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http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/franciscodacunhaesilvaneto/teoriatridimensi
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1 – Introdução
O presente trabalho tem por escopo analisar “A Teoria Tridimensional do
Direito” do jus-filósofo Miguel Reale, especialmente porque o lente da Universidade de
São Paulo, ao sistematizar sua teoria, contempla o Direito não como um esquema
puramente lógico, uma vez que a Ciência Jurídica deve ser considerada em termos de
uma realidade cultural, onde a norma é tomada como resultado da tensão entre fato e
valor. Ou seja, para o devido entendimento da norma jurídica mister se faz estudá-la
numa relação de unidade e de integração entre fatos e valores.[1] Aliás, a tomada de
posição de Miguel Reale exige do jurista que, ao se deparar com a norma jurídica, saiba
que não há como abstrair do seu estudo aqueles fatos e valores, que determinaram a sua
própria gênese, sob pena de uma visão reducionista do Direito, o que o descaracterizaria
enquanto verdadeira ciência normativa. Disso resulta que toda norma jurídica é uma
integração entre fato e valor. Tal posição de Miguel Reale faz com que qualquer teoria
que admita um estudo separado daqueles três elementos ( fato, valor e norma ) logre
infrutífera e improdutiva para a explicação do fenômeno jurídico.
Acentue-se que a obra de Miguel Reale é uma daquelas obras[3] que se renovam
no tempo e no espaço, a dizer, é uma obra que se atualiza pela própria lógica de sua
tese, mormente porque o jus-filósofo não vê o homem tão-somente no processo
histórico-cultural, tendo em vista que “o homem é, também, a história por fazer-se”.[4]
Cirell Czerna chama a atenção para esse confronto entre o formalismo lógico e
um sociologismo de cunho naturalista, intitulando aludido confronto de
“unidimensionalidade”.
Diante desse quadro teórico, havia a necessidade de uma integração dos elementos
contrapostos, o que resultaria numa “bidimensionalidade”[9]. No entanto, tal não era,
ainda, possível, vez que nenhumas das “duas dimensões poderia oferecer o elemento
integralizante”. Vale reproduzir o raciocínio de Cirell Czerna sobre a insuficiência
daquelas posições para a produção do elemento integrador:
Ora, é a partir do valor que temos o elemento mediador entre a norma e o fato.
Entretanto, é preciso visualizar a “exigência de entender a realidade como unidade”,
pena de não haver a integração. Com tal entendimento, anota Cirell Czerna:
Entre a norma e o fato surge assim o valor, como intermediário, como mediador do
conflito, elemento de composição da realidade em suas dimensões fundamentais.
Interessa ressaltar a exigência de entender a realidade como unidade, sem a qual não se
explicaria a tendência a integrar os dois elementos contrapostos, que se deixariam
separados num dualismo irredutível, exigência que unicamente pode explicar, na
verdade, o surgir da “tridimensionalidade”.[11]
Não nos explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade,
nem qual o sentido de sua interdependência no todo. Falta a seu trialismo, talvez em
virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das “mônadas de valor”,
falta-lhe o senso de desenvolvimento integrante que a experiência jurídica reclama.[18]
Lembre-se, outrossim, que incialmente Miguel Reale se referiu à sua teoria como
sendo “bidimensional”, mas, na realidade, segundo o próprio jus-filósofo, em pese a
utilização daquela expressão, o tridimensionalismo já existia, “mas sem a plenitude de
sua acepção verbal, o que demonstra como, às vezes por força de inércia, o sentido das
palavras ou da forma lingüística adequada tarda a revelar-se”.[19]
Reale faz questão de deixar claro que o direito é um só para todos os que o
estudam, mas isso não quer dizer que se tenha apenas uma única Ciência do Direito,
haja vista os vários “objetos de cognição que a experiência do direito logicamente
possibilita”.[22]
É para essa objetivação normativa que volve fundamental a atenção jurista, visando
à atualização dos valores que nela se consagram. Já o “político do direito” ou o
legislador, olhos atentos para experiência jurídica em geral, cuidam de aperfeiçoar o
ordenamento em vigor, para adequá-lo às novas exigências da sociedade”.[23]
4 - Dialética da complementaridade
(...) visto como algo haverá sempre a ser convertido em objeto e, ao mesmo tempo,
algo haverá sempre a atualiza-se no tocante à subjetividade, através de sínteses
empíricas que se ordenam progressivamente no processo cognoscitivo.[26]
Tal correlação de implicação não pode jamais se resolver mediante a redução de uns
aspectos nos outros: na unidade concreta da relação instituída tais aspectos mantêm-se
distintos e irredutíveis, daí resultando a sua dialeticidade, através de “sínteses
relacionais” progressivas que traduzem a crescente e sempre renovada interdependência
dos elementos que nela se integram.[27]
Em passagem da sua obra “Filosofia do Direito”, Reale avalia com precisão a
questão do processo dialético de complementariedade, a saber:
Na realidade, porém, fato e valor, fato e fim estão um em relação com outro, em
dependência ou implicação recíproca, sem se resolverem um no outro. Nenhuma
expressão de beleza é toda a beleza. Uma estátua ou um quadro, por mais belos que
sejam não exaurem as infinitas possibilidades do belo. Assim, no mundo jurídico,
nenhuma sentença é a Justiça, mas um momento de Justiça. Se o valor e o fato se
mantêm distintos, exigindo-se reciprocamente, em condicionalidade recíproca, podemos
dizer que há entre eles um nexo ou laço de polaridade e de implicação. Como, por outro
lado, cada esforço humano de realização de valores é sempre uma tentativa, numa uma
conclusão, nasce dos dois elementos um processo, que denominamos “processo
dialético de implicação e polaridade”, ou, mais amplamente, “processo dialético de
complementariedade”, peculiar à região ôntica que denominamos cultura.[28]
Neste ponto, Miguel Reale encara o Direito de um ângulo ético, isto é, do ponto
de vista da práxis. Aqui, o processo é visto como diz o próprio Reale em termos de
“experiência axiológica” ou “histórico-cultural”[34]. Ao analisar o Direito enquanto
“historicismo axiológico”, Reale entende que sujeito e objeto se implicam e se
relacionam, mas desta relação não resulta a redução de um pelo outro e nem que seja
imaginável a existência de um dos termos sem a existência do outro. Esta implicação e
relacionamento entre sujeito e objeto nos remete ao homem enquanto dever ser, que
segundo Reale:
(...) é enquanto dever ser, mais jamais a sua existência esgota as virtualidades de seu
projetar-se temporal axiológico, nem os valores são concebíveis extrapolados ou
abstraídos do existir histórico (polaridade ética entre ser e dever ser ).[35]
Reale enfatiza, também, que a história não pode ser imaginada como algo
acabado e que a própria categoria do passado só existe na medida em que haja
possibilidade de futuro. O jus-filósofo brasileiro atenta, ainda, que o presente se
constitui em tensão entre passado e futuro, e o dever ser “a dar peso e significado ao que
se é e se foi”. Deste raciocínio Reale sublinha que estabeleceu uma correlação
fundamentação entre valor e tempo, axiologia e história.[37] Essa questão é também
explicitada de forma sintética na seguinte passagem de Reale:
Não se podendo conceber valor que jamais se realiza, nem valor que jamais se
realize, nem valor que de todo se converta em realidade, há uma tensão permanente
entre aquele e esta, tensão que, no plano cultural do Direito, é representada pela norma
jurídica, fator integrante de valor e fato e fato. Dadas, porém, as apontadas
características de realizabilidade e inexauribilidade dos valores, a norma jurídica nunca
esgota o processo histórico do Direito, mas assinala os seus momentos culminantes.[38]
Nesse contexto, o mundo da cultura passa a ser “um patrimônio de atos
objetivados no tempo”, que resulta no “acúmulo de obras”. Reale denomina o mundo da
cultura como “mundo das intencionalidades objetivadas”.[39]
Para melhor determinação de meu pensamento sobre este ponto essencial parto da
observação preliminar de que só o homem é um ser capaz de síntese. Os outros animais
respondem a impulsos particulares e, no máximo, justapõem e congregam respostas
reflexas, em função dos estímulos recebidos. Jamais se antecipam à particularidade dos
impulsos numa antevisão consciente prevenida e intencional do futuro, superando o
disperso da experiência, alçada esta a uma compreensão conceitual envolvente e
diretora. Esse “poder de síntese”, como já se disse, não é senão a expressão do espírito
como liberdade, pois o homem, na evolução cósmica, só se libertou do meramente
natural na medida em que soube vir se impondo à natureza, servindo-se dela para os
seus próprios fins.[40]
Em outra obra, Reale anota mais uma vez a improcedência das alegações de
ser relativista à sua concepção da história do direito, senão vejamos:
6 – Modelos do Direito
Cumpre, por conseguinte, ter presente que, a propósito do sentido ou valor das
normas jurídicas vigentes, são formuladas pelos juristas interpretações de natureza
doutrinária ou científica, destituídas de força cogente, limitando-se sua função a dizer o
que os modelos significam. Como variam os critérios e paradigmas interpretativos, as
proposições e modelos hermenêuticos – que no seu todo compõem o corpo da doutrina,
ou o Direito Científico, conforme terminologia de Savigny – dependem da posição de
cada exegeta, os quais se distribuem em distintas teorias ou correntes de pensamento.
É por essa razão, pela não-precritibilidade dos modelos hermenêuticos, que não
considero a doutrina uma das fontes do direito, o que não lhes diminui, absolutamente, a
relevância, visto como é tarefa da doutrina esclarecer a significação das fontes de
direito, para saber, por exemplo, se elas todas se reduzem, em última análise, à lei; se
elas existem em numerus clausus; se entre elas há uma hierarquia etc.[47]
Como última categoria dos modelos jurídicos, Miguel Reale indica os que
se originam do acordo de vontades, isto é, aqueles decorrentes das iniciativas
individuais.[65] Consoante Miguel Reale, “a fonte negocial é dos canais mais relevantes
da revelação do Direito”.[66]Este modelo negocial se visualiza hoje sob o prisma
constitucional, uma vez que os princípio da livre iniciativa e da livre concorrência estão
plenamente agasalhados pela Lei Fundamental de 1988, o que importa na proibição de o
legislador ordinário vir a suprimir o “mundos dos contratos”.[67] Miguel Reale, com a
sua precisão intelectual, constata que os modelos negociais “representam a
exteriorização ou a atualização da liberdade como valor supremo do indivíduo, tanto
como cidadão como produtor”.[68] Aspecto bem delineado por Miguel Reale quanto
aos modelos negociais se refere ao respeito que esses modelos jurídicos devem ao
devido processo legal na dimensão da liberdade dos cidadãos enquanto pactuantes de
um negócio jurídico, pena de resultarem inválidos, a saber:
7 – Conclusões
Após o enfrentamento das questões que nos propusemos a analisar, a dizer,
a pesquisa da experiência jurídica como estrutura tridimensional, da dialética da
complementaridade, do Direito como experiência histórico-cultural e dos modelos do
Direito, temas chaves da “Teoria Tridimensional do Direito” de Miguel Reale, tivemos
por suma de nosso trabalho o seguinte:
10 – A teoria dos modelos de Direito de Miguel Reale tem por escopo uma renovação
das fontes do direito. Isto é, o que deseja o jus-filosofo brasileiro é completar a teoria
das fontes. Segundo Miguel Reale, os modelos do Direito são distinguidos em modelos
jurídicos ( de natureza prescritiva ) e modelos doutrinários ( de natureza hermenêutica ).
11 – Observe-se que Miguel Reale entende que a doutrina não constitui fonte de direito,
pois dela não decorre uma força vinculante, tendo em vista faltar-lhe a coercibilidade
para tanto.
8 – Bibliografia
_____________. Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000.
_____________. O Direito como Experiência, 2ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 1999.
_____________. Fontes e Modelos do Direito, 1ª ed., Editora Saraiva, São Paulo 1994.
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[2] 123.
[3] Sobre o perfil cultural da obra de Miguel Reale ver o ensaio “ Miguel Reale ou a
Maturidade da Cultura Brasileira”, de Ubiratan Borges de Macedo, contido no livro
“Miguel Reale, Estudos em Homenagem a seus 90 anos, publicado pela EDIPUCRS,
Porto Alegre, 2000.
[4] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p.. 137.
[9] Ibidem.
[10] Ibidem.
[11] Ibiden.
[12] 511.
[14] Miguel Reale, O Direito como Experiência, 2ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
1999, p. XV.
[15] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000, p.
513. .
[16] Interessante observar que os estudos de Reale e Sauer deram-se no mesmo contexto
cronológico sem que um tivesse conhecimento do outro.
[17] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000, p.
513.
[19] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p. 91
[21] Renato Cirell Czerna, O Pensamento Filosófico e Jurídico de Miguel Reale, 1ª ed.,
Editora Saraiva, 1999, p. 127.
[22] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, 2003, p.
56.
[23]Miguel Reale, O Direito como Experiência, Editora Saraiva, São Paulo, p. 121.
[24] Miguel Reale, Fontes e Modelos do Direito, 1ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
1994, p. 41.
[26] Cirell Czerna, O Pensamento Filosófico e Jurídico de Miguel Reale, 1ª ed., Editora
Saraiva, São Paulo, 1999, p. 17.
[27] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000, p.
571.
[28] Ibidem.
[29] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p. 75.
[32] Ibidem.
[33] Renato Cirell Czerna, O Pensamento Filosófico e Jurídico de Miguel Reale, 1ª ed.,
Editora Saraiva, São Paulo, p. 53.
[34] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p. 79.
[36] Ibidem, p. 90
[38] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000, p.
572.
[39] Ibidem.
[40] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p. 84.
[41]Ibidem, p. 82.
[42] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2000, p.
574.
[43] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
2003, p. 153.
[44] Ibidem.
[45] Ibidem.
[46] Ibidem.
[47] Miguel Reale, Fontes e Modelos do Direito, 1ª ed., Editora Saraiva, São Paulo,
1994, p. 107.
[48] Ibidem.
[50] Ibidem.
[51] Ibidem.
[52] Ibidem.
[54] Ibidem.
[56] Ibidem.
[58] Ibidem.
[61] Ibidem.
[62] Ibidem.
[64] Ibidem.
[66] Ibidem.
[67] Ibidem.
[69] Ibidem.