Você está na página 1de 7
Algumes yariacSes sole a fangfo, humanizadora da literatura su capaccade de conlinmar # bumanizade do. howe, Los Some variesons ox 5 to confirm man's 1 tamasizing faction of Klorature — i Rani. capacity A LITERATURA E A FORMACAO DO HOMEM Recsbide para publicagio em 8/8/1972 ANTONIO CANDIDO, Universidade de Sao Paulo a nee I Nesta PALESTEA, DESEJO APRESEWTAR ALGU- mas variagSes sobre 4 funggo humanizadora de Fteratira, isto é, sobre a capacidade que ela tem de coafirmar a humanidade do homem. Para este fim, comego focalizando rapidamen- te, nos estudos literatios, o concelto de fungio, vista como © papel que alguma coisa desempe- nha num dado contexte, © conceito de fungio nfo esté muito em voya, pois as eorrentes mais modernas se preocupam sobretudo com o de estrutura, cujo conhecimento seria, teoricarcente, optativo em relagio a ele, se aplicarmos o raciotinio feito com referéneia & historia, Em face desta os cestruturalistas optam, porque acham que € pos- sivel conhecer @ historia ow a estrutura, mas nfo a histéria c a estrutura, Os dois enfoques seriam mutuamente exclusivos. Que incompatibilidade metodolégica poderia existir entre 0 estudo da estrutura eo da fun- So? O primeiro pode ser coimparativamente mais estético do que 0 segundo, que evocaria certas nogées em cadeia, de cunho mai ico, como: atuagio, processo, sucrssho, his- téria. Evoceria a idéia de pertinéncia ede adequagio & finalidade; e daf ‘bastaris um asso para.chegar & idéia de valor, posta entre parénteses pelas teadéncias estrutualistas Mais ainda: @ idéia de fungdo provoss nio ‘apenas uma certa inclinagio para o ado do valor, mas para o lado da pessoa: no 350, 0 escritor (que froduz a obra) € 0 leitor, coleti- vvamente 0 pitblico (que recebe o seu impacto} De fato, quando falamos em fungio no domi- 7 Conferéncia gromunciada ma XXIV Reshito Anual da SBPC, §. Paulo, tho de 1972, : iene # Cutara 2(8): 90808 a WT ST gd PRA OT POTS TTT nio da literatura, pensamos imediatamente (1) em fungio da literature como um todo; (2) em fungao de uma determinada obra; (3) em fun 0 do autor, — tudo referido aos receptores. (Ora, uma caracteristica do enfoque estrutu~ ral € no apenas concentrat-se na obra tomada em si mesma (0 que alids ocorria em outrat ‘orientagées teéricas anteriores), mias relacions- la a um modelo virtual abstrato, que seria 2 iitima instincia hearistica, Isto provém do tiesejo de chegar a um conhecfmento de" tipo cientifico, que supera © conhecimento demasia~ do contingente da obra singular em proveito de tais modelos genéricos, a que ela se subor- dina e de que € uma manifestagao particular fe que portanto a explicam. Eles néo seriaia ahistéricos, mas talvez, trans-histéricas, por- que possuem generalidade e perminéncia 11 iajores, em relagio as manifestagdes part res, (obras) que passam para sogurdo plano como capacidade explicativa. Através da iu ddanga dat manifestagées particulares, cles per- manecem, como sistemas basicas ¢ como prin ciics de organizagéo, escapando até certo ponto a historia, na medida em que fo mo- lelos; mas integrando-se nela, quando vistos fem suas manifesiagies particulares. ponte de vista estrutural, consiste em ver as obras com referéncia aos modelos ocultos, pondo pelo menos proviséria e metodicamente entre parénteses 03 clerrentos.que indicam a sua génese € a sua func3o mam momento dado, fe que portanto acentuam o seu cardter de prov duto contingente mergulhado na hist6ria. Isto é dito para justificar a afiemagao ini- cial: que 98 estudos moderns de literatura se yoltari mais para a estrutura do que para a fungio, Privada dos seus apoios tradicionais be . - rar FA | a4 ais sétides (0 estado da génese, aferisio do valor, a relagfo com 0 publica), a nosfo de fungéo passa de fato por uma cests crise Seria possivel, no entanto, Socalizinla? 6 loro, desde que nfo_queiramos substituir um eafoque pelo outro, © enfoque estratural (in- elusive sob a modalidade mais secente, conhe- ida como estruturalismo) & cesponsivel pelo ‘maior avango que os estudos fiterdrias coahe- ‘ceram em nosso tempo. Mas vai ficando eada dig mais claro que wea vislo integra da Iite- ratura chegaré a conciliar numa todo explicnt coerente a pogo de estrutura ¢ a de f aque alids sadaram curiosemente misturadas ¢ Tiesmo semanticamente confundides em certos momentos da Antropologia inglesa dos anos de 1930 e 1940, Ends sabemos que a Antro- pologia ¢, com a Lingiifstica, ume das grandes Fontes do estruturalismo contemporinea. Voltando sos pontos de referéncia mencicwa- dos acima: na medida em que nos interessa também como experiencia humana, nfo apenas oro produgio de obras consideradss proje- g6es, ou melhor, transformagoes de modelos profundos, a literatura desperta inevitavelmen- eo intéresie pelos elementos contextuais, Tanto quanto a estrutura, des nos dizem de perto, porque somos levades a eles pela pre- ‘ocupagio com a nossa identidade ¢ 0 nosso destino, sem contar que a inteligincia da es- trntura depende em grande parte de se saber como 0 texto se forma a partir do contexto, até constituir uma independéncia dependente (Ge for permitido o jogo de palavres). Mesmo que isto nos afaste de uma visio centifica, € Siffcil pdr de lado os problemas individuais seciais que dio lastro &s obras ¢ as amarram 20 mundo onde vivemos. Digamos entio, para encerrar esta introdu- glo: hA no estudo da obra literaria um momen- to analitico, se quiserem de cunho cientifico, que precisa deixar em suspenso prubleinas relativos ao autor, 20 valor, & atuagfo psiquica © social, a fim de reforgar uma concentracio rnecessitia na obra como objeto de conhecimen- to; ha um momento critic, que indaga sobre a Yalidade da obra e sua fungio como sintese ¢ projesfo da experiéucia humana, ‘Tendo assim demarcedo os campos, vejamos alguma coisa sobre a literatura como forse Iuureanieadora, nfo como sistema de obras. ‘Como algo que exprime o homem e depois atwa * Sue propria formagio do home. Um certo tipo de fungi psicoldgicn & talvez 2 primeira coisa que nos ocorre quando pen- Samos no papel ca literatura, A producto ¢ fruigdo desta se baselam numa espécie de recessidade universal de ficcao ¢ de fantasia, que de certo € coexiensiva ao honem, pois ‘parece invariavelmente em sua vida, como io- Gividuo © como grupo, 20 lado da satisfasto das neressidades mais clementares, E_ isto focorre no primitive e no eivilizado, na crianga fe no adulto, no instruido € no analisbeto. A fiteratnra propriamente dita & wma das snoda- lidades que funcionam como resposta a esta necessidade universal, cujas formas mais bi Inildes ¢ espontineas de satisfagio talvez sejam coisas como a anedota, a adivinha, o trocadilho, 6 riffo. Em nivel complexo surgem as nacra: tivas populares, os cantos foleléricos, as lendas, (08 mitos, No nosso ciclo de civilizagio, tudo isto culminoa de certo modo nas formas irn- pressas, divulgadas pelo fivro; 0 foihete, 0 Jornal, a revista: poema, conto, romance, 1ar~ sativa romanceada, Mais recentemente, occrrett (© boom das modalidades ligadas & comunicasio pele imagem © & redefinigio da eomunicasio apr propiciada pela técnica: fla de inet, GFadionovela, fotonovela, historia em quadri- thos, tclenovela, Isto, sem falar no boncbardelo Uincessante da publicdade, que nos assalta de ‘anh & noite, apoiada em elementos de ffesio, de poesia e em geral da linguagem lterdria. Portanto, por via oral ou visual; sob formas curtas ¢ elementares, ou sob complexas formas fextensas, a necessidade de ficgd0 se manifesta 4 cada instante; alias, singuém pode passar wn: dia sem consumi-la, ainda que sob a forma de palpite na loteria, devanelo, construgio ideal ou ‘nedota. E. assim se justifice o interesse pela fungdo dessas formas de_sistemalizar «_fanta- sia, de qite a Titereiura € uma das modalidades ‘A fantasia quase nunca pure. Ela ce refere constantemente a alguma realidade: teniémeno nateral, paisagem, sentimento, fato, desejo de explicagd0, costumes, problemas humanos ete. ‘Bis por que surge a indagacio sobre o vinculo centre fantasia e realidade, que poile secvir de entrada para pensar na fengfo da fiteratura, Sabemos que um grande nimero de sits, Jendas e contos fo ‘ettoldgicos, isto ¢,xi0 ur: modo figurado ow ficticio de explicar 0 apa Tecimento ea té7a0 de ser do mundo fisicd € aa socledade, Por isso hi uma relagio curiosa =4 cle de ontesia, , pois isfagio is 2 scjam cautilho, aera Tendas, 9, tudo heto, 0 snicagao raeagio quadsi- thardeio falta de ira, formas formas anifesta ssar um forma de ideal ou sve pela a fanta- lalidades fe refere endazeno esejo de nos et. vince servic de atara, le mitos, © 0 apa fisioo € entre a imaginacio expiicativa, que ¢ 8 do clentista, e a imaginagio fantéstica, ou ficecio- nal, ou poéticn, que € a do artista e do eseritos, Haveria pontos de contacto entre ambas? A resposta pode ser ama cspeculagto lateral no problema da fungéo, que nos ocupa. Interessado em estudar a formagéo do espi- rito cientitico, Gaston Bachelard procurot westigar como ele ia surgindo duma_espécie ‘progressiva depuracéo, partir da gang: imeginstiva do devaneio, — que seria um es- tado de passividade intelectual a ser anulado. ‘Mas aos poucos 0 devaneio Ihe foi aparecendo, nao. apenas como etapa inevitével, ou, tolo ‘comum a partir do qual se bifurcam retlexio cientifica © criagio poética, mas a condigdo primdria de uma atividade espiritual legitima. G devaneio seria o caminho da verdadeira imaginagio, que ndo se alimenta dos residvos da percepcio e portanto nfo é uma espécie de resto da realidade; mas estabelece séries aut fhomas 8 Sus tits — Enirentando ainda assim o> nls carlosoa pa Spas mesmo as obras considera indispensivels para a formagio do mogo tra- zem fteqienterenle 0 que a5 convencSes desejartam banir. Alids, essa espécie de inevi= tdvel contrabando € um dos meios por que fovem entra em contacto com realidades que se fenciona escamotear-Ihe, "Vejamos tim exxemplo apenas, Todes sabem que a arte e a liferatura ten um forte compo- lente sexuual, mais ou menos aparente cat

Você também pode gostar