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ELEIÇÕES 2018 (HTTPS://WWW1.FOLHA.UOL.COM.

BR/PODER/ELEICOES/2018)

Tecnologias favorecem líderes de perfil autoritário,


afirma pesquisador
Para Jamie Bartlett, esses candidatos entenderam melhor a dinâmica propensa à
agressividade das redes

16.out.2018 às 11h03

Rodrigo Russo

SÃO PAULO Candidaturas de outsiders e de políticos de perfil autoritário são as


mais favorecidas pelas comunicações digitais, e Jair Bolsonaro (PSL)
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes/2018/presidente/jair-bolsonaro-280000614517.shtml) é a

manifestação brasileira desse fenômeno, afirma o pesquisador britânico


Jamie Bartlett.

“A natureza do nosso sistema de comunicações auxilia esse estilo de líder que


apela a tribos, ao autoritarismo. Não se trata de direita e esquerda, mas de
insiders e outsiders”, diz Bartlett em entrevista à Folha.

Em sua opinião, candidatos dessas franjas entenderam melhor a dinâmica


propensa à agressividade das novas mídias.
O pesquisador Jamie Bartlett, em conferência do TED - TED

“A internet é a maior e mais abundante despensa de reclamações na história


da humanidade”, escreveu Bartlett em seu recente trabalho “The People vs
Tech”, obra ainda sem tradução no Brasil em que examina como a internet
está minando a democracia.

Para ele, mais preocupante que os escândalos atuais de vazamento de dados


é a perspectiva para o futuro das eleições, (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/09/redes-
sociais-atrapalham-funcionamento-da-democracia-diz-historiador.shtml) em que as informações serão

usadas para transmitir mensagens individuais aos eleitores, e ninguém


saberá o que foi prometido ao outro.

Atualmente, Bartlett é diretor do Centro para Análise de Mídias Sociais,


parceria do think tank Demos com a Universidade de Sussex.

Bolsonaro lidera a corrida eleitoral. Ele tem forte presença no mundo


digital. O senhor o incluiria entre os líderes da categoria que chamou de
retribalistas, de candidatos que apelam a grupos online motivados e
mobilizados?
Sim, faz todo sentido. Veja, temos Narendra Modi na Índia, Donald Trump
nos EUA, essa é uma tendência muito forte e global. A natureza do nosso
sistema de comunicações favorece esse estilo de líder que apela a tribos, ao
autoritarismo.

A tecnologia, ao contrário da versão em que quisemos acreditar, não é


inerentemente liberal. Ela estimula a fragmentação.

Na política, não se trata de uma divisão entre esquerda e direita, mas de


insiders e outsiders do jogo político tradicional. Esse não é um fenômeno
que beneficie apenas políticos de direita: há movimentos organizados em
torno do trabalhista Jeremy Corbyn no Reino Unido, de Beppe Grillo na
Itália, houve algo similar com Emmanuel Macron, de centro, na França..
 
E o que explica a vantagem de quem vem de fora nas redes sociais?
 
Em primeiro lugar, essas figuras com traços autoritários chegaram a esse
território primeiro. Por se sentirem ignorados pela mídia tradicional,
passaram também a gastar mais tempo e dinheiro com essas novas mídias.
Além disso, entenderam bem que o público das redes se apega a um discurso
cheio de emoções, de raiva.

Nessas arenas, os ideais, políticas públicas, a viabilidade das promessas, a


performance de gestões anteriores, tudo isso é deixado para trás. Conforme
as redes deixam a linguagem escrita e migram para o vídeo, está claro que a
questão é cada vez mais de aparência, de visual, e de análise de dados. E
nesse último quesito, o dinheiro é um fator fundamental.
 
No seu livro, o senhor alerta para os riscos de anúncios direcionados
mudarem a dinâmica eleitoral no futuro. Como isso ocorreria?
 
Essa é a grande questão. Isso é muito mais importante do que o escândalo de
vazamento de dados da Cambridge (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/04/nao-ajudei-a-
definir-anuncios-diz-pesquisador-de-escandalo-do-facebook.shtml)Analytica

(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/04/nao-ajudei-a-definir-anuncios-diz-pesquisador-de-escandalo-do-

facebook.shtml). Se olharmos para as tendências na tecnologia para publicidade,


veremos que hoje se trata cada pessoa como um ponto de dados, e tudo
indica que cada indivíduo no futuro receberá uma mensagem personalizada.

Se no futuro as campanhas eleitorais também passarem a enviar mensagens


completamente individuais personalizadas, haverá um grande problema
estrutural..
 
Qual seria esse problema?
 
É difícil ver como as eleições continuarão a ser um debate público sobre
políticos, porque elas serão um jogo de dados. E é praticamente irrelevante o
teor dessas mensagens, porque ninguém mais conseguirá vê-las. O jogo
eleitoral vai mudar completamente, e a forma como as eleições são
administradas atualmente não funcionará.

Não acho que todo mundo sofrerá manipulações, é mais complexo que isso.
As pessoas não vão mais confiar nas eleições, vão questionar sua
legitimidade e dizer que não sabem o que foi dito para cada indivíduo.
Depois, vão se frustrar com os políticos, que prometeram X, Y e Z mas não
entregaram nada disso. Porque você prometeu um monte de coisas
diferentes para cada eleitor. Esse é o problema.
 
Além de influenciar nas eleições, o senhor também discute os riscos de
confiar na tecnologia, em algoritmos, para funções e decisões do dia a
dia. Quais os riscos envolvidos nesse processo?
 
Mais e mais decisões que afetam sua vida, seja o próximo destino de suas
férias, os livros que você lê, as mensagens políticas que aparecem nas suas
redes sociais, se o táxi está chegando, as decisões que os seus médicos
tomam, os conselhos que seus advogados oferecem, tudo isso está sendo
totalmente ou parcialmente definido por máquinas. E nós, humanos,
tentamos construir mecanismos para garantir que haja responsabilização
quando pessoas exercem poder sobre nós.

Sei que é um sistema imperfeito, que há corrupção, mas conforme mais


decisões são tomadas por máquinas me pergunto se temos as ferramentas
para exercer o mesmo tipo de controle e responsabilização nesses casos.
Com essas novas tecnologias, é realmente difícil saber quando tentam te
influenciar.

ENDEREÇO DA PÁGINA

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/tecnologias-favorecem-
lideres-de-perfil-autoritario-afirma-pesquisador.shtml

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