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1 Análise Complexa 7
1.1 Notas Históricas Sobre Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.1 Estrutura Algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.2 Inexistência de relação de ordem total em C . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.3 Potências de Expoente Inteiro e Polinómios Complexos . . . . . . . . . . 17
1.2.4 Estrutura Geométrica: Representação Polar e Fórmula de Euler . . . . . 18
1.2.5 Raı́zes Índice n de um Número Complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3 Sucessões e séries de Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.1 Sucessões de Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.2 Séries Numéricas (Reais ou Complexas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.3.3 Série Geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.3.4 Resultados Gerais de Convergência de Séries Complexas . . . . . . . . . 27
1.3.5 Série Harmónica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.6 Séries de Mengoli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.7 Convergência Absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.8 Séries Reais de Termos Não Negativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.9 Séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.3.10 Séries Alternadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.3.11 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.4 Funções Complexas de Variável Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.4.1 Definição e Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.4.2 Funções Elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.4.3 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1.4.4 Continuidade: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
1.4.5 Derivada Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
1.4.6 Equações de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
1.4.7 Teorema de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
1.4.8 Demonstração do Teorema de Cauchy-Riemann. . . . . . . . . . . . . . . 53
1.4.9 Propriedades das Funções Analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
1.4.10 Condições de Cauchy-Riemann em Coordenadas Polares . . . . . . . . . 57
1.4.11 Noções Básicas da Topologia em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
1.4.12 Funções harmónicas em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
1.5 Integração em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
1.5.1 Curvas em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
1.5.2 Integral complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
3
1.5.3 Teorema de Cauchy e suas consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
1.6 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
1.6.1 Convergência Pontual e Convergência Uniforme de Sucessões de Funções 78
1.6.2 Holomorfia de uma Série de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
1.6.3 Teorema de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
1.6.4 Zeros de uma Função Analı́tica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
1.7 Séries de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
1.7.1 Definição de Série de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
1.7.2 Teorema de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
1.8 Singularidades, Resı́duos e Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1.8.1 Singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1.8.2 Classificação das Singularidades Isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
1.8.3 Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
1.8.4 Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
1.9 Aplicações do Teorema dos Resı́duos ao Cálculo de Integrais Reais . . . . . . . . 95
1.9.1 Integrais Trigonométricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
1.9.2 Integrais Impróprios de 1a espécie de Funções Racionais . . . . . . . . . . 96
1.9.3 Integrais Impróprios de 1a espécie envolvendo funções Trigonométricas . . 99
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6
Capı́tulo 1
Análise Complexa
7
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
como a álgebra. Tornara-se então óbvio o facto de a aritmética e a álgebra elementar serem
bastante relevantes para a contabilidade e as finanças.
Nos três séculos seguintes, o trabalho de Fibonnaci dominou quer os aspectos teóricos da
Álgebra quer as técnicas de resolução de problemas práticos. Com a ascenção da classe mercantil
em Itália, particularmente acentuada nos séculos XIV e XV, o ambiente matemático foi bastante
influenciado pela expansão do negócio dos maestri d’abbaco. Esta maior ênfase comercial gerou
grande procura por livros de matemática simplificados, escritos em linguagem comum e muito
diferentes dos longos tratados em latim com demonstrações geométricas, que os precederam.
No final do século XV, os maestri d’abbaco haviam acrescentado muito pouco aos resultados
conhecidos no século XII. Mas a atmosfera cultural mais exigente do Renascimento fez os textos
regressar paulatinamente à tradição teórica, representada pelos Elementos de Euclides e pelo
Libber Abbaci de Fibbonaci.
Merece especial destaque o livro Summa de arithmetica, geometria, proportioni e proportiona-
lità, de Luca Pacioli (1445-1517) que, por ser o primeiro texto impresso (e não manuscrito, como
anteriormente) de matemática, teve larga difusão e tornou-se popular por condensar num volume
toda a matemática conhecida até então. Se é certo que o conteúdo matemático da Summa acres-
centava pouco ao que já se conhecia, a sua apresentação diferia, de forma substancial, da das
suas fontes. Como vimos, as obras dos séculos XIII e XIV tinham um estilo puramente retórico,
com todo o conteúdo (excepto os números) descrito em linguagem verbal. Porém, a Summa
de Paccioli apresenta pela primeira vez os cálculos algébricos em forma abreviada, utilizando os
percursores das modernas fórmulas matemáticas. matemáticas.
Com isto, a álgebra inicia nova evolução. As equações do terceiro grau tornam-se alvo de
grande interesse, particularmente porque o maior rigor permitiu descobrir vários erros de que
padeciam os trabalhos dos maestri d’abbaco, e que foram transmitidos acriticamente de geração
em geração.
Como sabemos, da equação genérica do 3o grau,
x3 + ax2 + bx + c = 0,
y 3 + py + q = 0,
(c) x3 + q = px.
A data exacta da descoberta não se conhece, por causas que em seguida se explicam.
Naquela época, em Itália, o mundo dos matemáticos era extremamente competitivo. Os
estudantes pagavam directamente ao professor cada disciplina que frequentavam. Assim, caso
ficassem descontentes com o nı́vel ou a qualidade do ensino, podiam suspender sumariamente
o pagamento. Um professor que caı́sse em desgraça podia ser forçado a deixar a escola, ou
8
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
mesmo a cidade. Para lutar pela sua reputação, assegurando assim a subsistência, os professores
participavam em competições públicas em que o vencedor ganhava prestı́gio e, presumivelmente,
um maior número de alunos. O formato destas competições era a de um duelo: o desafiante
iniciava a contenda propondo uma lista de problemas a um professor mais famoso, enquanto o
desafiado ripostava com uma lista de problemas de dificuldade comparável. Ela declarado vencedor
aquele que conseguisse um maior número de respostas correctas. Em tal atmosfera, o guardião de
uma nova solução ou técnica de demonstração dispunha de uma vantagem considerável sobre os
seus potenciais concorrentes. O segredo era, assim, muito importante, sendo que um matemático
nunca sentia grande interesse pela publicação das suas mais importantes descobertas.
Deste modo, a descoberta de del Ferro não foi comunicada à comunidade matemática, pelo
que as ideias novas que introduzia (e suscitava) não tiveram impacto imediato. A morte de
del Ferro, em 1526, permitiu a um seu discı́pulo, Fiore, libertar-se da promessa de sigilo que
havia contraı́do. Fiori não perdeu muito tempo e, em 1530, desafiou Tonini da Coi para uma
competição. Incapaz de resolver os problemas, Tonini da Coi desafiou por sua vez um seu rival,
Niccolò Tartaglia. Nessa ocasião, Tartaglia respondeu que esses problemas eram impossı́veis. Mas
quando, em 1535, Fiori o desafiou directamente, Tartaglia descobriu sozinho a solução e ganhou
mesmo a competição, ao conseguir resolver também a equação reduzida no caso (b).
Uma dificuldade com estas equações, que é visı́vel no caso (b) mas que não aparece no
caso (a), é a possibilidade de aparecer a raiz quadrada de um número negativo como resultado
intermédio do cálculo de uma solução real positiva. Utilizando notação moderna, a dedução é
simples. Substituindo x = u + v em x3 = px + q obtém-se:
9
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Em Ars Magna (1545), Cardano apresenta as soluções de del Ferro e Tartaglia dos vários
casos de equações do 3o grau com coeficientes positivos. Isto torna-se possı́vel, em parte, à
custa do estabelecimento de identidades algébricas. Porém, permaneciam os métodos de prova de
Euclides. Ora, as considerações geométricas necessárias para obter as demonstrações criavam um
problema: que significado se devia dar a um número negativo? O que significava um segmento
de comprimento negativo, um quadrado de área negativa, ou um cubo de volume negativo?
O que significava a diferença a − b, quando a < b? Ora Euclides, os árabes, Fibonacci, os
maestri d’abaco, Pacioli, e Cardano contornaram sempre o problema da mesma forma: para
não admitirem coeficientes negativos consideraram vários casos para uma mesma equação (da
forma que vimos); pois só assim lhes era possı́vel interpretar as equações do segundo grau como
problemas geométricos envolvendo comprimentos de segmentos e áreas de polı́gonos.
Além disso, os números negativos introduziam uma enorme dificuldade quando apareciam
sob o sı́mbolo de raiz quadrada. Cardano estava ciente do problema e evitou discutir o casus
irreducibilis em Ars Magna. Para uma equação do 2o grau, ele explica assim a dificuldade 2 : “se
ax = x2 + b então: r
a a 2
x= ± − b. (1.1)
2 2
2
[...] Se não se pode subtrair b de a2 [no caso em que (a/2)2 − b < 0] então o problema é
um falso problema, e a solução que foi proposta não se verifica”. Esta impossibilidade apenas
significava que a interpretação geométrica da época (requerida pelos √
métodos de prova disponı́veis)
invalidava, à partida, os casos que poderiam levar à introdução de −1.
No entanto, no capı́tulo 37 de Ars Magna, Cardano enuncia o problema
x + y = 10
(1.2)
xy = 40
afirmando depois:
“É evidente que este caso é impossı́vel. No entanto, procederemos como se segue: dividimos
10 em duas partes iguais, cada uma igual a 5. Estas elevamos ao quadrado, o que dá
25. Subtraia 40 do 25 anteriormente obtido, como eu mostrei no capı́tulo sobre operações
[aritméticas] no livro VI, de onde resulta -15, a raiz√quadrada do√qual adicionada ou subtraida
de 5 dá as soluções do problema. Estas são 5 + −15 e 5 − −15.”
Como o problema (1.2) é equivalente à equação quadrática x2 + 40 = 10x, ele resolveu-o com a
fórmula (1.1), o que pode hoje ser considerado como óbvio mas decerto não o era na época. De
facto, o uso de propriedades algébricas como meio de demonstração estava ainda na sua infância.
Quando calculou (10/2) 2 − 40 = −15, ele comentou que “como tal resultado é negativo, o leitor
√
terá que imaginar −15” e concluiu admitindo que “isto é verdadeiramente sofisticado, pois com
isto pode-se fazer as operações que não se pode fazer no caso de um número negativo e de
outros [números]”. Assim, a rejeição das limitações da interpretação geométrica vigente produzia
uma nova entidade algébrica cujas propriedades eram bem distintas de tudo o que até então era
conhecido, uma entidade cuja interpretação geométrica escapava ao conhecimento da época. Por
isso, Cardano viu-se na obrigação de escrever “e assim progride a subtileza da aritmética sendo o
desı́gnio da mesma, como se diz, tão refinado quanto inútil”.
Em 1463, o humanista Johannes Müller, mais frequentemente designado pelo pseudónimo Re-
gimontanus, comunicou que havia descoberto “os óptimos livros de Diofanto”, o maior algebrista
2
traduzimos as fórmulas em notação moderna
10
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
grego e que viveu em Alexandria provavelmente na segunda metade do século III da nossa era. O
livro mais importante que escreveu é a Aritmética, onde introduz uma notação simbólica similar à
que fora sido desenvolvida até ao século XVI, com sı́mbolos diferentes para uma incógnita, para o
quadrado de uma incógnita, para o cubo, etc, e onde resolvia equações e inequações utilizando o
que ele designou por fórmulas inderminadas, e que são de facto propriedades algébricas genéricas,
hoje descritas através de fórmulas com quantificadores. Até ao Renascimento, a Aritmética de
Diofanto fora descoberta e traduzida várias vezes, a primeira das quais realizada por al-Karaji,
em Bagdad, no século X. Porém, nunca até então a obra tinha conseguido impôr-se aos métodos
geométricos de Euclides, largamente difundidos por al-Khwarizmi e, no Ocidente, por Fibonacci.
Considere-se, por exemplo, o seguinte problema do tomo II desse tratado: “Encontrar três
números tais que o quadrado de qualquer um deles menos o seguinte dá um quadrado”. Usando
notação moderna para descrever a solução de Diofanto, ele tomou x + 1, 2x + 1, e 4x + 1 como
os três números pretendidos e verificou que satisfaziam as seguintes condições:
ou seja, um quadrado, e
(2x + 1)2 − (4x + 1) = 4x2 ,
também um quadrado, e já agora
igualmente um quadrado. O facto de este problema ter uma infinidade de soluções permitiu a
Diofanto enunciar uma propriedade genérica que os números em questão satisfazem. Em notação
moderna, a propriedade escreve-se:
A sua técnica de demonstração usa os métodos algébricos, tı́picos da análise matemática moderna;
além disso, Diofanto não procurou posteriormente qualquer demonstração geométrica da validade
do resultado, como era norma.
Durante a segunda metade da década de 1560, Antonio Maria Pazzi descobriu uma cópia
manuscrita da Aritmética de Diofanto na Biblioteca do Vaticano e mostrou-a a Rafael Bombelli.
Convencidos dos seus méritos, os dois homens iniciaram a tradução da obra, tendo completado o
trabalho em cinco dos volumes. Esta descoberta provocou uma mudança significativa no ambiente
matemático. Numa altura em que a vantagem dos métodos geométricos na solução de questões
algébricas tinha sido enfraquecida pelas descobertas das soluções das equações do quarto grau e
dos números negativos e complexos como soluções dessas equações, a abordagem não geométrica
de Diofanto encontrou finalmente um ambiente favorável à sua difusão. Em 1572, quando Bom-
belli publica uma nova e mais completa edição o seu longo tratado L’Algebra parte maggiore
dell’Arithmetica divisa in tre libri, os termos de inspiração árabe cosa (para incógnita) e census
(para o seu quadrado) são substituı́dos pelas traduções tanto e potenza da terminologia diofan-
tina usada para representar número (arithmos, em grego) e potência (dynamis, em grego). Além
disso, Bombelli removeu quase todos os problemas práticos originários dos maestri d’abbaco,
substituindo-os pelos problemas abstractos de Diofanto. Na sua introdução ao tomo III, ele anun-
ciou que havia quebrado com o costume usual de enunciar problemas “... sob o desfarce de acções
humanas (compras, vendas, trocas directas, câmbios, juros, desfalques, emissão de moeda, ligas,
pesos, sociedades, lucro e prejuı́zo, jogos e outras inúmeras transacções e operações baseadas na
11
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
vida diária)”. Ele pretendia ensinar “a aritmética [álgebra] avançada, à maneira dos antigos”. A
variação introduzida pela álgebra de Bombelli, o seu tratamento de problemas cuja solução era
impossı́vel pelos métodos geométricos constituia, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que a
solução dos problemas algébricos não requeria justificação geométrica.
Assim, em “l’Algebra” Bombelli segue√ Cardano mas oferece uma discussão completa do casus
irreducibilis, introduzindo a notação −1 nas operações com números complexos. Por exemplo,
ele considera a equação
x3 = 15x + 4,
para a qual a fórmula de Cardano dá a solução:
q q
3 √ 3 √
x = 2 + −121 + 2 − −121
Definindo q
3 √ √
2+ −121 = a + b −1
e q
3 √ √
2− −121 = a − b −1,
e elevando ao cubo ambos os membros das igualdades acima, ele conclui facilmente que a = 2 e
b = 1, pelo que a solução
√ √
x = 2 + −1 + 2 − −1 = 4,
apesar de ser real e positiva, só pôde ser obtida por intermédio de números complexos.
René Descartes (1596-1650), que foi essencialmente um filósofo, produziu também importante
obra cientı́fica. Instado pelos seus amigos a comunicar as suas ideias filosóficas, publicou em 1537
o “Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercheur la vérité dans les sciences”.
Esta obra tem três apêndices cientı́ficos: “La Dioptrique, “Les Météores” e “La Géométrie”.
Em La Geometrie, Descartes introduz ideias que estão na base da moderna geometria analı́tica.
Porém — e infelizmente para a análise complexa — o filósofo considerava os números complexos
como uma impossibilidade geométrica. Por exemplo, no método que usou para resolver a equação
x2 = ax − b2 , com a e b2 positivos, Descartes introduz a palavra imaginário: “Para qualquer
equação podemos imaginar tantas raizes [quanto o seu grau determina], mas em muitos casos
não existe a quantidade que correponde à que imaginámos”.
John Wallis (1616-1703), na sua “Algebra”, fez notar que os números negativos — à existência
dos quais se havia também colocado objecções filosóficas durante vários séculos – têm uma
interpretação fı́sica perfeitamente razoável, cuja base era uma recta com uma marca designando
o ponto zero e os números positivos sendo aqueles que estão a uma correspondente distância
do zero para a direita, enquanto os negativos estão a uma distância correspondente (em valor
absoluto) para a esquerda. Assim surgiu o conceito moderno de recta real.
Abraham de Moivre (1667-1754) nasceu em França mas refugiou-se em Londres, aos dezoito
anos de idade, segundo se crê por motivos religiosos. Em 1698, mencionou que Newton descobrira,
em 1676, um caso particular da fórmula que, em notação moderna, se escreve:
n
cos θ + isen θ = cos (nθ) + isen (nθ).
Abraham de Moivre conhecia este resultado e usou-o varias vezes, mas coube a Euler o primeiro
enunciado explı́cito do mesmo.
12
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
Leonhard Euler (1707-1783) nasceu em Basileia, na Suiça, mas viveu a maior parte da sua
vida em S. Petersburgo e em Berlim. Privou com figuras importantes da história mundial como
Frederico II (o Grande) da Prússia e a czarina Catarina (a Grande) da Rússia.
Euler é considerado um dos melhores e mais produtivos matemáticos de todos os tempos.
A sua obra tocou tantas áreas distintas que é impossı́vel descrevê-la em poucas linhas. Alguns
dos seus maiores sucessos devem-se à facilidade com que ele formulava problemas da vida real
utilizando para tal a linguagem da análise matemática. Tal era a atmosfera que se vivia depois
do sucesso de Newton e de Leibniz na criação do cálculo diferencial, assunto que Euler depois
desenvolveu sem ter deixado de tornar os seus fundamentos consideravelmente mais simples de
compreender e de aplicar. √
Euler introduziu a notação abreviada i = −1; além disso, muita da notação da análise
matemática moderna como, por exemplo, a representação P de uma função genérica por f (x), a
notação actual das funções trigonométricas, o sı́mbolo usado em somatórios e séries, a ele se
deve. Euler vizualizava correctamente os números complexos como pontos do plano, da mesma
forma que hoje o fazemos, embora não tenha explicitado uma construção dos números complexos
baseada nessa ideia. Também introduziu a representação polar, x + iy = r(cos θ + isen θ);
descobriu que as soluções da equação z n = 1 são vértices de um polı́gono regular de n lados;
definiu a exponencial complexa a partir de
13
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
reais, (a, b). A sua soma foi definida por (a, b) + (c, b) = (a + b, c + d) e o seu produto por
(a, b) · (c, d) = (ac − bd, bc + ad). Isto constitui, com efeito, a definição algébrica moderna dos
números complexos. Finalmente, em 1831, Gauss decide-se a publicar um artigo onde introduz a
designação número complexo, Gauss sumariza assim as dificuldades enfrentadas:
“Se este assunto tem até agora sido tratado de um ponto de vista errado, e logo
envolto em mistério e obscurecido, é em grande medida√o uso de uma terminologia
desadequada que deve ser culpado. Tivessem +1, −1 e −1, em vez de sido chama-
dos de unidade positiva, negativa e imaginária (ou, pior ainda, impossı́vel), recebido
os nomes, por exemplo, de unidade directa, inversa e lateral, então dificilmente teria
existido qualquer contexto para tal obscuridade.”
• Conjugado de um complexo:
Se z = x + iy, define-se o seu conjugado por
z = x − iy (Re z = Re z e Im z = −Im z)
É óbvio que
z̄¯ = z , ∀z ∈ C
• Igualdade de complexos:
Se z = x + iy, w = a + ib ∈ C
Exemplo:
z=0 ⇔ Re z = Im z = 0
2. z = z̄ se e só se Im z = 0, ou seja
z = z̄ ⇔ z∈R
14
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
• Soma/Produto de complexos:
Se z = x + iy, w = a + ib ∈ C
z + (w + u) = (z + w) + u = z + w + u
∗ propriedade comutativa
z+w =w+z
∗ existência de elemento neutro, 0
z+0=z
z + (−z) = 0
1z = z
0z = 0
z(w + u) = zw + zu
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CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• Simétrico/Diferença de complexos: Se w = a + ib ∈ C
z − w = (x − a) + i(y − b)
• Inverso/Quociente de complexos:
Se w = a + ib ∈ C \ {0}
1 w̄ a − ib
w−1 = == = 2
w ww̄ a + b2
Como consequência da existência de inverso para todo o complexo não nulo, podemos
definir o quociente de dois complexos como sendo o produto pelo inverso. Se z = x + iy,
w = a + ib ∈ C e w 6= 0
z (x + iy)(a − ib)
=
w a 2 + b2
z+z z−z
Re z = ; Im z =
2 2i
e se além disso w = a + ib ∈ C
zw = 0 ⇔ z=0 ∨ w=0
Uma relação de ordem total (estrita) num conjunto M é uma relação, <, que verifica:
(1) Dados a, b ∈ M então verifica-se uma e só uma das seguintes proposições: a < b ou b < a
ou a = b. (tricotomia)
16
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Um corpo munido de uma relação de ordem compatı́vel com a sua soma e produto diz-se um
corpo ordenado. Os números racionais e os números reais, com a soma, o produto e a relação de
ordem usuais, constituem dois bem conhecidos exemplos de corpos ordenados.
Dados quaisquer a, b ∈ M , diz-se que a > b se b < a. A partir das propriedades de corpo e
dos axiomas de ordem prova-se que se a < 0 então −a > 0 (basta usar o axioma 3. com b = 0 e
c = −a), de onde resulta que:
em que ao , a1 , ... an são constantes complexas. Mais tarde demonstraremos o seguinte resultado:
Isto significa, que se P é um polinómio de grau n ∈ N, existem n complexos z1 , ..., zn tal que
P (zk ) = 0 para todo k = 1, ..., n e como tal podemos escrever o polinómio na forma factorizada
P (z) = an (z − z1 )...(z − zn )
3
Note que o que provámos aqui não é auto-evidente: vimos que em qualquer corpo ordenado (e não apenas em
R) se verifica 1 > 0, etc.
17
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Im z
Re z = α
Im z = β β z = α + iβ
α
Re z
Tal como em R2 , podemos também usar as coordenadas polares para representar um número
complexo. Assim, se z = x + iy ∈ C, denomina-se por módulo de z, o número real
p
|z| = x2 + y 2 .
Por outro lado, denomina-se por argumento de z qualquer número real θ que verifique as igualdades
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1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Im z
Arg z = θ
z = reiθ
Re z
|z| = r
Trata-se da famosa fórmula de Euler. Esta definição justifica-se pelo facto de cos θ + isen θ ter as
propriedades que se esperam de uma função exponencial. Usando apenas trigonometria, pode-se
provar facilmente que para quaisquer θ, ϕ ∈ R e k ∈ Z:
eiθ e−iθ = 1
1
e−iθ =
eiθ
k
eikθ = eiθ .
Recorrendo então à fórmula de Euler, a forma polar de um número complexo escreve-se, simples-
mente:
z = |z| ei arg z . (1.4)
Tomando z = −1 em (1.4) obtém-se
eiπ = −1,
fórmula também devida a Euler e que relaciona os três números não racionais mais conhecidos da
Matemática.
O valor do argumento de um complexo não é único:
se θ verifica a igualdade (1.4) então θ + 2kπ, com k ∈ Z, também verifica (1.4).
19
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
No entanto é único em cada intervalo de comprimento 2π, isto é, para cada z 6= 0 e α ∈ R existe
um único θ ∈ [α, α + 2π[ ou a ]α, α + 2π], tal que θ é o argumento de z.
z r
z = |z|e−iθ , zw = r ρei(θ+ϕ) , = ei(θ−ϕ)
w ρ
pelo que
z |z|
zz̄ = |z|2
, |zw| = |z||w| , =
w |w|
z
arg (z) = −arg (z) , arg (zw) = arg (z) + arg (w) , arg ( ) = arg (z) − arg (w)
w
20
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
É de notar que as propriedades das raı́zes reais 4 não são satisfeitas pelas raı́zes complexas,
mesmo se interpretadas no sentido da igualdade de conjuntos.
Exemplo:
√ √
1. Determinar todos os valores de 4 −1 e i. Por um lado
√
4
√
4 iπ+2kπ
−1 = eiπ = e 4 , k = 0, 1, 2, 3 ,
p
4
√
4
√
4
iπ
2 +2kπ
(1 + i)2 = 2i = 2e 4 , k = 0, 1, 2, 3 ,
4
Se x ∈ R+ , n, m e p ∈ N então
√ √ √ √ p
nm
xmp = n
xp e n
xp = n
x
21
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
p
pelo que os valore possı́veis de 4
(1 + i)2 estão representados no conjunto
√
4 iπ √
4 5iπ √
4 9iπ √
4 13iπ
R1 = { 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 } .
√ 2
4
e assim os valore possı́veis de 1+i estão representados no conjunto
√
4 iπ √
4 9iπ √
4 17iπ √
4 25iπ √
4 iπ √
4 17iπ
R2 = { 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 } = { 2e 8 , 2e 8 }
p √ 2
4
Mais uma vez se conclui que R2 ⊂ R1 , pelo que 4
(1 + i)2 6= 1+i .
q√ p√ 2
3 3
3. Determinar todos os valores de ( 3 − i)2 e 3 − i . Por um lado
q√ r
3 3
2 p
3 √
3
i −π
3 +2kπ
( 3 − i)2 = 2e−iπ/6 = 4e−iπ/3 = 4e 3 , k = 0, 1, 2 ,
q√
3
pelo que os valores possı́veis de ( 3 − i)2 estão representados no conjunto
√
3 −iπ √
3 5iπ √
3 11iπ
R1 = { 4e 9 , 4e 9 , 4e 9 }
p√ 2
3
e assim os valore possı́veis de 3 − i estão representados no conjunto
√ π √ π √ π
R2 = { 4e−i 9 , 4e11i 9 , 4e23i 9 }
3 3 3
q√
Verifica-se neste caso que R1 = R2 . Pelo que neste caso se verifica que 3 ( 3 − i)2 =
p√ 2
3
3−i .
De facto podemos enunciar a seguinte propriedade:
22
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
N ∋ n 7→ zn = xn + iyn ∈ C,
ou seja, uma aplicação (ou função) que a cada número natural, n, faz corresponder um e um
só número complexo zn = xn + iyn . É costume representar uma sucessão por (zn ) ou ainda,
mais abreviadamente, pelo seu termo geral, zn . As sucessões xn = Re zn (a parte real de zn ) e
yn = Im zn (a parte imaginária de zn ) são sucessões reais.
A sucessão zn diz-se limitada se existe um número real positivo M tal que |zn | ≤ M para
todo n ∈ N.
• Se zn = xn + iyn então
Exemplos:
1 1
1. A sucessão zn = é limitada, visto |zn | = n ≤ 1, para todo n ∈ N.
in
(n + 2i)
q
n2 +4
√
2. A sucessão zn = é limitada, visto |zn | = n2 ≤ 5, para todo n ∈ N.
n
3. A sucessão zn = ein é limitada, visto |zn | = 1, para todo n ∈ N.
L = lim zn = lim zn ⇔ zn → L
n→∞
Esta definição significa que dado qualquer erro ǫ > 0, existe uma ordem N ∈ N a partir da qual
todos os termos da sucessão (os termos zN +1 , zN +2 , . . .) são aproximações do limite, L, com erro
inferior a ǫ.
Exemplos:
in
1. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 0, visto que para qualquer ǫ > 0
n3
in 1 1
3 = 3 < ǫ para n > √
n n 3
ǫ
√
A definição de convergência verfica-se para N > 1/ 3 ǫ.
23
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
(n + 2i)
2. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 1, visto que para qualquer ǫ > 0
n
n + 2i 2i 2 2
− 1 = = < ǫ para n >
n n n ǫ
A definição de convergência é verficada para N > 2/ǫ.
Teorema:
Sendo (zn )n ⊂ C uma sucessão convergente, então
Diz-se que zn é uma sucessão de Cauchy se e só se para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que
Prova-se que uma sucessão complexa é convergente se e só se é uma sucessão de Cauchy.
Listamos em seguida algumas propriedades dos limites de sucessões complexas convergentes,
que nos permitem utilizar a ´’algebra de limites conhecida das sucessões de termos reias conver-
gentes.
Propriedades:
Se (zn ) e (wn ) são sucessões complexas convergentes, então
1. Se zn = xn + iyn e L = A + iB então
24
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Limite infinito
Se (zn )n é uma sucessão complexa, definimos
• lim |zn | = ∞
n
1
• lim =0
n zn
Observa-se que se pelo menos uma das sucessões (Re zn ) ou (Im zn ) diverge para infinito, então
a secessão (zn ) terá tambem limite infinito. Porém, o recı́proco pode não ser verificado.
Tal como no caso real, a ágebra de limites não é aplicável quando pelo menos uma das
sucessões seja divergente para infinito.
Exemplo:
Ex. 1 As sucessões (neiπn ) e (n + ni ) são divergentes para ∞, dao que
i
lim |neiπn | = lim n = ∞ e lim Re (n + ) = lim n = ∞
n n n n n
{z, z 2 , z 3 , . . . , z n , . . .}
25
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∞
X
Define-se, associada à série zn , a sucessão das somas parciais (SN )N ∈N , por
n=1
S1 = z1
S2 = z1 + z2
S3 = z1 + z2 + z3
..
.
N
X
SN = z1 + z2 + ... + zN = zn
n=1
..
.
N
X
Note-se que, no termo geral escrito na forma SN = zn , n é variável muda.
n=1
Definição: (Natureza da série)
• Se a sucessão das somas parciais SN é convergente em C, isto é, se existe S ∈ C tal que
lim SN = S
N →∞
∞
X
a série zn diz-se convergente e
n=1
∞
X
S= zn
n=1
S é denominado por a soma da série.
• Se a sucessão das somas parciais SN não converge em C (SN não tem limite ou tem limite
∞
X
infinito) a série zn diz-se divergente.
n=1
Proposição
A natureza de uma série não depende de um segmento inicial de termos, no sentido de que:
∞
X ∞
X
∀p, q ∈ N0 , as séries zn e zn têm a mesma natureza.
n=p n=q
Como z N +1 → 0 para |z| < 1 e z N +1 não converge em C quando |z| ≥ 1 (com z 6= 1), conclui-se
que:
26
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Chama-se a atenção para o facto de que zn → 0 não implica que a série de termo geral zn
seja convergente.
∞
X ∞
X ∞
X
• A série complexa zn é convergente sse as séries reais Re zn e Im zn são ambas
n n n
convergentes e
∞
X ∞
X ∞
X
zn = Re zn + i Im zn .
n n n
∞
X ∞
X
• Linearidade. Se as séries zn e wn são convergentes para as somas S e T , respecti-
n n
vamente, então
∞
X
– a série (zn + wn ) é convergente e a sua soma é S + T .
n
∞
X
– para qualquer λ ∈ C, a série (λzn ) é convergente e a sua soma é λS.
n
• Critério de Cauchy.
∞
X
A série zn é convergente
n
sse
a sucessão das somas parciais associada é uma sucessão de Cauchy
sse
para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que:
para todos os n, m > N , |zn+1 + zn+2 + · · · + zm | < ǫ.
27
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
SN = z1 − zN +1 ,
∞
X
zn − zn+1 = z1 − lim zn
n→∞
n=1
28
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Critérios de Convergência
• Critério geral de comparação
Se un e vn são sucessões reais tais que para todo n ∈ N se verifica 0 ≤ un ≤ vn , então:
X X
a) Se vn é convergente tambem un é convergente.
X X
b) Se un é divergente tambem vn é divergente.
n
Demonstração:
P
a) Se SN = u1 +u2 +· · ·+uN e TN = v1 +v2 +· · ·+vN então como vn é convergente,
TN é convergente, logo limitada. Como, para todo o N ∈ N, 0 ≤ SN ≤ TN , SN
também é limitada; como também é monótona, logo é convergente.
P P
b) Caso contrário (isto é, se vn fosse convergente),
P então pela alı́nea a) un seria
convergente, o que contradiz a hipótese. Logo, vn tem que ser divergente.
Demonstração: Considere-se ǫ < l, ou seja, tal que l − ǫ > 0. Pela definição de limite,
existe uma ordem a partir da qual todos os termos da sucessão un /vn verificam
un
l−ǫ< < l + ǫ,
vn
29
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• Critério de D’Alembert
Seja un uma sucessão real de termos positivos tal que existe
un+1
l = lim
n→∞ un
Então:
X
a) Se l < 1 a série un é convergente.
n
X
b) Se l > 1 a série un é divergente.
n
30
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
b) Dado ǫ > 0 tão pequeno que l − ǫ > 1 (como l > 1, basta tomar ǫ < l − 1), a definição
de limite da sucessão un+1 /un garante-nos que a partir de certa ordem:
un+1
>l−ǫ>1
un
Seja r = l + ǫ. Procedendo com em a) (exercı́cio), resulta que, para algum M > 0:
0 < M r n < un
P P
Do critério geral de comparação, como M r n é divergente (r > 1), então un é
também divergente.
Exemplo:
∞
X n2 n2
Considere-se a série . Sendo un = tem-se que
en3 en3
n=1
(n+1)2 n + 1 2
un+1 e(n+1)
3 3 −(n+1)3
lim = lim n2
= lim en =0<1
n un n n n
en3
∞
X n2
pelo que, por aplicação do Critério de D’Alembert, a série é convergente.
n=1
en3
• Critério da Raiz
Seja un sucessão real de termos não negativos, tal que existe
√
l = lim n un
n→∞
Então
X
– se l < 1 a série un é convergente.
n
X
– se l > 1 a série un é divergente.
n
Notas:
Exemplo:
∞
X n
Considere-se a série 2n+(−1) . Começamos por observar que o Critério de D’Alembert
n=0
n
não é aplicável visto que sendo un = 2n+(−1) se tem
2n
para n par
un+1 2n+1
lim =
n un 2n+2
2n−1
para n impar
31
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∞
X n
pelo que, por aplicação do Critério da raź, a série 2n+(−1) é divergente.
n=0
Então
X
a) se l < 1 a série un é convergente;
n
X
b) se l > 1 a série un é divergente;
n
Notas:
√
– Define-se lim sup n un como o maior dos sublimites de un . Um sublimite de un é um
limite de uma subsucessão de un .
√
– Este resultado generaliza o critério da raiz às situações onde o lim n un não existe.
– No caso l = 1, o critério da raiz é inconclusivo.
Exemplo:
∞
X 5
Considere-se a série . Começamos por observar que o Critério da raź
(3 + (−1)n )n
n=0
não é aplicável (e consequentemente o de D’Alembert também não) visto que sendo un =
5
(3+(−1)n )n se tem √ n
5
para n par
√ 4
lim un =
n
√
n n 5 para n impar
2
√
podendo-se fácilmente concluir que o limite não existe. No entanto a sucessão n un tem
duas subsucessões convergentes, pelo que o conjunto dos sublimites é
√
n
√
n
5 5 1 1
{lim , lim }={ , }
n 4 n 2 4 2
e assim
√ 1
lim sup n
un = <1
2
∞
X 5
pelo que, por aplicação do Critério da raź de Cauchy, a série n )n
é convergente.
n=0
(3 + (−1)
32
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
• Critério do Integral
Seja f : [1, ∞[→ R uma função contı́nua, positiva e decrescente. Se, para qualquer n ∈ N,
se tem f (n) = un , então
∞
X Z N
un é convergente sse existe (em R) o lim f (x) dx.
N →∞ 1
n=1
∞
X
Demonstração: Seja SN a sucessão das somas parciais de un . Atendendo a que f é
n=1
decrescente, para qualquer n ∈ N se n ≤ x ≤ n + 1 então un+1 = f (n + 1) ≤ f (x) ≤
f (n) = un , o que implica que
Z n+1
un+1 ≤ f (x) dx ≤ un . (Porquê?)
n
33
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Critério de Leibnitz: Se (un ) é uma sucessão de termos reais positivos, decrescente e tal
∞
X
que lim un = 0, então a série alternada (−1)n un é convergente.
n→∞
n=1
O erro que se comete ao aproximar a série (1.7) pela sua sucessão das somas parcias −a1 +
a2 + · · · + (−1)N aN é menor que aN +1 .
A série harmónica alternada,
∞
X (−1)n
,
n=1
n
é um exemplo de uma série que converge mais não converge absolutamente. Trata-se do exemplo
mais simples de uma série simplesmente convergente.
34
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Teorema de Abel
Considere-se a série de potências centrada em z0 e de coeficientes cn . Então:
∞
X ∞
X
a) Se existe ξ ∈ C \ {z0 } tal que cn (ξ − z0 )n converge, a série cn (z − z0 )n converge
n=0 n=0
absolutamente em todos os valores de z para os quais |z − z0 | < |ξ − z0 |.
∞
X ∞
X
b) se existe ξ¯ ∈ C tal que n
cn (ξ̄ − z0 ) diverge, a série cn (z − z0 )n diverge em todos os
n=0 n=0
valores de z para os quais |z − z0 | > |ξ̄ − z0 |.
Demonstração:
ComoPfoi observado, basta demonstrar o resultado para o caso z0 = 0, isto é, para as séries
do tipo n
an z .
P
a) Supondo que existe um ponto ξ onde a série an ξ n converge, então lim an ξ n = 0. A
n→∞
existência deste limite implica, em particular, que an ξ n é uma sucessão limitada, ou seja:
R está bem definido, pois o conjunto acima nunca é vazio e R ≥ 0. De notar que esse conjunto
pode ser não limitado; nesse caso, R = ∞.
Utilizando o teorema de Abel, conclui-se facilmente o seguinte (porquê?):
35
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
O disco de convergência da série de potências é definido como sendo o interior da sua região de
convergência, ou seja, a região dada por |z − z0 | < R.
Apoiando-nos nos critérios de convergência das séries de termos não negativos e no teorema
de Abel, podemos obter fórmulas para o cálculo do raio de convergência de (1.8). Assim:
∞
X
O raio de convergência da série an (z − z0 )n é dado por:
n=0
a
n
• R = lim , caso este limite exista.
n→∞ an+1
p
• R1 = limn→∞ n |an |, caso este limite exista.
1 p
• = lim sup n |an | (Teorema de Cauchy-Hadamard).
R n→∞
a
n
Para mostrar que, caso o limite exista, R = lim ,, é uma consequência do critério de
n→∞ an+1
D’Alembert. Mais uma vez estudaremos o caso z0 = 0. Assim
|an+1 z n+1 | = |z|
an+1
n
= |z|
|an z | an an
an+1
def an
Supondo que existe R = lim
, então:
an+1
Para se ter L < 1 — caso em que, pelo critério de D’Alembert a série de potências é absolutamente
convergente — então é necessário que |z| < R. Tomando L > 1 conclui-se que para |z| > R a
série não converge absolutamente.
Além disso, a série diverge sempre para |z| > R. Caso contrário, isto é, se convergisse para
certo ẑ, com |ẑ| > R, então pelo teorema de Abel convergiria absolutamente em qualquer z tal
que R < |z| < |ẑ|, o que contradiz a conclusão do parágrafo anterior!
P
Conclui-se que o raio de convergência da série an z n é R.
p
Por outro lado, e se o limite existir, R1 = lim n |an | é uma consequência do critério da raiz,
n→∞
e a demonstração deste facto é anaáloga à anterior.
36
1.3. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Exemplo:
∞
X (z − 2i)n
1. Considere-se a série . Por ser uma série de potências de centro em 2i e
n(5i)n
n=0
1
coeficientes an = n(5i)n , a sua região de convergência será
{z ∈ C : |z − 2i| < R}
em que R é dado por (porque o limite existe)
a 5(n + 1)
n
R = lim = lim =5
n an+1 n n
ou seja a região de conbergência é {z ∈ C : |z − 2i| < 5}..
∞
X
2. Considere-se a série (in)n z n . Por ser uma série de potências de centro em 0 e coeficientes
n=1
an = (in)n , a sua região de convergência será
{z ∈ C : |z| < R}
em que R é dado por (porque o limite existe)
1 1
R= p = lim =0
limn n
!an | n n
Conclui-se que a série converge apemas em 0, ou seja a sua região de convergência é {0}.
∞
X
3. Considere-se a série n(−i)n (z + i)2n Mais uma vez a sua região de convergência será
n=0
{z ∈ C : |z + i| < R}
dado que o centro da série é −i. Visto que no desenvolvimento só ocorrem potências de
expoente par, os coeficientes da série são dados por
n(−i)n para n par
an =
0 para n impar
p
e é fácil de perceber que não existem lim an /an+1 e lim 1/ n |an |. Então
n n
1 1
R= p = √
n
=1
lim sup n
|an | sup{lim n, lim 0}
n n
podemos concluir que esta série converge em {w ∈ C : |w| < 1}, o que implicará que a
série inicial é convergente para todos os valores de z tais que
| − i(z + i)2 | < 1 ⇔ |z + i| < 1 .
37
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplos:
1. Consideremos a funçãoo f (z) = z2 + 3. Então
f (x + yi) = (x + yi)2 + 3 = x2 + 2xyi − y 2 + 3 = x2 − y 2 + 3 + 2xyi
Pelo que
Re f = u(x, y) = x2 − y 2 + 3 e Im f = v(x, y) = 2xy
É óbvio que o domı́nio de f é C.
z
2. A função f (z) = z 2 +1
, tem por domı́nio o conjunto
D = {z ∈ C : z 2 + 1 6= 0} = C \ {i, −i}
38
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
P (z) = a0 + a1 z + · · · + an z n ,
Admitindo que P (z) e Q(z) não têm raı́zes comuns, então se z0 é uma raiz de Q(z) resulta que
P (z)
|f (z)| = Q(z) → ∞ quando |z − z0 | → 0. Este é o exemplo mais simples de uma singularidade
isolada de uma função complexa, conforme veremos mais tarde.
Exponencial Complexa
isto é, se z = x + iy
ez = ex eiy = ex cos y + isen y
A exponencial complexa é uma extensão da exponencial real ao plano complexo. O domı́nio da
exponencial complexa é C, e
Desta forma podemos observar que as imagens por f (z) = ez de complexos com parte real cons-
tante (rectas verticais) são complexos com módulo constante (circunferências centradas na origem)
e a imagem de complexos com parte imaginária constante (rectas horizontais) são complexos com
argumento constante (semi rectas com origem em 0) - ver Figura 1.3
• Para todos z, w ∈ C,
ez+w = ez ew
39
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Re z = a1
Re z = a0
ez
|z| = ea0
Arg z = b0
Im z = b0
|z| = ea1
Im z = b1
Arg z = b1
• Para todo z ∈ C
ez+2kπi = ez , k∈Z
o que significa que a exponencial complexa é periódica de perı́odo 2πi.
• Para qualquer w ∈ C \ {0}, a equação ez = w pode sempre ser resolvida e tem uma
infinidade de soluções, que são dadas por:
(porquê?)
Funções Trigonométricas
Somando e subtraindo as identidades anteriores obtém-se, respectivamente, cos y = 21 eiy + e−iy
e sen y = 2i1 eiy − e−iy .
Podemos então generalizar as funções trigonométricas reais a funções complexas de variável
complexa, definindo-as, para todo o z ∈ C, por:
eiz + e−iz eiz − e−iz sen z cos z
cos z = , sen z = , tg z = , cotg z =
2 2i cos z sen z
É óbvio que as funções sen z e cos z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tg z é
C \ {z : cos z = 0} e o domı́nio da função cotg z é C \ {z : sen z = 0}.
As propriedades das funções trigonométricas complexas são análogas às das funções trigo-
nométricas reais, e podem ser facilmente justificadas a partir das suas definições. Em particular,
para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z:
40
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
• sen 2 z + cos 2 z = 1
• tg (z + kπ) = tg z
O contadomı́nio das funções sen z e cos z é C. Isto significa que quando as funções reais seno
e coseno são estendidas ao plano complexo, tanto as equações cos z = w como sen z = w passam
a ter solução para qualquer w ∈ C. Por periodicidade, essas equações têm uma infinidade de
soluções — pois se z̄ é solução de cos z = w ou sen z = w, então ẑ + 2kπ também o é, para
qualquer k ∈ Z. Chama-se a atenção que este facto implica, entre outras coisas, que as funções
sen z e cos z não são limitadas em C.
Funções Hipérbólicas
Para z ∈ C definem-se:
ez + e−z ez − e−z sh z ch z
ch z = , sh z = , tgh z = , cotgh z = .
2 2 ch z sh z
É óbvio que as funções sh z e ch z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tgh z é
C \ {z : ch z = 0} e o domı́nio da função cotgh z é C \ {z : sh z = 0}.
Todas as igualdades verificadas pelas funções hiperbólicas reais são tambem verificadas pelas
funções hiperbólicas complexas. Em particular, para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z
• ch 2 z − sh 2 z = 1
• sh (z + 2kπi) = sh z
• ch (z + 2kπi) = ch z
• sh (z ± w) = sh z ch w ± sh w ch z
• ch (z ± w) = ch z ch w ± sh z sh w
Logaritmo Complexo
41
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
(Resp., arg z ∈]α, α + 2π] para o valor α de log ). O caso particular em que se considera o
argumento principal, isto é
Log (z m ) = mLog z
Exemplo:
√ h √ i
1. Determinar o valor principal de log (2 3 − 2i) + log (−1 − i) e de log (2 3 − 2i)(−1 − i) .
Por um lado
h √ i h √ i
log (2 3 − 2i)(−1 − i) = log (4e−iπ/6 )( 2e5πi/4 )
h √ i h √ i
= log (4 2e13 iπ/12 ) = log (4 2e−11 iπ/12 )
5 11 i π
= log (2) −
2 12
Por outro lado
√ √
log (2 3 − 2i) + log (−1 − i) = log (4e−iπ/6 ) + log ( 2e−3πi/4 )
iπ √ 3iπ 5 11 i π
= log 4 − + log ( 2) − = log (2) −
6 4 2 12
Verifica-se, neste exemplo, que para o valor principal do logaritmo,
√ h √ i
log (2 3 − 2i) + log (−1 − i) = log (2 3 − 2i)(−1 − i)
42
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
h √ i √
2. Determinar o valor principal de log (− 3 − 3i)5 e de 5log (− 3 − 3i). Por um lado
h √ i h√ i h√ i h√ i
log (− 3 − 3i)5 = log ( 12e4πi/3 ))5 = log ( 12)5 e20πi/3 ) = log ( 12)5 e2πi/3 )
5 2πi
= log (12) +
2 3
z w = ewlog z , arg z ∈] − π, π]
5
Onde Log z é um conjunto.
43
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
1.4.3 Limites
Sendo f : D → C e z0 ∈ D, define-se
Proposição
Se f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), z0 = x0 + iy0 e L = A + iB então
lim u(x, y) = A
(x,y)→(x0 ,y0 )
L = lim f (z) ⇔
z→z0
lim v(x, y) = B
(x,y)→(x0 ,y0 )
Demonstração:
Em primeiro lugar, assumindo que existem os limites
Por definição, para cada ǫ > 0 existem números positivos δ1 e δ2 tais que
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ1 ⇒ |u(x, y) − A| <
2
e
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ2 ⇒ |v(x, y) − B| <
2
Considere-se δ = min{δ1 , δ2 } Tem-se então que se (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ
|u(x, y) + iv(x, y) − (A + iB)| = |u(x, y) − A + i v(x, y) − B |
≤ |u(x, y) − A| + |v(x, y) − B|
ǫ ǫ
< + =ǫ
2 2
o que demonstra que o limite lim f (z) = A + iB.
z→z0
Reciprocamente, supondo que existe lim f (z) = A + iB, dados ǫ > 0 sabemos que existe
z→z0
δ > 0 tal que
0 < |(x + yi) − (x0 + iy0 )| < δ ⇒ |u(x, y) + v(x, y)i − (A + iB)| < ǫ
44
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
p
demonstra-se facilmente que se (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ se tem
O resultado anterior permite mostrar que, se existirem lim f (z) e lim g(z), tem-se que
z→z0 z→z0
Exemplo:
z 2 − (i + 1)z + i z−i
2. lim 2
= lim = −i
z→1 z + (i − 1)z − i z→1 z + i
Exemplo:
Re (z)
Observa-se que lim representa uma indeterminação do tipo 0/0. Escrevendo z = |z|eiθ
z→0 z
obtem-se
Re (z) |z|cos (θ)
= = e−iθ cos (θ)
z |z|eiθ
Fazendo |z| → 0 verifica-se Re (z)/z converge para um valor que depende de θ (ou seja do
argumento de z) e como tal o seu valor dependerá da forma como z está a convergir para 0.
Assim, por exemplo, se z está a convergir para 0 ao longo do semi eixo real positivo (θ = 0)
tem-se
Re (z)
lim =1,
z→0 , z∈R+ z
enquanto que se z está a convergir para 0 ao longo do semi eixo imaginário positivo (θ = π/2)
tem-se
Re (z)
lim =0.
z→0 , z∈iR + z
Re (z)
Conclui-se que lim não existe.
z→0 z
6
As vizinhançãs de um ponto em C e R2 são discos centrados nesse ponto; ou seja são geometricamente iguais.
45
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
1.4.4 Continuidade:
Sendo f : D → C e z0 ∈ D, diz-se que f é contı́nua em z0 se
lim f (z) = f (z0 )
z→z0
46
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Exemplo:
f ′ (z) = 2 − 2z , ∀z ∈ C
Observe-se que
47
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
f (z + h) − f (z)
pelo que este limite não existe. Conclui-se que para qualquer z ∈ C, lim
h→0 h
não existe e como tal o domı́nio de diferenciabilidade de f é o conjunto vazio.
Re h
= Re z + z lim
h→0 h
Re h |h|cos θ
lim = lim = eiθ cos θ
h→0 h |h|→0 |h|eiθ
f (0 + h) − f (0)
lim =0
h→0 h
f (z + h) − f (z)
e como tal f é diferenciável em 0 e f ′ (0) = 0. Por outro lado se z 6= 0, lim
h→0 h
não existe (porquê?) pelo que a função não é diferenciaável em C \ {0}. Assim Dom. Dif
(f ) = {0}.
Nota: Os casos anteriores (2 e 3), mostram que não é suficiente que u e v sejam diferenciáveis
em (x0 , y0 ) para que f = u + iv tenha derivada em z0 = x0 + iy0 . Por exemplo para f (z) =
f (x + iy) = 2x + 3iy
Re f = u(x, y) = 2x , Im f = v(x, y) = 3y
Tal como para as funções reais de variável real, é válido o seguinte resultado (que tem de-
monstração análoga).
48
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Notemos que, tal como no cálculo real, o recı́proco não pode não ser verdade: existem funções
contı́nuas num determinado ponto do seu domı́nio que não têm derivada nesse ponto (casos 2 e
3 do exemplo anterior. É no entanto muitas vezes utilizado na forma de contra-recı́proco: se f
não é contı́nua em z0 então f não é diferenciável em z0 .
Exemplo:
O valor principal do logaritmo complexo não admite derivada no conjunto
{z = reiπ : r ≥ 0}
Para facilitar a notação, definimos o disco centrado em z0 ∈ C e de raio ǫ > 0 como sendo o
subconjunto de C dado por:
def
D(z0 , ǫ) = z ∈ C : |z − z0 | < ǫ .7
A análise complexa estuda essencialmente as funções complexas de variável complexa que são
diferenciáveis nalguma região do seu domı́nio.
Existe um disco centrado em z0 tal que f admite derivada em todos os pontos desse disco,
ou seja, existe ǫ > 0 tal que f admite derivada em todos os pontos de D(z0 , ǫ).
Exemplo:
3. f (z) = zRe z vimos que o domı́nio de diferenciabilidade é {0}, pelo que o domı́nio de
analiticidade é o conjunto vazio.
7
O disco D(z0 , ǫ) é também um bola, Bǫ (z0 ), centrada em z0 e de raio ǫ.
49
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
Se existe a derivada complexa de f = u + iv em z = x + iy, então os limites
f (x + iy + t) − f (x + iy) u(x + t, y) − u(x, y) v(x + t, y) − v(x, y)
lim = lim +i
t→0 t t→0 t t
∂u ∂v
= +i
∂x ∂x
f (x + iy + it) − f (x + iy) u(x, y + t) − u(x, y) v(x, y + t) − v(x, y)
lim = lim +i
t→0 it t→0 it it
∂v ∂u
= −i
∂y ∂y
(1.10)
(que correspondem a fazer, na definição de derivada complexa, w → 0 nas direcções do eixo
real, w = t, e imaginário, w = it) são iguais. Igualando os dois limites em (1.10), obtém-se
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z) = +i = −i ,
∂x ∂x ∂y ∂y
de onde resultam obviamente as equações de Cauchy-Riemann, (1.9).
50
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
51
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Dado que o cálculo do limite depende do argumento de ∆z, conclui-se que f ′ (0) não existe.
— Para a função f (z) = 2z − z 2 tem-se que
Ref (x + iy) = u(x, y) = 2x − x2 + y 2 , Imf (x + iy) = v(x, y) = 2y − 2xy
pelo que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = 2 − 2x , (x, y) = 2y , (x, y) = −2y , (x, y) = 2 − 2x ,
∂x ∂y ∂x ∂y
É óbvio que as condições de Cauchy-Riemann se verificam para qualquer (x, y) ∈ R2 . Vimos
na secção anterior que f ′ (z) existe para todo z ∈ C. Este é o exemplo de uma função que
verifica as condições de Cauchy-Riemann e é diferenciável.
Teorema de Cauchy-Riemann
Seja f : D → C uma função complexa de variável complexa, dada por f (z) = u(x, y)+iv(x, y)
num conjunto aberto D e z0 = x0 + iy0 ∈ D. Se as funções u e v são contı́nuas, têm derivadas
parciais contı́nuas numa vizinhança de (x0 , y0 ) e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann no
ponto (x0 , y0 ),
∂u ∂v ∂u ∂v
(x0 , y0 ) = (x0 , y0 ) , (x0 , y0 ) = − (x0 , y0 ) ,
∂x ∂y ∂y ∂x
′
então a derivada f (z0 ) existe (ou seja, f é diferenciável em z0 no sentido complexo) e
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z0 ) = (x0 , y0 ) + i (x0 .y0 ) = (x0 , y0 ) − i (x0 , y0 )
∂x ∂x ∂y ∂y
Exemplo:
(1) Para a função f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) = ey cos x − iey sen x tem-se que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = −ey sen x , (x, y) = ey cos x , (x, y) = −ey cos x , (xy) = −ey sen x
∂x ∂y ∂x ∂y
Verifica-se facilmente que:
(A) As funções u e v e as suas derivadas parciais são contı́nuas em R2 ;
(B) as condições de Cauchy-Riemann são válidas em R2 .
Por (A) e (B), o Teorema de Cauchy-Riemann permite-nos concluir que f é diferenciável em C,
e para todo z ∈ C
∂u ∂v
f ′ (z) = (x, y) + i (x, y) = −ey sen x − iey cos x
∂x ∂x
(2) Para a função f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) = x3 + i(y − 1)3 tem-se que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = 3x2 , , (x, y) = 0 , (x, y) = 0 , (x, y) = 3(y − 1)2
∂x ∂y ∂x ∂y
52
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
(B) as condições de Cauchy-Riemann são válidas sse x2 = (y − 1)2 , isto é para os pontos do
plano, (x, y) pertencentes a pelo menos uma das rectas de equação x = 1 − y ou x = y − 1.
{z = x + iy : x = 1 − y} ∪ {z = x + iy : x = y − 1}
Esta secção, embora numa primeira passagem seja de leitura opcional, é no entanto muito
importante para o aluno entender a relação entre a derivada complexa e a derivação no sentido de
R2 . Vamos por isso enunciar e provar um teorema que implica a condição necessária e suficiente
anteriormente descrita mas que, além disso, clarifica a noção de derivada complexa.
Se convencionarmos representar i ∈ C pelo o ponto (0, 1) ∈ R2 e 1 ∈ C pelo ponto (1, 0) ∈ R2 ,
podemos identificar cada ponto de C com um e um só ponto de R2 por:
Como tal, qualquer função complexa, f : A ⊂ C → C, com f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), pode
ser interpretada como o campo vectorial (u, v) : A ⊂ R2 → R2 .
Recordamos que a função f é diferenciável no sentido de R2 em a ∈ A (com A aberto) se e
só se existe uma transformação linear Df (a) tal que
f (z + h) − f (z) − Df (a)h
−→ 0 quando h→0 (1.11)
h
a) f é contı́nua em a.
∂u ∂u ∂v ∂v
b) Existem as derivadas parciais ux = , uy = , vx = e vy = em a.
∂x ∂y ∂x ∂y
c) Df (a) é representada pela matriz jacobiana de f em a:
ux (a) uy (a)
vx (a) vy (a)
53
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
f (z + h) − f (z) − αh
−→ 0 quando h → 0,
h
o que, atendendo a (1.11), é equivalente a (ii).
Teorema de Cauchy-Riemann-Goursat
Seja f : A → C, onde A ⊂ C é aberto e a = a1 + ia2 ∈ A. São equivalentes as seguintes
proposições:
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (a) = (a1 , a2 ) + i (a1 , a2 ) = (a1 , a2 ) − i (a1 , a2 )
∂x ∂x ∂y ∂y
Demonstração:
f (z + h) − f (z)
−→ f ′ (a) quando h → 0
h
Pelo Lema isto é equivalente a dizer que f tem derivada no sentido de R2 em a dada
por Df (a)h = f ′ (a)h, para qualquer h.
54
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Df (a)h = αh
Isto prova que existe α ∈ C tal que Df (a)h = αh para todo o h ∈ C se e só se
ux = vy e uy = −vx no ponto a. Assim sendo, e usando de novo o Lema, (b) é
equivalente a (c). Se f ′ (a) existir, então:
• f g é analı́tica em D e (f g)′ = f ′ g + f g ′ ;
f ′ g − f g′
• f /g é analı́tica em D \ {z : g(z) = 0} e (f /g)′ = .
g2
55
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Função composta
Se g é analı́tica num conjunto D ⊂ C e f é holomorfa no contradomı́nio de g, g(D), então
Função Inversa
Se f é analı́tica em D, e admite inversa em D, f −1 , então
1
• f −1 é analı́tica em f (D) e (f −1 )′ (b) = , onde b = f (a).
f ′ (a)
∂u ∂v
f ′ (z) = f ′ (x + iy) = (x, y) + i (x, y) = 1
∂x ∂x
2. Para cada n ∈ N, a função f (z) = z n é inteira, dado que é o produto de funções inteiras.
Para todo z ∈ C, usando a regra da derivada do produto e a função f (z) = z
(z n )′ = nz n−1
5. A função exponencial f (z) = ez admite derivada em todo z ∈ C, dado que u(x, y) =Re f (z) =
ex cos (y) e v(x, y) =Im f (z) = ex sen (y) verificam:
∂u ∂v
(ez )′ = (x, y) + i (x, y) = ex cos y + iex sen y = ez
∂x ∂x
6. As funções sen z, cos z são inteiras (compostas e somas de funções inteiras), tendo-se
′ eiz − eiz ′ ′ eiz + eiz ′
sen z = = cos z e cos z = = −sen z
2i 2
56
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
As funções tg z e cotg z, por serem o quociente de funções inteiras, são analı́ticas respecti-
vamente em
2k + 1
Dtg = C \ {z = π : k ∈ Z} , Dcotg = C \ {z = kπ : k ∈ Z}
2
tendo-se nos seus domı́nios
′ sen z ′ 1 ′ cos z ′ 1
tg z = = e cotg z = =−
cos z cos 2 z sen z sen 2 z
57
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
concluindo-se que, se r 6= 0
∂U ∂V
= −r
∂θ ∂r
Condição suficiente à existência de derivada
Se as derivadas parciais de u(r, θ) e v(r, θ) são contı́nuas em (r0 , θ0 ) (com r0 6= 0) e se
verificam as condições de Cauchy Riemann em coordenadas polares
∂u 1 ∂v
∂r = r ∂θ
∂u = −r ∂v
∂θ ∂r
{z = xeiπ , x ∈ R+
0}
pelo que neste comjunto não existirá derivada. Para estudar a analiticidade no restante domı́nio,
considere-se
Re log z = u(r, θ) = log r , Imlog z = v(r, θ) = θ
Assim
∂u 1 ∂u ∂v ∂u
= , =0 , =0 , =1
∂r r ∂θ ∂r ∂θ
verificam
58
1.4. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
• ponto interior de D se existe ǫ > 0 tal que D(z, ǫ) ⊂ D (note que D(z, ǫ) = Bǫ (z));
• ponto fronteiro se não for nem interior nem exterior, ou seja, se para qualquer ǫ > 0, o disco
D(z, ǫ) intersecta tanto D como o complementar de D. O conjunto de todos os pontos
fronteiros de D designa-se por fronteira de D e representa-se por ∂D;
Diz-se que D é
∀z ∈ D ∃ǫ > 0 : D(z, ǫ) ⊂ D.
– A ∪ B = D;
– Ā ∩ B = ∅ e A ∩ B̄ = ∅. 8
• Um conjunto aberto é conexo se e só se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos
abertos e disjuntos.
• simplesmente conexo se for conexo e qualquer curva de fechada for homotópica a um ponto,
isto é, qualquer curva fechada em D pode ser deformada continuamente num ponto sem
sair do conjunto. 9
59
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
Considere a função u : R2 → R definida por:
u(x, y) = y(x − 3) .
Vamos começar por mostrar que u é uma função harmónica em R2 . Por ser uma função polinomial,
u ∈ C 2 (R2 ). Por outro lado,
60
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
1.5 Integração em C
1.5.1 Curvas em C
Sendo z(t) uma função complexa contı́nua de domı́nio [a, b] ⊂ R, define-se caminho ou curva
orientada em C como sendo a curva:
que se convenciona percorrida no sentido especificado por z(t). Os pontos z(a) e z(b) denominam-
se respectivamente o ponto inicial e o ponto final do caminho. A aplicação z(t) diz-se uma
parametrização de γ 10
Exemplos:
61
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Note-se que o integral do 2omembro da igualdade (1.14) pode ser interpretado como o integral
da função vectorial, F : [a, b] → C dada por F (t) = f (z(t))z ′ (t) para t ∈ [a, b], e que é obtido à
custa do integral de Riemann das funções reais de variável real por:
Z b Z b Z b
def
F (t) dt = Re F (t) dt + i Im F (t) dt
a a a
11
Ou seja, um caminho simples apenas se pode autointersectar nos extremos.
62
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Exemplo: R
Pretende-se determinar γ ez̄ dz em que γ é o segmento de recta que une −i a 1 + i. Uma
possı́vel parametrização de γ é
Assim
Z Z 1 Z 1
z̄ t+i(2t−1) ′ −3 + 4i 1−i
e dz = e (t + i(2t − 1)) dt = et+i(1−2t) (1 + 2i)dt = (e − ei )
γ 0 0 5
Demonstração:
Consideremos primeiro o caso de uma curva aberta. Dado que a curva é aberta e simples,
z(s) e w(t) são injectivas em, respectivamente, [a, b] e [α, β]. Então ϕ : [α, β] → [a, b], que pode
ser definida por
Propriedades do integral
• (Linearidade) Se f e g são funções contı́nuas em γ, e α, β constantes complexas, então
Z Z Z
α f (z) + β g(z) dz = α f (z) dz + β g(z) dz
γ γ γ
63
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
Considere-se a função f (z) = f (x + iy) = x2 + y 2 i, e a curva γ que une 0 a 2 + i através dos
segmentos de revta unindo 0 a 1 + i e 1 + i a 2. + i, Definindo γ1 como sendo o segmento
de recta que une 0 a 1 + i e γ2 como sendo o segmento de recta que une 1 + i a 2 + i,
tem-se que γ = γ1 ∪ γ2 e usando a aditividade do integral
Z Z Z
f (z) dz = f (z) dz + f (z) dz.
γ γ1 γ2
pelo que
Z Z 1 Z 1
′ (1 + i)2 2i
f (z) dz = f ((1 + i)t) (1 + i)t dt = (1 + i) (t2 + it2 )dt = =
γ1 0 0 3 3
z2 (t) = t + i , t ∈ [1, 2]
pelo que Z Z Z 2
2 ′ 7
f (z) dz. = f (t + i) t + i dt = (t2 + i)dt = + i
γ2 1 1 3
Concluimos que Z Z Z
7 5i
f (z) dz = f (z) dz + f (z) dz. = +
γ γ1 γ2 3 3
Exemplo:
Vamos determinar um valor máximo para
Z ez
dz
γ z2 + 1
64
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
sendo γ a circunferência |z| = 2 percorrida uma vez em sentido directo. Pela propriedade
enunciada acima temos que
Z ez Z ez ew Z
2+1
dz ≤ 2+1 |dz| ≤ 2 |dz|
γ z γ z w + 1 γ
z
em que w é o ponto de γ onde o módulo da função z 2e+1 toma o maior valor. Para o
determinar, observe-se que, escrevendo z = x + iy tem-se
p
|ez | = |ex+iy | = ex ≤ e2 se |z| = x2 + y 2 = 2
Então, para z ∈ γ
ez |ez | e2
2 ≤ 2 ≤
z +1 |z + 1| 3
e assim Z e2 Z
ez 4πe2
dz ≤ |dz| =
γ z2 + 1 3 γ 3
R
visto sabermos que γ |dz| = comprimento (γ) = 4π.
Nesta forma, o teorema aplica-se a qualquer função primitivável sendo, em particular, válido
para funções polinomiais. Se f for uma função primitivável e γ uma curva de Jordan seccional-
mente regular, resulta também que I
f (z) dz = 0.
γ
A generalização deste resultado a qualquer função analı́tica é feita pelo seguinte teorema.
Teorema de Cauchy
Se γ é uma curva de Jordan seccionalmente regular e f é analı́tica num aberto simplesmente
conexo contendo γ, então I
f (z) dz = 0.
γ
65
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Atendendo às condições do Teorema (γ uma curva de Jordan definida num aberto simplesmente
conexo D) e à condição adicional (u e v continuamente diferenciáveis em D) podemos aplicar o
Teorema de Green12 aos dois integrais de linha da expressão anterior, obtendo-se
I ZZ ZZ
∂(−v) ∂u ∂u ∂v
f (z) dz = − dx dy + i − dx dy
γ ∂x ∂y ∂x ∂y
intγ intγ
Exemplos:
1. Considere-se a função complexa f (z) = sh (cos2 z)). Dado que f é uma função inteira, o
Teorema de Cauchy permite comcluir que
I
sh (cos2 z)) dz = 0
γ
66
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
D. Mas para que D seja simplesmente conexo z0 ∈int γ ⊂ D. Assim o Teorema de Cauchy
não é aplicável. Para calcular o integral, e assumindo que a curva está aser percoorida em
sentido directo, considere-se a parametrização de γ, z(t) = z0 + Reit , com t ∈ [0, 2π].
Então I Z 2π
1 1
dz = it − z
(z0 + Reit )′ dt = 2πi
γ z − z0 0 z0 + Re 0
E se γ é percorrida em sentido inverso
I I
1 1
dz = − dz = −2πi
γ z − z0 γ − z − z0
• Primitivação em C
Dada uma função complexa f definida e contı́nua num abertom D ⊂ C, define-se F como
sendo uma Primitiva de f em D se F ′ (z) = f (z), para todo z ∈ D. Dado que para as
funções analı́ticas as regras de derivação são as mesmas que as das funções reais de variável
real, tambem são válidas as mesmas regras de primitivação.
Exemplo:
1. A função F (z) = −cos z é uma primitiva de f (z) = sen z, visto que (−cos z)′ = sen z.
Dado que (−cos z + C)′ = sen z, qualquer que seja C ∈ C, −cos z + C é a expressão geral
das primitivas de sen z.
2. Se f e g são funções analı́ticas, vimos que o seu produto é tambem uma função analı́tica
e (f g)′ = f ′ g + f g ′ . Então podemos deduzir a fórmula da primitivação por partes
P (f g′ ) = f g − P (f ′ g)
67
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
obtendo-se tal como no caso das funções reais uma relação entre primitiva e integral de
uma função complexa.
68
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Conclui-se que
F (z) − F (z1 )
lim = f (z)
z1 →z z − z1
ou seja, para qualquer z ∈ D tem-se que F ′ (z) = f (z), pelo que F é analı́tica e é uma
primitiva de f em D.
Observe-se que a demonstração do Teorema Fundamental do Cálculo, apenas usa a analiti-
cidade de f , para estabelecer a indepêndencia do integral do caminho de integração.
Exemplo:
Z
1 2
Vamos calcular o valor do integral + zez dz, sendo C a curva parametrizada
C z−2
por γ(t) = 3cos (t) + 2i sen (t), com t ∈ [0, 3π/2].
2
Observe-se em primeiro lugar que a função zez é inteira, pelo que o Teorema Fundamental
do Cálculo é aplicável em D = C. Assim
Z
2
2 γ(3π/2) 1 2 −2i e−4 − e9
zez dz = P zez = ez
= ,
C γ(0) 2 3 2
2 2
onde P zez designa uma primitiva da função f (z) = zez . Por outro lado, dado que
1
todos os ramos de log (z − 2) são primitiva da função z−2 , há que ter o cuidado de escolher
um ramo que seja analı́tico num conjunto aberto e simplesmente conexo que contenha a
curva C. Para esse efeito, considere o ramo do logaritmo tal que − π4 ≤ arg (z − 2) < 7π 4 ;
o seu domı́nio de analiticidade é:
π 7π
D = {z ∈ C : z = 2 + reiθ onde − <θ< e r > 0}.
4 4
Para z ∈ D, vamos então usar o ramo:
π 7π
log (z − 2) = log |z − 2| + i arg (z − 2), onde − ≤ arg (z − 2) < .
4 4
d 1
Trata-se de uma função analı́tica em D, com C ⊂ D e dz log (z − 2) = z−2 para qualquer
z ∈ D. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo:
Z γ(3π/2)
1 3 5π
dz = log (z − 2) = log (−2i − 2) − log (3 − 2) = log 2 + i .
C z − 2 γ(0) 2 4
Finalmente: Z
1 2
e−4 − e9 3 5π
+ zez dz = + log 2 + i
C z−2 2 2 4
69
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Sendo ainda, f uma função analı́tica em int (γ) \ int (γ1 ) ∪ ... ∪ int (γn ) , então
I n I
X
f (z) dz = f (z) dz
γ i=1 γi
Exemplo:
sendo R > 0 escolhido de forma a que D(z0 , R) ⊂ int γ. Idem para o sentido negativo.
2. Sendo γ uma curva de Jordan percorrida em sentido directo e tal que ±1 6∈ γ. Então
0 se ±1 6∈ int γ
I
1 πi se 1 ∈ int γ e − 1 6∈ int γ
dz =
γ z 2−1
−πi se −1 ∈ int γ e 1 6∈ int γ
0 se ±1 ∈ int γ
De facto:
∗ se ±1 não pertencem à região interior a γ o resultado é uma consequência imediata
do Teorema de Cauchy;
∗ para o caso em que 1 pertence à região interior a γ e −1 pertence à sua região
1
exterior, obseva-se que z+1 é analı́tica num aberto aberto simplesmente conexo
contendo γ e como tal é aplicável a Fórmula Integral de Cauchy
I I 1
1 z+1 1
2
dz = dz = 2πi = πi
γ z −1 γ z−1 z + 1 z=1
70
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
∗ por último, se tanto 1 como -1 pertencem à região interior à curva γ, pelo teorema
de Caucchy generalizado
I I I
1 1 1
2
dz = 2
dz + 2
dz
γ z −1 γ1 z − 1 γ2 z − 1
lim (z − z0 )f (z) = 0
z→z0
Então I
f (z) dz = 0
γ
Dem:
Pelo Teorema de Cauchy generalizado, tem-se que para ǫ suficientemente pequeno
I I
f (z) dz = f (z) dz , ∀ǫ > 0
γ |z−z0 |=ǫ
tendo a circunferência a mesma orientação que γ. Por outro lado, dada a hipótese lim (z −
z→z0
z0 )f (z) = 0 podemos determinar δ tão pequeno quanto se necessite, de forma a que
ǫ
|z − z0 | < δ ⇒ |(z − z0 )f (z)| < ǫ ⇒ |f (z)| <
|z − z0 |
Assim
I I I
f (z) dz = f (z) dz ≤ |f (z)||dz|
γ |z−z0 |=ǫ |z−z0 |=ǫ
I I
ǫ
≤ |dz| = |dz| = 2πǫ ∀ǫ > 0
|z−z0 |=ǫ |z − z0 | |z−z0 |=ǫ
Fazendo ǫ → 0 obtém-se
I I
f (z) dz ≤ 0 ⇒ f (z) dz = 0
γ γ
71
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
1. Vamos calcular I
e−z
dz
γ z − π2
sendo γ qualquer curva de Jordan em C orientada positivamente e tal que π2 ∈ int γ.
Dado que f (z) = e−z é inteira, estamos nas condições da fórmula integral de Cauchy
e podemos concluir que
I
e−z π −π/2
π dz = 2πif ( ) = 2πie
γ z − 2 2
2. Vamos calcular I
z
dz
γ 2z + 1
sendo γ qualquer curva de Jordan em C orientada positivamente e tal que − 21 ∈int γ.
Atendendo a que a função f (z) = z é inteira, por aplicação da fórmula integral de
Cauchy, obtem-se
I I
z 1 z 1 1 πi
dz = 1 dz == 2 πif (− =−
γ 2z + 1 2 γ z+2 2 2 2
3. Vamos calcular I
cos z
dz
γ z 3 + 9z
em que γ é a circunferência |z| = 1 percorrida uma vez em sentido directo. A função
integranda é analı́tica em C \ {0, −3i, 3i}; dos pontos onde a função não é analı́tica
apenas 0 pertence à região |z| < 1. Assim
I I cos z
cos z z 2 +9 cos z 2πi
3
dz = dz == 2πi 2 )=
γ z + 9z γ z z + 9 z=0 9
z
onde utilizámos a fórmula integral de Cauchy e o facto de a função f (z) = zcos
2 +9 ser
analı́tica num aberto, simplesmente conexo contendo γ (por exemplo |z| < 2),
72
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
M |h|
= → 0 quando h → 0
r r − |h|
73
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Repetindo o argumento anterior verifica-se que para qualquer z ∈ D
I
′′ 2 f (w)
f (z) = dw
2πi γ (w − z)3
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Conclui-se que a derivada de f ′ está bem definida e existe em D pelo que f ′ é analı́tica em
D.
para qualquer z0 ∈ D.
Exemplo:
1. Pretendemos calcular o valor do integral
I
ez
dz
|z|=2 (z − 1)4
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo. Começamos por observar
ez
que a função (z−1)4 é analı́tica em C \ {1}, pelo que não é analı́tica na região interior à
curva, e como tal não é aplicável o Teorema de Cauchy. Consideremos a função f (z) = ez ,
que é uma função inteira, e denominando z0 = 1 (que pertence à região interior à curva,
estamos nas condições de aplicar a fórmula integral de Cauchy para a derivada de ordem
n = 3. Assim I
ez 2πi z ′′′ eπi
4
dz = e (1) =
|z|=2 (z − 1) 3! 3
2. Pretendemos calcular o valor do integral
I
log (z + 3)
2 2
dz
|z|=2 z (z + 9)
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo e log z representa o
(z+3)
valor principal do logaritmo. A função f (z) = zlog
2 (z 2 +9) está definida em C \ {−3i, 3i, −3, 0}
e é analı́tica em
C \ {0, 3i, −3i} ∪ {xeiπ : x ≤ −3}
74
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
– u ∈ C 2 (R2 ) .
– para quaisquer x, y ∈ R2
∂2u ∂2u ∂ 2 2
∂ 2 2
∆u = + = − 3x + 3y − 6xy + 3y + 6xy − 3x =0
∂x2 ∂y 2 ∂x ∂y
concluimos que u é harmónica em R2 pelo que f = u + iv é uma função inteira sendo
v uma harmónica conjugada de u em R2 . Por outro lado, visto que 0 pertence à região
interior da circunferência |z| = 1, estamos em condições de aplicar a fórmula integral
de Cauchy para a derivada de ordem 2
I
f (z) 2πi ′′
3
dz = − f (0)
|z|=1 z 2!
′ ∂u ∂v ∂u ∂u 2 2
2 2
f (z) = +i = −i = − 3x + 3y − 6xy − i 3y + 6xy − 3x
∂x ∂x ∂x ∂y
Usando as notações ũ =Re f ′ e ṽ =Im f ′ , então
′ ∂ ũ ∂ṽ
f ′′ (z) = f ′ (z) = +i
∂x ∂x
∂ ∂
= − 3x2 + 3y 2 − 6xy + i − 3y 2 − 6xy + 3x2
∂x ∂x
75
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Finalmente
I
f (z)
dz = −πi − 6x − 6y + i(−6y + 6x) =0
|z|=1 z3 (x,y)=(0,0)
1. Teorema de Morera
Se D ⊂ C é aberto e f : D → C é contı́nua e
I
f (z) dz = 0
γ
2. Teorema de Liouville
Se f é uma função inteira e limitada então f é constante.
Demonstração:
Dado que f é inteira, a Fórmula integral de Cauchy permite concluir que f ′ é inteira e para
todo z ∈ C se tem I
′ 1 f (w)
f (z) = dw
2πi |w−z|=R (w − z)2
onde a circunferência de centro em z e raio R > 0 arbitrário, é percorrida uma vez em
sentido positivo. Então
1 I f (w)
|f ′ (z)| =
dw
2πi |w−z|=R (w − z)2
I f (w)
1
≤ dw
2πi |w−z|=R (w − z)2
13
Tal δ existe visto D ser aberto.
76
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Por outro lado, visto f ser limitada, existe M > 0 para o qual
|f (z) ≤ M , ∀z ∈ C
Então I
′ 1 M M
|f (z)| ≤ 2
dw =
2πi |w−z|=R R r
Visto R ser arbitrário, podemos considerá-lo tão grande quanto se queira (R → ∞), e assim
concluir
|f ′ (z)| ≤ 0 ⇒ |f ′ (z)| = 0 ⇒ f ′ (z) = 0
pelo que f é constante em C.
∀z ∈ C P (z) 6= 0
o que implica de imediato que a função 1/P (z) é inteira. Por outro lado, visto |P (z)| → ∞
quando |z| → ∞, existe R > 0 tal que
1
<1 se |z| > R (1.15)
P (z)
As desigualdades (1.15) e (1.16) permitem afirmar que 1/P (z) é limitada em C. Pelo
Teorema de Liouville conclui-se que 1/P (z) é constante, o que representa uma contradição.
4. Desigualdade de Cauchy
Se f é uma função analt́ica num conjunto aberto e simplesmente conexo D ⊂ C, z0 ∈ D e
escolha-se r > 0 tal que {z : |z − z0 | = r} ⊂ D. Então
M n!
|f (n) (z0 )| ≤ ∀n ∈ N0
rn
sendo M ∈ R+ o máximo de |f (z)| em Br (z0 ).
77
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Convergência Pontual
• Diz-se que a sucessão {fn (z)}n converge no ponto z0 se para a sucessão numérica {fn (z0 )}n
for convergente. Se {fn (z)}n convergir em todos os pontos de um conjunto D dizemos
que {fn (z)}n é pontualmente convergente em D. Neste caso podemos definir, para cada
z ∈ D:
f (z) = lim fn (z) ⇔ ∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ, z) tal que ∀n > N se tem |f (z)−fn (z)| < ǫ
n→∞
Convergência Uniforme
fn → f uniformemente em D ⇔
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀n > N se tem sup |f (z) − fn (z)| < ǫ
z∈D
⇔ lim sup f (z) − fn (z) = 0
n→∞ z∈D
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀n > m > N se tem |fn (z) − fm (z)| < ǫ , ∀z ∈ D
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀m, n > N se tem sup |fn (z) − fm (z)| < ǫ
z∈D
⇔ lim sup fn (z) − fm (z) = 0
m,n→∞ z∈D
78
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS
Critério de Weierstrass
79
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
X
Considere-se f (z) = fn (z) uniformemente em D ⊂ C aberto. Então
n
em que r < R. Dado que, para todo n ∈ N a função fn (z) = an (z − z0 )n é inteira, pode-se
∞
X
então concluir que a série f (z) = an (z − z0 )n é analı́tica em {z : |z − z0 | < R}, e para todo
n=0
z no interior do cı́rculo de convergência
∞
X
′
f (z) = nan (z − z0 )n−1
n=1
Z ∞ Z ∞
X X an
f (w) dw = an (w − z0 )n dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ γ n+1
n=0 n=0
para qualquer curva regular γ em D(z0 , R) onde a e z são os pontos inicial e final de γ, respec-
tivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 ,
n+1
n=0
80
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS
Nesta secção vamos estudar a relação que existe entre uma função analı́tica (no sentido de admitir
derivada num aberto não vazio) e uma função definida por uma série de potências.
• Z ∞ Z ∞
X
n
X an
f (w) dw = an (w − z0 ) dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ γ n+1
n=0 n=0
para qualquer curva regular γ em D(z0 , R) onde a e z são os pontos inicial e final de γ,
respectivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 ,
n+1
n=0
Teorema de Taylor:
R é o supremo dos números reais positivos, ρ, para o quais o disco D(z0 , ρ) está contido no
domı́nio de analiticidade de f , isto é, R é a distância de z0 à fronteira de D.
Nota: conclui-se dos teoremas anteriores que afirmar que uma função f é analı́tica (ou
holomorfa) num ponto z0 ∈ C é equivalente a afirmar que f (z) admite uma representação em
série de potências de z − z0 válida numa vizinhança de z0 .
81
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
A série
∞
X f (n) (z0 )
(z − z0 )n
n=0
n!
denomina.se série de Taylor de f em torno de z0 .
No caso particular z0 = 0 a série
∞
X f (n) (0)
zn
n!
n=0
denomina-se série de Maclaurin de f .
Por ser uma série de potências, pode ser integrada e derivada termo a termo, isto é, se
z ∈ D(z0 , R)
∞
X f (n) (z0 )
• f ′ (z) = (z − z0 )n−1
(n − 1)!
n=1
Z ∞
X f (n) (z0 )
• f (w) dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ n=0
(n + 1)!
onde γ é uma curva seccionalmente regular contida em D(z0 , R) e z,a são o extremo inicial e
final (resp.) de γ. Em consequência, as primitivas da série de Taylor de f (z) em torno de z0 são
∞
X f (n) (z0 )
C+ (z − z0 )n+1 ,
n=0
(n + 1)!
Pretende-se mostrar que, dado z0 no domı́nio de analiticidade de f , existe R > 0, tal que para
todo z em BR (z0 ) se tem
∞
X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n
n!
n=0
Sendo D o domı́nio de analiticidade de f , considere-se R o maior real positivo para o qual se tem
D(z0 , R) ⊂ D. Para qual quer z ∈ D(z0 , R), defina-se R0 = |z − z0 | e escolha-se R1 ∈]R0 , R[.
Sendo γ = {w : |w − z0 | = R1 } percorrida em sentido directo, por aplicação da fórmula Integral
de Cauchy, tem-se que I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi γ w − z
Por outro lado, e recorrendo à soma da série geométrica, temos quer
X (z − z0 )n ∞
1 1 1 1
= = · z−z0 =
w−z w − z0 − (z − z0 ) w − z0 1 − w−z 0 n=0
(w − z0 )n+1
82
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS
Assim: I ∞
1 X (z − z0 )n
f (z) = f (w) dw
2πi γ n=0
(w − z0 )n+1
Atendendo a que a série geométrica é uniformemente convergente em D(z0 , R1 ) (pois R1 < R),
podemos integrar a série termo a termo e obter:
∞ h I i
X 1 f (w)
f (z) = n+1
dw (z − z0 )n
n=0
2πi γ (w − z0 )
• f (z) = ez . Dado que para qualquer n ∈ N se tem f (n) (z) = ez , os coeficientes da série de
Mac-Laurin da função exponencial são
f (n) (0) 1
an = =
n! n!
Como o domı́nio de analiticidade de ez é C temos então quebrado
∞
z
X zn
e = , ∀z ∈ C
n!
n=0
• Para qualquer z ∈ C
∞ ∞ ∞
eiz − e−iz 1 X z n in (1 − (−1)n ) 1 X z n in X (−1)n z 2n+1
sen z = = = =
2i 2i n=0 n! i n! n=0
(2n + 1)!
n=0 , n ı́mpar
este desenvolvimento será válido no maior cı́rculo centrado em 0 onde a função (valor
principal) log (1−z) é analt́ica. Como o seu demı́nio de analiticidade é C\{x ∈ R : x ≥ 1}
83
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
o domı́nio de convergência da série é |z| < 1. Atendendo a que o valor principal de log 1 = 0
tem-se que
∞
X z n+1
log (1 − z) =− + C ⇔ C=0
z=0 n+1 z=0
n=0
pelo
∞
X z n+1
log (1 − z) = − , |z| < 1
n+1
n=0
∞
X (−1)n π 2n+1 i2n+1
= − (z − i)2n+1
(2n + 1)!
n=0
z−i
sendo a igualdade válida em | | < 1, ou seja em |z − i| < 2. Por último
2i
z = (z − i) + i
84
1.7. SÉRIES DE LAURENT
z0 é um zero de ordem p ∈ N
⇔
f (z) = ap (z − z0 )p + ap+1 (z − z0 )p+1 + · · ·
= (z − z0 )p ap + ap+1 (z − z0 )p+1 + · · · para |z − z0 | < ǫ,
1 (p)
e onde ap = p! f (z0 ) 6= 0. Sendo assim, z0 é um zero de ordem p de f se e só se f admite uma
factorização da forma
f (z) = (z − z0 )p g(z)
num disco |z − z0 | < ǫ, onde g é uma função analı́tica em z0 e g(z0 ) 6= 0.
Exemplos:
• A função f (z) = z 3 − 3z 2 + 3z − 1 tem um zero de ordem 3 em z0 = 0. De facto
z 3 − 3z 2 + 3z − 1 = (z − 1)3 g(z) , g(z) ≡ 1
∞ ∞
X a−n X
= + an (z − z0 )n
(z − z0 )n
n=1 n=0
(1.17)
diz-se uma série de Laurent em torno do ponto z0 .
85
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Teorema de Laurent:
Se f é analı́tica na região anular A(z0 , r, R) = {z ∈ C : r < |z − z0 | < R}, então f pode ser
desenvolvida em série de Laurent em torno de z0
∞
X
f (z) = an (z − z0 )n
n=−∞
e γ qualquer curva de Jordan seccionalmente regular contida em A(z0 , r, R), percorrida uma vez
no sentido positivo, e tal que z0 ∈ int γ.
No teorema de Laurent, podemos tomar os raios interior, r (resp. exterior, R) da região anular
A(z0 , r, R) como sendo o ı́nfimo de todos os σ ∈ R+ +
0 (resp., o supremo de todos os ρ ∈ R ∪{∞})
para os quais f é analı́tica em A(z0 , σ, ρ). Em particular, podemos ter r = 0 e R = ∞.
Demonstração:
Escolha-se z ∈ A(z0 , r, R) arbitrário, e sejam r1 , r2 números reais positivos para os quais
r < r1 < |z − z0 ! < r2 < R. Considerem-se ainda γ1 e γ2 as circunferências de centro em z0 e
de raios respectivamente r1 e r2 , percorridas em sentido directo. Sendo l um segmento de recta
unindo γ1 a γ2 , defina-se
C = γ2 ∪ l ∪ γ1− ∪ l−
Para w ∈ γ2
∞
1 1 1 X (z − z0 )n
= = =
w−z w − z0 − (z − z0 ) (w − z0 ) 1 − z−z0
n=0
(w − z0 )n+1
w−z0
z−z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | < r2 pelo que < 1. De modo análogo, para w ∈ γ1
w − z0
∞
1 1 −1 X (w − z0 )n
= = =−
w−z w − z0 − (z − z0 ) (z − z0 ) 1 − w−z0 (z − z0 )n+1
z−z0 n=0
86
1.7. SÉRIES DE LAURENT
w − z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | > r1 pelo que < 1. Então
z − z0
I ∞ I ∞
1 X (z − z0 )n 1 X (w − z0 )n
f (z) = f (w) dw + f (w) dw
2πi γ2 n=0
(w − z0 )n+1 2πi γ1 n=0
(z − z0 )n+1
I ∞ I −1
1 X (z − z0 )n 1 X (z − z0 )j
= f (w) dw + f (w) dw
2πi γ2 n=0
(w − z0 )n+1 2πi γ1 (w − z0 )j+1
j=−∞
∞ I
X 1 f (w)
= n+1
dw (z − z0 )n
n=−∞ γ
2πi (w − z0 )
onde, pelo Teorema de Cauchy Generalizado, γ1 e γ2 foram substituidas por qualquer curva de
Jordan em sentido positivo em A(z0 , r, R) com z0 no seu interior.
Note-se que o desenvolvimento em série é convergente, pois |z| > 1 implica que |1/z| < 1.
z
3. Sendo f (z) = (z−i)(z+2i) , vamos determinar todos os desenvolvimentos em série possı́veis
de f em torno de z0 = i. Dado que f é analı́tica em C \ {i, 2i} e z0 = i iremos ter dois
desenvolvimentos; em A(i, 0, 1) e em A(i, 1, ∞). Observe-se que, como f não é analı́tica
em i nenhum dos desenvolvimentos será em série de Taylor.
Para z ∈ A(i, 0, 1) tem-se
z 1 1 1
f (z) = =z· · = (z − i + i)(z − i)−1
(z − i)(z + 2i) z − i z − 2i z − i + i − 2i
1 1 + i(z − i)−1 1
−1
= (z − i + i)(z − i) =
(z − i) − i i 1 − (z−i) i
Dado que estamos a efectuar o desenvolvimento na região z ∈ A(i, 0, 1) tem-se que |z − i| <
1
1 e como tal (z−i)
representa a soma da série geométrica de razão (z−i)
i , e assim
1− i
1 + i(z − i)−1 X ∞ ∞ ∞
(z − i) n X (z − i)n X (z − i)n−1
f (z) = = +
i n=0
i n=0
in−1 n=0
in
87
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
1
1. A função f (z) = z é analı́tica em C \ {0}, pelo que 0 é uma singularidade isolada de f .
2. A função f (z) = ez1−1 é analı́tica em C \ {2kπi : k ∈ Z}. Assim as singularidades de
f são todos os complexos da forma 2kπi com k ∈ Z. Atendendo a que para cada k ∈ Z
existe ǫ > 0 tal que f é analt́ica na região 0 < |z − 2kπi| < ǫ (basta tomar para ǫ qualquer
número real positivo menor que 2π) todas as singularidades são isoladas.
3. A função f (z) = log z (valor principal) é analı́tica em C \ {x ∈ R : x ≤ 0}. Assim
as singularidades de f são todos os números reais não positivos. É óbvio que todas as
singularidades de f não são isoladas, pois qualquer vizinhnça de qualquer número real não
positivo contém outros números não positivos.
88
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
• z0 diz-se removı́vel se a série (1.18) tem parte principal nula, ou seja, se:
a−n = 0 , ∀n ∈ N .
Exemplo;
A função f (z) = senz z tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
Laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z z2 z4 z6
=1− + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.19)
z 3! 5! 7!
É então óbvio que a parte principal da série é nula e como tal 0 é uma singularidade removı́vel
de f . Note-se que a série que representa a função senz z é uma função inteira (porquê?).
Usando esse facto, podemos então prolongar por analiticidade sen z/z a zero da seguinte
forma sen z
z se z 6= 0
F (z) =
1 se z = 0
2 4 6
em que o valor F (0) = 1 − z3! + z5! − z7! + · · ·
= 1.
z=0
A função
2 f (z) se z 6= z0
F (z) = ao + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 ) + · · · =
a0 se z = z0
diz-se a extensão analı́tica de f a z0 , e então limz→z0 f (z) existe (é igual a a0 ). Podemos
então enunciar o seguinte resultado:
89
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
Pelo que vimos acima, se z0 é uma singularidade removı́vel então o limz→z0 f (z) existe.
Reciprocamente, se existe o limz→z0 f (z) então f (z) é limitada numa vizinhança de z0 , D;
ou seja, existe M > 0 tal que |f (z)| ≤ M para z ∈ D. Seja δ > 0 suficientemente pequeno
para que a região anular 0 < |z − z0 | ≤ r esteja contida em D e no domı́nio de analiticidade
de f . Tomando n ≥ 1 e 0 < δ ≤ r, e utilizando o teorema de Laurent, os coeficientes da
série (1.18) válida em 0 < |z − z0 | < r são dados por:
I I
1 f (z) 1
a−n = dz = f (z)(z − z0 )n−1 dz.
2πi |z−z0|=δ (z − z0 )−n+1 2πi |z−z0|=δ
Desta forma:
I I
1 n−1 M δn−1
|a−n | ≤ |f (z)||z − z0 | |dz| ≤ |dz|
2π |z−z0 |=δ 2π |z−z0 |=δ
M δn−1 2πδ
= = M δn → 0 quando δ → 0
2π
Assim a−n = 0 para n ≥ 1, pelo que z0 é uma singularidade removı́vel de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = sen z tem singularidades nos pontos kπ, k ∈ Z. Dado que
z 1
lim f (z) = lim z3 z5
= lim z2 z4
=1
z→0 z→0 z− 3! + 5! − ··· z→0 1− 3! + 5! − ···
Exemplo:
z
A função f (z) = sen
z4
tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z 1 1 z z3
= − + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.20)
z4 z 3 3!z 5! 7!
90
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
É então óbvio que a parte principal da série tem apenas dois termos não nulos, pelo que 0
é um polo, e dado que a potência de menor expoente da série é z −3 , a sua ordem é 3.
Demonstração:
Pela forma da série de Laurent, é fácil de concluir que se z0 é um pólo de ordem p, então
def
F (z) = (z − z0 )p f (z) = a−p + a−p+1 (z − z0 ) + · · · + a−p+n (z − z0 )n + · · ·
para 0 < |z − z0 | < ǫ. Assim sendo, F (z) é uma função analı́tica em z0 e F (z0 ) = a−p 6= 0,
donde se conclui que limz→z0 (z − z0 )p f (z) = F (z0 ) 6= 0.
Reciprocamente, se o limite anterior existe e é não nulo então F (z) = (z − z0 )p f (z) tem
uma singularidade removı́vel em z0 , pelo que o seu desenvolvimento em série de Laurent em
torno de z0 é da forma:
(z − z0 )p f (z) = F (z) = b0 + b1 (z − z0 ) + b2 (z − z0 )2 + · · · .
Note que b0 = limz→z0 (z − z0 )p f (z) 6= 0. Assim,
b0 b1
f (z) = p
+ + · · · + bp + bp+1 (z − z0 ) + bp+2 (z − z0 )2 + · · ·
(z − z0 ) (z − z0 )p−1
onde b0 6= 0, donde segue que z0 é um pólo de ordem p de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = 1−cos z tem singularidades nos pontos 2kπ, k ∈ Z. Atendendo a que
o numerador se anula em 0 e não se anula em 2kπ, para k 6= 0 vamos estudar estas
singularidades separadamente. Assim, para classificar a singularidade 0, note-se que
z z z 1
f (z) = P∞ (−1)n z 2n
= z2 z4 z6
= = G(z),
1− − + + ··· z2 1
− z2
+ z4
+ ··· z
n=0 (2n)! 2 4! 6! 2 4! 6!
1
em que G(z) = 1 2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e G(0) = 2 6= 0. Conclui-
2
− z4! + z6! +···
se que 0 é um polo simples. Para 2kπ, k 6= 0, note-se em primeiro lugar que classificar a
singularidade 2kπ de f (z) é equivalente a classificar a singularidade 0 de f (z +2kπ). Assim,
e mais uma vez utilizando a série de MacLaurin de cos z,
z + 2kπ z + 2kπ 1
f (z + 2kπ) = = = 2 H(z)
1 − cos (z + 2kπ) 1 − cos z z
z+2kπ
em que H(z) = 1 z2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e H(0) = 4kπ 6= 0. Conclui-
2
− 4! + z6! +···
mos que 0 é um polo de ordem 2 de f (z + 2kπ) pelo que 2kπ, k 6= 0 é um polo de ordem
2 de f (z).
91
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
A função f (z) = z 3 e1/z tem uma singularidade isolada em 0. Note-se que limz→0 f (z) não
existe dado que a exponencial complexa é perioódica e não é limitada. Assim, suspeita-se
que a singularidade é essencial. De facto, fazendo o desenvolvimento em série de Laurent
de f em torno de 0
z 1 1 1
f (z) = z 3 + z 2 + + + + + ··· (1.21)
z 3! 4!z 5!z 2
é fácil de verificar que a parte singular da série (termos a vermelho) tem um número infinito
de termos, pelo que se confirma que 0 é uma singularidade essencial.
1.8.3 Resı́duos
Se z0 é uma singularidade isolada de f , define-se Resı́duo de f em z0 , Res(f, z0 ), como sendo o
coeficiente a−1 do desenvolvimento em série de Laurent (com centro em z0 ) válida em A(z0 , 0, r).
Exemplo:
Sendo
sen z
1. f (z) = z , por (1.19), Res(f, 0) = 0.
sen z
2. f (z) = z4
, por (1.20), Res(f, 0) = − 3!1 .
1
3. f (z) = z 3 e1/z , por (1.21), Res(f, 0) = 4! .
Res(f, z0 ) = 0
1 dp−1 h p
i
Res(f, z0 ) = lim (z − z0 ) f (z)
(p − 1)! z→z0 dz p−1
Demonstração:
Por hipótese
a−p a−2 a−1
f (z) = + ··· + + + a0 + a1 (z − z0 ) + · · ·
(z − z0 )p (z − z0 )2 z − z0
sendo a série de Laurent uniformemente convergente numa região 0 < |z − z0 | < r. Assim:
92
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
dp−1
Derivando p − 1 vezes (note que dz p−1 (z − z0 )k = 0 para k < p − 1) resulta que:
dp−1 h p
i
p−1
(z − z0 ) f (z) = a−1 (p − 1)! + a0 p(p − 1) · · · 3 · 2 (z − z0 )
dz
+a1 (p + 1)p · · · 4 · 3 (z − z0 )2 + · · · .
dp−1 h p
i
lim (z − z0 ) f (z) = (p − 1)! a−1
z→z0 dz p−1
Exemplo:
Sendo
z
• f (z) = sen z , vimos anteriormente que 0 é uma singularidade removı́vel pelo que Res(f, 0) =
0.
z
• f (z) = 1−cos z vimos que 0 é um polo simples, pelo que
Proposição:
φ(z)
Se f (z) = ψ(z) , com φ(z) e ψ(z) analı́ticas em z0 , φ(z0 ) 6= 0, ψ(z0 ) = 0 e ψ ′ (z0 ) 6= 0 então
z0 é um pólo simples de f e
φ(z0 )
Res(f, z0 ) = ′
ψ (z0 )
Demonstração:
Como φ(z) e ψ(z) são analı́ticas em z0 , existem as séries de Taylor daquelas funções válidas
numa vizinhança de z0 . Assim sendo, e atendendo a que ψ(z0 ) = 0
93
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
De forma idêntica se pode provar a seguinte versão da regra de Cauchy, que pode ser útil na
classificação das singularidades não essenciais e cálculo dos respectivos resı́duos.
Teorema:
φ(z)
Se f (z) = ψ(z) , com φ(z) e ψ(z) analı́ticas em z0 e tais que φ(z0 ) = ψ(z0 ) = 0 e ψ ′ (z0 ) 6= 0
então:
φ(z) φ′ (z0 )
lim = ′ .
z→z0 ψ(z) ψ (z0 )
γ uma curva de Jordan em D percorrida em sentido directo e tal que z1 ,...,zk ∈ int γ.
Então
I k
X
f (z) dz = 2πi Res(f, zj )
γ j=1
Exemplos:
Assim
4i + 6
lim (z − 2i)f (z) =
z→2i 4i
94
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
3
onde a curva é percorrida uma vez em sentido positivo. Sendo f (z) = e z , é óbvio que f é
analı́tica em C \ {0}. A singularidade não é tipo pólo nem removı́vel pelo que vamos escrever a
série de Laurent em torno de z0 = 0 para verificarmos que é essencial e determinat o respectivo
resı́duo. Para 0 < |z| < ∞
∞
3 X 3n 3 9 27
ez = n
= 1 + + 2 + 3 + ···
n=0
n!z z 2z 6z
pelo que se confirma que 0 é singularidade essencial e que Res (f, 0) = 3. Então
I
3
e z dz = 6πi .
|z|=1
95
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
Vamos calcular o integral Z 2π
def dθ
I =
0 2 + sen 2 θ
Considerando a parametrização z = eiθ ,
com θ ∈ [0, 2π] (da circunferência |z| = 1, percorrida
uma vez no sentido directo), o integral pretendido pode ser escrito como:
I I
1 dz z
I= 2 = 4i 4 2
dz
|z|=1 2 + z−z −1 iz |z|=1 z − 10z + 1
2i
A função
z
f (z) =
− 10z 2 + 1 z4
np √ p √ p √ p √ o
é analı́tica em C \ 5 + 2 6, − 5 + 2 6, 5 − 2 6, − 5 − 2 6 , sendo claro que:
q q
√ √
5 + 2 6 > 1 e 5 − 2 6 < 1.
Assim: q
√ 1 1
Res f, 5 − 2 6 = =− √
4z 2 − 20 z=√5−2√6 8 6
e q
√ 1 1
Res f, − 5 − 2 6 = 2
√ √
=− √ .
4z − 20 z=− 5−2 6
8 6
Resulta então que: r
Z 2π
dθ 2 2π 2
2
= −8π − √ = √ =π
0 2 + sen θ 8 6 6 3
em que
96
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
(C3) Grau(Q)−Grau(P ) ≥ 2.
Observe-se que a condição (C2) faz com que a função P (x)/Q(x) seja limitada em R e a condição
(C3) faz com que o integral impróprio seja convergente.
Considera-se a função complexa auxiliar F (z) = P (z)/Q(z), e para R suficientemente grande
a curva ΓR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo centrado na origem e de raio R definido no
semiplano {z : Im z ≥ 0}. Por aplicação do Teorema dos resı́duos
I k
P (z) X P def
dz = 2πi Res ( , zj ) = α
ΓR Q(z) Q
j=0
sendo zj , j = 0, ..., k os zeros de Q com parte imaginária positiva. Por outro lado
Então Z Z Z Z
R
P (z) P (z) P (x) P (z)
α= dz + dz = dx + dz
IR Q(z) SR Q(z) −R Q(x) SR Q(z)
Fazendo R → ∞, Z
P (z)
α = I + lim dz
R→∞ SR Q(z)
Dado que existe M ∈ R+ tal que para |z| = R suficientemente grande
P (z) M
≤ k−l ,
Q(z) |z|
onde k e l são os graus de Q(z) e P (z), respectivamente. Assim sendo, para R suficientemente
grande
Z P (z) Z M M πR Mπ
dz ≤ k−l
|dz| = k−l = k−l−1 ,
SR Q(z) SR |z| R R
Por aplicação da condição (C3) podemos concluir que k − l − 1 ≥ 2 − 1 = 1, pelo que
Z
P (z)
lim dz = 0
R→∞ SR Q(z)
Conclui-se que
Z ∞ k
P (x) X P
dx = α = 2πi Res ( , zj )
−∞ Q(x) Q
j=0
97
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Visto que
1
F (z) = (1.22)
(z + 2i)(z − 2i)(z − 3i)(z + 3i)
vê-se que todas as singularidades de (1.22) são zeros de ordem 1 do denominador e não anulam
o numerador, pelo que são pólos simples de F (z). Como tal:
1 1
Res (F, 2i) = lim (z − 2i)F (z) = lim 2
=
z→2i z→2i (z + 2i)(z + 9) 20i
e
1 1
Res (F, 3i) = lim (z − 3i)F (z) = lim 2
=−
z→3i z→3i (z + 3i)(z + 4) 30i
Então I
π
F (z) dz = .
γ 30
Por outro lado, atendendo ao facto de que a curva γR é composta pelo segmento
IR = {z ∈ C : z = x , x ∈ [−R, R[}
e pela semicircunferência
podemos escrever Z Z
π
= F (z) dz + F (z) dz
30 IR SR
98
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
o que implica Z
lim F (z) dz = 0
R→∞ SR
e como tal Z ∞
π
F (x) dx =
−∞ 30
em que a ∈ R+ e
(C1) f é analı́tica em C excepto num conjunto finito de singularidades.
sendo zj , j = 0, ..., k os zeros de Q com parte imaginária positiva. Por outro lado
Então Z Z Z Z
R
α= f (z)eiaz dz + f (z) dz = f (z)eiaz dx + f (z)eiaz dz
IR SR −R SR
Fazendo R → +∞, Z Z
∞
iax
α= f (z)e dx + lim f (z)eiaz dz
−∞ R→∞ SR
Lema de Jordan Seja a > 0 e f uma função analı́tica em C excepto num conjunto finito de
singularidades. Seja SR a semicircunferência |z| = R, com Im z > 0.
a) Para qualquer R > 0: Z
π
|eiaz ||dz| <
SR a
99
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
b) Seja f (z) analı́tica em |z| > r, para algum r > 0 e tal que:
então: Z
lim f (z)eiaz dz = 0
R→∞ SR
Dem.:
a) Parametrizando
√ a semicircunferência por z(θ) = Reiθ = Rcos θ + iRsen θ, com 0 ≤ θ ≤ π,
então R cos θ + R2 sen 2 θ = R, pelo que:
2 2
Z Z π Z π
iaz iaRcos θ −aRsen θ
e |dz| = e e R dθ = e−aRsen θ R dθ (1.23)
SR 0 0
Como sen (π − θ) = sen (θ), para θ ∈ [0, π], então θ = π2 é um eixo de simetria do gráfico
da função g(θ) = e−aRsen θ . Desta forma, e atendendo também a que sen θ ≥ π2 θ para
qualquer θ ∈ [0, π/2]:
Z Z π/2 Z π/2
iaz −aRsen θ 2aR π π
e |dz| ≤ 2 e dθ ≤ 2 e− π θ dθ = 1 − e−aR < (1.24)
SR 0 0 a a
def
b) Como M (R) = max |f (z)| → 0 quando R → +∞,
|z|=R
Z Z
iaz
M (R)π
f (z)e dz ≤ M (R) |eiaz ||dz| ≤ →0 quando R → +∞
SR SR a
P (x)
Exemplo importante: Se f (x) = Q(x) , onde P (x) e Q(x) são polinómios reais (isto é, os
seus coeficientes são reais), tem-se que se
100
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
Conclui-se que Z ∞
f (x)eiax dx = α
−∞
Dado que ax ∈ R, resulta da fórmula de Euler que
Z ∞ Z ∞ Z ∞
iax
f (x)e dx = f (x)cos (ax) dx + i f (x)sen (ax) dx
−∞ −∞ −∞
pelo que
Z ∞ Z ∞
f (x)cos (ax) dx = Re α e f (x)sen (ax) dx = Im α
−∞ −∞
Exemplo:
Vamos determinar o integral Z ∞
cos x
dx
−∞ 4x2 + 1
utilizando o Teorema dos Resı́duos. Para tal considere-se a função complexa
eiz
F (z) =
4z 2 + 1
e, para R ∈ R+ suficientemente grande, a curva γR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo
{z : |z| ≤ R e Im z ≥ 0}
Dado que
eiz
F (z) = i
i
, (1.25)
4 z− 2 z+ 2
como i/2 é zero de ordem 1 do denominador de (1.25) e não anula o numerador de (1.25),
conclui-se que i/2 é pólo simples de F . Consequentemente:
i e−1/2
Res (F, 2 ) = lim z −
i
F (z) =
z→i/2 2 4i
Sendo assim I
e−1/2
F (z) dz = π
CR 2
Por outro lado
pelo que
I Z Z
e−1/2
π = F (z) dz = F (z) dz + F (z) dz
2 γR IR SR
101
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
e atendendo à definição de IR
Z R Z
e−1/2
π = F (x) dx + F (z) dz
2 −R SR
Fazendo R → ∞ Z Z
∞
e−1/2
π = F (x) dx + lim F (z) dz
2 −∞ R→∞ SR
e como tal Z ∞
e−1/2 π
F (x) dx = π = √
−∞ 2 2 e
Finalmente, visto x ∈ R
Z ∞ Z ∞ Z ∞
ei x cos x sen x π
2
dx = 2
dx + i 2
dx = √
−∞ 4x + 1 −∞ 4x + 1 −∞ 4x + 1 2 e
concluindo-se que Z ∞
cos x π
2
dx = √
−∞ 4x + 1 2 e
102
Capı́tulo 2
2.1 Introdução
2.1.1 Notação e Definições
Designa-se por equação diferencial uma relação de igualdade entre termos envolvendo uma função
y(x), as suas derivadas e a variável independente x. A equação poderá também depender de
parâmetros não directamente relacionados com a variável independente x. É talvez mais simples
pensar numa equação diferencial como uma equação cuja incógnita pertence a um espaço de
funções
Rn ⊃ D ∋ x = (x1 , x2 , . . . xn ) 7−→ y(x) = y1 (x), . . . , ym (x) ∈ Rm
(pode-se ter C em vez de R). Desta forma, x1 , . . . xn são as variáveis independentes (e a dimensão
do domı́nio de y, n ∈ N, o seu número) e y1 , . . . , ym as variáveis dependentes (e a dimensão do
contradomı́nio de y, m ∈ N, o seu número). Note que os (eventuais) parâmetros não são contados
como variáveis independentes ou dependentes da equação.
As equações diferenciais dizem-se ordinárias se o domı́nio da função y(x) está contido em R,
caso em que as derivadas que nela surgem são totais (em ordem a x ∈ R). Dizem-se parciais se
têm mais do que uma variável independente (o domı́nio de y(x) está contido em Rn ) e envolvem
derivadas parciais de y (em ordem a x1 , x2 , . . .).
As equações diferenciais classificam-se como escalares ou vectoriais consoante tenham uma
ou mais do que uma variável dependente (ou seja, o contradomı́nio de y(x) está contido em R
no caso escalar e Rm no caso vectorial). Nesteúltimo caso é costume considerar que a variável
dependente é o vector y(x) = y1 (x), . . . ym (x) ∈ Rm .
Por exemplo, a equação
dy
+ 2ayx = 0
dx
é ordinária, x é a variável independente e y = y(x) a variável dependente, enquanto a é um
parâmetro. Já a 2a Lei de Newton para o movimento de uma partı́cula em R3
é uma equação ordinária vectorial, pois r = r(t) = (x(t), y(t), z(t)). Aqui utilizou-se a notação
de Newton
dr d2 r
ṙ = r̈ = 2
dt dt
103
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
∂2u ∂2u
+ = 0,
∂x2 ∂x2
(já introduzida na Análise Complexa), onde u : D ⊂ R2 → R; a equação do calor unidimensional,
∂u ∂2u
=k 2
∂t ∂x
onde u : R × [0, L] → R; a equação das ondas unidimensional
∂2u 2
2∂ u
= c
∂t2 ∂x2
onde u : R × [0, L] → R. Também poderemos ter versões tridimensionais destas equações como,
por exemplo, a equação do calor no espaço:
2
∂u ∂ u ∂ 2 u ∂ 2 u def
=k + 2 + 2 = k ∇2 u
∂t ∂x2 ∂y ∂z
http://www.claymath.org/millennium/Navier-Stokes_Equations
Dedicaremos o que resta deste capı́tulo ao estudo das equações diferenciais ordinárias.
104
2.1. INTRODUÇÃO
y ′ = g(t).
estando bem definida em qualquer intervalo onde g é contı́nua. Note-se que existe uma infinidade
de soluções para a equação diferencial; o mesmo se passa com qualquer equação diferencial
ordinária de 1a ordem, y ′ = f (t, y), desde que f seja uma função contı́nua num conjunto aberto.
Acrescentando à equação de 1a ordem uma condição inicial, obtém-se um problema de valor
inicial (ou problema de Cauchy):
′
y = f (t, y)
(2.2)
y(t0 ) = y0
Em certas condições (veremos isso mais tarde) um problema de valor inicial tem solução única.
O intervalo máximo de solução, Imax , do problema de valor inicial é o “maior intervalo” onde
o problema (2.10) tem solução. Mais exactamente, Imax é o intervalo maximal de existência de
solução 1 .
1
O intervalo Imax diz-se maximal no sentido em que existe uma solução de (2.10) em Imax e qualquer outro
intervalo onde uma solução de (2.10) está definida está contido em Imax
105
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Resolvamos agora a equação não homogénea. Multiplicando a equação (2.4) por uma função
µ(t) tal que µ̇ = a(t)µ, por exemplo, tomando
Z
µ(t) = exp a(t)dt
106
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Exemplo
(1) Determinar a solução do seguinte problema de valor inicial, indicando o intervalo máximo
de existência de solução:
ẇ + w = e−2t
w(0) = 3
A equação ẇ + w = e−2t é linear, com a(t) ≡ 1 e b(t) = e−2t obviamente contı́nuas em R.
Um factor integrante (em I = R) para a equação é:
R
1dt
µ(t) = e = et
Sendo assim
d t
ẇ + w = e−2t ⇔ e w = e−t ⇔ w(t) = e−t (−e−t + C) , C ∈ R
dt
Dado que w(0) = 3 conclui-se que C = 4 e a solução do PVI é
O intervalo máximo de solução corresponde ao maior intervalo onde y(t) está bem definida
e é continuamente diferenciável. Neste caso, Imax = R. Note que solução está definida (e
é continuamente diferenciável) em I = R, pois a(t) e b(t) são contı́nuas em R.
107
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ex
Trata-se de uma equação linear, com a(x) = x1 + 1 e b(x) = x obviamente contı́nuas para
x > 0. Um factor integrante para a equação é:
R 1
+1 dx
µ(x) = e x
= xex
Sendo assim
1 ex 1 d x
v′ + +1 v = ⇔ xex v ′ + + 1 xex v = e2x ⇔ xe v = e2x
x x x dx
pelo que
e2x + c
v(x) = , c∈R
xex
Dado que v = y 2 , tem-se que
r r
e2x + c e2x + c
y(x) = ou y(x) = −
xex xex
tendo-se o primeiro caso se a condição inicial for positiva e o segundo se a condição inicial
for negativa. Assim e dado que y(1) = 2 > 0, tem-se que a solução do (PVI) é
r
e2x + 4e − e2
y(x) =
xex
dy
f (y) = g(t) (2.5)
dt
Para se poder encontrar a sua solução geral, é necessário que f é g estejam definidas e sejam
contı́nuas em subconjuntos
R abertos de R.
Se F (y) = f (y)dy então:
d dy dy
F (y) = F ′ (y) = f (y) = g(t).
dt dt dt
Em consequência, a solução geral da equação (2.5) é dada implicitamente por
Z Z
f (y)dy = g(t)dt + C
Considere-se uma condição inicial genérica, y(t0 ) = y0 . Se C for escolhido por forma a que (t0 , y0 )
verifique a equação implı́cita, isto é, C = Φ(t0 , y0 ), então o gráfico da solução do PVI é uma
curva de nı́vel da função Φ(t, y). Para ser possı́vel definir uma função S(t) tal que y = S(t) seja
108
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
a única solução da equação implı́cita numa vizinhança de t0 , isto é, para que, para (t, y) numa
vizinhança de (t0 , y0 ),
Φ(t, y) = C ⇔ y = S(t)
então é obviamente necessário que a equação Φ(t, y) = C tenha uma e uma só solução pois, caso
contrário, não se pode definir a função S(t). Neste caso, S(t) diz-se uma solução explı́cita (local)
de Φ(t, y) = C. Para poder concluir da existência de solução explı́cita local da equação, é útil o
seguinte teorema:
Seja G : D → R uma função de classe C 1 num conjunto aberto D ⊂ R2 tal que (t0 , y0 ) ∈ D,
G(t0 , y0 ) = 0 e
∂G
(t0 , y0 ) 6= 0.
∂y
Então a equação
G(t, y) = 0
define uma única função y de classe C 1 numa vizinhança de t0 tal que y(t0 ) = y0 e:
G(t, y(t)) = 0
∂
Φ − C (t0 , y0 ) = F ′ (y0 ) = f (y0 ).
∂y
Consequentemente, basta verificar que f (y0 ) 6= 0 para garantir a existência de solução explı́cita
do PVI numa vizinhança de t0 .
ou, equivalentemente, Z Z
f (y)dy − g(t)dt = C,
109
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo
(Note que y(t) ≡ 0 também é solução da equação diferencial). Atendendo a que y(0) = 5
tem-se que K = 5 e como tal a solução do PVI é
x2
−3x
y(x) = 5e 2
y(x) = Ke−3x
y(x) = y0 e−3x
110
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
K=0
K=-1/2
0
K=-1/2
K=1/2
K=1
−2
−4
−6
-0.45 -0.33 -0.21 -0.09 0.03 0.15 0.27 0.39
dy
M (t, y) + N (t, y) =0 (2.6)
dt
diz-se exacta se e só se é equivalente a
d
φ(t, y) = 0, (2.7)
dt
onde φ : A → R é de classe C 1 .
A solução geral, na forma implı́cita, da equação exacta é, então:
φ(t, y) = C, com C ∈ R.
Em que condições existe uma tal função φ, de forma a que a equação (2.6) seja equivalente
a (2.7)? Começamos por notar que a equação (2.7) se pode escrever:
∂φ ∂φ dy
+ =0 (2.8)
∂t ∂y dt
Comparando a equação (2.6) com (2.8), concluı́mos que para (2.6) ser exacta é necessário e
suficiente que:
∂φ ∂φ
M= e N= ,
∂t ∂y
111
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja, (M, N ) = ∇φ, para certa função φ ∈ C 1 (A, R). Isto é equivalente a dizer que o campo
(M, N ) é um campo gradiente 3 .
Este exemplo não parece muito interessante, pois obtivémos o potencial a partir do conhecimento
prévio da solução geral da equação exacta.
Problemas mais interessantes – no sentido em que não podem ser facilmente resolvidos por
outros métodos – podem-se abordar tomando como ponto de partida a seguinte (e já vossa
conhecida) condição necessária para que um campo seja gradiente.
então existe φ : A → R de classe C 2 tal que (M, N ) = ∇φ. Em particular, isto implica que a
equação M (t, y) + N (t, y)y ′ = 0 é exacta.
Exemplo
112
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
e4x
+ x2 y 2 + sen y = K , K ∈ R
4
- A equação diferencial
dy
M (t, y) + N (t, y)
=0
dt
é redutı́vel a exacta, com factor integrante só dependendo de t, µ = µ(t), se a função
∂M ∂N
∂y − ∂t
N
depender apenas de t. Se esta condição se verificar, o factor integrante é uma das soluções
da equação diferencial
∂M ∂N
∂y − ∂t
µ̇ = µ
N
- A equação diferencial
dy
M (t, y) + N (t, y)
=0
dt
é redutı́vel a exacta, com factor integrante só dependendo de y, µ = µ(y), se a função
∂N ∂M
∂t − ∂y
M
113
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
depender apenas de y. Se esta condição se verificar, o factor integrante é uma das soluções
da equação diferencial
∂N ∂M
∂t − ∂y
µ̇ = µ
M
Em qualquer dos casos, a solução da equação inicial será dada por
Φ(t, y) = C
em que Φ satisfaz
∂Φ ∂Φ
= µM , = µN
∂t ∂y
Exemplos:
1. Considere a equação diferencial
dy
3x2 y + 2xy + y 3 + (x2 + y 2 ) =0
dx
Sendo
M (x, y) = 3x2 y + 2xy + y 3 , N (x.y) = x2 + y 2
é fácil de concluir que M e N têm derivada contı́nua em R2 (são funções polinomiais) e
∂M ∂N
= 3x2 + 2x + 3y 2 , = 2x
∂y ∂x
pelo que a equação não é exacta. Admitindo que é redutı́vel a exacta, existe um factor
integrante µ tal que a equação
dy
(3x2 y + 2xy + y 3 )µ + (x2 + y 2 )µ =0
dx
é exacta. Pelo que
∂µ ∂µ
(3x2 y + 2xy + y 3 ) + (3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 ) + 2xµ
∂y ∂x
Supondo que µ = µ(x) (o que implica ∂µ/∂y = 0) tem-se que
µ′ (x) 3x2 + 2x + 3y 2 − 2x
(3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 )µ′ (x) + 2xµ ⇔ = =3
µ(x) x2 + y 2
Pod-se então verificar que a equação µ′ (x)/µ(x) = 3 é possı́vel de resolver (o segundo
membro não depende de y), e como tal o factor integrante é µ(x) = e3x .
Considere-se então a equação
dy
e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) + e3x (x2 + y 2 ) =0
dx
que por construção é exacta: observe-se que as funções e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) e e3x (x2 + y 2 )
são diferenciáveis em R2 , e
∂ h 3x 2 i ∂ h 3x 2 i
e (3x y + 2xy + y 3 ) = e (x + y 2 )
∂y ∂x
114
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Sendo assim (µM, µN ) é um campo gardiente em R2 , isto é, existe Φ : R2 → R tal que
∇Φ = (µM, µN ).
Cálculo de Φ
Z h i
∂Φ
= M µ ⇒ Φ(x, y) = e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) dx + C(y)
∂x
y 3 3x
⇒ Φ(x, y) = x2 ye3x + e + c(y)
3
e, por outro lado
∂Φ
= µN ⇒ (x2 + y 2 )e3x + C ′ (y) = e3x (x2 + y 2 ) ⇒ C(y) = const.
∂y
pelo que
y 3 3x
Φ(x, y) = x2 ye3x + e + const. , const. ∈ R
3
Resolução da equação
Nestas circunstâncias
dy dy
3x2 y + 2xy + y 3 + (x2 + y 2 ) = 0 ⇔ e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) + e3x (x2 + y 2 ) =0
dx dx
d 2 3x y 3 3x
⇔ x ye + e + const. = 0
dx 3
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
y 3 3x
x2 ye3x + e =k , k∈R
3
dy
y + (2xy − e−2y ) =0
dx
Sendo
M (x, y) = y , N (x.y) = 2xy − e−2y
é fácil de concluir que M e N têm derivada contı́nua em R2 e
∂M ∂N
=1 , = 2y
∂y ∂x
pelo que a equação não é exacta. Admitindo que é redutı́vel a exacta, existe um factor
integrante µ tal que a equação
dy
yµ + (2xy − e−2y )µ =0
dx
115
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
µ′ (x) 1 − 2y
µ = (2xy − e−2y )µ′ (x) + 2yµ ⇔ =
µ(x) 2xy − e−2y
1 − 2y
É fácil de verificar que a função não depende apenas da variável x, pelo que
2xy − e−2y
não existe factor de integração dependendo apenas de x.
Supondo agora que µ = µ(y) (o que implica ∂µ/∂x = 0) tem-se que
µ′ (y) 2y − 1
yµ′ + µ = 2yµ ⇔ =
µ(y) y
Pode-se então verificar que a equação µ′ (y)/µ(y) = (2y − 1)/y é possı́vel de resolver (o
e2y
segundo membro depende apenas de y), e como tal o factor integrante é µ(y) = .
y
Considere-se então a equação
2y 2y 1 dy
e + 2xe − =0
y dx
1
que por construção é exacta: observe-se que as funções e2y e 2xe2y − y são diferenciáveis
em R2 \ {(x, 0) : x ∈ R}, e
∂ h 2y i ∂ h 1i
e = 2xe2y −
∂y ∂x y
Cálculo de Φ
Z h i
∂Φ
= M µ ⇒ Φ(x, y) = e2y dx + C(y) ⇒ Φ(x, y) = xe2y + c(y)
∂x
∂Φ 1
= µN ⇒ 2xe2y + C ′ (y) = 2xe2y − ⇒ C(y) = −log|y| + const.
∂y y
pelo que
Φ(x, y) = xe2y − log|y| + const. , const. ∈ R
Resolução da equação
116
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
onde a função f : D → R tem domı́nio aberto D ⊂ R2 . É costume designar f (t, y) por campo de
direcções da equação diferencial em (2.10); isto deriva do facto de a recta tangente ao gráfico
das soluções da equação diferencial ter, em cada ponto (t, y) desse gráfico, declive igual a
f (t, y). Note que se y(t) é solução da equação diferencial então f (t, y(t)) = dy
dt (t).
Nesta secção estudamos as condições que a função f (t, y) deve verificar para que a solução
do PVI:
• exista;
• seja única;
117
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
admite pelo menos uma solução, y(t), num intervalo ]t0 − α, t0 + α[ para certo α > 0.
Pode-se então colocar a questão de saber se a continuidade de f (t, y) é suficiente para provar
unicidade de solução. A subsecção seguinte mostra que a resposta a esta questão é negativa.
Podemos agora utilizar o método de “cortar” e “colar” a partir das soluções y(t) ≡ 0 e
y(t) = 41 (t + c)2 , para t > −c, para criar novas soluções do PVI. Será necessário, obviamente,
que que no “ponto de colagem” a nova solução seja uma função contı́nua, diferenciável e que
verifique a equação diferencial.
Para t1 > 0, defina-se
0
se t ≤ t1
yt1 (t) =
1 t − t 2 se t > t
1 1
4
118
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Verifica-se que yt1 é diferenciável e verifica a equação diferencial em R\{t1 }, pois foi construı́da
à custa das soluções y(t) ≡ 0 e y(t) = 41 (t + c)2 , com c = −t1 . Note que esta escolha de c faz
precisamente com que
t 2
1
lim yt0 (t) = lim yt1 (t) ⇔ 0= −k ,
t→t−
1 t→t+
1
2
ou seja, que yt1 seja contı́nua em t1 e yt1 (t1 ) = 0. Também as derivadas laterais de yt1 em t1
existem e são nulas, pelo que yt1 satisfaz a equação diferencial em t1 .
O facto de existirem uma infinidade de soluções mostra que a continuidade da função f (t, y) =
√
y no seu domı́nio não é suficiente para garantir unicidade de solução para o PVI.
119
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
onde o termo p
|x| − p|y|
,
x−y
não é limitado para x, y num vizinhança qualquer da origem. Isto implica, em particular, que
fixando y = 0 as taxas médias de crescimento da função f não são limitadas. Ora, foi precisamente
nos pontos onde a solução da equação é nula que se observou a bifurcação de soluções!
• Critério
∂f
Se f é contı́nua num aberto D ⊂ R2 e existe e é contı́nua em D ⊂ R2 então f é
∂y
localmente lipschitziana relativamente a y em D.
120
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Teorema de Picard
Considere-se D ⊆ R2 e f : D → R, D contı́nua em (t, y) ∈ D e localmente lipschitziana
relativamente a y em D. Se (t0 , y0 ) ∈ D, o problema de valor inicial
ẏ = f (t, y)
y(t0 ) = y0
admite uma única solução, y(t), para t pertencente a ]t0 − α, t0 + α[ para certo α > 0.
A demonstração deste teorema é feita de forma construtiva, sendo construı́da à custa de uma
sucessão de aproximações da solução. Apresentaremos em seguida essa construção.
Usando agora a condição inicial do PVI (2.10), obtém-se a equação integral (2.11).
Reciprocamente, admitindo que y ∈ C(I) é solução da equação integral (2.11) então, apli-
cando o teorema fundamental do cálculo ao integral do membro direito da equação conclui-se que
y(t) é diferenciável e que:
dy
= f (t, y(t)) ∀t ∈ I.
dt
Assim sendo, y(t) é solução da equação diferencial. Por outro lado, substituindo t por t0 na
equação integral (2.11), obtém-se y(t0 ) = y0 .
A equação integral é, do ponto de vista da Análise Matemática, muito útil pois a estimação
de integrais é mais fácil que a das derivadas.
121
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Iteradas de Picard
Derivamos agora a partir da equação integral uma sucessão de aproximações — as iteradas de
Picard. Trata-se de uma sucessão de funções contı́nuas yn : I → R definida recursivamente por:
y0 (t) = y0
Z t
y1 (t) = y0 + f s, y0 (s) ds
t0
Z t
y2 (t) = y0 + f t, y1 (s) ds
t0
..
.
Z t
yn+1 (t) = y0 + f s, yn (s) ds
t0
..
.
y0 (x) = y0 = 1
Z t Z x
y1 (x) = 1 + 2sy0 (s) ds = 1 + (2s) ds = 1 + x2
0 0
Z x Z x
x4
y2 (x) = 1 + (2sy1 (s)) ds = 1 + 2s(1 + s2 ) ds = 1 + x2 +
0 0 2
Z x Z x
s4 x4 x6
y3 (x) = 1 + (2sy2 (s)) ds = 1 + 2s(1 + s2 + ) ds = 1 + x2 + +
0 0 2 2 6
..
.
Na Figura (2.5) estão representadas as primeiras iteradas de Picard assim como a solução do
(PVI).
Pode-se verificar, por indução matemática, que:
n
x2 x4 x2k X x2k
yn (x) = 1 + + ··· + + ··· = .
1! 2! k! k!
k=0
122
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
2.5
y_1
y_2
y_3
y(t)
1.5
0.5
-0.05 0.07 0.19 0.31 0.43 0.55 0.67 0.79 0.91
Neste caso, a sucessão das iteradas de Picard, yn , é precisamente igual à sucessão das somas
2
parciais da série de McLaurin da solução do (PVI), y(x) = ex . No entanto, e conforme se ilustra
no exemplo seguinte, tal tipo de identidade pode não se verificar mesmo em casos simples.
Rx Rx s3 2
y3 (x) = 1 + 0 (y2 (s))2 ds = 1 + 0 (1 + s + s2 + 3 ) ds =
2x4 x5 x6 x7
= 1 + x + x2 + x3 + 3 + 3 + 9 + 63
..
.
Por outro lado, resolvendo a equação diferencial, obtém-se
Z
′ 2 d 1
y =y ⇔ y −2 dy = 1 ⇔ y(x) = .
dx c−x
123
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
1
y(x) = , IMax =] − ∞, 1[
1−x
Na Figura (2.6) estão representadas as primeiras iteradas de Picard, bem como a solução do (PVI).
É de observar que quando nos aproximamos do ponto x = 1 (onde a solução do (PVI) explode)
a convergência das iteradas de Picard torna-se cada vez mais lenta.
15
10
y_0
5 y_1
y_2
y_3
y(t)
−5
-0.95 -0.75 -0.55 -0.35 -0.15 0.05 0.25 0.45 0.65 0.85
Pode-se provar (a demonstração não é inteiramente trivial) que as iteradas de Picard deste
problema verificam
onde Rn+1 (x) é uma função polinomial com um zero de ordem n + 1 em x = 0. Note que
Sn (x) = 1 + x + x2 + · · · + xn é a sucessão das somas parciais da série geométrica, cuja soma
1
é precisamente a solução do (PVI), y(x) = 1−x , mas somente em ] − 1, 1[. Em casos menos
simples que estes dois exemplos — quando f (t, y) não é uma função polinomial — as iteradas
de Picard não são polinomiais; no entanto, e mesmo sem se conhecer a forma explicita dessas
iteradas, pode-se usar a análise matemática para provar a sua convergência local.
Para proceder ao resto da demonstarção do Teorema de Picard, teremos que mostrar que
a sucessão das iteradas de Picard associada, yn (t), converge uniformente, num certo intervalo
I = [t0 − α, t0 + α] para uma função contı́nua y(t) então tomando o limite quando n → ∞
em ambos os membros da fórmula que define as iteradas de Picard obtém-se que y(t) satisfaz a
equação integral em I, pelo que é solução do PVI no intervalo aberto ]t0 − α, t0 + α[.
124
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
y0 + b
(t0 , y0 ) R
y0
y0 − b
t
t0 − a t0 t0 + a
2o ) Seja
M = max {|f (t, y)| : (t, y) ∈ R}
Para que t, yn (t) esteja no interior de R para t ∈ [t0 − α, t0 + α], é necessário que
|yn (t) − y0 | < b. Como
Z t Z t
|yn (t) − y0 | ≤ f s, yn (s) |ds| ≤ M
|ds| = M |t − t0 | ≤ M α,
t0 t0
5
Se f : I → R é contı́nua no intervalo I e a, b ∈ I (sem que se tenha, necessariamente, b ≥ a) então obtém-se,
como caso particular da propriedade de majoração do integral complexo (Subsecção 1.5.2):
Z b Z b
f (t)dt ≤
|f (t)| |dt|.
a a
Rb Rb Ra Rb
Note que a
|f (t)| |dt| é igual a a
|f (t)| dt se b ≥ a e a b
|f (t)|dt se b < a. Em particular, a
|dt| = |b − a|.
125
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
isso implica que devemos ter M α < b. Para tal, é preciso exigir α < b/M .
def
Assim, para qualquer t ∈ [t0 − α, t0 + α] = Iα :
Z t
|yn+1 (t) − yn (t)| ≤ f s, yn (s) − f s, yn−1 (s) |ds|
t0
Z t
≤ K |yn (s) − yn−1 (s)| |ds|
t0
Z t
≤ K max yn (s) − yn−1 (s) |ds|
s∈Iα t0
≤ Kα max yn (s) − yn−1 (s)
s∈Iα
126
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
A terceira restrição que introduzimos ao valor de α é r = Kα < 1, ou seja α < 1/K. Assim,
P
como |r| < 1, ∞ k
k=m br é uma série geométrica convergente. Por outro lado, o termo geral da
série (2.17) verifica
yk (t) − yk−1 (t) ≤ br k ,
e usando a convergência uniforme de yn (t) para y(t) em Iα , então tomando o limite em ambos
os membros de (2.19) conclui-se que que y(t) satisfaz a equação integral:
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Como y(t) é contı́nua em Iα , então f t, y(t) é contı́nua em Iα . Por aplicação do teorema
fundamental do cálculo ao 2o membro da equação integral, podemos concluir que y ∈ C 1 (Iα ).
Unicidade de Solução
Supondo que y(t) e z(t) são duas soluções do PVI, então verificam
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Z t
z(t) = y0 + f t, z(t) dt
t0
em Iα = [t0 − α, t0 + α], onde α satisfaz (2.18). Assim:
Z t
|y(t) − z(t)| ≤ f s, y(s) − f s, z(s) |ds|
t0
Z t
≤ K |y(s) − z(s)| |ds|
t0
Z
t
≤ K max y(s) − z(s)
|ds|
s∈Iα
t0
≤ Kα max y(s) − z(s)
s∈Iα
127
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
sendo a igualdade apenas verificada quando max y(s) − z(s) = 0. Como é impossı́vel que se
s∈Iα
verifique a desigualdade estrita para todo
o t ∈ Iα (pois o máximo de |y(t) − z(t)| é atingido num
ponto t1 ∈ Iα ) concluimos que max y(s) − z(s) = 0, ou seja:
s∈Iα
Exemplos:
(1) Considere-se o problema de valor inicial
dy p
= 3 1 − xy , y(0) = 0 (2.20)
dx
√
Começemos por observar que f (x, y) = 3 1 − xy
dy p
= 3 1 − xy , y(1) = 1 (2.21)
dx
√
Como vimos no exemplo anterior f (x, y) = 3 1 − xy verifica as condições do Teorema de Picard
em D = R2 \ {(x, y) : xy = 1}. Em primeiro lugar, e dado que f (x, y) é contı́nua em R2 ,
o Teorema de Peano garante que o PVI (2.21) admite pelo menos uma solução definida numa
vizinhança de x0 = 1. No entanto neste exemplo tem-se que (x0 , y0 ) = (1, 1) 6∈ D. Observe-se
que este facto não implica de imediato que f (x, y) não verifique as condições do Teorema de Picard
num conjunto que contenha (1, 1), pois o facto de ∂f ∂y (1, 1) não existir não implica que f (x, y)
não seja lipschtziana em conjuntos contendo (1, 1). Teremos então que verificar directamente este
facto. Assim, seja B qualquer subconjunto fechado e limitado de R2 , e (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B.
√ √
p
3
p
3 3 1 − xy1 − 3 1 − xy2
|f (x, y1 ) − f (x, y2 )| = | 1 − xy1 − 1 − xy2 | = |y1 − y2 |
y1 − y2
tem que ser limitada para todos (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B. Considere-se (x, y2 ) = (1, 1) e (x, y1 ) =
(1, 1 + h) para h ∈ R. Temos então que
√
3
−h
L(1, 1, 1 + h) = = |h|−2/3
h
128
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
É então fácil de observar que para valores de h próximos de 0 (o que corresponde a estarmos em
pontos (x, y) próximos de (1, 1)), |h−2/3 | aproxima-se de ∞ pelo que L(1, 1, 1+h) não é limitada.
Concluimos que f não é lipschtziana em qualquer conjunto contendo o ponto (1, 1), pelo que não
se verificam as condições do Teorema de Picard numa vizinhança de (1, 1). Concluimos então que
não se pode garantir unicidade de solução para (2.21).
(3) Considere-se o problema de valor inicial
dy
= |x + y| , y(1) = −1 (2.22)
dx
Começemos por observar que f (x, y) = |x + y| está definida e é contı́nua em R2 o Teorema de
Peano garante que o PVI (2.22) admite pelo menos uma solução definida numa vizinhança de
x0 = 1. Por outro lado, ∂f /∂y está definida e é contı́nua em D = R2 \ {(x, y) : x + y = 0}.
Visto (x0 , y0 ) 6∈ D, teremos que averiguar directamente se f (x, y) é lipsctziana numa vizinhança
do ponto (x0 , y0 ) = (1, −1). conjunto limitado e fechado que contenha (1, −1). Assim, seja B
qualquer subconjunto fechado e limitado de R2 , e (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B.
|f (x, y1 ) − f (x − y2 )| = | |x + y1 | − |x + y2 | | ≤ (x + y1 ) − (x + y2 ) = |y1 − y2 |
Tem-se então que f (x, y) é lipschitziana em B (com constante de Lipschitz L = 1, pelo que f é
localmente lipsichitziana em R2 . O Teorema de Picard garante então unicidade de solução para
(2.22).
Sem acrescentar mais condições a f , a conclusão do teorema de Picard pode ser substancialmente
melhorada da forma que em seguida se descreve.
(i) b = +∞ ou
(ii) b < +∞ e t, y(t) → ∂D quando t → b− ou
129
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Note que os casos do tipo (iii) significam que a solução explode (respectivamente, quando
t → b ou t → a). Quanto aos casos do tipo (ii), por exemplo
t, y(t) → ∂D quando t → b−
significa que qualquer ponto limite do gráfico de y(t) para t ∈ [t0 , b[ (este gráfico é o conjunto
{(t, y(t)) : t ∈ [t0 , b[} ⊂ R2 ) pertence à fronteira de D, ∂D. Isto é equivalente a dizer que
qualquer sucessão tn ∈ ]a, b[ tal que tn → b e y(tn ) é convergente verifica:
lim tn , y(tn ) ∈ ∂D
n→+∞
Dem.:
Vamos provar a conclusão do teorema para o prolongamento para a direita, isto é, até b.
Seja J o conjunto dos τ ∈ R tais que existe solução y[t0 , τ ] → R do problema de valor
inicial. Pelo teorema de Picard, J 6= ∅. Se J não for majorado, então a conclusão do teorema é
satisfeita pois verifica-se o caso (i). Por outro lado, se J é majorado, como J 6= ∅ então existe
b = sup J < +∞.
Admitamos que tanto (ii) como (iii) não se verificam. Como lim |y(t)| = +∞ não é verdade,
t→a+
então existe uma sucessão sn → b− tal que y(sn ) é limitada; sendo limitada, tal sucessão tem
uma subsucessão convergente. Isto mostra que existem sucessões tn ∈ ]a, b[ tais que tn → b e
y(tn ) é convergente.
Mas como (ii) não se verifica, então para pelo menos uma dessas sucessões,
tn , y(tn ) converge para um certo (b, ω) ∈ int D.
Seja δ < 13 dist (b, ω), ∂D ; assim sendo, B3δ (b, ω) é um subconjunto compacto de D. Seja
K a constante de Lipshitz de f em B3δ (b, ω) e
δ 1
α = min δ, , . (2.23)
M K
∂D
(t̄, ȳ)
2δ
(b, w)
2δ
Figura 2.8
Seja (t̄, ȳ) um termo da sucessão tn , y(tn ) tal que
(t̄, ȳ) − (b, ω)
< α (2.24)
130
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Então o quadrado
n o
R = (t, y) : t ∈ [t̄ − δ, t̄ + δ] e y ∈ [ȳ − δ, ȳ + δ]
verifica
R ⊂ Bδ√2 (t̄, ȳ) ⊂ Bδ√2+α (b, ω) ⊂ B3δ (b, ω),
√ √
pois, tendo em conta (2.23), δ 2 + α ≤ δ 2 + δ < 3δ.
Pela demonstração do teorema de Picard e (2.23), concluimos que a solução y(t) admite
extensão ao intervalo [t0 , t̄ + α] e que, tendo em conta (2.24), b − t̄ < α, o que implica que:
t̄ + α > b
Mas isto é absurdo, pois contradiz o facto de que b = sup J.
A demonstração do prolongamento para a esquerda (até a) é análoga à anterior.
Em qualquer um dos casos, verificar que a solução não pode ser prolongada até t = ∞
(ou t = −∞) porque a fronteira do conjunto D é atingida pode ser fácil de constatar pois a
função f (t, y) é dada e, consequentemente, conhecemos os subconjuntos de R2 onde o gráfico
da solução não pode entrar. Para mostrar que a solução explode (ou que não explode) ou, mais
genericamente, que o seu gráfico está confinado a uma certa região de R2 , é muito útil o seguinte
critério.
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = y0
dt
e u(t) a solução do PVI
du
= g(t, u) , u(t0 ) = y0
dt
Se
f (t, y) ≤ g(t, y) , ∀(t, y) ∈ D
então
y(t) ≤ u(t) para todo t ≥ t0
y(t) ≥ u(t) para todo t ≤ t0
131
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Consequências:
du
= g(t, u) , u(t0 ) = α
dt
u
definida em Imax =]t0 − ǫ, T [, tendo-se que lim u(t) = +∞. Se y(t) é solução do PVI
t→T −
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = α
dt
e f (t, y) ≥ g(t, y) para todo (t, y) (observe-se que pelo teorema anterior esta condição
implica que y(t) ≥ u(t) para todo t ≥ α), então y(t) explode no intervalo ]t0 , T ], isto é,
y
existe Θ ∈]t0 , T ] tal que lim y.(t) = +∞ e consequentemente sup Imax =Θ
t→Θ−
du
= g(t, u) , u(t0 ) = α
dt
u
definida em Imax =]a, +∞[ para certo a < t0 . Se y(t) é solução do PVI
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = α
dt
e f (t, y) ≤ g(t, y) para todo (t, y) (observe-se que pelo teorema anterior esta condição
implica que y(t) ≤ u(t) para todo t ≥ α), então y(t) não explode para +∞ em ]t0 , +∞[.
Analogamente, seja v(t) a solução do PVI
dv
= h(t, v) , v(t0 ) = α
dt
v
definida em Imax =]a1 , +∞[ para certo a1 < t9 . Se y(t) é solução do PVI
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = α
dt
e f (t, y) ≥ h(t, y) para todo (t, y) (observe-se que pelo teorema anterior esta condição
implica que y(t) ≥ v(t) para todo t ≥ α), então y(t) não explode para −∞ em ]t0 , +∞[.
Conclui-se que y(t) não explode no intervalo ]t0 , +∞[.
Exemplo 1
Considere-se o (PVI)
y ′ = (1 + y 2 )f (ty) , y(0) = 0
em que f é uma função de classe C 1 (R), verificando f (x) ≥ 1 para qualquer x ∈ R.
132
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
∂
(1 + y 2 )f (ty) = 2yf (ty) + (1 + y 2 )f ′ (ty)t
∂y
Exemplo 2
Considere-se o problema de valor inicial
Sendo
f (t, y) = −2(sen (ety ) + 2)y
é fácil de verificar que tanto f como ∂f /∂y são contı́nuas em R2 . Isto implica que f verifica
as condições do Teorema de Picard em D = R2 e assim (2.25) tem uma solução única numa
vizinhança de t0 = 0. Temos agora que mostrar que a solução pode see prolongada a R. Observe-
se que para y0 6= 0, a equação é equivalente a:
y′
= −2(sen (ety ) + 2)
y
Integrando esta igualdade de 0 a t, obtém-se:
Z t
log y(t) − log y(0) = (−2(sen (esy(s) ) + 2))ds
0
133
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
−6 ≤ −2(sen (esy(s) ) + 2) ≤ −2
Em primeiro lugar, isto implica que y(t) nunca atinge o valor 0, pelo que a desigualdade estima o
valor de y(t) para qualquer t ∈ R. A mesma desigualdade implica também que y(t) não explode
em tempo finito, pois log y(t) é sempre finito para qualquer t ∈ R. Como o domı́ınio de f é R2 ,
o teorema do prolongamento de solução garante a existência de uma solução global.
e definindo P (D) = D n + an−1 D n−1 + ... + a1 D + a0 , a equação pode ser escrita na forma
abreviada
P (D)y = h(t)
É preciso notar que P (D) é um operador, isto é, uma função cujo domı́nio é um conjunto de
funções de classe C n , sendo n o grau de P . O termo P (D) designa um polinómio diferencial
e em consequência da linearidade da derivada, demonstra-se que pode ser factorizado da mesma
forma que um polinómio numérico. Por exemplo, se y é uma função de classe C 2 :
134
2.4. EQUAÇÕES LINEARES DE COEFICIENTES CONSTANTES DE ORDEM N > 1: CASO
HOMOGÉNEO.
Princı́pio da Sobreposição de Soluções
Se u(t) e v(t) são soluções de (2.51), então c1 u(t) + c2 v(t) é tambem solução de (2.51), para
quaisquer constantes reais c1 , c2 .
É de notar que esta propriedade, é verificada por todas as equações lineares homogéneas
(diferenciais ou de outro tipo).
Podemos então concluir que o espaço das soluções da equação
P (D)y = 0 (2.28)
é um subespaço linear do espaço das funções de classe C n (R) (funções reais contı́nuas e com
todas as derivadas até à ordem n contı́nuas) de dimensão n. Como tal, a sua solução geral é da
forma
y(t) = α1 y1 + ... + αn yn
em que α1 , ... , αn são constantes reais, e y1 ,..., yn são n soluções linearmente independentes da
equação.
Cada uma destas equações admitirá mj (j = 1, ..., k) soluções linearmente independentes, obtidas
do seguinte modo:
• se λj é uma raı́z real de multiplicidade mj de P (R), a equação
(D − λj )mj y = 0
135
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Note que no caso de λj ser complexo, as funções listadas acima também são soluções da
equação. Neste caso, contudo, elas são funções que tomam valores complexos quando t
é real. Ora, não é prático usar uma base complexa do espaço de soluções da equação
diferencial quando o objectivo é determinar soluções reais de um problema de valor inicial
com dados reais.
eaj t cos (bj t) , teaj t cos (bj t) , ... , tmj −1 eaj t cos (bj t)
eaj t sen (bj t) , teaj t sen (bj t) , ... , tmj −1 eaj t sen (bj t)
Estas soluções são a partir de combinações lineares das soluções complexas da forma tk eλt ,
onde k = 0, 1, ...m, com m a multiplicidade das raizes, λ = a ± ib, de P (R):
1 k at ibt 1 1
tk eat sen (bt) = t e e − e−ibt = tk e(a+ib)t + tk e(a−ib)t
2i 2i 2i
1 1 1
tk eat cos (bt) = tk eat eibt + e−ibt = tk e(a+ib)t + tk e(a−ib)t
2 2 2
Utilizando estas soluções obtém-se uma base do espaço de soluções da equação homogénea
formada apenas por funções que tomam valores reais quando t ∈ R.
Exemplo 1:
Determinar a solução geral da equação
y ′′′ + 4y ′′ + 4y ′ = 0 (2.29)
Uma solução da equação Dy = 0 é e0t . Por outro lado a equação (D + 2)2 y = 0 tem como
soluções, por exemplo, e−2t e te−2t . Como tal a solução geral de (2.29) é
Exemplo 2:
Determinar a solução geral da equação
y ′′ + 2y ′ + 2y = 0 (2.30)
136
2.4. EQUAÇÕES LINEARES DE COEFICIENTES CONSTANTES DE ORDEM N > 1: CASO
HOMOGÉNEO.
As soluções complexas da equação são e(−1+i)t e e(−1−i)t , pelo que Re e(−1+i)t e Im e(−1+i)t serão
soluções reais de (2.30). Assim, a solução geral de (2.30) é
Exemplo 3:
Determinar a solução do PVI
Começemos por determinar a solução geral da equação. Fazendo y ′ = Dy, a equação pode ser
escrita na forma
Uma solução da equação (D + 6)y = 0 é e−6t . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem como
solução e−2t . Como tal a solução geral da equação é dada por
Usando o método de substituição, em regra geral, esta equação pode ser reduzida a uma equação
de ordem n, linear, de coeficientes constantes, homogénea numa das componentes yi , i = 1, · · · n.
Exemplo 1:
Determinar a solução geral da equação
′ 1 −3
Y = Y
3 1
137
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 2:
Vamos agora determinar a solução geral da equação
′
2 0 0 x = 2x
′
Y = 0 2
1 Y ⇔
y ′ = 2y + z
′
0 0 2 z = 2z
Neste caso não vamos conseguir reduzir o sistema a uma equação de ordem 3 em qualquer uma
das variáveis, consequência de nas duas últimas equações não há dependência em x e na primeira
não haver depndência nas variáveis y e z. No entanto conseguiremos aplicar o método aos “sub-
sistemas” ′
′ y = 2y + z
x = 2x e
z ′ = 2z
Para o primeiro
x′ = 2x ⇔ x(t) = c1 e2t
Para o outro sistema, podemos utilizar dois métodos: ou reduzir a uma equação de ordem 2
(forçosamente em y) e resolvê-lo como no exemplo anterior, ou como método alternativo que
138
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
resulta sempre que a matriz associada ao sistema é triangular, e que consiste em resolver a
equação em z ′ (dado que só depende de z) substituir na equação em y ′ (dado que, conhecida z
só depende de y). Assim
z ′ = 2z ⇔ z(t) = c2 e2t
Substituindo na equação em y ′
d −2t
y ′ = 2y + c2 e2t ⇔ y ′ − 2y = c2 e2t ⇔ e y = c2 ⇔ y(t) = e2t (c2 t + c3 )
dt
e substituindo na equação em x′ Finalmente, a solução da equação vectorial é dada por
c1
Y (t) = e2t c2 t + c3
c2
onde as soluções são funções y1 (t), ..., yn (t) : I → R de classe C 1 em I. Utilizando notação
vectorial, este sistema pode então ser escrito de forma abreviada como a equação vectorial
sendo
y1 (t) f1 t, y1 (t), . . . , yn (t)
.
.
Y (t) =
.
e F (t, Y (t)) =
.
. .
yn (t) fn t, y1 (t), . . . , yn (t)
Tal como no caso escalar (n = 1), sendo t0 ∈ I, denomina-se problema de valor inicial a
′
Y (t) = F t, Y (t) , t ∈ I
Y (t0 ) = Y0
onde se supõe que t0 ∈ I e Y0 = y1 (t0 ), . . . , yn (t0 ) ∈ A.
139
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Teorema de Picard
(Existência e unicidade de solução para um PVI vectorial)
140
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Funções matriciais
No seguimento, será necessário estudar funções X cujo domı́nio é um intervalo real e cujo conjunto
de chegada é um espaço vectorial de matrizes reais (ou complexas) de dimensão n × m, que aqui
denotaremos por Mn×m (R) (ou C).
Genericamente, um função X : I ⊂ R → Mn×m (R), com
h i
X(t) = xij (t) i=1...n
j=1...m
pode, de facto, ser interpretada como uma função vectorial com as n × m componentes:
x11 (t), . . . , x1m (t), x21 (t), . . . , x2m (t), . . . . . . , xn1 (t), . . . , xnn (t).
Sendo assim, pode-se neste contexto utilizar os conceitos e resultados já discutidos quando se
estudou as funções vectoriais. A derivada de X(t) é, então, dada por
dX dxij
= i=1,...n ,
dt dt j=1...m
141
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
o resultado tem que ser deduzido (porquê?). No entanto isso, é tarefa relativamente fácil: calcu-
lando a derivada da componente (i, j) de X(t)Y (t), obtém-se:
m m m
d X X X
xik (t)ykj (t) = x′ik (t)ykj (t) + ′
xik (t)ykj (t) ,
dt
k=1 k=1 k=1
Definição (Matriz Solução Fundamental): Uma matriz S(t) denomina-se matriz solução fun-
damental de (2.34) se e só se
(i) det S(t) 6= 0 para todo t ∈ I, o que significa que as colunas de S(t) são linearmente
independentes (S(t) é não singular) para qualquer t ∈ I;
Exemplo:
No Exemplo 1 da Secção 2.4.1, resolvemos a equação vectorial
′ 1 −3
Y = Y (2.35)
3 1
É agora fácil de verificar que a matriz S(t) acima definida é uma matriz solução fundamental
associada à equação (2.35). De facto
det S(t) = −1 6= 0 ∀t ∈ R
(ii) Verifica-se que Yi′ (t) = AYi (t), i = 1, 2 em que Yi (t) representa a coluna i de S(t). De
facto, para i = 1
t
′ d et cos (3t) e (cos (3t) − 3sen (3t))
Y1 (t) = =
dt et sen (3t) et (sen (3t) + 3cos (3t))
142
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
e
1 −3 et cos (3t) et (cos (3t) − 3sen (3t))
AY1 (t) = =
3 1 et sen (3t) et (sen (3t) + 3cos (3t))
enquanto que para i = 2
d et sen (3t) et (3cos (3t) + sen (3t))
Y2′ (t) = =
dt −et cos (3t) et (3sen (3t) − cos (3t)
e
1 −3 et sen (3t) et (sen (3t) + 3cos (3t))
AY2 (t) = =
3 1 −et cos (3t) et (3sen (3t) − cos (3t))
Observe-se que não há uma única matriz solução fundamental da equação — por exemplo,
se S(t) é uma matriz solução fundamental qualquer matriz obtida por troca de colunas de S(t) é
tambem uma matriz solução fundamental.
pelo que S1 (t) é tambem uma matriz solução fundamental. (A verificação é óbvia).
Demonstração: (ii) é apenas outra forma de escrever a alı́nea (ii) da definição de S(t).
Quanto a (i), suponhamos que existe um t̂ ∈ I tal que S(t̂) é singular, isto é, para certo b ∈
Rn \ {0}, S(t̂)b = 0, e derivemos uma contradição. Como
S′ (t)b = A(t)S(t)bfb; ,
Por unicidade de solução deste PVI, Y (t) ≡ 0. Conclui-se então que S(t)b = 0 para todo o t ∈ I,
pelo que S(t) é singular para todo o t ∈ I; logo, em particular, também S(t0 ) é singular, o que
contradiz a hipótese.
143
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo: Para obter uma matriz solução fundamental, S(t), da equação Y ′ = A(t)Y ,
podemos resolver os n problemas
′
Y = A(t)Y
com i = 1, 2, . . . n.
Y (t0 ) = ei
Resulta da definição que a matriz S(t) é invertı́vel para todo o t. Sendo assim
d d −1
0= S(t) S−1 (t) = S′ (t) S−1 (t) + S(t) S (t) ,
dt dt
d
pelo que S(t) dt S−1 (t) = −S′ (t) S−1 (t). Desta forma:
d −1
S (t) = −S−1 (t)S′ (t) S−1 (t)
dt
Atendendo a que S′ (t) = A(t)S(t) implica A(t) = S′ (t)S−1 (t), então a inversa da matriz solução
fundamental verifica:
d −1
S (t) = −S−1 (t)A(t) (2.36)
dt
Temos então que S −1 (t)Y (t) = z(t) = C, com C ∈ Rn , o que nos permite concluir que:
144
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
(2) se Y (t0 ) = Y0 então C = S −1 (t0 )Y (t0 ) = S −1 (t0 )Y0 , pelo que a solução do PVI (2.37) é
Y (t) = S(t)S−1 (t0 )Y0 .
Dada uma matriz solução fundamental de Y ′ = A(t)Y , pretendemos obter as soluções da equação
não homogénea Y ′ = A(t)Y + B(t)
h in
Teorema (Fórmula de Variação das Constantes): Sendo A = aij(t) , com componentes
i,j=1
aij : I ⊂ R → R contı́nuas, b : I ⊆ R → Rn também contı́nua, Y0 ∈ Rn e S(t) uma matriz
solução fundamental de Y ′ = A(t)Y , então a solução do problema de valor inicial
′
Y = A(t)Y + b(t)
(2.38)
Y (t0 ) = Y0
ou seja
d −1
S (t)Y (t) = S −1 (t)b(t) (2.40)
dt
Integrando entre t0 e t, e considerando que Y (t0 ) = y0 , temos que:
Z t
−1 −1
S (t)Y (t) − S (t0 )Y0 = S −1 (s)b(s) ds
t0
145
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Corolário (Fórmula de Variação das Constantes para a Solução Geral): Nas mesmas
condições do teorema anterior, a solução geral da equação
Y ′ = A(t)Y + b(t)
é dada por:
Z t
Y (t) = S(t)C + S(t) S−1 (s)b(s) ds , C ∈ Rn ; (2.41)
Rt
(onde x(s)ds representa uma primitiva da função vectorial x(t)).
Exemplo:
Determine a solução da equação
′ t 1 0
Y (t) = Y + (2.42)
−t2 −t 1
Começemos por determinar uma matriz solução fundamental, resolvendo o sistema homogéneo
associado
′ t 1 x′ = tx + y
Y (t) = 2 Y ⇔
−t −t y = −t2 x − ty
′
onde Y = (x, y). Pela primeira equação y = x′ − tx, pelo que substituindo na segunda equação
′
x′ − tx = −t2 x − t x′ − tx ⇔ x′′ − tx′ − x = −t2 x − tx′ + t2 x ⇔ x′′ − x = 0
Fazendo Dx = x′ esta última equação pode ser escrita na forma (D 2 − 1)x = 0 e então é fácil
de concluir que
x(t) = aet + be−t
e consequentemente
y = x′ − tx = aet − be−t − atet − bte−t
E a matriz
et e−t
S(t) =
e − te −e − te−t
t t −t
146
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
é uma matriz solução fundamental. Podemos então aplicar a fórmula da variação das constantes
para obter a solução da equação (2.42)
Z
Y (t) = S(t)C + S(t) S −1 (t)B(t)dt
Z
a e−t (1 + t) e−t
1 0
= S(t) + S(t)
b et (1 + t) −et
2 1
R −t
a 1 e dt
= S(t) + S(t) R =
b 2 − et dt
et e−t a 1 et e−t −e−t
= +
et − tet −e−t − te−t b 2 et − tet −e−t − te−t −et
aet + be−t − 1
=
a(1 + t)et + b(−1 − t)e−t + t
sendo
y1 (t) a11 . . . a1n b1 (t)
Y (t) = ... A(t) = ... .. B(t) = ...
, . e
yn (t) an1 . . . ann bn (t)
Caso Homogéneo
Tal como anteriormente, o caso homogéneo corresponde a tomar B(t) ≡ 0 na equação (2.43).
Vamos assim estudar a equação
Y ′ (t) = AY (t) (2.44)
h in
onde t ∈ R, Y (t) ∈ Rn e A = aij com aij ∈ R.
i,j=1
147
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
tem por única solução y(t) = eat . Procedendo por analogia, definimos a exponencial de tA, que
denotamos por etA , da forma que se segue.
Exemplo 3:
1 −3
Sendo A = , pretendemos calcular eAt para t ∈ R. Revisitando o Exemplo 1 da
3 1
secção 2,4.1 (resolução da equação diferencial (2.35)), e concluimos num exemplo posterior que
uma matriz solução fundamental é
t cos (3t) sen (3t)
S(t) = e
sen (3t) −cos (3t)
No entanto, e dado que S(0) 6= Id2 , S(t) não é eA t. Mas pela proposção anterior
−1
At −1 t cos (3t) sen (3t) 1 0 t cos (3t) −sen (3t)
e = S(t)S (0) = e =e
sen (3t) −cos (3t) 0 −1 sen (3t) cos (3t)
Note que a exponencial da matriz tA, X(t), tem uma propriedade importante — é a única matriz
solução fundamental que verifica X(0) = I.
148
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
dY d λt
= e V = eλt λv = eλt AV = A etλ V = AY (t).
dt dt
Tendo em conta que
tomando a parte real e parte imaginária em ambos os membros desta igualdade obtém-se u′ = Au
e v′ = Av.
X0 (t) = I
Z t
Xn+1 (t) = I + AXn (s) ds para n ∈ N
t0
X0 (t) = I
Z t
X1 (t) = I + A ds = I + tA
t0
Z t t Z t Z
2
t2
X2 (t) = I + A + sA ds = I + A ds + sA2 ds = I + tA + A2
t0 t0 t0 2
Z t
s2 t2 t2
X3 (t) = I + A + sA2 + A3 ds = I + tA + A2 + A3
t0 2 2! 3!
8
Se A é uma matriz real, então Ā = A. Se (λ, V ) é um par valor próprio, vector próprio (complexo) de A,
então (λ̄, V̄ ) é também um par valor próprio, vector próprio de A, pois AV = ĀV = AV = λV = λ̄V̄ . Neste caso,
Re eλ̄t V = Re eλt V e Im eλ̄t V = − Im eλt V . Por cada par de vectores próprios conjugados, V e V , produzem-se
desta forma duas (não quatro!) funções reais linearmente indendentes, Re eλt V e Im eλt V .
149
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
P∞Esta fórmula é análoga à que define a série de McLaurin da função exponencial, eat =
(at)n
n=0 n! , para a, t ∈ R. No nosso caso trata-se de uma série de potências de matrizes onde,
em cada termo, aparece tA no lugar de ta. Isto leva-nos a conjecturar o seguinte:
Além disso, a série (2.46) converge uniformemente para t em intervalos do tipo [−R, R] (para
qualquer R > 0) e verifica AeAt = eAt A, para todo o t ∈ R.
Demonstração: Para provar este teorema, precisaremos em primeiro lugar de saber produzir
estimativas de matrizes. Sendo A = [aij ]ni,j=1 , consideramos:
1
|aij | ≤ kAk. (2.47)
n
De facto, esta função tem as propriedades de uma norma 10 ; mas vamos aqui apenas provar a
propriedade de kAk de que efectivamente precisamos.
Se B = [bij ]ni,j=1 é outra matriz real, então as componentes do produto AB verificam:
n n n
X X X 1 1
aik bkj ≤ |aik | |bik | ≤ 2
kAkkBk = kAkkBk
n n
k=1 k=1 k=1
1
Ou seja, o módulo de cada componente de AB é majorado pelo mesmo valor: n kAkkBk. Desta
forma:
1
kABk ≤ n kAkkBk = kAkkBk
n
9
Pode-se facilmente provar este resultado por indução. No entanto, neste contexto isso será desnecessário, pois
estamos apenas a usar as iteradas de Picard para formular uma conjectura cuja veracidade será depois comprovada
por outro método.
10
É fácil provar que para quaisquer duas matrizes reais, A, B, de dimensão n × n, se tem: (a) kAk = 0 ⇔ A = 0;
(b) kcAk = |c| kAk, para c ∈ R; (c) kA + Bk ≤ kAk + kBk; (d) kABk ≤ kAk kBk.
150
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Passamos agora à demonstração da convergência da série. Para tal, basta provar que todas
as componentes da soma da série (2.46) existem (em R).
(k)
Sendo δii = 1 e δij = 0 se i 6= j , e denotando cada componente (i, j) de Ak por aij , então
as componentes de eAt são as somas das séries reais 11 :
∞ k
t2 (2) tk (k) X t (k)
δij + tai,j + aij + · · · + aij + · · · = a com i, j = 1, 2, . . . n. (2.49)
2! k! k! ij
k=0
Vamos agora provar a convergência uniforme destas séries, para t num intervalo do tipo
[−R, R], com R > 0. Para |t| ≤ R, e usando (2.47) e (2.48), podemos majorar cada um dos
termos das séries anteriores como se segue:
k k
t (k) |t|k (k) Rk (k) Rk kAk k Rk kAkk kAkR
a =
k! ij a ≤ a ≤ ≤ =
k! ij k! ij k! n k! n n k!
Assim sendo:
d tA
e = A etA = etA A
dt
Note também que e0A = I. Isto conclui a demonstração do teorema.
11
O sı́mbolo δij , designado na literatura por delta de Kronecker, representa as componentes da matriz identidade.
(0)
Note que aij = δij .
151
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
(b) S(t) = eAt é a única matriz solução fundamental de Y ′ = AY que verifica S(0) = I.
d At
e = AeAt = eAt A
dt
eAt B = BeAt
Demonstração:
d At −At
e e = eAt Ae−At + eAt (−A)e−At = eAt Ae−At − eAt Ae−At = 0,
dt
(e) (Exercı́cio)
X ′ (t) = AeAt eBt + eAt BeBt = AeAt eBt + BeAt eBt = (A + B)eAt eBt = (A + B)X(t).
152
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Como consequência da teoria desenvolvida para o caso geral em que A(t) é uma função
matricial e as propriedades de eAt podemos deduzir o seguinte:
— Caso Homogéneo
Se A = [ai,j ] é uma matriz n × n, com ai,j ∈ R, o problema de valor inicial
Ẏ = AY
Y (t0 ) = Y0
Começemos por determinar uma matriz solução fundamental associada ao sistema (ho-
mogéneo). Assim
x′ − 2x
x′ = 2x + 4y ⇒ y =
4
Substituindo na segunda equação, obtemos
x′ − 2x ′ x′ − 2x
y ′ = −x−2y ⇒ = −x−2 ⇒ y ′′ = 0 ⇒ x(t) = c1 +c2 t
4 4
Assim Z
x′ − 2x c2 − 2c1 − 2c1 t c2 t
y(t) = = e z= (x + 2y)dt = + c3
4 4 2
Então
x(t) c1 + c2 t 1 t 0 c1
c2 −2c1 −2c1 t = −1 1 t
y(t) =
4 2 4 − 2 0 c2
c2 t t
z(t) 2 + c3 0 2 1 c3
A matriz
1 t 0
S(t) = − 12
1
4 − t
2 0
t
0 2 1
153
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
é uma matriz solução fundamental associada ao sistema mas não é eAt (dado que para t = 0
não iguala a matriz identidade. Tem-se que
−1
1 t 0 1 0 0 1 + 2t 4t 0
eAt = S(t)S −1 (0) = − 12 1
4 − t
2 0 − 12 1
4 0
= −t 1 − 2t 0
t
0 2 1 0 0 1 t 2t 1
Se adicionalmente for dada a condição inicial Y (t0 ) = Y0 , a solução do PVI será neste caso
dada por
Z t
A(t−t0 ) At
Y (t) = e Y0 + e e−As b(s) ds
t0
para todo t ∈ I.
Exemplo:
Determinar a solução do PVI
em que
−2 0 1 1
A = 0 −3 −1 , b(t) = 0
0 1 −1 2e−2t
Vamos em primeiro lugar determinar a matriz eAt resolvenso o sistema homogéneo associado, isto
é determinar a soluçãp geral de ′
x = −2x + z
y ′ = −3y − z
′
z =y−z
154
2.5. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
P (R) = R2 + 4R + 4 = (R + 2)2
d 2t t2
x′ + 2x = ae−2t + bte−2t ⇔ e x = a + bt ⇔ x = e−2t c + at + b
dt 2
t2
2
1 2 t + t2
eAt = S(t)S −1 (0) = e−2t 0 1 − t −t
0 t 1+t
Assim, a solução da equação é dada pela fórmula da variação das constantes (versão com a
exponencial da matriz A)
x(t) 1 Z t 1
y(t) = eAt −1 + eAt e−As 0 ds
z(t) 0 0 2e−2s
s2 2
1 Z t 1 2 −s + s2 1
= eAt −1 + eAt e2s 0 1 + s s 0 ds
0 0
0 −s 1−s 2e−2s
1 2t t2 t3
2 (e − 1) + 1 + 2 + 3
= e−2t −1 + t − t2
t+t 2
155
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
se b(t) = tp eat cos (bt) ou b(t) = tp eat sen (bt), então o seu polinómio aniquilador é da forma
P( D) = (D − (a + ib))p+1 (D − (a − ib))p+1 = ((D − a)2 + b2 )p+1 y
O método dos coeficientes indeterminados para resolver a equação P (D)y = b(t) consiste em:
1. Determinar o polinómio aniquilador, PA (D), de b(t). Seja k o seu grau.
2. Aplicar PA (D) a ambos os membros da equação inicial, donde resulta:
P (D)y = h(t) ⇒ PA (D)P (D)y = PA (D)h(t) ⇔ PA (D)P (D)y = 0
Note que a aplicação de PA (D) não produz uma equação equivalente à inicial. Embora
qualquer solução de P (D)y = h(t) seja solução de PA (D)P (D)y = 0, nem todas as
soluções da segunda equação resolvem a primeira.
Assim obtivemos uma equação diferencial linear homogénea de coeficientes constantes de
ordem n + k.
156
2.6. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
yG (t) = α1 y1 + ... + αn yn
yP = β1 w1 + ... + βp wp
Exemplo 1:
Determinar a solução do PVI
• Cálculo de yH
A equção homogénea associada é
y ′′ + 3y ′ + 2y = 0
Uma solução da equação (D + 1)y = 0 é e−x . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem
como solução e−2x . Como tal
• Cálculo de yP
Dado que h(x) = e−x , podemos utilizar o métododos coeficientes indeterminados para
determinar a solução particular yP . O polinómio aniquilador de h(x) é
PA (D) = D + 1
157
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Ou seja
(D + 1)2 (D + 2)y = 0
Resolvendo a equação homogénea obtém-se que
y(x) = c1 e−x + c2 xe−x + c3 e−2x
Dado que c1 e−x + c3 e−2x representa a solução geral da equação homogénea associada
a (2.53), conclui-se que a forma da solução particular é w(x) = αxe−x . Seguidamente
teremos que determinar o valor da constante α de modo a que w seja solução da equação
y ′′ + 3y ′ + 2y = e−x . Tem-se então que
(αxe−x )′′ + 3(αxe−x )′ + 2(αxe−x ) = e−x ⇔ α=1
Conclui-se que
yP (x) = xe−x
Exemplo 2:
Determinar a solução do PVI
158
2.6. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
• Cálculo de yP
Dado que b(t) = sen (4t), podemos utilizar o métododos coeficientes indeterminados para
determinar a solução particular yP . O polinómio aniquilador de b(t) é
Assim
Ou seja
(D 2 + 16)2 y = 0
Dado que c1 sen (4t)+c2 cos (4t) representa a solução geral da equação homogénea associada
a (2.54), conclui-se que a forma da solução particular é w(t) = c3 tsen (4t) + c4 tcos (4t).
Seguidamente teremos que determinar as constantes c3 ec4 de modo a que w seja solução
da equação y ′′ + 16y = sen (4t). Tem-se então que
′′ c3 = 0
(c3 tsen (4t) + c4 tcos (4t)) + 16(c3 tsen (4t) + c4 tcos (4t)) = sen (4t) ⇔
c4 = −1/8
Conclui-se que
tcos (4t)
yP (t) = −
8
tcos (4t)
y(t) = yH (t) + yP (t) = c1 sen (4t) + c2 cos (4t) − , c1 , c2 ∈ R
8
1 tcos (4t)
y(t) = sen (4t) + cos (4t) −
32 8
159
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
E assim
X ′ = (x′0 , x′1 , ..., x′n−1 ) = (y ′ , y ′′ , ..., y (n) ) = (x2 , x3 , . . . , xn−1 , −a0 (t) x0 −a1 (t) x1 −...−an−1 (t) xn−1 +b(t))
Assim
′
x0 0 1 0 . . . 0 x0 0
x1 0 0 1 . . . 0 x1 0
. . . . . . . . . .
. = . . . . . . . . + . (2.55)
. . . . . . . . . .
xn−2 0 0 0 . . . 1 xn−2 0
xn−1 −a0 (t) −a1 (t) −a2 (t) . . . −an−1 (t) xn−1 b(t)
A matriz
0 1 0 . . . 0
0 0 1 . . . 0
. . . . . . .
A=
. . . . . . .
. . . . . . .
0 0 0 . . . 1
−a0 −a1 −a2 . . . −an−1
é denominada matriz companheira da equação
160
2.6. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
Como as colunas da matriz W (t) são soluções da equação homogénea associada a (2.55), a matriz
W (t) é uma matriz solução fundamental da equação vectorial (2.55) pelo que, por aplicação da
fórmula da variação das constantes para equações vectoriais, tem-se que uma solução de (2.55)
será dada por
y 0
y′ 0
y ′′ Z t 0
. = W (t)C + W (t)
W −1 (s)
. ds ,
.
.
. .
y (n−1) b(s)
pelo que a solução da equação (2.51) é dada por
0
Z t
.
−1
y(t) = c1 y1 + · · · + cn yn + y1 (t) ... yn (t) W (s)
. ds
0
b(s)
Exemplo 1:
y ′′ + 2y ′ + 2y = 2e−t (2.56)
Começemos por determinar uma base do espaço de soluções da equação homogénea associad, isto
é resolver a equação
y ′′ + 2y ′ + 2y = 0 ⇔ D 2 + 2D + 2 y = 0 ⇔ (D + 1)2 + 1 y = 0
pelo que uma base do espaço de soluções será e−t cos t e e−t sen t, e a sua solução geral é
e−t cos t e−t sen t e−t cos t e−t sen t
W (t) = =
(e−t cos t)′ (e−t sen t)′ −e−t (cos t + sen t) e−t (−sen t + cos t)
161
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 2:
A fórmula da variação das constantes é também aplicável no caso em que a equação não
tem coeficientes constantes. Desde que se conheça uma base de soluções da equação homogénea
associada, o cálculo da solução é análogo ao que fizémos no exemplo anterior. Assim, considere-se
a equação diferencial 3 ′
y ′′ + t − y − 2y = t4 , t > 0
t
É fácil de verificar que as funções
2 /2
y1 (t) = e−t , y2 (t) = t2 − 2
são soluções linearmente independentes da equação homogénea associada e como tal formam uma
base do seu espaço de soluçõe. Assim podemos construir a matriz Wronskiana associada
" 2
#
e−t /2 t2 − 2
W (t) = 2
−te−t /2 2t
e pela fórmula da variação das constantes a solução geral da equação é dada por
h i c h iZ
0
−t 2 /2 2 1 −t 2 /2 2 −1
y(x) = e t −2 + e t −2 W (t) dt
c2 t4
ou seja
2 /2 t4
y(t) = c1 e−t + c2 (t2 − 2) + 4 − 2t2 +
2
162
Capı́tulo 3
O objectivo de resolver uma equação diferencial parcial é determinar uma função u(x1 , ..., xn ) que
verifica uma relação de igualdade envolvendo as suas derivadas (que serão derivadas parciais).
Centraremos o nosso estudo nas equações diferenciais parciais lineares de segunda ordem em
domı́nios (espaciais) rectangulares, em que as equações são afins aos três tipos seguintes:
• Equação do Calor
∂u ∂2u ∂2u
=K + ... +
∂t ∂x21 ∂x2n
em que t > 0, x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ], e K > 0 é a condutividade térmica do material.
Este tipo de equações está associado a processos envolvendo condução térmica e difusão1 .
• Equação de Laplace
∂2u ∂2u
+ ... + =0
∂x21 ∂x2n
em que x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ]. Este tipo de equações está associado a processos
estacionários de condução térmica e difusão, à electrostática e ao movimento dos fluı́dos.
• Condições de Fronteira
Que predefinem o comportamento da função u na fronteira de R = [0, L1 ] × ... × [0, L1 ], e
que poderão ser de vários tipos:
– Condições de Dirichlet
se definem o valor de u na fronteira de R;
1 ∂u ∂2u ∂2 u
No caso de de tratar da equação de difusão, ∂t
=D ∂x2
+ ... + ∂x2
, D > 0 é o coeficiente de difusão da
1 n
susbtância.
163
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
– Condições de Neumann
se definem o valor de ∂u
∂x na fronteira de R (ou seja, definem o fluxo de u na fronteira
de R);
• Condições Iniciais
que definem o estado inicial, isto é, para a equação do calor
∂u ∂2u
=K 2 , ∀t > 0 , x ∈]0, L[
∂t ∂x
sendo K > 0 a condutividade térmica (ou o coeficiente de difusão). Assumiremos condições de
fronteira de Dirichlet homógeneas, isto é
e a condição inicial
u(0, x) = f (x) , ∀x ∈]0, L[
em que f é uma função seccionalmente contı́nua e com derivada seccionalmente contı́nua definida
no intervalo [0, L].
Resolveremos então o problema de valores na fronteira e inicial
∂u ∂2u
=K 2 t > 0 , x ∈]0, L[
∂t ∂x
u(t, 0) = u(t, L) = 0 t > 0 (3.1)
u(0, x) = f (x) x ∈]0, L[
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 então a solução de (3.1) é u(t, x) ≡ 0. Se f não é
identicamente nula então u tambem não o será.
164
3.1. MÉTODO DE SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS
Vamos utilizar o método de separação de variáveis para determinar soluções do problema (3.1)
da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂ ∂2 T ′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = K 2 T (t)X(x) ⇔ T ′ (t)X(x) = KT (t)X ′′ (x) ⇔ =
∂t ∂x KT (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
T ′ (t) X ′′ (x)
de t ( KT (t) ) iguale uma função de x ( X(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
igualem uma constante, isto é, para λ ∈ R
T ′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
KT (t) X(x)
É conveniente notar que, se não exigı́ssemos condições de fronteira nulas, o método de se-
paração de variáveis falharia neste ponto. A razão é muito simples — a lei do anulamento do
produto não seria aplicável.
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′ = λKT
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1). Trata-se duma equação diferencial linear homogénea,
cuja solução tem que verificar condições de fronteira nulas. Nesta situação, a função nula é sempre
solução de (P1). Existem no entanto alguns valores de λ para os quais essa não é a única solução
de (P1).
Definição: λ diz-se um valor próprio de (P1). associado à função própria ϕ(x), sse ϕ(x) for
uma solução não nula de (P1).
Para continuar a nossa resolução, teremos que encontrar os valores própios de (P1) a fim de
determinar as suas soluções não nulas. Assim
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
165
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Princı́pio da Sobreposição
Observa-se que, relativamente a sobreposições com um número infinito de termos, será ne-
cessário verificar adicionalmente que a série obtida é uniformemente convergente em subconjuntos
compactos do domı́nio onde a equação diferencial é satisfeita.
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Dirichlet nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
cn sen = f (x) (3.3)
n=1
L
166
3.2. SÉRIES DE FOURIER
Exemplo:
Determinar a série de Fourier da função f : [−1, 1] → R definida por
−π se x ∈ [−1, 0[
f (x) =
π se x ∈ [0, 1]
2
Na maior parte das aplicações, f é contı́nua em x = ±L; nos casos em que a continuidade em x = ±L
não se verifica, pode-se de qualquer modo alterar a definição da função f de forma a que f (L) = f (L− ) e
f (−L) = f (−L+ ).
167
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Concluimos que
∞
X 2
SFf (x) = 1 − (−1)n sen (nπx)
n
n=1
Atendendo a que, para n par, 1 − (−1)n = 0, os termos de ordem par da série anterior são nulos:
∞
X 4
SFf (x) = sen (2k − 1)πx
2k − 1
k=1
Dado que tanto f como f ′ são funções seccionalmente contı́nuas em [−1, 1] o teorema anterior
permite-nos concluir que SFf (x) está bem definida para x ∈ [−1, 1]. Pela periodicidade das
funções sen (nπx), é fácil de compreender que SFf está bem definida para todo x ∈ R e que é
periódica de perı́odo 2. De seguida mostra-se alguna gráficos das aproximações da série de Fourier
da função f , isto é, o gráfico de alguns termos da sucessão das somas parciais
N
X 4
SN f (x) = sen (2k − 1)πx
2k − 1
k=1
168
3.2. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
−5
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
Gráfico da função (S3 f )(x) = 4sen (πx) + 34 sen (3πx) + 45 sen (5πx)
169
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
Gráfico da função (S5 f )(x) = 4sen (πx) + 34 sen (3πx) + 45 sen (5πx) + 47 sen (7πx) + 94 sen (9πx)
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
P12 4
Gráfico da função (S12 f )(x) = n=1 2n−1 sen ((2n − 1)πx)
Por ser uma função periódica de perı́odo 2, em R a soma da série de Fourier da função f será
dada pela extensão periódica de perı́odo 2 da função definida em (3.5).
170
3.2. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
N N
1 X 1 1 X ikx
DN (x) = + cos kx = + e + e−ikx
2 2 2
k=1 k=1
1 −iN x −i(N −1)x
= e +e + · · · + e−ix + 1 + eix + · · · + eiN x
2
1 −iN x
= e 1 + eix + ei2x + · · · + ei2N x
2
2N
1 −iN x X ix k
= e e
2
k=0
Como o somatório acima obtido não é mais do que a soma dos primeiros 2N + 1 termos da série
171
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
1
1 −iN x 1 − (eix )2N +1 e−i(N + 2 )x 1 − ei(2N +1)x
DN (x) = e = x
2 1 − eix 2e−i 2 1 − eix
1 1
e−i(N + 2 )x − ei(N + 2 )x 1 2i
= x x
2i 2 e−i 2 − ei 2
1 1
= −sen N + 12 x
2 −sen x2
sen N + 21 x
=
2 sen x2
12
10
−2
−4
-2.85 -2.5 -2.15 -1.8 -1.45 -1.1 -0.75 -0.4 -0.05 0.3 0.65 1 1.35 1.7 2.05 2.4 2.75 3.1
Seja agora f uma função real, seccionalmente contı́nua em [−π, π], e admitamos que f foi
periodicamente extendida a R. 3 .
3
Ou seja, dada f : [−π, π] → R pode-se definir f (y) para qualquer y ∈ R tendo em conta que existem k ∈ Z e
def
x ∈ [−π, π] tais que y = x + 2kπ; assim sendo, considera-se que f (y) = f (x + 2kπ) = f (x). O que desta forma
se obtém é, como se sabe, a extensão periódica de f a R.
172
3.2. SÉRIES DE FOURIER
25
20
15
10
−5
-1.6 1.6
N
a0 X
SN (x) = + ak cos kx + bk sen kx
2
k=1
N
!
1 Rπ X Rπ R
1 π
= −π 2 f (y) dy + −π f (y)cos ky dy cos kx + −π f (y)sen ky dy sen kx
π
k=1
Z N
!
π
1 1 X
= f (y) + cos ky cos kx + sen ky sen kx dy
π −π 2
k=1
Z N
!
π
1 1 X
= f (y) + cos k(y − x) dy
π −π 2
k=1
Z π
1
= f (y)DN (y − x) dy
π −π
Desta forma se deduziu uma fórmula integral para a sucessão das somas parciais da série de
Fourier de f :
Z Z
1 π 1 π
SN (x) = f (y)DN (y − x) dy = f (x + θ)DN (θ) dθ, (3.7)
π −π π −π
173
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
120
100
80
60
40
20
−20
-1.6 1.6
A fórmula (3.7) diz-nos, grosso modo, que SN (x) é uma “média ponderada” de f numa
vizinhança de x, emR que os “pesos” são dados pelo núcleo de Dirichlet, DN (x). Note que a
π
“soma dos pesos” é −π DN (θ) dθ = 1 5 . Nas figuras (3.6), (3.7) e (3.8) representa-se os gráficos
de DN (x) para alguns valores de N . Pode-se observar o comportamento oscilatório do núcleo
de Dirichlet: à medida que N cresce, as oscilações de DN (x) aumentam em amplitude mas
concentram-se junto de x = 0. Se f for seccionalmente C 1 então é possı́vel provar, a partir
da fórmula (3.7), que SN (x) converge da forma descrita pelo teorema da convergência pontual
(equação (3.4)).
∞
X nπx
Ssen f (x) = bn sen ( )
L
n=1
em que
Z L
2 nπx
bn = f (x)sen ( )dx
L 0 L
Esta série é obtida, efectuando a extensão ı́mpar de f ao intervalo [−L, L], e calculando a sua
série de Fourier. Observe-se que se uma dada função g é ı́mpar, os coeficientes da série de Fourier
5
Em rigor, o primeiro integral da equação (3.7) designa-se por convolução de f com DN .
174
3.2. SÉRIES DE FOURIER
verificam: Z L
1 nπx
an = g(x)cos ( )dx = 0 , ∀n ≥ 0
L −L L
Z L Z L
1 nπx 2 nπx
bn = g(x)sen ( )dx = g(x)sen ( )dx
L −L L L 0 L
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier e atendendo que se está a utilizar a
extensão ı́mpar de f a [−L, L], conclui-se que para x ∈ [0, L]
f (x) sendo x um ponto de continuidade de f
f (x+ ) + f (x− )
sendo x um ponto de descontinuidad de f
Ssen f (x) = 2
0 se x = L
0 se x = 0
Exemplo:
em que
Z 2 Z 1
nπx nπx 2 4 nπ
bn = f (x)sen dx = (1 − x)sen dx = − 2 2 sen
0 2 0 2 nπ n π 2
Conclui-se que
∞
X 2 4 nπ nπx
Ssen f (x) = − 2 2 sen sen
nπ n π 2 2
n=1
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier, tem-se que em [−2, 2]
f (x) se x ∈]0, 2]
Ssen f (x) = 0 se x = 0 (3.8)
−f (−x) se x ∈ [−2, 0[
175
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
em que
Z L Z L
2 2 nπx
a0 = f (x)dx , an = f (x)cos ( )dx
L 0 L 0 L
Esta série é obtida, efectuando a extensão par de f ao intervalo [−L, L], e calculando a sua
série de Fourier. Observe-se que se uma dada função g é par os coeficientes da série de Fourier
verificam: Z Z
1 L 2 L
a0 = g(x)dx = g(x)dx
L −L L 0
Z L Z L
1 nπx 2 nπx
an = g(x)cos ( )dx = g(x)cos ( )dx
L −L L L 0 L
Z L
1 nπx
bn = g(x)sen ( )dx = 0 ∀n ≥ 0
L −L L
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier e atendendo que se está a utilizar a
extensão par de f a [−L, L], conclui-se que para x ∈ [0, L]
f (x) sendo x um ponto de continuidade de f
f (x+ ) + f (x− )
sendo x um ponto de descontinuidade de f
Scos f (x) = 2
f (L) se x = L
f (0) se x = 0
em que Z Z
π π
2 2 3
a0 = g(x)dx = dx =
π 0 π π 2
4
176
3.3. PROBLEMA DE DIRICHLET HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
e para n ∈ N
Z π Z π
2 2 2 nπ
an = g(x)cos (nx)dx = cos (nx)dx = − sen
π 0 π π nπ 4
4
Conclui-se que
∞
3 X 2 nπ
Scos g(x) = − sen cos (nx)
4 nπ 4
n=1
e em R a soma da série de cosenos da função g será a extensão periódica de perı́odo 2π, de (3.9)
a R.
em que f é uma função seccionalmente contı́nua em ]0, π[. Tal como deduzimos na Secção 3.1,
a solução do problema (3.10) é dada por
∞
X 2 Kt
u(t, x) = cn e−n sen (nx) , cn ∈ R
n=1
e para determinar as constantes (cn )n∈N usaremos a condição inicial, pelo que
∞
X
cn sen (nx) = f (x) (3.11)
n=1
3.3.1 Exemplo 1
Se a condição inicial for
f (x) = sen (2x) − 3sen (5x)
por (3.11),
∞
X
cn sen (nx) = sen (2x) − 3sen (5x)
n=1
177
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
c2 = 1 , c5 = −3 e cn = 0 ∀n ∈ N \ {2, 5}
Concluimos que a solução de (3.10) quando f (x) = sen (2x) − 3sen (5x) é dada por
3.3.2 Exemplo 2
Se a condição inicial for
π π x se 0 ≤ x ≤ π2
f (x) = − x − =
2 2 π − x se π2 < x ≤ π
por (3.11),
∞
X π π
cn sen (nx) = − − x
2 2
n=1
pelo que para determinar as constantes (cn ) precisamos de determinar a série de senos da função
f (x) em [0, π]. Assim
X∞
Ssen f (x) = bn sen (nx)
n=1
em que
Z π Z π/2 Z π
2 2h i 4 nπ
bn = f (x)sen (nx) dx = xsen (nx) dx + (π − x)sen (nx) dx = 2
sen
π 0 π 0 π/2 πn 2
Dado que a extensão periódica (de perı́odo 2π) a R da extensão impar de f ao intervalo [−π, π]
é contńua, tem-se que para todo x ∈ [0, π]
∞
π π X 4 nπ
− x − = sen sen (nx)
2 2 πn2 2
n=1
4 nπ
cn = 2
sen
πn 2
π
− x − π2 é dada por
e a solução de (3.10) quando f (x) = 2
∞
X 4 nπ −n2 Kt
u(t, x) = 2
sen e sen (nx)
n=1
πn 2
178
3.4. PROBLEMA DE DIRICHLET NÃO HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
Vamos verificar em primeiro lugar que se u(t, x) é da forma dada em (3.13) então é solução de
(3.12). De facto, utilizando a linearidade da derivada
pelo que verifica a condição inicial de (3.12). Conclui-se que u(t, x) dada em (3.13) é solução de
(3.12). A função ue (x) é denominada uma solução estacionária de (3.12), pois não depende de t.
A equação u′′e = 0 tem como solução ue (x) = Ax + B. Dado que ue (0) = T1 e ue (L) = T2
conclui-se que
T2 − T1
ue (x) = x + T1
L
179
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Por outro pela Secção 1, dado que (3.14) é o problema da equação do calor com condições de
fronteira de Dirichlet homogéneas
∞
X n2 π 2 K nπx
v(t, x) = cn e− L2
t
sen
n=1
L
em que para todo n ∈ N, (cn ) são os coeficientes da série de senos da função f (x) − T2 −T
L x − T1
1
180
3.5. PROBLEMA DE NEUMANN HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira
∂u ′
• ∂x (t, 0) = 0 implica T (t)X (0) = 0 e como tal ou T (t) é a função identicamente nula ou
X ′ (0) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
X ′ (0) = 0.
∂u ′
• ∂x (t, L) = 0 implica T (t)X (L) = 0 e como tal ou T (t) é a função identicamente nula ou
′
X (L) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer, tem-se que X ′ (L) = 0.
Temos então dois problemas para resolver — correspondentes a duas equações diferenciais or-
dinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′ = λKT
X ′ (0) = X ′ (L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1). Trata-se de um problema de valores próprios e para
os determinar teremos que encontra as soluções não nulas de (P1). Assim
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
X ′ (0) = 0 ⇒ A = 0
X ′ (L) = 0 ⇒ Bωsen (ωx) = 0
pelo que,
B=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen (ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = cos , com n ∈ N
L L
2 2
Temos assim que λ = 0, com X(x) = 1 e λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = cos nπx L , para n ∈ N, são
os valores próprios e as correspondentes funções próprias associadas.
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para λ = 0
T′ = 0 ⇒ T0 (t) = 1
e para cada n ∈ N
n2 π 2 n2 π 2 K
T′ = − KT ⇒ Tn (t) = e− L2
t
L2
181
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as solução da equação do calor unidimensional, da
forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as funções
da forma
n2 π 2 K nπx
u0 (t, x) = T0 (t)X0 (x) = c0 e un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = e− L2
t
sen , , n∈N
L
Então
∞ ∞
X X n2 π 2 K nπx
u(t, x) = cn un (t, x) = c0 + cn e− L2
t
cos , , cn ∈ R
n=0 n=1
L
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Neumann nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
c0 + cn cos = f (x) (3.17)
n=1
L
Concluindo-se que as constantes cn são os coeficientes da série de cosenos de f em [0, L], ou seja
Z L
a0 1
c0 = = f (x)dx
2 L 0
e para cada n ∈ N
Z L
2 nπx
cn = an = f (x)cos dx
L 0 L
u(t, 0) = T1 , u(t, L) = T2 t>0
u(0, x) = f (x) x ∈ ]0, L[
182
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
Multiplicando a equação do calor (3.18) por v e integrando em x no intervalo [0, L], obtém-se:
Z L Z L
∂v ∂2v
v dx = K v dx
0 ∂t 0 ∂x2
1
RL 2 dE
Definido E(t) = 2 v(t, x) dx, então conclui-se dos resultados anteriores que
0 ≤ 0. Por
dt
outro lado, pela condição inicial E(0) = 0; além disso, E(t) ≥ 0, para qualquer t ≥ 0. Assim
sendo, teremos necessariamente que E(t) ≡ 0, donde se conclui que:
∂2v
= c2 ∆u
∂t2
onde u(t, x) é uma função da posição e do tempo que descreve o comportamento da onda e c é
a velocidade de propagação da onda no meio em questão.
183
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
u(t, x)
0 x x
L
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 e g(x) ≡ 0 então a solução de (3.19) é u(t, x) ≡ 0. Se f
ou g não são identicamente nulas então u tambem não o será.
Tal como para a resolução da equação do calor unidimensional, e dado que estamos a consi-
derar condições de fronteira homogéneas, vamos utilizar o método de separação de variáveis para
determinar soluções do problema (3.19) da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂2
2 ∂
2
′′ 2 ′′ T ′′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = c T (t)X(x) ⇔ T (t)X(x) = c T (t)X (x) ⇔ =
∂t2 ∂x2 c2 T (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
′′ X ′′ (x)
de t ( cT2 T(t)
(t)
) iguale uma função de x ( X(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
184
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
T ′′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
c2 T (t) X(x)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira e possı́veis condições iniciais nulas (note que
pelo que já foi referido apenas uma delas o poderá ser)
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′′ = λc2 T
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(L) = 0 ⇒ Asen (ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen (ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
L L
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = sen nπx L , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − nLπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − nLπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
L .
185
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
n2 π 2 2 n2 π 2 2 nπct nπct
T ′′ + c T =0 ⇒ (D 2 + c )T = 0 ⇒ Tn (t) = αn sen + βn cos
L2 L2 L L
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as soluções da equação das ondas unidimensional,
da forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as
funções da forma
nπx nπct nπct
un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = sen αn sen + βn cos , n∈N (3.20)
L L L
Por sobreposição, a solução da equação diferencial que satisfaz as condições de fronteira será:
∞
X nπx nπct nπct
u(t, x) = sen αn sen + βn cos .
n=1
L L L
ou seja:
Z L
2 nπx
αn = g(x)sen dx.
nπc 0 L
∂2u ∂2u
+ 2 =0
∂x2 ∂y
∂2u ∂2u
+ 2 = f (x, y)
∂x2 ∂y
é conhecida como a equação de Poisson, em homenagem Siméon-Denis Poisson, que foi aluno de
Laplace.
186
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Para além da sua importância teórica, as equações de Laplace e Poisson surgem como as
soluções estacionárias numa grande variedade de modelos fı́sicos. Por exemplo, u(x, y) pode ser
interpretada como o deslocamento de uma membrana e f (x, y) representa uma força externa que
actua sobre a superfı́cie da membrana. Outro exemplo é o equilı́brio térmico de placas: neste caso,
u(x, y) representa a temperatura e f (x, y) uma fonte de calor externa. Na mecânica de fluidos,
u(x, y) representa a função potencial cujo gradiente v = ∇u é o vector velocidade do um de um
fluido cujo fluxo é invariante por translações segundo uma certa direcção. Esta mesma teoria do
potencial é aplicável à electrostática bidimensional e aos potenciais gravitacionais.
Uma vez que a equação de Laplace — e, também, a de Poisson — descrevem situações
estacionárias, elas surgem associadas a problemas de valor na fronteira. Note-se que as equações
do calor e das ondas — que descrevem sistemas fı́sicos que evoluem com o tempo — estão
associadas a problemas de valor na fronteira e de valor inicial.
Procuramos uma solução, u(x, y), para a equação de Laplace — definida para (x, y) numa
região aberta e limitada, D ⊂ R2 — que satisfaz certas condições quando (x, y) pertence à
fronteira do conjunto D. Observamos que no caso bidimensional a fronteira de D é constituı́da
por uma ou mais curvas simples e fechadas. Como já referido, os tipos mais importantes de
condições de fronteira são
Observa-se que se f (x) ≡ 0 a solução de (3.21) é u(x, y) ≡ 0. Por outro lado, pode-se provar que
se f não for identicamente nula então u também não o será. Tal como nos exemplos anteriores,
e tendo em conta que este problema tem 3 condições de fronteira homogéneas e um domı́nio
rectangular, o método de separação de variáveis consiste na determinação de soluções não nulas
do problema (3.21) da forma:
u(x, y) = X(x)Y (y) (3.22)
187
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Note que nem X(x) nem Y (y) poderão ser identicamente nulas, pois caso contrário u(x,y) também
o será. Substituindo (3.22) na equação diferencial obtém-se
∂2 ∂2
X(x)Y (y) + X(x)Y (y) = 0 ⇔ X ′′ (x)Y (y) + X(x)Y ′′ (y) = 0
∂x2 ∂y 2
X ′′ (x) Y ′′ (y)
⇔ =−
X(x) Y (y)
Observe-se que as variáveis aparecem separadas: pretende-se que para todos os x ∈]0, a[ e
′′ (x) ′′ (y)
y ∈]0, b[, XX(x) , que é função apenas de x, iguale − YY (y) , que é função apenas de y. Para que
tal se verifique é necessário que ambos os membros sejam iguais a uma constante; isto é, para
λ ∈ R:
X ′′ (x) Y ′′ (y)
=λ e − =λ
X(x) Y (y)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira nulas
• u(0, y) = 0 implica X(0)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(0) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
X(0) = 0.
• u(a, y) = 0 implica X(a)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(a) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer, tem-se que X(a) = 0.
• u(x, b) = 0 implica X(x)Y (b) = 0 e como tal ou X(x) é a função identicamente nula ou
Y (b) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
Y (b) = 0.
Temos então dois problemas para resolver, envolvendo cada um deles uma equação diferencial
ordinária de 2a ordem:
′′ ′′
X − λX = 0 Y + λY = 0
(P1) , (P2)
X(0) = X(a) = 0 Y (b) = 0
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(a) = 0 ⇒ Asen (ωx) = 0
188
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen (ωa) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
a a
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − naπ2 e X(x) = sen nπx a , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − naπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − naπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
a .
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
n2 π 2 n2 π 2 nπy nπy
Y ′′ − 2 Y = 0 ⇒ D2 − 2 Y = 0 ⇒ Yn (y) = an e a + bn e− a ,
a a
onde an , bn ∈ R. As soluções que satisfazem a condição Y (b) = 0 são as soluções de
nπb nπb
an e a + bn e− a = 0,
ou seja,
2nπb
bn = −an e a
189
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Então, para cada n ∈ N, os coeficientes αn são obtidos à custa dos coeficientes da série de senos
de f em [0, a] por Z
nπb 2 a nπx
−αn sh = f (x) sen dx.
a a 0 a
ou Z a
2 nπx
αn = − f (x) sen dx.
a sh (nπb/a) 0 a
em que u1 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = f1 (x) , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
u2 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = f2 (x) x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
u3 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = f3 (y) , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
190
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
e u4 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = f4 (y) y ∈]0, b[
A solução de cada um destes problemas é obtida pelo método utilizado na resolução de (3.21).
x = rcos θ , y = rsen θ
tem-se
∂u 1 ∂v
∂r = r ∂θ
(3.25)
∂u
∂θ = −r ∂v
∂r
∂ 2 u 1 ∂u 1 ∂2u
+ + =0
∂r 2 r ∂r r 2 ∂θ 2
191
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
u(r, θ) = R(r)Θ(θ)
O problema (P1) é um problema de valores próprios para a equação Θ′′ − λΘ = 0 com condições
de fronteira periódicas no intervalo [−π, π]. Resolvendo a equação
Θ′′ − λΘ = 0 ⇔ (D 2 − λ)Θ = 0
8
Para que u seja contı́nua na origem é necessário que R(r) seja limitada numa vizinhança de r = 0
192
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Θ(θ) = aθ + b a, b ∈ R
Aplicando as condições de fronteira, obtemos que a = 0 e como tal 0 é valor próprio de (P1)
associado à solução constante.
Se λ > 0 (λ = µ2 ), a solução geral da equação é
e é fácil de concluir que as condições de fronteira obrigam a que a = b = 0, pelo que pata qualquer
λ > 0, λ não é valor próprio de (P1).
Se λ < 0 (λ = −µ2 ), a solução geral da equação é
Para que esta função seja periódica de perı́odo 2π é necessário que µ seja um número inteiro
(positivo). Assim, as condições de fronteira são verificadas apenas no caso em que µ = n, n ∈ N.
Nesse caso os valores próprios de (P1) são λ = −n2 associados às soluções
Vamos agora resolver o problema (P2) para os casos λ = −n2 , n ∈ N0 , ou seja, vamos resolver
a equação
r 2 R′′ + rR′ − n2 R = 0 (3.27)
Trata-se de uma equação diferencial linear de segunda ordem, de coeficientes não constantes — a
equação de Euler. Devido à sua forma (cada termo é o produto de uma derivada de ordem k por
uma potência r k ) podemos conjecturar que existe soluções particulares da forma r k para certos
valores k ∈ R. Substituindo na eqiação, para r > 0, obtemos
Ou seja, dado n ∈ N, duas soluções linearmente independentes da equação (??) são R(r) = r n e
R(r) = r −n , pelo que a solução geral é da forma
Rn (r) = cn r n + dn r −n
Atendendo a que pretendemos que R(r) seja limitada quando r → 0 escolhemos dn = 0 para
todo n ∈ N, e consequentemente
Rn (r) = cn r n , n∈N
Por outro lado, para n = 0, a equação k2 − n2 = 0 tem apenas uma raı́z, pelo que o procedimento
anterior apenas permite encontrar a solução constante. No entanto verifica-se que para n = 0 a
equação
r 2 R′′ + rR′ = 0
não depende de R, pelo que podemos fazer a mudança de variável S(r) = R′ (r) e assim reduzi-la
a uma equação de primeira ordem
rS ′ + S = 0
193
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Trata-se de uma equação separável que pode ser resolvida da forma usual
S′ 1 d0
=− ⇔ log S = −log r + d0 ⇔ S=
S r r
pelo que
d0
R′ = ⇔ R(r) = d0 log r + c0
r
Mais uma vez, atendendo a que a solução deve ser limitada, teremos que escolher d0 = 0.
Concluimos assim, que para qualquer n ∈ N0
un (r, θ) = Rn (r)Θ( θ) = r n cn cos (nθ) + dn sen (nθ)
é uma solução periódica da equação diferencial, pelo que qualquer combinação linear destas
funções tambem o será. Ou seja, a solução formal da equação tem a forma
∞
X
u(r, θ) = c0 + r n cn cos (nθ) + dn sen (nθ)
n=1
para θ ∈ [−π, π]. Pelo que as constantes (cn )n∈N0 e (dn )n∈N podem ser determinadas pela série
de Fourier associada a f no intervalo [−π, π], isto é
Z Z
2 π 1 π
c0 = f (θ)dθ , cn = f (θ)cos (nθ)dθ
π −π π −π
e Z π
1
dn = f (θ)sen (nθ)dθ
π −π
194