que nos falta, a nós, para sermos psicóticos.

A psicose está sempre no texto, ou seja, ela não está exatamente na referência.

A psicose é um ensaio de rigor. Neste sentido, eu diria que sou psicótico. Eu sou psicótico
pela simples razão de que sempre tentei ser rigoroso. (Lacan, Conferences et entretiens
dans les universités nord-américaines. Silicet 6/7, Seuil, Paris, 1976, p. 9).

[...] a psicose e a lógica tem em comum algo que pode nos chamar a atenção: elas não se
recusam a tomar apoio algum na intuição comum, no senso comum, elas anulam a nossa
rotina, para extrair da linguagem entidades inéditas. Tanto uma como outro se
fundamentam na inexistência, ou seja, elas se estabelecem sobre a falha de toda pré-
compreensão. Há uma diferença, contudo, entre psicose e lógica. Se admitirmos que um
delírio psicótico sempre comporta um ponto isolado de certeza que representa o papel
lógico do axioma; a posição do axioma em lógica será justamente exclusiva da certeza
(p. 80).

Chamo delírio uma montagem de linguagem que não tem correlato de realidade, ou seja,
a que nada corresponde na intuição. Chamo delírio uma montagem de linguagem
construída sobre um vazio e digo: todo mundo delira. Esse ponto de vista do delírio
generalizado é na realidade algo saudável, porque ele nos restitui uma profunda
humanidade do psicótico; o que faz do psicótico sujeito, ou seja, o fato de ele ser
totalmente um ser na linguagem, e isso porquanto a referência como tal sempre falta a
linguagem. Esse uso (o da linguagem como um aparelho para referir) é para ser colocado
no registro do que Lacan chamou de discurso do mestre; aquele que diz o que deve ser
feito (p. 81).

(Obs. Dado que a linguagem se constitui como um péssimo aparelho para referir,
porquanto o discurso jamais encontra externamente seu referente último, poderíamos
inferir que toda compreensão se funda, em última medida, sobre uma pré-compreensão,
um preconceito (prejudgé) com valor axiomático.)
Confundimos continuamente a linguagem corrente com uma denotação que funcionaria
verdadeiramente. Essa análise lógica da linguagem não começou por outra coisa senão
por se interrogar o fato de que, com a linguagem, podemos visar nada como se fosse
alguma coisa. As entidades que são evocadas na linguagem não têm correlato de
realidade. Quando Lacan formula que a verdade tem estrutura de ficção, é no sentido de
que ela não tem estrutura de correspondência, que a verdade não é exatidão, porque se ela
fosse exatidão não haveria verdade, quer dizer que a verdade não tem estrutura de
correspondência ou de adequação, que a verdade não é verificada pela referência. A
verdade é verificada pela coerência, o saber do qual se trata não é um saber referencial,
mas um saber textual. O saber textual como tal, que não é um saber de referência, mas
um saber das articulações internas do texto, é sempre delirante.

A posição de Lacan é, desde o início de seu ensino a de Hegel, ou seja, a de que a palavra
é o assassinato da coisa. Essa metáfora que comporta a barra sobre a coisa e o seu
assassinato e a criação que é correlata a isso: a própria ficção. Mas o ensino de Lacan nos
permite ir mais longe. Essa metáfora comporta a evacuação, a anulação, o assassinato da
coisa, e, nesse lugar vazio, temos a partir da palavra, a criação correlativa dos objetos.
Tais objetos são filhos da palavra, são esses nossos objetos que não terão outro estatuto
de existência senão suas consistências lógicas. Basta um nada, uma variação de
significante, para que os objetos que se acredita serem os mais constituídos no mundo,
percam sua consistência lógica (p. 83).

(Obs. Os objetos que a atitude natural supõe constituídos no mundo podem, sob o golpe
da mudança de um significante, perder sua consistência. A própria realidade perceptiva
que deriva dessa atitude natural, encontra-se, por seu estatuto de ficção, ameaçada de
desmoronamento, assim como a crença fundamental de que nos fala Merleau-Ponty se
acha constantemente ameaçada pela possibilidade da descrença ou da dúvida.)

Demonstra-se a mesma estrutura em funcionamento na metapsicologia freudiana, onde a


metáfora é a da realidade com relação ao Lust.

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Uma lógica da percepção – por JAM


Pode-se dizer que o que se apresenta em MP como uma fenomenologia da percepção é
entendido por Lacan no sentido de uma lógica da percepção. E falar de lógica não é
divergir da linha indicada por MP, que não hesita em formular: “Nossa percepção é
inteiramente animada por uma lógica” (p. 274).

Os dados psicológicos que foram levantados e teorizados pelos psicólogos da Gestalt


demonstram, já na percepção, um funcionamento do tipo a posteriori. O a posteriori já
está presente na percepção, e no sentido de que a introdução de um novo elemento é
suscetível de fazer ver o espetáculo de modo diferente do que foi oferecido previamente
(p. 275).

A teoria da percepção de Lacan parte do que se convencionou chamar um holismo, o que


o conduz a pulsão. Lacan assimila a ‘organização do campo perceptivo’ - seu caráter
sistemático¸ a conexão de suas diferentes partes, seu interpenetrar-se, seu entrelaçamento
para além da interdependência - à uma estrutura significante.

Um forçamento lacaniano da Gestalt e suas teorias fenomenológicas: podemos discutir


o caráter de elemento propriamente dito, de elemento significante, das partes
constitucionais do campo perceptivo, onde não há apenas sim ou não, branco ou preto,
mas gradações que, como tais, não deixam de maneira evidente o elemento discreto
separado, que exigimos como constituinte de uma estrutura significante. O que orienta
a aproximação feita por Lacan do campo perceptivo como organizado é a noção de
que ele é habitado por uma estrutura significante que já está ali. É sua maneira de
traduzir os dados reunidos pela teoria da Gestalt. Sua tese não é somente a de que o
percebido tem uma estrutura, mas que há uma estrutura significante. E mesmo que o
percebido é estruturado como uma linguagem, feita de elementos significantes, o que o
leva a falar pelo menos uma vez de significante percebido (p. 276).

Primado do significante sobre o sujeito – primado do perceptum sobre o percipiens.

A relação causal do significante com o significado é análoga à do perceptum com o


percipiens. – o percipiens é função do perceptum e não deixa o percipiens ser unívoco
mas, confere-lhe valores e identidades distintas (Cf. A instância da Letra).
Para Miller, ao assimilar “o sujeito da percepção à posição do significado” e desse modo,
defini-lo como essencialmente variável, i. e., diferenciado em função do perceptum,
Lacan distancia-se de Merleau-Ponty que, na leitura milleriana, preconiza um sujeito
‘unitário’.
(Obs. Uma tal leitura, realizada por Miller, é passível de questionamento, como mostra
Muller-Granzotto, que não entende ser possível afirmar que em Merleau-Ponty vigora
uma concepção unitária de sujeito. Concordamos com Muller-Granzotto, e nos
perguntamos sobre a pertinência e a justeza da afirmação de Miller. Poderíamos,
efetivamente, ler em Merleau-Ponty a proposição de um sujeito unitário?).

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