Você está na página 1de 16

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 13
EQUILÍBRIO DE FASES E SOLUÇÕES MOLECULARES

1. Introdução
No capítulo 12 tratamos de equilíbrio químico de modo geral, mas em particular de
sistemas homogêneos, onde todas as espécies envolvidas se encontram no mesmo
estado físico, principalmente no estado gasoso.

Neste capítulo vamos tratar de dois tipos de sistemas em equilíbrio: equilíbrios de fases
(que na realidade são equilíbrios físicos) e equilíbrio de dissolução de solutos pouco
solúveis formando soluções moleculares, que constitui também, de certo modo, um
equilíbrio de fases.

Este tipo de sistema em equilíbrio constitui o que chamamos equilíbrios heterogêneos,


visto que as espécies em equilíbrio se encontram em estados físicos distintos.

Vamos começar com os equilíbrios de fases, que são equilíbrios envolvendo a mesma
substância, mas num estado físico diferente.

2. Equilíbrios de fases entre líquidos e seus vapores


Vamos começar a nossa discussão com a água.

A água pode existir em três estados físicos. O estado sólido, que é o gelo. O estado
líquido, que é o estado natural da água entre as temperaturas de 0 °C e 100 °C, à pressão
atmosférica normal (1,0 atm). E o estado gasoso, que é vapor de água.

O ponto de fusão da água, a temperatura em que a água passa de água líquida para água
sólida, ou vice versa, à temperatura constante e à pressão atmosférica normal (1,0 atm),
é 0 °C. O ponto de ebulição da água, a temperatura em que a água passa de água líquida
para vapor de água, ou vice versa, à temperatura constante, e à pressão atmosférica
normal (1,0 atm), é 100 °C.

Uma crença que perdura entre pessoas, dos diferentes níveis de estudo, é que a água só
passa do estado sólido para o estado líquido a 0 °C e que só passa do estado líquido para
o estado gasoso a 100 °C.

Na verdade, o gelo passa para o estado de líquido a qualquer temperatura, o mesmo


acontecendo com a água líquida, que passa para o estado gasoso a qualquer temperatura
também. O que acontece é que no ponto de fusão (0°C) e ebulição (100 °C) esta passagem
é, por assim dizer, mais vigorosa, e ocorre com a temperatura constante, pois a energia
calorífica fornecida é consumida para separar as moléculas uma das outras (calor latente

391
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

de fusão e de ebulição). Veja o capítulo 02, que trata das propriedades macroscópicas da
matéria, e as propriedades que caracterizam as substâncias puras.

Num sistema fechado a água pode coexistir nos três estados, conforme ilustrado pela
figura abaixo, que é um diagrama de fases.

Figura 13.1. Diagrama de Fases para a substância água

Diagramas de fases são extensivamente discutidos em textos de físico química, e não


vamos neste texto aprofundar muito. Por enquanto, é importante observar que água
sólida só pode passar diretamente do estado sólido para o estado gasoso (sublimar) a
pressões muito inferiores à pressão normal de 1,0 atmosfera, e a temperaturas abaixo de
zero graus centígrados (veja dupla seta inclinada no diagrama).

Assim, vamos tratar do equilíbrio de fases da água que acontece normalmente, a qualquer
temperatura, à pressão atmosférica normal (1 atm).

Imagine um sistema fechado, de 1,0 L de capacidade, equipado com um sensível


manômetro (medidor de pressão) e um termômetro, inicialmente evacuado, e depois com
água pura introduzida de modo que exista água líquida no sistema e, como rapidamente
veremos, também vapor de água. A figura da próxima página ilustra a situação descrita.

392
CAPÍTULO 13

Figura 13.2. Sistema água líquida e vapor de água em equilíbrio

Como mencionado antes, a qualquer temperatura existirá água líquida e vapor de água
em equilíbrio. A velocidade com que as moléculas no estado líquido passam para a fase
gasosa é a mesma com que as moléculas na fase gasosa retornam ao estado líquido.

Para este equilíbrio de fases podemos escrever:

H2O(l) → H2O (g)


→

A expressão de equilíbrio será:

Mas, agora temos uma situação de importante consequência para o tratamento de


equilíbrios heterogêneos. Veremos que, enquanto tiver água líquida no sistema não
importa quanto, pois a concentração da água líquida no sistema é invariável a uma dada
temperatura (e variando insignificantemente com a temperatura).

Vamos agora demonstrar esta importante realidade.

Uma propriedade importante que caracteriza uma substância pura é sua densidade. No
caso da água está densidade tem um valor máximo a 4,00 °C, quando vale exatamente 1,00
g/cm3 (ou 1,00 g/mL, já que 1,00 cm3 é exatamente igual a 1,00 mL). Como concentração
em quantidade de matéria é dada em mol/L, podemos expressar a densidade da água
também em g/L, sendo a mesma, então, igual 1000 g/L.

A concentração em termos de quantidade de matéria (mol), já sabemos, é:

393
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

O número de mols da água, por sua vez, é a razão entre a massa (m) e sua massa molar (M),
ou seja, n= m/M.

Substituindo n na expressão de concentração teremos:

A densidade da água é a razão entre a massa e o volume, d=m/V. Logo podemos substituir
a massa na fórmula acima por m=dV e teremos:

com d em g/L e M em g/mol.

Como tanto a densidade (a uma dada temperatura) quanto a massa molar são constantes
se segue, e acabamos de provar, que a concentração da água pura é constante, como
queríamos demonstrar.

Como a densidade da água, em g/L, é 1000 g/L e a massa molar é 18 g/mol, temos então
que esta concentração constante da água será de:

Poderíamos chegar à mesma conclusão por um simples raciocínio lógico.

Em 1,0 L de água temos 1000 g de água. Isto equivale a 1000g / 18g/mol = 55,5 mols. Como
estes mols estão contidos em 1,0 litro, então a concentração da água pura nela mesma
será de 55,5 mol/L

Se jogarmos a metade desta água fora, teremos agora a metade do número de mols, ou seja,
27,75 mols. Como estes 27,75 mols estão contidos em meio litro de água, a concentração
será 26,75 mol/0,500 L = 55,5 mol/L, do mesmo jeito.

Voltemos agora a nossa expressão de equilíbrio (eq.1):

Como já demonstramos que a concentração da água pura é constante, podemos


reescrever:

394
CAPÍTULO 13

Como o produto de uma constante por outra constante também é uma constante,
podemos escrever:

Que é a constante de equilíbrio para o processo de vaporização da água num sistema em


equilíbrio (fechado). Esta constante tem um valor para cada temperatura, e é característica
de cada substância. Quanto mais volátil, maior o valor desta constante.

Observe, como já foi apontado anteriormente, que este equilíbrio é independente


da quantidade de água líquida presente no sistema. O que é verdade para a água é
igualmente verdadeiro para outros líquidos, como mostraremos mais adiante.

Entretanto, em se tratando de gases, é muito mais prático expressarmos este tipo de


equilíbrio em termos de pressões da fase gasosa. Se este gás estiver junto com outros
gases, estaremos falando da pressão parcial da fase gasosa da substância que está se
evaporando. É o caso, por exemplo, se tivermos água num frasco, onde exista também ar.

Considerando comportamento ideal da fase gasosa (o que é perfeitamente razoável,


como veremos), podemos escrever:

Como n/V nada mais é do que a concentração do gás, que é exatamente igual ao KC da
expressão de equilíbrio mostrada acima, teremos:

Se a fase gasosa de água estiver na presença de outros gases ( ar por exemplo) a pressão
passa a ser a pressão parcial, que é independente dos outros gases presentes, e podemos
escrever:

A uma dada temperatura, tudo do lado direito da equação acima é constante, e logo
podemos escrever, uma expressão onde substituímos o sub índice c , de concentração
pelo sub índice p, de pressão e termos a importantíssima expressão:

395
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

Que expressa a pressão de vapor da fase gasosa no sistema sobre o líquido. Esta depende
da temperatura (veja capítulo 04 sobre os gases e suas leis).

A expressão acima pode, evidentemente, ser generalizada para qualquer sistema de um


líquido em equilíbrio com a sua fase gasosa, ou seja:

O gráfico abaixo mostra como varia a pressão de vapor da água, em função da


temperatura.

t (0c)

Figura 13.3 – Variação da pressão de vapor da água em função da temperatura

Como pode ser visto pelo gráfico, à medida que a temperatura aumenta, a pressão de
vapor exercido pelo vapor de água aumenta. Quando esta pressão se iguala à pressão
atmosférica, o líquido entre em ebulição.

O que leva a seguinte definição para ponto de ebulição: é a temperatura em que a pressão
de vapor da substância se torna igual à pressão atmosférica.

Isto tem algumas implicações muito interessantes. A primeira é que a água, por exemplo,
irá ferver a temperaturas mais baixas em lugares altos (pico de montanhas), pois lá a
pressão atmosférica é menor. A segunda é o princípio da panela de pressão. Lá a água
é aquecida num sistema fechado, contendo também ar, e como consequência a pressão
dentro da panela aumenta (daí o nome panela de pressão) e por esta razão aumenta a
temperatura de ebulição, e o cozimento dos alimentos ocorre a temperaturas mais altas, e
396
CAPÍTULO 13

consequentemente mais rápido. Isto chama-se tecnologia, que é exatamente o emprego


da ciência para fins práticos.

Esse processo de passagem da água do estado líquido para o estado gasoso, que, como
falamos, acontece a qualquer temperatura, é muito importante no ciclo de água da terra.

A água está sempre se evaporando. Como consequência a atmosfera tem bastante água
em sua composição. Vamos examinar este importante aspecto mais de perto.

À temperatura ambiente, 25 °C, a pressão de vapor da água é de 23,8 mm de Hg, ou


seja, 0,0313 atmosferas, que será então a pressão parcial máxima, ou de equilíbrio, do
vapor d’água na atmosfera. Nesta circunstância a concentração de H2O (g) na atmosfera
pode ser calculada pela equação pV=nRT, sendo então [H2O(g)] = p/RT, ou seja,
0,0313/0,082x298=1,28 x 10-3 mol/L. Isto equivale a 1,28x10-3 mol/L x 18 g/mol = 0,023 g
de H2O(g) por litro de ar.

Com esta quantidade de H2O(g) no ar, o ar está saturado de água. Neste caso a umidade
relativa do ar é de 100%. Nuvens se formarão, levando eventualmente a chuvas.

Mas, a capacidade do ar de absorver água é uma função da temperatura. Se o ar estiver


perto do valor de saturação, e a temperatura cai, temos nevoeiros, ou seja, gotículas de
água líquida suspensas no ar.

Mas o sistema água/atmosfera não pode ser considerado um sistema fechado onde
necessariamente um equilíbrio se estabelece. Normalmente tem muito menos água do
que isto no ar. É comum em muitos lugares no Brasil, termos valores frequentemente
perto 80% de umidade relativa do ar. Por outro lado, em muitos lugares, e em certas
épocas do ano, os valores da umidade relativa do ar ficam desconfortavelmente baixos
(ar muito seco) a ponto de escolas serem fechadas.

Umidade relativa do ar é uma grandeza com que convivemos no nosso dia-a-dia e


que precisamos saber o que significa. Podemos definir umidade relativa do ar como se
segue:

Ou

Todo líquido tem uma pressão de vapor característica.

Quanto mais volátil, ou seja, quanto menor o ponto de ebulição do líquido, tanto maior a
pressão de vapor do mesmo a uma dada temperatura.

397
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

Exercício 13.1. O etanol, ou álcool etílico (álcool comum) tem um ponto de ebulição
de aproximadamente 80 °C, à pressão atmosférica normal. Faça um esboço da curva
de variação da pressão de vapor desta substância desde 0 °C até a sua temperatura de
ebulição.

A tabela abaixo mostra as pressões de vapor de alguns líquidos à temperatura de 25 °C


(298 K).

Substância pVap/mmHg a 25°C


Água – H2O 23,8
Etanol – CH3CH2OH 59,4
Clorofórmio CHCl3 188
Acetona CH3(CO)CH3 250
Butano 1860 (2,5 atm)

Tabela 13.1. Pressão de vapor para alguns líquidos a 25 °C (298 K)

Observe que para os quatro primeiros exemplos, a pressão de vapor é bem menor que 1,0
atmosfera, e por isso a nossa dedução fazendo uso da lei dos gases perfeitos, PV=nRT,
sem dúvida se justifica.

Já o último exemplo é um caso bastante diferente. Deve ficar claro que o butano é um gás
à temperatura ambiente, já que nesta condição a pressão de vapor já é bem maior que a
pressão atmosférica.

O butano é o principal componente do gás liquefeito de petróleo – GLP - (que é uma


mistura de butano e propano). À pressão acima da pressão de vapor este gás é liquefeito
relativamente fácil. O que vem nos bujões de gás doméstico, é exatamente isto. Butano
líquido em equilíbrio com butano no estado gasoso. Ao se abrir o bico de gás, para o
ambiente, o butano sai na forma de gás, que será então queimado no fogão.

A mesma mistura se encontra nos isqueiros vendidos em toda parte.

Exercício 13.2. Derive uma expressão para Kc e Kp para o equilíbrio existente dentro de
um bujão de gás para o butano (C4H10) . (Resposta ao final do capítulo).

Exercício 13.3. . Considere dois isqueiros contendo GLP. Um visivelmente quase cheio e
outro quase vazio. A figura ao lado ilustra o que está sendo proposto.

Em que isqueiro a pressão exercida pela fase gasosa do butano (e


também do propano) será maior?
Justifique bem a sua resposta. (Resposta ao final do capítulo).

398
CAPÍTULO 13

3. Equilíbrios de fases entre sólidos e seus vapores


Do mesmo modo, sólidos podem estabelecer equilíbrios entre o estado sólido e o estado
gasoso. Isto significa que sólidos também exibem pressões de vapor. Embora sempre
bem menores do que líquidos, alguns sólidos exibem pressões de vapor consideráveis.

Um exemplo interessante é o equilíbrio que se estabelece entre cristais sólidos de iodo


e vapor de iodo.

À temperatura ambiente iodo vaporiza, sem passar pelo estado líquido (sublimação),
formando vapor de iodo. Num sistema fechado se estabelece, então, um equilíbrio entre
a fase sólida e a fase gasosa. A figura abaixo ilustra um sistema deste tipo.

Figura. 13.4. Equilíbrio de fases entre iodo sólido e vapor de iodo

O processo de evaporação (sublimação) e re-solidificação é:


→ I (g)
I2(s) →  2

Do mesmo modo que demonstramos que a concentração de um líquido puro é


constante, podemos demonstrar que isto se aplica também para sólidos puros. E assim
sendo podemos escrever para Kc:

E, usando os mesmo argumentos que usamos para a água, podemos escrever:

A tabela mostra a pressão de vapor para alguns sólidos a 25 °C.

Substância pVap/mmHg a 25°C


Iodo – I2 0,31
Naftaleno (naftalina) – C10H8 0,079
Enxofre – S8 0,000037
Chumbo - Pb 3,25 x 10-26

Tabela 13.2. Pressão de vapor para alguns sólidos a 25 °C (298 K)


399
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

O segundo da lista acima, é uma substância interessante. É um agente antitraça, vendido


na forma de “bolinhas”. Estas evaporam, e o vapor se espalha pelo ambiente infestado.

Observe, também, o último exemplo, o chumbo. Este metal tem uma pressão de vapor tão
pequena que apenas instrumentos capazes de medir pressões perto de zero (próximo de
vácuo) são capazes de verificar que este metal de fato possui uma pressão de vapor.

4. Soluções moleculares de sólidos pouco solúveis


No capítulo 5 – soluções - escrevemos que soluções podem ser iônicas ou moleculares. No
primeiro caso teremos íons em solução, e a solução irá conduzir corrente elétrica, como é
facilmente verificado. Já soluções moleculares não conduzem a corrente.

No capítulo que se segue a este – capítulo 13, equilíbrio de solubilidade – trataremos


de equilíbrios que se estabelecem entre sólidos pouco solúveis, mas que se dissolvem
parcialmente, formando íons, e portanto soluções iônicas.

No restante deste capítulo trataremos de substâncias que também são pouco solúveis,
principalmente em água (faremos um contraste com outro solvente), mas que formam
soluções moleculares.

Seja, como primeiro exemplo, a dissolução parcial de iodo sólido em água, com o pouco
iodo que se dissolve estabelecendo um equilíbrio com o iodo sólido contido no fundo do
recipiente.

Ao observar a lenta dissolução de iodo em água observa-se uma intensidade crescente da


cor amarelo/marron que caracteriza iodo em solução.

A figura abaixo ilustra um processo deste tipo, com aumento gradativo da intensidade
da solução de iodo em água até atingir uma coloração constante. Ou seja, até atingir um
estado de equilíbrio.

Figura 13. 5 – Dissolução de I2 em água

É importante observar que agora não se trata de um equilíbrio entre uma substância em
dois de seus estados físicos. Tem agora uma segunda substância envolvida – o solvente,
e a extensão do processo de dissolução depende, não apenas da substância que está se
dissolvendo, mas também do solvente.

400
CAPÍTULO 13

O processo de dissolução pode ser escrito, no caso do solvente água:


→ I (aq)
I2(s) →  2

E a expressão de equilíbrio será:

Mas, novamente é verdade que a concentração do sólido, que está no fundo do recipiente,
é constante.

Assim teremos:

Mas (e muito importante) a concentração de I2 (aq) é a concentração de equilíbrio, ou


seja, a concentração máxima que pode ser atingida a uma dada temperatura. Este Kc
nada mais é, então, que a solubilidade do iodo em água.

Podemos então escrever:

Expressão semelhante pode ser escrita para qualquer sólido pouco solúvel, e que forma
soluções moleculares.

No caso do iodo o Kc, a solubilidade, em água, é de 1,34 x 10-3 mol/L

Mas, como já mencionamos, neste tipo de equilíbrio de solubilidade, o solvente é


importante. No caso do iodo, por exemplo, se dissolvermos o iodo em tetracloreto de
carbono – CCl4 , o Kc, ou solubilidade, agora é de 1,12 x 10-2 mol/L. Ou seja, o iodo é mais de
8 vezes mais solúvel em tetra cloreto de carbono do que em água. Este fato fornece aos
químicos excelente método de fracionamento de misturas, aproveitando-se da diferença
de solubilidade de substâncias em solventes diferentes. A extração por solventes, é muito
empregada em trabalhos rotineiros de laboratório e em pesquisas.

5. Dissolução de gases que formam soluções moleculares


Vamos agora tratar de um assunto vital. A dissolução de gases em água, e que formam
soluções moleculares.

Em particular a dissolução do gás oxigênio.

É vital pois, embora o oxigênio seja pouco solúvel em água, se não fosse essa dissolução
não existiriam peixes e outros seres que retiram este oxigênio da água, através de suas
401
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

guelras. E não existindo estes seres aquáticos, provavelmente a vida de seres terrestres
também não teria se desenvolvido.

A dissolução do gás oxigênio em água pode ser representada pela equação:


→ O (aq)
O2(g) →  2

A expressão de equilíbrio pode ser escrita:

Mas, ao contrário do que acontece com sólidos e líquidos puros, os gases têm volumes
muito variáveis, dependendo das condições de pressão e temperatura, variando também
a densidade. Assim sendo, a concentração de gases puros não é constante, e portanto
nossa expressão fica como está.

Entretanto, é muito mais prático expressar este equilíbrio de uma forma mista, pois a
concentração de um gás contido num determinado volume é proporcional à pressão do
mesmo.

Sabemos que PV=nRT. Então P=(n/V)RT.

Mas n/V é concentração, Assim, para o oxigênio P =[O2(g)] RT, ou se o oxigênio fizer parte
de uma mistura de gases, como o ar por exemplo, teremos:

onde o p é a pressão parcial do oxigênio na mistura.

Podemos então escrever a importantíssima expressão:

Que expressa a solubilidade do gás oxigênio em função da pressão parcial que o gás
exerce sobre a água onde está sendo dissolvido.

Esta equação é uma expressão matemática para a famosa lei de Henry (William Henry –
1734-1816) e pode ser generalizada para qualquer gás que não reaja quimicamente com
a água (como é o caso de gás carbônico, por exemplo).

Esta equação normalmente é escrita:

Que nos diz que a solubilidade de um gás é diretamente proporcional à pressão parcial
excercida por este gás sobre a solução.
402
CAPÍTULO 13

A lei de Henry tem profundas implicações para mergulhadores, pois o que ela significa é
que a solubilidade de um gás é diretamente proporcional à pressão parcial do gás sobre
o líquido em que está se dissolvendo, e assim aumenta a solubilidade do gás no sangue,
à mediada que o mergulhador se aprofunda na água.

A cada dez metros de profundidade a pressão aumenta em uma atmosfera. Isto acontece
porque a densidade da água é 1,0 g/cm3, e por isso uma coluna de água de 10 metros
de altura, e com uma seção transversal de 1,0 cm2 pesará 1,0 kgf, o que equivale a
aproximadamente 1,0 atmosfera. Veja o capítulo 1 sobre pesos e medidas.

A 100 m, por exemplo, a pressão total sobre o mergulhador (e todo o seu organismo) é
de 11 atmosferas.

A tabela abaixo apresenta constantes de solubilidade para alguns gases a 25 °C (298


K), lembrando que está, é uma função da pressão, com a solubilidade dobrando a cada
atmosfera de pressão.

GÁS Kc / (mol/(L.atm)
Oxigênio - O2 1,38 x 10-3
Nitrogênio – N2 7,23 x 10-4
Hidrogênio – H2 8,34 x 10-4
Hélio – He 4,25 x 10-4

Tabela 13. 3. Constantes de solubilidade para alguns gases que formam soluções moleculares

Vamos inspecionar de perto o que acontece na dissolução de oxigênio em água. Que


quantidade de gás oxigênio estará disponível (no máximo – valor de equilíbrio, ou seja
água saturada de gás oxigênio) para os peixes de um lago, ao nível do mar?

Ao nível do mar vamos supor que a pressão atmosférica seja igual a 1,0 atmosfera.
Entretanto, no ar o gás oxigênio corresponde a apenas 21 % desta mistura de gases. A
pressão parcial do gás oxigênio sobre a água será então igual a 0,21 atmosferas.

Que quantidade de oxigênio estará disponível, caso a água esteja saturada nestas
condições?

Sgás=Kc.p = 1,38 x 10-3 mol/L.atm x 0,21 atm = 2,9 x 10-4 mol/L

Isto equivale a 2,9 x 10-4 mol/L x 32 g/mol = 9,27 x10-3 g/L ou pouco mais de 9 mg/L. É
pouco.

Para contrastar, 1L do ar que nós respiramos tem aproximadamente 0,27 g/L ou 270 mg/L
de gás oxigênio.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, nos aparelhos de mergulho que os
mergulhadores usam, não tem oxigênio puro (muito perigoso abaixo de 20 metros de
profundidade). Trata-se de ar comprimido, cuja pressão é automaticamente regulada, por

403
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

uma válvula especial, à medida que o mergulhador desce. Com isto, a cada dez metros, a
solubilidade em água dos gases respirados aumenta por um fator 10.

O sangue tem propriedades bastante semelhantes à água, e a solubilidade no sangue


também aumenta aproximadamente desta forma.

O oxigênio respirado, será, em sua maior parte, consumido durante a respiração do


mergulhador. Mas o gás nitrogênio não.

Se o mergulhador estiver, por exemplo, a 100 metros de profundidade, a solubilidade do gás


nitrogênio fica 11 vezes maior do que na superfície, pois a pressão parcial do nitrogênio na
superfície é de 0,78 atmosferas e a 100 metros de profundidade será de 8,58 atmosferas.

Assim, o mergulhador precisa subir devagar, para ir eliminando aos poucos o nitrogênio
que excede a solubilidade (descompressão), caso contrário haverá formação de bolhas no
sangue podendo levar a embulia pulmonar e outros problemas gravíssimos.

Exercício 13.4. O ar tem 78% de gás nitrogênio. Resolva os seguintes quesitos:


Qual é a solubilidade do gás nitrogênio no sangue de uma mergulhadora, supondo
propriedades iguais à da água, no início do mergulho.
Qual a solubilidade do mesmo gás no sangue da mergulhadora quando a mesma estiver
a uma profundidade de 50 metros.
Supondo que a mergulhadora tem um volume total der sangue igual a 4,5 Litros, que
volume de gás nitrogênio terá que ser eliminado do sangue da mesma quando ela subir
de 50 metros de profundidade até a superfície, para evitar problemas de saúde, supondo
uma temperatura ambiente de 25oC. (Respostas ao final do capítulo).
Embora esta obra não seja sobre mergulho, o autor é fascinado por este assunto, por ter sido
mergulhador. Por isso gostaria de comentar que o nitrogênio, que à pressão atmosférica
normal é inerte, a grandes pressões (ou seja, a grandes profundidades) exerce uma ação
narcótica e portanto não pode estar presente em mergulhos a grandes profundidades.

O problema começa a partir de profundidades superiores a 30 metros, e perto dos 100


metros causa alucinações e desmaios.

Por esta razão usa-se para mergulhos em águas profundas um ar artificial, em que o
nitrogênio é substituído por gás hélio. Esta substituição causa um efeito curioso, que é a
alteração da voz do mergulhador (voz de Pato Donald), devido à diferença nas vibrações
(frequências) do som que depende do meio.

Finalmente, para terminar este assunto, é importante mencionar que a lei de Henry não é
muito confiável para gases que reagem com a água.

Um caso muito interessante é a do gás carbônico que reage reversivelmente com a água,
reação esta que pode ser representada pela equação:

CO2(g) + H2O (l) → H2CO3(aq)


→

404
CAPÍTULO 13

Pelo princípio de Lê Chatelier pode-se deduzir que ao se aumentar a pressão, aumenta-


se a concentração de CO2, e logo aumenta a solubilidade do mesmo, e o equilíbrio será
deslocado para a formação do acido fraco H2CO3.

E, se por outro lado, a pressão sobre a solução diminuir, o equilíbrio será deslocado para
a esquerda, ou seja na direção da formação do gás carbônico.

É o que acontece quando se abre uma garrafa de refrigerante, que é engarrafado sobre
pressão ao se injetar no mesmo gás carbônico, causando a saída e perda do gás.

RESPOSTAS AOS EXERCÍCIOS DENTRO DO CAPÍTULO

13.1. Tarefa

13.2. Kc = [C4H10 (g)] e Kp = pvap = pC4H10 (g)

13.3. Igual nos dois, pois Kp = pvap do propano e do butano, e é independente da


quantidade (a concentração do líquido é constante) da fase líquida.

13.4. (1) 7,23 x 10-4 mol. L-1.atm-1 x 0,78 atm = 5,64 x 10-4 mol/L

(2) 7,23 x 10-4 mol. L-1.atm-1 x 6 x 0,78 atm = 3,38 x 10-3 mol/L

(3) Diferença de solubilidades = 2,82 x 10-3 mol/L x 4,5 L = 0,0127 mol de N2, que será
expelido a uma temperatura de 25oC (298 K) e uma pressão de 1 atmosfera. Logo V=0,31
L ou 310 mL.

EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES - CAPÍTULO 13


1. A 25 oC a capacidade do ar de reter água no estado gasoso é de 0,023 g/L. Com esta
quantidade de água gasosa misturada com os outros gases atmosférico temos uma
umidade relativa do ar de 100%. Nesta circunstância qual será a pressão parcial exercida
pelo H2O (g)? Confira o seu resultado com o gráfico da figura 13.3.

2. Por que a água ferve a temperaturas mais altas numa panela de pressão?

3. A presença de água no ar é essencial para uma vida confortável. Quando a umidade


relativa do ar cai abaixo de 30 %, temos uma situação de emergência que ocasiona até
suspensão de aulas. Nestas circunstâncias qual é a massa de água presente em cada litro
de ar?

4. Sólidos possuem pressão de vapor muito menor do que os líquidos. Mesmo assim,
alguns sólidos têm pressão de vapor apreciável. Seja, por exemplo, a substância naftaleno
(nome popular naftalina) usando no combate às traças, e cuja fórmula é C10H8. A pressão
de vapor deste sólido é de 1,04 x 10-4 atm, ou 0,079 mmHg, a 25 oC.

405
FUNDAMENTOS DE QUÍMICA GERAL

a) Escreva uma equação representando a passagem de C10H8 sólido para C10H8


gasoso.

b) Escreva uma expressão de equilíbrio para um sistema fechado contendo bolinhas


de naftalina em equilíbrio com o seu vapor.

c) Qual é o valor do Kp desta reação reversível a 25 oC.

d) Qual é o valor do Kc desta reação reversível a 25 oC.

5. Considere um bujão de gás de cozinha (contendo uma mistura dos gases propano e
butano, C3H8 e C4H10. Imagine uma situação em que o bujão está quase cheio de butano e
propano liquefeitos e outra situação em que o bujão está quase vazio mas ainda contendo
as duas substâncias em estado líquido (em equilíbrio com as fases gasosas). Em que
situação a pressão da fase gasosa é maior? Justifique bem a sua resposta.

6.A solubilidade do iodo (I2) em água é 1,34 x 10-3 mol/L, enquanto que em tetracloreto de
carbono (CCl4) é de 1,12 x 10-2 mol/L.

Imagine dois béqueres um com 100 mL de água e outro com 100 mL de tetracloreto de
carbono, nos quais foram colocados 1,0 g de iodo sólido.

a) Destas 1,0 g, que massa irá se dissolver nos 100 mL de água água?

b) Destas 1,0 g, que massa irá se dissolver nos 100 mL de tetracloreto de carbono?

c) Qual o valor de Kc em cada caso?

d) Qual será a massa que ficará sem se dissolver na água?

e) Qual será a massa que ficará sem se dissolver no tetracloreto de carbono?

7. Peixes dependem, evidentemente, da dissolução de gás oxigênio na água, de acordo


com a equação:
→ O (aq)
O2(g) →  2

Numa situação de água saturada de gás oxigênio do ar (raramente o caso) que massa
de gás oxigênio irá um peixe dispor por cada litro de água que passa por suas guelras,
sabendo que o Kc para a dissolução de oxigênio em água é 1,38x10-3 mol/L.atm?

8. Num local de grande altitude, a solubilidade de gás oxigênio será maior ou menor do
que ao nível do mar?

9. Um dos problemas com rios poluídos por esgoto e resíduos industriais, é que este
esgoto e estes resíduos comprometem a concentração de gás oxigênio dissolvido na
água, causando mortandade de peixes. Qual seria a razão disto?

406

Você também pode gostar