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rot. Marcio Jarek Ree. JONAS, Hans. O principio responsabilidade: ensaio de uma para a civiizagao tecnolégica. Trad. de Marijane Lisboa; iro: Contraponto: Editora da CAPITULO | ANATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO 4 ‘Toda ética até hoje — sofa como injunglo diet certas coisas ou como determinacio dos princ sinda como demonstracao de uma razso de se dever obedecer a tais cipios — compartilhou tacitamente os seguintes pressupostos in cionados: (2) a condigio humana, conferids pela naturcza pla natureza das coisas, encontra-se fixada de uma vez po tragos fuadamentais; (2) com base nesses fundamentos, pode-se determi nar sem dificuldade e de forma clara aquilo que bom para o homem alcance da agd0 humana e, portant, da responsabilidade humana aque certas transformagées em nossas capackades acarrearam, uma m danga na natureza do agit humane. €,jé que a ica tem a ver com o ag a consequénca légica disso ¢ que a natureza modificada do agir humano também impose uma modificagio na Etica.E isso nfo somente no sentido de que os novos objetos do agir ampliaram materiamente o dominio dos casos a0s quais se devem aplicar as regras de conduta em vigor, mas em tum sentido muito mais radical, pois a natureza qualitativamente nova de! ¢ nossas agGes descortinou ume, dimensio inteiramente nova ado ético, nfo prevsta nas perspectivas nos cénones de ética tradicional i ‘As novas faculdades que tenho em mente so, evidenteme nica moderna. Portanto, minha primeira questo € a respeito do modo como essa técnica aféta a natureza do nosso agi até que ponto tiu-ao longo dos tempos. o.agir sob seu dominio algo diferente do que e Durante esses periodos,é claro, o homem nunca esteve desprovido de téc- nica, Minha questao visa & diferenca humana entre a técnica moderne ea dos tempos anteriores. . 1.0 EXEMPLO DA ANTIGUIDADE ‘Comecemos com uma antiga voz discursando sobre 0 poder e o fazer ‘humanos, uma voz que, em um sentido arquetfpico, j faz soar, por assim ‘dizer, uma nota tecnol6gica — 0 famoso canto do coral da Antigona, de Séfoctes. Namezoss slo as maravihas da matrea, mas de todas a aioe 0 bo- iris ar mufes epumosos npelido pelos veos do sch ele rca a rages mens ie ger 0 redo! prema dvincade que toss rns ers na sa eterna, Snruas, ques de ano em ano, 806 Vt fertlizanéo 0 los gras orga as alias! Gu andos de psaros liso; as ordas de animals sevagens pices que habitam es guns do may, odos eles o ome engenoso capars ‘ prende nas mathas de suas codes. ‘Com sea engenho ele amansa igualmenteo animal agreste que core i- ‘vee pelos montes, bem como 0 décil cavalo, em cuja nuca ele assentaré tempéries edos pre contra os imprevists $6 contra a morte ele € impotente, embora jéte- bs sido eapaz de descobrir remédio pars muites doencas, contra as quais 30 qual jo ldo de sua cidade sera 1.Homem e natureza Essa angustiosa homenagem so opressive poder humano narra a sua jnrupsfo violenta e violentadora na ordem césmica, a invasto atrevida dos ‘da natureza por meio de sua incansiivel esperteza; a0 mesmo tempo, narra o fato de que, com a faculdade auto-adquirida do discurso, da reflexdo e da senstbilidade social, ele constréi ums casa para Sooke Aig Ta J.B. Mello e Sous. Rio de Janczo Tenoprint (1 sa propria existéncia humana — ou s¢j, 0 artefato da cidade, A viola (fo da naturerae 2 civilizagdo do homem caminham de mos dadas. Am- bas enffentam os elementos. Uma, na medida em que ele se aventura na natureza e subjuga as suas craturas a outrs, na medida em que erige no ‘efjgio da cidade e de suas lis um enclave contra aquelas. O homem & 0 criador de sua vide como vide humana, Amolda as circunstincias confor- re sua vontade e necessidade, e nunca se encontea desorientado, a nio ser diante da morte Pode-se oltviz, contudo, um tom reservado e mesmo amedrontado nes- se canto de lowvor a0 milagre do homem, e ninguém pode considert-lo rio esté dito, mas que estava implicito para aguela époce, € 2 conscitncia de que, a despeito de toda ¢ 5 trandezailimitada de sua engenhosidade, o homem, confrontado como () clementos, continua pequeno: € justamente isso que forma as suas incur- ntos tio audaciosas e Ihe permite tolear a sua petu- erdades que ele e permite com os habitantes da tera, dlo mar edo ar deixam inaterada a natureea abrangente desses dominios “ € nio prejudicam suas forgas geradoras Eas nfo sofrem dano real quan do, das suas grandes extensées, ele recorta o seu pequeno reino, las per-”” daram, enquanto os empreendimentos humanos percorrem efémeros tra- jelos: Ainda que ele aiormenie ano apés ano a terra com 0 arado, ela & Derene e incansévek ele pode e deve fiar-se na paciéncia perseverante da terra e deve ajustar-se 20 seu ciclo, Igualmente perene 60 mar. Nenhuin saque das suas crituras vivas pode esgotar-Ihe a erilidade, os navios que ‘o.cruzam nio o danificam, eo lancamento de rejetos ndo é capaz de con- taminar suas profundezas. E, nfo importa para quantas doengas o homem ache cura, a mortalidade nao se dobra& sua asicia, Tudo isso & ois antes de nossos tempos as interferéncias do hromem na natureza, tal como ele préprio as via, eram essencialmente su 5 para prejudicar um equilibrio firmemente assen tado, (0 retrospesto descobre que a verdade nem sempre foi to ino. fensiva.) Também nio se pode encontrar no coral de Antigona nem em qualquer outra parte uma alusto @ que isso fosse entio apenas um come- 40, de que coisas ainda maiores vessem a ocorrer em matéria de arte € poder — e que se coneabesse o homem percorrendo uma trajetéria de conquistas infinitas. Aquele era © ponto maximo que ele havia alcangado na domesticagao da necessidade, isso era tudo que ele havia aprendido a cextorquir-Ihe com sua asticia para humanizar sua vidas ao refletic sobre isso, assustava-se diante do préprio atrevimento. 2.8 obra humana da‘cidade” © espago que havis criado para si foi preenchido com a cidade dos ho- mens — destinada a cercar-se ¢ nfo a expandir-se —, por meio disso io dentro do equilibrio maior do todo. Q quer que seja o bem ou o mal, 20 qual o homem se veja impelido em tude de sua arte engemhoss, eles ocorrem no interior do enclave humano, ¢ sem tocar anatureza das coisas e do todo, cujas profundezas permanecem imper turbadas pela impertinéncia humana, ou seja a imutabilidade esencial da natureza como ordem c6smica foi de fato 0 pano de fundo para todos os empreendimentos do homem mortal, incluindo suas ingeréncias naquela prdpria ordem, Sua vida desenvolveu-se entre o.que permenecia ¢ o.que rmadave: o que permanecia era a natureza,o que mudava eram suas pro prias obras. A maior dessas obras era a cidade, & qual ele podia emprestar tum certo grau de permanéncia por melos que inventavae as quais se dis- panhs a obedecer. Mas essa permanéncia, artificialmente produzida, no oferecia nenbuma garantia de longo prazo. Na condigio de um artefato vyulnerdvel, a construcio cultural pode esgotar-se ou desencaminhar-se. A despeito de toda liberdade concedia & autodeterminagio, nem mesmo no interior do ambiente artifical o seu arbitrio poderd revogar algum dia as condigdes basicas da existdncia humana, Sim, a inconstincia do fedo hhumano assegura a constiacia da condicio humana. O acaso, a sorte ea ‘stupider, os grandes niveladores nos assuntos dos homens, atuam como uma espécie de entropia e permitem que todos os projetos desemboquem por fim na norma eterna. Estados erguem-se e caem, dominagdes vém € familias prosperam e degeneram — nenbua mudanga ¢ para durar. na compensagdo reciproca de todos os desvios passagelros, a condigio do homem permanece como sempre fi. Assim, mesmo aqui seu proprio artefato, no mundo social, o controle do homem é pequeno, sua natureza permanente acaba por se impor ‘Anda assim, essa cidadela de sua prépria criacdo, claramente distinta do resto des coisas e confiada aos seus cuidados, forma o dominio com- pleto ¢ nico da responsabilidade humana. A natureza nfo era objeto da

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