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DEUS E INGENUIDADE

Por Herontico

Deus.
O maior assunto entre os assuntos
criação da ordem que parece caótica
essa grandeza imensurável do todo
analisada pelos pequenos olhos frios
do animal síntese da natureza da terra.
Antes do homo, que se diz erectus
lançar a primeira pedra como arma
este ser as organizou como culto
no seu mais recondido e cavernoso
e as reverenciou, ainda sem idioma.
Pedras empilhadas com significado
que o selvagem pôs com delicadesa
para louvar mistérios e deixar claro
que por toda existência dos macacos
procuraremos entender, ver e aceitar;
antes de sapiens, aquilo que somos
Homo religiosos.

Nos primeiros anos de existência foi muito saboroso e duro compreender as coisas. Até hoje procuro
entender o mundo do líquido aminiótico para fora. Expremi os olhos por longas horas tentando
enxergar o mais profundo dos céus. Olhos que reviravam ao sentir pela primeira vez a explosão de
sensações de chupar uma manga. Queria pegar tudo ao alcanse da vista. Cada coisa quebrada que não
consegui segurar foi válida na experiência de conhecer o Todo. Em mim, como em todos os bebês,
queimava a centelha do infinito, uma vontade de existir só por existir, apenas para se relacionar com as
coisas. E dentre todas as coisas, foi no conforto de minha mãe que estavam resolvidos os sofrimentos.
Como aquele ser era capaz de tanto, e ainda apresentar um mundo tão grande? Cleide Sena, minha mãe
foi a primeira Deusa. Aquela pelo qual minha conciência mínima de bebê sabia reverenciar e pedir
todas as coisas do mundo. Foi através de seu carinho que o mundo se manifestou.

No entanto, com o tempo ‘mainha’ me ensinou que não era a maior divindade. Contava histórias de
Orixás, caboclos, pretos-velhos e muitos outros seres invisíveis que estavam aqui para nos auxiliar e até
nos controlavam. Toda uma pirâmide hierárquica, que vai da mais simples forma de vida, atravessa os
humanos, transcende a matéria e se organiza numa longa caminhada evolutiva até Olorum. Ainda não
sabia o meu nome, mas sabia que devia respeitar o Criador do Universo. Deve ter sido doloroso passar
a crença de Cleide para Olorum. Fase difícil, pois os poderes de Deus eram incompreensíveis enquanto
os poderes de meus parentes eram incríveis. Via encorporações, profecias acertivas e muitas
experiências de cura. Os médius da família eram como super heróis, dando toda sua energia por uma
causa grande demais para compreender. Viví a complexa contradição entre acreditar na existencia dos
Orixás e no poder sobrenatural dos Filhos de Santo.

Por isso, quando criança muito me orgulhei quando escutei a expressão “Deus é brasileiro.” Adorava
imaginar que entre todos os povos, aquela que mandava na porra toda tinha meu jeito de ser. Quem
sabe até fosse uma Yalorixá! Não imaginava um senhor branco, de barba com aparência de burguês
desapegado, bem de boa gerindo o mundo; só via uma uma cidadã comum, pobre, batalhadora rogando
por tanta gente sofrida. Pois é, na baixa idade já entendia o estigma brasileiro de mal capitalizados com
“jeitinho” especial para resolver problemas. Só podia ser esta a natureza da Natureza! A escassês de

São Paulo – 07 de Março de 2018


sóis é tão grande em nosso sistema solar, que foi preciso muito “jogo de cintura” para a manutenção da
diversidade. Só podia ser este o segredo da criatividade, a escassês de recursos. Minerais disputam por
carbono, plantas por luz, seres por oxigenio e os mamíferos, em especial, pelo poder. A realidade
manifestada na rua me levou a intuir um Cristo Mulher Negra.

As idades foram passando e a escola me fez perceber que o Brasil não é o único posso de dor sagrada.
Por todos os lados há classe sofredora, trabalhadora e gozadora. O sadismo dos professores de história
e geografia não liberou nenhum dos países que idealizava. Até a Índia, alvo de tantos deslumbres, é
afundada pela corrupção de homens sem Deus. Saber que o Tibet sofre com a dominação chinesa é
muito doloroso na mente de uma criança. Se todos os países tem suas mazelas, por que o criador de
todas as coisas não seria africano então? Justiça seja feita a apropriação cultural das noções metafísicas
no ocidente… Procurei por relatos da África e fiquei abismado. Descobri que o mundo é um poço de
miséria. Não por falta de heróis: há Akhenaton, Hermes, João do Espírito Santo, João de Deus, Tia
Neiva, Cristo, Chico Xavier, Buda, Gandhi, Lutherking, Conselheiro e uma infinidade de espíritos
notáveis. Aos poucos despertei curiosidade pela filosofia religiosa dos iluminados. E assim começou
meu período de promiscuidade religiosa: nascido na Umbanda e namorado do Candomblé, tive paixão
à primeira vista pelo Budismo, depois o traí com o Hinduísmo, que me aproximou do Islamismo, do
qual tenho medo; até que o Nahualismo me pegou de jeito na rua. Estava confuso e repleto de
conhecimento. Porém, se conhecimento sustentasse religiões, seríamos todos hermetistas.

Sim, retornei ao inicio do Egito, descobri no Hermetismo o caminhos dos mistérios dos Alquimistas e
não estava mais satisfeito com um Deus Universal simbólico. Foi a partir deste incomodo que descobri
o discurso da Biodiversidade de Fauna e Flora. Não havia mesquita que me provasse o contrário. O
Deus que se tornou Deusa, agora se manifestava através da Diversidade. Nesta fase da juventude viajei
bastante pelas maravilhas de meus país e ainda praticava uma filosofia turística. Cada paisagem
intocada que observava era como se estivesse fumando maconha nas pegadas da criação. E quando
finalmente pude contribuir com pequenas gotas de lágrimas na imensidão do Rio Amazonas,
vislumbrei este leito como o Ventre do mundo. Mensurei Gaya. Sim, a chave no rastro divino estava na
molécula de água. Se estava tão abundante, para mim devia ser uma pista de afinidade com a criação.
Foi a última vez que achei o Brasil mais especial que qualquer lugar do globo.

Numa viagem internacional mudei de conclusão. Ainda no avião, ví o amanhecer na Cordilheira dos
Andes. Antes de pisar na Colômbia já estava crente de que a Glória se espalha harmonicamente pelo
globo. Sim, através das flores do Cerro de Monsserrate vi a Beleza, e também o mesmo Deus que
castiga. Dentro do que sabemos sobre o Universo, nosso lote, a terra, é o mais vivo, diverso e criativo,
por que então a matéria sofria tanto para se manifestar? Não o sofrimento dos desafortunados, mas dos
pulmões para captar oxigênio, dos músculos para nos erguer e dos humanos para viver em comunidade.
Sim, em Bogotá descobri o quanto a vida se esforçou e adaptou para chegar no nível que estamos.
Horizontalizei a relação com o divino. Comecei a estudar o mundo e descobrir algumas lutas, seja do
hidrogênio para se ligar ao oxigênico, do campo magnético procurando o equilíbrio e organizando as
coisas, da matéria para se conservar envolta na sopa de antimatéria do Todo. Cheguei a iluminação de
que em toda matéria há um mínimo príncipio de vida, a conciência.

Neste exato momento estou na Etapa do Uno. É quando as pessoas ficam com menos paciência para
debater e te acusam de “hariboo”. Não me preocupo muito com as pessoas que confundem a procura
pelo divino fora das religiões com o ceticismo e até satanismo. De volta ao Hermetismo me redescubro
como criador de todas as coisas. Notei que cada micro partícula em mim, é um vasto planeta. Comecei
a me tornar um fiel. Mentalizei apenas positividade para que toda a fauna e flora contida nos meus
planetas/átomos não sofressem também com guerras e doenças. Finalmente achei um caminho
particular de meditação, a manutenção do Eu como um Universo em expansão. Externamente, comecei

São Paulo – 07 de Março de 2018


a contabilizar eventos de sincronicidade e perseguí-los como sinais de apreço da natureza. Me dei
conta, concretamente, que tudo que vivo foi imaginado genuinamente por mim. O mundo material
agora é apenas uma manifestação diante do espírito do Todo para que o mesmo possa se entender. O
Inteiro, precisa de todas as versões de conciência, desde a areia até o Fissor Nuclear, para se entender.
Neste momento o Deus Vácuo Quântico, de onde emergem todas as partículas, permite que a matéria
se organize em graus cada vez maiores de complexidade, enquanto o universo dilata em quantidade de
existência.

Foi caminhando imerso nesses pensamentos que encontrei um obreiro missionário na Praça da Sé.
Distraído, passei sem perceber no meio do culto. Eram moradores de rua e bêbados em profunda
depressão escutando a pregação de um homem em cólera. Aproveitou meu deslize como exemplo da
anunciação de um suposto satanás no poder. Chamou de fim dos tempos e expôs minha saia e unhas
pintadas. Apontou com mãos suadas e pregou com um ódio bestial. Dizia que tenho a obrigação de
ajoelhar aos pés de Jesus, redimir dos pecados, reconstituir minha moral para seguir o caminho da luz.
Gritava com desespero. Me apontava a bíblia como uma arma e não dava espaço para responder. Fitei-o
nos olhos e comecei a observar seu teatro. O fato de não ter saído e nem abaixar a cabeça o incomodou
muito, que começou a se perder em seus gestos ensaiados. Foi quando gritou algo como “sai demônio”
e eu, para fazer a linha LGBTerrorista, saí neste exato momento. Ainda sorrí.

Em casa procurei pistas desse Deus homofóbico. Fui até a origem da Igreja Universal. Heis o terrível
encontro com o Deus brasileiro. O lider desta seita neopentecostal é o Edir Macedo, atualmente um dos
homens mais ricos do mundo. Iniciou sua jornada rachando com uma igreja conservadora e fundando a
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Seu grande feito foi fundar um comércio religioso sem
grandes conselhos, treinamento de missionários, ou estudo teológico. Construiu uma pirâmide de
dízimos onde qualquer indivíduo com eloquência e fogo no peito pode disseminar a palavra e
contribuir com a captação de dízimos. O mesmo já foi exposto em rede nacional ensinando pastores a
arrancar dinheiro de fiés e sofre incontáveis processos. Sua criação administrativa se tornou uma das
maiores instituições religiosas do mundo em apenas 40 anos, se espalhando por 200 países. Foi esta a
instituição que me parou na rua.

Depois de tamanha trajetória de encontros com Deus, de enfrentar símbolos travestidos, de desviar do
magnetismo de pensamentos antigos desviados, foi muito difícil lidar com esta situação. Senti dor, uma
tristeza profunda e principalmente revolta. Não tenho poder para gritar mais que todos os suntuosos
templos das religiões, nem paciência para mudar cabeças e muito menos tempo de vida para reverter
esta guerra. Me dói saber que dentro de cada fiel como este há um universo de planetas habitados que
sofrerão com o ódio, a indiferença e o sentimento de supremacia. Sim, se o Cristo que tanto esperam
retornar, realmente trará apocalipse a estes seres do ódio.

Estes falsos profetas lucram há milênios ás custas da curiosidade humana. Pregam respostas prontas
para dramas complexos da vida. Cultuam o binarismo sobre uma Natureza que se expressa pela
diversidade. Transmutam a abundancia de matéria por uma hedionda tara divina pelo capital.
Doutrinam pessoas no sentido da alienação, na crença inabalável em apenas uma narrativa divina. E é
nesta escala simbólica que posso lutar. Caro leitor: são as perguntas que nos levam para frente. Não
temos capacidade de mensurar o Todo; apenas podemos sentir Deus. Quanto mais a ciência, a
tecnologia e a meditação expandem nossa conciência, maior será o mistério. Á procura de resposta nos
lançamos na escuridão do universo ao passo que nos aprofundamos no mundo sub atômico. Tudo que
há criado pela humanidade, é apenas uma consequencia do passeio neste corpo infinito. No caminho
deste Deus interrogação evoluímos em todos os sentidos, ao ponto de darmos novos destinos à matéria.
Não aceite resposta, não ter envergadura para entender o Todo é o que nos movimenta. Antes de
sapiens, aquilo que somos: Homo religiosos.

São Paulo – 07 de Março de 2018

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